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1 Nº 19 - abril de 2007 E E E E E Abordagem Abordagem Abordagem Abordagem Abordagem Editorial Editorial Editorial Editorial Editorial Ano VI nº 19 - abril 2007 A Organização do Ensino e da Aprendizagem de Matemática esta vez, continuando a subsidiar o supervisor de ensino nas matérias do currículo escolar, tratamos da Matemática e de seu ensino. Visto que a história da humanidade, a própria vida, a ciência, a indústria e o comércio estão impregnados de Matemática, este Suplemento pre- tende fornecer um ponto de apoio aos professores e especialistas, no trato com esta disciplina. O artigo A Organização do Ensino e da Aprendizagem de Matemática , de autoria da Doutora em Educação, Kátia Stocco Smole trata, entre outras coisas, da natureza das atividades, do foco dos conteúdos, da comunicação e da formação do leitor em Matemática. Na seção Depoimento, A mate- mática e suas tecnologias, contamos com o relato da rica e bem sucedida experiência do Supervisor Alcides Domingues, expondo uma meto- dologia que garante a apren- dizagem significativa e prazerosa da Matemática. A entrevista, com a Profa. Neide Antonia Pessoa dos Santos, intitulada “Um olhar diferente para a Matemática” , mostra o desen- volvimento de um projeto, desde os seus fundamentos até a avaliação, com destaque para a reação positiva dos alunos no processo. Ainda, contamos com resenhas de três obras: Letramento no Brasil: Habilidades Matemáticas , Cur- rículos de Matemática: da organização linear à idéia de rede e Matemática e realidade, elaboradas, respec-tivamente, por José Luiz Favaron, Maria José Antunes “Dê-me um ponto de apoio e levantarei o mundo.” (Arquimedes, 287-212 a.C.) Ensinando Matemática na escola e para a vida Katia Stocco Smole (*) D D D D D stá se tornando uma rotina. Todo ano, por volta de fevereiro ou março, somos espectadores de noticiários a respeito do péssimo desempenho dos nossos alunos no que diz respeito à sua aprendizagem da matemática. Prova Brasil, Exame Nacional do Ensino Médio, provas de diferentes governos estaduais, exames internacionais... Todos parecem ter um dado em comum: as habilidades e os conhecimentos matemáticos dos meninos e meninas, dos mais diferentes tipos de escola, vai de mal a pior. Podemos e devemos questionar os exames colocando em cheque sua forma, o modo como são feitos, discordando dos rumos classificatórios que tomam ou dizer que muitos alunos não participam deles com o devido empenho. Mas uma coisa é certa, todos esses fatores não justificariam os dados alarmantes que saem das avaliações sobre a aprendizagem da mate- mática dos estudantes brasileiros. Além disso, os professores que ensinam matemática na escola sabem que nesse caso, os números não mentem e são, portanto, indícios externos daquilo que vêem todos os dias em suas aulas. O mais preocupante nesse cenário é justamente o fato e o risco dele se tornar rotina como dissemos no início desse artigo, Rocha R. da Costa e Maria Antonia de Oliveira Vedovato. Comissão organizadora: Albino Astolfi Neto Domingas M. do Carmo R. Primiano Eliene Bonetti Maria Antonia de O. Vedovato Maria Cecília Mello Sarno Maria de Lourdes de Capua Maria José Antunes R. da Costa Maria Lúcia Morrone Severiano Garcia Neto Representação da Matemática, gravura de 1500

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1Nº 19 - abril de 2007

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Ed i t o r i a lE d i t o r i a lE d i t o r i a lE d i t o r i a lE d i t o r i a l

Ano VI nº 19 - abril 2007

A Organização do Ensino e daAprendizagem de Matemática

esta vez, continuando asubsidiar o supervisor deensino nas matérias do

currículo escolar, tratamos daMatemática e de seu ensino. Vistoque a história da humanidade, aprópria vida, a ciência, a indústria eo comércio estão impregnados deMatemática, este Suplemento pre-tende fornecer um ponto de apoioaos professores e especialistas, no tratocom esta disciplina.

O artigo A Organização doEnsino e da Aprendizagem deMatemática , de autoria da

Doutora em Educação, KátiaStocco Smole trata, entre outrascoisas, da natureza das atividades,do foco dos conteúdos, dacomunicação e da formação doleitor em Matemática.

Na seção Depoimento, A mate-mática e suas tecnologias, contamoscom o relato da rica e bem sucedidaexperiência do Supervisor AlcidesDomingues, expondo uma meto-dologia que garante a apren-dizagem significativa e prazerosa daMatemática.

A entrevista, com a Profa. Neide

Antonia Pessoa dos Santos, intitulada“Um olhar diferente para aMatemática”, mostra o desen-volvimento de um projeto, desde osseus fundamentos até a avaliação,com destaque para a reação positivados alunos no processo.

Ainda, contamos com resenhasde três obras: Letramento no Brasil:Habilidades Matemáticas, Cur-rículos de Matemática: daorganização linear à idéia de rede eMatemática e realidade, elaboradas,respec-tivamente, por José LuizFavaron, Maria José Antunes

“Dê-me um ponto de apoio e levantarei o mundo.”(Arquimedes, 287-212 a.C.)

Ensinando Matemática na escola e para a vida

Katia Stocco Smole (*)

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stá se tornando uma rotina.Todo ano, por volta defevereiro ou março, somos

espectadores de noticiários arespeito do péssimo desempenho dosnossos alunos no que diz respeito à suaaprendizagem da matemática. ProvaBrasil, Exame Nacional do EnsinoMédio, provas de diferentes governosestaduais, exames internacionais...Todos parecem ter um dado em comum:as habilidades e os conhecimentos

matemáticos dos meninos e meninas, dosmais diferentes tipos de escola, vai demal a pior.

Podemos e devemos questionar osexames colocando em cheque suaforma, o modo como são feitos,discordando dos rumos classificatóriosque tomam ou dizer que muitos alunosnão participam deles com o devidoempenho. Mas uma coisa é certa, todosesses fatores não justificariam os dadosalarmantes que saem das avaliações

sobre a aprendizagem da mate-mática dos estudantes brasileiros.Além disso, os professores queensinam matemática na escolasabem que nesse caso, os númerosnão mentem e são, portanto,indícios externos daquilo quevêem todos os dias em suas aulas.

O mais preocupante nessecenário é justamente o fato e orisco dele se tornar rotina comodissemos no início desse artigo,

Rocha R. da Costa e MariaAntonia de Oliveira Vedovato.

Comissão organizadora:Albino Astolfi Neto

Domingas M. do Carmo R. Primiano

Eliene Bonetti

Maria Antonia de O. Vedovato

Maria Cecília Mello Sarno

Maria de Lourdes de Capua

Maria José Antunes R. da Costa

Maria Lúcia Morrone

Severiano Garcia Neto

Representação da Matemática,gravura de 1500

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nos acostumarmos a esse fracasso ou, oque pode ser pior, atribuí-lo à baixacapacidade dos nossos alunos emaprenderam. É preciso mudar o cenáriocom urgência. Do mesmo modo quenos preocupamos com a leitura e aescrita, é urgente que tomemos medidasreais e eficazes no que diz respeito aosproblemas referentes ao ensino e àaprendizagem da matemática.

Em primeiro lugar, não atribuindoa responsabilidade a quem é sujeito dedireito dessa aprendizagem, até porque,salvo raríssimas exceções, não háfatores inatos que justifiquem umaincapacidade para pensar matema-ticamente. Também não são inatos aaversão e o desinteresse dos alunos poressa ciência.

Em segundo lugar, estabelecendometas e agindo na direção de mudar,de fato, o enfoque dado a nossas aulase à forma que elas têm na escola.Damos aula para alunos da idade damídia como se fazia na Idade Média.É preciso repensar os focos e, comurgência, rever metas no que dizrespeito à matemática seu ensino naescola e a aprendizagem dos alunos.

Precisamos ter em mente aimportância de desenvolver no aluno não

apenas os conhecimentos específicos dadisciplina, mas também as capacidadesde comunicação, de resolução deproblemas, de tomada de decisões, defazer inferências, de criar, que são úteise importantes não apenas na mate-mática, mas em toda nossa vida.

Assim, o ensino de Matemática deveser organizado para adaptar-se ao nívelde conhecimento e progresso de alunoscom diferentes interesses e capa-cidades, criando condições para quealcancem níveis cada vez mais altos deconhecimento, de modo a possibilitara inserção em um mundo em mudançae, ao mesmo tempo, contribuir paradesenvolver as capacidades que delesserão exigidas em sua vida social eprofissional. Isso porque acreditamosque, em um mundo onde asnecessidades sociais, culturais eprofissionais ganham novos contornos,todas as áreas de atividade humanarequerem alguma competência emMatemática.

A compreensão de conceitos eprocedimentos matemáticos énecessária para o cotidiano, tanto parao cidadão tirar conclusões e fazerargumentações, quanto para agir comoconsumidor consciente e prudente ou

tomar decisões e resolver problemas emsuas vidas pessoal e profissional.

É importante que, ao longo de suavida escolar, os alunos percebam que amatemática tem um valor formativo,que ajuda a estruturar o pensamento ea desenvolver diferentes formas deraciocínio, sendo também umaferramenta para a vida cotidiana e paramuitas tarefas específicas de quase todasas atividades humanas, ou seja, ela temum papel instrumental.

Em seu papel formativo, a Matemáticacontribui para o desenvolvimento deprocessos de pensamento e a aquisiçãode linguagens e atitudes cuja utilidadeultrapassa o âmbito da própria ma-temática, podendo formar no aluno acapacidade de resolver problemas,elaborar representações da realidade,gerando hábitos de investigação, decolocar em xeque, proporcionandoconfiança e desprendimento paraanalisar e enfrentar situações novas,propiciando a formação de uma visãoampla e cientifica da realidade, apercepção da beleza e da harmonia, odesenvolvimento da criatividade e deoutras capacidades pessoais.

No que diz respeito ao caráterinstrumental, a Matemática deve servista pelo aluno como um conjunto detécnicas e estratégias, tanto para seremaplicadas a outras áreas do conhe-cimento, quanto para a atividadeprofissional. Não se espera que os alunosdominem muitas e sofisticadas estratégias,mas que desenvolvam a iniciativa e asegurança para adaptá-las a diferentescontextos, usando-as adequadamente nomomento oportuno.

