Superinteressante - o Guia Da Filosofia

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  • 0 GUIA DA

  • Carta do editor .Aarteda pergunta No meu primeiro vestibular, nao passei no curse de Jornalismo, mas consegui uma vaga para a minha segunda opc;:ao: Filoso-fia. Nunca me imaginei fil6sofo. No entan-to, aos 17 anos, eu era um adolescente com muito tempo livre e decidi encarar as aulas do primeiro semestre como uma especie de experiencia de vida.

    Eram quatro cadeiras: Metafisica, Intro-duc;:ao a Filosofia, Hist6ria da Filosofia e L6-gica. Nas cadeiras de Metafisica, o professor, com ar carrasco, distribuia textos em grego

    -naquele alfabeto cheio de alphas, betas e del-tas. L6gica era impenetravel - matematica sem numeros. Patinei nessas duas cadeiras e, como nao tinha planes de me formar no curse, comecei a frequenta-las apenas como ouvinte, sem esperanc;:a de ser aprovado.

    Mas eu adorava as outras aulas, principal-mente Introduc;:ao, do professor Paulo Faria. Foi com ele que eu aprendi que o valor do pensamento nao esta, necessariamente, na busca por respostas. Sao as boas perguntas que movem a filosofia. No final daquele ano, fiz novo vestibular e fui aprovado em Jorna-lismo. 0 contraste entre o primeiro semestre de Filosofia, uma pedreira, com o inicio do curse de Comunicac;:ao, uma mamata, me deu saudades dos textos em grego de Metafisica. Quatro anos se passaram, me formei, e nao acho exagero pensar que a minha curta expe-riencia na Filosofia valeu mais do que os oito semestres de Jornalismo. Foi la que aprendi a fazer perguntas, uma habilidade essencial para a carreira de reporter. E para a vida.

    Nossa ideia com esta revista foi mostrar como as perguntas essenciais mudaram com o passar do tempo e quern foram os pensado-res por tras delas. Esperamos que voce ter-mine a leitura com boas duvidas.

    A lexandre de Sa n ti

  • OGuiada

    l?ilasajia 10. ERA PRE-socR.i.r1cA 12. Tales de Mileto 13. Anaximandro, Anaximenes de Mileto, Parmenides de Eleia, Heraclito de Efeso 14. Pitagoras de Samas 15. Protagoras, G6rgias

    16 . F1LosoF1A cL.i.ss1cA 18. Socrates 19. Epicuro 20. Platao 22. Arist6teles 23. Seneca

    24. F1LosoF1A MEDIEVAL 28. Santo Agostinho 21. Al-Farabi, Avicena, Averr6is 28. Santo Anselmo de Cantuaria 29. Pedro Abelardo, Sao Tomas de Aquino, John Duns Scotus

    3o. RE NASCIMENTO F1Los6F1co 32. Dante Alighieri 33. Thomas More, Erasmo de Roterda 34. Nicolau Maquiavel 35. Michel de Montaigne, Giordano Bruno, Tommaso Campanella

    36. 10AoE MODER NA 38. Rene Descartes 39. Baruch Espinosa 40. Thomas Hobbes 41. John Locke, Francis Bacon 42. Montesquieu 43. Gottfried Wilhelm Leibniz, George Berkeley 44. David Hume, Thomas Reid 45. Voltaire 48. Jean-Jacques Rousseau 41. I.mmanuel Kant

    48. Fl LosoF1A coNTEMPORANEA. 50. Karl Marx 51. Friedrich Nietzsche 52. Georg Hegel 53. S0ren Kierkegaard, Arthur Schopenhauer, Auguste Comte 54, Ludwig Wittgenstein, Bertrand Russell, William James 55, Edmund Husserl, Jean-Paul Sartre 58. Theodor Adorno 57. Hannah Arendt, Martin Heidegger, Karl Popper 58. Michel Foucault 59. John Rawls, Richard Dawkins, Zygmunt Bauman

    60. FILOSOFIA NO SECULO 2182.Consciencia63.Existencia &.a.Cult

    COLAGENS Jorge Oliveira sobre imagens Shutterstock I Reprodu'iao

  • ' ' ;,f, ~, I PRE-SOCRATICOS ,,,,_ ., _ __.,_.-: GRECO-ROMANA

    l 884 a.C. Nasce Tales de Mileto, o primeiro fil6sofo.

    Em 0 Principe, Maquiavel cria

    o politico moderno.

    55oa.C. Pitagoras une matematica e filosofia na Escola Pitag6rica.

    RENASCIMENTO

    t 1511 Erasmo de Roterda abala com Elogio da Loucura e inspira a Reforma Protestante.

    1555 Dante enfrenta o domlnio cristao com A Divina Comedia.

    IDADE MODERNA

    1837 Descartes funda

    o pensamento moderno com o

    Discurso do Metodo.

    515a.C. Parmenides inicia a metafrsica ocidental:

    489a.C. "O ser e uno".

    Santo Anselmo apresenta a prova onto16gica da existencia de Deus.

    Leviata, de Hobbes, pede um rei centralizador para controlar oegorsmo humano.

    com perguntas.

    0 persa Avicena publica 0 Livro da Cura, que inspirou Descartes 600 anos depois.

    Ensaio acerca do Entendimento Humano, de Locke, mostra comoohomem conhece o mundo a partir das experiencias.

    IDADEMEDIA

    t 397 Santo Agostinho publica Confissi5es.

