TCC Definitivo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA THIAGO TOMOAKY DOS SANTOS SATO A CIDADE DE LONDRINA E SEU CALÇADÃO

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UNIVERSIDADE

ESTADUAL DE LONDRINA

THIAGO TOMOAKY DOS SANTOS SATO

A CIDADE DE LONDRINA E SEU CALÇADÃO

Londrina2011

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THIAGO TOMOAKY DOS SANTOS SATO

A CIDADE DE LONDRINA E SEU CALÇADÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.

Orientadora: Profa. Dra. Zueleide Casagrande de Paula

Londrina 2011

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THIAGO TOMOAKY DOS SANTOS SATO

A CIDADE DE LONDRINA E SEU CALÇADÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina.

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________

Profa. OrientadoraUniversidade Estadual de Londrina

____________________________________

Prof. Componente da BancaUniversidade Estadual de Londrina

____________________________________

Prof. Componente da BancaUniversidade Estadual de Londrina

Londrina, _____de ___________de _______.

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[...]

Hoje passa qualquer um

pé vermelho neste chão

neste terreno comum

fortaleza cidadã

feita de tanto passar

entre tanto conviver

e o nome passou a ser

simplesmente Calçadão

Domingos Pellegrini

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AGRADECIMENTO (S)

A minha professora orientadora Zueleide Casagrande de Paula, que devido

ao grande esforço, mesmo com as diversas adversidades, foi quem possibilitou este trabalho,

ensinando aos poucos o que é ser um historiador.

À meus pais que sempre me mostraram o caminho da ética e da educação e

possibilitaram este momento especial. Agradeço também minha irmã e meus avós.

À minha namorada, que neste ano precisou me dividir com este trabalho,

mas sempre me apoiou e trouxe inspiração.

Aos meus colegas de sala, pelos ótimos dias que passamos juntos nos

últimos anos.

Aos professores do Departamento de História, cada um contribuiu a sua

maneira para minha formação. Agradeço especialmente aos professores Marco Antonio

Soares e Rogério Ivano, por comporem minha banca.

À Celina que foi imprensendível nesta jornada.

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SATO, Thiago Tomoaky dos Santos. A cidade de Londrina e seu Calçadão. 2011. 76 p.. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011.

RESUMO

O presente trabalho busca realizar um olhar pautado teoricamente em Michel de Certeau e Kevin Lynch sobre o projeto de intervenção urbana de 1977 que originou o Calçadão da Avenida Paraná, na cidade de Londrina–PR. Iniciamente apresentamos uma discussão entre os autores supracitados para o entendimento do discurso do planejamento urbano em contraponto as práticas cotidianas, ou “artes do fazer”. Posteriormente, procuramos apresentar um estudo sobre as intervenções urbanas de maneira global, e por vezes especifica a cidade de Londirna, na qual são identificados três recortes conceituais: embelezamento urbano, renovação urbana e revitalização urbana. Neste sentido, procuramos apontar a relação entre as ruas de pedestres e processo de revitalização urbana, que busca, principalmente, atrair o comercio para a região central. Finalmente, apresentamos alguns dos equipamentos urbanos que marcam o Calçadão da cidade de Londrina, mas não é especifico de sua característica como: piso, iluminárias, praças e quiosques. Para tanto utilizamos como fonte matérias de jornais de diversas épocas. As conclusão possíveis, nessa leitura, são as de que os projetos urbanos buscam a partir de seus metodos gerir as práticas cotidianas, mas que muitas das proposições urnísticas são “burladas” pelas práticas cotidianas. No Calçadão de Londrina, isto é percepitivel nas diversas significações que são dados aos elementos existentes naquele espaço.

Palavras-chave: Calçadão de Londrina; Rua de pedestres; Intervenção Urbana; História Urbana.

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SATO, Thiago Tomoaky dos Santos. The city of Londrina and his “Calçadão”. 2011. 76 p.. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011.

ABSTRACT

This study aims to conduct a theoretically guided look at Michel de Certeau and Kevin Lynch about the project of urban intervention in 1977 that gave rise to the Avenida Paraná’s “Calçadão” in Londrina-PR. He initially presented a discussion between the authors above to understand the speech of urban planning as a counterpoint to the “practice of the everyday life”. Subsequently, we present a study of urban interventions in a global way, and sometimes specifies the city of Londrina, which are identified in three conceptual clippings: urban beautification, urban renewal and urban revitalization. In this regard, we point out the relationship between the pedestrian streets and urban revitalization process, which aims mainly at attracting trade to the central region. Finally, we present some of the urban amenities that mark the city of Londrina Boardwalk, but is not specific to its characteristic as floor luminaries, squares and kiosks. For this we use as the source news stories from various eras. The possible conclusion, in this reading are that the urban projects from seeking methods to manage their everyday practices, but many of the urbanity propositions are "hacked" by the every day practices. In “Calçadão”, we can see the different meanings that are given to existing elements in that space.

Key words: “Londrina’s Calçadão”; pedestrian street; urban intervention; Urban History.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Pontos Referenciais do centro da cidade de Londrina que melhor ajudam a localização.

Figura 2 Fotografia da rua de pedestres de Compenhague. 1.

Figura 3 Fulton Mall, Fresno, California, c. 1965

Figura 4 Rua XV de Novembro, Curitiba, 1986.

Figura 5 Rua das Flores, Curitiba.

Figura 6 Trecho da Rua das Flores próximo a Avenida Luiz Xavier.

Figura 7 Transformações do espaço da Avenida Paraná

Figura 8 Projeto Reurbanização de Londrina.9

Figura 9 Em Azul, espaço do Calçadão contruido até a década de 1970. Em amarelo, expansão de

1991.1

Figura 10 Praça Willie Davis..2

Figura 11 Praça Gabriel Martins, antes do Calçadão2

Figura 12Praça Wilie Davids, após contrução do Calçadão.2

Figura 13 Praça Gabriel Martins, após construção do Calçadão2

Figura 14 Trabalhadores descobrem desenho da praça Gabriel Martins da década de 19703

Figura 15 Tradicional Piso do Calçadão de Londrina4

Figura 16 Dois trechos em contraste.5

Figura 17 Calçadão durante a noite.9

Figura 18 Araucária70

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACIL – Associação Comercial e Industrial de Londrina

CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna

CMTU – Companhia Municipal de Transito e Urbanização

COMURB - Companhia Municipal de Urbanização

CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná

FIFA – Federação Internacional de Futebol Associado

IPAC – Inventário e Proteção do Acervo Cultural de Londrina

IPPUL – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina

ONU – Organização das Nações Unidas

PML – Prefeitura Municipal de Londrina

UIA – União Internacional de Arquitetos

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................11

1. ENTRE CONCEITOS URBANOS E CONCEITOS DO COTIDIANO.............................13

1.1 Introdução...........................................................................................................................13

1.2 Uma estratégia urbanística a partir da leitura de Kevin Lynch..........................................14

1.3 A relação de força em Michel de Certeau.........................................................................20

1.4 Historiografia sobre Londrina............................................................................................24

2. Intervenções Urbanas...............................................................................................................28

2.1 As Ruas de Pedestres como Revitalização Urbana............................................................28

2.1.1 Embelezamento, renovação e revitalização urbana.....................................................28

2.1.2 Ruas de Pedestres........................................................................................................40

2.3 Jaime Lerner e sua equipe planejam o primeiro Calçadão do Brasil.................................49

3. Um olhar sobre o Calçadão: uma rua de pedestre em Londrina..............................................54

3.1 O Palimpsesto - Avenida Paraná....................................................................................54

3.2 O Projeto de intervenção inicial.....................................................................................58

3.3 Características Gerais.....................................................................................................60

3.4 Praças..............................................................................................................................61

3.5 O piso e seu desenho......................................................................................................63

2.6 Quiosques – lazer ou obstáculo?....................................................................................67

2.7 Luminárias e iluminação................................................................................................68

2.8 Últimas palavras.............................................................................................................70

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................72

REFERÊNCAIS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................74

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INTRODUÇÃO

O texto apresentado ao longo das próximas páginas é fruto de

reflexões iniciadas no projeto de pesquisa “Questões urbanas, questões de urbanização:

História, imagem, traçado, representações” que teve como objeto de estudo o Calçadão

de Londrina. A proposta da pesquisa era refletir o espaço urbano da cidade de Londrina

a partir das referências de Kevin Lynch e Michel de Certeau. Através do

amadurecimento de algumas idéias, foram mantidos os referenciais e o objeto, mas em

uma pesquisa mais aprofundada, buscando compreender as intencionalidades dos

urbanistas ao realizar uma “intervenção urbana”, e como esta intervenção é recebida

pela população e como ela se manifesta no cotidiano.

Foram identificados alguns problemas: Por que o Calçadão de

Londrina foi construído? O que ele significa para o Urbanismo? E para os habitantes?

De que modo o Calçadão se relaciona com a História da cidade? Na busca de

compreender estes problemas, na perspectiva da História Urbana, um campo antigo da

História, mas aqui possui uma vertente diferente da apresentada por Coulanges e Max

Weber, ou seja, com o fenômeno do urbanismo e da modernidade, busca-se uma análise

multidisciplinar do objeto cidade (ROMINELLI, 1997).

Este trabalho busca ser multidisciplinar principalmente no que se

refere ao diálogo que se procurará estabelecer entre a História e o Urbanismo. Buscando

articular estes dois campos do conhecimento, no primeiro capítulo são apresentados os

principais conceitos do urbanista Kevin Lynch e do pensador e historiador Michel de

Certeau. Ao final do capítulo, breves considerações sobre a historiografia sobre a cidade

de Londrina são realizadas.

No segundo capítulo, buscou-se apresentar o que são e como foram

realizadas algumas intervenções urbanas. Também é apresentada a divisão proposta por

Januzzi (2008) entre embelezamento urbano, renovação urbana e revitalização urbana,

com o objetivo de identificar como um arquiteto-urbanista entende as semelhanças e

individualidades, e principalmente, compreender como se faz o discurso do urbanista

que vê como eminente a necessidade de intervir e planejar.

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Finalmente, no terceiro capítulo, propomos algumas reflexões sobre o

Calçadão de Londrina e a Avenida Paraná. Organizado a partir dos elementos próprios

daquele espaço, procuramos encontrar aspectos históricos diversos em cada um deles:

praças, piso, quiosques, iluminarias. Para essa finalidade foi utilizado como fonte

matérias de Jornais, algumas encontradas do Centro de Documentação e Pesquisa

História (CDPH) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e outras na homeroteca

da Biblioteca Pública de Londrina, onde havia uma seção sobre o Calçadão. Por fim,

são realizadas as considerações finais que buscam aproximar os capítulos apresentados

ao longo do trabalho.

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1. ENTRE CONCEITOS URBANOS E CONCEITOS DO COTIDIANO

1.1 INTRODUÇÃO

Para a análise histórica do Calçadão de Londrina realizada neste

trabalho alguns temas centrais foram escolhidos. Este estudo pretende, em primeiro

lugar, realizar um contraponto entre o planejamento urbano e o cotidiano e utiliza-se

principalmente dos conceitos de Kevin Lynch (1918-1984) e Michel de Certeau (1925-

1986) para este fim, Apesar de serem contemporâneos, Lynch e Certeau oferecem

leituras diferenciadas, pouco menos que opostas, do objeto Cidade. Esta diferenciação

se dá, principalmente, pela formação de cada autor, um urbanista e um

filósofo/historiador, respectivamente. No confrontar conceitual destes, outros autores

serão introduzidos na discussão, mas, cabe destacar que esta discussão está estreita ao

dialogo com a produção de arquitetos e urbanistas brasileiros.

O caráter historiográfico deste trabalho, que tem uma questão urbana

como tema de estudo, não impede a utilização de vários campos do conhecimento, ao

contrário, uma vez que a cidade é um objeto com múltiplos sentidos, possibilita, por sua

vez, múltiplos diálogos. Freire (1997) aponta que no estudo das cidades acolhe-se

“todas as combinações entre teorias, metodologias e poéticas artísticas que tornem

possível essa investigação” (p. 107). Concordando com a autora, este trabalho procura

estabelecer, em primeiro plano, um entrelaçamento entre História e Urbanismo, mas isto

não exclui a utilização de teóricos de outras disciplinas como arquitetos, geógrafos,

psicólogos, entre outros.

Neste capítulo, se pretende apresentar conceitos gerais das principais

referências deste trabalho, a partir da apresentação conceitual de Kevin Lynch e Michel

de Certeau. Ao final deste capítulo, serão feitos alguns apontamentos sobre a

historiografia da cidade de Londrina, no sentido de apontar as relações deste trabalho no

universo da História Local e procurar-se-á trazer uma reflexão das principais obras

realizadas sobre a História da cidade. Esta observação diz respeito ao fato de que em

todo momento os estudos sobre o Calçadão estão relacionados à história da cidade. Feita

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tais observações, ponderamos também, antecipar que o trecho da Avenida Paraná,

conhecido como Calçadão, é algo muito novo dentro da curta história de Londrina.

Em 2011, Londrina completará oficialmente 77 anos enquanto o

Calçadão completa aproximadamente 34 anos. Há poucos trabalhos dentro do campo

historiográfico que atingem esta história tão recente, por este motivo os principais

levantamentos acerca do objeto em específico foram retirados de textos de arquitetos,

como Denise de Cássia Rosseto Januzzi e Humberto Yamaki. Por outro lado, a pesquisa

também busca compreender de forma mais geral o próprio processo de urbanização da

cidade, no sentido de compreender o que representou, para a época, a construção de

uma rua de pedestres na principal Avenida de Londrina.

1.2 UMA ESTRATÉGIA URBANÍSTICA A PARTIR DA LEITURA DE KEVIN LYNCH

Kevin A. Lynch é um urbanista americano e suas pesquisas são de

grande influência até os dias de hoje na área de planejamento e estudo da cidade. A

obra de referência a ser utilizada é A Imagem da Cidade (2010), que foi direcionada

principalmente para os planejadores urbanos, no sentido de apresentá-los a um novo

problema, qual seja, o do desing urbano: aumentar a capacidade de seus habitantes

construírem uma imagem clara da cidade. É com esta proposta que

Kevin Lynch mostrou como um elenco de representações também pode ser usado para interpretar a geografia da cidade. Qualquer urbanista, reconhece ele, sabe “a que lugar pertence”; suas pesquisas indicaram que as pessoas consultadas comparavam lugares novos com seus lampejos mentais, sentido-se mais indiferentes à medida que encontravam menos semelhanças (SENNET, 2010, p. 368).

Neste sentido, compreende-se que a obra de Lynch, complementada

com outros teóricos do urbanismo, possibilita reflexões a respeito da estratégia

urbanista, que busca gerir e prever os diversos aspectos da vida cotidiana. O enfoque é

dado a Lynch, pois é possível perceber certa compatibilidade entre o discurso do autor e

do planejador do Calçadão Jaime Lerner.

No sentido de buscar uma perspectiva urbanística na qual possa ser

inserido o espaço do Calçadão, delimitamos alguns conceitos da obra de Lynch que

condizem com a reflexão de nossa pesquisa. O conceito de imagem que dá nome a obra,

é compreendida como uma combinação de sentidos diversos que é construída através da

percepção do indivíduo. A construção da imagem é, portanto, um processo bilateral

entre a pessoa e o ambiente. O observador faz adaptações às especificidades do

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ambiente à luz de seus próprios objetivos, em outras palavras, se faz um filtro de sua

leitura, o que permite infinitas imagens da cidade. È por isto que a imagem varia de

individuo para individuo e sua coerência se dá em diversas maneiras (LYNCH, 2010).

Para Lynch, o planejador urbano deve compreender a necessidade de

uma cidade que leve em consideração a facilidade da construção da imagem. Para

propor modelos aos estudiosos de assuntos urbanos, Lynch realizou um estudo sobre o

processo de orientação, uma vez que

No processo de orientação, o elo estratégico é a imagem ambiental, o quadro mental generalizado do mudo físico exterior de que cada indivíduo é portador. Essa imagem é produto tanto de sensação imediata quanto da lembrança de experiência passadas, e seu uso se presta a interpretar as informações e orientar a ação. A necessidade de reconhecer e padronizar nosso ambiente é tão crucial e tem raízes tão profundamente arraigadas no passado, que essa imagem é de enorme importância prática e emocional para o indivíduo (LYNCH, 2010, p. 4).

Em diversos momentos da obra é apontada a angustia do usuário de

estar perdido, em contraponto, o autor apresenta a importância de se ter uma forte

imagem da cidade. E para que cada indivíduo tenha a possibilidade de fazer uma

agradável leitura da cidade para que se mantenha orientado, Lynch defende que a cidade

precisa ter principalmente duas características conceituais: a Legibilidade e a

Imaginabilidade.

A primeira característica é crucial para a orientação no cenário urbano,

e diz respeito à clareza aparente da paisagem das cidades, ou seja, indica "a facilidade

com que suas partes podem ser reconhecidas e organizadas num modelo coerente”,

agrupando-as em modelos gerais (LYNCH, 2010, p. 3). A boa imagem confere ao seu

possuidor segurança emocional e uma valiosa base para o desenvolvimento individual.

Ao ser aplicando este conceito ao Calçadão de Londrina, vale

antecipar que com a construção do Calçadão, foi possível construir uma forte

legibilidade para a cidade. Atribui-se isto principalmente ao desenho do piso, que será

mais analisado em outro momento. É um piso exclusivo e de imagem marcante, seu

efeito visual permite que ao chegar nele, o usuário tenha certeza de estar no Calçadão.

Lynch apresenta os três componentes da imagem: Identidade,

Estrutura e Significado. O autor ressalta que esta divisão só é possível em caráter de

análise. A Identidade diz respeito à identificação do objeto, que está relacionada à

diferenciação do objeto a outras coisas. É o caso do desenho do piso do Calçadão, que é

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utilizado em outras diversas calçadas na cidade, mas na Avenida Paraná ele se soma ao

mobiliário urbano existente naquele local e à sua própria dimensão, de tal modo que não

permite erro de identificação. Quanto à estrutura e o significado, na primeira “a imagem

deve incluir a relação espacial ou paradigmática do objeto com o observador e os outros

objetos” (LYNCH, 2011, p. 9), ou seja, são os aspectos concretos de uma cidade que lhe

permite a construção quanto ao significado e, ainda, ele pode possuir caráter emocional

ou prático. Um exemplo prático de significado e estrutura é o fato de que ao estar no

Calçadão o caminhante possui a certeza de que ali não passará nenhum automóvel,

exceto aqueles permitidos pela lei municipal. Neste sentido, a estrutura plana e elevada,

de diferente textura da rua convencional, traz um significado de segurança ao pedestre.

