SUPLEMENTO DE FIM DE SEMANA 10/SETEMBRO/2010 49€¦ · grafias maravilhosas de Carmen Miranda,...

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Outlook 49 SUPLEMENTO DE FIM DE SEMANA BRASIL ECONÔMICO 10/SETEMBRO/2010 FOTO MURILLO CONSTANTINO “A lista de bestsellers brasileiros está menos intelectualizada do que antes. Não é mau sinal” Luiz Schwarcz, escritor e editor da Companhia das Letras

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49SUPLEMENTO DE FIM DE SEMANA

BRASIL ECONÔMICO

10/SETEMBRO/2010

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“A lista debestsellers brasileirosestá menosintelectualizadado que antes.Não é mau sinal”Luiz Schwarcz,escritor e editorda Companhia das Letras

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V I D A

No dia que Luiz Schwarcz juntou coragem para di-zer ao seu então chefe, o editor Caio Graco, da Brasi-liense, que queria ir cuidar da própria vida, a sensaçãofoi tão boa que ele correu para casa, botou o DirtyWork dos Stones para tocar e saiu dançando pelado noquintal. Não era só aquele sonho bem familiar a todosnós, o de dar uma banana para o patrão. Luiz, mal saí-do dos 30 anos, se sentia quase caindo do galho de tãoamadurecido. Era o salto: de ex-pupilo para a carreirasolo. Não deu dois meses e ele fundaria a Companhiadas Letras, entre as editoras mais importantes do país.

Dali em diante você, eu, boa parte dos leitores bra-sileiros nos debruçaríamos em algum livro editadopelo Luiz: de um romance do estreante Chico Buarque(Estorvo, que Luiz leu antes de todo mundo e recebeudas mãos de Chico citando frase do pai, Sergio Buarquede Hollanda: “Literatura é coisa séria, meu filho”) aosensaios de Edmund Wilson, Eric Hobsbawn, ou as bio-grafias maravilhosas de Carmen Miranda, Assis Cha-teaubriand, Jorge Caldeira. As tramas de Rubem Fon-seca. As histórias do Saramago. Uma lista impossívelde enumerar aqui, de tantas as obras.

Luiz também resolveu escrever as suas. Começoucom uma de menino, Minha Vida de Goleiro, inspiradanuma viagem que o fez entender melhor os silênciosapertados do pai, homem duro que saiu de Budapeste

TEXTO CRISTINA RAMALHO

FOTOS MURILLO CONSTANTINO

Luiz Schwarcz

“Gosto de quemrespeita o silêncio.De autores que seexpressam comlinguagem enxuta”

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carregando a incerteza e a intimidade com as mágoas,e que nas festas da sinagoga matava as saudades decasa cantando alto as músicas típicas.

Único filho, bom aluno, Luiz andou bem nos trilhos,mas soube dar outras bananas e outras partidas: entre-gou o diploma de administração de empresas para a fa-mília e rodopiou em direção oposta à gráfica do avô,para uma carreira com um pé nas artes. Mostrou umromance a outro paizão de coração, o escritor TomásEloy Martinez, ganhou elogios, mas desmanchou tudoe resolveu transformá-lo em livro de contos. As coisasque ele não soube dizer viraram histórias bonitas tira-das dos pequenos e grandes instantes de sua vida. Es-tão no recém-lançado Linguagem de Sinais.

O lado certinho veste blazer, articula grandes negó-cios e segue a frase do pai do Chico. A Companhia dasLetras é coisa séria, meu filho. Agora está em sociedadecom a maior editora do mundo, a Penguin, e publicaneste ano 270 livros, quase um por dia. O lado do aves-so continua disposto a ficar pelado: para driblar a de-pressão, Luiz anda a cavalo, vento no rosto. Ultima-mente também se revela num blog, Imprima-se, comcasos deliciosos da sua carreira. Em cada linha, a almalivre como um Garrincha em campo. É como se Luizpassasse de terno e visse na rua uma bola dando sopa, echutasse forte para o gol. Voltando a ser menino.

