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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES URI- CAMPUS DE ERECHIM. DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA – CURSO DE MATEMÁTICA LISIANE CARLA SERAFINI A MATEMÁTICA ESCOLAR E A MATEMÁTICA RURAL NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DOS MUNICÍPIOS DE ÁUREA E CENTENÁRIO ERECHIM 2009

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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES URI- CAMPUS DE ERECHIM.

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA – CURSO DE MATEMÁTICA

LISIANE CARLA SERAFINI

A MATEMÁTICA ESCOLAR E A MATEMÁTICA RURAL NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DOS MUNICÍPIOS DE ÁUREA E CENTENÁRIO

ERECHIM 2009

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LISIANE CARLA SERAFINI

A MATEMÁTICA ESCOLAR E A MATEMÁTICA RURAL NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DOS MUNICÍPIOS DE ÁUREA E CENTENÁRIO

Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Matemática, ao Departamento de Ciências Exatas e da Terra da URI- Campus de Erechim. Orientador: Prof. Ari Luiz Nava.

ERECHIM 2009

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Dedico este trabalho, aos meus pais, por terem me ensinado a gostar do campo, fazendo com que despertasse o interesse pelo tema desta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por me dar forças.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Ari e principalmente agradeço à Profa. Dra. Neila

Tonin Agranionih, pelo estímulo e interesse em me ajudar, desde as primeiras fases deste

trabalho.

Agradeço também a todos os professores que de uma forma ou outra contribuíram,

sugerindo, estimulando idéias para podermos escolher o tema da pesquisa.

Também expresso o meu agradecimento ao Leandro, que sempre está ao meu lado me

ajudando.

Agradeço ainda aos meus pais, pelo apoio e compreensão recebidos durante a

realização deste trabalho.

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RESUMO

Este estudo sobre a Matemática na escola rural objetiva verificar os princípios norteadores da educação rural, identificar os conteúdos e as metodologias trabalhados pelos professores que atuam nas escolas rurais e investigar se os professores de Matemática de 4ª a 8ª série sentem-se capacitados a trabalhar conteúdos necessários à formação do futuro produtor rural. Apoia-se em uma pesquisa de campo, sendo que a coleta de dados realizou-se através de questionários, tendo como público-alvo professores de Matemática de 4ª a 8ª série do Ensino Fundamental da rede municipal de Centenário e Áurea. Os dados foram analisados focalizando: conteúdos e metodologias trabalhados e preparo dos professores para atuar no meio rural. Analisando os questionários, concluiu-se que os professores tentam fazer o possível para aproximar os conteúdos matemáticos da realidade dos futuros produtores rurais, mas sentem muitas dificuldades, pois nem todos têm especialização em Matemática. Sentem falta de um curso que tenha relação com o meio em que os alunos estão inseridos. Palavras-chave: Matemática escolar. Escola rural. Educação rural.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 7 2 A EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL ................................................................................ 8

2.1 ESCOLA E CULTURA RURAL ............................................................................... 11 3 A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO MEIO RURAL .................................................. 15

3.1 COMO OS AGRICULTORES USAM A MATEMÁTICA ........................................ 16 4 A PESQUISA .................................................................................................................. 18

4.1 RELATO E ANÁLISE DOS DADOS........................................................................ 18 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 30 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 32

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1 INTRODUÇÃO

Muitas pesquisas destacam a difícil situação em que se encontra o ensino da

Matemática nas escolas rurais e defendem a necessidade de contextualização dos conteúdos

para proporcionar um melhor aprendizado dessa disciplina nesse meio. Este trabalho ressalta a

importância da Matemática escolar e da Matemática rural no Ensino Fundamental de 4ª a 8ª

série dos municípios de Áurea e Centenário/ RS, com o objetivo de verificar os princípios

pedagógicos norteadores da educação no meio rural, levantar os conteúdos e as metodologias

trabalhadas pelos professores que atuam nas escolas rurais e agrícolas e investigar se os

professores das escolas do meio rural e agrícola sentem-se capacitados para trabalhar com os

conteúdos necessários à formação do futuro produtor rural.

Como futuros educadores, nos preocupamos com a Matemática que está sendo

ensinada no meio rural. Sabemos da importância da Matemática no meio rural e da

necessidade de a mesma ser trabalhada nas escolas de uma forma diferenciada, mesmo que

seja um desafio para os profissionais que atuam nessa área.

Este trabalho consiste numa pesquisa de campo, realizada a partir de questionários,

tendo como público-alvo os professores de 4ª a 8ª série do Ensino Fundamental dos

municípios de Áurea e Centenário/RS. Apresenta, na segunda secção, a educação no meio

rural, focalizando como a mesma era, como é hoje e como deveria ser, qual é o papel dos

professores na escola, como poderíamos incluir a cultura rural nos conteúdos e metodologias

da escola rural.

A terceira secção aborda a Educação Matemática no meio rural, salientando como a

Matemática deveria ser ensinada e como os agricultores usam a Matemática.

A quarta secção relata a pesquisa, descrevendo a metodologia e analisando os dados

obtidos.

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2 A EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL

A educação no meio rural teve início no final do 2° Império e implantou-se na

primeira metade deste século. O desenvolvimento do ensino rural, no decorrer da história, foi

evoluindo conforme as necessidades das estruturas socioagrárias do país (CALAZANS,

2008).

As primeiras escolas não atraíram o homem do campo. Os horários não eram

compatíveis com os hábitos rurais, os temas e a metodologia de ensino eram rígidos e

herméticos, o calendário não respeitava o ano agrícola. E sem contar que existe uma

concepção de que a escola urbana é melhor do que a escola rural.

Como diz Ricci (2008), das 278 mil escolas rurais existentes até o final dos anos 80,

200 mil eram municipais, 2,5 mil eram federais, 70 mil eram estaduais e 4,9 mil eram

privadas.

No entanto, até hoje não existe um projeto específico para a escola rural. Como uma

escola vai trabalhar sem um projeto, seja ela rural ou urbana? Como diz em Arroyo e

Fernandes (1999, p.65),

[...] não podemos pensar uma educação para libertação quando privamos uma população de seus direitos. A política de educação que está sendo implantada no Brasil, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais, ignora a necessidade da existência de um projeto para a escola rural.

Relata Casali (2009) que quando nos deparamos com o problema da educação no

campo, logo grande parte dos governantes, secretarias de educação e intelectuais pensantes da

educação dizem que os grandes desafios estão na falta de estrutura, de professores preparados,

de transporte escolar adequado, de material didático-pedagógico. Mas o grande desafio

mesmo é a mudança do modelo de educação presente no meio rural. A escola que temos no

campo não prepara as crianças nem para o mundo urbano e nem para o mundo rural. O autor

afirma que prepara as crianças para serem pessoas subservientes à lógica do capitalismo, ou

para simplesmente serem exploradas. Enquanto as escolas agrotécnicas e os

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cursos superiores de agronomia preparam os jovens rurais para servirem o mundo das

multinacionais e as regras do agronegócio, a propriedade rural fica esquecida.