O conceito de imaginabilidade, em alguns aspectos, se aproxima do

sentido da legibilidade, mas é um conceito mais específico e simbólico à criação de

imagem. Sua definição é

a característica, num objeto físico, que lhe confere uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado. É aquela forma, cor ou disposição que facilita a criação de imagens mentais claramente identificadas, poderosamente estruturadas e extremamente uteis do ambiente. Também poríamos chamá-la de legibilidade, ou talvez de visibilidade num sentido mais profundo, em que os objetos não são apenas passíveis de serem vistos, mas também nítida e intensamente presentes ao sentido (LYNCH, 2010, p. 11)

Portanto, enquanto a legitimidade propõe a clareza de uma leitura da

cidade, a imaginabilidade refere-se à compreensão de um significado através de

artifícios simbólicos, fornecendo “um mapa ou um conjunto de instruções inscritas”

(LYNCH, 2010, p. 11). Possibilita sensibilizar o observador, ao domínio sensorial do

espaço, este de maneira ampliada e aprofundada. Este é o principal ponto da proposta

urbanística de Lynch, dentro do conceito de imaginabilidade, a identidade e a estrutura

se colocam como especial relevância no mundo perceptível. “É possível reforçar a

imagem tanto através de artifícios simbólicos e do reaprendizado de quem a percebe

como através da reformulação do seu entorno” (LYNCH, 2011, p.12). Através destes

artifícios simbólicos o observador estará de posse da imagem da cidade.

Ao relacionar o conceito de imaginabilidade à cidade de Londrina,

podemos pensar na Catedral Católica da cidade, que é um símbolo e é frequentemente

uma representação da região central. O mesmo ocorre quando jornais televisivos, que ao

falar eventualmente sobre algum tema genérico, escolhem o Calçadão como cenário, ou

seja, a imagem que o Calçadão oferece se relaciona com a memória individual do

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observador; o resultado pode ser diverso como apresentado, mas há uma inclinação

muito forte para relacioná-la a cidade de Londrina.

Entretanto, vale ressaltar que em um estudo realizado por Paulo Cesar

Boni e Olívia Orquiza Carvalho (2009) para identificar, a parir da teoria de Lynch, os

principais elementos que fornecem imaginabilidade na cidade de Londrina, foi

concluído que a população sente uma ausência de elementos físicos que possibilitem a

criação de imagens. Mesmo com esta ressalva, os entrevistados colocam as vias

Avenida Higienópolis e Avenida Juscelino Kubitschek como principais elementos

orientadores da cidade, em seguida os Shoppings, o Lago Igapó e finalmente o

Calçadão, isto quando é perguntado sobre a cidade em um plano geral. Quando se

restringe ao centro da cidade, o Calçadão aparece como principal elemento de

orientação, citado por 54% dos entrevistados, fica, contudo, em desvantagem quando se

agrupa os diversos estabelecimentos comerciais referidos pelos entrevistados, como

Lojas Americanas, ou a rede de fast food Mc Donald’s (BONI e CARVALHO, 2009).

O gráfico (figura 1) apresenta as respostas dadas ao questionário

quando perguntado quais pontos referenciais do centro ajudam na localização, sendo

possível selecionar mais de uma opção para cada questão. Os autores da pesquisa

informam em seu artigo que a pesquisa foi realizada em um público diversificado, mas

se deu preferência à arquitetos e fotógrafos, “devido ao seu maior potencial de

percepção da cidade levando em conta seus estudos e a prática profissional, uma vez

que estes necessariamente valorizam o exercício do olhar e buscam o entendimento da

cidade” (BONI e CARVALHO, 2009, p. 145).

Conclui-se, que o Calçadão possui um importante papel no centro urbano, é o

principal ponto de referência deste espaço. Fica, inclusive, à frente de edifícios

tombados pelo patrimônio histórico, como o Teatro Ouro Verde e o Museu de Arte.

Entretanto, os autores apresentam que Londrina não possui um “grande ícone” da

cidade, que evoque a cidade em todos os pontos do mundo (BONI e CARVALHO,

2009, p. 157), como é, por exemplo, a Opera de Arames, em Curitiba ou o Cristo

Redentor, no Rio de Janeiro.

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TOTALMuseu de Arte

Teatro Ouro VerdeMuseu Histórico de Londrina

Rotatória Av. JK/ Av. HigienópolisLoja Americanas Calçadão

RodoviáriaEdifício do Relógio (Nissei)

Restaurante Fast Food (Mc Donalds/Habbis)Concha Acustica

BosqueShopping RoyalAv. Higienópolis

Demais Ruas e AvenidasTerminal Urbano Central

CatedralCalçadão

Demais Estabelecimentos Comerciais

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180

Pontos Referenciais do centro da cidade de Londrina que melhor ajudam a localização

Figura 2 - Pontos Referenciais do centro da cidade de Londrina que melhor ajudam a localização. - Fonte: Adaptado de Boni e Carvalho, 2009, p. 147.

Retomando os conceitos de Lynch, a problemática de design que

Lynch formula, está direcionada para a criação de imagens e da orientação das pessoas.

De maneira geral, os indivíduos criam mapas mentais, e para Lynch, são neles que esse

usuário encontra os principais elementos imagísticos: vias, marcos, limites, pontos

nodais e bairros. Esta analise se limita aos objetos físicos, entretanto, para formar esta

imaginabilidade, o individuo se utilizada também de significados sociais, sua história,

entre outras. O autor faz uma análise aprofundada destes elementos, trazendo

definições, reflexões e aplicabilidade a eles.

No sentido de “ler” o objeto de estudo tendo esta teoria como

orientadora, foi compreendido que o Calçadão constitui ao mesmo tempo uma via e um

ponto nodal em Londrina. Portanto será feita uma breve apresentação destes dois

elementos (2010, p.52).

As vias são “canais de circulação ao longo dos quais o observador se

locomove de modo habitual, ocasional ou potencial” (LYNCH, 2010, P. 52), e sua

construção da imagem é feita ao percorrer o trajeto, levando em consideração a própria

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via e seu entorno. Compreende-se este elemento como as alamedas, canais, ferrovias,

ruas e, por tanto, a rua de pedestres. Este enquadramento não está previsto

explicitamente na obra de Lynch, mas podemos justificar através das definições postas:

sua principal característica, como é o caso do Calçadão, é a locomoção, o deslocamento,

o uso como trajeto (LYNCH, 2010, P. 52). A concentração de algum hábito ou

atividade pode tornar esta rua importante aos olhos do observador, e no caso do

Calçadão, destaca-se seu comércio e as suas atrações culturais (artistas de rua, teatros,

festivais) e a própria “paisagem” da rua com seu desenho.

Os pontos nodais são lugares estratégicos no qual o observador pode

entrar, ao contrário dos marcos que são externos (por exemplo, a catedral ou o

“relojão”), estes são focos intensivos de locomoção, trajeto, deslocamento funcionando

como ponto de partida ou chegada. Neste sentido, podem ser chamados de núcleos, uma

vez que sua influência pode torná-lo símbolo de um bairro. Tipicamente, os pontos

nodais são a conexões de vias diferentes, sinalizando uma interrupção do transporte. No

caso do Calçadão, o que se observa é que há por um lado a interrupção do transporte

automotivo, ao passo que por outro há uma intensificação da locomoção pedestre,

contemplando outra característica apontada por Lynch que é a concentração (2010,

p.53). É demonstrado, pelo autor, que os pontos nodais podem ser pequenos pontos na

cidade, como as conversões, entretanto, podem configurar “formas lineares de uma certa

amplitude” (LYNCH, 2010, p.81), havendo a concentração de alguma característica. Os

pontos nodais são os pontos que mais contribuem para construção da imagem da cidade,

uma vez que possibilitam uma interrupção e maior observação do espaço. Observa-se,

portanto, na criação do Calçadão uma padronização em seus próprios elementos, desde

o piso ao mobiliário urbano. Com o passar do tempo, muitas destas características foram

modificadas, existindo atualmente a total reurbanização deste local.

Estes conceitos criam a possibilidade de perceber a especificidade do

Calçadão em um planejamento maior: o da cidade. Lynch propõe, portanto, que a ação

do urbanista poderia facilitar ou não a construção da imagem urbana da pessoa

ordinária, ou seja, o planejador precisa favorecer a legibilidade e a imaginabilidade da

cidade, caso contrário, encontraríamos uma cidade sem uma imagem clara. Michel de

Certeau apresenta uma reflexão em outro aspecto: quais práticas cotidianas, realizadas

por estas pessoas, fogem do esquadrinhamento das técnicas urbanísticas?

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1.3 A RELAÇÃO DE FORÇA EM MICHEL DE CERTEAU

Michel de Certeau é historiador com vasta formação. Enquadrado

também como filósofo e antropólogo, possui uma expressiva produção historiográfica, a

maioria ainda não traduzidas e publicadas no Brasil. A obra utilizada para este trabalho

é “A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer”, editada originalmente na França em

1980, na qual Certeau pensa as práticas ordinárias como uma rede de antidiciplinas,

conforme será explanado a adiante. Na apresentação desta obra, Luce Giard, co-autora

do segundo tomo da serie “A Invenção do Cotidiano”, aponta que ma das características

de Michel de Certeau é o aprofundamento teórico por meio de múltiplas interpretações

em diversas disciplinas, desde a História, da Psicanálise ou mesmo da Antropologia e

Lingüística. O fato de ser membro da ordem jesuítica transparece em seu texto, com as

menções à Teologia. Os principais diálogos teóricos utilizados por Certeau são

certamente Freud e Wittgenstein, além de forte influência de Foucault, Bourdie,

Detienne, Vernat, Levi-Strauss, entre outros. Não obstante a estes diálogos, o contato

com a Filosofia se dá de diversas maneiras.

Certeau, alimentado com os aportes complementares da antropologia, da história, da lingüística ou da sociologia, é primeiramente estruturado por sua raizama filosófica. Da tradição filosófica, aproveitando-se das contribuições de todas as épocas, a Antiguidade com Heráclito, Platão e sobretudo Aristóteles; a época moderna com Hobbes, Descartes, Pascal, Diderot, Rousseau , Kant e Condillac; O século XIX com Hegel, Marx, Nietzsche ou Pierce; o século XX com Wittgenstein, Heidegger, Quine, a filosofia analítica da língua inglesa, e a vertente francesa com Merleau-Ponty, Deleuze, Lyotard ou

Derrida (GIARD, 2009, p.29 in CERTEAU, 2009).

Alípio de Sousa Filho (2002) aponta que, apesar da diversidade

temática, o olhar certeauniano tem uma hipótese central que é a questão da alteridade.

Sua discussão busca responder a problemática de

como pensar o “estranho” com o qual muitas vezes nos deparamos na vida coletiva, mas também que nos habita? O discurso místico, a possessão, a bruxaria, etc. – à parte a importância histórica dos estudos – anunciavam-se como verdadeiras metáforas dos “arts de faire”, das “ruses”, apontadas posteriormente por Certeau como invenções cotidianas que marcam o jogo das relações com a ordem e dos indivíduos entre si. (SOUSA FILHO, 2002, p. 129)

Sobre as características de Certeau, Luce Giard o vê como uma pessoa

de espírito anti-conformista e perspicaz. Suas teorias o fizeram ser censurado diversas

vezes. Entre suas principais características está à anteposição da escrita em detrimento

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da apreensão do “verdadeiro” de que o historiador quer dar uma descrição real. Em

1968, Certeau teve uma ruptura instauradora: identificou uma nova questão para ser seu

objeto: “a questão indiscreta”. Como se criar? Criar o que e como? A partir destas

indagações, diversas outras formulações surgiram, questões que deram fruto as

reflexões de “A Invenção do Cotidiano” (GIARD, 2009, p. 9 in CERTEAU, 2009).

O tema central de “Invenção do Cotidiano” é analisar as práticas

cotidianas como uma rede de antidiciplinas. Ou seja, não enquadrar a pessoa ordinária

como mero receptor de conteúdos em uma relação de poder no qual ela é a mais fraca.

Certeau acredita que a partir de táticas as pessoas inventam seu próprio cotidiano (seja

no pensar, no andar, cozinhar, falar), sendo que isto ocorre especialmente “na vida

social, quase sempre aparece como “resistência” ou inércia com relação às imposições

sociais” (SOUSA FILHO, 2002, p.132). Neste sentido, a obra Invenção do Cotidiano,

dividida em dois volumes 1: a arte de fazer e volume 2: morar, cozinhar, tratam do

cotidiano de um bairro Francês. Contudo, a metodologia desenvolvida pelos

pesquisadores nessa obra, possa servir como instrumento de pesquisa para outros

pesquisadores, como no caso que ora apresenta-se sobre o Calçadão de Londrina. Mas

cabe alertar que nesse caso, o volume arte de fazer é predominantemente o instrumento

de orientação metodológica. Nesse volume, o autor faz um estudo sobre as “artes de

fazer” que dizem respeito às reapropriações que os usuários fazem dos diversos

produtos criados a partir de uma técnica de produção. Em suma, o livro tem o objetivo

de analisar as “maneiras de fazer” ou “artes do fazer”, que de maneira geral,

constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural. Elas colocam questões análogas e contrárias às abordadas no livro de Foucault: análogas, porque se trata de distinguir as operações quase microbianas que proliferam no seio das estruturas tecnocráticas e alteram o seu funcionamento por uma multiplicidade de “táticas” articuladas sobre os “detalhes” do cotidiano; contrárias, por não se tratar mais de precisar como a violência da ordem se transforma em tecnologia disciplinar, mas de exumar as formas sob-reptícias que são assumidas pela criatividade dispersa, tática e bricoladora dos grupos ou dos indivíduos agora nas redes da “vigilância”. Esses modos de proceder e essas astúcias de consumidores compõe, no limite, a rede de uma antidisciplina que é o tema deste livro” (CERTEAU, 2009, p. 41).

Nesta obra Certeau faz reflexões sobre vários aspectos cotidianos, mas

dá um enfoque as práticas de espaço, reflexão que se aproxima de nosso estudo. Há,

segundo a visão de Certeau, uma relação de força entre o urbanista – o forte - e o

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consumidor de seu produto (o caminhante, por exemplo) – o fraco. Para o autor,

consumidor é uma palavra que busca esconder as fabricações destas pessoas, postulando

a elas a responsabilidade de simplesmente consumir. Um dos principais pontos da teoria

de Certeau é que os consumidores realizam as ações que podem e em sua condição de

ausência de poder criam espaços silenciosos, ou mudos, fabricam novos produtos que

escapam de uma técnica (CERTEAU, 2009, p.40). Esta oposição se dá entre as

estratégias e as táticas, “trata-se de combates ou de jogos entre o forte e o fraco, e das

“ações” que o fraco pode empreender” (CERTEAU, 2009, p.91).

Temos, portanto, de um lado a produção estratégica, do forte, que é

realizada de um lugar (o de urbanista), no qual administra as relações com a

exterioridade, uma ação que

graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. [...] Privilegiam, portanto, as relações espaciais (CERTEAU, 2009, p. 96).

Em vista disto, é neste ponto que o debate entre Lynch e Certeau mais

se aproxima, uma vez que Certeau problematiza o espaço do urbanista, ao passo que

Lynch o postula.

O conceito de estratégia vem em contraponto com o de tática. Esta

última refere-se de uma criatividade cotidiana, que é uma ausência de um próprio, de

um lugar e de poder, em suma, é um golpe, uma astucia. Esta seria a arte de fazer da

pessoa ordinária, que “embora sejam relativas às possibilidades oferecidas pelas

circunstâncias, essas táticas desviacionistas não obedecem à lei do lugar. Não se

definem por este” (2009, p. 87). De maneira geral, há o reemprego, advindo dos

processos e da aculturação, é o exercício de uma arte de intermediação, ele tira daí

efeitos imprevistos.

Os usos, outra denominação utilizada por Certeau, trata-se da

operação deste reemprego, substituição de método pelo estabelecimento de um lugar.

Remete a arte antiga de “fazer com”. Sem sair do lugar onde tem de viver e que lhe

impõe uma lei, ele instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de intermediação ele

tira daí efeitos imprevistos.

Essas operações de emprego- ou melhor, de reemprego – se multiplicam com a extensão dos fenômenos de aculturação, ou seja, com os deslocamentos que substituem maneiras ou métodos de transitar pela identificação com o lugar. Isso não

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impede que correspondam a uma arte muito antiga de “fazer com”. Gosto de dar-lhes o nome de usos (CERTEAU, 2009, p. 86).

Certeau acredita que estas questões deveriam ser analisadas mais

cuidadosamente pelas ciências humanas. É neste conjunto, assim como Certeau, que

este trabalho deseja detectar práticas estranhas ao espaço ‘geométrico’ ou ‘geográfico’

das construções visuais, panópticas ou teóricas, que dizem respeito ao Calçadão de

Londrina (CERTEAU, 2009, p. 159).

Uma das ações cotidianas a respeito da qual Certeau faz uma profunda

analise, refere-se ao caminhar: Locomover-se é precondição para o conhecimento da

cidade. “O movimento do corpo no espaço possibilita novas assimilações” (FREIRE,

1997, p. 122). Certeau realiza a comparação entre o caminhar e a formulação de um

discurso, ou seja, além de seu caráter físico de deslocamento, insere-se em uma rede

simbólica. A cidade é o lugar privilegiado para a formulação deste discurso caminhante.

O ato de caminha é uma transformação do lugar abstrato em um espaço, que acolhe

estes aspectos individuais, os mitos, fantasias, ou seja, os aspectos simbólicos. A

distinção entre espaço e lugar realizado por Certeau, é um dos principais pontos de sua

teoria, é uma discussão que é considerada antecipada a muitas outras que vieram

(DOSSE, 2004, p.85). Por lugar entende-se que predomina a ordem: duas coisas não

ocupam o mesmo lugar, portanto, está relacionado aos aspectos geométricos da cidade,

exclui a possibilidade de coexistência, onde a lei do “lugar próprio” define cada

posição. Por outro lado, no espaço há “o cruzamento de moveis”, impera o conflito e as

operações discursivas (CERTEAU, 2009, p. 188). Utilizando da concepção

fenomenológica, Certeau, “distingue um espaço antropológico de um espaço

geométrico. Desta forma, a noção de espaço remete a uma relação singular no mundo, à

dimensão existencial de um lugar habitado” (DOSSE, 2004, p.85). Compreender o

Calçadão como espaço e lugar, a relação destes dois, foi outra forma encontrada para

entender esta pesquisa, tendo em vista que

Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos – um escrito (CERTEAU, 2009, p.184).

