TCU - Direito Constitucional - Damásio
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CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA
MDULO I DIREITO CONSTITUCIONAL Teoria Geral da Constituio
__________________________________________________________________ Praa Almeida Jnior, 72 Liberdade So Paulo SP CEP 01510-010 Tel.: (11) 3346.4600 Fax: (11) 3277.8834 www.damasio.com.br
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DIREITO CONSTITUCIONAL Teoria Geral da Constituio
Professor Ricardo Cunha Chimenti
1.
INTRODUO
O Direito um todo. Sua diviso ocorre somente para fins didticos. O Direito Constitucional, de acordo com tal subdiviso, pertence ao ramo do Direito Pblico, uma vez que regula e interpreta normas fundamentais do Estado. O Direito Constitucional um ramo particularmente marcado por sua historicidade, pois se desenvolve em paralelo evoluo do Estado de Direito, abrangendo desde o liberal, de cunho negativo, ao atual, necessariamente intervencionista. De acordo com o conceito de Jos Afonso da Silva, Direito Constitucional o ramo do direito pblico que expe, interpreta e sistematiza os princpios e normas fundamentais do Estado.
1.1. Constituio Constituio a organizao jurdica fundamental do Estado. As regras do texto constitucional, sem exceo, so revestidas de supralegalidade, ou seja, possuem eficcia superior s demais normas. Por isso se diz que a Constituio norma positiva suprema (positiva, pois escrita). A estrutura do ordenamento jurdico escalonada. Essa idia remonta a Kelsen, sendo que todas as normas situadas abaixo da Constituio devem ser com ela compatveis. A isso se d o nome de relao de compatibilidade vertical (RCV).
CF Demais normas
No pice da pirmide esto as normas constitucionais; logo, todas as demais normas do ordenamento jurdico devem buscar seu fundamento de validade no texto constitucional, sob pena de inconstitucionalidade. Basta que a regra jurdica esteja na Constituio Federal para ela ser revestida de supralegalidade. Na Constituio Federal de 1988, existem regras formalmente constitucionais (RFC) e regras materialmente constitucionais (RMC).
1.2. Regras Materialmente Constitucionais Regras materialmente constitucionais so as regras que organizam o Estado. Somente so materialmente constitucionais as regras que se relacionam com o Poder e que tratam de matria constitucional, independentemente de estarem ou no dispostas na Constituio, a exemplo da Lei Complementar n. 64/90, que traa as hipteses de inelegibilidades para os cargos dos Poderes Executivo e Legislativo, e do Estatuto do Estrangeiro.
Modo de Aquisio Modo de Exerccio2/157
Elementos Orgnicos ou Organizacionais (so as regras que organizam o Poder)
PODERElementos Socioideolgicos (princpios da ordem econmica e social)
Elementos Limitativos (enunciao dos direitos fundamentais das pessoas. Sistema de Garantia das Liberdades)
1.2.1. Exemplos de regras materialmente constitucionais
A forma de Estado (Federal), a forma de governo (Repblica) e o regime de governo (Presidencialista) so definidos em regras jurdicas que organizam o Poder. A Constituio Federal deve enunciar os direitos fundamentais dos indivduos. Quando se enunciam esses direitos, automaticamente definido um limite ao eventual exerccio arbitrrio do poder.
1.3. Regras Formalmente Constitucionais Todas as regras dispostas no texto constitucional so formalmente constitucionais, no entanto, algumas delas podem ser tambm regras materialmente constitucionais. O fato de uma regra estar na Constituio imprime a ela o grau mximo na hierarquia jurdica, seja ela regra material, seja regra formal. O grau de rigidez tambm o mesmo para toda norma constitucional, independentemente de ser ela material ou formal. As regras formalmente constitucionais podem ser observadas nos seguintes exemplos: os artigos 182 (que trata da poltica de desenvolvimento urbano) e 242, 2., ambos da Constituio Federal de 1988. Essas regras, sob o ponto de vista material, no so regras que tratam de matria constitucional. No entanto, devido ao fato de estarem dispostas na Constituio, so regras formalmente constitucionais.
1.4. Concepes sobre as Constituies
1.4.1. Sentido sociolgico Para Ferdinand Lassalle, a Constituio a soma dos fatores reais do poder que regem nesse pas, sendo a Constituio escrita apenas uma folha de papel. Para Lassalle, Constituio legtima a que representa o efetivo poder social.
1.4.2. Sentido poltico Carl Schmitt concebe a Constituio no sentido poltico, pois para ele Constituio fruto da deciso poltica fundamental tomada em certo momento. Para Schmitt h diferena entre Constituio e lei constitucional; contedo prprio da Constituio aquilo que diga respeito forma de Estado, forma de governo, aos rgos do poder e declarao dos direitos individuais. Outros assuntos, embora escritos na Constituio, tratam-se de lei constitucional (observe-se que essas idias esto prximas as de Constituio material e formal).
1.4.3. Sentido jurdico A Constituio tambm pode ser vista apenas no sentido jurdico. Para Hans Kelsen, Constituio considerada norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretenso fundamentao sociolgica, poltica ou filosfica. Ao defender essas idias, Kelsen ressalta a diferena entre o Direito e as demais cincias, sejam naturais ou sociais. O cientista do Direito deve buscar solues no prprio sistema normativo.
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Kelsen concebe a palavra Constituio em dois sentidos:
lgico-jurdico: norma fundamental hipottica; jurdico-positivo: conjunto de normas que regula a criao de outras normas; nesse sentido, Constituio a norma positiva suprema.
2. CLASSIFICAO DAS CONSTITUIES
2.1. Quanto ao Contedo
Constituio material ou substancial: o conjunto de regras materialmente constitucionais, que regula a estrutura do Estado, a organizao de seus rgos e os direitos fundamentais. Tais regras podem ou no estar na Constituio. H, por exemplo, regras materialmente constitucionais disciplinadas em lei ordinria, como o j citado Estatuto do Estrangeiro. Constituio formal: o conjunto de regras jurdicas, inseridas no texto unitrio da Constituio escrita, diga ou no respeito matria constitucional. Exemplo: o artigo 14, 4., da Constituio Federal, que trata da inelegibilidade, regra formal e materialmente constitucional porque delineia o modo de aquisio e exerccio do poder. Mas os casos de inelegibilidade no so apenas os previstos nesse dispositivo; a Lei Complementar n. 64, de 18.5. 1990 disciplina outras hipteses, em consonncia com o prescrito no 9. do prprio artigo 14.
2.2. Quanto Forma
Constituio no-escrita, costumeira ou consuetudinria: a Constituio em que as normas no constam de um documento nico e solene. Suas fontes so: os usos e costumes, os precedentes jurisprudenciais e os textos escritos esparsos (atos do Parlamento). Na Constituio costumeira, os textos escritos no so as nicas fontes constitucionais, mas sim apenas uma parte delas. Existem textos escritos nessas constituies; no entanto, a maioria das fontes constitucionais de usos e costumes; os textos no so consolidados, podendo haver entre eles um perodo de at 400 anos. O melhor exemplo de Constituio no-escrita a Constituio do Reino Unido. Constituio escrita: composta por um conjunto de regras codificadas e sistematizadas em um nico documento.
2.3. Quanto Extenso ou ao Modelo
Constituio sinttica: a Constituio concisa. A matria constitucional vem predisposta de modo resumido 1 (exemplo: a Constituio dos Estados Unidos da Amrica, que tem 7 artigos e 26 emendas). Constituio analtica: caracteriza-se por ser extensa, minuciosa. A Constituio brasileira o melhor exemplo.
2.4. Quanto ao Modo de Elaborao
Constituio dogmtica: reflete a aceitao de certos dogmas, ideais vigentes no momento de sua elaborao, reputados verdadeiros pela cincia poltica. Constituio histrica: a Constituio no-escrita, resultante de lenta formao histrica. No reflete um trabalho materializado em um nico momento.
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BULHOS, Uadi Lammgo. Constituio Federal Anotada. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2001.p. 10. 4/157
2.5. Quanto Ideologia
Ecltica, pluralista, complexa ou compromissria: possui uma linha poltica indefinida, equilibrando diversos princpios ideolgicos. Conforme entende Manoel Gonalves Ferreira Filho, no fato de a Constituio Federal ser dogmtica na sua acepo ecltica consiste o carter compsito de nosso dogmatismo (heterogneo). Ortodoxa ou simples : possui linha poltica bem definida, traduzindo apenas uma ideologia.
2.6. Quanto Origem ou ao Processo de Positivao
Constituio promulgada, democrtica ou popular (votada ou convencional): tem um processo de positivao proveniente de acordo ou votao. delineada por representantes eleitos pelo povo para exercer o Poder Constituinte (exemplo: a Constituio de 1988). Constituio outorgada: imposta por um grupo ou por uma pessoa, sem um processo regular de escolha dos constituintes, ou seja, sem a participao popular (exemplo: a Constituio brasileira de 1937).
Observao: h uma tendncia na doutrina de se restringir o uso da expresso Carta Constitucional somente para a Constituio outorgada (exemplo: a Carta de 1969) e Constituio apenas para os textos provenientes de conveno (exemplo: a Constituio de 1988).
Constituio Cesarista ou Bonapartista: assim chamada pela doutrina, nada mais do que uma Constituio outorgada que passa por uma encenao de um processo de consulta ao eleitorado, para revesti-la de aparente legitimidade. Constituio dualista ou pactuada: citada pela doutrina, essa Constituio caracteriza-se por ser fruto de um acordo entre o soberano e a representao nacional.
2.7. Quanto Estabilidade, Mutabilidade ou Alterabilidade
Constituio rgida: para ser modificada necessita de um processo especial, mais complexo do que o exigido para alterao da legislao infraconstitucional. A Constituio Federal do Brasil um exemplo. Constituio flexvel ou no-rgida: pode ser modificada por procedimento comum, o mesmo utilizado para as leis ordinrias. Constituio semi-rgida: contm uma parte rgida e outra flexvel. Exemplo: a Constituio do Imprio de 1824, que previa, em seu artigo 178, a modificao das regras materialmente constitucionais por procedimento especial e a modificao das regras formalmente constitucionais por procedimento comum.
2.8. Quanto Funo Esta classificao, apresentada por Jos Joaquim Gomes Canotilho, no apresenta categorias que sejam logicamente excludentes, ou seja, a Constituio poder receber mais de uma destas classificaes:
Constituio garantia, quadro ou negativa: a clssica, enunciando os direitos das pessoas, limitando o exerccio abusivo do poder e dando uma garantia aos indivduos. Originou-se a partir da reao popular ao absolutismo monrquico. denominada quadro porque h um quadro de direitos definidos e negativa porque se limita a declarar os direitos e, por conseguinte, o que no pode ser feito. Constituio balano: um reflexo da realidade. a Constituio do ser. Um exemplo a Constituio da extinta URSS, de 1917. Constituio dirigente: no se limita a organizar o poder, mas tambm preordena a sua forma de atuao por meio de programas vinculantes. a Constituio do dever-ser. A nossa Constituio Federal inspirou-se no modelo da Constituio portuguesa.
