TCM e exercício de ultra-resistência

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  • Rev Bras Med Esporte _ Vol. 9, N 6 Nov/Dez, 2003 413

    ARTIGODE REVISO

    A influncia da suplementao de triglicerdeos de cadeiamdia no desempenho em exerccios de ultra-resistncia

    Antonio Marcio Domingues Ferreira1, Paula Edila Botelho Barbosa1 e Rolando Bacis Ceddia2

    1. Curso de Ps-Graduao em Fisiologia do Exerccio e Avaliao Morfo-Funcional. Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro, RJ.

    2. Department of Biology York University. Toronto, Canad.Recebido em 14/3/032a verso recebida em 24/10/03Aceito em 4/11/03

    Endereo para correspondncia:Antonio Marcio Domingues FerreiraRua Pontes Corra, 147, casa 4 Andara20510-050 Rio de Janeiro, RJTel.: (21) 2278-4837E-mail: [email protected]

    RESUMEN

    Influencia de la suplementacion de trigliceridos de cade-na media en ejercicios de mxima resistencia

    Las competencias de alta resistencia consituyen un grandesafo en el mundo del deporte. El gasto energtico deuna prueba da mxima resistencia puede variar entre 5.000y 18.000 kcaloras por da. Por causa de esa gran deman-da, se deben desarrollar varias estrategias para la mejoraen el desempeo deportivo en los timos aos como lo esla suplementacin con triglicridos de cadena media (TCM)en combinacin con carbohidratos (CBO). La suplementa-cin de los TCM aumenta la utilizacin de los cidos grasoslibres (AGL) como fuente de energa, dejando depsitos cor-porales de glicgeno para el final de la competencia. Cuan-do son comparados con los trigliceridos de cadena larga(TCL), los TCM son rpidamente absorbidos y transporta-dos por el organismo. Adems de eso, los TCM poseen unavelocidad de oxidacin comparable con los CBO, que porser lpidos, otorgan una cantidad de energa mayor cuan-do son oxidados. De esta forma, los TCM parecen ser elcombustible ideal para las pruebas de larga duracin. Porlo tanto, esta revisin pretende como objetivo aclarar comolos TCM pueden influir en el desempeo en pruebas de mxi-ma resistencia.

    Palabras clave: Ejercicio de mxima resistencia. Triglicridos decadena media. Desempeo deportivo.

    INTRODUOO interesse e a participao em competies desportivas

    aumentou significativamente nos ltimos anos e, sem d-vida nenhuma, as provas de ultra-resistncia ou de longadurao so as que despertam maior fascnio1.

    Nessa categoria de competio, esto includas as supere ultramaratonas (a partir de 84km), o Ironman Triathlon(3,8km de natao, 180km de ciclismo e 42km de corrida),provas que duram mais de 24 horas como o Ultraman Tri-athlon (10km de natao, 421km de ciclismo e 84km decorrida), provas de ciclismo que chegam a durar at 30 dias

    RESUMOAs competies de ultra-resistncia representam um

    grande desafio no mundo esportivo. O gasto energtico deuma prova de ultra-resistncia pode variar de 5.000 a18.000kcal por dia. Por causa dessa grande demanda, v-rias estratgias para melhora do desempenho tm sido de-senvolvidas nos ltimos anos, como a suplementao detriglicerdeos de cadeia mdia (TCM) em combinao comcarboidratos (CBO). A suplementao de TCM visa aumen-tar a utilizao dos cidos graxos livres (AGL) como fontede energia, poupando os estoques corporais de glicogniopara o final da competio. Quando comparados com ostriglicerdeos de cadeia longa (TCL), os TCM so rapida-mente absorvidos e transportados pelo organismo. Almdisso, os TCM possuem velocidade de oxidao compar-vel dos CBO, mas, por serem lipdios, fornecem uma quan-tidade de energia maior quando so oxidados. Dessa for-ma, os TCM parecem ser o combustvel ideal para provasde longa durao. Portanto, esta reviso possui como obje-tivo esclarecer como os TCM podem influenciar o desem-penho em provas de ultra-resistncia.

    Palavras-chave: Exerccio de ultra-resistncia. Triglicerdeos decadeia mdia. Desempenho.