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Neste sentido, o estudo do cotidiano a partir dos conceitos

certeaunianos constitui-se em analisar as criações cotidianas que proliferam

ordinariamente, práticas microbianas, que Giard aponta com criadora de

microliberdades. Ou seja, as contribuições de Certeau, segundo Sousa Filho,

possibilitam compreender que

saberes e artes de fazer que irritam e estimulam a domesticação, mas também anunciam e apelam à criação engenhosa, dando esperanças de que, nos interstícios dos códigos impostos, toda uma série de táticas subterrâneas possa dar vida a ações sem autores e sujeitos sem nome, demolindo as verdades de discursos morais, políticos e tecnocráticos que intentam fabricar o conformismo. Uma sociologia da vida cotidiana é também uma política da vida cotidiana. (SOUSA FILHO, 2002, p. 134)

Certeau apresenta uma inumerável quantidade de conceitos para

teorizar esta arte de fazer, destarte, para o estudo destas práticas no espaço do Calçadão

de Londrina, será levada em consideração a construção de um debate teórico entre

Kevin Lynch e Michel de Certeau a respeito da cidade. Embora estes dois autores

possuam conceitos que possibilitaria um debate bastante intenso, outros pesquisadores

foram “chamados” ao debate para pensar o objeto, esses “outros” também estudiosos

com temas correlatos aos tratados por Lynch e Certeau ou sobre cidades.

Neste primeiro momento, basta comentar sobre a obra de Cristina

Freire (1997), que em “Além dos Mapas”, busca pensar a relação dos habitantes da

cidade com seus monumentos a partir de seus componentes estéticos e históricos. Sua

reflexão privilegia a construções de símbolos urbanos na relação entre o individuo e a

cidade, um processo no qual a memória e a experiência individual (entre outros

aspectos) são determinantes. É neste sentido que Freire busca traçar mapas imaginários

dos monumentos urbanos, não objetivando o fazer de modo geométrico ou geográfico,

mas o faz a partir dos relatos, priorizando a interdisciplinaridade (principalmente a

História, a Estética, a Psicologia Social e a Psicanálise), uma vez que compreende a

cidade como um objeto multifacetado por excelência.

1.4 HISTORIOGRAFIA SOBRE LONDRINA

Tendo em vista o caráter de História Regional deste trabalho,

buscamos compreender a especificidades da cidade de Londrina a partir de outras

pesquisas, dentro do campo historiográfico, arquitetônico, urbanístico e geográfico e do

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inventário documental localizado em jornais, revistas, arquivos públicos e privados

acerca do objeto em estudo, o Calçadão.

A respeito do enfoque historiográfico, este possui a intencionalidade

de compreender a “cidade” londrinense, um objeto que era menos estudado até a década

de 1980, quando as pesquisas se deslocaram tematicamente do campo para a cidade

(ADUM, 2008, p. 15) a partir de nosso objeto, o Calçadão. Segundo José Miguel Arias

Neto, este deslocamento temático obscurece a análise da cidade, uma vez que o autor

compreende uma “forte interpenetração entre o urbano e o rural em Londrina e região”,

o que nos “permite perceber com muita clareza as estruturas de classes existentes”

(ARIAS NETO, 2008, p.xii). Como o próprio autor demonstra, esta interpenetração

ocorre principalmente até 1975 (recorte temporal de Arias Neto) e, portanto, entende-se

que, com o passar do tempo, houve de fato, uma gradual separação do campo e cidade

em Londrina, justificando nossa opção em privilegiar os estudos urbanos. Nos últimos

anos, as pesquisas tem se voltado para novos personagens históricos e novas

abordagens, assim como pretendemos que esse trabalho venha a ser.

Em “Tristes Trópicos”, Claude Levi-Straus, de acordo com ARIAS

NETO (2008, p.16), observou que o indicador da região estava sustentado por um

projeto que “transforma um plano imobiliário em projeto de colonização”, e juntamente

com o francês Pierre Monbeig e outros autores de diferentes épocas historiam o plano

como o fez Arias Neto ao expressar o seguinte enunciado: “plano racional de

colonização como fator do progresso.” (ARIAS NETO, 2008, p.14), ocasionou no

desvio do olhar dos pesquisadores das décadas de 1980 e 1990, quando estes passam a

analisar o plano e realizar pesquisas que passaram a privilegiar o urbano em detrimento

ao rural. Além do trabalho citado outros três são referência deste período, tratam-se das

contribuições de Nelson Tomazi, Marco Fagundes Barnabé e Sônia Adum.

Nelson Tomazi, ao examinar a documentação referente à CNTP,

conclui que a companhia desenvolveu um discurso que buscava ocultar sua

intencionalidade principal: a obtenção de lucros. Esta construção discursiva está

fundamentada em quatro elementos:

a) A sua atuação trouxe o progresso e a civilização ao Norte do Paraná; b) embora seja privada, sua atividade deve ser considerada de interesse público; c) sua atuação foi possível devido aos empreendedores: os pioneiros e finalmente, d) sua ação é exemplo pioneiro de Reforma Agrária (ARIAS NETO, 2008, p.18)

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Os estudos realizados por arquitetos também são característicos deste

período de produção historiográfica (ADUM, 2008, 16). É neste contexto que se insere

as reflexões de Barnabé. O arquiteto aponta a concepção de cidade-jardim – teoria

formulada pelo inglês Ebenezer Howard, em seu livro Tomorrow: a Peaceful Path to

Social Reform, publicado originalmente em 1898 - como norteadora do projeto

desenvolvido pela CTNP, a qual não foi implantada totalmente em Londrina, mas o

autor acredita que os planejadores da CTNP “não estavam alheios as propostas

desenvolvidas na Europa” (ARIAS NETO, 2008, p. 19).

Sônia M. S. Lopes Adum busca estabelecer dialeticamente (como um

jogo), a caracterização do progresso, em uma oposição entre civilização e barbárie.

Neste sentido, faz sua análise mais globalizante, na qual considera a instalação de uma

ordem burguesa, em uma projeção simbólica de uma terra civilizada e sem males. Nela

aparecem em oposição a personagens típicos da burguesia, “outros”, que representam a

barbárie, como mendigos, ladrões e prostitutas. De acordo com a autora, esta é a lógica

racionalizadora do capital, que busca organizar ideologicamente os indivíduos dentro de

uma determinada paisagem e de uma projeção social, política e econômica Adum

concorda com Barnabé em que se refere ao modelo de cidade-jardim sendo

implementado em Londrina. (ADUM, 2009, p. 17).

A obra de José Miguel Arias Neto (2008) – tese de 1993 – analisa as

representações políticas de “Terra da Promissão”, de “Eldourado”, no período de 1930-

1975, que é entendida como manifestações da idéia de progresso. Conforme desenvolve

em seu texto, “Eldourado” não possui o sentido mítico original nas representações de

Londrina, nas quais encontrariam um paraíso pronto. O oposto, dizia a respeito ao lugar

que se poderia construir através do trabalho, onde a terra era extremamente fértil e a

cidade exemplarmente planejada. Estas representações da área urbana serão

apresentadas no decorrer deste trabalho.

Conforme posto anteriormente, as pesquisas mais recentes priorizam

novos personagens históricos, que foram excluídos da historiografia por longa data.

Entre estes, as prostitutas adquiriram a partir da década de 1980 um espaço significativo

nas pesquisas históricas. Sobre a prostituição em Londrina temos, em destaque, a

pesquisa do historiador Antônio Paulo Benatti (1997), e outro referencial deste trabalho,

as reflexões de Edson Holtz Leme (2005), principalmente em seu primeiro capítulo, “A

cidade-jardim e suas ervas daninhas”, no qual fez um estudo sobre o desenho urbano e o

surgimento de “indesejados” dentro do espaço da cidade. Neste contexto, polícia, igreja

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e a justiça desenvolvem discursos para combater a prática da prostituição dentro do

espaço da cidade.

Outra referência sobre a cidade de Londrina que assume um papel de

significativa importância é “Labirinto da Memória: Paisagens de Londrina” do arquiteto

Humberto Yamaki (2006), que mesmo não sendo um historiador de formação, realizou

um estudo na documentação histórica e construiu um estudo urbano da cidade,

objetivando realizar um registro da sobreposição de várias Londrinas. Em sua obra,

Yamaki descreve, de forma breve, vários espaços da cidade. Pontua questões cotidianas

que aos poucos foram se perdendo, no que o autor denomina de “labirinto da memória”,

que em outras palavras, é a própria cidade.

Outra obra que merece destaque foi produzida pelo ex-diretor do

Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL), João Roberto

Bortolotti, que era um dos responsáveis pelo projeto de intervenção urbana na criação

do Calçadão. A obra intitulada “Planejar é preciso: Memórias do Planejamento urbano

de Londrina” é um trabalho de memória profissional com consulta ao acervo da

Secretaria de Obras da Prefeitura Municipal de Londrina, utilizando principalmente

jornais da época. Para leitura desta obra, foi levado em consideração o fato de o autor

estar diretamente envolvido com a construção do Calçadão, podendo haver em seu

discurso “autopromoções”.

Entretanto, a tese de doutoramento da arquiteta e urbanista Denise de Cássia

Rossetto Januzzi (2006), intitulada “Calçadões: a revitalização urbana e a valorização

das estruturas comerciais em áreas centrais” é entendida como referência de primeira

importância neste trabalho, uma vez que a arquiteta fez um aprofundado estudo no qual

aborda as transformações do Urbanismo em direção á da revitalização urbana a partir

das ruas de pedestres. E revela que a rua de pedestre não é exclusividade de Londrina,

mas pertence ao surgimento dos calçadões ao redor do mundo. Para este estudo, a autora

fez um estudo sobre o setor terciário presente no Calçadão de Londrina e da cidade de

Bauru (São Paulo), apontando problemas estruturais e soluções, fazendo um breve

levantamento histórico dos calçadões e algumas categorizações. Neste sentido, sua tese

forneceu vultosa contribuição a respeitos dos conceitos de urbanismo, fundamentais

para o entendimento do Calçadão de Londrina (a partir da ótica do urbanista) e que são

utilizados reiteradamente neste trabalho.

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28

2. INTERVENÇÕES URBANAS

2.1 AS RUAS DE PEDESTRES COMO REVITALIZAÇÃO URBANA

As cidades passaram por diversas mudanças ao longo do século XX e

uma de suas novas incidências foram as ruas de pedestre projetadas. Neste sentido,

serão trabalhados alguns aspectos que possibilitaram este novo conceito de intervenção

urbana. Pontua-se, entretanto, que muitas das colocações feitas nas próximas seções são

oriundas de estudos de arquitetos e urbanistas, que possui um olhar mais “técnico” sobre

a cidade, havendo também uma inclinação para análise global. Muitos das intervenções

analisadas ao longo deste capítulo ocorreram principalmente nas cidades da Europa,

mas que foram amplamente seguidas de forma aproximada no Brasil, e também, em

Londrina, normalmente em períodos mais tardios. Após a apresentação das “etapas” das

intervenções urbanas e da rua de pedestres, buscaremos compreender a transformação

da cidade em um conceito urbano.

2.1.1 Embelezamento, renovação e revitalização urbana

Algumas cidades sobreviveram ao passar do tempo mantendo muito

de suas formas e edificações originais. Entretanto, como aponta Lynch, deve-se

compreender que mesmo não havendo transformações na estrutura, há sempre a

transformação nos detalhes, uma vez que a cidade é um produto de uma totalidade de

pessoas (LYNCH, 2010, p.2). Os projetos urbanísticos normalmente são apresentados

de modo coletivo, sendo dificilmente remetido a um autor específico. Desta maneira, a

história urbanística de um vilarejo qualquer ou das práticas concretas de construção ou

modificação das grandes cidades é fruto de uma coleção dispersa de discursos, de uma

multidão anônima de atores. Pode-se atribuir às grandes intervenções alguns nomes,

mas

a história da cidade e a do urbanismo impõe distância tanto das visões heróicas como das consoladoras: convidam a olhar os grandes projetos, mas também as numerosíssimas soluções de problemas específicos, contidas nas imitações, reduções e banalizações deles

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próprios. A cidade é o resultado do conjunto desses projetos e soluções e das recíprocas relações que mantém, sendo difícil pensar nestas últimas sempre em termos de figura e fundo (SECCHI, 2006, p.47).

Contudo, algumas cidades receberam transformações estruturais, e a estas

transformações, são atribuídas diversas nomenclaturas: “renovação urbana,

remodelação, reabilitação, revalorização, revitalização, requalificação, reurbanização,

entre outras” (JANUZZI, 2006, p. 61), sem que haja uma definição ou diferenciação

semântica precisa entre elas. O que ocorre é que há diferenças desde os primeiros

procedimentos e de acordo com o momento histórico do próprio urbanismo.

Entendendo isto, seguindo os conceitos de José Geraldo Simões Junior, em sua obra

Revitalização dos centros urbanos (1994), quando citado por Januzzi, esta adota em

concomitância com esse autor “três classificações distintas de projetos urbanos: o

embelezamento urbano, a renovação urbana e a revitalização urbana” (2008 p. 61-62).

Posto tal informação, cabe dizer que também a seguiremos, mas a partir da leitura de

Januzzi (2008).

A demonstração destes três tipos de projetos laborados por Januzzi

(2008) é exposta numa escrita pautada na evolução, ou seja, em uma narrativa

teleológica até o estado atual do urbanismo. A autora possui como objetivo evidenciar

falhas e acertos de cada uma delas. Compreendido esta problemática, serão abordados

os principais aspetos de cada uma e apresentados alguns exemplos. A tentativa de

elaborar um resumo, a partir dos autores, a respeito das mudanças promovidas nos

espaços urbanos é necessária. Seu mérito se expressa na importância de dimensionar

quando foram geradas intervenções produzidas pelo emprego de ruas de pedestres e

como esse recurso de planejamento ressoou nas cidades.

Devemos, primeiramente, levantar algumas considerações a respeito

das nomenclaturas atribuídas às intervenções. Percebe-se uma característica em comum

a maioria delas: o pronome “re”. Observando isto, Lélia Mendes de Vasconcellos e

Maria Cristina Fernandes de Mello (2009) fizeram uma análise sobre o prefixo

supracitado, através do estudo de cartas patrimoniais (tratados entre os planejadores) e

atos do poder público. Foi observado que não há um consenso entre as terminologias

entre os autores, o que implica em uma grande confusão de conceitos. Analisando as

alterações de nomenclaturas, as autoras concluem que o prefixo “re” se torna

problemático ao passo que nele está implícito a manutenção/preservação de uma

cultura, mas não há uma discussão de qual cultura se trata. “Afinal, toda cidade é

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30

histórica, pois ela é a materialização do processo histórico; é impossível não deixar de

atribuir juízo de valor ao escolher as áreas de intervenção” (MELLO e

VASCONCELLOS, 2009, p. 62).

A partir da Idade Moderna, a cidade passava por uma explosão

demográfica inédita, após 1850, a população mundial quadruplica, ao passo que a

população urbana aumenta em dez vezes. Uma nova demanda era criada aos gestores, a

de administrar esse crescimento. Muitas cidades surgiram principalmente nos países

novos, de forma espontânea e, por vezes, sem ordenamento, o que levava uma situação

caótica aos centros urbanos. As cidades existentes em período anterior tiveram um

aumento demográfico expressivo, sendo necessárias transformações de grandes

proporções (HAROUEL, 1998). Neste sentido, as primeiras transformações ocorridas

dos meados do século XIX até o período anterior as guerras mundiais, podem ser

enquadradas como o embelezamento urbano.

As características centrais do embelezamento são: a predominância

das formas geométricas e pouca importância em salvaguardar edifícios antigos. Possui

diversas finalidades, entre elas: “embelezamento estético, ampliação e ordenação da

cidade, aberturas de ruas, reconstrução de áreas destruídas e eliminação de edificações,

com a adoração de técnicas de engenharia sanitária” (JANUZZI, 2006, p. 62). A partir

de um processo de imposição, de remoção de pessoas, estas drásticas transformações de

ordem espacial configuraram outra urbanidade, “diferente daquela sob qual a cidade

medieval se edificara: a luz e a liberdade de movimento espacial vinham para ficar”

(PAULA, 2008, p.32).

O clássico exemplo de embelezamento urbano ocorreu em 1853 e 1882, em

Paris, uma transformação liderada por Haussmann. Este projeto se caracteriza

Pela criação de uma vasta rede de grandes artérias que cortam

indistintamente o território da cidade, quer se trate dos bairros mais

densos no centro ou nas zonas periféricas onde a urbanização está por

se fazer. São traçados concebidos em nível global, com numerosos

entroncamentos em estrela. Uma nova estrutura feita de bulevares,

avenidas e ruas largas sobrepõem-se à trama existente, criando uma

forte hierarquia entre as vias novas e a maioria das vias antigas.

Paralelamente adota-se uma política extremamente ativa em matéria

de equipamentos públicos: sistema viário, rede de esgoto, distribuição

de água e gás, mercados cobertos [...] (HAROUEL, 1998, p.112).

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31

Os loteamentos oriundos das intervenções de Haussmann eram de

tamanho ideal para as vendas, para que fossem cobertas as despesas com as

desapropriações e outros gastos da urbanização. Foi delimitada altura para os edifícios,

regulamentação das fachadas dos prédios entre outros aspectos. O resultado foi uma

unidade arquitetônica, o que levou muitos outros países a seguirem este modelo de

embelezamento. Temos também uma clara preocupação incipiente com a questão visual

da cidade (JANUZZI, 2006, p.66).

No embelezamento urbano, demolições e a desapropriações não

são entendidas como problemas, ao contrario, destruir a estrutura preexistente era

entendida como uma forma de “higienização” (MELLO e VASCONCELLOS, 2009, p.