Analisar as funções da Matemáticaescolar que apresentamos até aqui leva-nos a pensar que aprender Matemáticaé mais do que memorizar resultadosdessa ciência, isto é, a aquisição do

conhecimento matemático estávinculada ao domínio de um saber fazerna Matemática. Por isso, a escolha doque ensinar, a forma de ensinar e oambiente da sala de aula são fundamentaisno processo escolar.

A natureza das atividades e o focodos conteúdos

Sem dúvida devemos procurarmanter os alunos em constante reflexãosobre o conhecimento matemático.Mas para isso, é importante pensarmosna forma das nossas aulas e perceberque atenção não se consegue nem comaulas centradas unicamente na expo-sição que o professor faz, nem emexercícios repetitivos e maçantes.Cuidar da sistematização do que seaprende é parte da Matemática escolar,mas o que deveria caracterizar as aulasdessa disciplina para que elas sejamdesafiadoras, são atividades realmentelúdicas, aplicadas, diversificadas, assimcomo as variadas formas de registrosfeitos pelos alunos para garantir quefaçam sínteses de sua aprendizagem.

Isso significa que jogos, recursos dainformática, jornais e revistas, livrosdiversos, projetos envolvendo artesdeveriam ser, entre outros, recursosmuito aproveitados nas nossas aulas.

A resolução de problemas poderiaser o fio condutor da forma de de-senvolvermos as aulas de matemática.A escolha dessa opção garante espaçopara a aprendizagem da Matemáticauma vez que, no processo de resoluçãode problemas, ao mesmo tempo em queos resolve, o aluno pensa matema-ticamente, simula o fazer Matemática,uma vez que é na busca de novas soluções,na percepção e expressão de regularidades,no exercício da argumentação que seconstroem os elementos fundamentaispara desenvolver formas de expressão nalinguagem matemática e para o processode formalização do conhecimentomatemático.

Não resolvemos problemas porqueaprendemos, mas aprendemos porqueresolvemos problemas. Assim, con-ceitos, estratégias, procedimentos,habilidades e competências vão seconstruindo em função da busca dasolução de um problema e as relaçõessão estabelecidas entre o que já se sabee o que se precisa saber. Isso nãosignifica descuidar as regras e técnicas,

Detalhe do afresco pintadopor Rafael Sanzio, A Escolade Atenas, no qual aparecemvários filósofos. Euclides deAlexandria, matemático,representado com umaprancheta, fazendo cálculoscom um compasso.Obra pintada de 1509 a1510, na Stanza dellaSegnatura, Vaticano.

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mas elas são redimensionadas paragarantir a aquisição de atitudes e

procedimentos que permitam aosalunos aprender efetivamente.

Um aspecto fundamental é levar asério as recomendações de que os alunosdesenvolvam conhecimentos amplos noque diz respeito não apenas a aspectosnuméricos e algébricos, mas também anoções de espaço e forma, estatística,probabilidade e medida. Cada umdesses temas ou eixos traz umacontribuição diferente à construção dopensamento e dos saberes matemáticosdos alunos. Cada um desses eixos é umcampo de interesse com organizaçãoprópria em termos de linguagens,conceitos e especialmente habilidadese objetos de estudo.

Precisamos compreender que adecisão pela organização do ensino dematemática em eixos é uma opçãodidática, que envolve uma concepção deensino e aprendizagem que se contrapõeà tendência de um ensino fragmentado,ou que prioriza a numeração e o cálculoignorando ou dando pouca ênfase àsdemais habilidades. Em outras palavras,por detrás de uma tal opção está umapreocupação em garantir formas diversasde aprender, uma visão menos frag-mentada do ensino e da aprendizagemda Matemática escolar, embasados poruma concepção de ensino e aprendizagemque interfere diretamente na forma comoo professor planeja e avalia o processo deensinar e aprender.

Didaticamente falando, pensar emum ensino organizado por eixos nasaulas significa assumir que, embora oensino se organize de modo linear, osalunos aprendem estabelecendorelações entre diferentes conceitos eprocedimentos matemáticos.

O ambiente das aulasÉ no espaço da sala de aula que

acontecem a sistematização do conhe-cimento, a construção da linguagemmatemática, a troca de experiências, asdiscussões e interações entre alunos eprofessores. Esse espaço deve ser marcadopelo trabalho cooperativo e estimulantepara todos os participantes, de modo aincentivá-los a vencer desafios.

O ambiente proposto é de cres-cimento e transformação, que encorajaos alunos a explorar possibilidades,levantar hipóteses, buscar soluções para

problemas, justificar racio-cínios e analisar conclusões.Nesse espaço, a autonomia éestimulada e os erros discu-tidos como parte de um pro-cesso de aprendizagem que érepleto de idas e vindas, masque sempre gera novosconhecimentos, novas inves-tigações.

Assim, além dos jogos,dos trabalhos em grupos, das atividadesdiversificadas, é possível manter na salauma caixa com livros que falem sobrematemática para que os alunos leiam,pode-se construir com eles umacoletânea de problemas diferentesdaqueles dos livros didáticos, criar umespaço para jogos que eles tragam ejogar em uma aula, por mês, maislivremente. Vale a pena manter ummural de desafios semanais, no qual seapresenta um problema que deverá serresolvido ao longo de uma semana ediscutido posteriormente. Pode-setambém, fazer uma folha de atividadesnas quais as propostas estejamresolvidas com erros e a tarefa dosalunos é, em duplas, identificar eexplicar os erros e depois fazer uma listade dicas para não errar.

Nesse ambiente, os alunos têmespaço para apresentar diferentes

formas de resolver um problema, umaconta ou uma equação e colocam essasformas em um painel na lousa, paradepois discutirem semelhanças ediferenças entre suas soluções,vantagens e desvantagens de cada uma.Formas geométricas, quebra-cabeças,sucatas, tudo é utilizado para comporum cenário mais colorido para as aulas.

Nesse espaço, o professor faz emcada aula uma pauta de trabalho comos alunos e garante, com freqüência,espaço para fechamentos e discussõesde dúvidas. Assim, por exemplo, podepedir que, a cada semana, de dois aquatro alunos da turma tragam umadúvida sobre as aulas que se passaram.As dúvidas são apresentadas à classe,que pesquisa, assim juntando formasde superação. Nesse espaço são feitasparadas periódicas para se analisar o quefoi aprendido e as dúvidas que ficarame, a partir desse levantamento, oprofessor prepara revisões, propostasnovas, replaneja suas aulas para

atender, em processo, asnecessidades deretomada ou de avançodos alunos.

Acreditamos que,quando participa de umprocesso de ensino emque pode agir, discutir,decidir, registrar, refletire avaliar com seu grupo,o aluno vivenciasituações favoráveis para

aprender matemática.

A importância da comunicaçãonas aulas de matemática

A palavra comunicação estevepresente durante muito tempo ligadaa áreas curriculares que não incluíam amatemática. Pesquisas recentes afirmamque, em todos os níveis, deve-se aprendera se comunicar matematicamente e queos educadores devem estimular o espírito

de questionamento e levar os seuseducandos a pensar e comunicar idéias.

A predominância do silêncio, nosentido de ausência de comunicação, éainda comum em matemática. Oexcesso de cálculos mecânicos, a ênfaseem procedimentos e a linguagem usadapara ensinar matemática são alguns dosfatores que tornam a comunicaçãopouco freqüente ou quase inexistente.

Se os alunos são encorajados a secomunicar matematicamente comseus colegas, com o professor ou comos pais, eles têm oportunidade paraexplorar, organizar e conectar seuspensamentos, novos conhecimentos ediferentes pontos de vista sobre ummesmo assunto.

Assim, aprender matemática exigecomunicação, no sentido de que éatravés dos recursos de comunicaçãoque as informações, conceitos erepresentações são veiculados entre aspessoas. A comunicação do significadoé a raiz da aprendizagem.

Promover comunicação em mate-mática é dar aos alunos a possibilidadede organizar, explorar e esclarecer seuspensamentos. O nível ou grau decompreensão de um conceito ou idéiaestá intimamente relacionado à co-municação bem sucedida desteconceito ou idéia.

Dessa forma, quanto mais os alunostêm oportunidade de refletir sobre umdeterminado assunto, falando,escrevendo ou representando, mais elescompreendem o mesmo.

Somente trocando experiências emgrupo, comunicando suas descobertase dúvidas e ouvindo, lendo e analisandoas idéias do outro é que o alunointeriorizará os conceitos e significadosenvolvidos nessa linguagem, de formaa conectá-los com suas próprias idéias.

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A capacidade para dizer o que sedeseja e entender o que se ouve ou lêdeve ser um dos resultados de um bomensino de matemática. Essa capacidadedesenvolve-se quando há oportunidadespara explicar e discutir os resultadosobtidos e para testar conjecturas.

Formar o leitor é tarefa tambémdas aulas de Matemática

Em qualquer área do conhecimento,a leitura deve possibilitar a compreensãode diferentes linguagens, de modo queos alunos adquiram uma certa autonomiano processo de aprender. Falandoespecificamente de Matemática, éfreqüente os professores acreditarem queas dificuldades apresentadas por seusalunos, em ler e interpretar um problemaou exercício de Matemática, estãoassociadas à pouca competência que elestêm para leitura. Também é comum aconcepção de que se o aluno tivesse maisfluência na leitura nas aulas de línguamaterna, conseqüentemente ele seria ummelhor leitor nas aulas de Matemática.

Embora tais afirmações estejam emparte corretas, pois ler é um dos principaiscaminhos para ampliarmos nossaaprendizagem em qualquer área doconhecimento, consideramos que nãobasta atribuir as dificuldades dos alunosem ler problemas à sua pouca habilidade

em ler nas aulas de Português. Adificuldade que os alunos encontram emler e compreender textos de problemasestão, entre outras coisas, ligadas aausência de um trabalho específico coma leitura, nas aulas de Matemática.

Um dos diversos desafios a seremenfrentados pela Matemática escolar éo de fazer com que os alunos sejamleitores fluentes nessa disciplina. Assim,deve merecer atenção especial que osalunos aprendam progressivamente autilizar a leitura para buscar informaçãoe para aprender, podendo exprimiropinião própria sobre o que leram. Aofinal do ensino básico, é preciso que osalunos possam ler textos matemáticosadequados para sua idade de formaautônoma, estabelecendo inferências,fazendo conjecturas, relendo o texto,conversando com outras pessoas sobre oque foi lido. Diversos estudos têmmostrado que é cada vez maisimportante que a leitura seja objeto depreocupação também nas aulas deMatemática.