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O que parece curioso, você semprepassa a imagem de homem sério.Sou sério, quando criança sempre fuiadulto perante meus pais. Na (editora)Brasiliense eu era o mais velho da dupla,o Caio (Graco) era o garotão. Mesmo aquitenho muitas responsabilidades, mas nahora de me expressar você vê que nomeu livro tem muitas situações juvenis.

O seu trabalho é avaliar a escrita dosoutros. E a sua autocrítica, como é?Com você há mais rigor?Sem dúvida. Demorei cinco anos paraescrever cada um dos livros de contos.O que faço fica grande, aí corto, entãotento um romance, aí não consigo. Oprimeiro (Discurso Sobre o Capim, 2005)era um romance de 100 páginas das quaisaproveitei 11 linhas. Esse já aproveitei umpouco mais: cheguei a finalizar umromance de 120 páginas e transformei emcontos, aproveitei umas 30, 40 páginas.O leitor vai encontrar essas partes lá,mas foram muito modificadas. Quandoentreguei o livro, achei que era maisfraco, que tomei o partido errado, maspensei: “Bom, é o que eu posso fazer”.Talvez eu esteja errado, mas sempretenho a sensação de que o que escrevoestá pior do que o anterior, que o meumelhor livro é o Goleiro.

Quando é a hora de pararde mexer no texto?Se eu não tivesse ajuda de fora, nãoparava. O primeiro livro parei quandodois escritores argentinos que admiromuito, o Tomás Eloy (Martinez, jáfalecido) e o Alberto Manguel, elogiaram.O Alberto falou: “Quero publicar naminha coleção” e o Tomás disse: “Sevocê não publicar eu vou publicar dealguma forma”. Eu já estava decidido anão publicar. Este último, quando fizainda em formato de romance, quemfalou que estava bom foi a Lilia(Schwarcz, sua mulher, colunista doOutlook), ela foi a única pessoa quegostou. Os editores aqui fizeram umacritica severa, achei que eles tinhamrazão, quatro ou cinco que leram falaram“Luiz, não tá bom”. Fui para casa, nãofiquei muito abatido. Um lado meu atéficou contente, do tipo “Tá vendo? Faleique não era bom, sou um bom leitor,não um escritor”.

Chegou a desistir?Depois de um tempo fui para Nova Yorkcom a Lilia, ela ia dar aula em Princetone eu teria um escritório na (editora)Penguin, trabalhando (a Penguin fezrecentemente uma fusão com aCompanhia das Letras), me senti comoum estagiário, como no começo daminha vida na Brasiliense. Imagineichegar lá para trabalhar de manhã,à tarde iria escrever meu livro. Chegueie desanimei. Aí, no segundo dia meavisaram que o Tomás Eloy tinhamorrido. Fiquei muito tocado, ele tinhasido a única pessoa a quem eu tinhaentregue meu livro como romance.Escrevi para o (jornal) O Globo sobreo Tomás, o papel dele na minha vida,contei de quando ele me levou ao(museu) Metropolitan e falou: “Você éum escritor”. Meu pai também tinhamorrido há pouco tempo, então resolvireescrever o livro em forma de contos,para ele e para o meu pai. Eu não mecomunicava com o meu pai. Na verdadequeria escrever para mim e estavaprecisando de uma desculpa.