56). Aprofundando mais este aspecto, Richard Sennett (2010), que não adota

nomenclaturas (embelezamento urbano), todavia, analisa estas transformações de Paris

do século XIX, demonstra que o projeto base foi entregue para Haussmann por

Napoleão III. Após adaptações, “Haussmann levou a cabo o maior esquema de

redesenvolvimento urbano dos tempos modernos, destruindo boa parte da malha

medieval e do Renascimento; retas, as novas vias ligavam o centro da cidade aos

distritos” (SENNET, 2010, p. 332). Haussmann, a partir dos cálculos feitos com sua

régua e compasso, juntamente com seus assistentes, chamado por ele de “geômetras

urbanos”, subiam em altas torres para decidir o que seria demolido, o que seria

modificado. Sennett considera as transformações solicitadas por Napoleão III fruto da

memória recente das revoluções populares de 1830 e 1848, e principalmente da

Revolução Francesa 1789, ainda viva nas memórias contadas de seus avôs. As vias

construídas favoreciam a circulação das carroças, projetadas para o posicionamento de

até duas carroças militares, possibilitando a repressão de revoltas populares. Conforme

aponta Secchi (2006), os parisienses da época de Haussmann não ficaram satisfeitos

com as mudanças, e principalmente “não imaginavam a difundida nostalgia daquela

cidade, que hoje, um pouco hipocritamente, se propagou mundo ocidental” (p. 184).

Há, portanto, nos projetos de Embelezamento Urbano, uma

preocupação maior em aspectos geométricos e administrativos do que a respeito dos

impactos sociais. Constitui-se na adaptação das cidades às novas condições de

expansão, a partir da ordenação, para abertura de largas avenidas e do saneamento

(JANUZZI, 2006, p. 96).

Pontua-se, entretanto, que o embelezamento urbano, apresentado

a partir das intervenções de Haussmann, podem ser entendido como um primeiro

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32

momento de outro tipo de intervenção (dentro da ordem adotada para este trabalho), a

renovação urbana, sendo assim pensadas por alguns autores, como Mello e

Vasconcelos (2009). Como referido anteriormente, as nomenclaturas e os intervalos

temporais (e até mesmo algumas características), adotadas para as intervenções urbanas

não possuem uma “padronização”, variando muito de acordo com o autor.

A renovação urbana surgiu a partir das críticas do movimento modernistas,

dentro do campo da arquitetura e urbanismo, ao modelo anterior de intervenção. É um

período normalmente denominado de urbanismo progressista (CHOAY, 1992;

HAROUEL, 1998). Os preceitos da renovação urbana estão presentes na Carta de

Atenas de 1933. Esta Carta é um manifesto doutrinal do urbanismo progressista,

idealizada pelo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), e funcionou

como um “catecismo” do urbanismo moderno, onde estão contidas as intencionalidades

“racionalizantes” que buscaram afirmar “tudo aquilo que se traduz como o avanço da

técnica” (HAROUEL, 1998, p.119). A principal contribuição conceitual da Carta de

Atenas vem de Le Corbusier, que realizou uma crítica a cidade contemporânea:

há cem anos, submersos na grande cidade por uma invasão súbita,

incoerente, precipitada, imprevista e opressora, tomados de surpresa e

desconcertados, nós nos abandonamos, não mais agimos. E o caos

veio com suas conseqüências fatais. A grande cidade, fenômeno de

força em movimento, é hoje uma catástrofe ameaçadora, por não ter si

mais animada por um espírito de geometria (CHOAY, 1992, p. 184).

Neste sentido, o procedimento de renovação urbana adotava em sua

construção “abertura de ruas, valorização do espaço público e a simplicidade nas formas

dos edifícios. Existe racionalidade nos novos modelos, assim como eficiência na

produção” (JANUZZI, 2006, p. 67), o planejamento nesta reconstrução/reforma das

cidades possuía o Estado como seu principal fomentador, ou seja, era o Estado o

promotor das reformas, remodelamento e da renovação urbana no século XX, assim

como, da de requalificação (revitalização/reinvenção) urbana no século XXI. Neste

sentido, “prefeitos, empresários e equipes de profissionais de alto nível desenvolveram

os projetos e os cidadãos tiveram uma atuação secundária, apenas como agentes de

cristalização e legitimação dos planos então elaborados” (CASTILHO e VARGAS,

2009, p.10). A renovação urbana foi realizada a partir da demolição de grandes áreas,

construindo grandes conjuntos habitacionais com edificações padronizadas, sendo

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33

normalmente repetitivos e monótonos. É marcado por ser técnico e racional, muitas

vezes não valorizando as relações sociais (JANUZZI, 2006, p. 96).

A renovação urbana pode ser compreendida entre o período pós-

guerras mundial até o início da década de 1970. Neste momento, as intervenções

urbanas tiveram preferências pelo novo: na Europa, o urbanismo do movimento

moderno se unia à prática de reconstrução das cidades destruídas pelas guerras; na

América do Norte, serviam como oposição ao processo de suburbanização. “Demolir e

construir para renovar viriam a ser o propósito daquela geração” (CASTILHO e

VARGAS, 2009, p.7). Assim, buscavam uma transformação no conceito de cidade, a

partir da destruição de indústrias e armazéns, cedendo o lugar para escritórios, bancos,

agências do governo etc.. Há uma preocupação no respeito de alguns monumentos da

cidade, mas esta delimitada normalmente a determinados interesses, como é possível

observar no trecho da Carta de Atenas de 1933,

A morte, que não poupa nenhum ser vivo, atinge também as obras dos

homens. É necessário saber reconhecer e discriminar nos testemunhos

do passado aquelas que ainda estão bem vivas. Nem tudo que é

passado tem, por definição, direito à perenidade; convém escolher

com sabedoria o que deve ser respeitado. Se os interesses da cidade

são lesados pela persistência de determinadas presenças insignes,

majestosas, de uma era já encerrada, será procurada a solução capaz

de conciliar dois pontos de vistas opostos [...] (IPHAN et al., 1995,

p.59 apud CASTILHO e VARGAS, 2009, p.7)

Sobre estes dois pontos de vistas opostos, considerando que a

renovação urbana privilegiava a padronização das estruturas que proporcionava o lucro

mais facilitado, pode-se concluir que pesam na balança valor histórico e comercial. O

Urbanismo Progressista/Moderno, no qual a renovação urbana se desenvolve, foi

racionalizado para o mundo todo, seguindo os conceitos de homem-tipo desenvolvidos

por Le Corbusier, que acreditava que todos os homens possuem as mesmas

necessidades (HAROUEL, 1998, p.185). Neste sentido, “essa imagem do homem-tipo

inspira a Carta de Atenas, que analisa as necessidades humanas universais no quadro de

grandes funções: habitar, trabalhar, locomover-se, cultivar o corpo e espírito” (CHOAY,

1992, p. 20).

Page 34: TCC Definitivo

34

No Brasil, a formação do urbanismo moderno teve alguns nomes

expoentes como Lúcio Costa, Attílio Corrêa Lima e Ulhôa Costa, nos anos 30 e 40. Em

caráter de exemplo, pode-se verificar as concepções urbanistas de outro planejador: o

engenheiro sanitarista Saturnino de Brito. Sua obra teórica condiz com as cidades na

qual foi responsável pelo planejamento: Santos, Vitória e Recife, por exemplo.

Saturnino de Brito desenvolveu um método para intervenções que condiz com as

características apresentadas anteriormente. O engenheiro possui uma visão

higienizadora do espaço, o que visa à necessidade de um plano geral administrado pelo

Estado. O traçado urbano deveria ser subordinado ao planejamento sanitário. Suas

concepções são características do movimento moderno no urbanismo, que marcam a

passagem da concepção de cidade fragmentada à totalizada (MOREIRA, 1997).

Abriremos um breve “parênteses” para apresentar alguns aspectos do

surgimento do discurso urbanístico em Londrina, este momento é propício uma vez que

muitas das intervenções realizadas se configuram na ótica do urbanismo moderno.

Londrina, durante a década de 1930, era uma cidade ainda em formação (oficialmente

suas primeiras construções datam de 1929), já em 1932, foi desenvolvido um plano de

urbanização realizado pelo geodésico Alexandre Razgulaeff da CTNP, possuía ruas

largas em uma malha ortogonal, normalmente descrita com o formato de um tabuleiro

de xadrez. O projeto, entretanto, foi modificado pela CTNP, tempos depois, nesse novo

planejamento, as ruas foram reduzidas pela metade do tamanho. A previsão era de trinta

mil habitantes (LEMES, 2009, p.19). Já nos primeiros anos da cidade, em 1935, as

primeiras leis foram elaboradas com fins da higienização e clareza estética urbana da

cidade. Nos dias de chuva, as ruas eram “barro puro”, e em tempos de seca, muita

poeira, as casas ainda muito rústicas, essa paisagem levou a elaboração do decreto de

n°29, 18 de março de 1939, em cujo foram proibidas as construções de casas de

madeira, segundo a própria lei, “para melhorar seu aspecto de urbs moderna”

(BORTOLLOTO, 2007, p. 89). Durante a década de 1940, o número de habitantes

passou de dez mil para quarenta mil, surgindo as primeiras “vilas” (Vila Casoni, Vila

Matos, etc.), e, concomitantemente, o aumento dos problemas referentes ao saneamento.

A municipalidade decretou leis exigindo a ligação das casas à rede de escoamento. É

desta década também a lei que estabelecia normas no alinhamento predial, proibindo

construções de um pavimento feitas de madeira, deveriam ter dois ou mais andares e

construídos de alvenaria (BORTOLLOTO, 2007, p. 92).

Page 35: TCC Definitivo

35

O plano urbanístico realizado pelo engenheiro e ex-prefeito de São

Paulo, Prestes Maia, marcou o urbanismo da década de 1950 em Londrina. Fora

contratado pelo então prefeito de Londrina, Hugo Cabral, para realizar um grande

empreendimento urbanístico para a cidade. São deste período também os edifícios

projetados por Villa Nova Artigas, que consolidaram a imagem de cidade moderna a

cidade. As ações do poder público buscavam “legitimar” as diferenças sociais,

organizando a cidade, “colocando cada grupo social em seu devido lugar e espaço”

(ARIAS NETO, 2008, p.105). Segundo Arias Neto, o conjunto adotado pelo legislativo

se baseava nas formulações de Le Corbusier e a Carta de Atenas, com concepção da

utilização racional do espaço, a partir da habitação, pode-se entender o conjunto

legislativo deste período como a consolidação de um estatuto da Cidade Moderna

(p.106). Segundo descreve o Fausto C. de Lima (apud BORTOLOTTI, 2007),

Em Londrina, Prestes Maia inicia seu plano de forma haussmaniana,

dentro da tradição progressista, segundo a classificação de Choay,

como o Plano de Avenidas, ao qual agrega elementos considerados

culturalistas pela mesma autora. Cria, assim, uma estrutura

particularizada, dando destaque a elementos da paisagem natural.

(p.94)

A construção de um “anel viário” foi a principal transformação empreendida neste projeto.

Foram construídas vias largas, de duas pistas, separadas por canteiros centrais, aumentando a

velocidade na cidade. Hoje são principais, as Avenidas JK, parte da Dez de Dezembro, Rua

Tietê, Avenida Rio Branco e Avenida Brasília. Neste momento, houve a consolidação do Estado

como principal responsável pela gestão das transformações urbanas, sendo retirado o monopólio

da CTNP (ARIAS NETO, 2008, p.111). O projeto de Prestes Maia buscava “disciplinar o

crescimento da cidade e atribuindo aos proprietários de loteamentos a responsabilidade pela

implantação da infra-estrutura básica” (JANUZZI, 2005, p.98), mas após as concessões

realizadas pelos loteadores, ficava sob responsabilidade da PML a prestação dos serviços.

Ainda hoje, as leis realizadas a partir do projeto de Maia são utilizadas para

“manter uma estrutura coerente e de qualidade na expansão de Londrina. As alterações feitas na

lei não comprometeram os princípios urbanísticos racionalistas da época moderna, muito usados

na Europa” (BORTOLOTTI, 2007, p.98). Compreendem-se as “demolições” e outras

características apresentadas anteriormente como típicas deste período do urbanismo em caráter

global, não se aplicam as condições especificas de Londrina, tendo em vista que esta ainda

estava se consolidando enquanto cidade. Enquanto Bortolotti apresenta as intervenções de 1950

de forma técnica, Arias Neto procura demonstrar como a concepção modernista de urbanismo

Page 36: TCC Definitivo

36

buscou segregar a sociedade, realizando lotes diferenciados de acordo com a capacidade de

compra da pessoa, que o colocava em melhores/piores lugares da cidade, com recursos urbanos

também proporcionais ao “nível social” da pessoa (ARIAS NETO, 2008, p.112).

Retomando as intervenções apresentada por Januzzi (2008), a

revitalização urbana é a última referenciada. Segundo a arquiteta, trata-se de uma nova

postura do urbanismo, adotada entre as décadas de 1970 até os dias atuais, que busca

dar vitalidade a determinadas áreas, levando em consideração diversificados aspectos,

como os sociais, econômicos, funcionais, ambientais, até mesmo patrimoniais. São

intervenções que buscam relançar à vida econômica e social alguma parte da cidade que

esteja em decadência. É um abandono das práticas mais radicais aplicadas durante a

renovação urbana. O contexto deste período é apresentado como de crise econômica,

que ocasionou em uma deficiência no sistema de varejo, sobre tudo nas áreas centrais,

onde geralmente figuraram os Calçadões durante as décadas de 1970 e 1980.

Em suma, a região central da cidade se tornava cada vez mais desinteressantes

para moradia: congestionamentos, criminalidade em ascensão, perda da acessibilidade, e

diversos outros fatores, como a diminuição das atividades de lazer, que se deslocaram

para regiões mais afastadas, concentrado o comércio em espaços fechados como os

Shoppings Center nas décadas de 1990, 2000, 2010, no Brasil. Esta situação resultará no

“desenvolvimento comercial periférico”, que trouxe algumas vantagens para o

consumidor, mas enfraqueceu o comércio da região central e houve “um abandono das

áreas centrais pela população”. Neste contexto, a renovação urbana “deveria se apoiar

nos novos empreendimentos, criando incentivos e condições satisfatórias para a

viabilidade dos projetos (JANUZZI, 2006, p. 70).

Os projetos de revitalização urbana possuem um caráter amplo, atendiam

demandas de comércio, lazer, turismo, habitação, entre outros. Os objetivos da

revitalização urbana são a ampliação de espaços coletivos, embelezamento da cidade,

fundação de novas centralidades, instalação de parques entre outros. São realizadas

principalmente sobre tecidos urbanos importantes, mas também podem estar

relacionadas a circunstâncias mais pontuais, como catástrofes, candidaturas, eventos

únicos e investimentos privados (JANUZZI, 2006, p. 71). Podemos apontar um

exemplo de revitalização a partir de um evento, o caso das transformações que estão

ocorrendo em algumas das cidades brasileiras atualmente, sob justificativa da Copa do

Mundo FIFA de 2014, no qual a própria FIFA impõem diversas condições urbanísticas

às cidades que irão sediar os jogos.

Page 37: TCC Definitivo

37

Dentro das intervenções de revitalização urbana apresentadas por Januzzi

(2008), podemos incorporar duas outras situações identificadas por Heliana Comin

Vargas e Ana Luisa Howard de Castilho (2009): a preservação urbana e a reinvenção

urbana.

A preservação urbana diz respeito a um contexto histórico oriundo

das décadas de 1970-80, no qual os debates sobre Patrimônio Histórico estavam

fortificados no âmbito internacional pela ampliação das discussões sobre com a

preservação urbana em grandes organizações, como a UNESCO (Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Cabe ressaltar que esse debate,

no Brasil, estava centrado no campo da Arquitetura e Urbanismo, mas, mesmo assim,

era inexpressivo durante essas duas décadas. Em nosso país a preocupação com a

preservação urbana patrimonialista manifesta seus primeiros sinais durante a década de

1980. Uma dessas evidências é a promoção do evento “O Direito à Memória: o

patrimônio histórico e cidadania” pelo Departamento de Patrimônio Histórico da

Secretaria de Cultura/SP, na época dirigida pela filosofa Marilena Chaui, durante a

gestão da então prefeita Heloisa Herondina. Gestão essa que enfrentou um problema de

impedimento da demolição do casarão da família Matarazzo na capital paulista, narrada

no artigo de Clementina Pereira Cunha, publicado no ano seguinte em uma obra

coletiva, pela Diretoria de Patrimônio da Secretaria de Cultura, com o mesmo título do

evento. Nesse evento foram convidados historiadores, arquitetos, sociólogos e

estudiosos sobre cidades e patrimônio, oriundos de países da America Latina e Europa,

como aponta o sumário do que veio a ser o livro (SÃO PAULO, 1992).

Ainda sobre a preservação urbana, Castilho e Vargas (2009) referem-se às

cidades de modo geral, e não apenas ás do Brasil, mas mesmo assim, vale destacar que

elas, em sua obra, expõem que nos projetos denominados por elas de preservação

urbana, houve a proposta de incorporar edifícios históricos nos projetos de

reestruturação centrais. Buscam apontar que a partir da memória e da defesa do

patrimônio histórico, os urbanistas propunham consolidar o espaço do centro urbano

como essencial para o orgulho cívico. Ainda de acordo com as autoras, houve,

principalmente, três ações para atrair usuários para o centro. Primeiro: intervenções

físicas por meio de projetos arquitetônicos, segundo: estabelecimentos de políticas

urbanas e terceiro: implantação de programas de gestão compartilhada. De acordo

Castilho e Vargas (2009), há privatização do espaço público, uma vez que as estratégias

públicas e privadas se aproximavam no que diz respeito à valorização dos espaços

Page 38: TCC Definitivo

38

centrais. Entende-se que muita das preservações históricas possuem caráter

turístico/mercadológico, entretanto, as autoras indicam que durante este período houve

um desenvolvimento da discussão referente ao que é histórico. Neste sentido, defendem

que uma “preservação de arquitetura”, não será histórica, uma vez que preserva apenas

a qualidade arquitetônica, e que esta é somente alguns dos itens a ser levados em

consideração nas preservações históricas (CASTILHO e VARGAS, 2009).

