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«O melhor thriller do ano.» San Francisco Bay Guardian Da autora do bestseller internacional A Informacionista

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«O melhor thriller do ano.»San Francisco Bay Guardian

www.topseller.pt

Veja o vídeo de apresentação deste livro.

Ficção/Thriller

ISBN 978-989-8626-44-8

9 789898 626448

«Michael» Munroe trabalha com informação. Após fugir a uma infância traumática, a sua aprendizagem e o seu treino permitem-lhe obter todo o tipo de informações, independente-

mente do cenário ou do país onde se encontre. Por isso, é agora contratada por empresas, instituições ou privados que pagam os seus serviços únicos no mundo.

Destacada para uma missão de alto risco, Vanessa tem de resgatar Hannah, uma rapariga de treze anos, da sua reclusão no seio de uma fanática comunidade religiosa conhecida como «Os Eleitos».

O processo de libertação de Hannah vai resultar em situações complexas e perigosas, mas, com a ajuda do especialista em segurança Miles Bradford, vai também permitir uma nova vida para esta heroína intrigante e com um passado devastador. O lado mais violento e instintivo de Vanessa irá revelar-se em nome da justiça: matar pode não ser necessariamente mau, se houver inocentes envolvidos.

é uma autora norte-americana premiada, cujos livros estão presentes nas listas de bestsellers do New York Times.

Nascida em Nova Iorque, Taylor foi criada em várias comunas espalhadas pelo globo, no seio de um culto religioso dos anos 60 chamado Children of God. Foi separada da sua família aos doze anos e não lhe permitiram frequentar a escola além do6.º ano. Em vez de uma infância normal, Taylor Stevens chegou a viver em três continentes e numa dúzia de países antes de atingir os catorze anos,e passou grande parte da adolescência a mendigar nas ruas de cidades como Zurique e Tóquio, a mando de líderes do culto, a realizar trabalho infantil e a cuidar das crianças mais novas residentes nas comunas, lavando e cozinhando para centenas de cada vez. Aos vinte anos, Taylor Stevens libertou-se das amarras que a prendiam e permitiu-se vivera sua vida, através da aprendizagem e da escrita.

A série de três livros (A Informacionista, Os Inocentese A Boneca, este último a publicar brevemente pela Topseller), cuja personagem principal é a heroína Vanessa Munroe, foi amplamente aclamada pela crítica e já se encontra publicada em vinte línguas.O livro A Informacionista foi comprado pela produtora de James Cameron, Lightstorm Entertainment, para ser adaptado ao cinema.

Atualmente, Taylor Stevens vive no Texas e concilia a escrita com a maternidade.

TAYLOR STEVENS

«Girou as lâminas e brincou com elas nos dedos lentamente; as facas eram suas amigas, davam-lhe tranquilidade e eram a única coisa que se mantinha num mundo em que tudo o que restava fora destruído.

A nesga de luz desligou-se.

Num movimento �uido, Munroe endireitou-se, agachou-se junto à porta e retesou os músculos. O puxador fez um clique e a porta entreabriu-se. Ela sentiu a presença de alguém mesmo antes de ver a lanterna apontada ao colchão. O vulto entrou no quarto. Ela encostou-se à porta e trancou-a, corren-do o ferrolho.

O quarto �cou ainda mais às escuras.

O vulto era grande, entroncado e cheirava a suor e a álcool. Guiada pelo instinto, ela atirou-se para a frente, arremetendo contra a barriga dele. A veloci-dade e a força do ataque desequilibraram-no. A cabeça do homem bateu contra a parede. Caiu ao chão. Ela en�ou-lhe o joelho direito nas costelas; ouviu-o sufocar. O homem tentou levantar-se. Ela debruçou-se por cima dele, com uma faca apontada à garganta do homem e a outra à virilha.

E de repente ouviu os murros na porta, que até então tinha ignorado. A porta abriu-se de rompante, o ferrolho partido, e a luz deixou-a instantaneamen-te cega. Desorientada, preparou-se para o ataque.»

Conheça o primeiro volume da sérieVanessa Michael Munroe:

«Stevens escreve a um ritmo acelerado, emocionante, tenso e misterioso,e dá-nos a conhecer uma heroína que até Lisbeth Salander iria admirar.»

Library Journal

«Todos os que aguardavam impacientemente pela sequela de A Informacionista �carão encantados por descobrir a mesma escrita

inteligente, o ritmo magistral, cenas de ação tensas, �uidase cinematográ�cas.»

Associated Press

Da autora do bestseller internacional A Informacionista

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Prólogo

Ela avançou sorrateira, com a faca entalada entre os dentes, os bra‑ços e as pernas colados ao chão. Ergueu a cabeça e pôs ‑se à escuta, antes de continuar, pelo meio da vegetação rasteira, afastando‑

‑se assim do corpo que jazia ao lado dos seus pés descalços.As sombras misturavam ‑se com sombras no meio da selva, qual jogo

de espelhos, e uma quietude invulgar substituiu o zumbido dos insetos e o palrar das aves sobre a dossel das árvores, como se a natureza tivesse ficado sem respiração perante a violência a que assistira.

Deteve ‑se com um sussurro a alertá ‑la para o movimento atrás de si.Tinham sido suficientemente espertos para a seguir em silêncio.Virou ‑se, pronta a enfrentá ‑los quando viessem.E não tardariam a chegar.A antecipação fê ‑la sentir uma onda de adrenalina, logo seguida de

euforia.Viu dois homens emergirem de entre a folhagem, vestidos com camu‑

flados e botas de borracha. Não traziam armas, só as suas facas. Cami‑nhavam lentamente, tentando cercá ‑la e caçá ‑la, os olhos esgazeados com a ânsia do sangue, os lábios contorcidos num esgar assassino. Queriam‑‑na morta e, por isso, tinham de morrer.

Ela inspirou fundo, pura concentração, a avaliar o inimigo. Apreen‑deu o cenário a pouco e pouco, com o seu instinto predador a registar os pormenores com a minúcia de um radar. Assim que determinou o ponto fraco dos homens, atirou ‑se para a frente, para atacar.

Um grito despedaçou o silêncio da selva.

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O primeiro homem caiu para trás, desamparado pelo pontapé, e ela usou o corpo dele como uma mola para investir contra o segundo, no mesmo movimento fluido.

Ele desviou ‑se a tempo de evitar o impacto, apenas para ser apa‑nhado pela lâmina dela ao virar o pescoço.

O seu corpo caiu prostrado.Ela aterrou de cócoras e voltou ‑se imediatamente para o primeiro

homem, sem lhe dar tempo de reagir. Levou ‑lhe a mão à cabeça. A faca ao pescoço. Um golpe seco, a rasgar os tendões e as artérias.

A luta tinha demorado apenas alguns segundos, e agora a matança estava acabada. Ela ficou de pé junto aos corpos, no meio do silêncio, com o som do seu próprio coração a latejar ‑lhe nos ouvidos e, ao fim de um instante de hesitação, praguejou. Tinha sido demasiado rápido. Dema‑siado fácil.

Sentia o peito apertado com o ódio por si própria e pela sua destreza, aquela facilidade em lutar e ganhar que conduzia inelutavelmente à morte. Ajoelhou ‑se, e só então olhou pela primeira vez para a cara do caçador mais próximo. O seu espírito foi acometido pelo choque do reco‑nhecimento. Deixou ‑se cair em cima do corpo inerte.

Tinha os olhos muito verdes. O cabelo loiro e um rosto saudosamente familiar.

A alma dela martelou com ruído, numa batida de tambor: Ele não, por favor. Ele não. Ele não.

Os seus olhos sem vida lançavam ‑lhe uma acusação lancinante. Horrorizada, ela contemplou o sangue que lhe escorrera do pescoço e que tingia agora as suas mãos de vermelho.

Não conseguia respirar.Sentiu ‑se tonta. Enjoada. A sufocar.Até que, por fim, o ar regressou. Invadiu ‑lhe os pulmões como as laba‑

redas de um incêndio, fazendo ‑a soltar um urro das profundezas da alma que lhe parecia rasgar as cordas vocais, despedaçando a quietude e afu‑gentando uma revoada de aves que se ergueram da copa das árvores.

Ela inclinou a cabeça para cima e, com aquele grito primitivo de raiva e de dor ainda a erguer ‑se nos ares, abriu os olhos. Não para a dossel da selva, mas para o teto do seu próprio quarto, irregular e caiado de branco, com as luzes coloridas da aurora a insinuarem ‑se pela janela aberta.