Há uma especificidade, umacaracterística própria na escrita mate-mática que faz dela uma combinaçãode sinais, letras, palavras, que seorganizam, segundo certas regras, paraexpressar idéias.

Além dos termos e sinais específicos,há na linguagem matemática umaorganização de escrita nem sempresimilar àquela que encontramos nostextos de língua materna, exigindo umprocesso particular de leitura.

Essas características nos levam aconsiderar que os alunos devemaprendem a ler Matemática e ler paraaprender Matemática durante as aulasdessa disciplina, pois, para interpretarum texto matemático o leitor devefamiliarizar-se com a linguagem e ossímbolos próprios desse componente

curricular, encontrando sentido no quelê, compreendendo o significado dasformas escritas que são inerentes aotexto matemático, percebendo comoele se articula e serve para expressarconhecimentos.

Durante as aulas, em que sediscutem conceitos e procedimentosmatemáticos, é que temos as melhorescondições para que a leitura emMatemática se desenvolva. No entanto,formar um leitor não é uma tarefasimples e envolve uma série deprocessos cognitivos e, porque nãoafetivos, que vão permitir umaaprendizagem mais ou menossignificativa, dependendo do quanto oprofessor valorizar as leituras nas aulasde Matemática pois, do mesmo modoque ocorre nas aulas de língua materna,é muito difícil que alguém que nãovalorize a leitura, que não sinta prazerem ler, consiga transmiti-lo aos demais.

Podemos organizar várias atividadescujo uso cuidadoso e contínuoauxiliarão para que os alunos tornem-se leitores autônomos em Matemática.Há muitas formas de incentivarmos aleitura nessa disciplina e de variarmosseus objetivos: ler para aprender, lerpara obter uma informação, ler paraseguir instruções, ler por prazer, ler paracomunicar um texto a outras pessoas.

Também consideramos necessáriocriar uma rotina de leitura que articule

momentos de leitura individual, oral,silenciosa ou compartilhada, de modoque, nas aulas de Matemática, os alunossejam defrontados com situaçõesefetivas e diversificadas de leitura. Ostextos a serem lidos precisam seradequados aos objetivos que o professorpretende alcançar e diversificados –problemas, textos de livros variados,textos de jornal, regras de jogos- demodo que a leitura seja significativa paraos alunos, correspondendo a umafinalidade que eles compreendam.

É necessário, portanto, que haja umtrabalho constante com essas estratégias,em todas as séries escolares, pois seráapenas enfrentando a formação do leitorcomo uma tarefa de todos os professoresda escola, inclusive de Matemática, quecriaremos oportunidades para que todosos alunos desenvolvam essas habilidades,que são essenciais para que eles possamaprender qualquer conceito, emqualquer tempo.

O cenário que apresentamos nessetexto, bem como as idéias que defendemossão exigentes. Baseia-se em uma aulacuidadosamente planejada, em umaconcepção de ensino e aprendizagem queaposta nas capacidades dos alunos. Alémdisso, é um cenário otimista mais do quedenunciatório, uma vez que coloca nasações escolares e no profissional daeducação matemática a possibilidadeda mudança.

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DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento

* Katia Stocco SmoleDoutora em Educação – área de ensinode ciências e matemática - pela FEUSP;Coordenadora do grupo Mathema.

No entanto, a síntese dessasconsiderações a respeito da organizaçãodo ensino e da aprendizagem daMatemática escolar para que ela possaser realmente efetiva, é a seguinte:não há mais tempo. Não podemosmais ficar na constatação ou nalamentação daquilo que deveria ser enão é. O tempo que passamosdenunciando ou lamentando, de-veríamos dedicar a uma ação diária,um compromisso político de fazer na

escola uma Matemática mais justacom as necessidades e possibilidadesde nossos alunos.

Referências bibliográficas

. NACARATO, Adair M. e Lopes, CeliA.L. (org). Escrita e leituras naEducação Matemática. Belo Horizonte:Autêntica, 2005

. POWELL, Arthur e BAIRRAL, Marcelo.A escrita e o pensamento matemático.

A matemática e suas tecnologiasste trabalho focaliza aexperiência no ensino daMatemática Escolar comalunos da Educação Básica de

Jovens e Adultos (EJA) e propõe aosprofessores um novo olhar para estadisciplina que, para ser aprendida portodos os alunos, deve ser contex-tualizada e aplicada de forma que aaprendizagem seja construída portodos os envolvidos no processoensino-aprendizagem, de maneiraalegre e divertida.

Tem como objetivo geralmelhorar a aprendizagem dos alunose apontando aos demais docentesdiferentes formas de tratar osconteúdos matemáticos. Seuobjetivo específico é estimular osprofessores, nas reuniões de Horasde Trabalho Pedagógico Coletivo dasescolas ou reuniões pedagógicasprevistas em calendário escolar, acriarem formas de contextualizaroutros conteúdos matemáticos,integrando-os com as demais áreasou disciplinas, sem desvinculá-la desua prática.

Lüdke afirma que é preciso repensaro processo de formação inicial do professorda escola básica e as formas de articulaçãoentre conteúdo, pedagogia e práticadocente, a partir do papel fundamentalda formação específica. Ela diz:

[...] “já é tempo de se alterar a direçãodo eixo que vem norteando alicenciatura, fazendo-o centrar-seclaramente no lado das áreas específicas.[...] Isso não implica, entretanto, quenão haja uma importante contribuiçãoda área pedagógica, cuja continuidade

Alcides Domingues (*)

deve ser assegurada, mas numaarticulação epistemológica diferente comas outras áreas, não numa simples relaçãotemporal de sucessão. Deve-se partir doconteúdo específico, para trabalhar-se adimensão pedagógica em íntima relaçãocom ele”.

No caso da licenciatura em mate-mática, essa posição apresenta umamudança de foco importante, namedida em que inclui no debate aformação de “conteúdo”, usualmenteconsiderada parte autônoma dentro doprocesso geral de formação do professor.Neste trabalho, descreve-se parte doconhecimento matemático envolvidonas questões que se colocam para oprofessor em sua prática docente naescola básica e deve ser confrontado como conhecimento matemático veiculadona licenciatura.

Cabe ao professor criar situações queprovoquem os alunos a interagir entresi, trabalhar em grupo, buscarinformações, dialogar com especialistase produzir novos conhecimentos. Paraisso, o fundamental é que o professorpossa observar e dialogar com seu alunopara compreender suas dúvidas,inquietações, expectativas e necessidades,e, ao propor atividades, colocar emnegociação as próprias intenções,objetivos e diretrizes, de modo quedesperte no aluno a curiosidade e odesejo pelo aprender.

O objetivo não é, nesse estágio deinvestigação, propor alternativas, masdescrever formas concretas com que seexpressa a dicotomia – reiteradamenteapontada nos estudos sobre aslicenciaturas, mas quase sempre em

termos genéricos ou superficiais – entrea formação inicial e a prática docente.Essas formas concretas traduzem-senum conjunto de exemplos específicosde questões que se colocam para oprofessor na prática da educaçãomatemática escolar e que são ignoradasou tratadas de forma insuficiente ouinadequada pelo processo de formaçãona licenciatura.

Segundo Moreira & David, duasidéias básicas orientaram o estudo:• A matemática escolar não se reduz auma versão elementar e “didatizada” damatemática científica.• A prática profissional do professorde matemática da escola básica é umaatividade complexa, cercada decontingências, e que não se reduz auma transmissão técnica e linear deum “conteúdo” previamente definido.

Portanto, é fundamental que oprofessor compreenda as poten-cialidades, as implicações e asexigências do desenvolvimento deprojetos em sala de aula, nos quaisos alunos são sujeitos ativos daaprendizagem, procurando proporestratégias e reflexões que con-templem a autoria dos alunos epreservem a função essencial daescola: o desenvolvimento daautonomia do ser humano, aprodução de conhecimentos e a cons-trução da cidadania.

Introdução: Problema NorteadorExiste entre muitos alunos um

medo, ou mesmo aversão, pelaMatemática. As causas desse medodevem ser neutralizadas ou exter-

minadas do meio escolar. Surgem,pejorativamente, as palavras “alge-brismo” e “algebrista”, que são usadascomo adjetivos para indicar uma dascausas responsáveis pelo surgimentodo citado medo. Salienta-se que oassunto não é algo novo, pois já foi, eainda é pesquisado, por inúmeroseducadores. Paralelamente, cita-se queesse nefasto sentimento atinge todosos níveis de ensino (Fundamental,Médio e Superior).

Julga-se que a culpa do surgimentodo medo da Matemática, acima detudo, pertence à Escola e, sobretudo,aos professores “algebristas” que opreservam em sua atividade docente,afastando inúmeros estudantes dabeleza e do aspecto prático daMatemática. Conclui-se que existepouca beleza, pouco desenvolvimentodo raciocínio e uma serventia bastantequestionável no ensino da Matemáticaque está sendo realizado, em algunsestabelecimentos de ensino; afirma-se,mesmo, que ele se encontra numaprofunda crise. Acredita-se que asinformações apresentadas nestetrabalho, devem fornecer às pessoasdiretamente ligadas ao ensino daMatemática (professores, supervisoresescolares, diretores de escola, entreoutros) uma valiosa informação e umprecioso instrumento, para que,em conjunto, possam mudar ametodologia com que o ensino dessaCiência está sendo praticado emalgumas escolas.

Na prática docente, encontra-se oque é convencional chamar de bonsalunos de Matemática. Por outro lado,

EEEEE

Campinas: Papirus, 2006.

. SMOLE, Katia S. e DINIZ, Maria Ignez(org). Ler, escrever e resolver problemas:habilidades básicas para aprendermatemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.

. SMOLE, Katia S, DINIZ, Maria Ignez eCANDIDO, Patricia. Jogos de 1º ao 5º ano.Coleção cadernos do Mathema – EnsinoFundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006.

. SMOLE, Katia S, DINIZ, Maria Ignez e

MILANI, Estela. Jogos de 6º ao 9º ano.Coleção cadernos do Mathema – EnsinoFundamental. Porto Alegre: Artmed, 2006.