Este tipo de discussão (o que é patrimônio histórico, o que deve ser

preservado) continua sendo uma das principais preocupações entre arquitetos,

urbanistas, historiadores, entre outros profissionais. Neste sentido, devido à densidade

do assunto, não adentraremos o debate tendo em vista que não configura como nosso

objetivo, mas pontuamos que as visões de Castilho e Vargas são apenas uma das

possíveis. Podemos, entretanto, realizar uma reflexão a partir de Certeau (2008), uma

vez que muitas destas discussões, realizadas pelos ditos especialistas a partir do olhar

teórico, possuem como “condição de possibilidade um esquecimento e um

desconhecimento das práticas” (p. 159), restringindo as concepções subjetivas e

cientificas do que é histórico, não levando em consideração as práticas dos indivíduos.

Vale destacar, que a visão apresentada por Castilho e Vargas, parte de uma

compreensão de planejamento da cidade, difere, portanto, do olhar do historiador e,

sobretudo, do usuário que estabelece as táticas para vencer o planejado.

O modelo de reinvenção urbana, por sua vez, aprofunda os debates

iniciados pela preservação, e se localiza na década de 1980 até o período atual do

urbanismo (Castilho e Vargas estabelecem datas, mas esclarecem que não são rigorosas

e não se excluem entre si). Trata-se de uma renovação urbana que tem como objetivos, a

partir de parcerias público-privadas, “recuperar a base econômica das cidades para gerar

emprego e renda” (CASTILHO e VARGAS, 2009, p.33). As intervenções se deslocam

para outras regiões além da central, e a cidade passa a ser entendida como um grande

empreendimento a ser gerenciado. Os projetos urbanísticos ganham especial

importância para o poder público, que utiliza da imagem de cidade para realizar o city

marketing, ou seja, as intervenções realizadas pelo político específico se torna a

principal propaganda do mesmo. Esta forma de gestão urbana já era realizada, mas foi

ampliada neste período. As autoras concluem que é necessária uma reflexão sobre os

limites das parcerias público-privadas (CASTILHO e VARGAS, 2009).

Sobre o conceito da revitalização urbana, de acordo com Januzzi

(2008), merece ser dito que está muito relacionado aos catalisadores. Assim como na

Page 39: TCC Definitivo

39

Química, os catalisadores são agentes que “aceleram os movimentos das ações”

essenciais no início da revitalização, são à base de sustentação do projeto, o que

assegura a continuidade do projeto e a criação de uma nova imagem. Podem ser, por

exemplo, conjuntos históricos arquitetônicos (South Street Seaportm, Nova Iorque),

conjuntos culturais (Times Squiere, Nova Iorque) e também novas áreas de pedestres

(Curitiba, PR). Assim, em diversos países, os agentes catalisadores são diversificados e

se manifestaram em formatos diferentes (DEL RIO, 1993, p.59 apud JANUZZI, 2006).

Também neste momento, o turismo se apresentava como forte atrativo financeiro, o que

forçou uma maior preocupação com a imagem da cidade.

A imagem a ser criada é de extrema importância, vai traduzir uma intenção arquitetônica, conceito de espaço público, uma materialização prévia do resultado esperado, que pode servir tanto como marketing da intervenção como de valorização do empreendimento pelos agentes envolvidos, tanto pelas autoridades públicas como pelos investidores privados, demonstrando os aspectos positivos e negativos do empreendimento e colaborando para a elaboração do projeto definitivo (JANUZZI, 2006, p.72-73).

Temos a compreensão de que a atribuição de elementos que

constroem uma forte imagem da cidade se caracteriza também como instrumento

político. Pode-se ver isto em Curitiba, com a Ópera de Arame, desenhada pelo arquiteto

Domingos Bongestabs, realizado na gestão de Jaime Lerner. Nas palavras de Lerner:

“Nada me dá mais prazer do que transformar o feio em belo, ou transformar um

problema em solução” (LERNER, 2011, p. 34). Em sua fala, percebe-se a preocupação

com a estética citadina, na qual o próprio se apresenta como um dos principais

revitalizadores da cidade de Curitiba. Percebe-se também que este poder de

transformação é possível devido ao lugar de que fala; o de urbanista/planejador. A ópera

de Arame se torna uma motivação para visitar a cidade, criando uma imagem de

Curitiba em âmbito nacional, uma city marketing, e como apontava Lynch (2010), “a

imagem se ajusta a necessidades variáveis” (p. 6). Vale destacar que todos esses novos

lugares como, por exemplo, a Ópera de Arame, tornam-se também marcos urbanos,

passaram a servir de definidores de limites territoriais, em fim, fazem parte daquele

conjunto definidor do espaço urbano na constituição da imagem da cidade para o

usuário. Portanto, a revitalização urbana, no Brasil, acabou por produzir outra imagem

da cidade, se considerada as questões levantadas por Lynch e já tratadas nesse texto.

Ainda a respeito da revitalização urbana e caminhando indiretamente

para a finalização desse conceito, chamamos Januzzi (2008) que demonstra como esta é

fruto de estudos amplos e que ao serem realizadas, as revitalizações são de grandes

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especificidades, uma vez que se preocupam com diversos aspectos, o que dificulta uma

análise mais abrangente de nossa parte, limitando-nos à rua de pedestre, a qual

propomos tratar nesse trabalho. Podemos enquadrar a criação das ruas de pedestres,

apelidadas de “calçadões”, como uma agente das revitalizações urbanas podendo ser um

catalisador ou não (JANUZZI, 2006, p. 96). Nesse sentido a ideia de revitalização

urbana é investida de vários desdobramentos, por isso tratar de todos os seus aspectos

torna-se quase impossível, mas é preciso dizer que a rua de pedestre a compõem e é

nosso objeto. Seus objetivos e trajetórias em algumas cidades do mundo todo serão aqui

tratados de modo mais resumido.

2.1.2 Ruas de Pedestres

Uma rua pode revelar símbolos de diversos períodos históricos: desde

sua construção a seu momento presente. Seu formato, largura, material utilizado,

entorno, usos, são evidências da vivência urbanas das pessoas. Neste sentido, a rua não

é apenas “um canal de circulação no qual o observador se locomove” (LYNCH, 2010,

p.52), ultrapassa este aspecto, nela o indivíduo constrói seus caminhos, possibilita o

dinamismo da cidade; a rua é determinante na construção dos discursos individuais

citadinos. Conforme aponta Lynch, é pelas vias (uma categorização das ruas) que o

individuo constrói sua imagem urbana.

Richard Sennett (2010) aponta que as ruas da Roma Antiga eram

fundamentais para o comércio durante o período do Império. Na Paris medieval,

raramente as ruas facilitavam o transporte, eram ainda dependentes das construções

romanas e desordenadas. Não havia uma instituição responsável pela construção delas, a

Igreja, o Estado ou mais tarde os burgueses; as faziam aleatoriamente, sem um arranjo

planejado, eram linhas tortuosas de vielas entre as edificações, no qual mal se cabia uma

pessoa. Sennett comenta que na França medieval não se havia a mínima noção de

urbanismo: com exceção das antigas cidades romanas, nenhuma cidade parecia

obedecer a um planejamento, uma vez que a “natureza tolhida e fragmentada da esfera

pública refletia, na topografia da cidade, sua própria debilidade, carência de recursos e

falta de interesse” (ULLMANN, 1966, p. 17 apud SENNETT, 2010, p.197).

Durante muito tempo, as ruas eram utilizadas basicamente por

pedestres, que compartilhavam o espaço com veículos de tração animal. Entretanto,

principalmente a partir do final do século XIX, com o surgimento dos veículos

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41

automotores, os pedestres perderam gradualmente o espaço da rua. Os planejadores

separaram a rua da calçada, limitando a esta última, os pedestres. Portanto, durante o

século XX, a “rua passa a ter um novo significado, resultante da mudança de hábitos da

população” (JANUZZI, 2006, p. 102).

Por sua vez, o código de trânsito brasileiro define calçada como parte

da via, “normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de

veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de

mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins” (LEI Nº 9.503, 23 de setembro

1997). Por outro lado, a partir dos conceitos da Psicologia Ambiental e Ecológica,

segundo Lis Barros Vilaça (2008), pode-se entender a calçada como um espaço público,

onde se tem contato com o outro, “mais que um cenário, ela possui papel ativo nessas

interações [...], encontram-se as convenções sociais, o modo de agir em público e a

maleabilidade de opiniões” (p. 23).

As ruas para carros permitem que, cada vez mais, se adquira maior

velocidade. A rua se torna justamente o canal para que a velocidade seja exercida. Isto

retirou a necessidade de se morar nos centros urbanos e houve um aumento da

população na região periférica, assim o espaço se tornou ponto de passagem. Há outra

transformação que este novo sentido que a rua trouxe: a neutralidade. As ruas se tornam

cada vez mais simbolizadas/sinalizadas, mais niveladas, com materiais mais resistentes,

o que permite ao motorista dirigir cada vez com menos atenção ao seu entorno.

“Transformando em um simples corredor, o espaço urbano perde qualquer atrativo para

o motorista, que só deseja atravessá-lo e não ser excitado por ele”, neste sentido, a

“condição física do corpo em deslocamento reforça essa sensação de desconexão com o

espaço” (SENNETT, 2010, p.16).

As ruas de pedestres, em um sentido literal, existem há muito tempo:

antes da existência dos carros, era o espaço se realizavam as feiras livre, por exemplo.

Mas, de acordo com Botelho, após a retirada do pedestre das ruas dos centros urbanos,

houve uma discussão entre os urbanistas para se recuperar este espaço, a principal

intervenção proposta foi o fechamento de ruas para os carros, processo ocorrido

inicialmente nos Estados Unidos e nos países mais desenvolvidos da Europa. A

principal preocupação neste primeiro momento, a partir de 1950, era a recuperação do

comércio nas áreas centrais da cidade, uma vez que houve o declínio da população

nestes espaços e também os primeiros problemas com congestionamentos de carros.

Neste sentido, os centros urbanos viveram um processo de suburbanização, que foram

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agravados por intervenções urbanísticas que repercutiram negativamente nos centros,

havendo migração em massa para os subúrbios, também ocasionados pela especulação

imobiliária (Botelho, 2005). Neste contexto, a criação de espaços para pedestres, ou

seja, as ruas de pedestres, no centro da cidade, foi parte de uma estratégia maior para

equilibrar as mudanças, que incluíam rupturas no tráfego de veículos e alterações nos

hábitos de fazer compras (JANUZZI, 2006, p. 103).

As primeiras ruas de pedestres planejadas que se tem conhecimento,

segundo Januzzi (2008, p. 103-104) são as ruas alemãs Holstenstrasse, de Kiel e

também Kortumstrasse, de Bochum, datadas de 1951. Ainda na Alemanha, em 1972,

durante as Olimpíadas de Munique, um projeto de revitalização da cidade incluía a

construção de uma rua de pedestres de 800 metros, que foi um grande sucesso comercial

e também cultural, uma vez que as pessoas se “aglomeravam para se entreter e

participar de eventos realizados ao longo de sua extensão” (p. 104). O projeto de

Munique foi referência para outros diversos projetos.

Há também projetos de longas extensões: em Copenhague,

Dinamarca, a rua de pedestres (Strøget) foi construída em 1962, já com 1,6 quilômetros,

mas foi continuadamente renovada e revitalizada, sendo hoje uma das maiores do

mundo com 3,7 quilômetros (figura 2). Atualmente, Zurique, na Suíça, possui aquela

que é considerada a maior rua de pedestres planejada do mundo, são cerca de oito

quilômetros (JANUZZI, 2006, p. 105). Nos Estados Unidos, a primeira rua de pedestre

surgiu em 1958, em Michigan, idealizada pelo especialista em shopping centers, Victor

Gruen, no qual incluiu diversos elementos de shopping como fontes e bancos. Outros

estados foram projetados nestas características durante este período nos Estados Unidos,

como o Calçadão de Fresno na Califórnia (figura 3) ou a Lincoln Road Mall de Miami.

Mais recentemente, na década de 1990, utilizando o conceito de criar uma nova imagem

da cidade, a cidade de Kobe, no Japão, promoveu uma revitalização que criou a “via da

flor”, um Calçadão com tratamento paisagismo diferenciado, com o princípio na busca

da qualidade e da beleza inusitada, além de relaxamento e convivência (JANUZZI,

2006, p. 103-106).

Page 43: TCC Definitivo

43

Figura 3 - Fotografia da rua de pedestres de Copenhague. Fonte: Eoghan Olionnain. Strøget. 14 ago. 2011. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/11742539@N03/6071338232/> Acesso em: 01 nov. 2011.

Figura 4 - Fulton Mall, Fresno, California, c. 1965. Acervo: The Cultural Landscape Foundation. Disponível em: <http://www.huffingtonpost.com/charles-a-birnbaum/modernism-fresno-and-the-_b_753466.html>. Acesso em:

01 nov. 2011.

Page 44: TCC Definitivo

44

Estes são apenas alguns exemplos de ocorrências dos calçadões ao

redor do mundo. A partir da metade do século XX, o número de automóveis aumentou

consideravelmente o que fez que muitos municípios ao redor do mundo, inclusive no

Brasil, adotassem os calçadões como forma de solucionar o conflito crescente entre

pedestres e automóveis. De maneira geral, os calçadões adotaram o modelo dos

shoppings centers, mas este é um dos modelos existentes de rua de pedestres. Conforme

Januzzi (2008), podemos encontrar sete grupos de projetos de ruas de pedestres nos

Estados Unidos. Apresentamos esse modelo, como meio para compreender o que venha

a ser o Calçadão de Londrina, uma rua de pedestre com uma similaridade ao aplicado às

cidades norte-americanas:

1. Modelo Pedestrian Mall: trata-se de ruas fechadas para veículos que são

projetadas a partir dos shoppings centers. Recebem tratamento paisagístico, piso

padronizado, fontes, bancos, entre outros equipamentos comuns de se perceber

em shopping centers, cuja transposição de uso foi para a rua. Este modelo foi

criado com o objetivo de revitalização do comércio central. Assim, em seu

entorno é comum encontrarmos lojas, bares, restaurantes, cinemas, entre outros

serviços. Este modelo é o que mais se aproxima a realidade do Calçadão de

Londrina.

2. Ruas com circulação Seletiva e Limitada de Veículos: Nestes casos, as

calçadas são alargadas, diminuindo consideravelmente o trafego de veículos.

Normalmente só é permitido o trânsito do transporte público e de serviço. As

calçadas também recebem tratamento paisagístico e mobiliário urbano

diferenciado como bancos e fontes.

3. Pedestrianização de ruas estreitas: São criações de áreas especiais, a partir de

ruas de pouca importância no sistema viário veicular. São projetos simplificados,

no qual há um nivelamento da calçada e da rua, mantendo o traçado.

4. Áreas de Pedestres Junto ao Transporte de Massa: Comuns nas conexões dos

transportes subterrâneos (metros, por exemplo). As estações são feitas em locais

estratégicos, que são fechadas para o transporte que permite uma revitalização

do comercio local.

5. Pocket Parks: São pátios de prédios privados, no qual o projeto de

pavimentação do térreo é realizado em favorecimento ao pedestre. São trocados

em benefícios por parte do poder público, ou seja, trata-se de uma parceria entre

os dois setores.

Page 45: TCC Definitivo

45

6. Intervenções Gradativas: É uma intervenção gradual que busca transformar

primeiramente a arquitetura de uma rua, trazendo mais destaque principalmente

as esquina, e posteriormente, o aumento gradativo das calçadas.

7. Fechamento temporário: Uma intervenção muito utilizada nas cidades para

determinados eventos, como feiras livres. É considerada uma forma barata e

eficiente de se pedestrianizar uma rua, entretanto, não se trata de uma

transformação definitiva. A rua é fechada com barreiras ou portões para os

carros, e se torna livre para a utilização dos pedestres. Este procedimento foi

adotado antes da Avenida Paraná se tornar Calçadão, como veremos no próximo

capítulo.

Estes modelos existentes nos Estados Unidos foram aproximados à

realidade brasileira, por urbanistas e arquitetos e abordados por Denise Januzzi em seu

trabalho de tese. Podemos encontrar, por exemplo, o primeiro modelo em diversas

cidades do país, sendo este modelo o melhor para estabelecer paralelo com o Calçadão

de Londrina, mas também os encontramos em Ponta Grossa, Curitiba e Florianópolis.

Temos, ainda em Londrina, um projeto que pode ser apresentado e que está, na

classificação anteriormente citada, em sexto lugar, que é o Camelodromo, planejado em

2002. Fruto de uma iniciativa de revitalização e higienização do centro, pela PML

(Prefeitura Municipal de Londrina) e da ACIL (Associação Comercial e Industrial de

Londrina). Nesse processo houve a retirada dos ambulantes e a fixação em um lugar

institucionalizado, sob responsabilidade conjunta. Há também as diversas feiras

realizadas na cidade, como a Feira da Lua, realizada à noite em diversos pontos da

cidade e que possui como principal atrativo, as barracas de comidas, cuja representação

chama para as etnias locais como a japonesa, a italiana, e as representações dentro do

próprio país exemplificadas nas regionalizações como a comida baiana, até o tradicional

pastel, ou seja, um fechamento temporário (JANUZZI, 2006, p.137).

Além destes modelos há outros que foram classificados por Januzzi

(2008, p. 139-145), assim como autora, que passamos a apresentar como “outros tipos”

de rua de pedestres, a saber:

1. Ruas de pedestres cobertas, fechadas para veículos – Trata-se dos calçadões

cobertos, remetendo às antigas galerias. Um exemplo é a Rua 24 Horas de

Curitiba.

Page 46: TCC Definitivo

46

2. Calçadões de Orla – São as ruas nas orlas marítimas ou ribeirinhas que

restringem o acesso de veículos, expandem a calçada e adquirem pisos

diferenciados. São diferentes dos calçadões centrais, pois possuem como

objetivo central, o lazer e não o comércio. É o caso do Calçadão de Copacabana,

que foi concebido por Burle Marx.

3. Ruas de pedestres em áreas residenciais – São criadas em áreas residenciais

para reduzir o conflito entre carros e pedestres. Podem estar relacionada às áreas

de lazer maior, como parques ou lagos. Em Londrina, a Rua Júlio Estrela

Moreira, no entorno do Zerão, é um exemplo de rua fechada para o transporte, o

que possibilita a população andar de bicicleta ou fazer caminhadas no local.