É preciso considerar a experiência da educação popular, quando falamos de uma certa

urgência na necessidade de um projeto político-pedagógico de educação do campo, afirma

Casali (2009). Necessitamos de uma política pública que busque realmente expressar a

realidade camponesa. Muitos foram os camponeses que aprenderam a ler e a escrever a partir

de lendas dos povos, leituras de mundo das famílias camponesas. Seria muito interessante

resgatar experiências e registros e transformá-los em referências para projetos voltados para a

educação do campo.

Assim, ainda refere Casali (2009), o Brasil precisa reconhecer o profundo descaso que

tem com a educação camponesa. Esses saberes estão presentes em nosso povo, eles aparecem

em festas populares, na agricultura, no tratamento de doenças com plantas medicinais, nos

conhecimentos matemáticos e químicos que aparecem, no modo de plantio, nas fases da lua,

no ceifar e no guardar os produtos, nos tempos de plantio. Infelizmente, diz o autor, ainda não

se pensou em uma educação e em linhas pedagógicas que respeitem esses valores e os

aproximem de outros saberes. Teríamos que entender que há uma certa necessidade de um

processo educativo que tenha um conjunto de ações pedagógicas que possam organizar um

currículo que seja especial ao camponês desde o ensino infantil até o ensino superior,

envolvendo todos os responsáveis pela construção desse novo ser humano camponês.

Os altos índices de êxodo rural da juventude camponesa nas últimas décadas vêm

aumentado, o que nos faz pensar, como diz Campolin (2008), que a educação é uma prática

social histórica e importante para todo ser. A primeira providência seria repensar a educação

rural, ela é necessária para fixar o jovem no campo, sendo que ele é o responsável pela

sobrevivência da unidade familiar.

Como diz em Kolling e Molina (1999), identificar os principais problemas da

educação do meio rural hoje não é difícil. Se começarmos a pesquisar, veremos que a escassez

de dados é grande, o que revela a pouca atenção que os órgãos governamentais e os

pesquisadores têm pelo tema. Mas mesmo assim, com o acesso a alguns dados e estudos

científicos não é difícil fazer um diagnóstico, na medida em que uma simples observação da

realidade faz com que nos deparemos com vários problemas preocupantes. Segundo os dados

da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1995, cerca de 32,7%

da população rural que têm acima de 15 anos é analfabeta, sendo que em algumas regiões

chega a 90%, isso comprova que muitas crianças e adolescentes ainda estão fora da escola.

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Kolling e Molina (1999) afirmam ainda que no Plano Nacional de Educação não

constam dados específicos sobre a exclusão social no meio rural. Estão muito mais

interessados em estimular os estudos na cidade, buscando diminuir o número de escolas no

campo, alegando que as escolas do campo tornam-se mais caras, sendo que muitas prefeituras

trazem as crianças para a cidade, num trajeto de horas de viagem, por estradas precárias, com

a finalidade de diminuir custos, mas não param para pensar no desgaste pelo qual essas

crianças passam. Cerca de 50% da população brasileira entre 15 e 17 anos não estão na escola

e 54,3% das matrículas no Ensino Médio estão na faixa etária acima dos 17 anos.

Segundo os dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

(SECAD/MEC), apenas 24% dos professores que lecionam nas séries iniciais do Ensino

Fundamental que dão aula em zonas rurais no país têm curso superior. Eles chegam a ganhar

até 60% menos que os docentes da zona urbana. Dos analfabetos brasileiros, que somam 9,6

milhões de pessoas entre 15 e 60 anos, 40% estão no campo, segundo dados da Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007.

Na zona rural, os estudantes têm menos acompanhamento da família e menos

oportunidades de acesso à cultura e à leitura, tanto na sala de aula, com o professor

que tem formação precária, quanto em casa”, avalia o diretor do MEC”, citado por

(Oliveira 2009).

O maior número de professores leigos concentram-se no meio rural, pois as

possibilidades de formação que são o magistério e os cursos superiores pouco ou quase nada

tratam de questões que envolvam o meio rural.

Assim, como diz Oliveira (2009), as escolas rurais concentram apenas 15% do total

das matrículas e isso não pode ser desprezado. Sabemos que no campo existem problemas

gravíssimos, começando pela formação dos professores, pela infraestrutura, o transporte dos

alunos, a falta de material didático, isso tudo vai refletindo no aprendizado dos mesmos.

Segundo Paniago e Rocha (2008) a formação do professor do campo precisava ser

implementada com situações, experiências e vivências a partir do seu entorno, assim sendo,

ele precisa aprender para poder ensinar melhor dentro de tal perspectiva. Talvez esse seria o

molde para um professor que atua no meio rural conseguir aproximar o seu aluno da realidade

que ele encontra no seu cotidiano. Seria muito interessante resgatar os conhecimentos

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culturais do povo do meio rural, a identidade do homem e da mulher do campo. Desfazer

aquela visão pejorativa que o meio urbano faz do meio rural e do homem do campo, não se

tornar dependente do livro didático, assim como algumas escolas do meio urbano. O ponto de

partida talvez seria dar uma outra imagem para o campo. Para isto temos que pensar numa

escola rural que contemple a cultura rural.

2.1 ESCOLA E CULTURA RURAL

Arroyo e Fernandes (1999) salientam que a escola rural, atualmente é muito pobre em

saberes e conhecimentos. Só ler, escrever e contar é muito pouco. A escola tem que ser mais

rica, tem que incorporar o saber, a cultura, o conhecimento socialmente construído, mas deve

tomar cuidado, porque nem todos os saberes sociais estão no saber escolar. Nem tudo que está

no currículo urbano é o saber social, logo, não precisa chegar à escola do campo. As escolas

do campo não podem reproduzir o conjunto de saberes inúteis que estamos agora retirando da

própria escola da cidade, afirmam os autores.

Precisamos de um currículo que esteja muito além do que o homem do campo tem

que ter para a sobrevivência e para a modernização. Precisamos de uma escola do campo que

possa incorporar uma visão mais rica do conhecimento e da cultura, uma visão mais digna do

campo, o que será possível, se a educação, o conhecimento, a ciência, a tecnologia, a cultura

forem concebidas como direito para as crianças, jovens, homens e mulheres do campo.

Partindo dessa visão, será necessário incorporar a um currículo que prepare para a produção e

o trabalho, saberes que emancipem, para a justiça, para a realização plena de ser humano. Não

podemos separar a cultura do conhecimento, os saberes escolares têm que ser redefinidos,

tendo um vínculo com as matrizes culturais do campo aos povos sujeitos culturais que o

movimento social recria.