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    (Tour de France, Vuelta Ciclista a Espaa, Giro de Itlia,Race Across America) e, mais recentemente, as Corridasde Aventura, englobando vrios esportes radicais.

    O gasto energtico nas competies de ultra-resistnciapode variar de 5.000kcal (triatlo com 2km de natao, 90kmde ciclismo e 21km de corrida) at 18.000kcal (corrida com24 horas de durao)2. Estima-se que o gasto energticomdio no Tour de France seja de 6.500kcal/dia, chegandoa 9.000kcal/dia nos estgios de montanha. O gasto energ-tico de uma ultramaratona de 1.000km com durao de cin-co dias em mdia de 59.079kcal, com gasto dirio va-riando entre 8.600 e 13.770kcal3. Em um estudo realizadono Rio de Janeiro com participantes de uma prova de tria-tlo (3,8km de natao, 180km de ciclismo e 42km de cor-rida), estimou-se gasto energtico de 8.171,1kcal 716,74.Frente a essa grande demanda energtica, diversas estrat-gias para melhorar o desempenho tm sido desenvolvidas.Recentemente, a suplementao de triglicerdeos de cadeiamdia (TCM) em combinao ou no com carboidratos(CBO) tem sido estudada.

    A suplementao de TCM visa otimizar a utilizao doscidos graxos livres (AGL) como fonte de energia e pouparas reservas endgenas de glicognio para os estgios fi-nais da competio. Sugere-se que a capacidade de susten-tar o exerccio pode ser prolongada se a oferta de lipdiosfor aumentada3,5.

    Portanto, o objetivo desta reviso esclarecer como osTCM podem influenciar o desempenho em provas de longadurao.

    METABOLISMO E OXIDAO DOS TCMOs TCM so molculas apolares formadas por trs ci-

    dos graxos saturados contendo seis a 12 tomos de carbo-no que esto esterificados ao glicerol. Os cidos graxos(AG) que compem os TCM so: cidos caprlico (C8:0;50-80%), cprico (C10:0; 20-50%) e com uma proporomenor dos cidos caprico (C6:0; 1-2%) e lurico (C12:0;1-2%). Os TCM constituem a principal forma de gordurapresente na dieta humana e foram introduzidos na clnicah aproximadamente 50 anos, visando o tratamento tantode disfunes na absoro de lipdios como fonte de ener-gia, substituindo as dietas baseadas em triglicerdeos decadeia longa (TCL)6,7.

    Os TCM, ricos em cidos graxos de cadeia mdia (AGCM),so hidrolisados por ao da lipase pancretica, sendo ab-sorvidos no duodeno mais rapidamente do que os cidosgraxos de cadeia longa (AGCL)3,7-10.

    Os AGCM constituem uma fonte rpida de energia, pois,ao contrrio dos AGCL, no so significativamente incor-porados em lipoprotenas (quilomcrons e VLDL), sendoabsorvidos diretamente na corrente sangunea. A velocida-

    de de absoro dos AGCM no intestino similar da glico-se. Aps passar pelos entercitos, esses AG atingem a cir-culao portal, sendo transportados ao fgado ligados al-bumina. A ligao da albumina aos AGCM mais fraca doque aos AGCL. Por outro lado, parte dos AGCM tambmdiretamente solubilizada na frao aquosa do plasma3,7-9.

    A ingesto elevada de triglicerdeos (TG) ricos em AGCMconduz a incorporao intracelular significativa desses AGem quilomcrons, sob a forma de TG ressintetizados. Essaincorporao parece depender da quantidade consumida eda distribuio dos AGCM nos TG ingeridos. Entretanto, aquantidade de quilomcrons produzida quando ocorre altoconsumo de TG ricos em AGCM de aproximadamente 1/5da verificada em pacientes com consumo elevado de TGricos em AGCL, sugerindo que a incorporao dos AGCMem quilomcrons no a via mais favorvel na absoro11.

    O transporte dos lipdios no organismo geralmentedescrito em duas vias metablicas: a exgena e a endge-na. A via exgena representa o transporte dos lipdios pro-venientes da dieta, do intestino para o fgado. A via end-gena descreve o transporte das lipoprotenas sintetizadasnos hepatcitos, do fgado para os tecidos perifricos.