Temos, portanto, um quadro geral das ruas de pedestres planejadas e

como elas surgiram ao redor do mundo1. Suas características variam muito de acordo

com as intencionalidades dos planejadores (ou seus contratantes). Dentro do discurso

urbanístico, as ruas de pedestres são frutos de uma necessidade dentro de um contexto,

em que na busca de soluções urbanas, urbanistas se movimentaram para priorizar o

pedestre em restrição ao carro. Torna-se evidente também a forte relação que há entre

este tipo de projeto e o setor comercial que é o principal beneficiado pelos calçadões.

Entretanto, o que se observa é que a relação que se cria entre a população e o espaço da

rua de pedestre se torna diferenciado se comparada a outras ruas. Seja para orientação

ou para os infinitos usos cotidianos. Neste sentido, nosso objetivo até o momento foi

demonstrar como o Calçadão de Londrina se encontra dentro de um contexto geral, e

buscando dar uma visão histórica para o surgimento das ruas de pedestres,

principalmente dentro do contexto do planejamento urbano.

Vale ressaltar que Januzzi (2008) apresenta as ruas de pedestres como

uma revitalização urbana, como sendo este tipo de projeto capaz de significar um

grande benefício para as regiões centrais, ao passo que Castilho e Vargas (2009) as

compreendem de modo diferente, inserindo-as no contexto da revitalização urbana.

Estas fazem criticas a renovação urbana, questionando sua capacidade de recuperação

de centros urbanos. As autoras apontam que entre 1957 a 1962 cerca de cinqüenta

cidades tentaram recuperar o comércio das áreas centrais a partir do fechamento de ruas

1 O trabalho da arquiteta Denise Januzzi, foi nossa referência, sobretudo, ao tratarmos dos trabalhos sobre a definição de Calçadão, por ser este, o único trabalho de acesso a respeito do tema que apresentava uma ordenação dos vários conceitos de calçadão, que tivemos acesso. Visto que esse tema é pouco estudado e são raras as pesquisas, mesmo na área de Arquitetura e Urbanismo, que tratam sobre o uso desse recurso nas cidades brasileiras.

Page 47: TCC Definitivo

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para carros. O processo continuou até a década de 1970, quando muitas cidades

descobriram o equívoco e reabriram as ruas. Criticam as ruas de pedestres, pois ao

tentar se aproximarem dos Shoppings Center, com os bancos e árvores, trouxeram

também “desocupados e mendigos. Os pedestres se afastaram, as melhores lojas

partiram e as demais se destinaram a atender um outro público” (CASTILHO e

VARGAS, 2009, p.12). Ambas as autoras narram as transformações das intervenções

urbanas de forma processual, pode-se pensar que, dependendo do modo como o autor

coloca as ruas de pedestres, esta se torna uma ação positiva (quando revitalização) ou

negativa (renovação). Pode-se pensar também de outra forma, na qual determinada

intervenção se torna mais ou menos adequada, dependendo do processo no qual está

inserida.

Outra perspectiva identificada no meio acadêmico foi a análise do

Calçadão da Avenida Engenheiro Roberto Freire, Natal, Rio Grande do Norte, na

dissertação de Lis Barros Vilaça (2008), a partir da Psicologia Ecológica. Este estudo

busca compreender a percepção do indivíduo-espaço, a partir de behavior settings,

“unidades ou conjuntos naturais, delimitados no tempo e no espaço, no quais certos

comportamentos e/ou ações acontecem sempre de forma semelhante” (p.36). A primeira

diferenciação de analise se constitui no próprio entendimento do que é “Calçadão”. Para

Vilaça (2008), este termo está muito mais relacionado a práticas de esportes físicos,

como caminhadas e andar de bicicleta, do que a atividades comerciais. O Calçadão que

a psicóloga analisa é utilizado para este fim, assim como muitos outros da cidade de

Natal. Ao longo do trabalho, a autora aponta diferentes percepções que os habitantes

tem sobre aquele espaço, há diferenças para aqueles que fazem atividades

acompanhados, com fones de ouvido, de bicicleta ou caminhando com o cão. Há uma

diferença ainda maior com aqueles que freqüentam o Calçadão somente para pegar o

ônibus. A tese central da autora é que a mobilidade modifica a percepção do ambiente.

Neste sentido, entende-se que a forma de análise aqui adota é somente

uma das possíveis, foram encontrados trabalhos que analisam calçadões dentro do

campo da comunicação, da música, entre outros. No caso deste trabalho, houve a

preocupação de se abordar como os calçadões estão inseridos dentro do discurso

urbanístico, em qual processo, o que é uma intervenção urbana e seus impactos na

cidade e na sua imagem.

Page 48: TCC Definitivo

48

As estratégias de intervenções urbanas apresentadas até o momento

demonstram as transformações e as maneira em que elas ocorreram ao longo do tempo.

Em suma, foram utilizados autores cuja intenção foi a de oferecer possibilidades de

compreender o discurso que criaram a respeito da cidade, das sociabilidades,

principalmente, a respeito do fim e uso das ruas de pedestres. É perceptível, portanto

que, em síntese, há uma cidade-conceito que se modifica. Conforme Certeau (2008) em

razão da existência dos homens e por meio da operação historiográfica, a transformação

do fato urbano em conceito de cidade, formula-se em uma tríplice operação (p.160).

A primeira operação, de acordo com o que aponta Certeau (2008), se

expressa na produção de um espaço próprio, ou seja, a organização racional busca

oprimir as poluições físicas, mentais ou políticas que poderiam comprometer o projeto.

Neste primeiro passo, vemos as definições realizadas pelos urbanistas, discutindo o que

foi “degradado”, “deteriorado”, o que é “ultrapassado”, ou até mesmo o que é “histórico

ou não”. Ontem eram as questões de higiene, hoje são as de acessibilidade. Ao rivalizar

o espaço, o urbanista se preocupa em primeiro lugar em identificar o que “reduz o grau”

do espaço (CASTILHO e VARGAS, 2008, p.3). Sobre essa preocupação sempre

presente de dominação do espaço, Certeau diz que ao verem seus “discursos” tornado

praticas nos espaços urbanos e deteriorados pelo uso, ou pela falta desse, ou ainda, pelas

praticas microbianas que de tanto serem exercitadas acabam por se impor no lugar do

planejado como táticas, os planejadores “mudam a infelicidade ou a ruína de suas

teorias em teorias da ruína” (CERTEAU, 2008, p. 162), colocando dentro de um plano

racional (constituído teoricamente), a produção de novos discursos que objetivam

dominar esse espaço por meio do planejado e reelaborar o conceito de cidade, por

acreditar em um equivoco no uso anterior.

A segunda operação, procura estabelecer um não tempo. Esta

operação busca substituir as resistências das tradições pelo discurso racionalizador

urbanístico: as estratégias infalíveis e cientificas, a partir dos dados que ele mesmo

produz, substitui as táticas dos usuários e suas práticas opacas, que jogam com as

ocasiões. Na intervenção urbana, o urbanista reconhece a necessidade iminente de

transformação. Segundo a Carta de Atenas de 1933, cabe aos planejadores a decisão do

que deve ser mantido: “nem tudo que é passado tem, por definição, direito à perenidade;

convém escolher com sabedoria o que deve ser respeitado” (IPHAN et al., 1995, p.59

Page 49: TCC Definitivo

49

apud CASTILHO e VARGAS, 2009), a tudo que pode ser mudado (podendo ser

habitações, vias, loteamentos rurais e florestas virgens) se estabelece o não-tempo.

A terceira operação para se instaurar a “cidade” como conceito é

“criação de um sujeito universal e anônimo que é a própria cidade” (CERTEAU, 2008,

p.160). Nesta “cidade-conceito” em consolidação, permite-se, a partir de operações

especulativas e classificatórias, gerir e eliminar. A questão do progresso (tempo) faz

esquecer a condição da cidade com espaço, privilegia a relação calculista de “gasto” e

“despesa”, consolidando-a como um lugar. Nesta cidade racionalizada, uma maquinaria

do progresso (modernidade), e neste discurso totalizador, a vida urbana remonta aquilo

que é excluído do projeto urbanístico e faz uso dessa exclusão como forma de enfrentar

o planejamento que é disciplinador e impositivo. Certeau nos apresenta como o discurso

urbanístico, assim como outros que o pensador analisa (do escritor, do teórico, do

historiador), busca como primeira instância a consolidação do discurso próprio para a

valoração de um conceito. Mas, sobre o poder exercido em um lugar próprio, em um

não-tempo a respeito de um sujeito universal, se proliferam “as astucias e as

combinações de poderes, sem identidade, legível, sem tomadas apreensíveis, sem

transparência racional – impossíveis de gerir” (CERTEAU, 2008, 161).

Antes da análise sobre o Calçadão de Londrina, devemos fazer mais

uma observação. Durante a pesquisa, foi reiteradamente constatada uma relação

próxima do Calçadão de Londrina com o Calçadão de Curitiba, uma vez que possuem

muitas características em comum, principalmente por terem sido planejados em épocas

muito próximas e praticamente pela mesma equipe, nos dois casos, lideradas por Jaime

Lerner. Neste sentido, descreveremos, de forma breve, o planejamento e construção do

Calçadão de Curitiba, considerado o primeiro do Brasil.

2.3 Jaime Lerner e sua equipe planejam o primeiro Calçadão do Brasil

Jaime Lerner é urbanista, arquiteto, político e engenheiro e possui

planejamentos aplicados em todo o mundo. Seus estudos ganharam projeção mundial,

principalmente após a implantação do sistema de mobilidade em sua cidade natal,

Curitiba, que se tornou modelo mundial no transporte terrestre de superfície. Após

exercer três mandatos como prefeito da capital paranaense (eleito duas vezes como

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50

prefeito biônico e uma por sufrágio universal) e dois como governador do estado do

Paraná, passou a desenvolver estudos para a Organização das Nações Unidas (ONU)

onde atua como consultor de assuntos urbanos. É também ex-presidente da União

Internacional dos Arquitetos (UIA). Recentemente foi nomeado como o 16° pensador

mais influente do mundo (social-network índex) pela revista americana Time2.

Segundo os relatos que apresenta em sua obra de memórias

profissionais, Lerner adquiriu cedo gosto pela rua, o que o levou a ter uma relação

muito próxima com a cidade. Filho de imigrantes judeus da Polônia, que vieram ao

Brasil fugindo da perseguição nazista, costumava observar as formas e o cotidiano na

cidade que seus pais escolheram para recomeçar a vida: Curitiba, a capital paranaense.

Quando se formou engenheiro pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o curso de

arquitetura ainda não era ofertado. Entretanto, em 1962, nesta mesma instituição, foi

convidado para ser docente no recém criado curso de arquitetura. Lerner não aceitaria o

convite, mas entraria na universidade novamente como aluno. Seu estágio realizado na

França foi de grande influência em sua carreira: atuou na mesma agência em que esteve

o ícone da arquitetura moderna, Le Corbusier. Retornando para Curitiba, na década de

1960, desenhou suas primeiras obras públicas na agencia de planejamento de Curitiba, a

convite do então prefeito Ivo Arzua (LERNER, 2011, p.25).

Em 1972, já no segundo ano de sua gestão como prefeito da cidade de

Curitiba, criou a Rua das Flores, a primeira rua de pedestres do Brasil. Desde a década

de 1960, o Brasil vivia um processo de revitalização urbana, que possuía objetivos

inovadores quanto às identidades históricas, ambientais e culturais, buscando respeitar-

las e criando um projeto com características locais. Curitiba foi exemplar neste

processo, e uma das principais iniciativas da prefeitura foi à transformação de sua rua

principal, XV de Novembro, na primeira rua de pedestres do Brasil. Esta rua na capital

paranaense manteve e revitalizou os prédios de valor histórico e arquitetônico de seu

entorno, conforme pode ser observado nas figuras 43 e 54 (JANUZZI, 2006, p. 92).

2Disponível em <http://www.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1984685_1984713_1984669,00.html> Acesso em 15 set. 2011.3 Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rua-XV.jpg> Acesso em 17/03/2011. Permissão do autor pela Wiki Commons. Acesso em 15 set. 2011.4 Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rua_XV_de_Novembro_em_1896_Curitiba.jpg >. Domínio Público. Acesso em 15 set. 2011.

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51

Neste caso pode-se realizar uma reflexão: mesmo Lerner possuindo

um conhecimento urbanístico, ou seja, um conhecimento científico, dito superior ao

senso comum, pelo menos no que diz respeito às cidades, não há confiança total da

população referente a isto, ou o fato de ele ser um representante dos militares no poder,

geraram a atitude da população frente a desconfiança do que vinha a ser a rua de

pedestres. A mesma situação ocorrerá na cidade de Londrina, quando a Associação

Comercial e alguns setores da mídia se movimentaram contrariamente a construção do

Calçadão (BORTOLOTTI, 2007, p. 151). Em termos certeaunianos, percebe-se que

mesmo um saber fazer pode não ser suficientemente convincente se não houver um

fazer crer (CERTEAU, 2009, p. 258), algo que se atinge através de uma política que

prioriza a fala de poder e no caso de Curitiba, a fala do poder era arbitrária e impositiva,

é só considerar que era 1972 e no fato de o próprio Lerner admitir que impediu o acesso

à rua por 72 duas horas, por causa da reação popular. Certeau nos coloca que “planejar a

cidade é ao mesmo tempo pensar a própria pluralidade do real e dar efetividade a este

pensamento do plural: é saber e poder articular” (CERTEAU, 2009, p. 160). O próprio

lugar do urbanista poderia conceder este poder, mas, no caso da implantação da Rua das

Flores, o caráter de novidade da obra forçou Lerner a utilizar de artimanhas políticas

para a conclusão de seu projeto.

O fechamento da Rua XV de Novembro era um grande objetivo do

prefeito, ele defende em sua biografia que um de seus princípios urbanísticos é o

planejamento que parte do raciocínio da rua.

No Brasil, a partir da década de 1950 – à exemplo do que ocorreu em

muitos países - houve um aumento do tráfego de carros, o que tornava o cotidiano nos

Figura 4 - Rua das Flores, Curitiba. Foto: Mathieu Bertrand Struck. 22/10/2005.

Figura 5 - Rua XV de Novembro, Curitiba, 1986. Autor Desconhecido. Origem: Arquivo público - FCC - Fundação Cultural de Curitiba

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centros urbanos uma espécie de combate entre pedestres e motoristas. Neste sentido,

Lerner afirma que a construção do Calçadão em Curitiba é a

Consolidação prática de um exercício teórico. Essa realização se

tornou um emblema de Curitiba, a cidade pensada para as pessoas,

para o coletivo, e não para o automóvel, o individual; a cidade que

valoriza a rua em detrimento da construção de viadutos e grandes

obras viárias (LERNER, 2011, p.28).

Segundo Lerner (2011), o que ocorreu em Curitiba foi um sucesso

quase imediato do projeto. O comércio e a convivência no local se desenvolveram

positivamente já no primeiro período de sua construção. Em Curitiba, outros trechos da

cidade foram fechados para os automóveis na intenção de revitalizar o comércio. A

partir da experiência de Curitiba, diversos outros calçadões surgiram pelo país: São

Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e Londrina, que foi a primeira cidade do interior

brasileiro a ter um espaço como este. Posteriormente, as ruas de pedestres foram

construídas em diversas cidades do país, com diferentes perfis, caracterizando como um

modismo ligado à promoção política. Entretanto, atualmente são entendidos como

importantes para a valorização e administração do comercio local por parte da prefeitura

e também como forma de revitalização dos centros urbanos (JANUZZI, 2006, p.110).

Atualmente a Rua das Flores se configura entre os atrativos turísticos

de Curitiba. Muitos elementos urbanos de Curitiba possuem relevância turística, como a

Opera de Arame ou a Universidade Livre do Meio Ambiente. Podemos observar no site

da Secretaria do Turismo do Governo do Paraná (PRTUR), que a descrição da Rua das

Flores possui a descrição de um jardim, onde há o favorecimento das relações sociais,

principalmente no trecho conhecido como “boca maldita”, espaço que é localizado na

AV. Luiz Xavier, “a menor avenida do mundo”, e apresentado como ideal para

conversar e tomar um cafezinho5.

5 Disponível em: http://www.turismo.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=29. Acesso: 10 nov. 2011

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Figura 6 - Trecho da Rua das Flores próximo a Avenida Luiz Xavier. Curitiba, 2011. Foto: Curitiba sob Chuva, Radamés Manosso. Disponível em< www.flirck.com>, Acesso em 10 no. 1011

Com o fim do mandado de prefeito de Curitiba, Lerner passa a se

dedicar mais à sua carreira de urbanista, sendo que em 1977 é convidado pelo então

prefeito de Londrina, Antônio Cassemiro Belinati, para realizar uma reurbanização da

região central de Londrina, sendo a construção do Calçadão a principal intervenção

deste momento (BORTOLOTTI, 2007, p. 153).

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3. UM OLHAR SOBRE O CALÇADÃO: UMA RUA DE PEDESTRE EM LONDRINA.

Com o aumento vertiginoso da população e a expansão urbana da

cidade, o ambiente projetado para ser a pequena cidade de Londrina adquiriu o status de

centro (centro histórico, quadrilátero central) ao longo do tempo. Os centros das cidades

são identificados normalmente como o lugar mais dinâmico da vida urbana, onde se tem

variedades de serviços terciários6.

O objeto de estudo deste trabalho, o Calçadão de Londrina, fica

localizado na Avenida Paraná, na região central. Sua transformação em Calçadão

alterou profundamente o cotidiano no centro de Londrina, seja na modificação de

trajetos por parte dos motoristas, ou na revitalização comercial da região e também na

formulação de um novo espaço. Neste sentido, iremos apresentar os principais aspectos

de mudança e também a descrições de alguns elementos encontrados no Calçadão, bem

como, analisar práticas manifestadas pelo cotidiano do usuário urbano e que deixou

marcas no cotidiano deste espaço.

3.1 O Palimpsesto - Avenida Paraná

O Calçadão foi construído sob a pavimentação da Avenida Paraná.

Compreende-se que esta rua foi escolhida tendo em vista diversas características que

favoreciam esta intervenção. Apontaremos, em linhas gerais, um breve histórico desta

avenida, buscando ressaltar determinadas práticas que a fizeram se tornar uma via

diferenciada na cidade.