Observaes:
1.
Programas constitucionais: devem ser desenvolvidos por quem se encontre no exerccio do poder.
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2. 3.
Direo poltica permanente: imposta pelas normas constitucionais. Direo poltica contingente: imposta pelos partidos polticos que se encontram no governo.
3. HISTRICO DAS CONSTITUIES BRASILEIRAS
1824: positivada por outorga. Constituio do Imprio do Brasil. Havia um quarto poder: o Poder Moderador. 1891: positivada por promulgao. Primeira Constituio da Repblica. 1934: positivada por promulgao. 1937: positivada por outorga (Getlio Vargas). Apelidada de Constituio Polaca. 1946: positivada por promulgao. Restabeleceu o Estado Democrtico. 1967: positivada por outorga. (h quem sustente ter sido positivada por conveno, pois o texto elaborado pelo Governo Militar foi submetido ao referendo do Congresso Nacional antes de entrar em vigor). 1988: positivada por promulgao (Constituio Cidad).
Observao: em 1969 foram efetivadas vrias alteraes por meio da Emenda Constitucional n. 1/69, que para alguns autores caracteriza uma Constituio outorgada.
4. CLASSIFICAO DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988
A Constituio Federal de 1988 possui a seguinte classificao:
quanto ao contedo: formal; quanto forma: escrita; quanto extenso: analtica; quanto ao modo de elaborao: dogmtica; quanto ideologia: ecltica; quanto origem: promulgada; quanto estabilidade: rgida; quanto funo: garantia e dirigente.
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CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA
MDULO II DIREITO CONSTITUCIONAL Elementos das Constituies Fenmenos da Mutao Constitucional
__________________________________________________________________ Praa Almeida Jnior, 72 Liberdade So Paulo SP CEP 01510-010 Tel.: (11) 3346.4600 Fax: (11) 3277.8834 www.damasio.com.br
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DIREITO CONSTITUCIONAL Elementos das Constituies Fenmenos da Mutao Constitucional
Professor Ricardo Cunha Chimenti
1. ELEMENTOS DAS CONSTITUIES
As Constituies contemporneas contm normas que dispem sobre matrias de naturezas e finalidades diversas. Conforme a conexo do contedo dessas normas, elas so agrupadas em ttulos, captulos e sees. Da surgiu o tema elementos das Constituies. Doutrinariamente, h um dissenso acerca da caracterizao dos elementos das Constituies no que se refere estrutura normativa. A classificao a seguir apresentada por Jos Afonso da Silva.
1.1. Elementos Limitativos So regras que enunciam os direitos e garantias fundamentais, limitando a ao do poder estatal. A Constituio Federal os posicionou no Ttulo II, com exceo do Captulo II.
1.2. Elementos Orgnicos ou Organizacionais So regras que tratam da organizao do Poder e do Estado. Na nossa Constituio encontram-se, predominantemente, nos Ttulos III, IV, V (Captulos II e III), e VI.
1.3.
Elementos Scio-Ideolgicos
Constituem princpios da Ordem Econmica e Social (OES) e so indissociveis da opo poltica da organizao do Estado (regras materialmente constitucionais). Na Constituio Federal de 1988 apresentam-se nos Ttulos II (Captulo II), VII e VIII.
1.4.
Elementos de Estabilizao Constitucional
Regras destinadas a assegurar a soluo de conflitos constitucionais, a defesa do Estado, da Constituio e das instituies democrticas. Exemplos desses elementos na nossa Constituio: artigo 102, inciso I, alnea a; artigo 34 a 36; artigo 59, inciso I; artigo 60; artigo 103; Ttulo V (Captulo I);
1.5.
Elementos Formais de Aplicabilidade
Normas que estatuem formas de aplicao das constituies. Caracterizam esses elementos o prembulo, o Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT), o dispositivo que contm as clusulas de promulgao, bem como o disposto no 1. do artigo 5..
1.5.1. Ato das Disposies Constitucionais Transitrias
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A Constituio Federal contm duas partes distintas:
disposies permanentes (artigos 1. a 250); disposies transitrias (artigos 1. a 83).
Embora apresente a diviso exposta, a Constituio una. As disposies transitrias integram a Constituio, possuindo a mesma rigidez e a mesma eficcia das disposies permanentes, ainda que por um perodo limitado. Os atos transitrios podem ser alterados seguindo-se o mesmo procedimento de alterao dos dispositivos presentes no corpo da Constituio, por emenda constitucional. A Constituio posterior ab-roga a anterior (vide item 2.3). As disposies transitrias exteriorizam-se por meio de um conjunto de normas que cuida do direito intertemporal. Assim, tm por finalidade, basicamente:
regular a transio entre a Constituio a ser ab-rogada e a Constituio que entrar em vigor; regular transitoriamente matria infraconstitucional at que sobrevenha lei.
Exemplo: O constituinte de 1988, preocupado com a inrcia do legislador ordinrio, regulou transitoriamente, no artigo 10 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, a relao de dispensa sem justa causa disposta no artigo 7., I, da Constituio Federal de 1988. Este artigo 10 ficar regulando o artigo 7., I, at que seja promulgada a lei complementar, quando se dar o exaurimento da norma transitria.
1.5.2. Prembulo Constitucional a parte introdutria que contm a enunciao de certos princpios, os quais refletem a sntese da posio ideolgica do constituinte. O prembulo caracteriza-se como um importante elemento de interpretao das normas constitucionais. O prembulo parte integrante da Constituio Federal, tendo em vista que sua redao foi objeto de votao, assim como todos os artigos do texto constitucional. Denomina-se confessional ou sectrio o Estado que possui relao direta com uma determinada religio; h uma religio oficial (exs.: Argentina, Escandinvia, Reino Unido). A contrario senso, o Estado que no possui essa relao intitulado leigo ou laico. Considera-se teocrtico o Estado em que o poder poltico representado pela prpria religio. O chefe religioso e o chefe poltico so a mesma pessoa. (exemplo: Estados fundamentalistas islmicos). Durante todo o perodo em que vigorou a Constituio do Imprio de 1824, o Brasil foi um Estado confessional; adotou-se oficialmente a religio Catlica Apostlica Romana, conforme seu artigo 4.. Os padres eram equiparados aos funcionrios pblicos. Com o advento da Proclamao da Repblica nosso pas instituiu a neutralidade em matria confessional. Assim, o artigo 19, I, da Constituio Federal, dispe que o Brasil um pas leigo, no podendo adotar nenhuma religio especfica, seja ela qual for. No prembulo da nossa Constituio, entretanto, invoca-se a proteo de Deus. Alguns afirmam a existncia de uma contradio entre o prembulo e o citado artigo 19. No entanto, a referncia ao nome de Deus no prembulo no tem nenhum contedo sectrio, no diz respeito ao Deus de uma religio especfica. Apesar de ser o Brasil um Estado leigo, trata-se de um Estado testa, ou seja, embora seja neutro em matria confessional, acredita-se, oficialmente, na existncia de um ser supremo e nico, de todas as crenas. Cuba um exemplo de Estado atesta, isto , que nega oficialmente a existncia de Deus. A Lei Federal n. 6.802/80, que criou o feriado de 12 de outubro no pas, em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, considerada por alguns autores inconstitucional, pois no poderia haver um feriado catlico em um pas laico. O prembulo tem valor normativo? H divergncia. Para uma primeira corrente no pode ser considerado regra jurdica, porque contm apenas a enunciao de certos princpios. Para outra a resposta afirmativa, citando como exemplo a realizao de um decreto pelo ento Presidente Jos Sarney, o qual ordenou a incluso da expresso Deus seja louvado no papel moeda. Esse decreto vlido e constitucional, uma vez que no se refere religio, mas apenas a Deus. Seria inconstitucional esse decreto se mandasse incluir a expresso Louvada seja a Santssima Trindade, por exemplo.
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Prevalece para o prembulo sua natureza de documento de intenes que tambm pode servir para orientar a elaborao, interpretao e integrao das normas constitucionais e infraconstitucionais. As idias expostas no prembulo no prevalecem sobre a regra escrita no corpo da Constituio.
2. FENMENOS DA MUTAO CONSTITUCIONAL
2.1. Recepo O fenmeno da recepo assegura a preservao do ordenamento jurdico inferior e anterior nova Constituio, desde que, com esta, se mostre materialmente compatvel (procedimento abreviado de recriao de normas jurdicas). Assim, as leis infraconstitucionais editadas sob fundamento de validade da Constituio anterior, no necessitam de nova votao, tendo em vista que, se forem compatveis com a nova Constituio, sero recepcionadas por esta, possuindo, ento, um novo fundamento de validade. O fato de uma lei se tornar incompatvel com o novo texto constitucional d ensejo a sua revogao (tcita), de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, uma vez que inexiste inconstitucionalidade superveniente. Destarte, uma lei no recepcionada est revogada. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o artigo 233 do Cdigo Civil de 1916 que estabelecia ser o marido o chefe da sociedade conjugal e foi tacitamente revogado pelo 5. do artigo 226 da Constituio Federal de 1988. O fenmeno da recepo, ento, uma questo de compatibilidade exclusivamente material, pois nada tem a ver com o aspecto formal. Tomemos, como exemplo, a excluso dos Decretos-lei pela Constituio Federal de 1988. Todos os Decretos-lei preexistentes compatveis com as novas normas constitucionais continuaram vigentes (exemplo: o Cdigo Penal e o Cdigo de Processo Penal; Decretos-lei que ainda esto em vigor) Tratando-se de matria reservada a lei complementar na Constituio anterior e a matria reservada a lei ordinria na nova Constituio, haver recepo; entretanto, ser recepcionada como lei ordinria. Um exemplo a Lei Orgnica do Ministrio Pblico, em que a Constituio Federal de 1969 reservava a matria lei complementar, sendo editada tal lei sob o n. 40/81 . Com o advento da Carta de 1988 a matria no foi expressamente reservada lei complementar, sendo, ento, editada a Lei Ordinria n. 8.625/93. Assim, a Lei Complementar n. 40/81 foi recepcionada pela Constituio vigente com natureza de lei ordinria, apesar de estar rotulada como lei complementar, e por isso foi revogada pela Lei n. 8.625/93. O Cdigo Tributrio Nacional foi elaborado na vigncia da Constituio de 1946, a qual no previa a espcie normativa lei complementar. Com o advento da Constituio de 1967, que passou a prever a lei complementar, tornando, ainda, o rito de observncia obrigatria matria tributria, pelo fenmeno da mutao constitucional, o Cdigo Tributrio ganhou natureza de lei complementar. H quem conteste esse posicionamento, alegando que o referido diploma continua sendo lei ordinria e apenas para fins de modificao de seu contedo necessita seguir o modelo da lei complementar.