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Vanessa Munroe arquejou. As cortinas abanavam ligeiramente com a brisa. Ouviam ‑se os muezins chamar os fiéis à oração do cimo dos minaretes da cidade, enquanto ela continuava a agarrar com força no cabo de uma faca espetada ao seu lado no colchão da cama de casal gigante.

Ao perceber onde estava, largou a faca como se estivesse em brasa e rebolou para fora da cama.

Ficou a olhar, paralisada.O colchão tinha dois grandes rasgões, a atestar silenciosamente

a violência cada vez maior dos seus pesadelos. Os lençóis estavam alagados em suor. Olhou para a sua camisa de alças e para os calções. Completamente encharcados. E, caso não tivesse saído bem cedo de manhã para ir para o trabalho, Noah teria morrido às mãos dela.

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Capítulo 1Casablanca, Marrocos

Finalmente, a fila avançou.Ele pegou na mochila e pendurou ‑a ao ombro. Enjoado e com os músculos doridos, arrastou ‑se um passo de cada vez atrás

dos seus colegas de cativeiro transatlântico — lentamente pelo cor‑redor do avião afora, até saírem pela manga telescópica que dava acesso ao terminal envidraçado do Aeroporto Mohammed V.

Tinha chegado ali depois de três dias praticamente sem dormir, três dias que lhe tinham parecido três vidas desde que recebera subi‑tamente, de madrugada, um telefonema com aquelas notícias há muito aguardadas. Ficara sentado às escuras na cama, entorpecido, a repassar as alternativas, até que, com a certeza de que só havia mesmo uma opção, pegara no telefone outra vez para fazer uma chamada para Marrocos.

Preciso de um favor.Foram as suas únicas palavras. Nada de introduções nem expli‑

cações, apenas uma súplica.— Diz — respondera ela.— Vou ter contigo.E fora só. Sem uma despedida, apenas aquele temor implícito

nas suas palavras e sussurrado às escuras, a milhares de quilómetros. Tinha poisado o telefone e depois, com as mãos transpiradas e a tre‑mer, sentara ‑se à frente do computador para comprar o bilhete.

Precisava daquele favor e tinha atravessado meio mundo para lho pedir.

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Agora, sem pensar, ia avançando com a corrente enquanto no interior do seu espírito as palavras lhe iam surgindo e escapando, para as rebobinar e começar do zero, do início para o fim, de trás para a frente naquele remoinho perpétuo que ainda não tinha parado desde a chamada.

Abrandou o passo, deixando ‑se ficar para trás em frente a uma janela de vidro, e ficou a olhar para a pista lá fora enquanto os outros passageiros seguiam em frente.

Não conseguiria, por muito que tentasse, lembrar ‑se da quanti‑dade de aeroportos e estações de comboio que tinham marcado a sua infância; do número interminável de vistos de passaporte e de mudanças de terra que fizeram parte da sua vida, arrastado pelos pais com os sete irmãos às voltas pelo mundo, ao sabor das vonta‑des da seita a que pertenciam. Deviam compor um belo grupo de vagabundos maltrapilhos para quem os visse na altura.

Murmurou o seu nome à janela, estranho como era até mesmo para si próprio, soprando ‑o como um tributo ao passado que o tinha levado até ali, um passado que se recusava a desaparecer por muito tempo que passasse ou por muito que o tentasse enterrar.

Sherebiah Gospel Logan.Não. O nome dele era Logan. Apenas Logan. Sempre Logan. E, para

aqueles que descobrissem o resto, bastava ‑lhe atribuir as culpas às drogas e à loucura do tempo dos hippies. Era tão mais simples do que tentar explicar o que a maioria das pessoas nunca poderia com‑preender.

Fora o desespero que o levara ali, à única pessoa que compreen‑dia de facto, a única capaz de enterrar definitivamente o passado. Se assim o quisesse. Ele precisava daquele favor, precisava que ela dissesse que sim, mas tinha vindo como pedinte, de chapéu na mão a suplicar uma esmola, sem nada para lhe dar em troca a não ser o vínculo que os ligava mutuamente e o pavor secreto de que a sua res‑posta visse a ser não.

Viu os últimos passageiros retardatários passarem, seguidos pela tripulação com os seus pequenos tróleis e, por fim, os pés dele decidiram ‑se a continuar.

Atravessou a alfândega e o controlo de passageiros em piloto automático, até desembocar finalmente na zona das chegadas,

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perscrutando o imenso mar de caras à procura dela. Passou ‑lhe des‑percebida uma vez, e outra, até que de repente a avistou encostada a um dos pilares de braços cruzados, com um sorriso nos lábios que dizia que o estava a observar há já algum tempo.

Vanessa. Michael Munroe. Melhor amiga. Família adotiva. Salva‑dora pessoal.

Ela não se parecia nem um pouco com a mulher amargurada que tinha regressado oito meses antes da costa ocidental de África. Estava praticamente irreconhecível nas suas calças largas de tecido leve e com um lenço delicado a envolver ‑lhe a cabeça. Tudo nela era suave e feminino, o oposto do que ele estava à espera de vir encon‑trar. Mas, ao vê ‑la, talvez afinal ainda houvesse esperança.

Ele ficou especado onde estava enquanto ela se afastava do pilar na sua direção, sempre a sorrir, cortando entre a multidão agilmente, como um gato, e sem desviar os seus olhos cinzentos dos dele por um instante, até chegar a meio metro de distância.

E então, num gesto a que ele teria reagido com um murro ins‑tintivo se fosse outra pessoa qualquer, esticou o braço e despenteou‑‑lhe o cabelo loiro, soltando aquela sua gargalhada despreocupada que denunciava a alegria genuína e profunda que sentia por voltar a vê ‑lo.

Todo o diálogo que ensaiara interiormente e a tensão que o con‑sumira nos últimos dias foram substituídos por uma centelha de esperança. Logan agarrou ‑a num abraço apertado ao qual ela tentou fugir sem grande empenho; depois, fê ‑la dar uma volta à sua frente, antes de por fim a largar. Fez ‑se um segundo de silêncio desconfor‑tável em que ela aproveitou para voltar a despenteá ‑lo.

— Meu Deus, Logan — disse ela. — Pela tua cara, até parece que me vieste pedir para casar contigo.

Ele levou a mão à cabeça para compor os danos e, sem conse‑guir conter um sorriso de orelha a orelha, respondeu:

— Talvez um dia ainda venha a pedir.— Não querias mais nada — disse ela de chofre, dando ‑lhe um

murro ao de leve no ombro onde ele trazia pendurada a mochila. — Só trazes isso contigo?

Ele acenou que sim, ainda com aquele sorriso idiota colado na cara.

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Ela riu ‑se, agarrou ‑o pelo braço e levou ‑o para longe da multi‑dão. Eram praticamente da mesma altura e tinham os ombros cola‑dos um ao outro.

— É mesmo bom ver ‑te outra vez — afirmou ela.O tom estupidamente feliz da sua voz e o entusiasmo extrava‑

gante com que o tinha agarrado fizeram ‑no hesitar. Ainda de braço dado, ele virou a cara para lhe tentar ler os olhos. Ela sorriu, apertou‑‑lhe na brincadeira o braço e depois poisou ‑lhe a cabeça em cima do ombro.

— Queres comer? — perguntou. — Temos uma longa viagem pela frente.

— Comi no avião — disse ele, e depois pareceu ficar confuso. — Mas Casablanca é ali mesmo, não podemos levar assim tanto tempo a chegar.

— Não vamos para Casablanca — retorquiu ela. — Agora estou em Tânger.

Se ele bem se lembrava do mapa de Marrocos, Tânger ficava a mais de trezentos quilómetros em direção a nordeste. Tentou com‑preender o que se passava.

— Tu e o Noah separaram ‑se? — perguntou.Munroe encolheu os ombros e desviou a cara, recuando ligeira‑

mente. Então, atirou ‑lhe outro sorriso, e Logan conseguiu ler ‑lhe mais uma vez no rosto aquela estranha espécie de torpor ou alhea‑mento que lhe conhecera em mais de meia década.

— Acho que não se pode separar uma coisa que nunca podia ter estado verdadeiramente junta — disse ela. — Mas não, nada mudou, ainda estamos um com o outro.

Ela voltou a sorrir e colou ‑se novamente ao lado dele, fazendo o fardo que Logan tinha vindo partilhar com ela aumentar ainda mais de peso com aquela reflexão.

Percebeu pelo seu olhar o que ela não revelara por palavras e ten‑tou manter a calma, a fim de impedir que o choque da compreensão lhe ficasse estampado no rosto. Manteve ‑se ao lado dela, acompa‑nhando ‑a passo a passo pelo chão de cimento polido até ao piso infe‑rior, onde apanharam um comboio para o centro da cidade.