    Na fase ps-absortiva, os AGCM tm seu transporte faci-litado no plasma, por ligao albumina e, pela veia porta,alcanam o fgado rapidamente12.

    Destino dos TCM no organismoA biodisponibilidade digestiva dos TCM maior que a

    dos TCL. Comparando-se com os TCL, observou-se que ahidrlise dos TCM, que se inicia no estmago, mais rpi-da e completa, a velocidade do trnsito gastrintestinal maior e a absoro ocorre na poro proximal, sendo maisrpida e mais eficiente. O comprimento da cadeia dos AGexerce grande influncia no comportamento dessa mol-cula no organismo. Os AGCL deixam o intestino, na formade TCL, pela via linftica, aps a incorporao nos quilo-mcrons. Uma frao desses quilomcrons sofre hidrliseintravascular, liberando a maioria dos AGCL para os teci-dos extra-hepticos, enquanto que a frao restante trans-portada para o fgado. Os AGCL atingem o fgado como AGligados albumina ou como TG. Por outro lado, os AGCM,na forma livre aps a digesto, seguem para o fgado pelaveia porta, ligados fracamente albumina. Cerca de 80% a100% dos AGCM presentes em todo o fluxo portal so cap-tados pelo fgado e a parcela remanescente segue pela cor-rente sangunea, tornando-se disponvel aos tecidos peri-fricos3,7-10.

    Todos os AG utilizam os dois sistemas de transporte empropores variveis. Quanto maior a cadeia carbnicado AG, mais este encontrado na linfa e menos no sangueportal. Na linfa, estes circulam como TG associados aos

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    quilomcrons. No sangue portal, os AG esto ligados al-bumina. Dessa forma, 8% dos AGCM encontram-se asso-ciados aos quilomcrons trs horas aps a ingesto de umarefeio com TCM em indivduos saudveis. Consumindoessa dieta por seis dias, esse valor atinge 15%. Em traba-lhos prvios considerou-se que o destino metablico dosAGCM estaria restrito quase que exclusivamente ao fgado13.

    Um fator que interfere na distribuio tecidual dos lip-dios da dieta a presena de atividade da lipase lipoproti-ca (LPL). Essa enzima localiza-se no endotlio dos vasosque irrigam os msculos, local principal de oxidao dosAG, e no tecido adiposo, local mais importante para o ar-mazenamento desses. A taxa de captao dos TG propor-cional atividade da LPL no tecido, estando esta elevadano msculo esqueltico, em situaes de jejum, e no teci-do adiposo no perodo ps-prandial. Dessa forma, a LPLdireciona os AG para oxidao (no msculo) ou armazena-mento como TG (no tecido adiposo). Esses processos rela-cionam-se essencialmente aos AGCL, que so transporta-dos associados aos quilomcrons ou as VLDL, e muito menosaos AGCM, que so pouco incorporados nessas lipoprote-nas13.

    Distribuio dos AG entre citoplasma e mitocndriaDevido s propriedades hidrfobas dos AGCL, so ne-

    cessrias protenas de ligao para transport-los da mem-brana para as organelas-alvo. Os AGCL ligam-se fcil e ra-pidamente a essas protenas, uma etapa essencial, paraalcanar os stios enzimticos e ativar-se em acil-coa. Poroutro lado, os AGCM, solveis em gua, ligam-se fracamentea essas protenas, explicando a pequena taxa de conversodesses AG em acil-coa13,14.

    Um mecanismo carreador adicional ocorre na membra-na mitocondrial interna. A carnitina, atuando na enzimacarnitina palmitoiltransferase (CPT), desempenha papelessencial no transporte de AGCL. Demonstrou-se, posterior-mente, que a entrada dos AGCM na matriz mitocondrial independente da carnitina. Essa independncia, entretan-to, apenas parcial. No fgado, cerca de 10 a 20% de octa-noato so transportados como acil-carnitina, enquanto queno msculo a entrada dos AGCM na mitocndria dependetotalmente da atividade transportadora da carnitina3,7,10,15.