2.2. Repristinao Repristinao o restabelecimento de vigncia da lei revogada pela revogao da lei dela revogadora (exemplo: lei B revoga a lei A; advm a lei C, que revoga a lei B; o fato de a lei C ter revogado a lei B restaura automaticamente a vigncia da lei A). No Brasil, salvo disposio expressa em sentido contrrio, a lei revogada no se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigncia (artigo 2., 3., da Lei de Introduo ao Cdigo Civil).
2.3. Teoria da Desconstitucionalizao a possibilidade de recepo pela nova ordem constitucional, como leis ordinrias (em processo de queda de hierarquia), de normas apenas formalmente constitucionais da Constituio anterior que no tenham sido repetidas ou contrariadas pela nova Constituio. Essa teoria inaplicvel ao sistema jurdico brasileiro, tendo em vista que a Constituio nova ab-roga a anterior. A nova Constituio, entretanto, pode estabelecer expressamente que algum assunto da anterior continuar em vigor.
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Hoje, tambm se denomina desconstitucionalizao a retirada por meio de uma matria que no constitua clusula ptrea do texto constitucional, a fim de que ela possa ser disciplinada e modificada por lei infraconstitucional.
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CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA
MDULO III DIREITO CONSTITUCIONAL Aplicabilidade das Normas Constitucionais
__________________________________________________________________ Praa Almeida Jnior, 72 Liberdade So Paulo SP CEP 01510-010 Tel.: (11) 3346.4600 Fax: (11) 3277.8834 www.damasio.com.br
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DIREITO CONSTITUCIONAL Aplicabilidade das Normas Constitucionais
Professor Ricardo Chimenti
1. CLASSIFICAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO EFICCIA JURDICA
1.1. Introduo A doutrina clssica classificava as normas constitucionais em auto-executveis (auto-aplicveis) e no auto-executveis. Assim, algumas normas seriam imediatamente aplicveis e outras no. O Professor Jos Afonso da Silva, ao contrrio do que entendia a doutrina clssica, afirmou que todas as normas constitucionais, sem exceo, so revestidas de eficcia jurdica, ou seja, de aptido produo de efeitos jurdicos, sendo assim todas aplicveis, em maior ou menor grau. Para graduar essa eficcia dentro de categorias lgicas, foi proposta a seguinte classificao:
norma constitucional de eficcia jurdica plena; norma constitucional de eficcia jurdica limitada; norma constitucional de eficcia jurdica contida.
1.2. Norma Constitucional de Eficcia Jurdica Plena Tambm chamada norma completa, auto-executvel ou bastante em si, aquela que contm todos os elementos necessrios para a pronta e integral aplicabilidade dos efeitos que dela se esperam. A norma completa, no havendo necessidade de qualquer atuao do legislador (exemplo: artigo 1. da Constituio Federal de 1988).
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1.3. Norma Constitucional de Eficcia Jurdica Limitada aquela que no contm todos os elementos necessrios sua integral aplicabilidade, porque ela depende da interpositio legislatoris (interposio do legislador). Muitas vezes essas normas so previstas na Constituio com expresses como nos termos da lei, na forma da lei, a lei dispor, conforme definido em lei etc. A efetividade da norma constitucional est na dependncia da edio de lei que a integre (lei integradora). Somente aps a edio da lei, a norma constitucional produzir todos os efeitos que se esperam dela (exemplo: artigo 7., inciso XI, da Constituio Federal de 1988, que s passou a produzir a plenitude de seus efeitos a partir do momento em que foi integrada pela Lei n. 10.101/00).
Norma de Eficcia + Jurdica Limitada
Interposio do = legislador (Lei)
Plenitude dos efeitos
A aplicabilidade da norma constitucional de eficcia jurdica plena imediata. No caso da norma limitada, a aplicabilidade total mediata. O constituinte, prevendo que o legislador poderia no criar lei para regulamentar a norma constitucional de eficcia limitada, criou mecanismos de defesa dessa norma:
mandado de injuno; ao direta de inconstitucionalidade por omisso.
Conforme j foi dito, somente aps a edio da lei, a norma constitucional produzir todos os efeitos que se esperam dela. Assim, a norma de eficcia limitada, antes da edio da lei integradora, no produz todos os efeitos, mas j produz efeitos importantes. Alm de revogar as normas incompatveis (efeito negativo, paralisante das normas contrrias antes vigentes), produz tambm o efeito impeditivo, ou seja, impede a edio de leis posteriores contrrias s diretrizes por ela estabelecidas. A norma constitucional de eficcia limitada divide-se em:
Norma constitucional de eficcia jurdica limitada de princpio programtico: todas as normas programticas so de eficcia limitada. So normas de organizao que estabelecem um programa constitucional definido pelo legislador. Essas normas so comuns em Constituies dirigentes. Exemplos: artigo 196 e artigo 215 da Constituio Federal. Norma constitucional de eficcia jurdica limitada de princpio institutivo: aquelas pelas quais o legislador constituinte traa esquemas gerais de estruturao e atribuies de rgos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinrio os estruture em definitivo, mediante lei.2 Exemplo: artigo 98 da Constituio Federal.
1.4. Norma Constitucional de Eficcia Jurdica Contida (Redutvel ou Restringvel) A norma de eficcia redutvel aquela que, desde sua entrada em vigor, produz todos os efeitos que dela se espera, no entanto, sua eficcia pode ser reduzida pelo legislador infraconstitucional. Note-se que enquanto o legislador no produzir a norma restritiva, a eficcia da norma constitucional ser plena e sua aplicabilidade imediata. Excepcionalmente, uma norma constitucional pode ao mesmo tempo ser de eficcia limitada e contida, a exemplo do inciso VII do artigo 37 da Constituio Federal. Exemplo de norma constitucional de eficcia jurdica contida: o inciso LVIII do artigo 5. assim dispe: o civilmente identificado no ser submetido a identificao criminal, salvo nas hipteses previstas em lei;. Observe-se que a norma restringe sua eficcia ao dispor, por exemplo, salvo nas hipteses previstas em lei. A esta ressalva, constante do dispositivo mencionado como exemplo, a doutrina denomina clusula expressa de redutibilidade. Destarte, correto dizer que todas as normas que contm clusula expressa de redutibilidade so normas de eficcia contida. Mas preciso ressaltar que nem todas as normas de eficcia contida contm clusula expressa de redutibilidade. Com efeito, as normas definidoras de direitos no tm carter absoluto, ou seja, em alguns casos, orientadas pelos princpios da proporcionalidade e da razoabilidade, permitido ao legislador criar excees, ainda que a norma no tenha clusula expressa de redutibilidade. Podemos citar como exemplo o artigo 5. da Constituio Federal, que garante o direito vida, entretanto esse direito2
SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 4. ed. So Paulo: Malheiros, 2000. 14/157
foi reduzido quando o Cdigo Penal admitiu a existncia da legtima defesa. Se a norma garantidora do direito vida fosse absoluta, no poderia uma norma infraconstitucional restringir esse direito, permitindo a legtima defesa. Outro exemplo que podemos citar de princpio consagrado constitucionalmente que no tem carter absoluto o da presuno de inocncia (artigo 5., inciso LVII, da Constituio Federal). Se esse princpio tivesse carter absoluto, a priso preventiva seria inconstitucional.
1.5. Resumo Assim, de acordo com a melhor doutrina, as normas constitucionais podem ter:
Eficcia PlenaAplicabilidade imediata No exige lei que integre ou modifique a eficcia da norma.
EficciaAplicabilidade mediata Enquanto lei integradora no sobrevm; a norma no produz seus efeitos
EficciaAplicabilidade imediata Enquanto a lei no sobrevm, a norma ter eficcia plena.
Por fim, as normas constitucionais podem ser de eficcia exaurida (esvada) e aplicabilidade esgotada, conforme leciona Uadi Lammgo Bulos, classificao que abrange sobretudo as normas do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias que j efetivaram seus mandamentos.
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MDULO IV DIREITO CONSTITUCIONAL Poder Constituinte
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DIREITO CONSTITUCIONAL Poder Constituinte
Professor Ricardo Cunha Chimenti
1. PODER CONSTITUINTE
1.1. Introduo
Os poderes constitudos da Repblica so os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio. Se eles so constitudos, significa dizer que algo os constituiu. Logo, existe um Poder maior: o Poder Constituinte. O Poder Constituinte aquele capaz de editar uma constituio, dar forma ao Estado e constituir Poderes. Costuma-se distinguir a titularidade e o exerccio do Poder Constituinte. Seu titular o povo, mas quem exerce esse poder um rgo colegiado (Assemblia Nacional Constituinte) ou uma ou mais pessoas que se invistam desse poder ( o caso das constituies outorgadas).
1.2. Poder Constituinte Originrio O poder capaz de editar a primeira ou uma nova constituio chamado Poder Constituinte Originrio (Genuno ou de 1 Grau). O Poder Constituinte Originrio a expresso soberana da maioria de um povo em determinado momento histrico, expresso (vontade) que pode ser manifestada por meio de aceitao presumida do agente constituinte, por eleies (que geralmente selecionam os membros de uma assemblia constituinte) ou mesmo por uma revoluo. O Poder Constituinte Originrio tem as seguintes caractersticas:
inicial: no se funda em nenhum outro. H um rompimento com a ordem jurdica anterior, ocorrendo a criao de um novo Estado; autnomo: no se submete a limitaes de natureza material; incondicionado: no obedece nenhuma forma.
Embora seja autnomo, o Poder Constituinte Originrio est limitado ao Direito Natural (limites transcendentais). Assim, a autonomia do Poder Constituinte Originrio no significa que ele seja ilimitado. Os positivistas chamam essa categoria de poder de soberano, visto que o Poder Constituinte Originrio no se submete a nenhum limite do Direito Positivo.
1.3. Poder Constituinte Derivado Quando o Constituinte Originrio exercita o poder de editar uma nova constituio, tem conscincia de que, com o passar dos anos, haver necessidade de modificaes. Ento, vislumbrando essa hiptese, a Assemblia Constituinte dispe quando, por quem e de que maneira podero ser feitas tais modificaes, instituindo para tanto o Poder Constituinte Derivado.
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O Poder Reformador (Poder Constituinte Derivado ou de 2 Grau) exercido pelo Congresso Nacional por meio de emendas constitucionais. O Poder Constituinte Derivado tem as seguintes caractersticas:
derivado: criado pelo poder originrio e dele deriva; subordinado: sujeita-se a limitaes de natureza material chamadas clusulas ptreas; condicionado: submete-se a condicionamentos formais.