O trabalho de editortem um glamourque nãocorrespondeà realidade. Muitosdos melhores livrosque publiquei, não liporque estavaocupado com outrooriginalDe onde vem essa vontade de se

expressar? Você que sempre foireservado agora está lançando livrode contos (Linguagem de Sinais), etem um blog tão pessoal (Imprima-se,no site da Companhia das Letras).A decisão de escrever na minha vidasurgiu de maneira bem espontânea.Antes do Minha Vida de Goleiro (infantil,seu primeiro livro, de 1998), acho que játinha tido ideia de escrever com certeza,em 89, 90. Uma delas até conto no meublog, sobre quando o (livro de AnaMiranda) Boca do Inferno foi publicado,que fala da minha relação com o mundoeditorial. Na época, tentei fazer umromance em que o personagem era umeditor, era uma catarse talvez do que euestava sentindo naquela ocasião coma profissão. Depois quis escrever sobreo meu pai, ele era muito quieto, maisquieto do que eu, e eu fui ficando cadavez mais quieto. Ele me contou muitopouco da vida dele, até que fui aBudapeste, vi o lugar onde ele morou,fiquei impressionado, emocionado, tenteicontar essa história e não consegui comoromance, então escrevi o Goleiro.

Você, como editor, figura conhecida,teve medo de se expor?No começo não, era uma vontade.De alguma forma, precisava meexpressar. O primeiro livro escrevi paraos meus filhos, por conta de umasituação familiar complicada que meuspais estavam vivendo. Fiz com muitaleveza, demorei seis meses paraescrever, gostei muito de escrever.Essa comunicação com a criança é paramim mais natural do que com o adulto.Minha dicção é mais infantil. Tenho umaafetividade que não sei explicar.

O novo livro dele, Linguagem de Sinais

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E seus dois livros de contos falamda incomunicabilidade.Admirava muito o meu pai e pegueimuito o jeito dele, você vê as fotos epercebe como fui ficando parecido comele. Mas, no fim da vida, ele morreu com83 anos, estava abatido, infeliz, ele mecobrava muito, como se eu fosseresponsável pela felicidade dele. Soufilho único, não sei se vem daí. Gostomuito do silêncio, de quem respeitao silêncio na literatura. Os autores quegosto se expressam com o silêncio,têm a linguagem enxuta, mesmo namúsica, gosto do silêncio.

Você adora música clássica, issovem de família?Meu pai gostava muito de ópera, ele melevava para ver, eu detestava. Simulavaque estava com febre e botava otermômetro na lâmpada para esquentar,para não ir. Mas sempre gostei demúsica, viajo para assistir concertos. Vio (maestro) Claudio Abbado regendo emLucerna, quando terminou a 9ª Sinfonia(de Beethoven), é uma sinfonia sobre amorte, e aquele homem que está lutandocom a morte (Abbado está doente) botouas mãos sobre o peito, e os músicosmantiveram os instrumentos na mesmaposição. Foram três a quatro minutos emsilêncio, ninguém aplaudiu, era orespeito pelo silêncio da música. (Luiz seemociona.) Então os músicos abaixaramos instrumentos, e foi a hora de aplaudir.As pessoas choraram. Fiqueiemocionado.

E o seu lado roqueiro?Fui um roqueiro fanático. O primeirodisco comprei numa papelaria do BomRetiro, o LP Please Please Me (o primeiroálbum) dos Beatles.

Já que enveredamos pelo passado,vamos falar um pouco da Brasiliense.Eu fazia administração na GV (FundaçãoGetúlio Vargas) e militava no movimentoestudantil. Não gostava deadministração, fiz porque fui criado paraisso, tinha prestado (vestibular para)história na USP e entrado, já era deesquerda mas não conseguia ir contraa minha família. Era muito bom aluno,mas já sabia que não queria assumir agráfica do meu avô. Então fui procurarum estágio na Brasiliense. Gostava deliteratura, pensei em trabalhar com isso.Entrei e fiquei. Fui entrevistado lá no diaque estavam fundando o Leia Livros(jornal de literatura criado por CaioGraco, que influenciaria uma geração).