    Oxidao dos AGCMA oxidao dos AGCM ocorre, em todos os tecidos, prin-

    cipalmente nas mitocndrias. Embora sua ativao tam-bm possa acontecer no citoplasma, esta ocorre majoritaria-mente na matriz mitocondrial, onde uma acil-coa especfica sintetizada a partir dos AGCM. A taxa de oxidao dosAGCM maior e mais rpida que dos AGCL. A prefernciana oxidao dos AGCM mantida mesmo na obesidade13.

    Uma das propriedades mais importantes dos TCM seucarter cetognico, uma vez que uma parte significativa doacetil-coa produzido abundantemente durante a oxidaodos AGCM direcionada para a produo de corpos cetni-cos. Uma nica dose oral de 45 a 100g de TCM, fornecida aindivduos saudveis, eleva as concentraes plasmticasde corpos cetnicos a 7.000umol/L no intervalo de uma aduas horas. Esses valores so de duas a quatro vezes maiselevados do que os observados em indivduos alimentadoscom dietas ricas em TCL. Assim, as concentraes plasm-ticas de corpos cetnicos em indivduos saudveis so de150umol/L, aps 48h de jejum so de 25.500 e, em indiv-duos diabticos descompensados, ficam acima de 10.00013.

    Regulao geral do metabolismo dos AGCMO fgado possui capacidade elevada de oxidar e sinteti-

    zar AG, modulada de acordo com as necessidades do orga-nismo ou condies fisiopatolgicas. Os mecanismos re-gulatrios ocorrem, basicamente, em duas etapas.

    Na primeira, a enzima CPT, localizada na membrana mito-condrial externa, que converte a acil-coa em acil-carnitina,controla a taxa de oxidao mitocondrial de AG. Na segun-da etapa, o malonil-coa, molcula envolvida na sntese denovo de AG (via exclusiva dos AGCL, regulada negativa-mente quando uma dieta pobre em lipdios substitudapor outra enriquecida com esses AG) inibe, em concentra-es fisiolgicas, a produo de acil-coa e conseqente-mente a entrada e oxidao dos AG na mitocndria. Comoo malonil-coa inibe a CPT, h elevao na sntese de AG.Por serem relativamente independentes da carnitina, osAGCM escapam desse mecanismo que controla o metabo-lismo dos AGCL. Uma vez na matriz mitocondrial, a -oxi-dao o destino quase que exclusivo de todos os AG, noimportando o tamanho da cadeia. Isso explica por que aoxidao dos AGCM pouco influenciada por fatores nutri-cionais ou hormonais do organismo; exatamente o contr-rio ocorre com os AGCL13,14,16,17.

    Alm disso, os TCM tendem a elevar ligeiramente as con-centraes circulantes de insulina e promover a lipognesecomo resultado de aumento no balano insulina/glucagon13.

    TCM E EXERCCIOOs CBO so o substrato energtico para atividades aer-

    bias de longa durao, porm, as reservas corporais de gli-cognio so limitadas e podem ser totalmente depletadasem eventos atlticos dessa natureza. Assim, pode ser van-tajoso otimizar a utilizao dos lipdios (AGL) como fontede energia, poupando os estoques de glicognio para osestgios finais da competio1,18.

    Vem sendo sugerido que a capacidade de sustentar oexerccio pode ser prolongada se a oferta de lipdios for

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    aumentada imediatamente antes do exerccio, uma vez quea taxa de oxidao dos AGL est diretamente relacionadacom a concentrao plasmtica dos mesmos3,5,9,15,16,19.

    Contrastando com essa afirmao, Martin III (1997)20cita que durante exerccios como corrida ou ciclismo, osTG intramusculares seriam a principal fonte para o aumen-to da oxidao de AG.

    A utilizao dos lipdios como fonte de energia duranteexerccios de longa durao muito importante, j que eles,armazenados no organismo na forma de TG no tecido adi-poso ( 17.500mmol), no msculo esqueltico ( 300mmol)e no plasma ( 0,5mmol), representam o principal estoquede energia do organismo ( 560MJ), chegando a ser 60 ve-zes maior quando comparados com o glicognio ( 9MJ)18,21.Outro fator importante a quantidade de energia fornecidacom a oxidao dos lipdios (9kcal/g), enquanto que a gli-cose fornece menos (4kcal/g)22.