1.3.1. Poder Constituinte Decorrente Alm do Poder Constituinte Originrio e do Poder Constituinte Derivado (ou Reformador), temos o Poder Constituinte Decorrente (artigo 11, caput, do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias). Para alguns, alis, o Poder Constituinte Decorrente uma simples espcie do gnero Poder Constituinte Derivado, apresentando as mesmas limitaes deste. Poder Constituinte Derivado Decorrente o poder de que se acham investidos os Estados-membros de se auto-organizarem de acordo com suas prprias constituies (artigo 25 da Constituio Federal), respeitados os princpios constitucionais impostos (de forma explcita ou implcita) pelo Poder Constituinte Federal (originrio ou derivado). O Distrito Federal tambm um ente federativo autnomo regido por sua lei orgnica (artigo 32 da Constituio Federal). O Poder Legislativo do Distrito Federal chama-se Cmara Legislativa (o dos Estados-membros chama-se Assemblia Legislativa e o dos Municpios chama-se Cmara Municipal). Os Municpios ganharam com a Constituio Federal de 1988 a capacidade de auto-organizao. Regem-se e se organizam por meio das suas Leis Orgnicas Municipais, devendo observncia Constituio Federal e s Constituies Estaduais (artigo 11, pargrafo nico, do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias). Segundo alguns doutrinadores, a Lei Orgnica do Municpio uma espcie de Constituio e, portanto, tambm manifestao do poder decorrente. Para outros doutrinadores, o poder decorrente pertence somente aos Estados.
2. PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL (ARTIGO 60)
Quando o constituinte originrio estabeleceu que o exercente do poder reformador seria o Congresso Nacional por meio de emenda constitucional, acabou por colocar limites e condicionamentos reforma constitucional. Se houver a violao dos limites estabelecidos, a emenda constitucional ser inconstitucional.
2.1. Limites Emenda Constitucional Os limites tm natureza procedimental, circunstancial, temporal e material.
2.1.1. Limites procedimentais (ou formais) a) Iniciativa (artigo 60, caput) A Constituio poder ser emendada mediante proposta de um tero (no mnimo) dos deputados ou um tero dos senadores, do Presidente da Repblica, ou de mais da metade das Assemblias Legislativas. A iniciativa para os membros do Congresso Nacional necessariamente coletiva, ou seja, para que uma proposta de emenda constitucional possa tramitar, dever haver, no mnimo, assinatura de um tero dos deputados ou senadores. No poder haver iniciativa parlamentar individual. A nica iniciativa individual a do Presidente da Repblica. As Assemblias Legislativas das unidades da Federao podero apresentar um projeto de emenda constitucional se houver a adeso de, no mnimo, mais da metade delas. Em cada Assemblia Legislativa necessrio o quorum simples (maioria relativa) para adeso proposta. b) Votao (artigo 60, 2.) A proposta ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, trs quintos dos votos dos respectivos membros.
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Observao: O poder anmalo de reviso, previsto no artigo 3. do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, possibilitou alteraes na Constituio Federal pelo quorum de maioria absoluta (voto favorvel de mais da metade de todos os deputados e senadores, em sesso unicameral) e encerrou seus trabalhos em 1994, aps a edio da Emenda Constitucional de Reviso n. 6. Trata-se, pois, de norma de eficcia exaurida. c) Promulgao (artigo 60, 3.) A promulgao ser feita pelas Mesas da Cmara e do Senado. Aprovada a emenda constitucional pelo Congresso, no ir para a sano do Presidente da Repblica.
2.1.2. Limites circunstanciais (artigo 60, 1.) Durante a vigncia de interveno federal, estado de defesa ou estado de stio, o poder de reforma no poder ser exercido. Essa limitao chamada pela doutrina de limitao circunstancial, pois so circunstncias que limitam o exerccio do poder de reforma. A norma constitucional decorrente do poder de reforma editada durante essas situaes de anormalidade ser inconstitucional.
2.1.3. Limites temporais (artigo 60, 5.) A Constituio do Imprio (1824) institua que o poder de reforma somente poderia ser exercido aps quatro anos da vigncia da Constituio. A Constituio Federal de 1988 no trouxe essa limitao temporal. Alguns doutrinadores entendem que existe uma limitao temporal no 5. do artigo 60 o qual dispe que a matria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada no pode ser objeto de nova proposta na mesma sesso legislativa. Outros doutrinadores consideram essa limitao procedimental.
2.1.4. Limites materiais As limitaes materiais dizem respeito s matrias que no podem ser objeto de emenda. As limitaes expressamente dispostas no 4. do artigo 60 (clusulas ptreas) so chamadas limitaes materiais explcitas, entretanto, existem limitaes materiais no dispostas neste artigo, que decorrem do sistema constitucional, e so chamadas limitaes materiais implcitas. Passamos a estudar as limitaes materiais explcitas. O 4. do artigo 60 dispe que: No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - voto direto, secreto, universal e peridico; III - a separao dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.
Observe-se que a Constituio diz tendente. Assim, a vedao atinge a pretenso de modificar qualquer elemento conceitual (exemplo: a autonomia dos Estados-membros elemento conceitual do Estado Federal). O Inciso I dispe que o Estado Federal imutvel. Muitos doutrinadores entendem que h uma limitao implcita quanto modificao da forma do governo e do regime de governo, tendo em vista o resultado do plebiscito de 1993. O Inciso II dispe que o voto direto, secreto, universal e peridico imutvel.
Voto direto: o eleitor escolhe diretamente os seus mandatrios, sem interposio de Colgio Eleitoral. Observao: H uma hiptese de exceo ao voto direto no 1. do artigo 81 da Constituio Federal, que prev eleio indireta para o
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cargo de Presidente e Vice-Presidente da Repblica se houver impedimento do Presidente e do Vice-Presidente nos dois ltimos anos do mandato.
Voto secreto: visa garantir a lisura das votaes, inibindo a intimidao e o suborno. Voto universal: estende-se a todas as pessoas. O condicionamento imposto por fora do amadurecimento das pessoas (idade) no tira o carter universal do voto. Voto peridico: significa que os mandatos polticos so provisrios. Pergunta: A Constituio Federal poder ser reformada para que o voto passe a ser facultativo?
Resposta: Sim. O artigo 14, 1., inciso I, dispe sobre a obrigatoriedade do voto. Essa obrigatoriedade, entretanto, no limitao material por no se tratar de clusula ptrea, podendo ser objeto de emenda. O inciso III dispe sobre o princpio da separao dos poderes. A Constituio consagra que os Poderes Legislativo, Judicirio e Executivo so independentes e harmnicos entre si. O Poder, embora seja nico, repartiu-se em trs e nenhum deles pode ser abolido, ou seja, no poder ser criado um novo Poder ou restringido um j existente (exemplo: no se pode transferir funes de um Poder para outro). Por fim, o inciso IV dispe que no se podem suprimir os direitos e garantias individuais. Assim, a limitao no alcana todos os direitos e garantias fundamentais. Para melhor vislumbrarmos o alcance dessa limitao, recomendvel recordarmos alguns conceitos. O gnero Direitos e Garantias Fundamentais comporta trs espcies: I Direitos Individuais; II Direitos Sociais; III Direitos Polticos.
As espcies direitos sociais e direitos polticos no so protegidos pelo inciso IV. Se o constituinte quisesse que todos os direitos fossem intangveis, no teria se referido aos direitos e garantias individuais, que a espcie, e sim aos direitos e garantias fundamentais, que o gnero. H, entretanto, polmica sobre o assunto. Quanto aos direitos sociais, alguns doutrinadores entendem que podem ser suprimidos em face da inteligncia do princpio do inclusio unius, alterius exclusio (o que no est dentro est fora). Outros sustentam, porm, que no podem ser suprimidos, pois se os direitos individuais so protegidos, com mais razo devem ser protegidos os direitos coletivos. Ressalte-se que os direitos e garantias individuais mencionados na clusula ptrea (artigo 60, 4., inciso IV) no so somente aqueles que constam no rol do artigo 5. da Constituio Federal. O Supremo Tribunal Federal j entendeu que o direito do artigo 150, inciso III, alnea b, da Constituio Federal, que no est incluso no rol dos direitos e garantias fundamentais, clusula ptrea; concluindo, destarte, que estas no esto limitadas ao elenco do artigo 5. da Constituio Federal. Essa parte da doutrina entende que os direitos sociais tambm podem ser considerados clusulas ptreas, impossveis de alterao. Outra questo polmica diz respeito possibilidade de ampliao das hipteses de pena de morte (artigo 5., inciso XLVII, alnea a), que atualmente s poder ser imposta em caso de guerra externa declarada (estado de beligerncia). Existe uma srie de crimes previstos no Cdigo Penal Militar apenados com morte. A execuo se d por fuzilamento, de acordo com o disposto no Cdigo de Processo Militar. Uma ampliao a esta exceo por emenda constitucional seria tendente a abolir o direito vida (direito individual). Ento, a doutrina dominante entende que no ser possvel a adoo da pena de morte. H, ainda, outra matria que divide a doutrina. A questo que se coloca : a Constituio pode se alterada para reduzir a idade de imputabilidade penal de 18 anos para 16 anos? H uma corrente doutrinria (minoritria) que entende que no, pois a regra prevista no artigo 228 da Constituio Federal trata-se de direito individual, sendo que as garantias e direitos individuais no se esgotam no rol do artigo 5. da Lei Maior (h precedente do Supremo Tribunal Federal neste sentido, conforme dito acima). A corrente majoritria defende a tese de que se o constituinte quisesse que essa regra fosse imutvel a teria colocado no j mencionado artigo 5..
As limitaes materiais implcitas so, dentre outras:
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Titular do poder constituinte originrio (artigo 1.): o titular do poder originrio no pode ser modificado pelo poder de reforma. S o Congresso Nacional pode exercer o poder de reforma: no poder haver delegao do poder de reforma. O Congresso Nacional no poder delegar o poder de reforma a outro rgo. Procedimento de Emenda Constitucional: no poder ser modificado o procedimento de Emenda Constitucional. Alguns autores entendem, entretanto, que o procedimento poder ser modificado para torn-lo mais rgido. Supresso da prpria clusula: impossibilidade de supresso da prpria clusula do 4. do artigo 60. Forma e Sistema de Governo: alguns doutrinadores entendem que a forma republicana e o sistema presidencialista no podem ser alterados, sob pena de frustrar o plebiscito realizado em 21.04.1993. Entende-se que s o povo, diretamente, por meio de referendo, poder reformar a Constituio quanto a estas matrias.
2.2. Reviso Constitucional A Constituio trouxe, no artigo 3. do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, uma disposio de reviso constitucional aps cinco anos da promulgao da Constituio, por voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional e em sesso unicameral. O artigo 3. no pode, entretanto, ser interpretado sozinho, mas sim conjuntamente com o artigo 2., que previa o plebiscito para alterar a forma e o sistema de governo (o artigo previa a realizao do plebiscito no dia 07.09.1993, mas o plebiscito foi antecipado para 21.04.1993). Desse modo, em incio, a regra do artigo 3. estaria condicionada ao resultado do plebiscito e s haveria a reviso se fosse modificada a forma ou o sistema de governo. No dia 5.10.1993 foi instalada, porm, a Assemblia Revisional e o Supremo Tribunal Federal entendeu que sua instalao no estava condicionada ao resultado do plebiscito, sendo promulgadas, naquela ocasio, seis Emendas Constitucionais Revisionais. A Emenda Constitucional Revisional, no entanto, estava submissa s clusulas ptreas do artigo 60, 4., da Constituio Federal, no podendo, validamente, suprimir direitos individuais, forma federativa de Estado, voto direto, secreto, universal e peridico ou a separao dos Poderes.