Lacki (2002) diz que o importante é uma educação que tenha conteúdos úteis e

aplicáveis para melhorar a qualidade de vida dos habitantes rurais. Mas tudo isso também vai

depender da capacidade que os agricultores tenham para produzir, incorporar valores e

comercializar as suas colheitas, para assim proporcionar o aumento da sua renda, porque sem

renda não terão acesso aos benefícios que acompanham o desenvolvimento.

Assim como diz em Agranionih e Piran (1996), o produtor rural reconhece a

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importância da escola. Embora ele tenha muitas dificuldades em deixar o seu filho frequentar

a escola, ele lhe proporciona as condições necessárias, mesmo não suprindo as necessidades

da realidade que o futuro produtor necessita. Talvez seja pelo fato de que algumas escolas do

meio rural reproduzam processos utilizados na escola urbana e conteúdos geralmente

apoiados em livros didáticos, também alheios às especificações do meio rural. Brandão (1990,

p. 160) afirma que a escola rural “[...] é vivida como lugar de rotina, de uniformidade, de

submissão da lógica masculina à prática feminina, de pobreza ritual e, finalmente, de sujeição

do desejo de convivência a regras externas, neutras e formais, de participação disciplinada”.

A escola rural é considerada, por parte de alguns professores e alunos, de pouca

duração, pois logo os alunos se obrigam a ir para a cidade grande, se desejam continuar a

estudar. Algumas escolas ainda oferecem somente o Ensino Fundamental incompleto e alguns

professores da escola rural, muitas vezes leigos e sem domínio de conteúdo, não têm muito a

oferecer aos seus alunos. Mesmo aqueles que têm Magistério ou um Curso de Licenciatura

sentem dificuldade em adequar os conteúdos à realidade do meio rural, tudo isso porque

alguns professores que atuam no meio rural não tiveram nenhum preparo para ali atuarem.

Brandão explica que “o que os paralisa não são tanto as condições físicas do ofício, mas as

condições culturais de sua formação e do seu horizonte de profissão junto com as barreiras

institucionais do exercício docente” (1990, p. 116-117).

Por isso, afirmam Agranionih e Piran (1996), o professor e a escola devem se

comprometer a adequar o seu conteúdo à vivência do futuro produtor rural. A sala de aula

deveria ser um espaço de discussão dos problemas próprios do meio rural, refletindo sobre o

que fazem, planejando possíveis alternativas, tomando decisões, à luz dos saberes acadêmicos

e da riqueza de ideias que ambos irão trocar. A escola deveria corresponder às expectativas do

homem rural. Já o professor terá que dominar o conteúdo acadêmico e ser capaz de formar

uma consciência crítica de apreender as especificidades das diferentes realidades que

encontrará, para realizar um bom trabalho. Agranionih e Piran (1996, p. 34) ainda referem que

o papel do professor está comprometido com a tarefa de ensinar ao aluno a leitura, a escrita e o cálculo, não apenas simbólicos, mas do seu mundo. Está comprometido também, com a tarefa de promover na escola o processo dialético da construção do conhecimento.

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Segundo Lacki (2002), a criança camponesa é precocemente incorporada às atividades

agrícolas, portanto tem seu tempo limitado para frequentar a escola. Por isso teria que ser

levado em conta que seria necessário eliminar alguns conteúdos que são irrelevantes e

descontextualizados da realidade rural, substituindo-os por conteúdos que tenham relação

direta com o meio rural, para assim ajudar a resolver problemas encontrados diariamente no

campo. Essas escolas não podem apenas levar o nome de escolas rurais, elas necessitam

adquirir personalidade própria e serem rurais nos conteúdos, nos métodos, nas atitudes, no

comportamento e nos valores.

Para o autor citado, as disciplinas deveriam ser adaptadas às necessidades rurais. Os

currículos deveriam incluir conteúdos teóricos e práticos e, sobretudo, temas como produção

rural, processamento, conservação e comercialização de produtos agropecuários,

administração rural, desenvolvimento comunitário, organização dos agricultores,

associativismo e cooperativismo, higiene, prevenção de enfermidades e primeiros socorros,

hortas caseiras, alimentação e nutrição, educação familiar, etc.

Lacki (2002) ainda ressalta que embora os recursos sejam aparentemente escassos, não

podemos ignorar que a maior riqueza já se encontra na escola, são os valores, atitudes e

comportamentos necessários à formação do novo cidadão rural. Na maioria dos casos

podemos aproveitar os exemplos positivos existentes na área de influência da escola. Tais

exemplos permitem ensinar valores, bons hábitos e costumes pessoais e familiares, atitudes de

solidariedade, melhores práticas produtivas e comerciais. Sendo assim, a partir destas

referências poderemos conseguir mudanças significativas.

A escola do campo deveria proteger os interesses do campo, a política, a cultura e a

economia da agricultura camponesa. Deveria ter o dever de construir conhecimentos e

tecnologias na direção do desenvolvimento social e econômico dessa população.

Oliveira (2009) ainda ressalta que se analisarmos a infraestrutura, as escolas rurais

também ficam para trás.

[...] De acordo com o Panorama da Educação do Campo publicado pelo MEC em 2007, apenas 6,1% das escolas rurais de Ensino Fundamental possuem bibliotecas (são 48,2%, nas urbanas). A situação é ainda pior com os laboratórios de Ciências, presentes em apenas 0,7% das escolas rurais. Não há energia elétrica em 29% das escolas e faltam instalações de esgoto em 15%.

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Como um aluno terá condições de se desenvolver dignamente com essas condições

precárias? E se um dia precisar procurar um emprego na cidade grande, como terá condições

para competir com os alunos que estudaram no meio urbano? Infelizmente, a

[...] educação apenas está formando pessoas com mais conhecimento; porém não está formando-as com os conhecimentos, habilidades, valores e atitudes adequadas ás necessidades de vida e de trabalho, que elas enfrentam nas atividades cotidianas dos seus lares, propriedades e comunidades rurais.(LACKI, 2002).

Para Arroyo e Fernandes (1999), a concepção de que a escola urbana é melhor que a

escola rural é um pensamento que coloca mais uma vez o determinismo geográfico como

fator regulador da qualidade da educação, mas infelizmente é mais uma falsa ideia. O que está

em questão é o projeto de escola e não de localização. Os valores da escola do campo são

contrários aos valores burgueses e esse é um elemento importante de sua essência. O que se

defende é a construção de uma escola que não seja uma cópia de modelos importados de

escolas que não contribuem para a compreensão da realidade do campo, mas sim, para uma

escola que vincule a educação às questões sociais inerentes à sua realidade.