. VILA, Antoni. Matemática para aprendera pensar: o papel das crianças na resoluçãode problemas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

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a maioria deles apresenta uma reaçãoemocional negativa ao terem que estudarMatemática e uma grande resistência emaprendê-la.

Na realidade, o que se verifica é queo ensino da Matemática tem sidotraumatizante. Disciplina básica noscurrículos de todos os graus em todoo mundo, por razões várias éconsiderada difícil por muitos,desinteressante por outros, atéinacessível para alguns.

Há concordância geral de queMatemática é importante e mesmofundamental para o mundomoderno e, paradoxalmente, há umaopinião crescente de que ela é difícil,desinteressante, ensinada somentepara se fazer provas, enfim, de quesó serve para passar de ano na escolae nada mais.

Desta forma, observa-se que,entre as diversas disciplinas cons-tantes do currículo escolar em todoo mundo, é a Matemática acausadora dos mais altos temoresentre os estudantes. Deste modo,podemos reformular a pergunta feitainicialmente, da seguinte maneira:Qual será o motivo, ou haverá muitosmotivos, em alguns casos, quebloqueiam o desenvolvimento doaprendizado e o entendimento mate-mático de nossos estudantes?

Se há coisas que inspiram temor,uma delas é, sem dúvida, a Matemática.Este medo da Matemática é um fatoincontestável. Muitas vezes, talsentimento aparece-nos misturado aoutros, como a indiferença, o desprezoe até o horror, o que não raro nos fazduvidar se realmente esses sentimentos,até certo ponto, são manifestadosapenas para encobrir o medo.

O medo da Matemática pertence,na maioria dos casos, à categoria do“medo por desconhecimento”, e comcerteza tal desconhecimento é devidoà Escola.

O primeiro grande equívoco, peloqual a Escola é, em grande parte,responsável, consiste em considerar aarte de calcular e a Matemática igualna sua essência ou, pelo menos, coisassemelhantes, como se a Matemáticafosse mais que a continuação databuada. Entretanto, a Matemática éuma “língua”, uma linguagem naturaluniversal, nascida da mais íntimanatureza da observação e dopensamento humano e construídacom o máximo de coerência. É uma

língua que qualquer pessoa podeaprender com perfeição, desde quetenha dominado o medo e possua avontade firme de o fazer.

O preconceito já firmado é de quea Matemática é algo esotérico que nãoestá ao alcance das pessoas normais.

Sabe-se que a Matemática, tãocaluniada, longe de ser apenas umaCiência seca, está, pelo contrário, ligadaa todas as manifestações do pensa-mento e do espírito criador do homeme tem mesmo, pontos de contatoessenciais com elas; logo, não deveriaamedrontar, mas sim atrair todoestudante.

Facilmente, observamos que, emMatemática, geralmente, aprendemoslargamente a manipulação algébrica,sem nenhum cuidado com a suaaplicação e, portanto insusceptível deservir à cultura geral. Como tal, umaCiência que deveria estar apoiada nasimplicidade e beleza, muitas vezes,aparece distorcida e aviltada peloalgebrismo.

O ensino da Matemática estárepleto de questões irreais, mentirosas,criadas pela imaginação mórbida dosalgebristas. Com relação a isso,particularmente, na apresentação dediversos problemas, sugerem as seguintesatitudes, entre outras:1º) Os dados de um problema devemser familiares, próprios da experiênciado aluno, isto é, devem constituir umasituação em que o estudante possafacilmente imaginar, encontrar-se nele;2º) O caráter principal de um problemadeve consistir em haver uma razão pararesolvê-lo, isto é, se o aluno estiver na

situação descrita no problema, sentiráuma necessidade real de encontrar asolução que o problema requer;3º) O vocabulário e a estrutura daredação do problema devem encontrar-se dentro da capacidade de leitura dosnossos alunos;4º) Incorporação das Novas Tecnologiasda Informação e Comunicação, paraestimular a reflexão dos profissionais daárea, notadamente os professores doensino médio e fundamental.

Deseja-se que a Matemática, comoqualquer outra Ciência, tenha suasdificuldades e desafios, mas é precisohigienizá-la dos germes compro-metedores de seu aprendizado. Esta éuma discussão pertinente e se aplica auma revisão do ensino, visando acontribuir para a sua melhoria epermitindo que professores e alunospossam aprender e construir osconteúdos didáticos com a utilizaçãode novos recursos, por meio de açõesque utilizem as tecnologias para osdiversos aprendizados.

Contudo, existe uma dificuldade, porque não dizer, até mesmo preconceito,da escola em trabalhar com os recursostecnológicos. Essa dificuldade faz daescola uma instituição com poucavontade de investir em novas formas detransmitir o conhecimento e de seadaptar à realidade.

Estas ferramentas tecnológicas,como a calculadora, o computador e amultimídia, por certo já alcançaramtodo o mundo capitalista e globalizado,forçando as escolas a ter, diante destanova realidade, uma posição não deenfrentamento tampouco dedeslumbramento, mas de utilizaçãodessas tecnologias, mesmo que nãosejam de última geração, mas quepropiciem a discussão acerca dosrecursos que são indispensáveis para oapoio ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos e de toda acomunidade escolar, estando estes,mais preparados para enfrentar ogrande avanço tecnológico que omundo vem conhecendo.

As TIC (Tecnologias de Informaçãoe Comunicação) trazem o mundo parao ambiente educativo, de formainterativa. Os alunos, seus pais e osprofessores são agentes a interagir comesses recursos, despertando o interessee a vontade de aprender sempre,funcionando como um agentemotivador. Não há limites para o quepode ser feito em todas as áreas

educativas. O computador pode serusado para facilitar a interação de todoscom o meio, possibilitando-lhesresponder às interrogações construídasno seu cotidiano, bem como paratornar possível a participaçãoresponsável na construção de seusconhecimentos e tornando oaprendizado mais eficiente.

MetodologiaA metodologia nesse contexto,

aplica-se ao ensino que tem apreocupação de ter como eixo aaprendizagem, dando conta dasexperiências vividas pelos homens,valorizando a reflexão sobre o cotidiano,a sobrevivência, os prazeres e ospatrimônios culturais. Cada indivíduopoderá perceber como esse cotidiano éum espaço de múltiplos projetos, lutase disputas entre os homens. Estamosfalando de uma aprendizagem nãomais ligada aos grandes acon-tecimentos, nomes, datas e heróis, massim onde seja considerado o homemno seu dia-a-dia, criando, dessa forma,condições para se situar na históriacomo um agente c o n s t r u t o r d oprocesso histórico, do raciocínio, dacriatividade, da coordenação e dapercepção.

A Experiência: Contextualizando asOperações Aritméticas

Ao longo de minha experiênciaprofissional, observei que os alunosentendiam determinados conteúdos,resolvendo-os e aplicando-os com êxitoem sala de aula. Passado algum tempo eao retornar com a mesma turma na sérieseguinte, constatei que os alunos narealidade, pouco tinham incorporadodas informações recebidas ante-riormente. Não havia ocorrido aaprendizagem. Lendo e pesquisando,pude perceber que a falha estavaocorrendo na metodologia de ensinoempregada, que consistia em modelosprontos que, após exaustivamenteexplicados e repassados, eram repetidospor todos, dando a impressão de que aaprendizagem ocorria com sucesso.

Compreendi que, para ocorrer umaaprendizagem significativa dos alunos,alguns fundamentos são necessários:- Respeitar o tempo de aprendizagemde cada aluno;- todo conteúdo deve ser contex-tualizado e ser construído com osalunos;- estabelecer relações deste conteúdocom os conhecimentos informais e

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formais que os alunos já possuem;- criar, para cada conteúdo, formasprazerosas e divertidas de aprendizagem e- os alunos devem sentir-se seguros econfiantes para aplicar o conteúdoaprendido, relacionando e aplicando-o em outras situações de aprendizagem.

O dois exemplos a seguir, comoperações aritméticas e númerosinteiros, serviram para comprovar quehavendo aprendizagem significativa, osalunos incorporam o aprendizado portoda a vida e conseguem transferir oconhecimento adquirido em outrassituações na sala de aula e no dia-a-dia.

Os alunos de todos os níveis têmdificuldades com as operaçõesaritméticas, principalmente comrelação à multiplicação e divisão;percebe-se que tal rejeição baseia-se nofato de terem dificuldade com astabuadas, ora porque aprenderam adeterminar o fator resultante damultiplicação, somando-se os valoresum a um; somando e fazendo mar-cação por meio de riscos verticais oucontando nos dedos das mãos. Talprocesso demanda grande tempo etransforma uma operação de mul-tiplicação em verdadeiro martírio paraos alunos. Sem contar que, muitasvezes, erram o resultado compro-metendo toda a operação.

A dissociação entre o ensino dosalgoritmos e o estabelecimento derelações entre estes e a experiênciaconcreta vivenciada pelos alunos étamanha que o conhecimento dasfórmulas aprendidas em sala de aula,não parece ajudar a solucionarproblemas diários (Schliemann). Demodo mais incisivo Carraher et al.afirmam que “os algoritmos ensinadosna escola para a realização de operaçõesaritméticas podem, inclusive, constituirum obstáculo para o raciocínio dacriança, talvez por interferir com osignificado dos próprios números comos quais a criança deve operar”.

A idéia é treinar o algoritmo damultiplicação com o primeiro fator damultiplicação, composto inicialmentesomente com a combinação dosnúmeros 0 (zero), 1 (um) e 2 (dois) eentendendo a multiplicação por 2como sendo o dobro. Utilizo comoprimeiro fator da multiplicação acombinação de números 101, 102,110, 120, 201, 202, ..., comosegundo fator da multiplicação, osnúmeros de 0 a 9, podendo usarquantos algarismos forem necessários.

Aplico, ainda, o conceito dapropriedade comutativa, ou seja, odobro de 8 é 16, independente de ser2X8 ou 8X2. Pode-se usar umacalculadora simples para cada grupode alunos para que possam confirmaros resultados.

Quando os alunos se sentiremseguros e confiantes na utilização doalgoritmo da multiplicação, proponhopara a turma análise das coincidênciasexistentes na tabuada do 9, instigando-os a verificarem os produtos resultantes.Dando pequenas dicas, até que algumaluno conclua e compartilhe com aturma que, em todos os produtos damultiplicação de 1 a 10 por 9, (9, 18,27, 36,...,90) a soma dos algarismosdo produto resultante dá 9. Continuara instigar os alunos a perceberem maiscoincidências até chegarem à conclusãode que 5X9 = (5-1) 5 = 45, 7X9 = (7-1) 3 = 63, 9X8 = (8-1) 2 = 72, ...