— Então, porque é que se mudaram para Tânger? — perguntou Logan.

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— É uma cidadezinha simpática — disse ela.As palavras saíram ‑lhe inexpressivas e distantes, sem qualquer

espécie de humor ou sinceridade. Era uma forma invulgarmente indireta para ela de o mandar à merda — não tens nada com isso —, e portanto ele achou melhor ficar por ali. Havia de arranjar outra maneira de sondar a verdadeira extensão dos danos por trás daquele sorriso revelador, de abordar o assunto de outro ângulo, porque tinha de saber até onde podia puxar por ela, qual a força do chassis e a violência do desastre que escondia por baixo — não só como amigo, mas como pessoa que vinha suplicar a ajuda dela.

Quando chegaram a Casa Voyageurs, a estação regional de com‑boios, Munroe conduziu ‑o pelo terminal fresco e de pé ‑direito muito alto até à bilheteira, onde trocou umas palavras em árabe com o homem ao balcão.

Logan quis dar ‑lhe a carteira, mas ela recusou ‑a.— Eu trato disto — disse ela. — Ainda não estou à beira da

falência.Pegou nos bilhetes e deu ‑lhe a mão, atravessando o átrio com

os seus azulejos verdes geométricos e descendo ao túnel que dava acesso às linhas no exterior, para apanharem o comboio que os leva‑ria rumo a norte. Ainda estavam a percorrer o estreito corredor entre as fiadas de bancos para chegarem ao compartimento da primeira classe quando a locomotiva se pôs em marcha e o comboio começou a arrastar ‑se lentamente para fora da estação.

Logan estacou e, tal como fizera tantas vezes no passado, ficou absorto a ver o cais afastar ‑se e desaparecer à distância. Os carris e os muros e os prédios de Casablanca foram ‑se tornando cada vez mais indistintos e ele virou ‑se finalmente para o camarote de seis lugares vazio em que Munroe tinha entrado.

Ela sentou ‑se junto à janela com a cabeça inclinada para trás e os olhos fechados, de maneira que ele atirou a mochila para o banco que lhe estava reservado e ocupou o lugar à frente dela. Munroe entreabriu uma nesga dos olhos e esticou as pernas entre os dois bancos, poisando os pés no meio dos joelhos dele.

— Sabes que eu podia ter apanhado um avião para Tânger — disse Logan. — Não precisavas de andar a passear de cá para lá.

Ela assentiu.

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— Sei. Mas queria aproveitar o tempo sozinha contigo — res‑pondeu ela.

Ele hesitou, deixando apenas um «porquê?» a pairar em silên‑cio entre os dois.

Ela tinha ‑lhe oferecido uma aberta, dando ‑lhe a oportunidade perfeita para se ver livre do seu fardo e dizer ‑lhe cara a cara para que é que tivera de atravessar o Atlântico, mas não era capaz. Agora não. Não com ela assim. Precisava de tempo para pensar.

Munroe esperou um instante. Foi uma brevíssima hesitação, mas o suficiente para ele perceber que ela aceitara os seus termos. Sabia que ele lhe tinha cedido a jogada de abertura e estava disposta a continuar assim.

— O Noah está lá à nossa espera — continuou ela. — Está ner‑voso e cheio de ciúmes. — Virou os olhos para o fitar diretamente. — Não queria que fosses recebido logo assim à primeira.

— Ele não sabe que eu sou gay?Ela esboçou um sorriso de desdém e franziu o nariz.— Sabe. Mas também sabe que eu te adoro.— E isso faz de mim uma ameaça? — perguntou Logan.Ela acenou que sim.Ele suspirou.A sua chegada só podia ser vista como uma ameaça se algo de

errado se estivesse a passar entre os dois. Em circunstâncias nor‑mais, Logan ter ‑lhe ‑ia perguntado os pormenores e ela contar ‑lhos‑‑ia, depois conversariam os dois com a mesma cumplicidade de confidentes que sempre os caraterizara ao longo dos anos. Mas aque‑las não eram circunstâncias normais, nem nada que se parecesse.

Voltaram a deixar ‑se cair na conversa de circunstância e depois progressivamente no silêncio. Então, embalado pela paz de espírito que apesar de tudo a presença dela lhe dava, pelo ritmo hipnótico das rodas de ferro nos carris e pelo peso daquelas três noites de vigí‑lia, Logan acabou por mergulhar finalmente num sono profundo.

Foi o tinido subtil do metal a bater no metal que o trouxe gra‑dualmente de volta à consciência. A julgar pela altura do Sol, tinham‑‑se passado horas.

Desorientado e ainda sonolento, virou ‑se para Munroe. Ela estava a sorrir ‑lhe, aquele seu velho sorriso revelador. Fez a faca rodopiar

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na palma da mão, sem nunca deixar de o fitar nos olhos enquanto brincava com a lâmina entre os dedos irrequietos.

Logan praguejou interiormente em silêncio, tentando não ficar especado a olhar para a faca, e disse:

— Há tempos que não costumavas andar com elas.Ela assentiu, com os olhos presos nos dele, sempre a sorrir, a

arma a dançar ‑lhe nas mãos.Logan encostou a cabeça para trás e fechou os olhos — era a sua

maneira de contornar a dor que sentia ao vê ‑la naquele estado. As facas e tudo o que elas simbolizavam diziam tudo sobre as profun‑dezas em que ela se tinha deixado cair.

* * *

O céu já escurecera quando chegaram a Tânger, por onde Marrocos se abria à Europa. A última paragem da linha de comboio era a gare de Tanger Ville e a estação, com os seus interiores muito limpos e polidos, abria ‑se por sua vez para as ruas carregadas de vida e movi‑mento noturno daquela cidade cosmopolita na costa norte de África.

O seu destino final, o bairro oriental de Malabata, ficava sufi‑cientemente perto para irem a pé, mas, em vez de se pôr a caminho, como seria de esperar, Munroe preferiu fazer sinal a um táxi. Dis‑cutiu o preço da viagem com o motorista, sob as luzes fluorescentes do terminal, e Logan conseguiu sentir uma estranha inquietação de permeio com a sua pressa.

O táxi levou poucos minutos a chegar, estacionando à frente de um edifício de três pisos que ficava em frente ao mar. Tal como a maioria dos prédios que Logan tinha visto no percurso até ali, era caiado de branco e tinha um terraço na cobertura que ele sabia ser a continuação do interior da casa.

Saiu do táxi e inspirou a brisa húmida carregada de sal.Havia um BMW preto estacionado perto da entrada junto ao

passeio e Munroe praguejou para consigo ao reparar nele.— Parece que ele já chegou.Logan pendurou a mochila ao ombro e comentou:— Eu queria ficar a conhecê ‑lo, de qualquer maneira — disse ele.

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Ela ficou a olhar para o carro e, depois de uma longa pausa, abriu a porta da frente e entrou, seguida de perto por Logan.

As escadas da entrada davam para um mezanino com azulejos que amplificou o som dos passos deles. Voltaram a subir, mais meio piso, parando à frente da porta do único apartamento naquele pata‑mar. Munroe rodou a chave e abriu a porta gigantesca que dava diretamente para uma grande sala de estar quase sem mobílias.

— Sê bem ‑vindo ao meu lar… — disse ela com um salamaleque, fazendo Logan rir ‑se com a piada. Seis meses em Marrocos e já tinha trocado de cidade. Para ela, não haveria nunca nada tão permanente que pudesse ser chamado de lar.

O apartamento estava sossegado e às escuras, com o silêncio ampliado pela altura dos tetos e pelo rendilhado dos mosaicos do chão, com uma corrente de ar a soprar pelas janelas abertas e a fazer ondular as cortinas. Ecoaram passos ao fundo de um corredor e Logan virou ‑se naquela direção, vendo Noah entrar na sala.

Noah Johnson, um americano criado em Marrocos, tinha sido um encontro fortuito no início da última missão de Munroe, um encontro que acabara por desembocar na sua mais recente, e talvez derradeira, fuga dos Estados Unidos.

Apesar de o conhecer já razoavelmente a partir de fotografias e de ter ouvido falar muito dele, era a primeira vez que o via ao vivo, e era evidente porque é que Munroe se tomara de amores por ele. Tinha pelo menos um metro e oitenta e cinco, cabelo preto, pele clara e o físico de um alpinista.

Num gesto que tinha tanto de carinhoso como de possessivo, agarrou em Munroe e beijou ‑a na testa, antes de estender a mão para cumprimentar Logan.