    178a A sociedade corrompe o homem, de acordo com Do Contrato Social, de Rousseau.

    Platao funda sua Academia.

    comec;a a dar aulas no Liceu.

    1781 Kant, na Critica da Razao Pura: a razao

    nao consegue conceber um Deus.

    daWi MAR CANT ES NA HISTORIA DA FILOSOFIA

    1807 Hegel, em Fenomenologia do Espirito: a

    Dawkins lan

  • ~ t1

    filos6fico

    rAATllN

    Socrates existiu apenas

    rv

    na imaginar;ao de Platao? Socrates nao quis escrever suas ideias, pois acredi-tava que a melhor forma de expor o que tinha em mente era com uma boa conversa. Assim, seu pensa-mento so sobreviveu gra

  • Al gum f il6sofo contemporaneo que pode ser comparado a Platao ou Arist6teles?

    E difrcil fazer essa comparac;ao considerando o criterio de al-cance da obra da dupla. Nesse quesito, ninguem bate Platao e Arist6teles, cujas obras sao de-batidas ha 2,5 mil anos. Seja como for, e impossfvel que qualquer fil6sofo contempora-neo venha a ter o mesmo im-pacto que os gregos. A princi -pal razao e que, na Antiguidade classica, a filosofia era a mae dos saberes, ou seja, versava sobre tudo, da polftica a biolo-gia, passando pela frsica, age-ometria, a 16gica, a etica, a es-tetica, a matematica - e o que mais voce quiser acrescentar aqui. Platao e Arist6teles fize-ram contribuic;oes sobre tudo isso, especialmente o segundo. Hoje, ap6s a especializac;ao das ciencias, a filosofia se tornou um campo bem mais limitado, e boa parte do trabalho da filo-sofia e 0 estudo da pr6pria filo-sofia. Ou seja, os pensadores atuais costumam ser mais es-pecializados, e seus trabalhos ficam mais restritos, enquanto Platao e Arist6teles foram ge-neralistas de primeira linha.

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    E verdade que Nietzsche inspirou ideias nazistas?

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    Afilosofia naonasceuna Grecia. A terra natal de Tales, considerado o primeiro fil6sofo da hist6ria, e Mileto, cidade do sul da J6nia, regiao que hoje pertence a Turquia. Ou seja, e correto dizer que a filosofia nasceu no mundo grego, mas o mundo grego dos seculos 7 e 5 a.C. nao tern nada aver com a Grecia de hoje. Abrangia a costa do Mar Egeu, de Marmara e boa parte do Mar Negro, alem do sul da Italia e das regioes costeiras da Franc;a, Espanha e Africa. Demorou qua-se cem anos para a filosofia chegar a capital Atenas, onde viveu Socrates, uma especie de Jesus Cristo da filosofia.

    Motivo: assim como o calendario esta di-vidido em antes e depois do surgimento do messias cristao, a filosofia tambem tern duas eras: pre e p6s-S6crates. Na era pre-socratica, a principal preocupac;ao era saber de que era feito o mundo e o ser humano. A pergunta "de que sao feitas as coisas7" pode soar ingenua e ate infantil. Maso fil6sofo Timothy William-son, de Oxford, considera uma das melhores perguntas ja proferidas - uma questao que nos conduziu a boa parte da ciencia moderna. Pela primeira vez na hist6ria, os pensadores colo-caram o raciocinio na frente da mitologia. Eles nao engoliam a ideia de que o mundo surgira do nada. "Nada vem do nada e nada volta ao nada" era uma premissa basica para os pre-so-craticos, o que significava dizer que o mundo e uma eterna reciclagem, tudo se transforma sem jamais desaparecer. Eles tin ham ate uma palavra para esse mundo perene: physis, do verbo grego "fazer surgir". Physis era a origem de todos os seres e coisas mortais do mundo, que estao em permanente transformac;ao. 0 cafe quente esfria, o inverno vira primavera, o longe fica perto se formos ate ele, a crianc;a cresce e vira um adulto. A natureza esta em constante transformac;ao, mas isso nao quer dizer que ela e ca6tica. As mudanc;as seguem uma 16gica determinada pela physis.

    Mas afinal o que era a physis7 Cada pensa-dor achava que era uma coisa. Tales afirmava que 0 principio era a agua OU 0 umido. Ana-ximandro, o infinito. Anaximenes, o ar. Pode parecer simpl6rio, mas era a primeira vez que se buscava uma resposta racional para a ori-gem do mundo.

  • ((0 Universo e f eito de agua))

    Tales de Mile to Mileto (otuol Turquio), * 624 o.C. t 545 o.C.

    Tales dizia gue a agua era a fonte de tudo.

    Mas ele acertou mesmo foi guando criou um teorema

    para facilitar medi~oes geometricas.

    CRIADO EM UMA EPOCA na qual a re-ligiao explicava todas as coisas, das guerras aos casamentos infelizes, Tales de Mileto rompeu com o pen-samento mitol6gico e deu o pontape inicial da filosofia. Foi o primeiro a usar o raciocinio puro para explicar as questoes do homem e da natureza.