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CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA
MDULO V DIREITO CONSTITUCIONAL
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DIREITO CONSTITUCIONAL
1. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS (arts. 5. a 17 da CF/88)
1.1. Contedo
1.1.1. Direitos individuais Prerrogativas que o indivduo pode opor ao Estado.
1.1.2. Direitos coletivos Direitos supraindividuais ou metaindividuais que pertencem a vrios titulares que se vinculam juridicamente, ou, segundo entendimento de Ada Pellegrini Grinover, que possuem uma relao jurdica base (ex.: condminos, sindicalistas etc.).
1.1.3. Direitos difusos So direitos transindividuais, de natureza indivisvel, de que so titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncia de fato. (ex.: usurios de uma praia, consumidores etc.) O conceito de direitos difusos, coletivos e individuais homogneos encontrado no artigo 81, pargrafo nico, incs. I, II e III, da Lei n. 8.078/90.
1.1.4. Direitos sociais Decorrem do fato de o indivduo pertencer a uma sociedade estatal (ex.: direito sade, educao etc.).
1.1.5. Direito de nacionalidade Direito que tem o indivduo de manter um vnculo jurdico com o Estado, de pertencer ao povo de um Estado e, em conseqncia, receber proteo deste.
1.1.6 .Direito de cidadania Prerrogativa que tem o indivduo de participar da tomada de deciso poltica do Estado (ex.: direito de votar, de participar de plebiscito, de ingressar com uma ao popular etc.).
1.1.7. Direito de organizar e participar de partido poltico Tem o objetivo de ascender ao poder, ou seja, de levar sociedade a sua forma de administrar o Estado.
1.1.8. Observaes So esses os Direitos Fundamentais expressos na CF. Admitem-se , no entanto, outros, no escritos formalmente, mas que decorrem dos princpios adotados pela CF (artigo 5., 2.).
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O STF acolhe a tese segundo a qual as Convenes e Tratados Internacionais tm fora jurdica de norma infraconstitucional, fora de Lei Ordinria, portanto, esto subordinados CF. Direitos: prerrogativas que as normas consagram. Garantia: procedimento judicial especfico, cuja finalidade dar proteo eficiente aos direitos fundamentais. Alguns doutrinadores chamam as garantias de remdios constitucionais. So elas:
habeas corpus: tem por objetivo proteger a liberdade de locomoo; habeas data: visa a garantir ao impetrante o acesso aos dados existentes sobre sua pessoa em bancos de dados pblicos ou particulares de carter pblico; mandado de segurana: tem a finalidade de fazer cessar leso ou ameaa de leso ao direito individual ou coletivo lquido e certo, seja qual for a autoridade responsvel pela ilegalidade ou abuso de poder; mandado de injuno: tem como finalidade garantir o exerccio de direito previsto em norma constitucional de eficcia limitada ainda no regulamentada; ao popular: um instrumento de democracia direta por meio do qual o cidado exerce a fiscalizao do patrimnio pblico para impedir que seja lesado por ato de autoridade.
1.2. Destinatrio Os direitos e garantias previstos no artigo 5. da CF tm como destinatrios as pessoas fsicas ou jurdicas, nacionais ou estrangeiras, pblicas ou privadas ou mesmo entes despersonalizados (massa falida, esplio etc.), estrangeiros residentes ou de passagem pelo territrio nacional.
1.3. Aplicabilidade e Interpretao So dois os princpios que devem ser observados quando se trata da interpretao das normas constitucionais de direitos e garantias fundamentais:
sero interpretadas de forma ampla, extensiva, para abranger o maior nmero possvel de sujeitos e de situaes; as normas excepcionadoras de direitos e garantias devem ser interpretadas restritivamente.
Quanto aplicabilidade, somente as normas de direitos e garantias que no dependem de complementao (normas de eficcia plena e contida) tm aplicao imediata.
1.4. Suspenso (Artigo 136, 1., e Arts. 138 e 139) No Brasil, so previstas duas excees em que os direitos e garantias so suspensos por tempo determinado, durante o Estado de Defesa e o Estado de Stio.
1.4.1. Estado de defesa Pode ser decretado sempre que houver instabilidade das instituies democrticas ou calamidade pblica. Os direitos que podem ser suspensos so aqueles previstos no artigo 136, 1., I e II, da CF/88. Para a decretao do Estado de Defesa, o Presidente da Repblica no precisa de autorizao prvia do Congresso Nacional.
1.4.2. Estado de stio
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Pode ser decretado em duas situaes, previstas no artigo 137, I e II, da CF/88:
comoo grave de repercusso nacional ou se o Estado de Defesa se mostrou ineficaz para resolver o problema. Os direitos que podem ser excepcionados, nesse caso, esto previstos no artigo 139 da CF/88; guerra externa ou resposta agresso armada estrangeira. Todos os direitos esto sujeitos restrio, inclusive o direito vida (ex.: em caso de guerra externa, pode-se aplicar pena de morte).
1.5. Limitao Material ao Poder de Reforma (Artigo 60, 4.) O artigo 60, em seu 4., coloca limites para a reforma da CF. Algumas matrias no se sujeitam modificao por emenda. Somente o constituinte originrio poderia modificar essas clusulas, chamadas Clusulas Ptreas. No esto sujeitos emenda os direitos e garantias individuais previstos no artigo 5., quais sejam, direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade. O mais importante o direito vida, pois este condio sine qua non para que sejam assegurados os outros direitos
2. DIREITO VIDA
2.1. A Vida como Objeto do Direito
2.1.1. Proibio da pena de morte (artigo 5., XLVII, a) A Constituio Federal assegura o direito vida quando probe a pena de morte. A aplicao desta s permitida em caso de guerra externa declarada. No possvel a introduo da pena de morte por EC, visto que o direito vida direito individual e o artigo 60, 4., dispe que os direitos individuais no podero ser modificados por emenda (clusula ptrea, imutvel). Tambm no seria possvel um plebiscito para a introduo da pena de morte, tendo em vista que a prpria CF estabelece suas formas de alterao e o plebiscito no est includo nessas formas. A nica maneira de se introduzir a pena de morte no Brasil seria a confeco de uma nova Constituio pelo poder originrio.
2.1.2. Proibio do aborto O legislador infraconstitucional pode criar o crime de aborto ou descaracteriz-lo, tendo em vista que a Constituio Federal no se referiu ao aborto expressamente, simplesmente garantiu a vida, sem mencionar quando ela comea. Assim, o Cdigo Penal, na parte que trata do aborto, foi recepcionado pela CF/88. O Cdigo Penal prev o aborto legal em caso de estupro e em caso de risco de morte da me, independente de autorizao judicial. Parte da jurisprudncia admite, no entanto, o aborto eugnico baseado no direito vida da me, mesmo no havendo risco de morte, sua finalidade preservar a sade, a integridade fsica e psicolgica desta (ex.: quando provada a anincefalia do feto). O aborto eugnico deve ser concedido mediante autorizao judicial nas hipteses de comprovao cientfica de impossibilidade de sobrevivncia extra-uterina (essa posio no pacfica). Para que o aborto seja legalizado no Brasil, basta somente a vontade do legislador infraconstitucional, tendo em vista que a CF no proibiu nem permitiu esse procedimento.
2.1.3. Proibio da eutansia O mdico que praticar a eutansia, ainda que com autorizao do paciente ou da famlia, estar cometendo crime de homicdio. A eutansia configura-se quando algum tira a vida de outrem que teria condies de vida autnoma. No caso de desligamento dos aparelhos de pessoa clinicamente morta, que s sobreviveria por meio deles (vegetao mecnica), no configura a eutansia.
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2.1.4. Garantia da legtima defesa O direito de a pessoa no ser morta legitima que se tire a vida de outrem que atentar contra a sua prpria.
3. DIREITO A CONDIES MNIMAS DE SOBREVIVNCIA
3.1. Salrio Mnimo (Artigo 7., IV) A Constituio Federal fixou um salrio mnimo para que as pessoas tenham garantido o mnimo para sua sobrevivncia.
3.2. Irredutibilidade do Salrio (artigo 7., VI) Garante que o valor mnimo seja mantido. necessrio, ento, que o salrio mnimo tenha reajustes peridicos para que seja mantido seu valor real.
3.3. Sade, Previdncia e Educao Garantir a sade necessrio para que no se coloque em risco a vida das pessoas. O Estado tem o dever de garantir a sade dos indivduos. A sade decorrncia do direito vida. A previdncia social funda-se no princpio do seguro social (doena, invalidez, morte, velhice) do segurado e seus dependentes. A base da cobertura assenta no fator contribuio em favor do contribuinte e dos seus (arts. 201 e 202, CF). O direito educao informado pelo princpio da universalidade ( direito de todos); trata-se de um dever do Estado e da famlia, de acordo com os arts. 205 e 227, CF.
4. DIREITO A TRATAMENTO DIGNO POR PARTE DO ESTADO
No se permite, como conseqncia da prtica de delito, penalidades alm daquelas previstas em lei. Todas as pessoas tero direito a um tratamento digno por parte do Estado, ou seja, tm o direito conservao de sua integridade fsica e moral, proibindose, ainda, a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante (artigo 1., III, e artigo 5., III, XLIII e XLIX, ambos da CF/88).
5. DIREITO LIBERDADE
5.1. Liberdade de Pensamento (artigo 5., IV e V) importante que o Estado assegure a liberdade das pessoas de manifestarem o seu pensamento. Foi vedado o anonimato para que a pessoa assuma aquilo que est divulgando caso haja danos materiais, morais ou imagem. O limite na manifestao do pensamento encontra-se no respeito imagem e moral das outras pessoas. Caso ocorram danos, o ofendido poder se valer de dois direitos:
indenizao por dano material, moral ou imagem (So cumulveis as indenizaes por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato Smula n. 37 do STJ);
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direito de resposta, que o direito a ter idntica oportunidade para se defender, desde que seja proporcional ao agravo e que seja realmente usado para defesa e no para ataque ao ofensor. Se o direito de resposta for negado pelo veculo de comunicao, caber medida judicial.
5.2. Liberdade de Conscincia, de Crena e de Culto (artigo 5., VI, VII e VIII) A liberdade de conscincia refere-se viso que o indivduo tem do mundo, ou seja, so as tendncias ideolgicas, filosficas, polticas etc. de cada indivduo. A liberdade de crena tem um significado de cunho religioso, ou seja, as pessoas tm liberdade de cultuar o que acreditam. A CF probe qualquer distino ou privilgio entre as igrejas e o Estado. O que se prev que o Estado poder prestar auxlio a qualquer igreja quando se tratar de assistncia sade, educao etc., para sociedade. Seja qual for a crena, o indivduo tem direito a praticar o culto. A CF/88 assegura, tambm, imunidade tributria aos templos em razo de realizao do culto. Ainda, a CF assegura o atendimento religioso s pessoas que se encontrem em estabelecimentos de internao coletiva, como manicmios, cadeias, quartis militares etc.