Os alunos percebem então que aenfadonha e desgastante tarefa de fazera tabuada do nove, contando nos dedosou somando de nove em nove, podeser substituída por um processo maisprático e que não exige que se decoremos resultados. Acrescenta-se à lista dasmultiplicações que faziam com acombinação de 0 (zero), 1 (um) e 2(dois), o número 9.

Ao perceber que os alunos sentiram-se confiantes em trabalhar com onúmero nove na multiplicação, passopara a multiplicação do número 3(simbolizando o triplo) e amultiplicação do número 4. Solicitoque analisem os produtos damultiplicação por 2 (dobro) com oproduto da multiplicação por 4 (2X2),ou seja, dobra-se o valor duas vezes.Acrescenta-se o 3 e o 4 na lista decombinação das multiplicações.

Em outra etapa, aumentando asdificuldades, peço para os alunosanalisarem os produtos resultantes damultiplicação de 5 e verificarem algumaforma de saber as respostas sem decorar,instigar os alunos e ir gradualmente dandodicas até chegarem à conclusão de que5X6=(6:2)0=30, 8x5=(8:2) 0=40,3x5=(3:2)=15 despreza-se a vírgula,5X7=(7:2)=35 despreza-se a vírgula,...

Sempre esperando os alunos sentirem-se confiantes para progredir no grau dedificuldades, quando percebo que podemprosseguir, solicito que analisem osprodutos da tabuada do 3 e da tabuadado 6, novamente instigando os alunos atédescobrirem que o produto da tabuada

do 6 é o dobro do produto da tabuadado 3 (6=2X3). Acrescento também estenúmero na lista de combinações.

Como, em todo o percurso, foitrabalhada com os alunos a proprie-dade comutativa da multiplicação, natabuada do 7 o aluno deve somentememorizar que 7X7=49, pois asdemais multi-plicações são resultadosde outras já aprendidas (7X9, tabuadado 9, 7X8, tabuada do 8, ...).

Uma vez aprendido o algoritmo damultiplicação os alunos não têmgrandes dificuldades para assimilar adivisão (que deve ser entendida por elescomo resultado do ato de repartir).

Trabalhando com números Positivose Negativos

Um outro sério problema que ocorrecom os alunos são as operações deadição, multiplicação e divisão,envolvendo números negativos. Aproposta é que os alunos consigamentender as operações de adição sem

o auxílio de nenhuma regra. Regrasque, geralmente, são memorizadaspor algum momento e rapidamenteesquecidas. Para que aprendam alidar com números negativos, osalunos devem construir e formularconceitos próprios de operacionali-zação desses números.

Para tanto, apresento aos alunos doisjogos de cartas (baralhos), que possuemcartas de cor vermelha, grifadas nos seuscantos valores que devem ser chamadosde negativos e as cartas de cor preta devalores positivos. No baralho deixam-sesomente as cartas: A(ás) que representa

o valor 1 e as cartas de números 2, 3, 4,5, 6, 7, 8, 9 e 10. Despreza-se o J(valete), Q (dama) e K (reis).

Em grupo de até seis alunos, queembaralham as cartas e distribuem 7cartas para cada aluno, colocando asque sobraram, após esta distribuição,viradas para baixo no centro da mesa,que se chamará “monte”. Cada aluno,na sua vez de jogar, deve juntarquantidades iguais de valores positivose negativos e baixar na mesa com osvalores zerados (valores iguais de cartaspositivas e negativas) voltadas paracima, cantando em voz alta este valor edizendo que foram zeradas.

Todos devem conferir se realmenteas cartas baixadas estão zeradas, se aquantidade de valores positivos é igualà de negativos. Se, na vez de algumaluno, este não tiver cartas zeradas parabaixar na mesa, deve comprar nomonte uma carta por vez até conseguirbaixar na mesa algum valor zerado.

Deverá comprar do monte quantascartas forem necessárias até con-seguir baixar algum valor zerado(quantidades iguais de positivos enegativos).

O primeiro aluno que ficar semcartas na mão ganha 6 pontos(quantidade de pontos igual ao donúmero de jogadores), o segundo a ficarsem cartas ganha 5 pontos e assim pordiante, o último ganha 1 ponto. Évencedor o primeiro aluno que atingira marca de 20 pontos (ou outro valormaior, dependendo do combinado

Exemplo do jogo com cartas baixadas, de valores iguais a zero.

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entre as partes). Quanto maior o valorcolocado, mais tempo será necessáriopara chegar-se ao campeão.

Toda vez que um aluno baixa valoreszerados, passa a vez para o seguinte,rodando no sentido horário. Aoterminar as cartas do monte, o alunodeve comprar cartas do seu antecessore comprará tantas cartas quanto foremnecessárias para baixar um valor zeradona mesa. Se comprar todas as cartas doseu antecessor e ainda não encontrouvalores zerados, deve comprar cartas doantecessor deste e assim por diante atébaixar na mesa algum valor zerado. Oaluno que ficar sem cartas sairá do jogo,ganhando como premiação a quan-tidade de pontos estipuladas no pará-grafo anterior.

Após um período de l0 aulas,quando percebo que os alunos estãojuntando valores positivos e valoresnegativos, baixando várias cartas aomesmo tempo com certa desenvoltura,volto para a sala de aula e apresento aescrita do número negativo, queobrigatoriamente é precedido de umsinal de menos. Desta forma, os alunospassam a fazer as contas com númerosinteiros positivos e negativos,fracionários e decimais negativos epositivos e a adição algébrica depositivos e negativos, utilizando-se osconceitos já assimilados (juntam-se osiguais – positivos com positivos enegativos com negativos e separam-seos diferentes zerando quantidadesiguais de positivos e negativos,calculando a sobra).

Para que os alunos possam relacionara multiplicação e divisão de númerospositivos por negativos e vive-versa, bastalevar os alunos a entenderem que,quando há dois ou mais fatores oudividendos, estes formam apenas umtermo. Entendem que o sinal devesempre estar no início do termo( -3X6X2 ou -8:2X4), independen-temente de originariamente o sinalpertencer ao segundo ao terceiro ououtro fator ou dividendo.

Quando há dois fatores negativos,existe uma dificuldade muito grandedos professores para construir umconhecimento concreto com os alunos.A proposta é que o professor deixe deutilizar as famosas regras de sinais queos alunos não entendem, decoram nomomento de uso e esquecem emseguida, para utilizar os recursosexistentes na própria estrutura do nossoidioma. Os alunos percebem as

semelhanças de valor lógico entre apalavra não e a palavra negativo, apalavra sim e positivo. Proponho queos alunos discutam em grupos echeguem a uma conclusão sobre osvalores lógicos das seguintes frases comdupla negação, dadas como exemplo:“Depois não diga que eu não avisei”,“Pra não dizer que eu não falei dasflores”, “Não é verdade que a Madalenanão é feliz”, e outras frases com duplanegação, que podem ser criadas peloprofessor da classe e pelos própriosalunos. Ao analisar o valor lógico dasfrases citadas, os alunos são levados aperceberem, intuitivamente e demaneira definitiva, que uma duplanegação na mesma frase correspondea uma afirmação, da mesma forma quedois sinais negativos no mesmoproduto ou quociente, correspondema um valor positivo.

Em ambos os exemplos, os alunospodem se sentir ainda mais seguros econfiantes, e saber que estão nocaminho certo, se puderem contar comuma calculadora ou os computadoresda sala de informática, onde testarãoas suas hipóteses.

Desenvolvimento do projetoEste projeto pode ser desenvolvido

com todos os alunos da escola, nas suasrespectivas turmas e horários normaisde aulas, ou em turmas específicas deaprendizagem matemática. Planejopara cada turma, um período mínimode 10 aulas para desenvolver cada etapaproposta (Contextualizando asoperações aritméticas e Trabalhandocom números positivos e negativos).

A comunidade escolar (ex-alunos,pais, funcionários da escola, amigos daescola,...), podem se inscrever paraparticipar das aulas ministradas nosfinais de semana, em grupos formadosde acordo com a capacidade da escolae que tenham ainda, como finalidademelhorar os conhecimentos destes,usando a ferramenta da internet e damultimídia. Os cursos podem serofertados durante todo o ano letivo.

Impacto SocialO impacto causado junto aos alunos

é a melhoria da aprendizagem, aaquisição de autoconfiança e o prazerde aprender conteúdos matemáticos.Em relação à comunidade escolar é suaaproximação com a escola, tornando-aparte dela, que discute, propõe soluçõespara os problemas e, principalmente,aprendem na escola.

AvaliaçãoA avaliação é feita de forma objetiva

e subjetiva, por meio:• da observação de satisfação e dosavanços alcançados pelos inscritos noprojeto;• de formulários de pesquisa com afinalidade de levantar sugestões,dificuldades e grau de satisfação;• do número de inscritos no projeto edo interesse despertado junto aosalunos e a comunidade;• de índices de aproveitamento eevasão.

Considerações FinaisConcluindo este artigo, os

programas de formação de professoresprecisam contemplar componentescurriculares que tratem das novasmídias e de seus modos de uso emeducação. Primeiramente, hánecessidade de rompimento com adinâmica da escola da sociedadeindustrial, na qual os alunos têm deabordar os mesmos conteúdos, aomesmo tempo, da mesma forma e embusca dos mesmos resultados, paraserem avaliados. Em seguida, hánecessidade de rompimento commateriais didáticos fechados, estáticos,que não permitam controlar o processode construção de conhecimentos.

Também, é importante que oprofessor estimule a criatividade comomeio de aprendizagem e o potencial doaluno para inovar a relação educativa, jáque o docente tem amarras ideológicase contextuais que, geralmente, oimpedem de fazê-lo. Apesar dosproblemas infra-estruturais e daslimitações de formação, os professores ealunos são capazes de avançar nautilização de recursos vários, como meiode ensino e de aprendizagem. Mas aescola possui uma amarra importante:o currículo tradicional, com seu ritmoe seus rituais, é um significativo pontode estrangulamento; os mecanismosem voga de formação de professoresprecisam ser urgentemente revistos eatualizados.