Munroe serviu de intérprete entre o inglês algo rudimentar de Noah e o francês muito sofrível de Logan — que não conseguiu dei‑xar de sentir uma fratura irremediável na cumplicidade que os dois tinham partilhado ao início. Ficou a pensar, no pano de fundo da conversa banal, como seria estar na pele de Noah, a ver a mulher que amava afastar ‑se cada vez mais dele, o espírito ausente, com medo de que não tardasse a desaparecer de vez, ao mesmo tempo que tinha de estender a mão ao homem que suspeitava ser o res‑ponsável pelo seu afastamento.

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Munroe devolveu o beijo a Noah e disse calmamente:— Deixa ‑me só mostrar a casa ao Logan. Estou pronta daqui a

vinte minutos.E com isso pegou na mão de Logan e levou ‑o pelo corredor.O apartamento tinha três quartos e duas casas de banho, além

de umas escadinhas estreitas que levavam da cozinha à lavandaria e à zona de trabalho no terraço. À semelhança de tantas casas em que Logan vivera em tempos, nos vários países em vias de desenvol‑vimento por onde tinha passado, era rústica e despojada, a cozinha e as casas de banho absolutamente minimalistas e faltava ‑lhe a maior parte das comodidades modernas que se encontravam até mesmo nas casas menos abonadas dos Estados Unidos da América.

A visita terminou no quarto de hóspedes e, quando Munroe já tinha mostrado a Logan o pouco que ele precisava de saber, saiu para ir mudar de roupa.

Ele desligou a luz e atirou a mochila para cima de uma cadeira, às escuras.

O quarto estava imerso na quietude da noite e havia uma espécie de paz nessa quietude. Ali, sozinho na penumbra, ele podia final‑mente pensar; podia processar as ideias, fazer os seus planos e ten‑tar perceber como sair de um buraco que duplicara de tamanho em menos de nada. Tinha vindo a Marrocos sem pensar em mais nada a não ser em pedir a ajuda de Munroe, à espera de uma resposta de sim ou de não, esquecendo ‑se por completo de que a coisa podia não ser assim tão simples, que havia outras pessoas e outros problemas em jogo que não os seus.

Ouviu o som de água a correr vindo do corredor e sentou ‑se na beira da cama, iluminado apenas pelo candeeiro da rua, lá fora, com os cotovelos assentes nos joelhos, obrigando ‑se metodicamente a ficar calmo, a esperar.

Viu a luz por baixo da porta do quarto mexer ‑se, anunciando a presença dela antes mesmo de ouvir os seus passos leves. Logan estendeu ‑se na cama, com as mãos atrás da cabeça, pronto para a batida na porta que soou no instante a seguir.

Ela estava deslumbrante na sua silhueta recortada contra a luz, as roupas largas e simples substituídas por um vestido curto que abraçava as suas formas e acentuava a figura andrógina alta e esguia,

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cheia de uma sensualidade exuberante. Com aqueles saltos, devia ficar pelo menos dois centímetros mais alta do que Noah, e haviam de compor um par visualmente intimidante.

Despediu ‑se com um simples abraço e a chave de casa deposi‑tada nas mãos dele.

A porta da frente bateu com um ruído abafado e Logan levantou‑‑se da cama, para ver as luzes do BMW afastarem ‑se e desaparece‑rem na janela. Esperou até ter a certeza de que não voltavam para trás, a buscar alguma coisa esquecida, e depois saiu do quarto e dirigiu ‑se à sala, onde tinha visto um telefone.

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Capítulo 2

Dez da noite, hora local. Eram menos cinco horas em Dallas, ainda dentro do horário de expediente da maioria das empre‑sas, apesar de Logan desconfiar de que a Capstone Consul‑

ting devia atender bem para lá do horário normal das nove às cinco.Pegou no aparelho, expirou fundo e marcou um número que

nunca esperara vir a usar.A Capstone Consulting era dirigida — além de lhe pertencer

— por Miles Bradford, antigo elemento das Forças Especiais que se tornara um agente privado, o homem que estava ao lado de Munroe quando o mundo lhe ruíra aos pés. Se havia alguém que queria saber do estado em que ela se encontrava e que estaria disposto a deixar ‑se arrastar para o pesadelo, fosse ele qual fosse, desde que a envolvesse a ela, essa pessoa era Bradford.

Mas depois veio o anticlímax e a chamada foi posta em espera. À medida que os minutos passavam, ele deu a volta metodicamente à sala, a ver os aparadores e a abrir gavetas, com o cuidado de deixar tudo como estava, enquanto ia ouvindo a música de fundo do tele‑fone. Estava a espreitar debaixo do sofá quando a Nona de Beethoven foi interrompida de chofre por uma voz feminina a anunciar alegre‑mente a Capstone Consulting, como se fosse uma célebre empresa de marketing de Nova Iorque e não a equipa de ex ‑militares merce‑nários que Logan sabia ser.

Segundo a rececionista, Bradford estava fora do país.— Eu sei que tem forma entrar em contacto com ele — comen‑

tou Logan. — Diga ‑lhe que a Michael está metida em sarilhos e que,

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se ele quiser falar comigo, só pode usar este número nas próximas três ou quatro horas.

Recitou o número do apartamento e, depois de ouvir a resposta mecânica de que alguém entraria em contacto com ele, desligou e resolveu espreitar a despensa da casa.

Estava a invadir o espaço e a privacidade de Munroe, e não o fazia de ânimo leve, mas tinha de procurar uma coisa e sabia que devia estar escondida por perto. Não precisava de a ver para confir‑mar as suas suspeitas, mas gostaria de poder avaliar até onde ela tinha voltado a cair.

Estava no meio da casa de banho de Munroe quando o telefone tocou, sentindo um sobressalto repentino antes de se lembrar de quem seria. Tinham decorrido apenas trinta minutos, o que era uma boa medida da preocupação de Bradford.

Ouvia ‑se muita interferência na linha e um atraso de uns segun‑dos na receção, mas mesmo assim Logan conseguiu detetar um tom evidente de impaciência na voz de Miles.

— Acabei de receber a tua mensagem — disse ele. — Em que espécie de sarilhos se meteu ela?

Logan devolveu ‑lhe a deixa que andara a ensaiar.— Anda a brincar com a morte. Do género «vejam só o que fui

fazer a mim própria».Fez ‑se uma pausa sugestiva e Bradford perguntou finalmente:— Suicídio?Logan fechou os olhos e suspirou lentamente.— Não. Pelo menos, ainda não. Mas está a automedicar ‑se. E vol‑

tou a andar com as facas.Silêncio, e depois:— Há quanto tempo é que isso começou?— Não faço ideia. Cheguei a Marrocos hoje de manhã e ela foi

buscar ‑me ao aeroporto. Os sinais estão todos lá, ela nem sequer tentou escondê ‑los. Acho até que mos quis esfregar na cara, como se fizesse questão de que eu ficasse a saber à partida. Se eu tivesse de adivinhar, diria que há poucas semanas. Ela acabou de se mudar para Tânger, pode ter alguma coisa que ver com isso.

— Alguma ideia do que ela anda a tomar?

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— Não tenho bem a certeza — respondeu Logan. — Estou a tentar descobrir. Nunca pensei que esta merda fosse começar outra vez, mas, se a história se repetir, deve ser legal e ela deve ter uma receita falsa para a coisa.

Logan vasculhou as gavetas da mesa de cabeceira.— De qualquer maneira, ela agora foi sair com o Noah. Estou a

revistar o apartamento.Bradford assobiou baixinho.— Ela não vai descobrir — disse Logan. — Não é a primeira vez

que faço isto, e nunca fui apanhado.Houve mais uma pausa antes de Bradford voltar a falar.— Eu estou no Afeganistão, Logan. Não tenho a mínima hipó‑

tese de sair daqui na próxima semana, e até lá confesso que não sei o que estás à espera que eu faça.

Logan pôs ‑se de joelhos para espreitar debaixo da cama.— Eu também não sei bem — disse ele. — Só queria avisar ‑te.

Eras a única pessoa com quem eu podia falar. Quer dizer, estavas lá com ela e sabes ainda melhor do que eu porque é que ela está a fazer isto. Além disso, Miles, acho que és a única pessoa no mundo que gosta tanto dela como eu.

Logan abriu as portas de um armário e vislumbrou uma pequena caixa meio escondida debaixo de uma pilha de roupa.