    Visando essas vantagens dos lipdios como fonte de ener-gia, a utilizao dos TCM como suplemento vem sendoamplamente estudada.

    Como citado previamente, os TCM no retardam o esva-ziamento gstrico e so absorvidos mais rapidamente nointestino do que os TCL, sendo transportados via sanguepara o fgado. J que os TCM possuem velocidade de meta-bolizao similar da glicose, eles parecem ser uma fonteideal de energia para exerccios de longa durao8,9,18,23.

    Com o objetivo de comparar a taxa de oxidao de TCMe de CBO, Decombaz et al. (1983)24 conduziram uma pes-quisa em que 12 sujeitos foram submetidos a um estmulode uma hora em cicloergmetro (60% VO2 mx), uma horaaps uma refeio padro ( 250kcal) de TCM ou CBO. Aoxidao durante o perodo de duas horas aps a refeiofoi de 30% e 45% (TCM e CBO, respectivamente) do totalingerido. O decrscimo da concentrao de glicognio domsculo vasto lateral, avaliado atravs de bipsia, foi igualaps ambas as refeies. Assim, os autores concluram queuma simples refeio de TCM ou CBO antes do exerccio,quando os estoques de glicognio esto dentro do normal,no alteram a utilizao de CBO ou poupam glicogniocorporal durante uma hora de exerccio submximo.

    Ainda visando comparar a taxa de oxidao entre TCM eCBO, Massicote et al. (1992)25 realizaram um estudo noqual seis homens saudveis completaram cinco estmulosde duas horas em cicloergmetro a 65% do VO2 mx comintervalo de sete dias entre os mesmos da seguinte forma:um estmulo-controle com ingesto de gua, dois estmu-los com ingesto de 25g de TCM antes do exerccio e doisestmulos com ingesto de 57g de CBO (diludos em umlitro de gua) durante o exerccio. Durante as duas horasde exerccio, 13,6 3,5g de TCM e 36,4 8,2g de CBOforam oxidados, o que representou 54% e 64%, respecti-

    vamente, do total ingerido. A contribuio energtica doTCM e do CBO no foi significativamente diferente, repre-sentando, respectivamente, 7% e 8,5% do gasto energticototal.

    Jeukendrup et al. (1998)8 citam ainda que a oxidaodos TCM exgenos aumentada quando estes so ingeri-dos combinados com CBO.

    TCM E MELHORA DO DESEMPENHO

    Como foi visto anteriormente, os TCM podem ser umaimportante fonte de energia exgena durante exerccios delonga durao. Porm, estudos demonstraram que os TCM,por si ss, no ajudariam tanto na performance; assim, al-gumas pesquisas foram conduzidas ofertando TCM combi-nados com CBO, que apresentaram resultados conflitantes.

    Jeukendrup et al. (1995)26 submeteram oito ciclistas bemtreinados a quatro estmulos de 180min a 57% do VO2 mx,em que cada atleta consumiu 4ml/kg de peso corporal noincio do exerccio e 2ml/kg durante o exerccio das se-guintes solues: 15% de CBO, 149g de CBO + 29g de TCM,214g de CBO + 29g de TCM ou 29g de TCM. Ao final doestudo, observou-se que uma quantidade maior de TCM foioxidada quando ingerida em combinao com CBO, con-firmando a hiptese de que os TCM podem ser usados comofonte de energia, em combinao com a glicose, durante oexerccio, j que a disponibilidade metablica dos mes-mos foi maior durante a ltima hora de exerccio, com ta-xas de oxidao chegando a 70% da taxa de ingesto.

    Ainda com o objetivo de verificar a taxa de oxidaodos TCM, Jeukendrup et al. (1996)27 realizaram um estudosemelhante, no qual oito atletas de elite foram submetidosa quatro sesses de 90min de exerccio em bicicleta ergo-mtrica (57% VO2 mx). Os atletas consumiram duas solu-es, antes e durante o exerccio, uma contendo somenteCBO (15%) e outra, CBO + TCM. Embora a oxidao totalde lipdios tenha aumentado marcadamente, a oxidao deTCM aumentou marginalmente, com uma contribuio pe-quena ao dispndio energtico total, em torno de 6-8%.