Se os alunos sentem-se pouco àvontade com a forma e o hermetismocom que as relações educativas vêmsendo conduzidas, o que é traduzidona prática por um desinteressesistemático pela escola, o mesmo pareceacontecer com os professores, sobretudoquando eles são cobrados por gestores,pais, alunos e teóricos da educação para

assumirem posturas docentes para asquais eles não foram preparados.

Evidentemente, é possível rompercom tal situação: os professores dasescolas públicas demonstram interessee vontade de inovar, mas estão de mãosvazias, sem instrumentos teóricos e semcondições para aquisição de com-putadores próprios e acesso a internet.O uso da informática na escola aindaé bastante limitado, embrionário eaquém das possibilidades dessepoderoso meio de comunicação einformação. No entanto, o professornão é o vilão dessa história.

Existe avidez e grande expectativa porformação continuada, o que revela queos professores estão prontos para oemprego de novas ferramentas em seutrabalho docente e são favoráveis ao usode tecnologias na educação - os quesinalizam positivamente para a apro-ximação entre as linguagens da socie-dade da informação e da escola.

Com este trabalho, espero tercontribuído para estimular diretamenteos professores de Matemática a criaremformas diferentes de contextualizar cadaconteúdo matemático, tornando aaprendizagem desta disciplina sig-nificativa e prazerosa para o aluno.

Referências bibliográficas

CARRAHER, T. N., CARRAHER, D.W., & SCHLIEMANN, A. D. (1993a).Na vida, dez; na escola, zero: os contextosculturais da aprendizagem damatemática. In T. N. CARRAHER, D.W. CARRAHER & A. D.SCHLIEMANN (Orgs.), Na vida dez,na escola zero (7a ed., pp.23-43). SãoPaulo: Cortez. 2001.

LÜDKE, M. Avaliação institucional:formação de docentes para o ensinofundamental e médio (as licenciaturas).In: Série: Cadernos CRUB, V. 1, n. 4,Brasília, 1994.

MOREIRA, Plínio Cavalcante; DAVID,Maria Manuela Martins Soares. Oconhecimento matemático do professor:formação e prática docente na escolabásica, Revista Brasileira de Educação,Rio de Janeiro, edição 28, pág 50. Jan/fev/mar/abr/ 2005.

* Alcides DominguesSupervisor de Ensino DE Caieiras eprofessor da rede pública estadual

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9Nº 19 - abril de 2007EntrevistaEntrevistaEntrevistaEntrevistaEntrevista

NNNNNeide Antonia Pessoa dos Santos não é uma professora

convencional de Matemática. Em suas aulas a matéria ultrapassao modelo lousa-exemplo-exercícios. Para garantir um maior

envolvimento e aprendizagem de seus alunos, ela incluiudiferentes estratégias nas aulas de Matemática, desmistificando o bicho-de-sete-cabeças que muitos alunos fazem dessa matéria.

No trabalho desenvolvido em 2005, a professora deu ênfase à utilização dejogos com conteúdos específicos da disciplina e a elaboração de jogos pelos alunos.

O resultado é conferido no dia-a-dia da sala de aula e nos encontros comseus ex-alunos que tecem comentários sobre o que aprenderam e estãoutilizando atualmente em suas vidas. “Isso me dá um enorme prazer. Meusalunos têm consciência de que Matemática não se resume a fórmulas eresolução de exercícios. Agora eles têm um olhar diferente para a Matemática”.

Neide é professora titular do Ensino Fundamental e Médio das redes

Jornal APASE / SuplementoPedagógico - Quando começou aimplantar esse projeto?

Neide Pessoa - Em 2005, decidirealizar o trabalho com jogos de formasistemática. Utilizei os jogos elaboradospor integrantes da equipe do Mathema.

J.A. - O que a motivou adesenvolver esse Projeto?

N.P. - Essa história é bem longa.Durante o magistério, fui aluna de umaprofessora que utilizava uma meto-dologia bastante inovadora. Hoje, éuma das coordenadoras gerais da equipedo Mathema. Boa parte do que aprendino magistério com ela e, toda aformação acadêmica e continuada aolongo dos 18 anos de carreira, me fezter outra visão do trabalho desenvolvidona sala de aula e perceber a importância

de utilizar os conhecimentosmatemáticos de forma que os alunostenham clareza de todo o processo deconstrução desse conhecimento, ouseja, saibam porque estão aprendendodeterminado conteúdo, que relação temcom o que já foi estudado e comassuntos que ainda aprenderão, comoserá feito este estudo e o que se esperadeles ao final desse estudo.

Nesse sentido, o jogo é uma estra-tégia bastante eficaz. Nos primeirosanos ministrando aulas para o EnsinoMédio, utilizei os jogos de maneiramais tímida e pontual. Propunha umjogo, explorava o conteúdo matemá-tico presente nele e só. Em 2005, pro-curei fazer um trabalho mais sistemá-tico. Incluí no planejamento os jogos

que iria desenvolver, ao realizá-losfazia várias intervenções tanto re-

lacionadas ao própriojogo como relacionadasao conteúdo matemáti-co presente nele.

J.A. - Quais osfundamentos teóricos doprojeto?

N.P. - Acredito quecolocar o aluno frente as i tuaçõe s -prob l emacujas soluções não sãoevidentes e que exijamdele a combinação dos

seus conhecimentos para decidir pelamelhor forma de encontrar a solução.Estou falando da perspectivametodológica de resolver problemas.É uma postura frente ao que se querresolver, postura esta de investigar, deproblematizar. Não basta encontrar aresposta do problema, além disso,valorizo o processo de resoluçãoutilizado pelo aluno. Os jogos têmuma relação direta com a resolução deproblemas. O aluno é colocado diantede situações que lhe exigem formas dealcançar um objetivo, agir de imediatona resolução de um problema (tomara decisão na sua jogada) e avaliar sefez a melhor opção ou não diante dasnovas jogadas realizadas.

Esse projeto me mostrou que os alu-nos aprendem muito quando se perce-bem aprendendo e quando escrevemsobre o que estudaram. Ao longo dosanos, ficou muito claro a importânciade propor atividades que pudessemfazê-los pensar sobre as atividades querealizaram. É um movimento que eufaço sempre, na sala de aula, atualmen-te. Proponho uma seqüência didática,no final dessa seqüência, peço que fa-çam uma lista de aprendizagens, o quefoi mais importante, o que ainda sen-tem dúvida, o que querem saber maissobre o assunto.

J.A. - Quer dizer que eles se auto-avaliam?

N.P. - Sim. Com a produção das

listas ou textos, os alunos tomamconsciência do que têm aprendido, queé o processo de metacognição: pensarsobre o próprio conhecimento, sobreo que você pensou. E depois comeceia perceber que escrevendo o queaprendiam, levantavam dúvidas que eupoderia intervir utilizando outrasestratégias. No trabalho com jogos, osalunos ainda podem criar problemasa partir dos jogos, trocar entre oscolegas para resolver entre outros. Euainda posso propor situaçõesdiferentes, nas quais um grandenúmero de alunos cometeu erro, paraajudá-los a perceber que aquela ação éincorreta e fazê-los pensar sobre ela.

J.A. - Quais as características doProjeto?

N.P. - Basicamente a minhaproposta era de realizar com os alunosalguns jogos do conteúdo proposto parao 3º ano ou outros que os ajudassem arelembrar conteúdos já vistos em anosanteriores. Utilizava o jogo pela primeiravez para que os alunos compreendessemas regras e jogassem. Numa segundavez, encaminhava o trabalho de modoque os alunos focassem seu olhar parao conteúdo priorizado no jogo. Naterceira, solicitava que, após jogarem,

“Um olhar diferente para a Matemática”municipal e estadual de São Paulo, pesquisadora do Mathema - Grupo depesquisa e formação de professores na área de matemática - e autora emparceria com a professora Cristiane A. Ishihara, dos livros de Matemáticapara o Ensino Médio da Rede Salesiana de Escolas. É bacharelada e licenciadaem Matemática pela UNISA,licenciada em Pedagogia pelaUniABC e durante dez anos foiprofessora de Educação Infantil à 4ªséries na rede estadual de São Paulo.

Conheça um pouco mais dotrabalho realizado pela professoraNeide, lendo a entrevista que elaconcedeu ao Jornal APASE/Suplemento Pedagógico.

Durante a entrevista, a Profa. Neideapresenta parte do material utilizadoem suas aulas.

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criassem problemas, construíssem umalista de aprendizagens ou uma lista dedicas para se dar bem no jogo, etc.

Só trabalhei com jogos nos quaisos alunos já tinham estudado o con-teúdo. Meu objetivo era de proporuma situação em que eles mobilizas-sem tais conteúdos na busca por so-lucionar problemas que, no caso dosjogos se constituía da jogada. No lu-gar de trabalhar uma lista de exercí-cios para revisar o que se tinha traba-lhado, utilizava o jogo. Ele tinha amesma função da lista de exercícios,só que com uma diferença, havia oapelo lúdico. E, além do atrativo sermaior, os alunos ficavam engajadosnuma situação muito mais dinâmi-ca, diferente de ter um exercício,resolvê-lo, aguardar a correção... Nofinal do ano letivo, eles construíramseus próprios jogos a partir daquelesque eles conheciam. Alguns alunosutilizaram as características dos jogoscomerciais, outros a mesma dinâmi-ca do jogo que eu havia apresentadoe trabalhado com a classe.

J.A. - Isto quer dizer que elescomeçaram a criar os próprios jogos?

N.P. - Sim, no final do ano, elescriaram os próprios jogos, trocadosentre os grupos para que jogassem e,além disso, analisassem o jogo da outraequipe. Se gostaram ou não do jogo, seera um jogo de estratégia ou um jogode sorte, o que eles aprendiam comaquele jogo, o que eles precisavam saberpara poder jogar. Mais ou menos isso.

J.A. - Qual o resultado?

N.P. - A grande intenção na

verdade, não era nem a de construirjogos, isso foi conseqüência, mas agrande intenção era que elespercebessem que a dinâmica do jogopoderia também permitir que elesaprendessem a matemática. E que nãoé necessário só fazer um monte deexercício, que eles diziam que eracansativo. Mudamos a metodologia.Obtivemos mais resultados. Elestinham que se comunicar usando alinguagem matemática, tinham quecriar estratégias para resolver osproblemas, e assim, quando resolviamum problema tinham que, ao mesmotempo, decidir qual era a melhorjogada, ou seja, as situações exigiamdeles uma forma sempre maiselaborada de pensar.