    Nascido na colonia de Mileto, atual Turquia, Tales e considerado o respon-savel por tirar a civilizai;:ao helenica das trevas intelectuais. A fama vai alem das contribuii;:oes para a filoso-fia. Em 585 a.C., conseguiu prever um eclipse total do Sol. Sua aptidao para os neg6cios tambem era invejavel. Certa vez, percebeu que as condii;:oes do tempo estavam favoraveis para a colheita e investiu no ramo das azeito-nas prevendo que o clima turbinaria uma safra recorde. Dito e feito: Tales encheu os bolsos de dinheiro. Porem, o pensador ficou mais conhecido pelo teorema de Tales, que ele formulou medindo a piramide de Queops, no Egito, utilizando apenas uma estaca e as sombras dela e da piramide. Hoje, 0 teorema e fundamental para medi-i;:oes geometricas, utilizado desde a construi;:ao civil ate a astronomia.

    Na filosofia, ele acreditava na exis-tencia de uma materia-prima basica responsavel pela origem do Universo: a agua. Em uma de suas frases mais conhecidas, Tales teria dito que "o Universo e feito de agua". Ele obser-vou que, sem agua, tudo morria. Logo, ela era a fonte da vida. Tales chegou a afirmar que a Terra flutuava sabre um disco de agua a partir do qua! tudo emergiu. Ironicamente ou nao, a sede teria sido um dos motivos da sua morte, aos 78 anos. "Tales sucum-biu por causa do calor, da sede e do esgotamento da velhice", descreveu o bi6grafo Diogenes Laercio.

    Tales nao deixou textos. Tudo o que se sabe sabre ele e baseado na tradii;:ao oral e em registros de outros pensa-dores. Teve uma vida isolada e intima. Nao cobrava nada de seus discipulos e, humildemente, desafiava outros sa-bios a contestarem suas ideias.

  • r A LE s oE MILEr o, A NA XIM A NoR o, A N Ax f M rnE s, PA RMN10E s , Hrn Ac u ro I Era pre-socrdtica

    ((0 principio e o elemento de todas as coisas e 0 infinito)) Anazimandro Grecia (atuaf Turquia), * 610 a.C. t 54 5 a C.

    RESPONSAVEL POR continuar o pensamento de Tales, Anaximandro foi polftico, administrador e construtor de rel6gios solares - um cidadao cele-bre. Seu busto foi encontrado em posii;:ao de destaque nas rufnas de Mileto. Assim como Tales, acreditava na existencia de um prindpio primor-dial para o Universo, mas discordava de que fos-se a agua. Nas tres frases deixadas pelo pensa-dor, que Sao OS primeiros textOS de filosofia escritos, ele defende que o infinito ea origem de tudo, porque somente algo ilimitado e eterno po-deria explicar a multiplicidade das coisas.

    ((Tudoflui e nada permanece )) llerGclito Efeso (atuof Turquio), * 535 o.C. t 475' o.C.

    "Oar e Deus" Anazi-menes Mileto, * 585 o.C. t 528 o.C.

    NEM AGUA, nem infinito. Para o ul-timo dos fil6sofos de Mileto, oar era o item fundamental. Ele observou que os labios franzidos produzem ar frio e, quando relaxados, ar quente - concluindo que a condensai;ao esfria e a expansao aquece.Para ele, a condensai;ao do ar te-ria dado origem a ne-voas, chuvas e rochas, ou seja, ao planeta todo. Afinal, nada sobreviveria sem o ar.

    NINGUEM SE BAN HA duasvezesnomes-mo rio. Quando imergimos, aguas novas substituem aquelas que nos banharam antes. 0 exemplo serviu para ilustrar a Teoria do Devir de Heraclito de Efeso, sua tese mais famosa. Para ele, o Universo anda num eterno fluir, com cada coisa sendo e nao sendo ao mesmo tempo.

    devorado por caes. Heraclito deixou frases gravadas em laminas de ouro que ficaram secretamente guardadas com sacerdotes. Eram curtissimas e com duplo sentido, coma no trecho "a rota para cima e para baixo e uma ea mesma".

    \ i \

    "Nao e possivel dizer nem pensar 0 que nao e" Parmenides Eleio, *530 o.C. t 460 a .C.

    0 GRANDE PLATAO 0 reconhe-ceu como pai espiritual e dedi-cou a ele um de seus dialogos. A profundidade das ideias e argumentai;:oes de Parmeni -des e considerada ate hoje uma das mais ricas da hist6ria. E se filosofar ja e diffcil, imagi -ne deixar as teorias gravadas em formato de poesia. Parme-nides o fez. Esta tudo registra-do em poemas filos6ficos (exatamente 154 versos).

    Nascido em Eleia, hoje sul da Italia, Parmenides e consi-derado o principal nome da es -cola eleatica, um dos ultimos movimentos filos6ficos do fim da era pre-socratica. Seu gran-de merito foi ter reconhecido que nossos sentidos nem sem -pre estao certos, valorizando a importancia de fazer uma inter-pretai;:ao racional do mundo. Parmenides chegou a uma conclusao oposta a do contem -poraneo Heraclito. Para ele, a Teoria do Devir nao poderia es -tar certa, porque algo que "e" e "nao e" ao mesmo tempo nao passa de uma contradii;:ao. Nao ha uma terceira possibilidade, dizia Parmenides. Ou o sere uma coisa ou nao e.

    \\. :

  • ((0 principio de tudo e 0 numero))

    ~itligo * 570 o.C. t 495 o.C

    Alem de genio da matemiitica, o

    pensador era uma especie de profeta

    excentrico.

    QUAN DO PITAGORAS descobriuqueo quadrado da hipotenusa e igual a soma dos quadrados dos catetos, seus disci-pulos consideraram a descoberta uma revela

  • D

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    p1TAG o RA s. PRoTAGoRAs , G6RG1As I Erapre-socrcitica

    ((0 homem ea medida de todas as coisas)) Prota11oras Abdero (Grecio), *490 o.C. t 420 o.C.