O currículo da educação rural está precisando de sérias mudanças ou adequações,

sendo que podem começar pelas autoridades municipais, assim como Lacki (2002) ressalta:

[...] as adequações curriculares já podem ser efetuadas pelas autoridades municipais e pelos professores das escolas das próprias comunidades rurais; contando com a participação de várias instituições, tais como as agências de extensão rural, as ONGs que promovem o desenvolvimento rural, as cooperativas e associações de agricultores e os integrantes das cadeiras agroalimentares.

A participação dos educadores é muito importante, porque eles têm condições de

trazer os problemas concretos do mundo rural para dentro da escola, com o propósito de que a

escola possa ensinar como prosseguir para solucionar os problemas que irá enfrentar, para

assim estimular habilidades e atitudes para os futuros produtores rurais, para que no futuro

possam ser produtores rurais mais eficientes e menos dependentes ou vulneráveis,

principalmente nas relações bancárias e comerciais.

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3 A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO MEIO RURAL

As aulas de Matemática ainda se caracterizam pelo treinamento de cálculos, pela

memorização, pela aplicação de processos apreendidos, não apresentam desafios e tampouco

apresentam possíveis situações de vida. Essa realidade pode ser encontrada no ensino de

Matemática nas escolas do meio rural. Além de a Matemática ser considerada uma disciplina

difícil por uma grande parte das pessoas, também é temida por alguns professores que

apresentam grandes deficiências, por não terem domínio do conteúdo, sendo que isso acaba

dificultando a organização, a interpretação e a construção de uma boa aula, provocando a

dependência do livro didático, o que obriga o professor a dar ênfase às quatro operações e à

memorização da tabuada (AGRANIONIH; PIRAN, 1996).

Certamente, os pais dos futuros produtores rurais colocam seus filhos na escola com o

intuito de que aprendam a resolver problemas próprios à propriedade rural, como a

determinação de áreas, de percentuais, de juros, de volumes, de custo de produção, etc.. Sendo

assim, acabam depositando esperanças em vão, porque, na verdade, pela falta de experiência,

conhecimento ou até falta de interesse em pesquisar a vida do produtor rural por parte de

alguns professores, esses conteúdos e outros não são priorizados. Na verdade, os professores

deveriam aproximar-se e pesquisar essa comunidade rural, fazendo reuniões para decidir os

conteúdos que deveriam ser trabalhados com esses alunos, pois até mesmo os professores que

sempre viveram no meio rural não têm conhecimentos necessários para associar a Matemática

da sala de aula com a Matemática do dia-a-dia do produtor rural. Como referem Agranionih e

Piran (1996), o papel social do professor é tornar-se mediador entre o saber social e o saber

acadêmico, entre os sujeitos do processo e a realidade do meio rural.

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3.1 COMO OS AGRICULTORES USAM A MATEMÁTICA

Agranionih e Piran (1996) observam que os conceitos e as relações matemáticas estão

presentes no dia-a-dia dos camponeses, na maioria das vezes adquiridos culturalmente ou

construídos com base nas situações-problema que os mesmos enfrentaram e transmitidos de

pai para filho.

Conforme os autores citados, os agricultores usam a Matemática, por exemplo, na

medição de terras, na cubagem de madeira, na estimativa da produtividade, na aplicação de

adubos e calcário, na armazenagem de produtos, na criação de suínos, no custo e lucro de

produção, no financiamento agrícola, no desconto na comercialização dos produtos agrícolas,

etc. Também utilizam instrumentos de medidas-padrão, como metro, litro, tarros de leite, as

balanças, entre outros e, para utilizar esses instrumentos necessita-se de relações e conceitos

matemáticos para que os resultados possam ser interpretados. Não esquecendo que esses

instrumentos são adequadas aos recursos disponíveis de cada agricultor.

Os agricultores utilizam instrumentos e medidas-padrão comuns à grande maioria dos

camponeses, sendo que há um consenso em relação à equivalência entre os instrumentos e

unidades, assim como descrevem Agranionih e Piran (1996, p.40): a corda: 10m; a lata: 15 kg

ou 30 kg; o cesto: 10 kg; baldes: 10; a saca: 60 kg; o carreto: 15 sacas; a caixa da máquina: 1

kg; o latão: 20 kg ou 30 kg; a tuia da automotriz: 30 sacas; o carroção; a carroça.

Essas unidades acima citadas são utilizadas no plantio e na colheita. Já na produção do

leite, os instrumentos utilizados são as canecas feitas de latas de azeite, tarros de 5ℓ, 20ℓ, 30ℓ,

e 50ℓ e baldes de 10ℓ. Na medição de terras um instrumento utilizado é a corda, sendo que

pode variar a metragem da corda de produtor para produtor, ou seja, pode variar de uma corda

de 10m para outra de 20m. Também são utilizadas as medidas agrárias conhecidas com

alqueire, hectare, a colônia, a quarta e o salomin, alqueire: 50 000 m2, 25 000 m2 , 24 000 m2 ;

colônia: 10 alqueires; hectare: 25 000 m2, 10 000 m2, 9 680 m2; a quarta: 6 050 m2 , 6 250

m2 , 110 x 55m; salomin: 1 512 m2, a quarta da quarta (AGRANIONIH; PIRAN (1996, p.44) .

Os agricultores entrevistados por Agranionih e Piran (1996, p.44) “[...] não têm muita

clareza quanto à correspondência dessas medidas em metros quadrados e quanto aos valores-

padrão. As medidas-padrão são:

- alqueire mineiro: 48 400 m2

- alqueire paulista: 24 200 m2

-alqueire colonial: 25 000 m2

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-colônia: 10 alqueires: 250 000 m2

-hectare: 10 000 m2

-quarta: 6050 m2

-salomin: 1512 m2 [...]”

Essa diferença entre os valores pode acontecer, porque cada região adota uma medida

agrária. Já na cubagem de madeira e na venda de lenha os agricultores têm clareza que o

volume é obtido através da multiplicação das três dimensões envolvidas. A cubagem de toras

envolve a “[...] medição do diâmetro da circunferência formada pelas bases mais finas da torra

em forma de “cruz” e a posterior multiplicação das medidas obtidas pela medida de

comprimento da tora” (AGRANIONIH; PIRAN, 1996, p.53).

Na verdade, as medidas foram surgindo conforme as necessidades dos agricultores e

dos povos, todas elas têm uma relação direta com a Matemática. E com certeza haveria mais

algumas para serem citadas, se pesquisadas em outras culturas.

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4 A PESQUISA

A pesquisa é qualitativa, e de campo. A coleta de dados foi realizada a partir de um

questionário, tendo como público-alvo todos os professores de 4ª a 8ª série que trabalham a

Matemática no Ensino Fundamental da Rede Municipal de Centenário e Áurea, sendo que

uma professora atua na escola municipal de Centenário e os outros quatro na escola municipal

de Áurea. Os dados foram coletados através de um questionário entregue aos professores pela

pesquisadora.