J.A. - E havia uma outra formade avaliação?

N.P. - Sim. A prova, os trabalhosindividuais e coletivos, todas asproduções de classe. A prova, porexemplo, é uma situação muito pontualde avaliação, mas ela pode refletir o queo aluno já sabe, onde ainda temdúvidas e cometeu erros e eu, possoavaliar o meu trabalho e replanejar.

J.A. - E com relação à reação deles,a partir do momento em que vocêcomeçou a aplicar os jogos, nodecorrer do ano, como foi esse avanço?

N.P. - No começo, eles trataram osjogos nas aulas apenas como umaatividade lúdica. A primeira vez quejogaram, eu os deixei explorar omaterial, analisar as regras, fuiquestionando-os sobre o jogo,

simulamos algumas jogadas.Na segunda vez que jogaram,

fiz intervenções maisespecíficas sobre o queeles precisariam saberpara jogar, para ter bomdesempenho, entender aestrutura do jogo. Muitoantes do que esperava, osalunos começaram aexplicitar que estavamaprendendo com o “Jogode Poliedros”. “Olha, estesólido é um prisma. Onúmero de vértices de umprisma é sempre par.”

Ao longo do ano, pro-curei organizar roteiros deatividades para os jogos re-alizados. Depois, comeceia avaliar o trabalho. O quefoi que você aprendeucom esse jogo? Que estra-tégias você usou para ga-nhar? O que você efetiva-mente precisava saber parajogar? E outras questõesreferentes ao jogo e ao seuconteúdo. Foi superin-teressante, porque os própriosalunos começaram a perceberque o jogo fez com que eles,além de trabalhar com o temaem estudo, aprendessem a lere interpretar textos matemáti-cos (texto das regras, textoinstrucional, as cartas do jogo),a tomar decisões sobre umaquestão matemática de formamais imediata (resolver o pro-blema matemático), etc. Nos-sa! Foi uma maravilha. Come-çaram a encarar os momentosque jogavam de outra forma,acreditando mais no trabalho. Eles seperceberam aprendendo, o que é umfato importante.

J.A. - Como é a aceitação do seutrabalho, pelos colegas e comunidadeescolar?

N.P. - A direção da escola é bastanterígida quanto à questão disciplinar. Nãosei como eles vêem o trabalho com jogosna sala de Ensino Médio. Sei que omeu trabalho é respeitado, pois meorganizo, planejo as aulas, quandonecessário, solicito espaço específicodentro da escola (sala-ambiente) pararealizar as atividades, etc. É lógico quetodo trabalho em grupo tem conversa,agitação que é normal, mas eu nuncative nenhuma reprovação da equipe emrelação ao meu trabalho. Os professoresde Matemática da equipe escolar nãodesaprovam o trabalho. Achaminteressante e até se mostram comvontade de realizar algum jogo comseus alunos.

J.A. - Os resultados da sua turma,eles não tiveram uma melhora, atécom o resultado de nota, de avaliação?

N.P. - Sim. Os 3º anos de 2005 semoveram positivamente.

J.A. - E você conseguiu ter umaresposta dos pais desses alunos?

N.P. - Em uma das reuniões depais, alguns deles comentaram que seusfilhos estavam gostando da formaproposta de trabalho. Mas alguns paisainda achavam que eu estava sójogando. Por desconhecimento daminha concepção de trabalho. Eu nãotive oportunidade de explicitar comopensava o trabalho com matemática,nem como pretendia desenvolvê-lodurante o ano. Pais desinfornadospodem avaliar o seu trabalho apenas porindícios pontuais.

J.A. - Por que você escolheuMatemática?

N.P. - Sempre fui uma fã dessadisciplina. No curso de magistérioque cursei no colégio Alberto Conte,a professora Kátia trouxe muitasestratégias diferentes para de-senvolver nas séries iniciais. Meuencantamento pela disciplina foiainda maior. Se já tinha a intenção

Jogo de percurso elaborado por um grupo dealunos de 3a série, do Ensino Médio, da EscolaEstadual Professor Alberto Salotti, em 2005.

Outro jogo de percurso, também elaborado porum grupo de alunos de 3a série da EscolaAlberto Salotti, em 2005.

Alunos da Alberto Salotti jogando “Quatroé o Limite”. Este jogo encontra-se no site

www.mathema.com.br.

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ResenhasResenhasResenhasResenhasResenhas

de fazer Matemática, com os estudosno magistério a vontade de cursá-laficou muito grande.

J.A. - E o que significa Matemáticapara você?

N.P. - A Matemática é uma ciênciacom características próprias de pensare de investigar a realidade, traz umconjunto de conheceres que as outrasáreas do conhecimento se utilizam, éuma linguagem que permite comunicarinformações sobre a realidade. É,também, uma ferramenta que ampliaa nossa capacidade de prever, gene-ralizar, projetar ações.

A matemática é uma ciência fun-damental para o desenvolvimentotecnológico.

J.A. - E o que você poderia dar de

conselhos para os seus colegas dedisciplina?

N.P. - Tenho 18 anos detrabalho. Já atuei na EducaçãoInfantil, no Ensino Fundamental Ie II. Hoje trabalho especificamentecom a suplência e o Ensino Médio.É uma experiência bastanteabrangente. Aprendi que, quando seestá focado em um segmentoespecífico da educação, duas coisassão fundamentais. A primeira é aformação continuada, que deveriaser parte do trabalho dos profes-sores. A segunda é conversar semprecom seus pares, saber o que elesestão fazendo, porque eles estãofazendo, planejar juntos . Éfundamental que o professorconheça o trabalho de todas as

Letramento no Brasil: Habilidades MatemáticasFonseca, Maria da Conceição Ferreira Reis (Org.), 224 páginas, Ed. Global, 2004 , São Paulo

O INAF, Indicador Nacional doAlfabetismo Funcional, foi lançado em2001 e consiste no levantamento periódicode dados sobre as habilidades de leitura,escrita e matemática dos brasileiros,jovens e adultos. É uma iniciativa doInstituto Montenegro, do IBOPE, emparceria com a ONG Ação Educativa, cujoobjetivo é divulgar informações e análisesque possibilitem compreender e equa-cionar o problema da exclusão social. Em2002, pela primeira vez, a ênfase foi sobreas habilidades matemáticas e o grandedesafio do INAF foi elaborar uminstrumento de avaliação capaz de mediras habilidades matemáticas de usofreqüente e em situações práticas docotidiano, um “teste” que foi aplicado parauma amostra de dois mil indivíduos,localizados em mais de cento e quarentamunicípios em todos os estados brasileiros,residentes em zonas urbana e rural.

A partir dos resultados da edição de2002, foram definidos três níveis dealfabetismo e fixado um “patamar”, abaixodo qual, convencionou-se estar, o indivíduo,em situação de “analfabetismo” funcional.

De acordo com os dados apurados napesquisa de 2002, enquadraram-se, nosníveis 1, 2 e 3, respectivamente, 32%,44%e 21% da população entre 15 e 64 anos.Apenas 3% da população brasileira, comidade entre 15 e 64 anos, foi enquadradana situação de analfabetismo matemático,

(abaixo do nível 1), enquanto, na pesquisaINAF/2001, que enfatizou as habilidadesem leitura e escrita, 9% da nossa populaçãoincluiu-se na condição de analfabetismo emcomunicação e expressão.

Ainda, segundo a pesquisa do INAF/2002, as habilidades matemáticas dosindivíduos apresentam-se de acordo com afreqüência de sua utilização no dia-a-dia, eo ambiente escolar, entre outros aspectos,pode e deve oportunizar o desenvolvimentoe aprimoramento dessas habilidades, o quereforça a responsabilidade da funçãodocente: intermediar e propor a prática daanálise de situações concretas envolvendotais habilidades.

Para o professor Ubiratan D’Am-brósio, os maiores entraves à melhoria daeducação são o alto índice de reprovaçãoe a enorme evasão escolar. O autor afirmaainda que a organização e o funcionamentodo sistema educacional devem serdinâmicos e transformadores da so-ciedade. Entretanto, para que haja essatransformação social, se faz necessária aaquisição de conhecimentos, e esses só sejustificam quando validados pelas práticassociais, contribuindo para a formação deum cidadão capaz de se comunicar etomar decisões com autonomia. Nesseaspecto, a escola deve fornecer situaçõesque induzam à capacidade de processarinformações escritas, interpretando-as,manejando sinais e códigos, usando e

combinando instrumentos, avaliando pos-sibilidades, adequando-as às necessidades.Isso feito, o aluno vai ao encontro daaprendizagem que pode ser definida comoa aquisição das capacidades de justificar,argumentar, apreender e compreender,comparar e atuar criticamente em todasas situações. Para atingir esses objetivoshá a necessidade da implantação de umnovo paradigma educativo que tenha comoum dos parâmetros o desenvolvimento dacriatividade. Desse ponto de vista, o cur-rículo é fundamental.

Acredita-se que as habilidades ne-cessárias para desenvolver a criatividadesejam provenientes da motivação, e estapode ser aguçada através de jogos, dautilização de música, artes e tratamentosde informações de leitura e escrita,enfim, dos diferentes tipos de comuni-cação. Isso envolve a aquisição das habili-dades do letramento, das habilidadesmatemáticas e a aptidão para usá-lassimultaneamente, pelo fato de estarempresentes em todos os contextos.

Na pesquisa (INAF 2002), oalfabetismo matemático foi entendidocomo “a capacidade de mobilização deconhecimentos associados à quantificação,à ordenação, às relações entre as operaçõese suas representações, na realização detarefas ou na resolução de problemas”. Nocaso do “numeramento”, faz-se necessárioo uso constante das habilidades de leitura

e interpretação de informações numéricas,inseridas em diferentes tipos de textos.Portanto, ser “alfabetizado matema-ticamente” não quer dizer que o indivíduoseja “numerado”, entretanto, as habilidadesnecessárias, em ambos os casos, devemser aprimoradas na escola, para que osalunos possam atuar com autonomia eprecisão nas ações sociais que requeremo conhecimento matemático.

