Taxa de câmbio real e preços de commodities no Brasil · Leonardo Bornacki de Mattos2 João ......
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Taxa de câmbio real e preços de commodities no Brasil
Rodrigo da Silva Souza1
Leonardo Bornacki de Mattos2
João Eustáquio de Lima3
Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre a taxa de câmbio real e os preços
internacionais das principais commodities exportadas pelo Brasil, assim como investigar fatores
estruturais que determinam a intensidade dessa relação. Os resultados sugerem que a moeda
brasileira é uma commodity currency. Fatores como abertura comercial e dependência em
relação às exportações de commodities se mostraram variáveis estratégicas na administração
dos efeitos dos choques exógenos nos preços das commodities sobre a taxa de câmbio real.
Palavras-chave: commodity currency, exportação de commodities, cointegração.
Real exchange rate and commodity prices in Brazil
Abstract: This paper aims to assess the relationship between real exchange rate and
international prices of the main exported commodities by Brazil, as well as to investigate which
structural aspects may affect this relationship. The results suggest that Brazilian Real is a
commodity currency. Elements such as trade openness and commodity exports dependency are
strategic variables for controlling the effects on real exchange rate induced by exogenous
shocks on commodity prices.
Keywords: commodity currency, commodity exports, cointegration.
JEL classification: C32; F41; O13.
Área 7: Economia internacional
1 Introdução
A conexão entre taxa de câmbio real e fundamentos macroeconômicos tem sido objeto
de intenso debate na literatura econômica e preocupação entre os formuladores de políticas.
Uma das dificuldades empíricas nesta questão é que muitos pesquisadores constataram que a
taxa de câmbio real se comporta como um passeio aleatório4. Isso implica que não há média e
variância comuns que definem o processo estocástico da taxa de câmbio real e que as inovações
na série temporal são persistentes, refutando a teoria da Paridade do Poder de Compra (PPC)5
1 Doutorando em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa. Email: [email protected]. 2 Professor Adjunto do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa. Email:
[email protected]. 3 Professor Titular do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa. Email: [email protected]. 4 Palaia e Holland (2009) identificaram que a taxa de câmbio real brasileira se comporta como passeio aleatório,
por meio de testes robustos à quebra estrutural. Scalco, Duarte e Campos (2013) também concluíram que a taxa
de câmbio real brasileira se comporta como passeio aleatório, com base em testes robustos à quebra estrutural e
componentes sazonais. 5 A Lei do Preço Único (LPU) postula que quando expressos na mesma moeda, dois bens homogêneos deveriam
ter o mesmo preço em diferentes regiões, mantendo constantes os custos de transação (ROGOFF, 1996). A PPC é
a versão macroeconômica da LPU. A PPC afirma que há um nível de equilíbrio constante para o qual a taxa de
2
como um modelo para a taxa de câmbio real de longo prazo. Segundo Rogoff (1996), o “puzzle”
da PPC se refere à impossibilidade de se conciliar a alta volatilidade de curto prazo com a baixa
velocidade de reversão à média (alta persistência) da taxa de câmbio real, de forma que seja
consistente com a PPC. O autor reconhece que os desvios da PPC devem ser representados por
choques em fatores reais igualmente voláteis e persistentes.
Chen e Rogoff (2003) focaram seus estudos em três economias da OECD6, exportadoras
de commodities (Austrália, Nova Zelândia e Canadá), cuja potencial fonte de choques reais
dominante poderia ser identificada: os choques nos preços mundiais das commodities. O termo
commodity currencies tem sido utilizado para descrever moedas influenciadas pelos preços das
principais commodities primárias exportadas. No contexto dos países exportadores de
commodities, os quais são quase todos países em desenvolvimento, o principal fator real de
interesse na determinação da taxa de câmbio real é o termo de troca (CASHIN; CÉSPEDES;
SAHAY, 2004). Segundo Chen e Rogoff (2003), para os países da OECD considerados no
estudo, porque as commodities primárias constituem um importante componente das
exportações totais, os movimentos dos preços mundiais dessas mercadorias são mais
importantes para explicar os choques exógenos nos termos de troca do que a mensuração padrão
dos termos de troca.
Evidências empíricas mostram que aproximadamente um terço dos países exportadores
de commodities apresentam relação de longo prazo entre taxa de câmbio real e preços
internacionais das commodities (CASHIN; CÉSPEDES; SAHAY, 2004). Bodart, Candelon e
Carpantier (2012) encontraram que o preço da commodity dominante apresenta relação de longo
prazo com a taxa de câmbio real quando as exportações da commodity líder tem uma
participação de no mínimo 20% nas exportações totais do país. Nesses países em
desenvolvimento, especializados na exportação de uma commodity principal, as flutuações no
preço dessa mercadoria podem ter papel crucial na gestão macroeconômica doméstica
(BODART; CANDELON; CARPANTIER, 2012).
A literatura sobre commodity currencies ampliou-se com a reversão da queda secular
dos preços internacionais das commodities ocorrida na década passada7, em consoante com a
apreciação real de moedas de vários países emergentes. O caso brasileiro representa uma
amostra dessa conjuntura. O Brasil adotou câmbio flutuante em janeiro de 1999 e, em outubro
de 2002, o país passou por uma crise relacionada à transição do governo federal, em que houve
forte depreciação da moeda doméstica. Em seguida, entre o último trimestre de 2002 e o
primeiro de 2011, houve apreciação da taxa de câmbio real efetiva8, conforme mensurada pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI) de, aproximadamente, 100% (IMF, 2016a). Esse período
de apreciação real coincide com a forte pressão altista dos preços internacionais das
commodities (WB, 2016).
De fato, dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(MDIC, 2016a) revelam que, na década de 2000, o Brasil voltou a se especializar na exportação
de produtos básicos. Houve aumento de 20 pontos percentuais na participação das exportações
de produtos básicos em relação ao total das exportações brasileiras, às espessas da participação
das manufaturas, praticamente na mesma proporção. Segundo o mesmo Ministério, apenas 3
produtos (soja9, petróleo e minério de ferro) foram responsáveis por mais de 30% da receita
câmbio converge, tal que a moeda estrangeira possui o mesmo poder de compra (CASHIN; CÉSPEDES; SAHAY,
2004). 6 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). 7 Essa significativa elevação nos preços das commodities está relacionada ao deslocamento da demanda ocasionado
pelo crescimento da Ásia, em particular da China (CARNEIRO, 2012). 8 A taxa de câmbio real efetiva é uma média ponderada de taxas de câmbio bilaterais cujos pesos são as
participações comerciais de cada parceiro. 9 Neste trabalho, entende-se soja como todos os produtos do complexo soja: óleo, farelo e grão.
3
total de exportação em 2014 (MDIC, 2016b), o que torna o Brasil um candidato a ter uma
commodity currency.
Empiricamente, Kohlscheen (2013) verificou que política fiscal expansionista e redução
dos fatores de risco local e global estão associados aos movimentos de apreciação do Real no
curto prazo, enquanto os preços das commodities relevantes para as exportações brasileiras
(soja, minério de ferro, petróleo e combustíveis, açúcar e etanol, e carnes) representaram o fator
mais importante para a determinação da tendência de longo prazo da moeda brasileira sob o
regime de câmbio flutuante. Veríssimo, Xavier e Vieira (2012) apontaram poucas evidências
de commodity currency para o período entre 1995 e 2009, mas apresentaram evidências mais
favoráveis para a subamostra entre 2003 e 2009.
A questão central do aumento da dependência em relação às exportações de
commodities e da relação entre o aumento (queda) nos preços dessas mercadorias com a
apreciação (depreciação) da taxa de câmbio real está nas implicações que esses fatores
acarretam na trajetória de crescimento econômico. Os benefícios e malefícios não estão claros
na literatura: enquanto os ganhos com as exportações contribuem para o desenvolvimento dos
setores relacionados às commodities exportadas e para o superávit na balança comercial, a
entrada de divisas tende a apreciar a moeda doméstica e, por conseguinte, diminuir a
competitividade dos setores não ligados às commodities, como a indústria de manufaturas. Ou
seja, a “benção” de possuir abundância de recursos naturais pode se tornar uma “maldição”.