    PELA PRIMEIRA VEZ, um fil6sofo colocava o homem no centro do pensa-mento. Ao afirmar que "o homem era a medida de todas as coisas", Pro-tagoras inaugurava a ideia de que a verdade depende da experiencia pes-soal. Nascido em Abdera, na Grecia, Protagoras concluiu que qualquer afirma

  • Seculos 5 a.C. a 1 d.C .

    FILOSOFl4 CLASSIC.A

    0 born, o hem, o belo e o justo 0 pensamento subiu um degrau quando Socrates comegou a fazer perguntas perturbadoras aos atenienses. Na busca pela pureza de qualquer conceito) 0 pensador nao inventou apenas 0 metodo socratico) mas tambem concretou os alicerces da filosofia para os pr6ximos milenios. E abriu caminho para que Platao e Arist6teles tivessem ideias que sobrevivem ate hoje.

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  • _ , .... -~., . #W I Nlffe...-P',!lllU .. i

    Ent re OS seculos 6 e 5 a.C., 0 mundo grego sofreu uma reviravolta socioecon6mica decisiva para o surgimento de pensadores da estatura de Socrates, Platao e Aristoteles. A cultura agraria e aristocratica da Grecia, que na epoca reu-nia cidades-Estados e nao formava um pais como hoje, deu lugar a vida urbana e democratica. Uma nascente industria artesanal e o comercio levaram hordas de gregos do campo para as cidades. A nova classe trabalhadora passou a ques-tionar o poder politico da monarquia e, por volta de 507 a.C, o reformador Clistenes introduziu um principio crucial que alterou a ordem social na regiao: a igualdade dos homens perante a lei e o direito de todos participarem das decisoes politicas da comunidade. A Grecia virou uma democracia direta. Nascia a figura do cidadao. Boa parte dos habitantes podia dar pitaco nas reformas da cidade e expressar opini-oes em publico (exceto mulheres e escravos, mas paciencia ... ).

    Mas era preciso saber falar para ser ouvido. 0 ideal de educac;:ao no novo mundo grego valorizava a formac;:ao do cidadao e nao mais exaltava as virtudes aristocraticas, tipicas dos poemas de Homero e Hesiodo, para quern o homem ideal era o heroi de guerra at letico e corajoso. Os novos professores da classe cidada eram os sofistas, pensadores que se apresen-tavam como mestres da oratoria e da retorica e contestavam tudo e todos. Para os sofistas, o born cidadao era persuasivo. Quern dominava a orat6ria ganhava qualquer discussao em uma assembleia na polis. Certo? Sim, mas nao para Socrates, o pai da fi losofia ocidental.

    Socrates construiu grande parte de seu pensamento em oposic;:ao ao sofistas, aos quais acusava de nao ter respeito pela verdade. Como podiam defender uma ideia ou outra apenas para obter vantagem7 Cade a vergonha na cara7 Para o mestre de Platao, o importante era buscar a essencia das coisas e do mundo, o conceito de valores como justic;:a, ami-zade, amor, beleza e prudencia. A verdade vem da reflexao racional sobre o que nos rodeia e nao da percepc;:ao ou da opiniao. 0 pai da filosofia distribuia perguntas pelas ruas da capital Atenas que desconcertavam os cidadaos gregos - 0 que ea beleza? Voce diz que justic;:a e importante, mas o que ea justic;:a7 Por que voce pensa o qtie pensa7 - e deu forma e metodo para a filosofia como a conhecemos hoje. Foi o pri-meiro fil6sofo "profissional". Durante o periodo de ouro na Grecia, a filosofia se debruc;:ou sobre quatro conceitos-chave: o born, o belo, o bem e o justo. Mas nao havia limites para o pensamento do trio fi losofico mais influente da Antiguidade. Socrates, Platao e Aristoteles estavam envolvidos com gran-des quest6es: o sentido da vida, justic;:a social, administrac;:ao das cidades, a busca da felicidade, como serum born cida-dao. Mas iam alem. A voracidade intelectual de Aristoteles era algo sem precedentes. 0 filosofo de Estagira (cidade do nordeste da Grecia) se interessou por todos os assuntos, da fisica a biologia passando pela etica, a politica ea metafisi-ca. A filosofia classica foi a mae das ciencias - ideia que vai persistir ate 0 final do seculo 18.

  • ((56 sei que nada sei)) ((Conhece-te a ti mesmo))

    SO orates Atena s (Grec ia), * 469 a. C. t 3 9 9 a.C .

    E justo roubar a fa ca de um amigo suicida?

    Socrates atordoou Atenas com perguntas

    coma essa.

    SOCRATES E PARA A FILOSOFIA oque Jesus representa para o cristianismo. As-sim como o profeta, veio de uma familia pobre, nunca escreveu uma palavra, incomodou muita gente e foi admirado por uma legiao. Perambulava pelas ruas, onde parava desconhecidos e fazia per-guntas embara

  • Socrates concluiu: "Mas seria moral em vez de imoral, ja que seria uma coisa boa e nao ruim". A essa altura, enquanto os neuronios do cidadao se debatiam, So-crates dava-se por satisfeito. Ele proprio comparou esse metodo com a profissao de parteira da sua mae. Sua mae usava a habilidade para trazer a luz a vida. Ele paria a verdade. Um dia, um amigo de Socrates consultou o Oraculo de Delfos. Desejava saber se existia alguem mais sabio que o filosofo. A resposta foi direta:

    "Nao, ninguem e mais sabio que Socrates''. Quando sou be da resposta, Socrates ficou pasmo com a afirmac;:ao e foi procurar politicos e poetas para provar o erro do Oraculo. Foi em vao.