5.3. Liberdade de Atividade Intelectual, Artstica, Cientfica e de Comunicao (artigo 5., IX) A Constituio Federal estabelece que a expresso das atividades intelectual, artstica, cientfica e de comunicao livre, no se admitindo a censura prvia. uma liberdade, no entanto, com responsabilidade, ou seja, se houver algum dano moral ou material a outrem, haver responsabilidade por indenizao. O direito do prejudicado se limita indenizao por danos, no se podendo proibir a circulao da obra. Apesar de no haver previso na Constituio Federal quanto proibio de circulao de obras, o Judicirio est concedendo liminares, fundamentando no fato de que deve haver uma preveno para que no ocorra o prejuzo e no somente a indenizao por isto. Os meios de comunicao so pblicos, podendo ser concedidos a terceiros. Caso a emissora apresente programas que atinjam o bem pblico, ela sofrer sanes, incluindo-se a no renovao da concesso.
5.4. Inviolabilidade do Domiclio (artigo 5., XI) A Constituio estabelece a inviolabilidade domiciliar e suas excees. A casa asilo do indivduo, ningum nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia, por determinao judicial. A expresso casa, segundo o Cdigo Penal (artigo 150, 4.), compreende qualquer compartimento habitado, o aposento ocupado de habitao coletiva e, ainda, compartimento no aberto ao pblico, onde algum exerce profisso ou atividade. Com relao expresso dia, Jos Afonso da Silva entende que o perodo das 6:00 horas da manh s 18:00 horas. Para Celso de Mello, deve ser levado em conta o critrio fsico-astronmico, como o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepsculo. Outros doutrinadores entendem que devem ser aplicados os dois critrios conjuntamente. Leda Pereira da Mota e Celso Spitzcovsky, em relao ao horrio, destacam o artigo 172 do Cdigo de Processo Civil, que autoriza o cumprimento dos atos processuais das seis s vinte horas. O Cdigo Penal, no artigo 150, define o crime de violao de domiclio. A Lei n. 4.898/65, no artigo 3., alnea b, define como crime de abuso de autoridade, o atentado inviolabilidade do domiclio. polmica a questo sobre a possibilidade ou no de a Administrao Pblica exercer seu poder de polcia no interior das casas, sem autorizao judicial. Poder de Polcia (modernamente conceituado em outros pases como limitaes administrativas liberdade e propriedade) aquele que se confere Administrao Pblica para que ela possa, nos limites da lei, em benefcio da coletividade ou do prprio Estado, regular, condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos. O Poder de Polcia tem como principal caracterstica a auto-executoriedade, ou seja, passvel de execuo direta pela prpria administrao, independentemente de ordem judicial. Hely Lopes Meirelles, exemplificando situaes como nas demolies de obras nocivas comunidade, leciona que se firma cada vez mais a jurisprudncia na boa doutrina, reconhecendo a Administrao especialmente quanto aos atos de polcia o poder de executar direta e indiretamente seus atos imperativos, independentemente de pedido cominatrio ou mandado judicial. Reconhece, porm, que em face dos princpios do contraditrio e da ampla defesa, inclusive nos procedimentos administrativos, a autoexecutoriedade tornou-se mais restrita.
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Celso Ribeiro Bastos, por sua vez, ao tratar da inviolabilidade do domiclio, traz a seguinte lio: Perdeu portanto a administrao a possibilidade da auto-executoriedade administrativa. Mesmo em casos de medidas de ordem higinica ou de profilaxia e combate s doenas infecto-contagiosas, ainda assim necessrio uma ordem judicial para invaso. Entendemos que, tratando-se de situaes emergenciais, a razo est com Hely Lopes Meirelles, sem prejuzo de que posteriormente o particular ingresse com as medidas judiciais cabveis para a defesa de seus direitos e de seu patrimnio, se for o caso. Afinal, quem pode o mais pode o menos, e a Constituio Federal autoriza at mesmo a requisio do bem particular (artigo 5., XXV) sem impor para tanto a prvia autorizao judicial. A Constituio Federal, em seu artigo 145, 1., estabelece que a administrao tributria deve exercer suas atividades com respeito aos direitos individuais, entre os quais se destaca a inviolabilidade de domiclio. Nesse sentido STF-RTJ 162/249. No mbito infraconstitucional a matria est disciplinada pelos arts. 194/200 do Cdigo Tributrio Nacional. Havendo resistncia, a fiscalizao tributria deve requerer ao Poder Judicirio um mandado de busca e apreenso, podendo o contribuinte ser enquadrado no artigo 1., I, da Lei n. 8.137/90 (que trata dos crimes contra a ordem tributria). 5.5. Sigilo de Correspondncia e de Comunicaes (artigo 5., XII) A Constituio Federal assegura o sigilo da correspondncia e das comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas, permitindo a violao das comunicaes telefnicas, desde que por ordem judicial. A Lei n. 9.296/96 dispe que a interceptao telefnica possvel por ordem judicial: a) de ofcio, a requerimento do Ministrio Pblico ou autoridade policial; b) c) d) tratando-se de fato punido com recluso; desde que seja imprescindvel para a instruo processual penal ou para a investigao criminal; desde que j existam indcios suficientes de autoria.
Fora dessas hipteses a interceptao telefnica pode ser considerada prova ilcita, porque viola a intimidade. Interceptao telefnica significa a gravao de um dilogo telefnico entre duas ou mais pessoas sem que qualquer dos interlocutores saiba da medida. No se confunde com escuta telefnica, pois esta ocorre quando um terceiro (polcia, por exemplo) capta a conversa, com o consentimento de apenas um dos interlocutores. Quanto validade da gravao clandestina (ou sub-reptcia), que a conversa (telefnica ou pessoal) gravada por uma parte sem o conhecimento da outra e sem ordem judicial, h controvrsia, mas cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal tem admitido somente no caso de prova de defesa. O artigo 1., pargrafo nico, da Lei n. 9.296/96 permite interceptao no fluxo de comunicao de dados, informtica e telemtica. Considerando-se que a Constituio Federal s fez ressalva quanto inviolabilidade das comunicaes telefnicas, pergunta-se: o pargrafo nico do artigo 1. da referida lei no contraria o texto constitucional? Vicente Greco Filho entende que o dispositivo inconstitucional. A maioria da doutrina, entretanto, entende que no h inconstitucionalidade. Os Professores Damsio de Jesus e Luiz Flvio Gomes esto com a maioria. Estes autores defendem a tese de que no h direito fundamental absoluto. Para eles, um direito no pode acobertar uma atividade ilcita. O Supremo Tribunal Federal j decidiu nesse sentido. O pargrafo nico do artigo 41 da Lei de Execuo Penal prev a possibilidade do diretor do presdio suspender o direito de correspondncia do preso em caso de violao moral e aos bons costumes. Novamente, surge a discusso sobre a inconstitucionalidade do dispositivo. A jurisprudncia pacfica ao defender a constitucionalidade dessa restrio, diante da necessidade de defesa do interesse pblico, da manuteno da segurana e outros fundamentos. A doutrina, por sua vez, defende o direito do sentenciado inviolabilidade da correspondncia. Os direitos previstos no inciso XII do artigo 5. podero sofrer restries na vigncia de estado de stio ou estado de defesa, nos termos dos arts. 136 e 137 da Carta Magna. 5.6. Liberdade de Trabalho, Ofcio ou Profisso (artigo 5., XIII) assegurada a liberdade de escolher qual a atividade que se exercer. uma norma de eficcia contida porque tem aplicabilidade imediata, no entanto traz a possibilidade de ter o seu campo de incidncia reduzido por requisitos exigidos por lei. A lei exige que certos requisitos de capacitao tcnica sejam preenchidos para que se possa exercer a profisso (ex.: o advogado deve ser bacharel em Direito e obter a carteira da OAB por meio de um exame; o engenheiro deve ter curso superior de engenharia etc.).
5.7. Liberdade de Locomoo (artigo 5., XV) a liberdade fsica de ir, vir, ficar ou permanecer. Essa liberdade considerada pela CF como a mais fundamental, visto que requisito essencial para que se exera o direito das demais liberdades.
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Todas as garantias penais e processuais penais previstas no artigo 5. so normas que tratam da proteo da liberdade de locomoo. Por exemplo, o habeas corpus voltado especificamente para este fim. Esta norma tambm de eficcia contida, principalmente no que diz respeito liberdade de sair, entrar e permanecer em territrio nacional. A lei pode estabelecer exigncias para sair, entrar ou permanecer no pas, visando a proteo da soberania nacional.
5.8. Liberdade de Reunio (artigo 5., XVI) a permisso constitucional para um agrupamento transitrio de pessoas com o objetivo de trocar idias para o alcance de um fim comum. O direito de reunio pode ser analisado sob dois enfoques: de um lado a liberdade de se reunir para decidir um interesse comum e de outro a liberdade de no se reunir, ou seja, ningum poder ser obrigado a reunir-se. Para a caracterizao desse direito, devem ser observados alguns requisitos a fim de que no se confunda com o direito de associao: a) Pluralidade de participantes: trata-se de uma ao coletiva, ou seja, existncia de vrias pessoas para que possa haver uma reunio. A diferena que, na reunio, no existe um vnculo jurdico entre os participantes, diferentemente da associao, em que as pessoas esto vinculadas juridicamente. b) Tempo: a reunio tem durao limitada, enquanto na associao, a durao ilimitada. c) Finalidade: a reunio pressupe uma organizao com o propsito determinado de atingir um certo fim. a finalidade que vai distinguir a reunio do agrupamento de pessoas. Essa finalidade deve ter determinadas caractersticas, ou seja, a reunio deve ter uma finalidade lcita, pacfica e no deve haver armamento. d) Lugar: deve ser predeterminado para a realizao da reunio. No necessria a autorizao prvia para que se realize a reunio, no entanto, o Poder Pblico deve ser avisado com antecedncia para evitar reunio de grupos rivais no mesmo local e horrio. O objetivo do aviso ao Poder Pblico tambm garantir que o direito de reunio possa ser exercitado com segurana. O direito de reunio sofre algumas restries:
no pode ter por objetivo fins ilcitos; no pode haver reunio que no seja pacfica e probe-se a utilizao de armas (artigo 5., XVI). A presena de pessoas armadas em uma reunio no significa, no entanto, que esta deva ser dissolvida. No caso, a polcia deve agir no sentido de desarmar a pessoa, mas sem dissolver a reunio. Em caso de passeata, no poder haver nenhuma restrio quanto ao lugar em que ser realizada; durante o Estado de Defesa (artigo 136, 1., I, a) e o Estado de Stio (artigo 139, IV), poder ser restringido o direito de reunio.