Esta “maldição”, conhecida na literatura como Doença Holandesa, destaca que, em países com
abundância em recursos naturais, associa-se choques favoráveis nos preços das commodities
exportadas com o declínio da produção de vários setores, sendo o canal de transmissão a
apreciação da taxa de câmbio real (BRESSER-PEREIRA, 2008).
Alicerçados pelos mecanismos de transmissão da Doença Holandesa, Veríssimo e
Xavier (2013) identificaram que os aumentos dos fluxos de exportação de commodities foram
importantes para explicar o comportamento da taxa de câmbio real brasileira, verificando
indícios da Doença Holandesa no Brasil. Além disso, o padrão de especialização das
exportações de commodities, junto com os preços destes produtos, se mostrou relevante para
explicar o desempenho econômico menos favorável no país.
Na literatura internacional há robustas evidências de commodity currencies em países
exportadores de produtos primários com diferentes magnitudes de respostas, o que tem incitado
investigações sobre os fatores determinantes dessa heterogeneidade de elasticidades. Bodart,
Candelon e Carpantier (2014) investigaram, com dados para países em desenvolvimento, se a
taxa de câmbio real está relacionada, no longo prazo, ao preço mundial da principal commodity
exportada pelo país e se essa relação depende de alguns fatores estruturais. Chen e Lee (2014)
trataram da mesma questão, mas construíram um índice de preços de commodities e
distinguiram o curto do longo prazo. Ambos trabalhos definiram os fatores estruturais que
determinam uma commodity currency com base em modelos teóricos construídos para essa
finalidade, dentre os quais citam-se o regime cambial e a abertura comercial e financeira.
Neste trabalho, pretende-se buscar novas evidências da relação entre taxa de câmbio real
efetiva e flutuações nos preços relativos internacionais das commodities, assim como investigar
alguns fatores estruturais que determinam a intensidade dessa relação. Para isso, utiliza-se um
índice10 de preços específico para o caso brasileiro, que busca representar as oscilações de
preços relativos internacionais de importantes commodities exportadas pelo Brasil, as quais são
soja, minério de ferro, carne bovina, carne de frango, açúcar, petróleo e café.
Uma das contribuições deste trabalho é a utilização de um índice de preços de
commodities inédito, construído com o intuito de expressar os choques exógenos nos termos de
troca do Brasil para o período de câmbio flutuante. Além disso, esse é o primeiro trabalho
10 Detalhes sobre o índice são apresentados na seção 3.2 deste trabalho.
4
acadêmico na literatura brasileira a tratar de fatores estruturais que afetam a relação entre taxa
de câmbio real e preços internacionais das principais commodities exportadas pelo Brasil.
Enquanto o Brasil não reverter a especialização da sua pauta exportadora em direção a
bens mais intensivos em tecnologia, apresentar os fatores que explicam a elasticidade da taxa
de câmbio real efetiva em relação aos preços mundiais das commodities é tema importante e
subsidia as decisões dos formuladores de políticas. Estes podem, por exemplo, amenizar
possíveis custos de uma pressão altista nos preços das commodities e, assim, usufruir melhor
dos benefícios do aumento das receitas de exportação, ou o contrário, definir uma estratégia
eficiente para conter uma forte depreciação da taxa de câmbio real quando houver arrefecimento
dos preços das commodities, como ocorre desde 2011.
Além desta introdução, este trabalho contém outras 4 seções: (i) a seção 2 apresenta o
modelo teórico utilizado; (ii) a seção 3 descreve a metodologia; (iii) na seção 4 os resultados
são apresentados e discutidos; e (iv) a seção 5 é reservada às considerações finais.
2 Referencial Teórico
Esta seção apresenta o modelo teórico de Chen e Lee (2014), que destaca a resposta da
taxa de câmbio real aos choques nos preços internacionais das commodities em um país
exportador de produtos primários e permite determinar alguns fatores estruturais que podem
afetar a intensidade dessa relação11.
Chen e Lee (2014) consideram uma pequena economia aberta em equilíbrio competitivo
produtora de commodities exportáveis (𝑥𝑐), manufaturas exportáveis (𝑥𝑚) e non-traded (𝑛),
cujas funções de produção para cada setor são:
𝑌𝑥𝑐 = 𝐴𝑥𝑐𝐿𝑥𝑐𝑎𝑥𝑐𝐻𝑥𝑐
𝛽𝑥𝑐𝐾𝑥𝑐1−𝑎𝑥𝑐−𝛽𝑥𝑐 (1)
𝑌𝑥𝑚 = 𝐴𝑥𝑚𝐿𝑥𝑚𝑎𝑚𝑐𝐻𝑚𝑐
𝛽𝑥𝑚𝐾𝑥𝑚1−𝑎𝑥𝑚−𝛽𝑥𝑚 (2)
𝑌𝑛 = 𝐴𝑛𝐿𝑛𝑎𝑛𝐾𝑛
1−𝑎𝑛 (3)
em que 𝐴𝑖, 𝐿𝑖, 𝐻𝑖 e 𝐾𝑖 são choques de produtividade, trabalho não-qualificado, trabalho
qualificado e estoque de capital nos setores 𝑖 = 𝑥𝑐, 𝑥𝑚 𝑒 𝑛, respectivamente; 𝑎𝑖 e 𝛽𝑖 são as
participações do trabalho não-qualificado e qualificado na produção do setor 𝑖. Nota-se que há
retornos constantes à escala na produção e que o trabalho qualificado é necessário para produzir
bens dos setores exportadores. Chen e Lee (2014) adotam os seguintes pressupostos: (i) o
capital pode mover-se entre os setores do país e internacionalmente, o que resulta no produto
marginal do capital doméstico dado pela taxa de juros mundial (𝑟∗); (ii) o trabalho pode migrar-
se entre os setores do país e, portanto, há garantia de equalização dos salários dos trabalhadores
não-qualificados e qualificados (𝑤𝐿 e 𝑤𝐻, respectivamente) através dos setores domésticos; e
(iii) a oferta doméstica de trabalho é inelástica, dada por 𝐿 = 𝐿𝑥𝑐 + 𝐿𝑥𝑚 + 𝐿𝑛 e 𝐻 = 𝐻𝑥𝑐 +𝐻𝑥𝑚.
Como a economia é pequena, os preços mundiais das commodities (𝑃𝑥𝑐) são dados de
forma exógena. No modelo de Chen e Lee (2014) as manufaturas exportáveis (𝑥𝑚) são tomadas
como numerário. Assim, preços domésticos de bens non-traded (𝑃𝑛) e preços das commodities
11 Outra opção seria o referencial teórico de Bodart, Candelon e Carpantier (2014), que descreve os fatores
estruturais que influenciam na relação entre a taxa de câmbio real e o preço de uma commodity dominante na pauta
exportadora. Optou-se pelo modelo de Chen e Lee (2014) porque este considera um índice de preços de
commodities. No Brasil, não há uma commodity líder na pauta de exportações e sim um conjunto (mesmo que
pequeno) de produtos básicos com significativa participação na exportação total.
5
exportáveis (𝑃𝑥𝑐) são mensurados em termos de manufaturas exportáveis. Além disso, a Lei do
Preço Único (LPU) se mantém para os produtos dos setores de exportação (𝑖 = 𝑥𝑐, 𝑥𝑚).
Fazendo 𝑃𝑥𝑚 = 1 e combinando as condições de primeira ordem do problema de
maximização do lucro composto pelas Equações (1), (2) e (3), pode-se encontrar as condições
de lucro zero para os setores exportadores12.