    Conta-se que, ao conversar com ou-tros sabios, Socrates concluiu que todos acreditavam que tinham um conheci-mento profundo sobre algum assunto, quando, na verdade, nao era bem assim. A sabedoria do pensador estava em nao alimentar ilus6es sobre o proprio saber. Foi dessa logica que Socrates extraiu a historica frase "so sei que nada sei", pen-samento que lhe rendeu varios inimigos em Atenas, que o acusaram de ser, na verdade, um sofista interessado em se aproveitar da retorica para mentir. 0 filosofo foi levado ao tribunal, acusado de colocar em risco a moralidade ate-niense e dissuadir a crenc;:a nos deuses. Recusando-se a abrir mao de suas ideias, o sabio tomou um calice de cicuta - vene-no extraido de uma plan ta que paralisa gradualmente o corpo. Morreu aos 70 anos. Durante o julgamento, disse uma de suas frases mais marcantes: "A vida irrefletida nao vale a pena ser vivida". Segundo relatos de Platao, seu maior dis-cipulo, Socrates preferia a morte do que viver sem questionamentos, na comple-ta ignorancia. Teria declarado ainda que, se corromper a juventude significava ensinar a cuidar menos do corpo e mais da alma, entao era culpado. Socrates nao escreveu nada, mas disse muito. Poucos minutos antes de cumprir seu destino, se despediu dos discipulos: "Ja e hora de ir-mos. Eu para a morte, voces para a vida. Quern de nos segue o melhor rumo? lsso e segredo. Exceto para Deus".

    SOCRATES E EPICURO Filosofia ddssica

    "A morte nao e nada ~ara n6s)) Ep1euro Sa mas , *3 41 a .C. t 270 a.C .

    Fas de Epicure acreditavam gue

    contemplar o busto do pensador

    acalmava o espirito.

    DURANTE ESCAVA

  • .... 1.-------------------------------------------;;;;;;;;;;_;;;;;;;;.._"""-''-"-......;;.- __,-=-~-"'-""-===~-=-=-~---~-~~~~--~-- ~~~

    (A_ alma do homem e imortal e imperecivel))

    Platao Atenos , * 42 7 o . C. t 347 o . C.

    SE SOCRATES construiu umpequenoaltarpara a filosofia, Platao foi o responsavel por transfor-mar esse altar em uma grande igreja. Principal discipulo de Socrates, o fil6sofo se encarregou de registrar as ideias do mestre na forma de dialogos. Seu texto e uma mistura de teorias complexas com fragmentos teatrais que traziam o mestre como protagonista, dialogando sobre a vida, a ra-zao ea verdade. Platao escreveu ao longo da vida cerca de 40 dialogos, verdadeiras obras-primas filos6ficas e literarias. Temos a sorte de contar hoje com tudo o que o fil6sofo escreveu.

    Ede Platao um dos textos filos6ficos mais lidos da hist6ria, o Mito da Caverna. Conta a fabula de prisioneiros que foram acorrentados em uma ca-verna escura quando crianGas sem jamais poder sair dali. Tudo o que conheciam do mundo eram sombras da vida real projetadas nas paredes, ou seja, c6pias imperfeitas das coisas, que conservam suas formas verdadeiras no mundo das ideias, uma especie de paraiso onde esta guardado o padrao de tudo o que existe - principal teoria de Platao. 0 mundo das ideias existe em oposiGao ao mundo dos sentidos, esse no qua! vivemos, recheado de c6pias defeituosas de tudo o que existe no piano superior.

    Quando um dos escravos toge da caverna e fica deslumbrado com a verdadeira forma das coisas, Platao faz uma metafora com os fil6sofos, que as-cendem por meio do conhecimento. Ele defendia a tese de que o mundo das ideias s6 poderia ser aces-sado pelos fil6sofos. Logo, era essa a classe mais indicada para governar a polis. Esse pensamento originou a teoria politica de Platao, na qua! ele cria a cidade ideal. Nela, existiriam apenas tres catego-rias de cidadaos, cada um desempenhando a tarefa para a qua! estava melhor preparado. Aqueles que tinham a "alma com apetite" seriam trabalhado-res; os corajosos, os guardi6es da polis; e os dota-dos de sabedoria e razao, os governantes-fil6sofos.

    Um dos pai s da fil osofia ocide ntal,

    Plat ao via da is mundos: o das ideias e

    o dos sentidos.

  • ' 21

    A tarefa do rei fil6sofo seria justamente a de re-gressar a caverna e relatar o mundo das ideias para os demais - isto e, contar a verdade para a sociedade. Na comunidade ideal de Platao, os casamentos seriam coletivos e sem casais fixos. 0 sexo seria somente para a reprodU

  • (A verdade estci no mundo a nossa volta;)

    4rist0teles Es togiro (otuo l Gr ec io) , * 3 84 o.C. t 322 a .C.