4.1 RELATO E ANÁLISE DOS DADOS

Dos professores entrevistados, dois trabalham há muitos anos na escola no meio rural.

P2A (16 anos) e P4C (17 anos). Um trabalha há 3 anos e meio (P1A), e um há poucos dias

(P3A).

Todos são unânimes em dizer que gostam de trabalhar no meio rural. Argumentam que

se identificam com esse meio, uma vez que são dele oriundos, como referem P2A e P3A. O

trabalho e a clientela são salientados por outro professor (P3A). P1A ressalta que gosta de

atuar neste meio porque trabalha com alunos que trazem experiências diferentes e, além disso,

diz que a escola apresenta projetos para serem trabalhados em diversas disciplinas.

P1A-“Sim. Pois você trabalha com alunos que tem experiência (vivência) diferentes de outros alunos, e além disso, a escola apresenta projetos diferenciados para trabalhar em diversas disciplinas. Ex: Horta (alimentação saudável), Clube da Árvore, etc.”.

P2A-“Sim. Por trabalhar com pessoas que vem do mesmo meio (que) de onde eu vim, e por serem pessoas interessadas em melhorar”.

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P3A-“Sim, gosto de trabalhar no meio rural pois me identifico com esta clientela já que a maior parte da minha infância e juventude vivi neste meio”. P4C-“Sim. Uma opção, escolha de vida”.

Os projetos de trabalho na escola são ferramentas fundamentais de ação pedagógica

na escola rural, pois possibilitam a aproximação dos alunos com a necessidade da

comunidade. É uma possibilidade de aproximação do cotidiano escolar com o cotidiano dos

diferentes grupos culturais. São também

[...] ferramentas de ação pedagógicas que visam sintonizar o cotidiano escolar e o currículo às grandes preocupações sociais contemporâneas, tornando a escola um espaço sócio-cultural dinâmico e atualizado com os movimentos de transformação da sociedade. Os projetos de trabalho são elos de ligação da escola com as políticas públicas de educação e com os anseios da comunidade, contribuindo desta forma, para a formação de um aluno cidadão, capaz de refletir e agir sobre sua realidade. (CARVALHO, 2004, p.1)

Arroyo e Fernandes (1999) comentam que como educadores, temos que pensar na

força que têm as matrizes culturais da terra e incorporá-las em nosso projeto pedagógico. Os

projetos possibilitam organizar e direcionar o senso criativo das pessoas.

Quando os professores foram questionados sobre como trabalham a Matemática e

sobre qual a metodologia usada, dois, (P1A e P4C) dizem que saem da rotina da aula,

trabalham com aulas expositivas, usam estratégias diferentes, assim como P1A e P4C:

P1A-“Trabalho a matemática de forma bem diversificada. Normalmente aulas expositivas, mas nelas incluo vários desafios, jogos, cálculos mentais, trabalhos em grupos, e diversas vezes aulas na cozinha utilizando produtos cultivados”. P2A-“ Trabalhamos muito o que aprendemos na faculdade. Muita teoria e exercícios. Lá falava-se muito em prática ou material concreto mas vimos pouco sobre isto. (Só teoria)”. P3A-“Procuro trabalhar a matemática partindo dos conhecimentos que os alunos já possuem e da resolução de problemas partindo do contexto, pois desta forma os alunos participam com interesse já que são conhecedores das situações e a aula fica dinâmica e de fácil compreensão”.

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P4C-“A partir de uma investigação do meio social do aluno. Pesquisa, jogos (material concreto/ Atividades escritas)”.

Os jogos foram referidos pelos professores como uma metodologia de trabalho. São

importantes, pois:

[...] constituem uma forma interessante de propor problemas, pois permite que estes sejam apresentados de modo atrativo e favorecem a criatividade na elaboração de estratégias de resolução e busca de solução. Propiciam a simulação de situações-problemas que exigem solução vivas e imediatas, o que estimula o planejamento das ações; possibilitam a construção de uma atitude positiva perante os erros, uma vez que as situações sucedem-se rapidamente e podem ser corrigidas de forma natural, no decorrer da ação, sem deixar marcas negativas (BRASIL, 1998, p. 46).

O conhecimento da realidade foi considerado pelo professor P4C. Este aspecto é muito

importante para a formação do futuro produtor rural, pois é a partir dele que o aluno pode

refletir sobre as atividades que ele ou mesmo os pais desempenham no sustendo da

família. Como explicam Agranionih e Piran (1996, p.29), o trabalho com situação do

cotidiano familiar contempla os saberes produzidos e necessários ao meio rural, uma vez

que :

as atividades concretas próprias ao trabalho da unidade familiar geram um saber que, imerso nas relações de produtividade (recursos, plantio, comercialização, etc.), produzem um saber social que possibilita ao pequeno produtor intervir na realidade, á medida que essas relações vão sendo desveladas. A experiência de envolvimento com bancos, comerciantes e cooperativas e a ampliação das relações de saber com técnicos, veterinários, agrônomos, sindicalistas, faz com que o pequeno produtor seja, necessariamente, um sujeito letrado. É de seu conhecimento.

O professor P3A refere que procura trabalhar com a Matemática partindo do

conhecimento dos alunos, valorizando seus saberes, pois são muito importantes. Sabemos

que a matemática está muito presente no dia-a-dia e que os agricultores constroem

conceitos e relações Matemáticas na lida diária.

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Conceitos e relações matemáticas estão presentes no trabalho do pequeno produtor rural. Utiliza-os nas diversas etapas de sua luta pela sobrevivência e pela viabilização da pequena propriedade. Na “lida” diária surgem problemas que exigem do pequeno produtor a definição de estratégias lógicas e a realização de cálculos matemáticos para solucioná-los.[...] (AGRANIONIH; PIRAN, 1996 p.39)

Já P2A fala que reproduz as aulas tradicionais aprendidas na faculdade. Faz uma

crítica ao curso de Licenciatura em Matemática. Temos consciência de que em algumas

escolas existem professores de Matemática que ainda se valem do modelo tradicional

conservador, e sabemos também da importância de um processo de formação permanente.

Hoje em dia existem cursos de atualização para professores que fizeram a faculdade há muito

tempo, pois os mesmos não podem se acomodar, devem procurar ampliar seus

conhecimentos. Na verdade o professor deve se desafiar a aprender a ensinar de modo

diferente daquele com ele foi ensinado. Os PCNs elucidam a respeito:

Tornar o saber matemático acumulado um saber escolar, passível de ser ensinado/aprendido, exige que esse conhecimento seja transformado, pois a obra e o pensamento do matemático teórico geralmente são difíceis de ser comunicados diretamente aos alunos. Essa consideração implica rever a idéia, que persiste na escola, de ver nos objetos de ensino cópias fiéis dos objetos da ciência. ( BRASIL, 1998, p.36)

Os professores foram indagados sobre os recursos que utilizam e se os mesmos têm

relação com o meio rural.