Com o intuito de simplificar a resolução, Chen e Lee (2014) consideram as seguintes
suposições para os setores exportadores (𝑖 = 𝑥𝑐, 𝑥𝑚): (i) ambos setores participam com uma
taxa comum no choque de produtividade (�̂�𝑥 = �̂�𝑥𝑚 = �̂�𝑥𝑐); (ii) as participações da renda do
capital no produto (𝜇𝑘,𝑖 = 𝑟𝐾𝑖 𝑃𝑖𝑌𝑖⁄ ) são iguais (𝜇𝑘,𝑥𝑐 = 𝜇𝑘,𝑥𝑚); e (iii) as parcelas do trabalho
qualificado e não-qualificado na renda dos setores exportadores são 𝜇𝐻,𝑖 = 𝑤𝐻𝐻𝑖 𝑃𝑖𝑌𝑖⁄ e 𝜇𝐿,𝑖 =𝑤𝐿𝐿𝑖 𝑃𝑖𝑌𝑖⁄ . Considerando estas suposições e as condições de primeira ordem, a log-
diferenciação das condições de lucro zero para os setores de exportação resulta na seguinte
equação:
�̂�𝐿 =𝜑�̂�𝑥𝑐 + �̂�𝑥𝑐
𝜇𝐿,𝑥𝑐 + 𝜇𝐻,𝑥𝑐 (4)
em que 𝜑 = 𝜇𝐻,𝑥𝑚 𝜇𝐻,𝑥𝑚 − 𝜇𝐻,𝑥𝑐⁄ . Como a produção de manufaturas exportáveis é
relativamente mais intensiva em trabalho qualificado do que a produção do setor commodities
exportáveis, é provável que 𝜑 > 0.
A condição de lucro zero no setor de bens non-traded resulta em:
�̂�𝑛 = 𝜇𝐿,𝑛�̂�𝐿 − �̂�𝑛 (5)
Combinando as Equações (4) e (5), pode-se chegar à seguinte relação:
�̂�𝑛 =𝜇𝐿,𝑛
𝜇𝐿,𝑥𝑐 + 𝜇𝐻,𝑥𝑐(𝜑�̂�𝑥𝑐 + �̂�𝑥𝑐) − �̂�𝑛 (6)
De acordo com Chen e Lee (2014), os bens non-traded tendem a ser mais intensivos em
trabalho do que os bens exportáveis, de forma que 𝜇𝐿,𝑛 𝜇𝐿,𝑥𝑐 + 𝜇𝐻,𝑥𝑐⁄ ≥ 1. A Equação (6)
mostra que o preço do bem non-traded é uma função positiva do preço da commodity exportável
e há uma relação positiva entre a produtividade do setor de commodities e o preço do bem non-
traded, demonstrando o efeito Balassa-Samuelson13.
No modelo de Chen e Lee (2014), indivíduos idênticos ofertam os insumos de produção
e consomem quatro tipos de bens: non-traded (𝑛), importados (𝑚), commodities exportáveis
(𝑥𝑐); e manufaturas exportáveis (𝑥𝑚). Os indivíduos domésticos derivam utilidade consumindo
partes de non-traded (𝜃𝑛), importados (𝜃𝑚), commodities exportáveis (𝜃𝑥𝑐) e manufaturas
exportáveis (1 − 𝜃𝑛 − 𝜃𝑚−𝜃𝑥𝑐). A função de utilidade na forma Cobb-Douglas é a seguinte:
𝑈 = 𝐶𝑛𝜃𝑛𝐶𝑚
𝜃𝑚𝐶𝑥𝑐𝜃𝑥𝑐𝐶𝑥𝑚
1−𝜃𝑛−𝜃𝑚−𝜃𝑥𝑐 (7)
12 Ver detalhes algébricos em Chen e Lee e (2014). 13 Cashin, Céspedes e Sahay (2004) também exploram o efeito Balassa-Samuelson para modelar a relação entre
preços relativos de commodities e taxa de câmbio real. Segundo os autores, um aumento na produtividade do setor
de commodities tende a aumentar os salários neste setor. Como há equalização dos salários entre os setores
domésticos, os salários no setor de non-traded também aumentam, assim como os preços. Como os preços relativos
das commodities são determinados de forma exógena, o efeito final é uma apreciação da taxa de câmbio real.
6
em que 𝐶𝑖 é o consumo do bem 𝑖 = 𝑛, 𝑚, 𝑥𝑐, 𝑥𝑚. Com os índices de preços baseados no
consumo do país doméstico e estrangeiro e a Equação (6), pode-se escrever a taxa de câmbio
real (𝑄) como se segue:
𝑄 =𝐸𝑃
𝑃∗=
𝐸𝑃𝑛𝜃𝑛𝑃𝑚
𝜃𝑚𝑃𝑥𝑐𝜃𝑥𝑐
(𝑃𝑛∗)𝜃𝑛
∗(𝑃𝑚
∗ )𝜃𝑚∗
(𝑃𝑥𝑚∗ )1−𝜃𝑛
∗ −𝜃𝑚∗ = (𝐸
𝑃𝑛
𝑃𝑛∗)𝜃𝑛𝑃𝑥𝑐
𝜃𝑥𝑐 = (𝐸𝑓( 𝑃⏞
(+)
𝑥𝑐)
𝑃𝑛∗
)𝜃𝑛𝑃𝑥𝑐𝜃𝑥𝑐
(
(8)
em que é assumido que 𝜃𝑛 = 𝜃𝑛∗ e 𝜃𝑚 = 𝜃𝑚
∗ , e é normalizado (igual a 1) para os preços
domésticos das manufaturas exportáveis.
A Equação (8) mostra que, tomando 𝑃𝑛∗ como dado, a taxa de câmbio real do país
doméstico14 (𝑄) aprecia em resposta a um aumento nos preços das commodities exportáveis,
com a elasticidade dessa relação dependendo dos parâmetros 𝜃𝑛 e 𝜃𝑥𝑐; ou seja, a taxa de câmbio
real é mais sensível às variações nos preços das commodities quanto maior a participação dos
bens non-traded e de commodities exportáveis na cesta de consumo doméstica. Dado o quadro
teórico exposto, algumas das variáveis estruturais propostas por Chen e Lee (2014) seguem
explicadas abaixo.
(i) Abertura comercial (ABC) – Ceteris Paribus, um país com alto grau de abertura
comercial, por ter relativamente menor participação de non-traded na cesta de consumo
doméstica (menor 𝜃𝑛), provavelmente possui menor elasticidade da taxa de câmbio real às
flutuações dos preços das commodities.
(ii) Abertura financeira (ABF) – É esperado que o aumento dos preços das commodities
atraia fluxos de capitais, o que aumenta a produtividade do trabalho (qualificado e não
qualificado) e, por conseguinte, aumenta os salários de ambas categorias de mão de obra. O
incremento nos salários dos trabalhadores não-qualificados provoca aumento no preço do
bem non-traded (Equação 5), o que gera uma apreciação da taxa de câmbio real (Equação
8). Portanto, quanto maior a abertura financeira, maior o fluxo de capital e, pelo canal
Balassa-Samuelson, maior a pressão apreciativa da taxa de câmbio real. Considerando
fricções no mercado financeiro, na forma de restringir os influxos de capitais para o país
exportador de commodities, a apreciação real da taxa de câmbio frente a um choque nos
preços das commodities exportáveis seria relativamente menor, uma vez que o ganho de
produtividade marginal do trabalho no setor exportador seria menos pronunciado (CHEN;
LEE, 2014). Assim, é esperado que quanto maior a abertura financeira, maior a resposta da
taxa de câmbio real a choques nos preços internacionais das commodities.
(iii) Reservas internacionais (RES) – O estoque de reservas pode ajudar a estabilizar a taxa
de câmbio por prover maior liquidez ao mercado de divisas. Aizenman, Edwards e Riera-
Crichton (2011) analisaram a questão das reservas internacionais em países da América
Latina dependentes das exportações de commodities. Os autores encontraram que a gestão
das reservas não somente diminui o impacto de curto prazo dos choques nos termos de troca
baseados nas commodities, como também afeta o ajustamento de longo prazo da taxa de
câmbio real efetiva, diminuindo sua volatilidade.
(iv) Dependência em relação às exportações de commodities (DREC) – A Equação (8)
mostra que, ceteris paribus, quanto maior 𝜃𝑥𝑐, maior é a resposta da taxa de câmbio real às
14 Nota-se que a taxa de câmbio real denota o preço relativo de uma cesta de consumo doméstica em termos de
uma cesta de consumo estrangeira. Assim, um aumento na taxa de câmbio real significa uma apreciação real.
7
flutuações nos preços das commodities. Assim, um país mais dependente em relação às
exportações de commodities é esperado a ter uma taxa de câmbio real mais sensível aos
preços das commodities.