    Os jardins do palacio de Pela, capital da Mace-donia, hoje parte da Grecia, foi um local que despertou a genialidade de um dos maiores pensadores da hist6ria. Nascido em Estagira, no nordeste grego, Arist6teles foi ainda crianc;:a para Pela quando seu pai, Nicomaco, foi cha-mado para ser o medico do avo de Alexandre, o Grande. Conta-se que Arist6teles brincava nos jardins do palacio e se interessava por quase tudo a sua volta: insetos, plantas, ervas dani-nhas. Por volta dos 18 anos, ficou 6rfao e gas-tou o que herdara do pai em vinho e festa. Em 367 a.C., ele partiu para Atenas e ingressou na Academia de Platao -e de bon vivant se tornou um dos maiores genios da filosofia.

    Arist6teles entrou na escola apenas como ouvinte, mas Platao logo percebeu que ele nao era um aluno qualquer e !he deu a missao de lecionar ret6rica. Ele permaneceu na Acade-mia por 20 anos ate a morte do mestre, quando, insatisfeito com os rumos que a escola tomava, seguiu para a Macedonia para dar lic;:6es a Ale-xandre, 0 Grande. Antes disso, casou-se duas vezes e teve Nicomaco, seu l'.mico filho. Arist6-teles aprendeu muito com o mestre Platao, mas foi tambem seu maior critico. 0 fil6sofo nao acreditava na teoria do mundo das ideias apre-sentada no Mito da Caverna. Para ele, o mun-do real, a natureza, nao tern nada de ilus6rio. Arist6teles acreditava que a verdade esta neste mundo e nao em um universo paralelo, como acreditava Platao. Arist6teles dizia que eram os homens que formulavam os conceitos a res-peito das coisas para poder reconhece-las. Veja o exemplo de uma cadeira. Depois de observar centenas de cadeiras, n6s mesmos poderiamos definir o que era o conceito de cadeira e, desta forma, reconheceriamos um exemplar quan-do nos deparassemos com uma. E a cadeira na qua! estamos sentados agora nao e apenas um simulacro de uma cadeira verdadeira existente no mundo das ideias, como Platao diria. 0 pu-pilo tambem nao acreditava na dialetica como

    Nao havia assunto ruim para Ari stoteles. Ele deixou contribui-

    ~oes em campos totalmente diversos, da botanica a logica.

  • um metodo seguro de conhecimento. Para Aristoteles, debater ideias e born para a po-litica e a retorica, mas nao e indicada para a filosofia ou para a ciencia. Assim, ele fundou a logica, que definiu como um instrumento seguro para conhecer o mundo.

    Aristoteles tratou de absolutamente todos os temas da sua epoca com uma profundida-de revolucionaria. As contribui

  • Seculos 4 a 14

    A lgreja

    Durante a Idade Media) a filosofia no Ocidente assume uma face teol6gicaJ na qual a principal preocupagao era equilibrar razao e fe. Enquanto issoJ no OrienteJ Platao e Arist6teles continuam arrebatando seguidores.

  • ' I

    ' 25 , '

    Q U and Q criarn;:a, Alexandre, o Grande, o rnaior conquistador do mundo antigo, teve Arist6teles coma tutor. Dos 13 aos 16 a nos, o futuro rei da Macedonia recebeu aulas de 16gica, medicina, moral e arte, entre outros temas, do mestre da filosofia.

    Em 323 a.C., Alexandre morreu aos 32 anos, e sua despedida marcou o fim do dominio cultural, politico e filos6fico da Grecia no mundo antigo. Semo lider unifi-cador, as cidades-Estado gregas, que antes cooperavam, voltaram a ser inimigas. A morte do general, que levou o dominio grego e os ensinamentos do tutor ate onde se situa o Paquistao, enterrou tambem o legado de Platao e Arist6teles. Nos dois seculos seguintes, o lmperio Roma-no ascendeu, e os romanos nao tinham tan to apre

  • (Amo o pecador) mas odeio o pecado)~

    Santo 4gostinllo

    Agostinho co nce beu um Deus perfeito, eterno e intocavel, interpreta i;iio gue

    pautou o cristi anismo dali em diante.

    NA s c I o o nu ma cidade pertencente ao que hoje e a Argelia, na epoca parte do lmperio Romano, Agostinho teve uma vida de esbanjamento e luxuria ate os 32 anos. Embora admirasse os ermit6es que iam estudar as leis de Deus, ele s6 foi se converter no ano de 386, quando lecionava em Milao. Influenciado por Ambrosio, bispo da cidade, o futuro san-to teve uma revela

  • I

    : ! 27 '

    I I

    sANro AGos r1NH o, A L-FA RABt , Av 1crnA , AvrnR0 1s I Filosofiamedieval

    "Um homem torna-se uma pessoa grac;:as ao intelecto" 41-Farabi Farab (atual Cazaquistaa), *8 72 t 951

    Alemde recuperar os

    gregos cliissicos, o fil6sofo virou a

    raiz da pal avra 11alfarriibio".

    POU CO SE SABE sobre a vida de Al-Farabi que, em-bora tenha escrito muito, abusou da modestia ao fugir do registro da propria biografia. Um dos fun-dadores do movimento filosofico muc;:ulmano na ldade Media, ele seria chamado por seus contem-poraneos de o Segundo Professor - uma especie de herdeiro de Aristoteles, que seria o primeiro. Al--Farabi marcou um novo passo na filosofia de seu tempo precisamente porter recuperado as obras dos gregos classicos, discutindo tanto os textos aristotelicos quanto os de Platao, que haviam cafdo no esquecimento na Europa medieval. Os numero-sos escritos de Al-Farabi tambem deixaram um le-gado semantico que curiosamente resistiu na lin -gua portuguesa: de seu nome deriva o termo "alfarrabio", usado para designar um livro antigo.