— Acho que encontrei — informou.Tirou uma embalagem mais pequena de dentro da caixa, abriu ‑a

e viu um frasco de xarope. Leu o rótulo em voz alta.— Phenergan VC.— Isso é a versão com codeína? — perguntou Bradford.Logan cerrou os lábios e leu as letras pequenas. Pelos vistos,

Bradford ainda sabia alguma coisa de medicamentos.— Codeína, sim — respondeu. — A caixa tem uma dúzia e fal‑

tam dois frascos.— Com um pouco de sorte, ainda vai na primeira caixa — disse

Bradford. Depois hesitou. — Olha, eu percebo porque é que me ligaste e agradeço ‑te muito, mas o mais depressa que posso sair daqui é na próxima quinta ‑feira. Achas que consegues convencê ‑la a ir contigo para os Estados Unidos?

— Tu sabes o que é que ela pensa sobre lá voltar.

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— Eu podia ir até Marrocos — disse então Bradford —, mas não me parece que seja grande ideia.

Fez ‑se um silêncio prolongado e, se bem que Bradford não o tivesse verbalizado, Logan compreendia perfeitamente a razão. Noah e Miles ao mesmo tempo ao lado de Munroe eram uma mistura com um potencial demasiado explosivo.

— O melhor mesmo era se a levasses para os Estados Unidos — continuou Bradford. — Ou pelo menos tirá ‑la de Marrocos.

Logan acenou em concordância para o quarto vazio.— Hei de pensar em qualquer coisa e depois logo te conto como

correu — disse ele, embora na verdade o favor que lhe vinha pedir já implicasse que ela saísse de Marrocos.

— Eu até te dava um número — disse Bradford —, mas não vale a pena, ando sempre de um lado para o outro. Liga para o meu escri‑tório. Eles hão de saber onde estou. Se não fores capaz de a conven‑cer a voltar, eu vou ter aí convosco, mas preciso de pelo menos uma semana.

Ao desligar o telefone, Logan continuou a olhar para o armário e para a caixa e tudo o que ela representava. A codeína não era a droga mais pesada que ela já tinha tomado, nem os seus efeitos eram os mais graves. O problema estava na automedicação em si; era apenas o início.

Entristecido e cansado, voltou a pôr o frasco no sítio e ajeitou as roupas.

Aquilo podia resultar. O envolvimento de Bradford era um grande passo em frente, e convencê ‑lo tinha sido bastante fácil.

Rechaçou o sentimento de culpa.Ele teria feito aquela chamada mesmo que não precisasse da

ajuda de Munroe, e Bradford não se tinha oferecido para fazer nada que não quisesse.

* * *

Logan voltou para o seu quarto e o peso daqueles dois dias de via‑gem, primeiro de avião e depois de comboio, abateu ‑se sobre as suas pálpebras. Decidido a manter ‑se acordado até Munroe regressar,

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provavelmente a desoras, fechou os olhos apenas um segundo para os abrir quando a luz do Sol já invadia o quarto através das cortinas.

Endireitou ‑se de repente, sem se lembrar de ter adormecido nem muito menos de ter visto Munroe a chegar. Não fazia ideia de quanto tempo se passara. Procurou pelo relógio, ainda aturdido.

Sete da manhã, hora local.Santo Deus, como estava cansado.Girou as pernas para o lado da cama e pôs ‑se à escuta, abanando

a cabeça para tentar dissipar a névoa que se insinuara à volta do seu cérebro. Não ouviu nenhum som nem movimento em toda a casa. Levantou ‑se e foi até à janela. Viam ‑se alguns carros estacionados junto ao passeio, mas nada de BMW.

Logan abriu a porta do quarto e, como um miúdo que se prepa‑rasse para se esgueirar até à cozinha e surripiar um biscoito, esprei‑tou o corredor da ombreira. A porta de Munroe estava ligeiramente entreaberta, mas ele lembrava ‑se muito bem de a ter voltado a fechar na noite anterior. Descalço sobre os mosaicos frios, aproximou ‑se do quarto dela e, como não ouvia nada, empurrou a porta com a mão.

Ela estava sozinha: estendida sobre o colchão, com a cara na almofada e enrolada nos lençóis em desalinho. Tinha as facas na mesa de cabeceira e as suas roupas estavam atiradas a monte aos pés da cama, onde as tinha despido antes de se deixar cair lá em cima. As portas do armário estavam entreabertas e, mesmo que não houvesse nenhum vestígio claro de que ela se tinha servido de mais um frasco, Logan não acalentava grandes dúvidas de que o tivesse feito, apagada para o mundo como estava.

Saiu do quarto de Munroe e enfiou ‑se na casa de banho dos hós‑pedes, com a irritação e a raiva a tomarem conta dele. Logo agora que precisava dela, que precisava de que ela fosse ela própria, lúcida e consciente, e não aquela espécie de assombração com o cérebro e a alma atrofiados. Pouco lhe importavam os seus motivos — o que ela estava a fazer era um tremendo desperdício de talento.

Ligou o chuveiro e deixou a água correr. Não valia a pena fazer silêncio: a sua amiga insone, que era capaz de acordar do sétimo sono e lutar contra qualquer inimigo em menos de um sussurro, tinha resolvido drogar ‑se até à inconsciência total.

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* * *

Já era de tarde quando se ouviram passos ecoar ao fundo do corre‑dor. Logan esperou um pouco e depois saiu do seu quarto à procura de Munroe. Foi encontrá ‑la na cozinha a encher uma cafeteira de água, vestida de camisa de alças e bóxeres, com o cabelo tão desgre‑nhado que ele se teria rido às gargalhadas dela se as coisas fossem diferentes. Não viu as facas, mas a verdade é que ela nunca precisara delas para matar, e não era por isso que andava com elas, de qual‑quer maneira.

— Queres café? — perguntou ela.— É claro — disse ele. — Onde está o Noah?Ela bocejou e coçou a parte de trás do pescoço.— Está na casa de férias dele. Que horas são?— Umas três da tarde — disse ele.Munroe pôs a cafeteira no fogão e acendeu o lume. Sentou ‑se

na mesa da cozinha e depois inclinou a cabeça para cima e sorriu. Um sorriso genuíno. E, apesar de toda a sua frustração e da raiva, Logan devolveu ‑lhe o sorriso.

— Precisava mesmo de dormir — disse ela. — E pensei que tu também precisasses, com a diferença horária e a viagem. Mas pro‑meto que não te obrigo a esperar outra vez por mim assim.

Aquilo eram demasiadas justificações para ela, mas Logan sabia que o fazia com um objetivo premeditado. O dormir até tarde e deixá‑‑lo à espera eram uma exibição deliberada do seu estado de espírito, tal como as facas no comboio. Ela queria que ele percebesse com o que podia contar, caso lhe pedisse efetivamente o favor de que pre‑cisava.

Logan não disse nada e ela voltou a sorrir — aquele sorriso assas‑sino.

— Senta ‑te — pediu ela. — Eu faço ‑te o almoço.Ele apontou para os armários vazios.— Com quê?Munroe fez uma cara séria e respondeu:— Café.E depois houve um segundo de silêncio e ela soltou uma garga‑

lhada que veio cortar a tensão, a rir ‑se de si própria.

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Logan não conseguiu evitar sorrir. Era tão bom vê ‑la assim, lúcida por um instante, a verdadeira Michael, a amiga que ele conhecia tão bem e adorava, mesmo sabendo que ela tão depressa estava ali como deixaria de estar.

Então, como se lhe tivesse lido os pensamentos, ela perguntou:— Diz lá o que vieste cá fazer. De que é que precisavas mesmo?Ele congelou.A cafeteira começou a borbulhar no fogão, mas Munroe não fez

nenhum movimento para a tirar. Acenou para o lugar à sua frente. Era mais uma ordem do que propriamente um convite. Não valia a pena discutir, por isso Logan sentou ‑se na cadeira. Poisando os bra‑ços em cima da mesa, inclinou ‑se para a frente e abriu a boca para falar, mas ela agarrou ‑lhe de repente no pulso.

— Espera aí só um bocadinho — disse. Levantou ‑se, aproximou‑‑se do fogão e desligou o lume.

Tinha ‑o desarmado por completo. Ele ficou a vê ‑la deambular pela cozinha: graciosa, metódica, sem pressas nem demoras, como uma bailarina a executar uma coreografia arduamente ensaiada. Virou ‑se para cruzar os olhos com ele, sorrindo conspirativamente enquanto servia duas canecas de café.

Pôs uma caneca à frente dele e ergueu a sua num brinde enquanto se sentava, com uma expressão descontraída e o corpo tenso.

— Continua — pediu então, soprando o vapor enquanto levava a caneca aos lábios.