(v) Participação no mercado mundial (PMM) – A despeito de o modelo teórico considerar
uma economia pequena, tomadora de preços internacionais para o setor exportador, essa
suposição não se mantém em países cuja produção é grande o suficiente para exercer poder
de mercado, no sentido de que o grande volume produzido (e exportado) pode provocar
queda nos preços mundiais. Considerando esse caso, frente a uma depreciação da moeda
doméstica o país poderia aumentar sua produção e exportar mais, com o intuito de gerar mais
receita. Por conseguinte, o preço da commodity em questão cairia devido à oferta maior.
Dessa forma, a produção desta commodity está relacionada de forma negativa com a taxa de
câmbio real em países com algum grau de poder de mercado. Assim, o aumento no preço da
commodity aprecia a moeda doméstica, mas isso arrefece suas exportações e, como
consequência, a oferta da commodity no mercado mundial cai; esta redução de oferta sustenta
os preços mundiais ainda mais. Segundo Chen e Lee (2014), por esta lógica, a relação entre
taxa de câmbio real e preços de commodities é mais forte quando os preços são determinados
endogenamente.
Pode-se separar os fatores estruturais como efeitos da globalização (i e ii), variável
política (iii) e estrutura do mercado exportador (iv e v). Ressalta-se que nem todos os fatores
estruturais são determinados diretamente com base no modelo teórico, e sim na literatura e por
fatos estilizados sobre o tema, como é o caso das reservas internacionais e da participação no
mercado mundial. A seção seguinte aborda a metodologia utilizada para testar o efeito de cada
fator sobre a relação em estudo neste trabalho.
3 Metodologia
3.1 Modelos empíricos
O modelo teórico apresentado na seção 2 subsidia a escolha de fatores estruturais que
determinam a intensidade da relação entre taxa de câmbio real e preços internacionais das
commodities. Empiricamente, para explorar o efeito que esses fatores têm sobre a relação em
questão, a seguinte equação é estimada:
𝑇𝐶𝑅𝐸𝑡 = 𝛽0 + 𝛽1𝐵𝑅7𝑡 + 𝛽2𝐵𝑅7𝑡𝑋𝑡 + 𝜀𝑡 (9)
em que 𝑡 = 1, … , 𝑇 indica o tempo (entre o primeiro trimestre de 1999 e o último de 2014);
𝑇𝐶𝑅𝐸𝑡 é a taxa de câmbio real efetiva, 𝐵𝑅7𝑡 é o índice de preços reais de commodities,
composto pelas 7 principais commodities exportadas pelo Brasil15; e 𝑋𝑡 é o vetor de variáveis
estruturais (abertura comercial, abertura financeira, reservas internacionais, dependência em
relação às exportações de commodities e participação no mercado mundial), na forma de
variáveis do tipo dummy16, e exploradas como termos que interagem com 𝐵𝑅7𝑡, como
15 As commodities são: petróleo, soja, minério de ferro, açúcar, carne de frango, carne bovina e café. Detalhes
sobre a elaboração do índice e das outras variáveis estão na seção 3.2. 16
Todos os termos de interação foram transformados em variáveis do tipo dummy pelo método da mediana. Neste
caso, a variável assume o valor 1 se a observação for maior do que a mediana e 0, caso contrário. Essa estratégia
de transformar os fatores estruturais em variáveis binárias também foi utilizada por Chen e Lee (2014) e Bodart,
Candelon e Carpantier (2014).
8
diferenciais de coeficiente angular. Quando analisado isoladamente, o parâmetro 𝛽1 define se
há commodity currency ou não. Mas na presença dos termos de interação, 𝛽1 é analisado em
conjunto com 𝛽2, que é o parâmetro que mostra a diferença que o fator estrutural em questão
impõe sobre a magnitude de 𝛽1. Por fim, 𝜀𝑡 é o termo de erro i.i.d.
Sobre o efeito que cada fator estrutural potencialmente possui na conexão entre taxa de
câmbio real e preços de commodities, é esperado que os fatores abertura comercial e reservas
internacionais possuem os sinais negativos, e os demais fatores os sinais positivos.
É verificado na literatura sobre commodity currencies que taxa de câmbio real efetiva e
preços reais das commodities possuem tendência estocástica e esta é comum para ambas as
séries, sendo as mesmas ditas cointegradas no sentido de Engle e Granger17 (BODART;
CANDELON; CARPANTIER, 2012; CASHIN; CÉSPEDES; SAHAY, 2004; CHEN; LEE,
2014; CHEN; ROGOFF, 2003; KOHLSCHEEN, 2013). A despeito de a raiz unitária na taxa
de câmbio real efetiva indicar a rejeição da PPC, a cointegração significa que as flutuações nos
preços das commodities podem ser importantes fontes de choques reais que explicam os desvios
da paridade. Se duas séries são cointegradas, a relação de longo prazo entre essas séries se reduz
a estimar a equação cointegrante. Portanto, a Equação (9) representa a relação de longo prazo
entre as variáveis de interesse.
Neste artigo, a estimação da equação cointegrante utiliza-se da técnica de Stock e
Watson (1993), denominada Mínimos Quadrados Dinâmicos (ou Dynamic Ordinary Least
Squares – DOLS). Este estimador é utilizado na literatura sobre commodity currencies
(BODART; CANDELON; CARPANTIER, 2012; CHEN; LEE, 2014; CHEN; ROGOFF,
2003; COUDERT; COUHARDE; MIGNON, 2008; HAMPSHIRE, 2008). O DOLS é um
estimador eficiente de vetor de cointegração quando estão presentes componentes
determinísticos e variáveis de diferentes ordens de integração ou com ordens maiores do que
I(1). Esta é uma vantagem considerável, porque em amostras finitas os pré-testes de raiz unitária
podem gerar resultados dúbios (STOCK; WATSON, 1993). O método acrescenta
contemporâneos leads e lags da variação dos regressores cointegrados para remover seus efeitos
de curto prazo.
Segundo Choi e Oh (2003), o DOLS considera correlação serial e endogeneidade18 e é
assintoticamente equivalente ao estimador de máxima verossimilhança. Todavia, na presença
de correlação serial, a matriz de variância-covariância dos distúrbios pode ser tendenciosa.
Assim, opta-se pelo método de Newey e West (1987), o qual estima a matriz de variância-
covariância de forma consistente na presença de heterocedasticidade e autocorrelação, quando
suas formas são desconhecidas.
Uma vez verificada a cointegração e estimado o vetor cointegrante, pode-se descrever a
dinâmica de curto prazo por meio de um Modelo de Correção de Erro (MCE), como
especificado a seguir:
∆𝑇𝐶𝑅𝐸𝑡 = 𝜃0 + ∑ ∆𝑇𝐶𝑅𝐸𝑡−𝑗∅𝑗
𝑝
𝑗=1
+ ∑ ∆𝐵𝑅7𝑡−𝑗𝛾𝑗
𝑝
𝑗=0
+ 𝜃1∆𝐵𝑅7𝑡𝑋𝑡 + 𝛼𝐸𝑡−1 + 𝜇𝑡 (
10)
em que os parâmetros de interesse são 𝛼, 𝛾0 e 𝜃1. O primeiro é associado a 𝐸𝑡−1 = 𝑇𝐶𝑅𝐸𝑡−1 −𝛽0 − 𝛽1𝐵𝑅7𝑡−1 e mostra a velocidade de ajustamento, no curto prazo, a distúrbios ocorridos na
relação de equilíbrio de longo prazo; 𝛾0 é o coeficiente de ∆𝐵𝑅7𝑡 no período 𝑡, que quando
17
Os testes de raiz unitária e de cointegração são descritos no final desta seção e as estatísticas dos testes constam
na seção 4.1. Os resultados confirmam que as séries possuem raiz unitária e são cointegradas. 18 Porque pode haver poder de mercado, as moedas de certos países produtores de commodities podem afetar os
preços de commodities, tais como energia e produtos baseados na agricultura, o que se denomina de currency
commodities (CLEMENTS; FRY, 2008).
9
examinado de forma isolada, determina se há commodity currency no curto prazo; e 𝜃1 é o vetor
de coeficientes associado aos fatores estruturais e é examinado em conjunto com 𝛾0 para
determinar se o fator estrutural em questão altera a relação entre ∆𝑇𝐶𝑅𝐸𝑡 e ∆𝐵𝑅7𝑡.