    E Al-Madi/a Al-Fadila - A Cidade Virtuoso

    / ((E preferivel uma vida curta e larga do que uma vida longa e estreita)) 4.vicena Bucaro (otuol Uzbequistao), * 980 t 1037

    DEDICADO A LOG I CA EA MEDICINA, assessorou muitos prfn-cipes persas, tanto para curar doenc;:as quanto para dar conse -lhos. Embora se considerasse seguidor de Aristoteles, afas-tou -se dele a respeito da ideia aristotelica de que mente e corpo compoem uma coisa so. Avicena promoveu o pensa-mento dualista - a ideia recorrente de que a mente, ou alma, seria distinta do corpo. Ou seja, a alma permanece mesmo quando o corpo morre, algo que tentou explicar na parabola do "homem voador" : se eu ficasse flutuando sem tocar nem ver coisa alguma, poderia nao saber que tenho um corpo, mas ainda assim saberia que existo. Quase 600 anos depois, Des-cartes recuperaria a ideia de que nossa existencia e garantida pela consciencia - ou, para o frances: "Penso, logo existo" .

    E 1027 0 Livro do Curo

    "O mundo e dividido entre homen s com inteligencia e sem religiao, e homens com religiao e sem inteligencia"

    4tJerrdis Cordoba (otuol Esponho), *11 26 t 1198

    COMO AVICENA, buscou formas de conciliar o Isla com a obra de Aristoteles, cujos pensamentos eram considerados hereges no mundo muc;:ulmano. Natural do califado Almoa-da, onde hoje esta a Espanha, Averrois tinha entre seus lei -tores o proprio califa, Abu Ya'qub Yusuf. Com as costas quentes, o filosofo conseguiu relativa protec;:ao para formular suas ideias. Para ele, o Alcorao so deveria ser lido de manei-ra literal pelos homens incu ltos - a elite esclarecida precisa-va entender que o livro sagrado nao passava de uma versao poetica da realidade. As ideias de Averrois levavam a con-clusao de que as indagac;:oes filosoficas ea religiao podiam caminhar juntas: sea leitura mais obvia de um trecho do Al-corao entrasse em conflito com a leitura culta (feita em geral pelos filosofos), aquele preceito nao deveria ser seguido ao pe da letra, mas interpretado como uma mera parabola.

    E A lncoerencio do lncoerencio

  • ((Nao quero saber para crer) mas crer para saber))

    Santo 4nseltno Aos t o (otuol Italia), * 1033 t 1109

    Anselmo apelou para a razao para comprovar a existencia de Deus, um e9uilibrio 9ue lhe

    re ndeu o titulo de "pai da escolastica".

    ANSELMO NASCEU em ben;o nobre: seus pais ostentavam parentesco com a nobre dinastia da Casa de Savoia, que oito seculos mais tarde lideraria a uni-ficar;ao da Italia e reinaria sobre o pais ate o fim oficial da monarquia, em 1946. Apesar dos antecedentes, ele optou pela vida religiosa. Desde que entrou num mosteiro, aos 20 anos, subiu varios de-graus na Igreja: foi monge, prior e aba-de. Em 1093, ja vivendo na Inglaterra, tornou-se arcebispo da Cantuaria.

    Seus trabalhos filos6ficos buscavam comprovar a existencia de Deus por meio de um debate racional. Anselmo estabe-leceu o que Immanuel Kant chamaria de

    "prova ontol6gica" seis seculos mais tar-de: um dialogo imaginario com alguem que negasse Deus, usando da 16gica ate o ponto em que nao houvesse alternati-vas a nao ser aceitar Sua existencia. Para Anselmo, era 6bvio que existe em nossa mente "um ser do qual nao e possivel conceber nada maior''. Se Deus existe, Ele e esse ser. Mas, para Anselmo, algo presente apenas em pensamento e me-nor do que algo que vive na realidade. 0 fil6sofo entao argumentou: se nao pode haver algo maior do que Deus, e Ele esta em pensamento, tambem precisa existir na realidade. Finalmente, a razao com-provava a existencia de Deus - pelo me-nos para o fil6sofo.

    Anselmo seria criticado nos seculos seguintes, e os questionamentos costu-mavam partir da interrogar;ao basica: qual a garantia de que uma coisa real e de fato maior do que algo que existe s6 em pensamento? A maior importancia de seu pensamento foi ter buscado um equilibrio entre fe e razao. Embora ou-tros pensadores tenham feito isso antes, como Santo Agostinho, Anselmo costu-ma ser chamado de "pai da escolastica" pela importancia da razao em sua doutri-na. Para ele, a fe comer;a quando a razao termina. No que diz respeito a Igreja, as contribuir;oes de Anselmo foram logo reconhecidas: sua canonizar;ao ocorreu poucas decadas ap6s sua morte. Ganhou o titulo de santo por volta de 1163.

    I!! Proslogio : Disc urso sabre a Existencio de Deus

  • i ' .