5.9. Liberdade de Associao (artigo 5., XVII a XXI) Normalmente, a liberdade de associao manifesta-se por meio de uma reunio. Logo, existe uma relao muito estreita entre a liberdade de reunio e a liberdade de associao. A reunio importante para que se exera a associao, visto que, em regra, esta comea com aquela. o direito de coligao voluntria de algumas ou muitas pessoas fsicas, por tempo indeterminado, com o objetivo de atingir um fim lcito sob direo unificada. A associao, assim como a reunio, uma unio de pessoas. Distingue-se desta por ter tempo indeterminado, visto que o objetivo que se quer alcanar no poder ser atingido em um nico momento, enquanto na reunio, o objetivo se exaure em tempo determinado.
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5.9.1. Elementos da associao
Base contratual: a associao fundamenta-se num acordo de vontades, ou seja, as pessoas pactuam para atingir um determinado fim. Permanncia: as pessoas se unem para agir em tempo indeterminado, ou seja, uma ao contnua para o atingimento de um objetivo. Fim lcito: a finalidade da associao deve ser, obrigatoriamente, lcita.
5.9.2. Tipos de associao
Stricto sensu: agrupamento de pessoas sem fins lucrativos. Sociedades: associaes que possuem fins lucrativos. Partido poltico: associao com caracterstica regulada constitucionalmente (artigo 17, CF/88). Toda disciplina jurdica do partido poltico est disposta na CF/88 e na Lei n. 9096/95. Associao profissional e sindicatos: tambm tm caractersticas prprias. Os sindicatos esto disciplinados no artigo 8. da CF/88. Cooperativas: associao de atividades profissionais. Esto disciplinadas no artigo 174, 2. ao 4., da CF/88.
5.9.3. Direitos decorrentes da associao
Direito de criar associaes: qualquer pessoa poder criar uma associao. Basta que os integrantes se renam em assemblia, pactuem as bases contratuais e registrem em cartrio. Direito de aderir a qualquer associao: qualquer pessoa poder se filiar a qualquer associao em que tiver interesse. Direito de desligar-se da associao Direito de dissoluo espontnea da associao: como regra, a associao ser dissolvida quando os associados dispuserem neste sentido. H hipteses, no entanto, em que a associao poder ser dissolvida compulsoriamente ou ter seu funcionamento suspenso. A suspenso poder ocorrer por provimento cautelar, mas a dissoluo, somente por deciso judicial transitada em julgado. Ser dissolvida ou suspensa quando fugir de sua finalidade principal e passar a praticar atos ilcitos.
5.9.4. Restries criao de uma associao
No poder ser criada para fins ilcitos. No poder ser criada associao paramilitar (grupos armados).
5.9.5. Representao judicial A Constituio Federal prestigiou a representao judicial para as associaes, ou seja, as associaes podem representar seus associados judicialmente ou extra-judicialmente para a defesa dos interesses dos filiados. Requisitos:
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necessrio que a associao esteja regularmente constituda e funcionando por, no mnimo, um ano. H casos, entretanto, em que a jurisprudncia admite a propositura de ao por associao que no esteja funcionando por um ano. Os partidos polticos e os sindicatos no observam a exigncia de constituio de no mnimo um ano; necessrio que o ato constitutivo da associao preveja, entre os seus objetivos, a representao judicial dos seus filiados. Como regra, essa previso suficiente para a representao judicial, no entanto os Tribunais Federais entendem que, se as aes versarem sobre direitos individuais homogneos, dever existir autorizao especificado associado.
5.9.6. Legitimidade processual A associao como pessoa jurdica poder defender os interesses coletivos de seus associados por meio de aes:
mandado de segurana coletivo (artigo 5., LXX, CF/88); mandado de injuno coletivo (jurisprudncia do STF e do STJ). ao civil pblica ( artigo 5., Lei n. 7347/85).
6. DIREITO SEGURANA
A Constituio Federal, no caput do artigo 5., quando trata da segurana, est se referindo segurana jurdica. Refere-se segurana de que as agresses a um direito no ocorrero, mas se desrespeitado, existir uma eventual reparao pelo dano. O Estado deve atuar no sentido de preservar as prerrogativas dispostas nas normas jurdicas.
6.1. Acesso ao Poder Judicirio (artigo 5., XXXV) A competncia para garantir a segurana jurdica do Poder Judicirio. por meio do acesso ao Judicirio que as pessoas conseguem a segurana jurdica.
6.1.1. Leso e ameaa ao direito Diante de uma agresso ou ameaa de agresso a um direito, o lesado poder socorrer-se do Poder Judicirio para assegurlo. Para a concesso da segurana jurdica, no necessrio comprovar a efetiva leso, ou seja, possvel, preventivamente, buscar a segurana evitando a leso ao direito. O acesso a Justia Comum comporta uma exceo, artigo 217, 1., da CF/88, que prev o esgotamento das instncias da Justia Desportiva, nas aes relacionadas aos esportes. Tambm na lei que regulamenta o habeas data, existe a disposio que prev o esgotamento dos meios administrativos para que se possa, ento, recorrer ao Judicirio (artigo 2., Lei n. 9507/97).
6.1.2. Direito petio (artigo 5., XXXIV, a) O inc. XXXIV do artigo 5. da CF estabelece que, independentemente do pagamento de taxas, a todos so assegurados o direito de petio aos Poderes Pblicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Pode a petio ser dirigida a qualquer autoridade do Executivo, do Legislativo ou do Judicirio, devendo ser apreciada, motivadamente, mesmo que apenas para rejeit-la, pois o silncio pode caracterizar o abuso de autoridade por omisso. O direito de petio, classificado como direito de participao poltica, pode ser exercido por pessoa fsica ou jurdica e no precisa observar forma rgida. No se exige interesse processual, pois a manifestao est fundada no interesse geral de cumprimento da ordem jurdica. O direito de petio no se confunde como direito de ao, j que, por este ltimo, busca-se uma tutela de ndole jurisdicional e no administrativa.
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6.1.3. Assistncia jurdica (artigo 5., LXXIV) Para se pedir em juzo, a CF/88 exige a representao por um advogado. Para garantir que aqueles que no possuem condies financeiras possam ter acesso ao Poder Judicirio o Estado tomou para si o dever de fornecer a assistncia jurdica.
6.2. Devido Processo Legal (artigo 5., LIV) A prestao jurisdicional deve respeitar o devido processo legal. O princpio traz duas vertentes, por um lado, dispe que o Estado, sempre que impuser qualquer tipo de restrio ao patrimnio ou liberdade de algum, dever seguir a lei. Por outro lado, significa que todos tm direito jurisdio prestada nos termos da lei, ou seja, a prestao jurisdicional deve seguir o que est previsto em lei. O respeito forma uma maneira de garantir a segurana do devido processo legal.
6.2.1. Juiz natural (artigo 5., LIII) A deciso de um caso concreto deve ser feita pelo Juiz natural que o Juiz ou o Tribunal investido de poder pela lei para dizer o direito no caso concreto, ou seja, o Juiz ou Tribunal que tem a competncia, previamente expressa, para julgar determinado caso concreto. Discute-se, hoje, a existncia ou no do princpio do Promotor Natural, que seria extrado da locuo processar prevista no inc. LIII do artigo 5. da CF. Conforme leciona Nelson Nery Jr.(Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 5. ed. RT. p. 90): No mbito interno do Ministrio Pblico, o princpio do Promotor Natural incide para restringir os poderes do Procurador-Geral de Justia de efetuar substituies, designaes e delegaes, que devem circunscrever-se aos casos taxativamente enumerados na lei, sendo vedado ao chefe do parquet, em qualquer hiptese, a avocao do caso afeto ao Promotor Natural.
6.2.2. Vedao a Juzes e Tribunais de exceo (artigo 5., XXXVII) A nossa ordem jurdica no admite que sejam criados Tribunais ou designados Juzes especialmente para decidir um caso concreto (Juzes ou Tribunais de exceo). Qualquer tipo de Tribunal de exceo significa um atentado imparcialidade da Justia, comprometendo a segurana jurdica.
6.2.3. Contraditrio e ampla defesa (artigo 5., LV) Deve-se observar o contraditrio e a ampla defesa como requisitos para que o devido processo legal seja respeitado. O contraditrio a possibilidade, assegurada a quem sofrer uma imputao em juzo, de contraditar essa imputao, ou seja, de apresentar a sua verso dos fatos. A ampla defesa significa que as partes devem ter a possibilidade de produzir todas as provas que entendam necessrias ao esclarecimento dos fatos e ao convencimento do Juiz. Excepcionam-se apenas as provas obtidas por meio ilcito. H tambm a garantia do duplo grau de jurisdio, ou seja, a pessoa vencida e inconformada com a deciso tem o direito a uma reviso desta, que ser sempre feita por um juzo colegiado.
6.2.4. Isonomia Prev um tratamento igualitrio para as partes. A isonomia entre estas decorre de um princpio disposto na CF/88. Todos os rgos pblicos devero dar tratamento isonmico para as partes (p. ex.: se o Juiz conferir o direito a uma das partes de apresentar uma outra prova, ele dever, obrigatoriamente, permitir o mesmo direito outra parte).
6.2.5. Motivao das decises (artigo 93, IX) Toda deciso judicial dever ser motivada, pois uma deciso sem motivao desobedece ao devido processo legal, sendo considerada invlida.
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6.2.6. Publicidade O Juiz deve dar publicidade de todas as decises que proferir e todos os atos sero pblicos, com exceo daqueles que devem acontecer em segredo de justia. 6.3. Segurana em Matria Penal Quando se trata de segurana em matria penal, a CF/88 foi cautelosa, tendo em vista a competncia punitiva do Estado. Essa competncia punitiva tem limites porque a aplicao da pena vai restringir a liberdade fsica de locomoo e os demais direitos ligados a esta. A pena somente poder ser aplicada se estiver prevista anteriormente em lei e na forma prevista nesta. Portanto, a aplicao da pena est vinculada disposio legal.
6.3.1. Princpios processuais penais a) Princpio da estrita legalidade penal (artigo 5., XXXIX): a Constituio Federal dispe sobre o princpio genrico da legalidade. Em determinados campos, entretanto, tem o cuidado de refor-lo, aplicando-o especificamente a cada rea (princpio da estrita legalidade). Para que o comportamento seja punido pelo Estado, o crime deve estar descrito em lei e se esta deve ser anterior ao comportamento ilcito. b) Princpio da irretroatividade (exceo, artigo 5., XL, in fine): h um reforo nessa idia quando se trata de matria penal. O prprio Direito Penal, entretanto, excepciona o princpio, possibilita a retroatividade da lei no tempo para beneficiar o ru. c) Princpio da incomunicabilidade da pena: a pena no pode passar da pessoa do criminoso. A CF/88 prev somente uma hiptese de comunicabilidade da pena, que o caso de indenizao, quando os sucessores respondem por ela at o quinho da herana (inc. XLV). d) Garantia de que determinada espcie de pena no ser aplicada: h limitao prpria atividade do Estado. Existem penas que o legislador no poder cominar: pena de morte, pena de carter perptuo, pena de trabalho forado, pena de banimento e penas cruis. A pena ser cumprida em estabelecimentos especficos, assegurando-se a diviso por sexo, idade e gravidade do delito. e) Princpio do Juiz natural: ningum poder ser sentenciado nem preso seno pela autoridade competente. f) Princpio da presuno de inocncia: todos so inocentes at que se prove o contrrio. Ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado da sentena. g) Somente poder ser preso aquele que for pego em flagrante delito ou tiver ordem escrita e fundamentada pela autoridade judiciria competente.