Neste trabalho, os testes propostos por Elliott, Rothenberg e Stock (1996), conhecido
como Dickey-Fuller (GLS), e propostos por Zivot e Andrews (1992) são utilizados para
verificar a presença de raiz unitária nas séries temporais, sendo que o último teste permite uma
quebra estrutural no intercepto, na tendência e em ambos. Os testes convencionais, baseados
em Engle e Granger (1987) e Phillips e Ouliaris19 (1990), são utilizados para testar a hipótese
nula de não cointegração. Como os testes convencionais de cointegração são sensíveis a quebra
estrutural, utiliza-se o teste de Gregory e Hansen (1996), cuja hipótese nula é de não
cointegração. Este teste é comumente utilizado na literatura sobre commodity currencies
(CASHIN; CÉSPEDES; SAHAY, 2004; CHEN; LEE, 2014; KOHLSCHEEN, 2010).
De acordo com Cashin, Céspedes e Sahay (2004), o teste Gregory-Hansen é consistente
também com a cointegração convencional, sem mudança no nível da série. O teste de
instabilidade de Hansen (1992) é utilizado como um teste adicional de cointegração. Segundo
Hansen (1992), a falta de cointegração é um caso especial da hipótese alternativa considerada,
de parâmetros instáveis na relação cointegrante, tal que o teste proposto pode ser visto como
um teste de hipótese nula de cointegração contra hipótese alternativa de não cointegração.
3.2 Descrição e fonte dos dados
Uma medida da competitividade internacional dos produtos de um país em relação a
seus parceiros comerciais comumente utilizada na literatura é a taxa de câmbio real efetiva
(TCRE), com base no Índice de Preço ao Consumidor (IPC), fornecida pelo Fundo Monetário
Internacional (IMF, 2016a). Por esta definição, um aumento da taxa de câmbio real efetiva
significa uma apreciação real da moeda doméstica. Neste trabalho, TCRE está na forma
logarítmica, porque há interesse na elasticidade preço das commodities.
O índice real de preços internacionais de commodities, BR7, foi construído com preços
do Banco Mundial20 (WB, 2016) das sete principais commodities exportadas pelo Brasil, que
são: petróleo, soja, minério de ferro, açúcar, carne de frango, carne bovina e café. A Figura 1A
mostra que, em 2014, esses sete produtos representaram quase metade das exportações
brasileiras. Os preços mundiais das commodities foram transformados em logaritmos e
ponderados pela razão entre a média da exportação de cada commodity e a média da exportação
do agregado das 7 commodities consideradas neste trabalho, semelhante ao método de Chen e
Lee (2014) 21.
Como os preços nominais das commodities são deflacionados pelo índice de valor das
exportações das economias desenvolvidas, obtido no banco de dados do FMI22 (IMF, 2016b),
o índice BR7 é expresso em termos reais (relativos). Essa prática é comum na literatura para
expressar os termos de troca de países com alta dependência em relação às exportações de
commodities (BODART; CANDELON; CARPANTIER, 2012, 2014; CASHIN; CÉSPEDES;
SAHAY, 2004; CHEN; LEE, 2014), uma vez que para a maioria desses países, as importações
19 Os testes de Engle-Granger e Phillips-Ouliaris são testes uniequacionais de cointegração que simplesmente
aplicam testes de raiz unitária sobre os resíduos. A diferença entre os dois métodos é em relação à correlação serial;
enquanto o teste Engle-Granger utiliza um método paramétrico, o teste de Dickey-Fuller Aumentado, o teste de
Phillips-Ouliaris utiliza a metodologia não-paramétrica de Phillips-Perron. 20 World Data Bank’s Global Economic Monitor Commodities. 21 A diferença é que estes autores consideraram uma gama maior de commodities. Todavia, considerando a alta
representatividade dessas 7 commodities no total de commodities exportadas pelo Brasil, essa diferença é mínima.
De fato, segundo UNCTAD (2014), em 2014, todas as commodities exportadas pelo Brasil representavam 65% do
total das exportações de mercadorias brasileiras. 22 International Monetary Fund’s International Financial Statistics (IFS), Trade of Goods.
10
são compostas de bens manufaturados de países desenvolvidos. Dessa forma, os preços das
exportações brasileiras (de commodities) são expressos em termos das importações (de
manufaturas), de forma a representar uma mensuração alternativa dos termos de troca.
A seguir, são descritas as variáveis que compõem o vetor 𝑋𝑡, presente nas Equações (9)
e (10).
(i) Abertura comercial (ABC) - É definida como o grau de dependência do país quanto ao
comércio externo, mensurada neste trabalho como a razão de importações mais exportações
sobre o Produto Interno Bruto (PIB). Os dados mensais de comércio exterior brasileiro foram
obtidos no Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior (ALICE) do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC, 2016b), enquanto
que os dados mensais do PIB foram obtidos no Sistema Gerenciador de Séries Temporais
(SGS) do Banco Central do Brasil (BACEN, 2016). Todos os dados estão em dólares.
(ii) Abertura financeira (ABF) - É o grau de abertura da conta capital do Brasil, conforme
definido por Chinn e Ito (2016). O índice Chinn-Ito é baseado em variáveis binárias que
codificam a tabulação de restrições às transações financeiras internacionais reportadas no
relatório do FMI, denominado Annual Report on Exchange Arrangements and Exchange
Restrictions (AREAER). A frequência do índice é anual e a última atualização é com dados
do AREAER 2014, o qual contém informações sobre o final de 2013. Como o período entre
2011 e 2013 apresentou o mesmo grau de abertura financeira (CHINN; ITO, 2016), optou-
se por continuar com o mesmo patamar em 2014. Este índice também foi utilizado por
Bodart, Candelon e Carpantier (2014) e Chen e Lee (2014).
(iii) Reservas internacionais (RES) – Esta variável é definida como as reservas
internacionais, no conceito de liquidez internacional, dividida pelo PIB, ambas as séries
obtidas no Banco Central do Brasil (BACEN, 2016). A frequência disponível é mensal e
ambas estão em dólares.
(iv) Dependência em relação às exportações de commodities (DREC) - Definida como o
valor das 7 principais commodities exportadas sobre o total de mercadorias exportadas pelo
Brasil em cada período. Os dados estão em frequência mensal e foram obtidos no Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC, 2016b).
(v) Participação no mercado mundial (PMM) – Definida como a soma do valor exportado
de cada uma das 7 principais commodities exportadas pelo Brasil dividido pelo valor das
exportações mundiais dessas mesmas 7 mercadorias. Essa soma é ponderada pela
participação do valor exportado de cada commodity considerada neste trabalho no agregado
das exportações brasileiras de commodities. Os dados das exportações mundiais têm
frequência anual e foram obtidos em UN COMTRADE23. (2016). Os valores das
exportações brasileiras foram coletadas no MDIC (2016b).
Como em (ii) e (v) a frequência disponível é anual, optou-se por transformar, por
interpolação, para a frequência trimestral por meio do método “constant-match average”. Para
as variáveis com periodicidade mensal, como (i), (ii), (iii), BR7 e TCRE, utilizou-se o método
da última observação, ou seja, pelo mês de referência ao trimestre em questão. Esses
procedimentos, tanto de interpolação quanto de transformação para dados trimestrais, também
foram utilizados por Chen e Lee (2014).
23 United Nations’s International Trade Statistics Database.
11
4 Resultados e discussão
4.1 Análise preliminar entre TCRE e o índice BR7
Inicialmente, apresenta-se na Figura 1, a evolução da TCRE e do índice BR7, ambas
logaritmizadas. As séries parecem compartilhar a mesma tendência estocástica, o que sugere
que são cointegradas. Nota-se que, entre 2003 e 2011, houve forte apreciação da taxa de câmbio
real efetiva e melhora substancial dos termos de troca baseados nos preços internacionais das
principais commodities exportadas pelo Brasil. Após este período, o índice BR7 se arrefeceu,
assim como TCRE se depreciou.