Ele pegou na carteira e passou ‑lhe a fotografia desbotada do seu amor e tragédia, memórias e desgosto. Munroe deteve ‑se a olhar para ela.

— É a filha da Charity?Logan assentiu.Charity.A pessoa que mais tinha amado e durante mais tempo do que

qualquer outra. Charity, que com ele tinha sobrevivido à infância. Tivera a mesma vida e conhecia melhor do que ele a dor e o trauma, para além de partilhar o seu fardo: as mentiras, os segredos e as cicatrizes.

Logan olhou para a fotografia da criança com os seus caracóis dou‑rados e os olhos muito verdes, passou ‑lhe os dedos pelos contornos

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do rosto e de repente sentiu ‑se paralisado. Todos os seus pensamen‑tos racionais, todos os argumentos e as palavras de súplica que lhe tinham bailado no cérebro nos últimos três dias evaporaram ‑se, e ele sentiu ‑se subitamente vazio. Ergueu a cabeça e, fitando Munroe no fundo dos olhos, conseguiu dizer apenas:

— Encontrei ‑a.

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Capítulo 3

N ão precisou de dizer mais nada. Sem qualquer explicação, Munroe compreendeu porque é que ele tinha vindo, mesmo sem conhecer os pormenores, percebeu a essência do que

ele queria dela.Esticou o braço por cima da mesa e pôs uma mão em cima da

outra.Logan desejou mais que tudo ser capaz de romper o silêncio e

defender o seu caso, como tinha ensaiado durante tanto tempo. Mas manteve ‑se calado.

Munroe percebeu o quanto lhe custava falar e o que isso queria dizer, e Logan conseguiu vê ‑la a refletir longamente na resposta. Finalmente, ela desviou o olhar para a janela.

— Não sei, Logan — disse ela. — A sério que não sei.Ele hesitou, à espera, deixando a quietude envolvê ‑los, e depois,

com um nó ainda a subir ‑lhe na garganta, disse:— Podemos pelo menos contar ‑te aquilo que sabemos? Os por‑

menores? Não nos queres ouvir?Ela não respondeu.— Vem comigo — disse ele. — Só uma semana. Só para falar‑

mos com os outros.— Voltar aos Estados Unidos? — perguntou ela.— Eles não podem vir todos cá ter — admitiu ele. — É dema‑

siado caro e não temos tempo… Mas isso não quer dizer que tenhas de voltar para casa. Pode ser onde quiseres. Nova Iorque; que tal se for em Nova Iorque? Ficamos só uma semana, arranjamos um quarto

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num bom hotel, falamos com umas pessoas e depois logo vês se aceitas ou não, quando tiveres tempo de pensar em tudo.

Ela levantou ‑se, serviu ‑se de mais café e ficou em pé, a olhar para o vazio.

— Por favor — sussurrou Logan. — Faz isso por mim.No meio do silêncio, o som do trânsito na rua e das conversas

esporádicas dos transeuntes infiltrava ‑se pelas janelas abertas. Ela permaneceu imóvel, com os olhos distantes, indecifráveis e vazios. Até que, por fim, se virou para ele.

— Eu vou — disse ela. — Por ti.Ele suspirou, só então percebendo que tinha estado a suster a

respiração.— Não te posso prometer nada, Logan — continuou ela. — Eu vou.

Oiço o que tiverem para me contar. Mas não prometo nada e não vou lá ficar. Percebes?

Ele assentiu. Ela já lhe tinha dado bastante: uma aberta.De pé, junto à bancada da cozinha, Munroe disse ainda:— Preciso só de algum tempo antes de me ir embora.— O Noah? — arriscou Logan.Ela acenou com a cabeça, não tentando sequer disfarçar aquilo

que o amigo lhe podia ler tão claramente no rosto. Ele sentiu então uma profunda tristeza e desânimo na sua vitória, ao perceber por‑que é que fora afinal tão simples convencê ‑la a aceitar o pedido. Ela estava a preparar ‑se já para a despedida, a odiá ‑la e a sofrer, mas sabendo que sempre fora inevitável.

— O Noah acha que a culpa é dele, ou se calhar minha — disse Logan. — Não faz a mínima ideia, pois não?

Ela abanou a cabeça e virou ‑se ligeiramente, para contemplar uma vez mais um ponto qualquer invisível à distância.

— Eu tentei explicar ‑lhe, mas como é que ele poderia ser capaz de perceber?

Independentemente do quanto Noah pensasse que conhecia Munroe, havia tanto que ele nunca conseguiria compreender — aque‑las correntes subterrâneas que, com ou sem Logan, haviam de arrastá‑‑la inevitavelmente para longe, deixando atrás de si um rasto de dor e confusão. Afinal, o homem tinha posto um sorriso nos lábios de Munroe, dando ‑lhe uma razão para ser feliz, e Logan gostava que

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fosse possível dizer ‑lhe que ia correr tudo bem, que ia voltar tudo ao normal. Mas não ia, e provavelmente não iria nunca.

— É melhor assim — disse ele.Munroe virou ‑se uma vez mais para Logan e olhou para ele demo‑

radamente, com uma expressão de apatia.— Eu sei — murmurou enfim.A dor contida naquelas palavras deixou ‑o sem fala. Munroe tinha‑

‑lhe oferecido um ligeiro vislumbre, uma brecha por entre a qual Logan pôde ver ‑lhe para lá dos olhos, para dentro da alma e do tor‑mento do seu inferno pessoal. Depois, novamente sem pré ‑aviso, como se tivesse desligado um interruptor, a cara de Munroe voltou a mudar de expressão e a brecha fechou ‑se.

— Amanhã podemos ir fazer uma corrida de barco na água — disse ela, e Logan respondeu ‑lhe com um sorriso cansado, ainda a debater ‑se com as palavras que não lhe saíam.

Ela aceitara assim trocar o seu tempo pelo dele: uma semana em Nova Iorque por uma semana em Tânger. Para além da tensão emocional que veio com a reação de Noah à separação, os dias foram alimentados a velocidade e adrenalina e passaram ‑se por entre gar‑galhadas que se prolongaram no voo de regresso a casa. Se ela se estava efetivamente a automedicar, escondia ‑o bem, por mais que Logan tivesse acordado muitas vezes à noite com o som dos passos dela no corredor e soubesse que não andava a dormir.

Entraram nos Estados Unidos pelo aeroporto JFK e apanharam um táxi para Manhattan, o The Palace, onde Munroe tinha reservado uma das suítes tríplex do hotel. Mesmo com a sua carreira vitoriosa nas pistas de corrida e o estatuto de celebridade viciada em adrena‑lina, a conta bancária de Logan não era suficientemente recheada para ele sequer pensar em dividir a conta, pelo que não discutiu quando Munroe disse que tratava de tudo.

No cimo do arranha ‑céus, a suíte tinha três quartos distribuí‑dos por três andares com quatrocentos e sessenta metros quadra‑dos, num contraste evidente e opulento com as condições no mínimo frugais em que Munroe vivera nos últimos anos. Ela abriu a porta do quarto principal no segundo andar e atirou ‑se para cima da cama gigantesca, com os braços abertos, a rir ‑se para o teto.

— Gostas? — perguntou a Logan.

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Ele tinha um sorriso de orelha a orelha na cara, enquanto con‑templava a cidade à sua volta a perder de vista.

— É de loucos — respondeu.— Este é o teu quarto — disse ela. — Vais precisar do espaço para

receber os teus amigos. Fica com o andar de cima, aproveita para os mimar um bocadinho; é por minha conta. Eu fico lá no andar de baixo.

Logan susteve ‑lhe o olhar a sorrir algum tempo. As palavras eram inúteis, naquele momento de felicidade infantil e fugaz, por‑que aquela era, sem dúvida, a calma proverbial que antecedia a tem‑pestade.

* * *

Era quase uma da manhã e Munroe estava a olhar pela janela da sala de estar da suíte do hotel. Logan tinha ido para a cama uma hora antes, enquanto ela se fora deixando ficar ali, a observar as ruas da cidade lá em baixo, a ouvir a respiração das paredes, à espera que a noite se arrastasse, quanto mais não fosse para ter a certeza de que ele não voltava a acordar.

Para ela, o descanso ou o sono só viriam muito mais tarde, se chegassem a vir, porque estar acordado quando a escuridão derra‑mava a sua máscara de beleza sobre o mundo era estar vivo.

Munroe virou costas à janela e ao seu próprio reflexo fantasma‑górico, atravessou a sala e saiu pela porta. Apanhou o elevador até ao rés do chão, onde o ar da madrugada se recusava a dissipar a humidade do dia, para o meio da civilização e do asfalto, do fumo dos escapes e do lixo, daquela mistura de odores que só o calor de uma grande cidade poderia produzir — Nova Iorque em pleno verão.