6.3.2. Responsabilidade por desrespeito segurana em matria penal Com relao ao Estado (artigo 5., LXXV), a CF/88 estabelece sua responsabilidade por erro judicirio se a pessoa ficar detida por tempo superior quele estabelecido na pena. Trata-se da responsabilidade objetiva do Estado nos termos do artigo 37, 6., da CF/88. Com relao ao Juiz (artigo 133 do CPC e artigo 630 do CPP), poder ser responsabilizado pelos prejuzos que vier a causar, entretanto sua responsabilidade subjetiva, ou seja, deve-se comprovar dolo ou fraude de sua parte.
6.4. Observao O 2. do artigo 5. expresso ao dizer que os direitos e garantias expressos na Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados (...), ou seja, os direitos expressos na CF/88 no se restringem queles
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dispostos no artigo 5.. Assim, pode-se dizer que o rol do artigo 5. meramente exemplificativo. Esse entendimento o do STF, pela ADIn n. 939-7/DF, que analisava se o artigo 2., 2. da EC n. 3/93 era ou no constitucional. A EC n. 3/93 criou o IPMF e esse tributo poderia ser cobrado e exigido no momento da publicao, no havendo a necessidade da observncia do artigo 150, III, b, da CF/88. A emenda foi julgada inconstitucional, tendo em vista que o artigo 150 direito e garantia individual. Com essa manifestao, consolidou o entendimento de que os direitos e garantias no esto taxativamente dispostos no artigo 5. da CF/88, podendo ser encontrados em todo o texto constitucional. O STF, o STJ e grande parte da jurisprudncia e da doutrina entendem que os tratados internacionais ingressam no ordenamento jurdico brasileiro como norma infraconstitucional ( 2. do artigo 5. da CF/88), fundamentando-se no fato de que, para que o tratado ingresse no ordenamento jurdico, dever estar assinado pelo Presidente da Repblica (artigo 49, I, da CF/88) e regulamentado por decreto legislativo votado por maioria simples (artigo 47 da CF/88). Assim, alega-se que no poderia o tratado fazer parte de norma constitucional, tendo em vista no haver grande rigidez na sua introduo no ordenamento jurdico. Nesse sentido, existe a proposta da EC n. 96-A/92, que pretende inserir um 3. no artigo 5., com a seguinte redao: Os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s Emendas Constitucionais, condicionados aplicao pela outra parte.
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MDULO VI DIREITO CONSTITUCIONAL Direitos Sociais
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DIREITO CONSTITUCIONAL Direitos Sociais
1. INTRODUO
A Constituio Federal relaciona os direitos sociais em trs grupos:
direitos sociais fundamentais; direitos dos trabalhadores em geral; direitos coletivos dos trabalhadores.
O art. 6. aponta os direitos sociais fundamentais, sendo todos voltados garantia de perfeitas condies de vida. Tais direitos visam a garantir:
sade; educao; trabalho; lazer; segurana; previdncia social; proteo maternidade e infncia; assistncia aos desamparados; moradia (EC n. 26/2000).
Os direitos sociais trazem contedo econmico e, s vezes, so apresentados como direitos econmicos, posto ser o trabalho componente das relaes de produo e primado bsico da ordem social arts. 7. e 193, no entanto, no se confundem:
Direitos Econmicos possuem dimenso institucional. Direitos Sociais forma de tutela pessoal, disciplinam situaes subjetivas pessoais ou grupais de carter concreto. O direito econmico pressuposto de existncia de direitos sociais.
2. CONCEITO
Constituem direitos fundamentais do homem os que objetivam melhores condies de vida aos mais fracos, tendentes a diminuir as desigualdades sociais. Doutrinariamente, direitos de 2. gerao.
3. OBJETIVO
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Criar condies de vida aos necessitados e possibilitar o gozo de direitos individuais, contribuindo para a diminuio das diferenas materiais.
4. CLASSIFICAO ARTS. 6. a 11
Direitos sociais relativos a:
trabalhador; seguridade; educao e cultura; famlia, criana, adolescente e idoso; meio ambiente; moradia.
4.1. Direitos Sociais do Homem Produtor Liberdade de instituio sindical, direito de greve, contrato coletivo de trabalho, direito ao emprego.
4.2. Direitos Sociais do Homem Consumidor Direitos relacionados sade, segurana social, formao profissional e cultura. 4.3. Direitos Sociais Relativos aos Trabalhadores So de duas ordens:
direitos em suas relaes individuais de trabalho (direitos dos trabalhadores art. 7.); direitos coletivos dos trabalhadores (9. a 11), exercitveis coletivamente associao sindical, greve, de substituio processual.
4.3.1. Destinatrios dos direitos sociais dos trabalhadores (art. 7.):
Urbanos: exercem atividade industrial, comercial, prestao de servios. Rurais: atuam na explorao agropastoril. Domsticos: so auxiliares da administrao residencial de natureza no lucrativa, seus direitos esto descritos no par. n. do art. 7..
Os trabalhadores urbanos e rurais gozam dos mesmos direitos, inclusive quanto ao prazo prescricional relativo aos crditos resultantes da relao de trabalho, que de cinco anos, at o limite de dois anos aps a extino do contrato, art. 7., inc. XXIX, modificado pela EC n. 28/2000.
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4.3.2. Direitos reconhecidos aos trabalhadores So direitos reconhecidos aos trabalhadores os do art. 7. e outros compatveis com a finalidade de melhoria da condio social do trabalhador. O trabalho no definido ou conceituado na Carta Constitucional, mas seu papel de relevo na vida do homem destacado em todo o sistema constitucional:
Art. 6.: trata-o como direito social. Art. 1., IV: traz como um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho. Art. 170: a ordem econmica se funda na valorizao do trabalho. Art. 193: a ordem social tem como base o primado do trabalho.
O homem tem direito social ao trabalho como condio de efetividade da existncia digna (fim da ordem econmica), da dignidade da pessoa humana (fundamento da Repblica). Tem-se, por exemplo: direito individual liberdade de profisso ou ofcio; direito social acesso ao emprego, formao profissional. a) Direito do empregado/direito ao trabalho
Garantia de permanncia no emprego contra despedida arbitrria ou sem justa causa. Protege-se o emprego, garantindo-se a indenizao compensatria da resciso do contrato de trabalho art. 7., I; II seguro-desemprego; III e XXI aviso prvio. b) Direito ao salrio Mnimo (art. 7., IV). irredutibilidade, salvo quando convencionada em contrato coletivo de trabalho (art.8., VI). A CLT, em seu art. 468, probe alteraes prejudicais do contrato de trabalho. Trabalho noturno com remunerao superior ao diurno (art. 7., IX, que repete norma do art. 73, 1., da CLT). Direito ao repouso e inatividade remunerada (art. 7., XV, XVII, XIX e XXIV, da CF) Repouso semanal remunerado. Licena-maternidade (gestante 120 dias). Licena-paternidade (5 dias, art. 10, 1., do ADCT). Gozo de frias anuais, que devem ser pagas antes do incio com acrscimo de 1/3 (a CF no fixa o nmero de dias, cabendo lei disciplinar). Aposentadoria. Proteo dos trabalhadores Proteo do mercado de trabalho da mulher (art. 7., XX). Igualdade de direitos entre o trabalhador com vnculo empregatcio permanente e o trabalhador avulso (art. 7., XXXIV). Segurana do trabalho proteo contra riscos, em face da automao e a obrigatoriedade de seguro (art. 7., XXII, XXVII e XXVIII). Direitos relativos aos dependentes Salrio-famlia para os dependentes de trabalhadores de baixa renda (art. 7., XII).
c)
d)
e)
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Assistncia gratuita aos filhos e dependentes do trabalhador desde o nascimento at os 6 anos de idade em creches e pr-escolas (art. 7., XXV).
f)
Participao nos lucros e co-gesto
Art. 7., XI (previsto desde a CF/46, mas dependendo de lei que regulamente). Assegura a participao nos lucros ou resultados, desvinculada da remunerao e, excepcionalmente, a participao na gesto da empresa. A MP n. 1.878/63, de 22.10.1999 (ltima reedio), disciplina a matria.
4.3.3. Direitos coletivos dos trabalhadores a) Associao e sindicato: a CF prev dois tipos de associao: profissional e sindical.
Profissional: para fins de estudo, atua na defesa dos interesses profissionais dos seus associados. Sindical: defende os direitos coletivos ou individuais da categoria, participa nas negociaes coletivas de trabalho, elege representantes, recebe contribuies.
livre a associao sindical, esta liberdade implica: liberdade de fundao; liberdade de adeso; liberdade de atuao; liberdade de filiao. A remunerao serve para custear confederaes. A contribuio sindical ter carter parafiscal (estatuda por lei e obrigatria). A pluralidade sindical sofre restrio, admissvel apenas uma entidade, um sindicato, por base territorial e para representao de uma categoria. art. 8., II. Vale ressaltar que h unicidade sindical e pluralidade de bases sindicais.
b)
Direito de greve: absteno coletiva concentrada.
A greve pode ter carter reivindicativo; de solidariedade; poltico; de protesto. No h o exerccio desse direito de forma individual, porque o direito de greve sempre pressupe, para sua efetivao, a reunio de vontade de vrios titulares (grupo de trabalhadores).
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DIREITO CONSTITUCIONAL Direitos Fundamentais
1. NACIONALIDADE
o vnculo jurdico-poltico que une uma pessoa a determinado Estado Soberano. Vnculo que gera direitos, porm, tambm acarreta deveres. Cidado aquele que est no pleno gozo de seus direitos polticos. Geralmente, cidado o nacional, mas o inverso nem sempre verdadeiro, p. ex.: um indivduo nacional preso, no cidado, visto estarem suspensos seus direitos polticos (art. 15, inc. III, da CF); uma criana nacional no cidad porque sua tenra idade no permite o exerccio de direitos polticos. Povo o elemento humano do Estado, do pas soberano. o conjunto dos nacionais. Populao conceito demogrfico, engloba nacionais e estrangeiros. Envolve todas as pessoas que esto em um territrio.
1.1. Formas A nacionalidade apresenta-se de duas formas