Durante o regime de câmbio flutuante, em dois períodos os movimentos na taxa de
câmbio real efetiva foram abruptos. Em 2002 houve depreciação da moeda doméstica sem
correspondência dos preços das commodities, decorrente da crise de confiança que se instalou
com a transição do governo federal em direção a um partido de oposição. Por outro lado, em
2008, com o deflagrar da crise financeira internacional, a queda generalizada dos preços
mundiais das commodities ocorreu em consoante com a perda de valor do Real brasileiro.
Figura 1. Evolução da TCRE e do índice BR7, entre o primeiro trimestre (T1) de 1999
e o último (T4) de 2014 (séries logaritmizadas)
Fonte: Resultados da pesquisa.
O teste Dickey-Fuller (GLS) é apresentado na Tabela 1 e mostra evidências estatísticas
que não permitem rejeitar a hipótese nula de raiz unitária em nenhuma das séries. Mesmo após
considerar a presença de quebra estrutural, por meio do teste Zivot-Andrews (Tabela 2), não há
evidências a favor da rejeição da hipótese nula de presença de raiz unitária. Resultados
semelhantes foram encontrados por Palaia e Holland (2009), que refutaram a teoria da PPC para
o Brasil, considerando testes consistentes na presença de quebra estrutural.
Tabela 1. Teste Dickey-Fuller (GLS) para raiz unitária na TCRE e no índice BR7
Variável 𝜌 Modelo 1 𝜌 Modelo 2
BR7 0 -0,610 NS 0 -1,817 NS
TCRE 3 -0,575 NS 3 -1,534 NS
Fonte: Resultados da pesquisa.
Nota: (i) Modelo 1 na versão com constante e Modelo 2 na versão com constante e tendência; (ii) as defasagens
(𝜌) foram definidas pelo Critério de Informação de Akaike Modificado; e (iii) ***, **, * e NS indicam significância
estatística aos níveis de 1%, 5%, 10% e não significância, respectivamente [valores críticos em Elliott, Rothenberg
e Stock (1996)].
0,9
1
1,1
1,2
1,3
1,4
19
99
T1
19
99
T4
20
00
T3
20
01
T2
20
02
T1
20
02
T4
20
03
T3
20
04
T2
20
05
T1
20
05
T4
20
06
T3
20
07
T2
20
08
T1
20
08
T4
20
09
T3
20
10
T2
20
11
T1
20
11
T4
20
12
T3
20
13
T2
20
14
T1
20
14
T4
Bas
e 1
99
9T1
=1
TCRE BR7
12
Tabela 2. Teste Zivot-Andrews para raiz unitária com uma quebra estrutural na TCRE e no índice BR7
Variável 𝜌 Modelo 1 𝜌 Modelo 2 𝜌 Modelo 3
BR7 1 -3,268 NS (2005T1) 1 -3,814 NS (2012T2) 1 -3,914 NS (2010T3)
TCRE 2 -3,291NS (2005T1) 2 -2,625 NS (2011T2) 2 -3,223 NS (2005T2)
Fonte: Resultados da pesquisa.
Nota: (i) Modelo 1, 2 e 3 com quebra estrutural no intercepto, tendência e em ambos, respectivamente; (ii) entre
parênteses a data da quebra estrutural; (iii) as defasagens (𝜌) foram definidas pelo Critério de Informação de
Akaike; e (iv) ***, **, * e NS indicam significância estatística aos níveis de 1%, 5%, 10% e não significância,
respectivamente.
Os resultados dos testes convencionais de cointegração entre TCRE e o índice BR7 são
apresentados na Tabela 3. Por meio de todas as estatísticas de teste, há evidências favoráveis à
rejeição da hipótese nula de não cointegração. De forma adicional, a aplicação do teste Gregory-
Hansen, que permite uma mudança no intercepto da relação de cointegração, corrobora a
rejeição da hipótese nula de não cointegração. Estes resultados indicam que existe relação de
longo prazo entre TCRE e o índice BR7.
A utilização de vários testes de cointegração é necessária porque esse é um assunto
relativamente controverso na literatura, uma vez que há trabalhos que rejeitam a hipótese nula
de não cointegração (KOHLSCHEEN, 2013; VERÍSSIMO; XAVIER; VIEIRA, 2012), assim
como há trabalhos que não rejeitam esta hipótese para o caso brasileiro (CASHIN; CÉSPEDES;
SAHAY, 2004; CHEN; LEE, 2014; MARGARIDO; SERIGATI; PEROSA, 2010). A não
rejeição da hipótese nula de cointegração parece estar associada ao período estudado, porque
antes de 1999 o Brasil adotava o regime cambial administrado em bandas, o que impedia a
flutuação do câmbio com qualquer fundamento macroeconômico.
Tabela 3. Testes de cointegração entre TCRE e o índice BR7
Testes Engle-Granger (E-G) e Phillips-Ouliaris (P-O)
Variável
dependente Modelo 1 (𝜏) Modelo 1 (z) Modelo 2 (𝜏) Modelo 2 (z)
E-G P-O E-G P-O E-G P-O E-G P-O
TCRE -4,56** -3,59** -39,36** -20,09** -4,87* -3,79* -4,87* -22,37*
BR7 -4,58** -3,56** -36,69** -18,76** -4,80* -3,68* -4,80* -24,58**
Teste Gregory-Hansen
Variável
dependente Est. de Teste (Zt) Valores Críticos Data da quebra
1% 5% 10%
TCRE -4,73** -5,13 -4,61 -4,34 2001T3
Fonte: Resultados da pesquisa.
Nota: As observações pertinentes aos testes Engle-Granger e Phillips-Ouliaris são: (i) Modelo 1 na versão com
constante e Modelo 2 com constante e tendência; (ii) entre parênteses as estatísticas tau (𝜏) e z (z); e (iii) as
defasagens ótimas foram definidas pelo Critério de Informação de Schwarz. Por sua vez, as observações referentes
ao teste Gregory-Hansen são: (a) entre parênteses a estatística de teste, Zt; e (b) os valores críticos apresentados se
referem à versão do teste que considera uma quebra estrutural no nível (intercepto) da relação cointegrante. ***,
**, * e NS indicam significância estatística aos níveis de 1%, 5%, 10% e não significância, respectivamente [valores
críticos obtidos em Mackinnon (1996) e em Gregory e Hansen (1996)].
As análises preliminares sugerem que TCRE e o índice BR7 são não estacionárias e
cointegradas. Isso indica que os termos de troca baseados nos preços internacionais das
principais commodities exportadas pelo Brasil são importantes fontes das flutuações da taxa de
câmbio real efetiva no longo prazo. Após verificar formalmente a existência de uma relação de
longo prazo entre TCRE e o índice BR7, o restante deste trabalho trata da questão central do
13
estudo, que é analisar fatores estruturais que determinam a intensidade da conexão entre as
variáveis em questão.
4.2 Fatores estruturais que determinam a intensidade da relação entre TCRE e o
índice BR7 no longo prazo
Na Tabela 4 são apresentadas as estimativas obtidas pelo método DOLS (longo prazo)
da relação entre TCRE e o índice BR7, assim como os termos de interação (fatores estruturais)
que, potencialmente, determinam a intensidade da conexão em questão. Há uma dummy24 em
todos os modelos estimados para considerar a forte depreciação real da moeda brasileira, em
2002, como resultado das eleições presidenciais no Brasil (efeito Lula).
Há evidências de commodity currency no Brasil para o período de câmbio flutuante
(entre 1999 e 2014), uma vez que todas as estimativas indicam relação positiva, e
estatisticamente significativa, entre TCRE e o índice BR7. Assim, a concentração das
exportações brasileiras em produtos primários parece acontecer de tal forma que os preços
desses produtos constituem uma importante fonte das flutuações da taxa de câmbio real efetiva.
Na coluna (1), na qual se encontram apenas as estimativas para o vetor de cointegração,
sem os termos de interação, um aumento de 10% nos preços relativos internacionais das
commodities implica em apreciação da taxa de câmbio real efetiva de 13,38%. Chen e Lee
(2014), ao considerarem apenas os países não exportadores de petróleo, encontraram
coeficiente semelhante ao deste trabalho (1,526). Outro fato que indica a robustez da
elasticidade de longo prazo encontrada é a pouca alteração dos coeficientes do índice BR7 nas
diversas especificações. Kohlscheen (2013) também encontrou evidências de commodity
currency no Brasil para o período de câmbio flutuante, por meio da estimação de um vetor de
cointegração.