    O conflito de resultados encontrado nessas duas pesqui-sas talvez possa ser explicado pelo fato de o tempo dosestmulos ter sido significativamente diferente (90 e 180minutos). Dessa forma, parece lgico pensar que, em est-mulos mais longos, maior quantidade de TCM passaria aser oxidada.

    Com relao melhora do desempenho, Van Zyl et al.(1996)28 avaliaram seis ciclistas treinados que realizaram,em trs ocasies separadas por 10 dias, estmulos de duashoras a 60% do VO2

    mx, e logo aps cada estmulo umasesso de 40km contra-relgio. Durante cada um dos est-mulos, os atletas ingeriram trs solues diferentes, con-

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    tendo 10% de CBO ou 4,3% de TCM ou 10% de CBO + 4,3%de TCM. Ao final do estudo, os autores observaram que, noestmulo em que foram consumidos TCM + CBO, o tempona sesso contra-relgio foi menor quando comparado comas outras sesses e que, durante o consumo de TCM sozi-nho, o tempo foi pior do que quando a soluo com CBOfoi consumida. Um fato que chama a ateno nesse estudo a quantidade de TCM suplementada durante os estmulos,que foi equivalente a 86g. Essa quantidade esbarra nas re-comendaes e nos achados de outros autores, que citamque quantidades superiores a 30g de TCM causariam des-conforto gastrintestinal e diarria5,8,23.

    Em estudo similar ao de Van Zyl, Jeukendrup et al.(1998)29 ofereceram as mesmas quantidades de TCM, com-binadas ou no com CBO. No foram encontrados resulta-dos positivos com relao performance e, ainda, quandoo TCM foi ingerido sozinho, houve declnio no desempe-nho relacionado ao desconforto gastrintestinal relatadopelos atletas.

    Goedecke et al. (1999)30 realizaram um estudo para ava-liar sintomas gstricos, metabolismo energtico e perfor-mance de nove ciclistas que foram submetidos a trs est-mulos de duas horas seguidos de uma sesso de 40kmcontra-relgio, em que foram ingeridas solues de CBO(10%) e CBO + TCM (10% + 1,72% ou 10% + 3,44%): 400mlantes dos estmulos e 100ml a cada 10min durante o exerc-cio. Nenhum desconforto gastrintestinal foi relatado pelostestados e o consumo de TCM no afetou nem o metabolis-mo energtico nem a performance. Os autores relataramque as concentraes de AGL plasmtico e de beta-hidroxi-butirato estavam elevadas aps o consumo de TCM.

    Visando verificar o efeito da ingesto de CBO e CBO +TCM no metabolismo e no desempenho, Angus et al.(2000)31 avaliaram oito atletas que percorreram 100km omais rpido possvel em cicloergmetro. As solues con-sumidas a cada 15min (250ml) eram compostas por CBO a6% ou CBO a 6% + TCM a 4,2% ou placebo. Os resultadosdemonstraram que a ingesto de CBO durante o exerccioaumentou o rendimento, mas a adio de TCM no resultouem nenhum aumento da performance.

    Em 1996, Jeukendrup et al.32 realizaram um estudo paraavaliar se haveria diferena na taxa de oxidao de CBOdurante o exerccio, quando TCM eram ingeridos. Nove atle-tas treinados foram avaliados em quatro sesses de 180mina 57% do VO2 mx, em que consumiram 4ml/kg de pesocorporal no incio de cada sesso e 2ml/kg a cada 20mindurante o exerccio das seguintes solues: 150g/L de CBO,uma equicalrica de 70% CBO + 30% (29g) TCM, 150g deCBO + 20g de TCM e uma soluo placebo (controle). An-tes e depois das sesses, foram realizadas bipsias muscu-lares para verificar a quantidade de glicognio; amostras

    respiratrias foram coletadas durante o exerccio para me-dir a taxa de oxidao de CBO exgeno e endgeno. Noforam observadas diferenas entre as sesses com relao oxidao de CBO, tanto exgeno como endgeno. As con-centraes plasmticas de AGL encontraram-se elevadas du-rante o exerccio, sendo similares em todas as sesses, en-quanto que as concentraes de cetonas plasmticasaumentaram significativamente aps o consumo de TCM.Os autores concluram que a ingesto de 29g de TCM con-juntamente com CBO durante 180min de exerccio no in-fluencia a utilizao de CBO ou de glicognio.