P1A-“Gosto de trabalhar com desafios, jogos e culinária. Quando trabalhamos com receitas, fizemos cálculos desde o plantio, (tempo estimado para o produto ser colhido, consumo de água (semana) enfim, e acreditamos que os recursos estão relacionados diretamente com a realidade do aluno”. P2A-“ Utilizamos muitos exemplos da vivência do meio rural. Como: Canteiros, roças”. P3A-“ Até o momento utilizei contas de luz, dados das profissões dos pais, quadro de giz, livros bibliografia da internet, relógio, calendário... Dentro do conteúdo desenvolvido estes recursos tem relação com o meio em que os alunos estão inseridos, pois fazem uso dos mesmos em especial o calendário, a conta de luz dados da profissão dos pais...”. P4C- “Pesquisa, produtos agrícola, produtos, comércio, consumo”.

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Analisando a questão acima, podemos observar que os professores utilizam-se de

situações que fazem parte do dia-a-dia dos alunos, assim como relatam P1A e P2A.

Agranionih e Piran (1996, p. 33) ressaltam a importância de aproximar os alunos da sua

vivência, dizendo:

A sala de aula deveria ser espaço de discussão dos problemas próprios ao trabalho rural, refletindo sobre o que fazem, planejando possíveis alternativas, tomando decisões conjuntas, à luz dos saberes acadêmicos e da riqueza de relações oriundas da troca de experiências geradas pelo diálogo. Desta forma, a escola poderá corresponder efetivamente ás expectativas do homem rural.

E ainda D’ Ambrosio (2001, p.22) diz que

o cotidiano está impregnado dos saberes e fazeres próprios da cultura. A todo instante, os indivíduos estão comparando, classificando, quantificando, medindo, explicando, generalizando, inferindo e, de algum modo, avaliando, usando os instrumentos matérias e intelectuais que são os próprios à sua cultura.

Mais uma vez Agranionih e Piran (1996, p. 35) ressaltam a importância dos problemas

matemáticos, sendo que, com certeza, os alunos iriam gostar que essas situações-problema

fossem ligadas com o cotidiano deles, uma vez que os que são tradicionalmente propostos não

os desafiam.

A aula de matemática caracteriza-se pelo treino de processos de cálculos. Aprender é sinônimo de memorizar. O método de ensino é a repetição. Problemas matemáticos constituem formas de aplicar os processos apreendidos. Não apresentam desafios, tampouco representam situações de vida possíveis de serem vivenciadas.

Já P4C utiliza a pesquisa, sendo que é muito importante não só para o aluno, mas

também para o professor, porque ensinar exige uma certa pesquisa em relação ao assunto que

se irá ensinar, citado por Freire (2000, p.32)

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Ensinar exige pesquisa. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei porque indago e me indago. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade [...]

Os professores foram questionados sobre os conteúdos que trabalham e se dão conta

de ensiná-los ao longo do ano.

P1A- “Os principais são: Sistema de Numeração Decimal, Frações, Múltiplos e Divisores, Juros e Porcentagem, Noções de Geometria. Depende muito de cada turma, tem anos que não é possível aplicar todos da maneira que eu esperava, por isso, às vezes priorizo cálculos e conteúdos que serão úteis no dia-a-dia.” P2A-“Todos os que estão na grade curricular. Conteúdos que devem ser trabalhados na referida série. Alguns conteúdos ficam para o final de e são trabalhados mais superficialmente. Priorizamos a álgebra e a geometria fica para o final”. P3A-“Até o momento foram trabalhados os conteúdos relacionados as Sistema de numeração (onde os números são utilizados, encontrados, observados no dia-a-dia; construção de tabelas com a profissão dos pais e utilizando destas informações”. P4C-“Conteúdos relacionados ao plano de estudo de série. Sim. Problemas matemáticos, compra e venda, porcentagem, frações, unidades de medidas”.

P1A e P3A referem que não priorizam conteúdos. P1A ainda diz que depende muito

de uma turma para outra, em algumas não consegue aplicar todo o conteúdo, às vezes prioriza

cálculo e alguns conteúdos do dia-a-dia. P2A e P4C dizem que trabalham todos os conteúdos

que estão na grade curricular. P2A diz que alguns conteúdos são trabalhados mais

superficialmente e prioriza a álgebra e a geometria e P4C prioriza problemas matemáticos,

compra e a venda, porcentagem, frações e unidades de medida.

Segundo os PCNs, devemos priorizar alguns conteúdos, que são: o estudo dos

números e das operações, o estudo do espaço e das formas e o estudo das grandezas e das

medidas. É nesse sentido que devemos ter um olhar mais atento para a sociedade, para

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podermos perceber que ainda é necessário acrescentar ainda a esses conteúdos aqueles que

permitem ao cidadão poder compreender as informações que recebe cotidianamente,

aprendendo a lidar com gráficos, tabelas, dados estatísticos, aprendendo a raciocinar

utilizando ideias relativas à probabilidade e à combinação. É importante ressaltar ainda que

a seleção de conteúdos a serem trabalhados pode se dar numa perspectiva mais ampla, ao procurar identifica-los como formais e saberes culturais cuja assimilação é essencial para que produza novos conhecimentos. Desta forma, pode-se considerar que os conteúdos envolvendo explicações, formas de raciocínio, linguagens, valores, sentimentos, interesses e condutas. Assim, nesses parâmetros os conteúdos estão dimensionados não só em conceitos, mas também em procedimentos e atitudes. (BRASIL 1998, p.49)

Seria muito produtivo também trabalhar a geometria com conteúdos que tenham

relação com o meio rural. Percebemos pelos questionários que somente o professore P2A

trabalha a geometria e, infelizmente, só no final do ano. Os conceitos geométricos constituem

parte importante do currículo de Matemática, pois eles são os responsáveis por desenvolver o

pensamento que permite compreender, descrever e representar de forma organizada o mundo

em que vivemos. Com certeza o professor do meio rural teria como explorar a geometria

começando pela horta da escola, depois, quem sabe, o campo, basta apenas querer.

Quanto ao trabalho com conteúdos relacionados ao meio rural, os professores referem:

P1A-“Sim. Juros e porcentagem principalmente. Os alunos calculam preços dos produtos, compra e venda de insumos, empréstimos bancários, porcentagem de lucro ou prejuízo nas vendas, etc.”. P2A-Não respondeu. P3A-“A construção de tabelas com a profissão dos pais tem relação com o meio rural (os pais em sua maioria são agricultores) e exploração das atividades que realizam”. P4C-“Sim. A produção agrícola”.