A coluna (2) mostra os efeitos da globalização (abertura comercial e financeira) sobre
a intensidade da resposta da TCRE aos choques no índice BR7. O termo referente à abertura
comercial indica que, no período de maior inserção econômica no mercado internacional, há
menor resposta da taxa de câmbio real efetiva aos choques nos preços relativos internacionais
das commodities. Esse resultado é coerente com o modelo teórico (seção 2) e com as estimativas
de Bodart, Candelon e Carpantier (2014) e Chen e Lee (2014).
Segundo Chen e Lee (2014), a maior abertura comercial implica na menor participação
de bens non-traded na cesta de consumo doméstica e isso diminui a elasticidade entre a taxa de
câmbio real e os preços das commodities. No Brasil, a abertura comercial se tornou menos
pronunciada após a crise financeira de 2008 (Figura 2A). Isso sugere que após a crise a
elasticidade da TCRE em relação ao índice BR7 se tornou mais intensa. A abertura financeira
não apresenta impacto significativo.
São apresentadas na coluna (3) as estimativas dos coeficientes dos fatores estruturais
referentes às características do mercado exportador brasileiro, que são a dependência em
relação às exportações de commodities e a participação no mercado mundial. Os resultados
indicam que os efeitos desses termos de interação não são significativos. O mesmo ocorre com
as reservas internacionais, cujo coeficiente não apresenta significância estatística (coluna 4).
24 Período considerado na dummy: segundo e terceiro trimestres de 2002 e primeiro trimestre de 2003.
14
Tabela 4. Elasticidades de longo prazo entre TCRE e o índice BR7 e efeitos de interação
Variável dependente:
TCRE
(1) (2) (3) (4)
Constante 2,290*** 2,286*** 2,337*** 2,428***
(0,180) (0,165) (0,219) (0,257)
𝐵𝑅7𝑡 1,382*** 1,398*** 1,346*** 1,277***
(0,116) (0,109) (0,148) (0,183)
Dummy (2002) -0,242*** -0,233*** -0,246*** -0,241***
(0,030) (0,026) (0,033) (0,030)
𝐵𝑅7𝑡 × 𝐴𝐵𝐶𝑡 -0,032**
(0,015)
𝐵𝑅7𝑡 × 𝐴𝐵𝐹𝑡 0,004NS
(0,017)
𝐵𝑅7𝑡 × 𝐷𝑅𝐸𝐶𝑡 0,008 NS
(0,017)
𝐵𝑅7𝑡 × 𝑃𝑀𝑀𝑡 -0,001 NS
(0,018)
𝐵𝑅7𝑡 × 𝑅𝐸𝑆𝑡 0,020 NS
(0,030)
leads 0 0 0 0
lags 0 0 0 0
𝑅2 Ajustado 0,878 0,885 0,8389 0,877
Nº Obs. 63 63 63 63
Estatística Lc 0,101NS 0,078 NS 0,117 NS 0,110 NS
Fonte: Resultados da pesquisa.
Notas: (i) os termos de interação são: abertura comercial (ABC), abertura financeira (ABF), dependência em relação
às exportações de commodities (DREC), participação no mercado mundial (PMM) e reservas internacionais (RES);
(ii) o número de leads e lags do procedimento DOLS foram escolhidos pelo Critério de Informação de Schwarz;
(ii) entre parênteses os erros padrão de Newey-West (HAC); (iii) a coluna (1) mostra a elasticidade de longo prazo
da TCRE em resposta a um choque no índice BR7; (iv) as colunas (2), (3) e (4) as elasticidades de longo prazo
com os efeitos de interação; (v) a Estatística Lc do teste de instabilidade de Hansen é reportada em todas as colunas,
em que a hipótese nula é que os parâmetros cointegrantes são constantes e a hipótese alternativa, por sua vez, é de
não cointegração devido a uma alteração nos parâmetros em algum ponto desconhecido da amostra; e (v) ***, **,
* e NS indicam significância estatística aos níveis de 1%, 5%, 10% e não significância, respectivamente [valores
críticos referentes à Estatística Lc em Hansen (1992)].
A Estatística Lc, do teste de instabilidade de Hansen, mostra que não há evidências de
instabilidade nos parâmetros da relação de longo prazo entre TCRE e o índice BR7. Assim, os
resultados são robustos à presença de quebra estrutural.
4.3 Fatores estruturais que determinam a intensidade da relação entre TCRE e o
índice BR7 no curto prazo
Os resultados apresentados na Tabela 5 caracterizam a dinâmica de curto prazo da
relação entre TCRE e o índice BR7, estimada em um Mecanismo de Correção de Erro. Em
todas as especificações, o coeficiente do termo de correção de erro (𝐸𝑡−1) apresenta sinal
negativo e valor menor do que a unidade, indicando que os desvios da relação de equilíbrio de
longo prazo são corrigidos de forma gradual e estabilizadora.
15
As estimativas apresentadas na coluna (1) sugerem que no Brasil há commodity
currency também no curto prazo, com as variações no índice BR7 impactando positivamente
as variações na TCRE. Essas estimativas divergem dos resultados de Kohlscheen (2013), que
não encontrou coeficiente significativo utilizando o modelo VECM (Vector Error Correction
Model) para a variação do índice de preços de commodities. O autor estudou o período de
câmbio flutuante entre janeiro de 1999 e setembro de 2012. Também utilizando o modelo
VECM, os resultados de Veríssimo, Xavier e Vieira (2012) indicam evidências fracas de
commodity currency para o período entre 1995 e 2009, mas sustentam indícios mais fortes a
partir de 2003. Com dados para um conjunto de 63 países, sendo a maioria países em
desenvolvimento, Chen e Lee (2014) também encontraram fracas evidências de commodity
currency no curto prazo. Os autores utilizaram dados semelhantes aos deste trabalho, porém o
período investigado abrangeu três décadas.
Uma das fontes da divergência dos resultados encontrados neste estudo com outros
trabalhos acadêmicos é consequência do período considerado na análise. Além disso, o presente
estudo destaca que o índice criado para representar as flutuações nos preços das commodities é
inédito e reflete os preços relativos, uma vez que os valores nominais são deflacionados pelo
índice de valor das exportações das economias desenvolvidas, conforme discutido na
metodologia. Essa forma de expressar os movimentos exógenos nos termos de troca parece ser
consistente para explicar flutuações na taxa de câmbio real efetiva de países em
desenvolvimento exportadores de produtos primários (BODART; CANDELON;
CARPANTIER, 2012; CASHIN; CÉSPEDES; SAHAY, 2004), o que inclui o caso brasileiro.
Os resultados apresentados na coluna (2), da Tabela 5, se referem aos efeitos da
globalização sobre a intensidade da relação entre o índice BR7 e a TCRE. O coeficiente da
abertura comercial apresenta o sinal de acordo com o modelo teórico e é significativo a 5%.
Isso significa que, mesmo no curto prazo, quanto mais se estimula o comércio internacional,
menor é a elasticidade da variação da TCRE em relação aos choques na variação do índice BR7.
A abertura financeira não apresenta impacto significativo.
Na coluna (3), os resultados apresentados indicam que a dependência em relação às
exportações de commodities é um fator intensificador da relação entre TCRE e o índice BR7.
Assim, dada a preocupação com os mecanismos de transmissão da Doença Holandesa e
associando a dependência em relação às exportações de commodities com a abertura comercial,
as evidências estatísticas indicam que para diminuir a elasticidade da variação da TCRE a
choques na variação do índice BR7, é necessário estimular o comércio exterior (abertura
comercial), mas de forma a diversificar a pauta de exportação em direção aos produtos mais
intensivos em tecnologia.
Os dados apresentados na Figura 2A mostram que, após a crise de 2008, houve aumento
da dependência em relação às exportações de commodities. Assim, tanto o arrefecimento da
abertura comercial quanto a maior dependência em relação às exportações de commodities
indicam que no período pós-crise a relação entre TCRE e o índice BR7 se tornou mais intensa.
O termo de interação referente à participação no mercado mundial não apresenta impacto
significativo.