Concluindo, na opinião dos autores,o INAF ao explicitar uma competênciamatemática para o exercício responsávelda cidadania, oferece importantecontribuição para a melhoria do sistemaescolar brasileiro. Por outro lado, a partirda análise estatística dos instrumentos demedida utilizados, possibilita a discussãoe a reflexão sobre a qualidade dosinstrumentos de avaliação, mostrando, àcomunidade educacional, a importânciadas técnicas de medidas educacionais quesubsidiam os projetos de pesquisa.

O INAF, apesar de certos limites,coloca, no centro do debate, a questãodo alfabetismo, e, em especial, oalfabetismo matemático, tema que,certamente, será aprofundado nos INAFsseguintes. É mais uma frente na luta poruma educação de boa qualidade, sonho edesejo de todos nós.

José Luiz FavaronSupervisor de Ensino - Santo André

Colaboração: Profa. Rosana R. de Araujo Ferreira

A atenção dos alunos da EscolaAlberto Salotti durante uma partida

de Enigma de Funções. Segundo aProfa. Neide, este jogo fará parte de

uma coletânea de jogos para oEnsino Médio.

séries. Saber como as coisas seconstroem ao longo dos anos,ajuda muito a lidar com o queé prioridade em matemática, oque deve dar maior ênfase,como ajudar os alunos queapresentaram incompreensõese dificuldades nos anosanteriores.

Também gostaria dedestacar a importância doato de ler. Valorizar mo-mentos de leitura nas au-las de matemática colabo-rando para que os alunosleiam e compreendam otexto matemático, poisisso os ajudará a desenvol-ver muito sua competên-cia leitora.

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Outras sugestões

ResenhasResenhasResenhasResenhasResenhas

FAINGUELERNT, Estela Kaufman e NUNES, Katia Regina Ashton. Fazendoarte com a matemática. Porto Alegre: Artmed 2006

MARANHÃO, Maria Cristina Souza de Albuquerque. Matemática. São Paulo:Cortez 1994

MATHEMA Formação e Pesquisa www.mathema.com.br. Material, sugestõesde procedimentos e jogos para o ensino da Matemática

Matemática e realidade

Maria Antonia de Oliveira VedovatoSupervisora de Ensino – Santo André

Na obra Matemática e Realidade oautor não se dirige só aos especialistas.Tem por objetivo discutir os vínculos doconhecimento matemático com arealidade, o lugar da Matemática noedifício científico, e refletir sobre certoslugares-comuns que pretendem carac-terizar tais relações. Não trata de técnicasmatemáticas, nem de jogos, pois pensa aMatemática como um bem cultural deinteresse absolutamente geral, queninguém pode ignorar completamentesem efeitos colaterais.

Hoje, a Matemática, segundo o autor,em todos os lugares do mundo, indepen-dentemente de circunstâncias de raças,credos e sistemas políticos, desde osprimeiros anos de escolaridade, faz partedos currículos escolares como umadisciplina básica, ao lado da LinguagemNatural. Seu ensino é indispensável e, semele, é como se a alfabetização não setivesse completado. Mas, a falta declareza com relação ao papel que aMatemática deve desempenhar no corpode conhecimentos sistematizados é aresponsável pelas dificuldades crônicas deque padece seu ensino.

Para a superação dos problemas como ensino da Matemática é necessária umareaproximação entre seu significado eaquele que tinha originalmente,relacionado ao desenvolvimento dosprimeiros rudimentos da razão, àfundamentação do raciocínio em todasas ciências. E dessa reaproximação tratatambém o autor nessa sua obra

A visão distorcida do estudo daMatemática, que inverte a relaçãofundamental existente entre os objetosmatemáticos e a realidade concreta,precisa ser superada: ao invés de concebê-los como criações, elaborações, abstraçõesque visam à ação sobre a realidade, trata-os como se pré- existissem, em umuniverso à parte, de onde concederiamaplicações ao mundo empírico.

Servindo-se de brevíssima digressãohistórica como pano de fundo, partepara a tarefa que pretende realizar: aproblematização, o questionamento darelação do conhecimento matemático

Machado, Nilson José, 103 páginas, Ed. Cortez, 2005, Cidade

com a realidade concreta em suasmúltiplas dimensões, que deverá servirde base para uma ação que vise àcorreção de tais distorções.

Após breve apresentação de algumasconcepções da relação, que vai de Platão aKant, em que, tentando fixar marcosfilosóficos que balizem referênciasposteriores, chega ao final do Século XIX,momento em que tais concepções seaglutinam nas três grandes matrizes dopensamento matemático contemporâneo: oLogicismo, o Formalismo e o Intuicionismo.

A partir daí, busca uma reflexão críticasobre alguns lugares-comuns quepreenche parte substancial do espaçoreservado do discurso sobre esta relação.Só depois disso, diz ter condições deesboçar os elementos constituintes deuma visão mais desveladora da relaçãoentre matemática e a realidade, uma visãoque explicite a situação da Matemáticacomo objeto da cultura, como ferramentade trabalho, que revele com clareza oquanto a Matemática está inserida noprocesso histórico-social em que éproduzida e que ela ajuda a produzir, quesupere o mito da matemática hermética.

Só a partir da percepção clara dosmecanismos que relacionam o conhe-cimento matemático com a realidadehistoricamente situada, da crítica dos pres-supostos de que a validade universal doconhecimento matemático determina asua neutralidade, de que a Matemáticase refere a entidades perfeitas de ummundo supratemporal e que se aplica aoreal e que o rege, poder-se-ia repensaro ensino de matemática em um sentidoglobalizante, que transcenda todos ostecnicismos e que se insira numaperspectiva de ação transformadora.

E, para isso, o autor explicitaexemplos que poderiam constituir-se empistas para trabalhos posteriores que,aproveitando dos subsídios reunidos emtodo o seu trabalho, almejem objetivosmais diretamente relacionados à práticacotidiana do professor em sala de aula.

Currículos de matemática: da organizaçãolinear à idéia de rede

Essa obra é uma adaptação da tese dedoutorado em Educação pela Univer-sidade de São Paulo, defendida pela autoraCélia Maria Carolino Pires, com oobjetivo de contribuir para a organizaçãodos currículos de Matemática e rees-truturação de ações docentes comoplanejamento e avaliação. O livro alertapara a necessidade permanente deatualização do ensino, e aponta apercepção da insatisfação dos educadoressobre as propostas atuais.

Apresenta uma análise histórica dosmovimentos de reforma da Matemática,consolidados nas reorientações curricularesdo mundo inteiro. Esses movimentosesboçaram uma contraposição ao antigoideário, mas não apresentaram referenciaisexplícitos para uma nova proposta. Apesardas divergências houve, nesse período,percepção de pontos comuns entrediferentes autores: a resolução deproblemas como eixo metodológico, aparticipação ativa do aluno, a valorizaçãode conexões entre temas, o vínculo entreMatemática e o cotidiano das pessoas e anão existência da linearidade seqüenciada,como pré-requisito para a aprendizagem.

No início dos anos 50, matemáticosfranceses e filósofos suíços discutiram o ensinoda Matemática nas escolas elementares. Olançamento do foguete Sputnik pelos russosfoi um marco tecnológico importante quesinalizou uma necessidade de incentivar osalunos para aprendizagem da matemáticacomo disciplina fundamental paracompreensão daquela realidade. Haviatambém uma forte tendência deindustrialização para reconstrução pós-guerra,conduzindo à política de “formação a serviçoda modernização”.

O movimento da Matemática Mo-derna surgiu na França, determinandoreformas em diversos países, inclusive noBrasil. As principais contribuições foramas de Charlot, na França, Servais e Papy,na Bélgica, Freudenthal, na Holanda,Morris Kline, em Nova York, e Piaget, naSuíça. Merece destaque a contribuição dePiaget, com a teoria do desenvolvimentodas estruturas intelectuais e a proposta deum modelo seqüencial orgânico dashabilidades cognitivas.

Os fundamentos da Matemática foramtambém enriquecidos com os estudos deGagné (1977), psicólogo que seqüencioudiferentes tipos de aprendizagem.

Outro matemático importante navirada do século XX foi, segundo a

autora, Henri Poincaré, que levantou aseguinte questão: “Se a Matemáticaenvolve apenas as regras da lógicasupostamente aceitas por todas as mentesnormais, por que alguém haveria de sentirdificuldade para entender a Matemática”?

As noções de categoria e de estruturafundamentaram a Matemática nas últimasdécadas. Seymor Papert, pensadoramericano, reconheceu a importância e ocaráter polissêmico da noção de estruturana década de 60. O estudo das categoriasde Hilton (1980) contribuiu para a análisee a diferenciação entre o concreto e oabstrato, presentes na Matemática. ParaHilton, o abstrato de uma generalização éo concreto da generalização seguinte.Sendo assim, não cabe perguntar se talconceito é concreto ou abstrato. Cadaconceito, para ele, é mais ou menosconcreto e mais ou menos abstrato.

Mais contemporâneo,o conceito derede, uma imagem metafórica usada pelomatemático Wittgenstein, pelo físicoCapra e pelo filósofo Lenine,foi umaidéia nova no campo da comunicação queelucidou o conceito matemático abstrato.A abstração mais pura exige a maiorcomunicação possível. O desenho da redepara Serres (1967) é “comparável a umaespécie de tabuleiro de xadrez, em queos peões possuem igual poder de direito,mas esse poder varia segundo sua situaçãorecíproca, num dado momento”. Essarede possui ramificações comparáveis àsdos neurônios, sugerindo organicidade,pluralidade e integração como elementospresentes num currículo interdisciplinar,fornecendo condições para a tradução dalinguagem Matemática. Isso podesignificar ser esse um caminho para odesenvolvimento nos alunos, dasexperiências de abstração, generalizaçãoe aplicação. Do ponto de vista daFilosofia, é o pensamento dialético o quemais se aproxima da idéia de rede.

A obra de Célia Pires apresentaainda modelos operacionais, comoprojetos baseados em eixos temáticos,para a metodologia do que ela chama“tecer a rede” no ensino da Matemáticade 5ª a 8ª séries e oferece um instru-mento útil para todos os que se propõema entender melhor o ensino daMatemática, fornecendo assim subsídiospara uma educação comprometida coma sociedade atual.

Pires, Célia Maria Carolino, 223 páginas, Ed. FTD, 2000, São Paulo

Maria José Antunes Rocha R. da CostaSupervisora de Ensino – Sorocaba