Tinha saído do hotel para respirar o ar lá fora, para soltar os músculos presos pelas horas passadas na viagem de avião e por isso foi dar uma volta a pé, no seu passo apressado, dirigindo ‑se para oeste sem nenhum destino em particular.

Até que uma espécie de lamento a fez voltar atrás, à entrada de um beco, e aventurar ‑se na escuridão da viela de serviço com os seus camiões e carros estacionados: era um som deslocado, ali no meio da noite, como o miado de um gatinho perdido ou, conforme se

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apercebeu à medida que os seus olhos se adaptaram ao escuro, o ter‑ror abjeto de uma miúda presa ao chão pelos braços de dois homens.

A rapariga tinha dezoito anos, no máximo. Ainda era quase uma criança, a personificação perfeita da inocência, da ingenuidade e da esperança, atraída pelas luzes da grande metrópole à procura de uma vida melhor ou mais cheia apenas para afinal ser sacrificada nas fogueiras de Moloc.

Os dois homens erguiam ‑se por cima do corpo dela com movi‑mentos ferozes e hostis. Munroe não lhes conseguia ouvir as pala‑vras, só o tom cruel de ameaça que se propagava no ar. A rapariga desistira de lutar e parecia paralisada. Não se tinha metido de livre vontade naquela viela escura e cheia de lixo. Provavelmente fora arrastada. Estava descalça. Tinha o vestido rasgado e puxado para cima até à cintura. O peito palpitava ‑lhe com os soluços abafados.

Munroe estacou e, durante um segundo que podiam ter sido milénios, pôs ‑se a olhar para a cena. Não ficou surpreendida nem chocada que o destino a tivesse conduzido aos braços do mal — sen‑tiu apenas uma raiva inextinguível contra aquela profanação de um inocente, uma fúria desvairada que lhe subia das entranhas até à cabeça, cada vez mais alto e mais depressa, a percutir um ritmo de destruição e castigo. Mesmo que quisesse, não conseguiria virar as costas, tão forte era o som dos tambores de guerra que a impeliam.

Os seus olhos não se desviaram nem uma fração de segundo enquanto avançava, um passo de cada vez, lenta e resolutamente, até que bateu com o pé num objeto leve e macio.

Munroe deteve ‑se e olhou para baixo.Era a mala da rapariga com o conteúdo espalhado no chão.Continuou com os olhos assestados em frente, silenciosa e invi‑

sível, até chegar a um passo dos homens, que interromperam as sevícias ao repararem nela.

O maior, que seria o chefe, virou ‑se para enfrentar Munroe.O tempo e o espaço afunilaram de repente com a concentração,

e o homem tornou ‑se apenas um alvo recortado contra a escuridão da noite. As mãos de Munroe continuaram descontraídas ao lado do corpo, toda ela calma e tranquilidade, quase indiferença, enquanto os olhos dardejavam de um lado para o outro dentro do beco exíguo, a avaliar as distâncias e o cenário e à procura de armas.

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O homem deu um passo em frente, invadindo o espaço vital dela.

Tinha um hálito fedorento e as narinas dilatadas; os olhos arre‑galados e a respiração ofegante. Olhou de cima para Munroe e ins‑pirou, passando ‑lhe o nariz pelo cabelo, a tentar acossá ‑la.

Dentro dela, os tambores percutiram ainda com mais força, ensur‑decedores — a gritarem uma ordem de marcha a todas as células do seu corpo.

— Olha só o presentinho que veio ter connosco — disse ele, fazendo o amigo soltar uma risada, um grunhido nervoso, enquanto continuava a prender a sua vítima ao chão.

O matulão passou a ponta dos dedos pelo cabelo de Munroe.— Não me toques — disse ela. — Pelo menos, se quiseres con‑

tinuar vivo.Falou em voz baixa e monocórdica, e, ainda que o homem não

pudesse saber que aquele era o som da destruição iminente, o seu parceiro levantou ‑se para se pôr solidariamente ao lado do chefe.

A rapariga conseguiu arranjar forças para se erguer do chão e, aproveitando que os homens estavam de costas, olhou para eles a medo uma fração de segundo e largou a correr na direção da rua.

Ficaram os três a vê ‑la fugir, e depois, quando a sua pequena figura se desvaneceu no escuro, o chefe virou ‑se uma vez mais para Munroe.

— Olha só o que fizeste — disse, mostrando uma fileira de den‑tes muito brancos por trás do sorriso escarninho.

Sem se mexer, Munroe virou os olhos para ele e não respondeu.— Agora vais ter de abrir as pernas no lugar dela — disse o

homem.O sorriso tinha desaparecido.— Eu, se fosse a vocês, ia ‑me embora — disse ela. — Se me

tocarem, terei de vos matar.Ele riu ‑se com força, uma gargalhada sonora que vibrou pelas

paredes de cada um dos lados do beco antes de parar de repente.A luta era inevitável, e Munroe sentiu a adrenalina subir ‑lhe nas

veias com essa certeza. Absorveu ‑a extasiada e fechou as pálpebras lentamente.

Um observador mais atento teria reparado nas suas mãos subi‑tamente cerradas e na ausência aparente de medo, e talvez tivesse

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ficado de sobreaviso, mas o excesso de confiança tinha cegado aque‑les dois.

Fez ‑se um instante de silêncio, de ponderação, como se o bruta‑montes e o seu parceiro pudessem afinal ser suficientemente esper‑tos para reconhecer nela alguém ainda mais louco do que eles e fossem recuar.

Mas não.O grandalhão agarrou ‑lhe nos cabelos e puxou ‑os violentamente,

obrigando ‑a a pôr ‑se de joelhos.— Vou ‑te partir essa cona toda, sua puta! — silvou.Os olhos de Munroe arderam ‑lhe com a dor e, em resposta, as

comissuras dos lábios dela ergueram ‑se ligeiramente num sorriso.O tempo converteu ‑se em frações de microssegundo, o espaço

em instantâneos milimétricos de movimento, enquanto a raiva lhe atravessava o sangue como numa enxurrada.

O homem continuava a agarrar ‑lhe os cabelos com a mão esquerda. Puxou o braço direito atrás, para lhe bater, e, de repente, transformou‑‑se num inimigo demasiado conhecido e familiar que tinha de mor‑rer. Aquele sorriso, a gargalhada, a respiração dele — não estava mais no meio de Nova Iorque no verão, mas sim mergulhada no calor da selva, com a humidade e a lama a encherem ‑lhe todos os poros.

Descerrando finalmente os punhos, ela esticou os dedos para as facas que trazia embainhadas nas canelas. A carne fundiu ‑se com o metal. O instinto tomou conta dela. Os tambores internos ressoa‑ram até ao clímax, gritando ‑lhe que tinha de sobreviver, vencer e matar. Cobrar o seu tributo de sangue.

* * *

O relógio ao lado da cama dizia que eram oito da manhã. Logan olhou de relance para o mostrador digital e percebeu imediatamente o pesadelo que o acordara.

Atirou os lençóis para trás e desceu as escadas quase a correr, chamando por Munroe e estacando à porta do quarto do andar de baixo.

A porta estava entreaberta e, tal como fizera naquela manhã em Tânger, ele empurrou ‑a lentamente com a palma da mão.

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Então, ficou especado a olhar para ela, de boca aberta, com o choque do déjà vu.

Munroe estava esparramada na cama, com as facas na mesa de cabeceira, morta para o mundo. Ele ficou ali uns segundos, a repri‑mir a frustração e o ressentimento, e depois, quando já ia a virar costas, com os olhos habituados à penumbra do quarto, parou de repente.

Com o coração descompassado, um nó no estômago, aproximou‑‑se da cama. Ajoelhou ‑se ao lado dela. E, com todo o cuidado para não lhe tocar, seguiu o rasto de sangue seco que lhe subia das mãos pelos braços.

Não tinha percebido que ela saíra da suíte; não tinha ouvido o elevador privativo a subir ou descer. Inspirou uma golfada de ar e cerrou os punhos. Dali a algumas horas, os outros começariam a chegar. Viriam para lhe contar uma história já com oito anos, dar‑‑lhe os fragmentos e os pormenores de que se lembrassem — e ali estava ela, a única pessoa que podia transformar o pouco que sabiam num final feliz, desmaiada no seu coma autoinduzido.