Por fim, o resultado da variável política, reservas internacionais, é apresentado na coluna
(4). Há indícios de que quanto maiores as reservas internacionais, maior a intensidade da
resposta da variação da TCRE aos choques na variação do índice BR7, ao contrário do que é
sustentado no modelo teórico. O que pode explicar tal fato é que desde a adoção do regime de
câmbio flutuante e das metas de inflação, as intervenções no mercado cambial têm o objetivo
declarado de prover liquidez em momentos de necessidade e acumular reservas, mas não de
influenciar o nível ou a tendência da taxa de câmbio (BASTOS; FONTES, 2014). A despeito
de ser discutível a afirmação de que as intervenções do Banco Central do Brasil não procuram
influenciar a tendência da taxa de câmbio, a autoridade monetária conta com instrumentos
16
financeiros capazes de influenciar o mercado cambial, como os swaps, que é o derivativo mais
utilizado pela autoridade monetária (BASTOS; FONTES, 2014). De fato, o período de pressão
altista dos preços internacionais de diversas commodities coincide, em partes, com o acumulo
de reservas internacionais, que apresentou expansão após o ano de 2006 (BACEN, 2016). Isso
pode explicar o fato das reservas internacionais apresentarem sinal positivo e significativo.
Tabela 5. Elasticidades de curto prazo entre TCRE e o índice BR7 e efeitos de interação Variável dependente:
∆𝑇𝐶𝑅𝐸
(1) (2) (3) (4)
Constante -0,003 NS -0,000 NS 0,008 NS 0,005 NS
(0,00) (0,008) (0,009) (0,008)
∆𝐵𝑅7𝑡 1,057*** 1,671*** 0,539 NS 0,455 NS
(0,257) (0,402) (0,382) (0,290)
∆𝐵𝑅7𝑡−1 -0,075 NS 0,013 NS -0,034 NS -0,105 NS
(0,245) (0,227) (0,237) (0,245)
∆𝑇𝐶𝑅𝐸𝑡−1 0,183 NS 0,160 NS 0,170** 0,176 NS
(0,115) (0,116) (0,1276) (0,120)
𝐸𝑡−1 -0,501*** -0,520*** -0,495*** -0,486***
(0,135) (0,129) (0,135) (0,129)
Dummy (2002) -0,126*** -0,120 *** -0,135*** -0,121***
(0,034) (0,031) (0,036) (0,032)
∆𝐵𝑅7𝑡 × 𝐴𝐵𝐶𝑡 - -1,309*** - -
(0,429)
∆𝐵𝑅7𝑡 × 𝐴𝐵𝐹𝑡 - 0,492 NS - -
(0,422)
∆𝐵𝑅7𝑡 × 𝑃𝑃𝑀𝑡 - - -0,127 NS -
(0,293)
∆𝐵𝑅7𝑡 × 𝐷𝑅𝐸𝐶𝑡 - - 0,851** -
(0,376)
∆𝐵𝑅7𝑡 × 𝑅𝐸𝑆𝑡 - - - 0,822**
(0,351)
𝑅2 Ajustado 0,377 0,410 0,392 0,396
Estatística F 8,399*** 7,057*** 6,622*** 7,691***
Nº Obs. 62 62 62 62
Fonte: Resultados da pesquisa.
Notas: (i) os termos de interação são: abertura comercial (ABC), abertura financeira (ABF), dependência em relação
às exportações de commodities (DREC), participação no mercado mundial (PMM) e reservas internacionais (RES);
(ii) a coluna (1) expõe os resultados do MCE sem os termos de interação, que se encontram da coluna (2) a (4);
(iv) entre parênteses os erros padrão de Newey-West (HAC); e (v) ***, **, * e NS indicam significância estatística aos
níveis de 1%, 5% e 10%, e não significância, respectivamente.
5 Conclusões
O Brasil possui quase 50% de suas exportações totais concentradas em 7 produtos
primários. Portanto, choques nos preços internacionais das principais commodities exportadas
são fontes significativas das variações exógenas nos termos de troca, que estão associadas às
17
flutuações da moeda doméstica. Não obstante já haver na literatura indícios de commodity
currency no Brasil, não há indicações de fatores estruturais que alteram a intensidade da relação
entre taxa de câmbio real efetiva e flutuações nos preços relativos das commodities. Este artigo
pretende preencher essa lacuna.
Os resultados empíricos indicam que a taxa de câmbio real efetiva e o índice de preços
relativos das commodities possuem tendência estocástica comum. Além disso, verifica-se uma
relação positiva entre as séries estudadas, tanto no curto quanto no longo prazo. Dessa forma,
os resultados permitem ser possível associar a apreciação da moeda doméstica ocorrida na
década passada ao aumento nos preços das principais commodities exportadas pelo Brasil,
assim como a depreciação do Real brasileiro ocorrida desde 2011 ao arrefecimento nos preços
dessas mercadorias.
De acordo com o modelo teórico, a relação positiva entre a taxa de câmbio real efetiva
e o índice de preços relativos internacionais de commodities é amenizada, no longo prazo, pela
abertura comercial. Este fator também é significativo no modelo de curto prazo, assim como o
termo de interação referente à dependência em relação às exportações de commodities.
Dada a preocupação com a Doença Holandesa, se o intuito for reduzir a elasticidade
entre as variáveis em estudo neste trabalho, pode-se estimular o comércio internacional.
Contudo, para obter efeitos no curto prazo, a abertura comercial tem de ser realizada de forma
a diminuir a dependência do país em relação às exportações de commodities, ou seja,
diversificando a pauta de exportações brasileiras em direção aos produtos mais intensivos em
tecnologia. Nesse sentido, pode-se utilizar de medidas de política industrial que visam aumentar
a produtividade setorial, como estimular a qualificação da mão de obra e incentivar inovações
tecnológicas.
Mesmo diante de um cenário de queda nos preços das commodities, um intenso
atrelamento dos preços dessas mercadorias com a taxa de câmbio real pode favorecer a
depreciação da moeda doméstica, e isso implica em maiores custos para setores que necessitam
de insumos de produção importados, o que prejudica a produtividade setorial.
O canal pelo qual a maior conexão entre os choques exógenos nos preços de
commodities e a taxa de câmbio real afeta o crescimento econômico não é claro. Todavia, sabe-
se que a política cambial é fator determinante da competitividade do setor industrial. Portanto,
se choques exógenos afetam de forma intensa a taxa de câmbio real, a competitividade do setor
industrial passa a depender de fatores externos, não necessariamente consoantes com os
objetivos de desenvolvimento econômico da nação. Nesse sentido, a investigação de fatores
estruturais que efetivamente influenciam na relação entre preços de commodities e taxa de
câmbio real é de fundamental importância para os formuladores de políticas. Estratégias de
globalização e de estruturação do setor exportador podem ser elaboradas com o intuito de, por
exemplo, usufruir do aumento de receita frente a um aumento nos preços das commodities
exportadas, e diminuir os custos envolvidos, como o que a apreciação real da moeda doméstica
causa na competitividade do setor de manufaturas.
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ANEXOS
Figura 1A. Evolução da participação das principais commodities exportadas no total das
exportações brasileiras entre 1999 e 2014.
Fonte: Elaborada pelos autores, a partir de dados do MDIC (2016b).
Figura 2A. Evolução da abertura comercial (ABC) e da dependência em relação às
exportações de commodities, entre o primeiro trimestre (T1) de 1999 e o último (T4) de
2014.
Fonte: Elaborada pelos autores, a partir de dados do MDIC (2016b) e do BACEN (2016).
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Complexo Soja Minério de Ferro Petróleo Açúcar Café Carne Bovina Carne de Frango
0,1
0,15
0,2
0,25
0,3
0,35
0,4
0,45
0,5
0,55
19
99
T1
19
99
T3
20
00
T1
20
00
T3
20
01
T1
20
01
T3
20
02
T1
20
02
T3
20
03
T1
20
03
T3
20
04
T1
20
04
T3
20
05
T1
20
05
T3
20
06
T1
20
06
T3
20
07
T1
20
07
T3
20
08
T1
20
08
T3
20
09
T1
20
09
T3
20
10
T1
20
10
T3
20
11
T1
20
11
T3
20
12
T1
20
12
T3
20
13
T1
20
13
T3
20
14
T1
20
14
T3
ABC DREC