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Apenas P2A não respondeu a pergunta acima. Já o restante dos professores respondeu

que trabalham conteúdos que tenham relação com o meio rural. P1A diz que trabalha

porcentagem, juros e todas os possíveis cálculos que possam ser feitos em relação a uma

propriedade rural. P3A diz que desenvolveu uma atividade que consiste em construir uma

tabela para identificar a profissão dos pais, sendo que a maioria são agricultores, explorando

também o tipo de atividade que os pais desempenham. P4C diz que trabalha conteúdos

relacionados com a produção agrícola. P2A relata que utiliza livros, internet, quadro e giz,

relógio, calendário...

Com certeza podemos relacionar o meio do aluno com o conteúdo (conteúdo de

Matemática) trabalhado na sala de aula, assim como os PCNs (1998, p. 28) dizem:

[...] a Matemática desempenha, no currículo, equilibrado e indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estrutura do pensamento, na agilidade do raciocínio do aluno, a sua aplicação a problemas, situações da vida cotidiana e atividades do mundo do trabalho e no apoio à construção de conhecimento em outras áreas curriculares.

Perguntamos aos professores se os alunos mostram interesse, quando são trabalhados

conteúdos relacionados ao meio rural e obtivemos as seguintes respostas:

P1A- “Sim. Eles adoram calcular coisas que tenham a ver com as atividades deles e de seus pais. Sempre trazem novidades e perguntas sobre novos cálculos. A aula torna-se bem atrativa”. P2A- Não respondeu. P3A-“Sim, os alunos realizaram as atividades com interesse e dinamismo, bem como, participaram oralmente colocando suas opiniões”. P4C-“Sim: São os assuntos que os alunos demonstram maior interesse, porque faz parte da realidade deles”.

Somente um professor não respondeu a esta questão (P2A). Os professores que

responderam dizem que os alunos demonstram interesse sim nos conteúdos que tenham

relação direta com o meio rural. P4C diz que são os assuntos que mais interessam aos alunos,

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porque fazem parte da realidade dos mesmos. P3A relata que os alunos sabem expressar as

suas opiniões sobre os assuntos que têm relação com o dia-a-dia. E além de sentirem-se

interessados, adoram calcular tudo que tenha relação direta com as atividades dos pais. Sendo

assim, sempre trazem novidades e perguntas sobre os cálculos, o que acaba deixando a aula

atrativa, relata P1A.

Hoje em dia, com certeza, temos que tornar a aula atrativa, interessante, fazer com que

os alunos se interessem pelas atividades. Devemos esquecer as aulas tradicionais e

proporcionar aulas que tenham relação direta com o meio em os alunos estão inseridos, assim

como está explicado nos Parâmetros Curriculares.

[...] para conseguir a atenção dos alunos, é preciso empregar palavras e muitas palavras. Esquecer a aula tradicional, aquela em que determinado ponto da matéria é apresentado no quadro-negro, explicado e, em seguida, praticado por meio de exercícios. Por ser mecânico, esse tipo de aprendizado não avalia se o estudante compreendeu ou não o conhecimento. Em vez disso, procure surpreender a classe. Mostre o conteúdo fazendo uso de muita conversa e abrindo espaço para os estudantes (BRASIL,1998, p. 49-50).

Questionamos se os professores de Matemática sentem-se habilitados para trabalhar

com os conteúdos necessários à formação do futuro produtor rural.

P1A-“Como leciono com a 4ª série, acredito que consigo relacionar os conteúdos da aula com atividades do meio rural de forma satisfatória. Mas acredito que tendo algum curso na área agrícola ajudaria ainda mais”. P2A-“Não. Pois na faculdade somos intimados a sugerir prática e recebemos quase nada da faculdade”. P3A-“Em parte. No sentido de conhecer a realidade me sinto habilitada, mas acredito que vou sentir um pouco de dificuldade na parte de associar as informações teóricas com a realidade por não possuir a habilitação específica da matemática”. P4C-“-Em parte, fazendo o possível para o incentivo da importância de ser um agricultor -Ensinando o básico sobre o plantio de variedades e sua comercialização”.

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P1A nos diz que consegue relacionar satisfatoriamente os conteúdos com a realidade,

mas afirma que se tivesse um curso na área agrícola ajudaria. P2A diz que não se sente

capacitado para lidar com essa realidade e responsabiliza o Curso de Licenciatura por não

oferecer a formação que a escola rural requer. Já P3A e P4C relatam que se sentem

capacitados em parte. P3A diz que conhece a realidade do meio, mas sente dificuldade com os

conteúdos matemáticos.

Dos professores que responderam o questionário, apenas um tem Licenciatura em

Matemática, e como podemos perceber, nenhum se sente totalmente capacitado para lidar

com a realidade do meio rural. Apenas um dos professores leciona de 5ª a 8ª série, sendo que

esse professor deve sentir muito mais dificuldade em lidar com essa realidade, pois a

Matemática torna-se mais complexa e se esse professor não se sentir capacitado, com certeza

deixará de trabalhar os conteúdos que tenham relação direta com o meio rural. Certamente,

que um curso de especialização seria útil.

O papel do professor vai muito além de apenas ensinar o aluno a ler e a escrever bem,

como diz em Agranionih e Piran (1996, p.34):

O papel do professor está comprometido com a tarefa de ensinar ao aluno a leitura, a escrita e o cálculo, não apenas simbólicos, mas do seu mundo. Está comprometido também, com a tarefa de promover na escola o processo dialético da construção do conhecimento.

Questionados sobre o que faltou na própria formação, para se sentirem habilitados

para trabalhar no meio rural, os professores responderam:

P1A-“Como já mencionei, talvez algum curso diretamente ligado à área agrícola. Como sou formada em Geografia acredito na aplicação de técnicas agrícolas que não agridam o meio ambiente. Tendo a especialização adequada e “idéias sustentáveis” seria possível desenvolver um trabalho muito bom nas escolas, e os alunos transmitiriam esses conhecimentos aos pais”. P2A-“ Professores na faculdade que tenham experiência neste meio”. P3A-“A habilitação específica- Licenciatura de Matemática para fazer a relação direta dos conteúdos com os dados do meio rural”. P4C-“Um curso de formação relacionado ao meio rural.

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- A teoria relacionada a prática”.

Os professores referem que sentem falta de um curso que seja relacionado com o meio

no qual estão trabalhando. P1A e P4C dizem que seja um curso que tenha ligação direta com a

área agrícola, já que não tiveram a formação adequada no curso que fizeram. Já P2A diz que

temos que ter professores na faculdade que tenham experiência nesse meio. P3A diz que teria

que ter a especialização em Matemática para fazer a relação direta dos conteúdos com o meio

rural.