Sou filho único e meupai me cobrava muito,como se eu fosseresponsável pelafelicidade dele.No fim da vida eleera muito infeliz

FOTO MURILLO CONSTANTINO

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quadros do Volpi, Pancetti, Guignard,Milton da Costa, Antonio Bandeira, nosúltimos tempos Lygia Clark. Isso vaiaparecer na minha literatura. No finaldo Discurso Sobre o Capim fiz umconto de um homem muito bemsucedido que tem de fazer um discursoporque ganha um prêmio, tipo Homemde Ideias (Luiz ganhou de fato o prêmioHomem de Ideias, em 1987). Ele nãoconsegue se lembrar de fatos paracontar, lembra de pequenos percalços,a iniciação sexual com uma prostituta,o temor de virar adulto, e aí se lembrado primeiro quadro que comprou. É umquadro que está na minha casa, umPancetti que foi até capa de exposiçãona FAAP. É uma marinha com poucosdetalhes, tem um barquinho e na areiatem um capim surgindo. É muitobonito,fiquei muito emocionadoquando o comprei, ficava olhandomuito para esse quadro. Então nodiscurso, em vez de falar da vida dele,o cara do meu conto fala porque nasceuaquele capim naquela areia. Acho queeu estava expressando o significado daliteratura, quis dizer que as coisas nãosão muito pensadas.

Mas podem ser muito pessoais.É, acho que uma das minhas fraquezascomo escritor é não conseguir me livrarda minha biografia, muita coisatransformo em literatura. Uma daseditoras aqui me disse assim: “Vocêé bom quando faz memória”. Váriasvezes as pessoas me falaram isso.Quando comecei o blog resolvi contar oscasos de editor porque estou esquecendomuita coisa. Me soltei um pouco demais.Talvez tenha um livro de memórias aí.

Como é sua vida de editor?O trabalho de editor é muito chato, temum glamour que não corresponde àrealidade. Muitos dos melhores livrosque publiquei, não li porque estavaocupado com outro original. Tem coisasembaraçosas, precisa dizer não.

Como é a divisão de trabalho?Em paralelo.Meus colegas acham que soumuito centralizador, mas tenho éfacilidade de tomar decisão. Hoje estounum processo de delegar mais, a editoraestá passando de tamanho médio paragrande, não dá mais para fazer tudo. Àsvezes participo como editor de um autorimportante, tem escritores que entregamnum estágio prévio e o livro vai seconstruindo com o diálogo com o editor.No Chatô, por exemplo, o FernandoMorais, que é meu amigo, mandava cadacapítulo, a gente ia conversando.

Chico Buarque, Milton Hatoum, AnaMiranda, Bernardo Carvalho, vocêlançou nomes grandes. Como foiperceber que estourariam?A literatura deles se impõe, e cada caso éum caso. O Milton mandou o originaldele para a Maria Emilia (editora daCompanhia) com uma cópia para mim.Li o livro no final de semana e falei:“Esse cara tem muito talento”. O finalnão amarrava na primeira versão,arrumamos depois. Foi uma emoção leros primeiros contos do Bernardo. Oprimeiro livro da Patricia (Melo), AquaToffana, é espetacular. O Cidade de Deus(de Paulo Lins, 1997) foi indicado peloRoberto Schwarcz, a edição demorou umano, era um livro muito grande,commuito material para editar, e eu edito

sempre em parceria.E como recusar amigos? Tema história de que Rubem Fonseca,seu amigo pessoal, saiu da editoraporque quis empurrar aquela moça(Rubem indicou a jovem PaulaParisot, Luiz não aceitou).Os autores indicam, mas em geral aceitamque a editora tenha autonomia. Mas nãoquero comentar esse episódio, se você nãose importar, não vou abrir as razões dasaída do Rubem. Não foi apenas isso.

Ainda existem casos de ler originaisque chegam pelo correio ou issoé coisa de filme?Esse é um problema sério. A tendênciadas grandes editoras é não aceitar maisoriginais espontâneos, é uma coisa tristepor princípio, mas é impossíveladministrar a quantidade de textos quechegam. Nos Estados Unidos nenhumeditor aceita um livro assim. No mercadoamericano, se você não tiver um agenteliterário, não publica livro em lugaralgum. Aqui já aconteceu depublicarmos o que chega: O Chalaça(primeiro livro de José Roberto Torero,de 1995) veio pelo correio. O Guia dosCuriosos do Marcelo Duarte veio comuma carta. Li e publiquei.