Durante o processo de urbanização, em 1938, a Avenida Paraná era

uma via de piso bruto em terra, sem pavimentação. A característica terra vermelha da

cidade, em dias de chuva, tornava a Avenida em um grande lamaçal, que

impossibilitava parcialmente o deslocamento e em dias de sol, supomos que a poeira

fina deveria ser avassaladora, já que a lama o era. As casas existentes na avenida da

década de 1930 foram substituídas pelos prédios ao longo do tempo. Mas mesmo desde

o início, já era possível observar que a Avenida Paraná era “um espaço londrinense que

6 Segundo Castilho e Vargas (2009, p.1), as atividades do setor terciário “são aquelas que incluem o comércio e os serviços varejistas, além de serviços de educação, lazer, hospedagem, etc.”.

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desde o início, até os dias de hoje, conserva a mesma função urbana, isto é, a comercial”

(IPAC, 1995, p.10).

O final da década de 1940 foi marcante para o processo de

urbanização de Londrina, principalmente na gestão Hugo Cabral, quando se instaurou

uma legislação de ordenação urbana. Esta gestão trouxe definitivamente os projetos

arquitetônicos modernos à Londrina. Foi o prefeito Hugo Cabral quem chamou o

engenheiro Prestes Maia para a elaboração de um plano de reurbanização e

planejamento urbano para a cidade de Londrina. Este projeto é o marco da

modernização da cidade (BORTOLOTTI, 2007, p.93).

A pavimentação de Londrina tem inicio em 1943, utilizando o

material conhecido com paralelepípedo, a primeira via a ser pavimentada foi a Avenida

Paraná. Durante a gestão de Hugo Cabral, foram pavimentados mais de 50 mil metros

de ruas e avenidas. Este investimento centrou-se principalmente em 1950, com um

investimento equivalente a 39,14% da receita municipal Esse processo de pavimentação

é continuo até 1958, na administração de Antônio Sobrinho, quando os dados informam

que se alcançou a quantia de 350 mil metros de pavimentação. Essa ação perdura por

toda a década de 1970, na gestão de José Richa, quando o paralelepípedo é substituído

pelo asfalto7. Atualmente, nos “buracos” das ruas na região central, é possível observar

o paralelepípedo. Ainda durante a década de 1950, com o enriquecimento da cidade,

principalmente através do cultivo do café, muito valorizado para exportação, a Avenida

se consolidava como centro comercial. Um dos elementos de verificação encontra-se no

fato de ser está à avenida onde se instalaram os principais corretores cafeeiros. Esta

prática especulativa, quase uma bolsa de valores informal do café, veio a ser conhecida

como “Pedra do Café" quando os especuladores se reuniam na Avenida para se

atualizarem. Este período também marcou a Avenida pela prática do “footing”, que são

os grandes passeios coletivos, no qual a Avenida Paraná ficava repleta de pessoas

caminhando por lazer e esporte (IPAC, 1995).

Concluímos que a Avenida Paraná se consolidou como a “principal

artéria de Londrina e para onde a população se desloca pelas mais variadas razões”

(IPAC, 1995, p. 15). Entretanto, o fluxo de automóveis tornou problemático o convívio

entre pedestres e carros. Sendo assim, a discussão do fechamento da Paraná surgiu por

7 SCHWARTZ, Widson. Pavimento de pedra começou em 43. Jornal de Londrina. Londrina, 20 jun.1998, p.8.

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parte da comunidade e foi acatada pela PML, onde se instalou o Calçadão de Londrina,

exaltado na época como o primeiro de uma cidade do interior do Brasil, a exemplo de

muitas outras ações dos usuários que acabam por construir a imagem de uma cidade

“pioneira”.

O procedimento para intervenção foi considerado “democrático” pelo

arquiteto Bortolotti. A discussão sobre o fechamento de ruas centrais se iniciou em

1976, inspirados pelos bons resultados atingidos em Curitiba nas ruas das Flores, o

Departamento de Planejamento, o qual Bortolotti chefiava, analisou o fechamento da

Avenida Paraná, entre a Rua Professor João Cândido e a Avenida Rio de Janeiro. A

polêmica conduzida nos meios de comunicação e a preocupação de alguns comerciantes

deste trecho que se mostravam descrentes ou céticos levou a PML a propor um

fechamento provisório da extensão no trajeto mencionado (BORTOLOTTI, 2007, p.

153).

Para este fechamento provisório, nenhuma obra foi realizada na

Avenida, somente se impediu o trânsito colocando floreiras nos limites estabelecidos

pela PML. Houve a divulgação em larga escala na mídia deste fechamento, uma vez que

modificava o tráfego na região central. A população, segundo Bortolotti (2007) aprovou

as mudanças. Haviam nos finais de semana, eventos de animação e programas culturais,

e aos poucos a rua de pedestre foi sendo apelidada de Calçadão. Todo este

procedimento de fechamento da Paraná ocorreu no último ano da gestão de José Richa,

portanto, a responsabilidade da entrega do Calçadão foi do prefeito Antônio Belinati

que contratou o escritório do arquiteto Jaime Lerner para preparação do projeto da rua

de pedestres, e para realizar uma revitalização do centro de maneira geral

(BORTOLOTTI, 2007, p. 152).

Em 1977, o Calçadão de Londrina é entregue á população, pela

Prefeitura, com seu calçamento em mosaico de pedras portuguesas, os chamados petit-

pavet, que foram retirados e modificados diversas vezes ao longo de sua existência. O

visual do Calçadão seja nos bancos, nos telefones públicos, e outros elementos,

sofreram diversas transformações também. Em suma, cada gestão municipal se

preocupou em modificar algum detalhe físico do Calçadão.

Em 2009, na gestão do então prefeito Barbosa Neto, tem início no

Calçadão uma reformulação urbanística total. A pedra portuguesa foi substituída pelo

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57

paver; as luminárias, bancos, lixeiras, quase todos os mobiliários foram substituídos.

Este procedimento normalmente chamado na mídia de “reforma do Calçadão” lançou

um debate sobre a identidade e imaginabilidade de Londrina na mídia.

Diante do exposto, podemos considerar que a Avenida Paraná sofreu

diversas intervenções ao longo do tempo, conforme observamos no esquema abaixo

(figura 7):

Figura 7 - Transformações do espaço da Avenida Paraná

As transformações observadas podem ser entendidas como o

palimpsesto da História. Assim como os pergaminhos que tinham suas escritas apagadas

para que novas fossem escritas, no espaço da Avenida Paraná podemos identificar cinco

alterações, no mínimo (tendo em vista as diversas possibilidades de entender as

transformações que ocorreram), nas quais muitas práticas se perderam. Esta pode ser

denominada de a fala dos passos perdidos. A transformação do espaço altera seu uso,

assim como o uso altera o espaço. Ou seja, “o território é um palimpsesto: as diversas

gerações o têm escrito corrigido, apagado e acrescentado” (SECCHI, 2006, p.15), torna-

se um arquivo de signos, o qual podemos ao mesmo tempo, apreender como um vasto

conjunto de intenções, bem como, às práticas das pessoas. Se era impossível se

locomover com o automóvel na mata fechada e na terra vermelha, principalmente após

dias de chuva, muitos membros da elite preferiam deixar os carros importados em casa e

sair à passeio com charretes, pois o típico barro vermelho e viscoso como uma cola dos

Até década de 1930Mata Atlântica Nativa

De 1930 até 1942Rua de terra vermelha

1942 à década de 1970Paralelepí-pedo

1970-1976Asfalto

1977Calçadão: Petit-pavet

2009 - atualCalçadão ("reforma") - Paver

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solos “roxo” tornava inviável a utilização dos carros.8 Com o paralelepípedo os carros e

charretes dominaram a rua, mas ainda havia a prática do footing aos fins de semana.

Com a pavimentação em asfalto a rua se torna espaço dos carros, que ao atingir

velocidades mais altas, assustava o pedestre e os dias da prática do footing chegam ao

fim e o pedestre é expulso. Com o Calçadão práticas nunca vistas antes neste espaço se

proliferam - o homem ordinário cria seu próprio espaço no lugar estabelecido pela

gestão (CERTEAU, 2008). Os antigos moradores podem caminhar pela Avenida hoje, e

sua imagem dela se diferencia infinitamente daquela que constroem os mais recentes,

que mal a conhecem como a Paraná, já a conheceram como o Calçadão, somente.

3.2 O Projeto de intervenção inicial

O projeto original de 1977 abrangia não somente a Avenida Paraná,

como é atualmente, mas também o Bosque e outras praças (atualmente somente duas se

tornaram parte do Calçadão) conforme desenho oferecido por Lerner à prefeitura (figura

8), e publicado na imprensa em primeiro de junho de 1977. A reportagem ressaltava que

o “centro de Londrina passaria por uma total reurbanização”, e que o projeto possuía

três pontos básicos: a) melhor organização do sistema viário; b) melhorar a distribuição

do transporte coletivo e c) organizar os pontos de encontro, buscando revitalizar a

cidade, inclusive no setor terciário. Na figura abaixo, publicada junto com a matéria, os

locais pintados de preto representam onde haveria a pedestrianização, ou seja, ela não se

delimitaria a Avenida Paraná, conforme noticia: “Será criada uma ‘rua de pedestres’

abrangendo não só o trecho interditado na Avenida Paraná, mas também o Bosque e as

praças (e vias próximas) Gabriel Martins, Willie Davids, Primeiro de Maio e Sete de

setembro (p.24).”

8 SCHWARTZ, Widson. Pavimento de pedra começou em 43. Jornal de Londrina. Londrina, 20 jun.1998, p.8.

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59

Figura 8 - Projeto Reurbanização de Londrina. Folha de Londrina, 01/06/1977

Observa-se, bem ao centro da imagem, o espaço correspondente à

Catedral Católica de Londrina. Ao sul dela, se encontra o Bosque, que desde 1971, era o

Terminal do Transporte Coletivo Rodoviário da cidade, ou seja, a rua entre os dois

blocos do bosque era utilizada pelos ônibus e o público. Com o projeto de Lerner, o

terminal seria removido do espaço do bosque e o trânsito naquele local seria fechado,

entretanto a retirada do terminal só ocorreu em 1988. Estas medidas foram tomadas, e

atualmente onde havia o terminal foi instalado o “zerinho”, onde alguns moradores

costumam fazer caminhadas, jogar cartas, entre outras atividades (ALMIDA e ADUM,

2007).

Podemos identificar mais características do projeto a partir da

reportagem de capa do Jornal de Londrina:

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60

O centro de Londrina passara por uma reurbanização quase completa, segundo o projeto apresentado ontem pelo prefeito Antonio Belinati e outras autoridades e à imprensa, pelo arquiteto Jaime Lerner e sua equipe, que vieram especialmente para este fim. Será criada a “rua de pedestres”, ao tempo em que passarão por completa transformação as praças Primeiro de Maio, Willie Davis e Marechal Floriano, bem com as áreas adjacentes ao Bosque. (...) A urbanização compreenderá áreas de lazer, como quiosques, bares, sorveterias, telefones, bancas de revistas, palco para “roda de música”, abrigos para comercialização artesanal, teatrinho para crianças (...) ao tempo em que se estabelecerá mudanças no sistema viário, afastando da área central o automóvel, até onde isto for necessário. O plano é executar toda esta obra em nove meses, a um custo de 16 milhões de cruzeiros9.

A pesar de o projeto abranger todo o espaço referido na reportagem,

somente o trecho da Avenida Paraná entre as avenidas Professor João Candido e a Rua

Minas Gerais foi transformado em rua de pedestre. Entre 1989 e 1991, o reeleito

prefeito Antônio Belinati expandiu o Calçadão por mais duas quadras passando pela

Rua Pernambuco e Prefeito Hugo Cabral, conforme observável na figura 9. Da mesma

maneira que o Calçadão não foi implantado conforme o projeto de Lerner, no que se

refere ao tamanho, muito dos mobiliários e espaços propostos não foram realizados,

como, por exemplo, a remoção do terminal do espaço do bosque.

3.3 Características Gerais

O Calçadão possuía, em seu primeiro momento, 350 metros de

comprimento, e posterior a 1991, 650 metros de comprimento. Sua área total de

superfície é de 16.530,93 metros quadrados. Possuía um mobiliário específico, muitos

são próximos aos já aplicados ao Calçadão de Curitiba, mas há muitos materiais

exclusivos. Bancos de madeira e de concreto, telefones públicos, floreiras e lixeiras são

exemplos deste mobiliário, sendo que muitos deles foram substituídos e retomados ao

longo do tempo. Para nossa análise, quatro elementos receberão uma descrição mais

detalhada, buscando compreender especificidades, são eles: praças, piso, quiosques e

luminárias.

9 MUDANÇAS da estrutura urbana. Folha de Londrina, Londrina,. 01 jun.1977, p. 01.

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61

Figura 9 Em Azul, espaço do Calçadão construído até a década de 1970. Em amarelo, expansão de 1991. Fonte: Google Earth. Demarcações pelo autor. Acessado em:

3.4 Praças

É possível observar o desenho em forma de elipse no entorno da

Catedral, eventualmente relacionado com a um grão de café (YAMAKI, 2003, p. 11),

onde os edifícios ficavam em um semi-circulo de frente às praças de formato triangular.

Trata-se das quatro praças: Gabriel Martins, Willie Davids, Primeiro de Maio e Sete de

Setembro. Estavam presentes na planta da CTNP e possuíam características especificas.

No projeto proposto por Lerner, todas incorporariam o Calçadão, entretanto, somente as

praças Gabriel Martins e Willie Davids foram totalmente transformadas. Ambas

acabaram perdendo praticamente todas suas características de praça, conforme podemos

observar nas figuras a baixo.

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Figura 13 - Praça Gabriel Martins, após construção do Calçadão. - Foto: Ronaldo Gusmão, 2010. Disponível em: www.panoramio.com . Acesso: 10 nov. 2011

62

Figura 5 - Praça Wilie Davids, após construção do Calçadão. Foto: Ronaldo Gusmão, 2010. Disponível em: www.panoramio.com . Acesso: 10 nov. 2011

Figura 10 - Praça Willie Davis. Foto: Autor Desconhecido, 194-. Acervo: Museu Pe. Carlos Weiss.

Figura 11 - Praça Gabriel Martins, antes do Calçadão - Foto: Autor Desconhecido.

Page 63: TCC Definitivo

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É possível observar que as praças se tornaram uma parte do Calçadão,

seus bancos e desenhos próprios de piso acabaram sendo cobertos pelos elementos do

Calçadão. Neste aspecto, a própria percepção do ambiente modifica. A pesar de o

Calçadão conter elementos próprios para a permanência, sua principal característica é o

deslocamento, é, em suma, uma via, sendo a praça muito mais especificamente um

ponto nodal (LYNCH, 2009). O modo e velocidade de deslocamento afeta o como o

individuo percebe o que se encontra à sua volta, ou seja, as condições de mobilidade

(mover-se) não se limitam ao sentido de como se percorre determinado espaço, diz

respeito também à relação ambiente-homem (VILAÇA, 2008). Sendo assim, podemos

observar que na Praça Willie Davids, chamada de “coração da cidade” por algum

tempo, onde ocorriam fechamentos de negócios, mas como já enfatizado possuía seus

comércios próprio e de entorno, hoje é considerada uma “prolongação do Calçadão”.

Ainda assim, é uma das praças mais lembradas da cidade, a pesar de seu uso quase

exclusivo para deslocamento (NUNEZ, 2011). O mesmo não se pode dizer da Praça

Gabriel Martins. Se observarmos as fotografias, é possível ver prédios em comum em

ambas, mas as características de praça foram totalmente perdidas. Atualmente, no

procedimento de reforma, até mesmo as árvores foram retiradas. Há, entretanto,

segundo a responsável pela reforma do Calçadão em entrevista concedida ao autor10,

uma tentativa de trazer o aspecto de praça novamente ao trecho correspondente à Praça

Gabriel Martins. Isto se dá principalmente após a descoberta do antigo piso da praça

pelos trabalhadores da reforma (figura 14), que trouxe uma descoberta interessante a

Londrina: a atual reforma do Calçadão pode estar “apagando” uma história, mas o

mesmo já tinha acontecido com a Praça em 1977.

10 VECHIATI, Simoni. Entrevista sobre a reforma do Calçadão. Escritório do IPPUL, Londrina. 15 jun 2011. Entrevista concedida ao autor.

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Figura 64 - Trabalhadores descobrem desenho da Praça Gabriel Martins da década de 1970. Foto: Gilberto Abelha, 07/08/2011. disonivel em <http://www.jornaldelondrina.com.br> Acesso em: 15 nov.

2011

3.5 O piso e seu desenho

O Calçadão se tornou um símbolo do centro urbano de Londrina,

sendo um importante elemento do espaço urbano no que diz respeito à imaginabilidade

da cidade (CARVALHO e BONI, 2009). Um dos principais fatores que contribui para

esta relação esta no desenho do piso. O desenho concebido pelo arquiteto da PML, Hely

Brêtas, representam, segundo o próprio arquiteto, correntes/elos que remetem aos

diversos povos que fundaram a cidade. O desenho possui(a)11 o contraste entre o preto e

branco, em formas geométricas, fazendo um efeito plástico de luz sob sombra, realizado

sobre pedra portuguesa em Pat it, mosaico português (figura 15). A utilização deste tipo

de material é característica de áreas públicas, por possuir qualidade estética e facilidade

para instalação de materiais de infra-estrutura subterrânea, possuía também um custo

aproximado ao de outros materiais (BORTOLOTTI, 2007, 152). Segundo conta Hely

Bretas12, o Secretário Municipal de Obras o procurou na época da construção e

informou o arquiteto que estavam para chegar de Paranaguá ao outro dia, pedras

portuguesas, pretas e brancas, na mesma quantidade, para a pavimentação do Calçadão,

entretanto ainda não tinha o desenho. Neste sentido, em apenas uma tarde Hely Bretas

11 Podemos nos remeter as cores do desenho do Calçadão no tempo gramatical do passado, uma vez que atualmente este passa por uma total reforma, que está mudando suas cores e material.12 Arquiteto da PML, responsável pelo desenho do Calçadão.

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65

pensou e finalizou o desenho que entregou para equipe realizar o molde e o

assentamento13. O Arquiteto, falecido em 2011, relatou na época que se sentia satisfeito

com o resultado e com a importância que os londrinenses davam ao seu desenho.

Como apresentado no capítulo anterior, o Calçadão de Londrina não é

o único do mundo, nem mesmo possui características tão distintas de outros existentes,

contudo, o desenho do deste Calçadão é exclusivo e se torna um dos principais

elementos deste espaço, pois configura sua identidade e seu significado (como apontado

no primeiro capítulo), o que permite, ao Calçadão, uma paisagem exclusiva.