P1A, P3A e P4C não têm formação específica em Matemática e com certeza esses

professores devem sentir maior dificuldade em explicar os conteúdos relacionados à

Matemática do meio rural. Já P2A, apesar de ter formação específica em Matemática, também

sente dificuldades, pois justifica dizendo que nem sempre conseguimos aprender tudo

enquanto somos acadêmicos. Com certeza, só o Curso de Matemática não será suficiente, será

necessário um curso específico, que tenha relação direta com o meio rural, e muito estudo

para poder relacionar os conteúdos matemáticos com a realidade dos alunos.

Não basta apenas que os professores dominem os conteúdos, mas é preciso que

tenham uma consciência crítica capaz de entender a realidade do meio rural, assim como

Agranionih e Piran (1996, p.34) relatam:

[...] o professor, para atuar dessa forma, implica, além de proporcionar o domínio dos conteúdos acadêmicos, a formação de uma consciência crítica, capaz de apreender as especificidades das diferentes realidades e nelas atuar com competência técnico-pedagógico.

Os professores consideram fundamentais e relevantes no ensino de Matemática nas

escolas rurais os conteúdos relacionados ao próprio meio.

P1A-“Acredito que o conteúdo em si não seja o mais importante, mas sim desenvolver o raciocínio de modo que os alunos consigam resolver cálculos e situações que se apliquem a seu dia-a-dia e suas atividades”. P2A-“Treinamento para conciliar o conteúdo programático inserido com a realidade rural.

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Por o aluno do meio rural sentir-se preparado para um vestibular e consequentemente para uma faculdade (universidade) e não sentir-se diminuído”. P3A-“Calcular medidas de terrenos, lenha, materiais diversos, área...Calcular o valor dos produtos: custo, lucro, prejuízo, inflação, relação quilo e saco-custo; Componentes dos insumos: benefícios e prejuízos.” P4C-“Pesquisa de preços na aquisição de produtos como agrotóxicos, fertilizantes sementes, etc. Cuidados básicos na hora de comercialização como preços, descontos etc.”.

P1A diz que o conteúdo não é tão importante, quanto o desenvolvimento do raciocínio

para resolver cálculos matemáticos relacionados com o dia-a-dia. P2A diz que deveria ocorrer

um treinamento para conciliar conteúdos, para que no futuro o aluno se sinta capacitado para

fazer um vestibular e não se sentir diminuído. P3A refere-se aos conteúdos mais direcionados

ao meio rural, como: cálculos de medidas, cálculos de valores e cálculos de benefícios e

prejuízos. P4C relata que seria importante utilizar a pesquisa de preços de produtos agrícolas,

insumos, ou seja, cuidados relacionados com a situação financeira da propriedade rural.

A tarefa mais desafiante nessa parte, com certeza, fica com o professor que deve

conciliar a Matemática da sala de aula com a Matemática do meio rural, como Agranionih e

Piran (1996, p.37) relatam:

Ao professor, cabe resgatar esse processo libertador para a sala de aula, tornando os saberes matemáticos construídos empiricamente pelo pequeno produtor, em conteúdo de ensino a serem trabalhados dialeticamente com os saberes acadêmicos. Seu papel social é de mediação entre o saber social e o saber acadêmico, entre os sujeitos do processo e a realidade rural.

Na verdade, a escola teria que estar preparada com professores que tivessem uma

formação adequada com um currículo que pudesse preparar adequadamente o produtor rural,

pois não é só a Matemática que tem que trabalhar os conteúdos do meio rural, mas a Biologia,

a Química, a Geografia enfim, todas as matérias teriam que ter relação direta com o meio

rural, ou seja, com o meio em que o aluno está inserido. A escola deveria desenvolver projeto

onde houvesse uma interdisciplinaridade entre as matérias que compõem o currículo,

enfatizando uma proposta curricular e pedagógica relevante para a escola rural.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando os questionários aplicados, podemos concluir que os professores, na

medida do possível, tentam aproximar a Matemática com a realidade do meio em que os

alunos estão inseridos. Para tanto, trabalham com situações-problema, com jogos, pesquisa,

materiais concretos, com aulas expositivas cálculos mentais, trabalho em grupo, aulas de

culinária, trabalham também a Matemática partindo do conhecimento dos alunos. Mas nem

todos os professores sentem-se capacitados para trabalhar os conteúdos que tenham relação

direta com o meio rural, apenas um professor tem especialização em Matemática, o que acaba

dificultando o trabalho. Alguns professores citam que seria muito importante um curso de

especialização voltado para o meio rural, pois ajudá-los-ia ainda mais.

Pesquisamos a Matemática escolar e a Matemática rural, porque consideramos muito

importante saber como é ensinada a Matemática no meio rural, como os professores

desenvolvem o conteúdo, se sentem capacitados e se é relacionada a Matemática da sala de

aula com a Matemática do meio rural.

Preocupamo-nos muito com a questão da aprendizagem, pois é importante que os

alunos aprendam e saibam o porquê do aprender e a importância de conhecer e dominar os

conteúdos atualizados para poderem futuramente administrar e calcular ganhos e perdas da

sua pequena ou grande propriedade.

A aprendizagem ocorre quando o aluno vê um significado no conteúdo estudado. É

importante ter objetivos bem claros e definidos, principalmente tratando-se da Matemática no

meio rural.

Esse tema, com certeza, nos faz refletir sobre a importância que tem o ensino da

Matemática no meio rural, e como é importante que os professores tenham uma formação

adequada para assim conduzir os seus alunos a gostarem da tão temida “Matemática”.

Queremos a cada dia que passa melhorar a nossa prática como educadores, buscando

novas alternativas e refletindo sobre as mesmas, para que um dia possamos lidar com essa

realidade (a realidade da escola rural), para que nos alunos desperte ainda mais o interesse e a

curiosidade em descobrir e entender a Matemática.

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Sabemos que não é fácil cativar os alunos para gostarem da Matemática. Sabemos

também que trabalhar com alunos do meio rural exigirá muita pesquisa. E, com certeza,

iremos aprender muito uns com os outros.

Precisamos ter consciência da necessidade da contextualização dos conteúdos, pois

nem todos os alunos irão permanecer no campo, muitos irão se aperfeiçoar para mais tarde

voltarem ao seu meio e ali aplicarem tudo que aprenderam. Hoje em dia todos precisam estar

em constante atualização, principalmente o futuro produtor rural. Cada vez mais as máquinas

estão modernizadas e esta, entre outras, é uma realidade nova que exige que o futuro produtor

esteja preparado para com ela lidar. No futuro não bastará ao produtor somente saber

administrar e calcular, ele terá que desenvolver uma nova técnica de pensamento para

solucionar os seus problemas e desafios que surgirem.

Sentimos que ainda estamos muito longe de uma educação ideal, mas com certeza

estamos caminhando à procura de alternativas para um aperfeiçoamento da nossa prática.

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REFERÊNCIAS

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