Você define a Companhia das Letrascomo editora que opta pela qualidade.Já esteve perto dos bestsellers?J.K. Rowling (autora de Harry Potter)a gente não comprou por falha nossa.Tivemos acesso ao Harry Potter antesdos outros editores, a Lilia, que cuidadessa parte, não viu, estava fazendo alivre docência dela. É uma história típicado mercado: alguém aqui deu umparecer contrário. E eu falava: “Olha, tôem Londres, o livro está acontecendo”.Foi um erro nosso e ponto final.

Sua mulher cuida dos infantis. Seusfilhos trabalham na editora, é umavida em família. Como você e a Liliase conheceram?

Tivemos acesso aoHarry Potter antesdos outros editorese alguém aqui deuum parecercontrário.Foi um erro nossoe ponto final

Isso então foi final dos anos 1970.Como foi sua participação nascoleções que marcaram época lá,tipo Primeiros Passos, ou os beatniks,o livro do Marcelo Rubens Paiva(Feliz Ano Velho), o Porcos com Asas(de Marco L. Radice e Lidia Rivera)?Minha história se juntou com a do Leia,talvez minha presença tenha ajudadoa editora a caminhar para o lado que foi.O Caio era um cara com a cabeça muitoaberta, eu era estagiário mas ele mechamava para dar palpites, participar nasreuniões. Ele me passou um trabalho comos contos de Lima Barreto, essa históriaestá no Em Busca do Thesouro daJuventude (segundo livro infantil de Luiz,de 2003). A coleção Primeiros Passos foiideia dele, ia sair como tradução de umacoleção espanhola, e ele me passou aversão brasileira. Porcos com Asas eleque escolheu. A gente dividia. Fiqueinove anos lá.

Tanto na Brasiliense e muito mais naCompanhia das Letras as ediçõessempre chamaram atenção tambémpelo cuidado estético, pelas capasoriginais. É coisa sua?Minha mãe sempre foi muito ligada emarte, até num dos contos que escrevi opersonagem era um menino que ficavaassistindo aulas de história da arte, issoacontecia na casa da minha mãe.O contato com os artistas jovens, amudança visual nos livros, isso foisempre uma das minhasresponsabilidades na editora. Gostomuito de estética, de arte. Em casatenho uma pequena coleção de artebrasileira. Modernistas.

O que você gosta? Amilcar de Castro?Tenho uma escultura do Amilcar. E

O lado avô de Luiz: aqui com a neta mais velha, Maria Isabel

FOTO ARQUIVO PESSOAL

Luiz reverenciandodois paizões: o deinspiração, JorgeZahar, editor; e oda vida real, André(no meio)

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MAKING OF

Eu nunca tinha conversado com o Luiz antes, embora minha história tenha se

inspirado por decisões dele, olha que coisa. Quando eu estreava na faculdade e queria

saber de tudo, li todos os beatniks e os policiais noir que a Brasiliense lançava.

Não demorou, ele abriu a Companhia das Letras e enquanto eu me dividia entre a vida

de estudante e as fraldas da minha filha, fugia da realidade mergulhando nos contos

da minha favorita Dorothy Parker, que ele editava. Anos depois, comprei para um

namorado o primeiro livro do Luiz, falando de um garoto santista e goleiro (como ele,

como meu namorado). A vida deu umas piruetas, e olha eu de volta ao mesmo

namorado, e falando com o Luiz de coisas da vida: os medos, os desejos, as agruras

de ser filho único (ele e eu somos). E por quase três horas de conversa,

parecemos tão próximos.

Em um acampamento em Campos doJordão (SP). Eu tinha 13 anos, ela, 11.Fomos nos rever só no colegial, eu eracolega do irmão dela no grupo judaico.Aí já tinha 17 anos e começamos anamorar. Estamos casados há 31 anos.Trabalhar em família ajuda a saber quaissão os valores certos, a ter estabilidade.