Figura 75 - Tradicional Piso do

Calçadão de Londrina. Foto:

Marcel Nagao Maciel 14.

Atualmente o Calçadão está passando por uma reforma na qual foi

alterada as cores (do preto e branco, para uma oposição entre o cinza e o amarelo,

marrom e chumbo) e o material do piso (passou das pedras portuguesas para o paver),

além da retirada de diversos outros mobiliários (figura 16), o que causou críticas por

parte da sociedade ao poder público15, relacionadas a perda de uma forte imagem de

identidade que a cidade possuía, mas não impediu que continuamente a reforma se

efetive. Entre as ruas Rio de Janeiro e Minas Gerais, existe o edifício do Cine Teatro

Ouro Verde, tombado pelo patrimônio histórico de Londrina. Neste ponto do Calçadão,

a PML e IPPUL deverão manter o desenho original do Calçadão tendo em vista a

legislação do Patrimônio Histórico que não permite alterações no entorno do edifício

13 DESENHO do petit pave foi feito em uma tarde. Jornal de Londrina, Londrina, 29 set. 2003, p.3.14 Arquiteto e urbanista, autor do blog http://janela-londrinense.blogspot.com/, imagem disponível em < http://2.bp.blogspot.com/_X1GtU5iwmQY/TElaBABi-LI/AAAAAAAAANQ/g9OPpBA3Iy4/s1600/DSC04162.JPG > acesso em 17 mar. 2001.

15 REFORMA põe calçadão na berlinda. Jornal de Londrina, Londrina, 15 abr.2010. Disponível em <http://www.jornaldelondrina.com.br/online/conteudo.phtml?tl=1&id=992850> acesso em 17/03/2011.

Page 66: TCC Definitivo

66

tombado, e também por iniciativa as Secretaria de Cultura, que não tinha sido

consultada sobre a reforma.16

Figura 86 Dois trechos em contraste. Foto: Gilberto Abelha, 2010.

Em entrevista concedida ao autor, Simoni Vechiatti, arquiteta do

IPPUL responsável pela reforma do Calçadão, apontou como as principais motivações

da reforma, a questão da acessibilidade de deficientes físicos e para uma considerável

melhora no deslocamento, principalmente para quem utiliza muleta, salto alto, entre

outros. A modificação do material foi sugestão do próprio Prefeito Barbosa Neto, que

em viagem à Frankfurt, Alemanha, considerou o paver utilizado em diversos espaços

daquela cidade agradável e quis trazer este material para o Calçadão da cidade de

Londrina. Este relato da arquiteta entra em contradição com a fala do prefeito, que diz

que a substituição foi sugestão do próprio IPPUL, e complementa: “É um modelo que já

existe na Europa, no Japão e até mesmo em Apucarana e funciona muito bem17”.

Independentemente da origem da substituição, fica colocado uma batalha entre novo e

velho, adequado e não adequado. No entanto, como apontou o arquiteto e professor

Humberto Yamaki (2009) em uma carta aberta enviada a Folha de Londrina, em

13/09/2009: 16 FRAZÃO, Marcelo. petit-pavet em trecho histórico será mantido. Jornal de Londrina, Londrina, 01 jun.2010, p.6.17 SUBSTITUIR petit-pavet foi sugestão do Impou. Folha de Londrina, Londrina, 09 out. 2009, p.5.

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67

As cidades do interior que antes lutavam para ter um Calçadão-

quarteirão em mosaico de pedras branco e preto, agora sonham em ter

um piso cinza-concreto, considerado moderno. [...] Historicamente,

temos substituído o piso da Avenida Paraná a cada 15 anos, em media.

É correto substituir e descartar um material natural, a pedra, que ainda

pode durar dezenas, talvez centenas de anos? O desafio é construir

uma cidade sem apagar as marcas e vestígios anteriores. Sedimentar

cada tempo, ainda que em forma de simples piso (p.2).

A discussão sobre a reforma do Calçadão é complexa, estão incluídas

questões como patrimônio, progresso, modernidade, história, memória, identidade, e

claro, planejamento urbano e política. Isto só para citar algumas das questões que

envolvem estudos sobre o urbano. Neste sentido, entendemos que esta discussão deve

ser fruto de outro trabalho em outro momento. O que buscamos ressaltar é que, sim, o

piso do Calçadão é uma característica que aumenta a imaginabilidade de Londrina e o

sentimento de um lugar, de uma identidade, isso é perceptível pelo debate ocasionado

pelo seu fim. Ao caminhar pelo petit-pavet desenvolvem-se discursos sobre a cidade,

sobre o Calçadão, são “caminhos que se respondem nesse entrelaçamento, poesias

ignoradas de que cada corpo é um elemento assinado por muitos outros, escapam a

legibilidade” (CERTEAU, 2008, p.159), mas que se materializa nas diversas cartas e

comentários de Londrinenses, tanto na web como em conversas informais, contrariados

com as mudanças. Por outro lado, há vultosa parcela de comentários favoráveis a

reforma, tendo como principal argumento o progresso. Como visto, Lynch postula o

papel do designer urbano como construtor de imagens, Certeau nos demonstra como os

indivíduos em seu caminhar podem transgredir, selecionar, afirmar, criar sua retórica.

Compreende-se então que a formulação de um lugar legível, como o Calçadão, pode ser

acatada ou não pela população. A partir do momento que se constrói um discurso sobre

o lugar, a própria estratégia urbanista é posta em cheque. A pesar das críticas, a reforma

segue o curso até os dias atuais, e a população aos poucos se adapta à novidade, sem,

entretanto, abrir mão dos “fantasmas” do relato: “no Calçadão antigo...”, se construirá

uma nova “poética dos passos perdidos”, e o Calçadão não deixará de ser o Calçadão

por mudar de desing.

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68

2.6 Quiosques – lazer ou obstáculo?

Lerner buscava esclarecer que o projeto não pretendia realizar uma

“nova Curitiba”, e um dos diferenciais seria o desing dos quiosques (figura), que

buscava favorecer o convívio no espaço da rua de pedestres. A proposta da prefeitura

era que estes estabelecimentos não concorressem diretamente com as lojas pré-

estabelecidas na Avenida, servindo como um atrativo adicional ao Calçadão, com

bancas de revistas, sorveterias, floriculturas e outros tipos de mercadorias. Era apontado

no projeto como um dos principais atrativos da rua de pedestre.

Entretanto, a prefeitura de Londrina abriu licitações para mais

quiosques do que o planejado, o que dificultava o deslocamento no espaço do Calçadão,

tanto pelos pedestres como por veículos de emergência, uma vez que ocupavam espaço

além de seus limites, com as mesas e cadeiras. Desde os primeiros anos, o excesso de

quiosques era a principal reclamação da população, pois além das reclamações citadas

anteriormente, havia o problema da sujeira que eles proporcionavam18. Em 1989,

mesmo após a remoção de alguns quiosques, havia vinte e dois somente nas três quadras

que foram construídas até aquele período19. Esta condição gerou diversos protestos que

ocasionou em uma gradual remoção de quiosques do Calçadão, processo que só

finalizou em 2011, quando o último quiosque foi retirado deste espaço. Contudo,

tratando-se de quiosques, é preciso lembrar que alguns desses existiam antes mesmo da

criação do Calçadão20.

Este procedimento de retirada dos comerciantes, normalmente, gerou

polêmica e divisão dentro da população londrinense. Nas situações mais recentes,

durante a gestão Barbosa Neto (2009-atual), a imprensa costumava criticar a retirada

dos comerciantes buscando valorizar os anos em que exerciam as atividades comerciais

no Calçadão. Normalmente a Companhia Municipal de Transito e Urbanização

(CMTU), assim como fez na década de 1990 como Comurb (Companhia Municipal de

Urbanização21), principalmente na revitalização de 1998, demolindo os quiosques com

18 CALÇADÃO irá mudar um pouco. Folha de Londrina, Londrina, 12 mai.1984.19 ATÉ SETEMBRO, novo calçadão. Folha de Londrina, Londrina, 21 mar.1989, p. 32.20 ALMEIDA, Paulínia.Último quiosque do calçadão é retirado. O diário, 03 jun. 2011. Disponível em <http://londrina.odiario.com/londrina/noticia/427499/ultimo-quiosque-do-calcadao-e-retirado/>21 Em 2001, a responsabilidade da fiscalização do transito foi municipalizada. Neste contexto, a Comurb se transformou em CMTU para atender esta nova demanda.

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avisos de 24 horas, também o fez nessa gestão e reforma, o que gerava e continuou a

gerar revolta dos comerciantes e de considerável parte da população22.

2.7 Luminárias e iluminação

O ambiente iluminado é uma importante característica de conforto e

segurança ao usuário do espaço. Segundo Marcel Roncayolo (1999), a cidade sempre

tentou dominar a luz, um elemento da artificialidade urbana. A iluminação busca trazer

a segurança, mas também é uma forma de fugir à dominação dos ritmos naturalmente

impostos pelo dia e pela noite. A partir do surgimento da iluminação (seja no âmbito

privado ou no público) a organização do tempo fica mais artificial. Das tochas,

lampiões, à energia elétrica, lâmpadas de gás, neon, led. “Esta nova era permite, no

limite, o uso contínuo da luz artificial. Simples progresso técnico? Trata-se mais de uma

mudança das representações e imagens da cidade, e em especial um outro estatuto da

arquitetura (p.100)”. Neste sentido, entendemos que a imagem que um espaço produz

diurnamente pode não ser a mesma que a imagem noturna, a última traz outro

significado ao espaço.

Harmônica com estas colocações, a população se afastou do Calçadão

no período noturno, a iluminação precária e falta de policiamento favoreceu aos assaltos

e outros tipos de crimes, “paz durante o dia; à noite, preocupação23”. Comparando com

o tempo antes de a Avenida ser transformada em Calçadão, lamenta o aposentado

depois que as portas dos estabelecimentos se fecham, o Calçadão se esvazia, “todo

mundo tem medo24”. As condições de iluminação são importantes tanto no que diz

respeito à imagem da cidade, como na orientação (ao criar seu trajeto, o individuo pode

optar por caminhar mais do que atravessar um lugar que considera perigoso), ou seja,

segundo Certeau (2008) uma invenção cotidiana: “o caminhante transforma em outra

coisa cada significante espacial (p.165)”, o ambiente é plenamente possível de

caminhada, poderia ser até favorável em questão de “economizar” tempo, mas “a

caminhada afirma, lança suspeita, arrisca, transgride, respeita etc. as trajetórias que

‘fala’ (p.166)”. Há com a reforma atual uma tentativa de trazer o londrinense a este

espaço no período da noite, com iluminação mais competente e reforço policial (Figura

22 COMURB retira quiosque do calçadão. Jornal de Londrina, Londrina, 08 jan.1998, p. 6.23 OGAMA,Walter. A violência é o espetáculo. Folha de Londrina. 29 set. 2003, p.3.24 AUGUSTO, Luciano. Calçadão de Londrina: onde todos se encontram. Folha de Londrina. 29 set. 2003, p.3.

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17). Há discussões, além de forte propaganda por parte da ACIL, para o novo horário do

comércio até as 20 horas. Nas imagens é possível observar o Calçadão deserto em uma

quarta-feira, perceptível também algumas lâmpadas queimadas no trecho antigo, e em

ambas o auxílio de iluminação incandescente, aparentemente, no “antigo” Calçadão

mais clareadoras que as das iluminarias.

Figura 97 - Calçadão durante a noite. À esquerda, trecho sem reforma, na direita, “novo” Calçadão. Fotos: Coutinho Mendes. 01/05/2010

Outro aspecto a ser considerado é quanto à forma das luminárias. A

forma é importante para a possibilidade de construção da imaginabilidade, “A forma

deve de algum modo descompromissada e adaptável aos objetivos e percepções de seus

cidadãos” (LYNCH, 2009, p. 101). As luminárias do Calçadão possuíam a forma de

araucárias, arvore símbolo do Estado do Paraná, foram introduzidas por Lerner já no

projeto original, provavelmente, na tentativa de causar a percepção de identidade espaço

- individuo. Entretanto, este tipo de vegetação não é típico da região de Londrina, o que

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poderia causar confusão do observador de acordo com Januzzi (2006, p.224), entretanto,

com podemos verificar pela imagem da direita acima, ela foi substituída por outra de

lâmpada única.

2.8 Últimas palavras

O espaço múltiplo que é a cidade se transfigura no Calçadão. Ali se

movimentaram pessoas das diversas distinções imagináveis (motivação, classe social,

origem, nacionalidade). Lynch postula o espaço que o urbanista poderia criar: “Temos a

oportunidade de transformar o nosso novo mundo urbano numa paisagem passível de

imaginabilidade: visível, coerente e clara” (LYNCH, 2009, p. 101). A Avenida Paraná

teve sua forma modificada pela urbanística insistentemente ao longo do tempo.

O “olhar” proposto neste último

capítulo abre mão de ser totalizador. A reflexão

feita a partir de alguns elementos deixa claro que outros não foram estudados, e

entende-se também que outros infinitos caminhos poderiam ser tomados: talvez um

olhar mais antropológico ou político. A tentativa central foi a de demonstrar a existência

do discurso e da ação urbanística e como estes estão inseridos no cotidiano do

londrinense, especificamente no do Calçadão. Desde a forma da luminária à supressão

de uma praça, as decisões tomadas pelos gestores urbanos modificaram e continuam a

modificar invariavelmente a vida de quem usa aquele espaço, seja para comprar ou

vender, se deslocar ou descansar, ao passo que as reutilizações dos indivíduos

transformam este espaço de forma invisível, através de significações individuais. Há,

desta maneira, uma reinvenção do espaço pelos seus utilizadores, que abalam o discurso

urbanístico nas práticas cotidianas.

Figura 18 Araucária - Foto: Autor Desconhecido. Disponível em: wikimedias.com

Page 72: TCC Definitivo

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, teceremos algumas ultimas linhas sobre a

intervenção urbana na cidade de Londrina que foi o Calçadão. Lynch nos demonstrou

que o planejador de urbes deve planejar uma cidade que forneça identidade aos seus

cidadãos, que possa ser lida tal qual um texto no papel, ou seja, deve voltar seus estudos

também para o campo visual (CHOAY, 1992, p 313). O Calçadão de Londrina, em seu

lugar específico na cidade, na movimentada Avenida Paraná, “o centro do centro”

comercial e histórico, com características únicas, certamente foi pensado para produzir

uma imagem forte ao observador, a imagem do próprio centro.

As ruas de pedestres que surgiram como forma de revitalizar os

centros em todo o mundo, possuem trajetórias de sucesso, como em Londrina, Curitiba

e Copenhague, mas possuem também alguns casos que não desenvolveram o comércio.

As teorias de renovação e revitalização urbana que trabalhavam com as ruas de

pedestres trabalham com a hipótese de sucesso iminente, ao ler os textos dos urbanistas,

normalmente não há margens para erros, todos os conceitos são apresentados a partir de

dados e reflexões, até mesmo de ordem filosófica, o fazem de maneira panópticas.

Limitamos nossa analise a partir do século XIX, mas, como aponta Sennett (2010), de

acordo em que o Homem modifica sua visão sobre si mesmo, e sobre seu corpo, as

cidades se transformaram. Seja em uma grande via feita em Paris no XIX por

Haussmann, ou no grafite anônimo nos muros da Roma Antiga, ou mesmo nos muros

do Calçadão. A produção dos urbanistas, como, por exemplo, as intervenções

apresentadas ao longo do segundo capítulo, são uma tentativa de organização técnica do

espaço (CERTEAU, 2008, p.41) a partir de uma utopia que é “prever o futuro”, a

“cidade planejada”.

Muitas transformações são operadas diariamente nas cidades, com a

Avenida Paraná não é diferente. Secchi (2006) demonstra como valores individuais e

simbólicos decidem como ocorreram as transformações na cidade, os signos existentes

em nosso território “é o resultado do acumulo destas decisões” (p. 16). Desta maneira o

autor aponta como a normal oposição entre a cidade criada de forma espontânea e a

planejada carecem de significados. O termo espontâneo, normalmente diz respeito a

ações não coordenadas entre si, uma sucessão de iniciativas individuais, vemos aqui as

táticas apontadas por Certeau atuando sobre a relação espaço/usuário. Mas até mesmo

Page 73: TCC Definitivo

73

estas “maneiras de fazer” seu território, possuem suas próprias regras, como aponta

Certeau (2008, p.43), e no que diz respeito a planejar seu próprio espaço, Secchi revela

que “estes sujeitos constroem o próprio futuro, não somente como continuidade do

passado, mas também, como confronto entre as condições do presente e seus próprios

desejos” (2006, p.18). Trabalhar, comprar, depredar, reformar, passar ou não passar pelo

Calçadão, as práticas de cada indivíduo naquele espaço remete aos seus desejos

individuais, seus medos e percepções. Descobrir estas práticas invisíveis, ao exemplo de

Certeau (2008, p.42), necessita de uma erudição, tendo em vista a complexidade que ela

demanda, principalmente no campo da Antropologia, Sociologia, Psicanálise, Filosofia

e História. Neste sentido, este estudo restringiu-se a abordar os aparelhos urbanos e sua

relação com o seu observador/utilizador, mas o espaço do Calçadão carece de estudos

desta ordem com mais profundidade e que o espaço/tempo de uma monografia não

permite, mas permite que se possa vislumbrar a continuidade dessa pesquisa.

Compreendemos que as transformações ocorridas no centro da cidade,

com a construção da rua de pedestres em 1977, em Londrina, modificou

consideravelmente a vida no centro urbano da cidade. Podemos considerar que o

Calçadão surgiu como um impulso urbanístico iniciado na década de 1970 em Curitiba,

para a construção destes espaços que surgiram em muitas cidades brasileiras. A

necessidade da construção do Calçadão foi posta em cheque no período de sua

construção, mas hoje as práticas já o objetivam como integrado à cidade, tanto que na

ameaça de transformação em seu aspecto material houve discussões acirradas entre os

londrinenses, tanto entre os contrários e os favoráveis. Seus usos estão fortemente

relacionados aos elementos postos pelos gestores naquele espaço, os habitantes jogam

com as identidades construídas, descobrem novos espaços e também criam seu próprio

território.

Page 74: TCC Definitivo

74

REFERÊNCAIS BIBLIOGRÁFICAS

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