Ele queria acordá ‑la; descobrir o que raio é que se passara na noite anterior, o que tinha ela feito; gritar com ela e obrigá ‑la a ter juízo. Mas sabia que não podia, e por isso foi até à cozinha tentar aplacar a náusea que lhe tinha começado a crescer no estômago.

* * *

Os outros foram chegando ao final da manhã e, durante a tarde, Logan viu ‑se obrigado a fazer de anfitrião e a ignorar a sua crescente ansiedade quanto ao estado de Munroe.

Divertido com as reações deles à opulência da suíte, mostrou‑‑lhes as diversas comodidades e respondeu às perguntas sobre de onde vinha o dinheiro para pagar aquilo.

O estranho e mesclado grupo foi ‑se juntando no terraço da cober‑tura, por entre as mesas e cadeiras de ferro forjado e os vasos de madeira que lhe conferiam um ambiente acolhedor ambiente de Velho Mundo, em contraste com o caos da cidade aos seus pés.

O aspeto deles, os gostos e o estilo pessoal, a direção que as suas vidas tinham tomado, eram tão diferentes uns dos outros como em

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qualquer grupo aleatório de estranhos, mas a infância, aquele fio que os ligava a todos desde o início, era mais forte do que tudo o que os tinha afastado com os anos. Conversaram alegremente, com a camaradagem típica dos soldados unidos pelos traumas de guerra, até que as portas do terraço se abriram e Munroe saiu para ir ter com eles.

Tinha tomado um banho. O sangue desaparecera e no limiar da porta espreitava ‑os agora um retrato da mais pura inocência no seu vestidinho de miúda e sapatos rasos.

Fixou o olhar de Logan com uma expressão ao mesmo tempo provocadora e angelical.

Logan suspirou.Ela podia ser tudo o que quisesse, menos ingénua e inocente.

Tinha assumido propositadamente aquela pose, aquela fachada de timidez e pudor com que tão facilmente podia enganar os incautos, e era evidente pelo seu olhar que sabia que isso o deixava tremen‑damente frustrado.

Ele desviou os olhos e o sorriso dela abriu ‑se ainda mais, como se dissesse: Sim, Logan, eu sei o que estás a tentar fazer.

O coração dele bateu descompassado.Era sempre um erro subestimá ‑la, e, mesmo que ele não lhe

tivesse mentido ou enganado, a verdade era que havia muitas coisas que não lhe tinha contado.

Logan olhou de relance uma vez mais para as roupas de menina de Munroe, hesitou e depois apresentou ‑a aos outros.

— Esta é a Michael — disse. — Já vos tinha falado dela.Além de Logan, havia outras seis pessoas à volta da mesa: uma

agente imobiliária, uma advogada, uma diretora de projeto, um dire‑tor de informática, um fotógrafo e um estudante de medicina, todos com vinte e muitos anos, trinta e poucos. E todos eles tinham che‑gado ali a pulso, à custa de tantos e tão duros sacrifícios que nalguns casos nem mesmo as mulheres ou os respetivos maridos conheciam bem os pormenores.

Munroe sentou ‑se numa cadeira e eles apresentaram ‑se um a um. Não estiveram com grandes rodeios, por muito que o assunto se prestasse a isso, à medida que cada um contava a sua própria variante da mesma história: de como a sua vida fora controlada e

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estruturada desde o nascimento; da sua consagração a Deus e ao Profeta; da subserviência e pobreza em que se obrigaram a viver; e, finalmente, daquela aposta arriscada — deixando para trás famí‑lia e amigos e abandonando tudo o que conheciam na esperança de encontrar uma outra vida, uma vida melhor, ali, no Vazio.

Logan percebeu o desespero oculto por trás de cada uma daque‑las palavras bem medidas e pensou se os outros também o consegui‑riam ouvir. Estavam a avaliá ‑la, sem saberem se ela seria capaz de compreender a gravidade do que estava em jogo, a pensar se aquela miúda tímida conseguiria mesmo fazer alguma coisa para corrigir a situação, com a dúvida claramente espelhada nos rostos.

Ao olhar para ela agora, e mesmo conhecendo ‑a tão bem como conhecia, Logan também achou difícil perceber como é que por trás daquela aparência inocente se poderia esconder o seu justiceiro. Compreendia a incredulidade deles, mas resolveu ignorar as suas próprias dúvidas, porque precisava mesmo da ajuda de Munroe.

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23 mm

«O melhor thriller do ano.»San Francisco Bay Guardian

www.topseller.pt

Veja o vídeo de apresentação deste livro.

Ficção/Thriller

ISBN 978-989-8626-44-8

9 789898 626448

«Michael» Munroe trabalha com informação. Após fugir a uma infância traumática, a sua aprendizagem e o seu treino permitem-lhe obter todo o tipo de informações, independente-

mente do cenário ou do país onde se encontre. Por isso, é agora contratada por empresas, instituições ou privados que pagam os seus serviços únicos no mundo.

Destacada para uma missão de alto risco, Vanessa tem de resgatar Hannah, uma rapariga de treze anos, da sua reclusão no seio de uma fanática comunidade religiosa conhecida como «Os Eleitos».

O processo de libertação de Hannah vai resultar em situações complexas e perigosas, mas, com a ajuda do especialista em segurança Miles Bradford, vai também permitir uma nova vida para esta heroína intrigante e com um passado devastador. O lado mais violento e instintivo de Vanessa irá revelar-se em nome da justiça: matar pode não ser necessariamente mau, se houver inocentes envolvidos.

é uma autora norte-americana premiada, cujos livros estão presentes nas listas de bestsellers do New York Times.

Nascida em Nova Iorque, Taylor foi criada em várias comunas espalhadas pelo globo, no seio de um culto religioso dos anos 60 chamado Children of God. Foi separada da sua família aos doze anos e não lhe permitiram frequentar a escola além do6.º ano. Em vez de uma infância normal, Taylor Stevens chegou a viver em três continentes e numa dúzia de países antes de atingir os catorze anos,e passou grande parte da adolescência a mendigar nas ruas de cidades como Zurique e Tóquio, a mando de líderes do culto, a realizar trabalho infantil e a cuidar das crianças mais novas residentes nas comunas, lavando e cozinhando para centenas de cada vez. Aos vinte anos, Taylor Stevens libertou-se das amarras que a prendiam e permitiu-se vivera sua vida, através da aprendizagem e da escrita.

A série de três livros (A Informacionista, Os Inocentese A Boneca, este último a publicar brevemente pela Topseller), cuja personagem principal é a heroína Vanessa Munroe, foi amplamente aclamada pela crítica e já se encontra publicada em vinte línguas.O livro A Informacionista foi comprado pela produtora de James Cameron, Lightstorm Entertainment, para ser adaptado ao cinema.

Atualmente, Taylor Stevens vive no Texas e concilia a escrita com a maternidade.

TAYLOR STEVENS

«Girou as lâminas e brincou com elas nos dedos lentamente; as facas eram suas amigas, davam-lhe tranquilidade e eram a única coisa que se mantinha num mundo em que tudo o que restava fora destruído.

A nesga de luz desligou-se.

Num movimento �uido, Munroe endireitou-se, agachou-se junto à porta e retesou os músculos. O puxador fez um clique e a porta entreabriu-se. Ela sentiu a presença de alguém mesmo antes de ver a lanterna apontada ao colchão. O vulto entrou no quarto. Ela encostou-se à porta e trancou-a, corren-do o ferrolho.

O quarto �cou ainda mais às escuras.

O vulto era grande, entroncado e cheirava a suor e a álcool. Guiada pelo instinto, ela atirou-se para a frente, arremetendo contra a barriga dele. A veloci-dade e a força do ataque desequilibraram-no. A cabeça do homem bateu contra a parede. Caiu ao chão. Ela en�ou-lhe o joelho direito nas costelas; ouviu-o sufocar. O homem tentou levantar-se. Ela debruçou-se por cima dele, com uma faca apontada à garganta do homem e a outra à virilha.

E de repente ouviu os murros na porta, que até então tinha ignorado. A porta abriu-se de rompante, o ferrolho partido, e a luz deixou-a instantaneamen-te cega. Desorientada, preparou-se para o ataque.»

Conheça o primeiro volume da sérieVanessa Michael Munroe:

«Stevens escreve a um ritmo acelerado, emocionante, tenso e misterioso,e dá-nos a conhecer uma heroína que até Lisbeth Salander iria admirar.»

Library Journal

«Todos os que aguardavam impacientemente pela sequela de A Informacionista �carão encantados por descobrir a mesma escrita

inteligente, o ritmo magistral, cenas de ação tensas, �uidase cinematográ�cas.»

Associated Press

Da autora do bestseller internacional A Informacionista