Falando em infantil, esse mercadocresce a cada dia. Quanto representana companhia? Aliás, quantos livrosvocês publicam por ano?O infantil cresce, aqui pega uns 25%,mas temos outras coisas, os quadrinhos,a Cia de Bolso, a Penguin. Hoje aCompanhia publica 270 livros por ano,é quase um por dia.

Fale da fusão com a Penguin.Partiu deles. Eles queriam estender parao Brasil o que já faziam na Coreia e naÍndia. É a maior empresa editorial domundo, vamos poder ter acesso aomelhor trabalho editorial do mundo emtodos os setores: marketing, aparatos,embalagem. Foram meses de conversa,o maior desafio da sociedade foi lidarcom as grandes corporações deadvogados deles. É um momento chavenosso, como foram outros que marcaram

a Companhia: editar o Rubem Fonseca,depois a História da Vida Privada,os livros do (jornalista) Elio Gaspari,as grandes biografias.

A lista de bestsellers do Brasil estámais parecida com as listas no mundo.Você já disse que nossos leitoreseram mais sofisticados.Isso mudou. A lista de bestsellersbrasileiros está menos intelectualizadae literária do que antes. Mas não é mausinal. Quero olhar com otimismo. Asclasses C e D estão entrando no mercado,tanto que os livros que estão nas listastêm preços não tão altos. O mundointeiro está em crise de superprodução,o fracasso hoje é mais radical, a vida dolivro é mais curta. No começo fracassoera vender dois mil livros. Hoje temmuito livro que vende mil, mas a genteaqui não analisa só pelo aspectocomercial.

Livro é moda, tem as Bienais, a Flip.Você ajudou a criar a Flip e depoissaiu, o que aconteceu?Saí depois da segunda Flip por conta dosconflitos que a minha presença gerou.Tive a ideia, fui atrás dos editores, nocomeço eu colocava cadeiras, fazia tudo.

Os editores escreveram cartas para osjornais dizendo que aquilo era umajogada minha para promover os livros daCompanhia. Ninguém quis contribuir,os cariocas achavam que a Flip era umacompetição com a Bienal do Rio. Hoje,só vou lá por obrigação profissional,não tenho prazer.

Ler é trabalho, então como vocêse diverte?Meu lazer é música. E esporte: corro,nado, monto a cavalo. Tive minhadepressão mais profunda há 12 anose comecei a montar. Montar me faz bem.A Hípica (Paulista) é vista como umlugar de elite, mas ali tenho uma relaçãocom os tratadores, com o animal, adoroa natureza. Comprei meu sítio, o lugarda minha vida, algo sensorial, não seiexplicar. Tomo medicamento paradepressão, mas o esporte é muitoimportante para eu começar o dia.

Um pouco de futuro: a Companhiatem planos de criar conteúdo paraiPads, Kindle, outras mídias?É um caminho natural. Vamos descobrirnovas formatações, mas quero acreditarque o papel do editor fica. Ele tem decuidar da confecção final do livro.

Meu lazer é música.E esporte: corro,nado, monto acavalo. A Hípica(Paulista) é vistacomo um lugarde elite, mas alitenho uma relaçãocom os tratadores,com o animal,adoro a natureza

FOTOS ARQUIVO PESSOAL

Com um dos seusmaiores autores,Saramago, que lhededica aquiamizade, depróprio punho

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F I M D E P A P O

Além da imaginaçãoSe você apertar os olhos bem no meio deste cartaz, verá um rostinho de menino: o de Luiz pequeno,matando a vontade de ser selvagem. O mural de Tarzã fica na sua sala na Companhia das Letras.Outro herói, esse real, era o Pelé: Luiz ia ver todos os jogos do Santos, sempre sozinho. Em casa, chutavabola na parede e se imaginava em grandes aventuras.

O muralcom capasdas históriasdo Tarzã, um dosheróis favoritos