    Assim, apesar de a taxa de oxidao dos TCM ser au-mentada quando eles so consumidos com CBO, a ingestode quantidades at 30g de TCM parece no poupar o glico-gnio muscular ou melhorar a performance e, com relaoa quantidades superiores a 30g, apesar de haver um confli-to de dados, a maioria dos autores afirma que essas quanti-dades causariam desconforto gastrintestinal e diarria5,8,10,21,23

    .

    Um fato que chama a ateno em todos os estudos otempo dos estmulos, que no ultrapassaram as trs horasde durao. Segundo Noakes (2001)33, a suplementao deTCM parece ser mais eficaz em atividades que durem cincohoras ou mais, o que poderia explicar o fato de que a maio-ria dos estudos no encontrou melhora no desempenho.

    Em 2001, Misell et al.34 realizaram uma pesquisa paraavaliar os efeitos do consumo crnico de TCM, na qual 12corredores treinados consumiram suplementos dietticoscontendo 56g de TCL ou 60g de TCM diariamente duranteduas semanas. Aps cada fase de suplementao, os sujei-tos realizaram, em esteira, um teste composto de duas ses-ses: uma de 30min a 85% do VO2

    mx e outra logo aps a75% de VO2 mx at a exausto. Os resultados indicaramque o consumo crnico de TCM no melhorou o rendimen-to nem alterou significativamente o metabolismo relacio-nado performance em corredores treinados.

    Outro aspecto interessante relacionado com a suplemen-tao de TCM foi investigado por Kern et al. (2000)35. Oestudo realizado visava investigar o comportamento dasconcentraes de lipdios sanguneos. Corredores treina-dos foram submetidos a uma dieta pobre em lipdios e ins-trudos a consumir, duas vezes por dia durante duas sema-nas, 30g de TCM ou 28g de TCL. Cada fase foi separada portrs semanas. Ao final de cada fase, amostras de sangueforam coletadas para a dosagem de colesterol total (CT),HDL-colesterol (HDL-C), LDL-colesterol (LDL-C) e triglice-rdeos (TG). Apesar de as concentraes de CT, HDL-C, LDL-C e TG estarem mais elevadas aps a fase com consumo deTCM, todos os lipdios sanguneos encontravam-se dentrode valores ditos desejveis, sendo que a concentrao deHDL-C no apresentou diferena significativa entre as fa-

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    ses. Os autores concluram que o consumo de TCM por duassemanas altera negativamente o perfil de lipdios sangu-neos em atletas e recomendam que futuros estudos sejamrealizados para avaliar os efeitos do consumo de TCM, du-rante um perodo de tempo maior, nas concentraes delipdios sanguneos.

    CONCLUSES E RECOMENDAESA suplementao de TCM em exerccios de ultra-resis-

    tncia parece no promover melhora no desempenho quejustifique a sua utilizao. Apesar de a taxa de oxidaodos TCM aumentar quando eles so ingeridos com CBO,esse fato parece no poupar os estoques corporais de gli-cognio ou melhorar a performance. Dentre os estudos con-sultados para esta reviso, apenas um observou melhora

    no desempenho com consumo de TCM (combinados comCBO) e, mesmo assim, a quantidade de TCM suplementada(86g) foi maior do que a recomendao encontrada na lite-ratura (30g), o que poderia causar desconforto gastrintesti-nal e diarria.

    A utilizao de TCM como suplemento ainda precisa demais estudos, que empreguem, se possvel, tempo de est-mulo maior, a partir de cinco horas e concentraes de TCMintermedirias, em torno de 50 a 60g. Recomenda-se tam-bm que estudos observando os efeitos do consumo crni-co de TCM nas concentraes de lipdios sanguneos e nasade dos atletas sejam realizados.Todos os autores declararam no haver qualquer poten-cial conflito de interesses referente a este artigo.

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