    ' 29 ' sANTo ANsuMo , PrnRo ABELAR Do, sAo TOMAs DE Aqu1No, DuNs scorus I FiiosofiamedievaL

    "O questionamento constante e a primeira chave para a sabedoria" Pedro Abelardo Fronqo, *1079 t 1142

    EM 1115, reconhecido como um fil6sofo arrojado de Paris, Abelardo era admirado por alunos que vinham do exterior para aprender com ele. Foi af que conheceu Helofsa, ea hist6ria de amor entre eles acabou mais famosa do que seus postulados. Sobrinha de um conego da Catedral de Notre-Dame, onde Abelardo lecionava, ela encantou o pensador com sua beleza e erudic;ao. Os dois comec;aram um romance secreto que ter-minou tragico: Helofsa engra-vidou e seus parentes juraram vinganc;a. Em uma noite, ar-rombaram a casa de Abelar-do e castraram o fil6sofo con-quistador. Desiludidos, ela virou freira, e ele, monge be-neditino. Pouco se sabe sobre o destino do filho do casal, Astrolabio.

    A filosofia de Abelardo bus -cou problematizar os "univer-sais '', isto e, tudo 0 que pode-mos agrupar sob uma mesma palavra. Para ele, os univer-sais sao apenas conceitos que derivam e guardam se-melhanc;a com as coisas. Ao contrario de Platao, ele dizia que um termo como "carva-lho" pouco tern a dizer sobre cada arvore desse ti po que existe na realidade. Tambem contribuiu para aprimorar o metodo escolastico, um pas-so essencial para os te61ogos que viriam a seguir.

    ~ Dialetica

    (A_ razao no homem e coma Deus no mundo)) s ao Totnds de 4 quino Roccasecco (a t uol Ital ia) , * 1225 t1 2 74

    To MA s o E A Q u I No ja ha via investido nove anos de sua vida escrevendo a Suma Te-ol6gica, um total de 512 questionamentos filos6ficos, quando algo estranho aconteceu. Ele foi visto levitando diante de um crucifixo em seu convento de Napoles. Em meio a uma ora

  • ' ii' I . I i ~ ' ~ i ~

    Seculos 14 a 17

    Depois de uma Idade Media essencialmente religiosa) surge um movimento que coloca o homem de volta ao centro das preocupagoes. N asce a filosofia de perfil humanista) inaugurada por Dante e Maquiavet que tece criticas a Igreja e ao idealismo da filosofia grega. As obras filos6ficas mais importantes do periodo) no entanto) sao hoje mais conhecidas pelo poder literario do que pelas ideias.

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    0 Renascimento naoepre-cisamente um periodo hist6rico, mas a sintese de um es-pirito nova que surgiu na Italia. Na filosofia, o movimento foi inaugurado por Dante, com a sua Divina Comedia, no inicio do seculo 14, mas foi a partir dos seculos 15 e 16 que os pensadores ampliaram a faxina para varrer a po-eira medieval. Os renascentistas eram bans marqueteiros: usavam os termos "renovar", "restituir a uma nova vida", "fazer reviver" para marcar uma oposic;ao clara a cultura da Idade Media, que julgavam um periodo de barbarie e escuridao. A hist6ria fez questao de acabar com essa pro-paganda enganosa - a Idade Media nao foi s6 horror. 0 name Renascimento, enfim, colou, mas o periodo marcou, na verdade, o parto de uma outra cultura, que colocou o homem e suas inquietac;oes - e nao mais o Deus dos medie-vais - de volta ao centro do mundo. Nao por acaso, a fase tambem e chamada de humanismo. Nascia uma filosofia inteiramente secular, separada da Igreja.

    Os renascentistas beberam na mesma fonte dos medie-vais, na filosofia grega. Platao e Arist6teles - sempre eles -foram a inspirac;ao dos ideais antropocentristas. Platao foi amplamente recuperado na Italia renascentista que domi-nou o mundo cultural da epoca - a imprensa de Gutenberg se encarregou de espalhar as ideias renascentistas para o resto da Europa. Os humanistas colocaram em pratica o uso da razao e da evidencia empirica na investigac;ao do mundo. Mas a coisa nao era tao pe-no-chao assim. Uma das correntes do pensamento da epoca, o neoplatonismo, explorava a ideia de que o homem era parte da natureza e podia agir sabre ela por meio da magia e da astrologia. Outra corrente, mais realista, iniciou a defesa dos ideais republicanos contra o poderoso Imperio Germanico e contra OS papas. 0 florentino Nicolau Maquiavel e seu primeiro representante. A liberdade politica da antiga Grecia era exaltada coma exemplo de participac;ao social. A indignac;ao contra o status quo levou a mudanc;as profundas e marcou a Reforma Protestante, que teve coma resposta a Contra--Reforma ea Inquisic;ao.

    Os pensadores renascentistas escreviam bem a bec;a. As obras ma is famosas da epoca sao hoje mais conhecidas coma pec;as literarias do que coma tratados filos6ficos. 0 Elogio a Loucura, de Erasmo de Roterda, por exemplo, e considerado uma das satiras mais brilhantes da literatura mundial. Mon-taigne, autor de Ensaios, e tido coma o inventor do genera. Apesar do entusiasmo marcado pelas grandes aventuras maritimas da epoca e pelo pulsante comercio que entupia a Europa de novidades vindas do Oriente e da America, sem esquecer da efervescencia das artes, com Da Vinci, Botticelli e Michelangelo botando para quebrar, as obras mais famosas do campo filos6fico sao ceticas e pessimistas. Para Maquiavel e Montaigne, por exemplo, nao ha via mui-ta saida para a corrupc;ao na politica - uma interpretac;ao tremendamente atual, diga-se.

  • (fl_ razao VOS e dada para discernir o bem do rnal))

    Dante ~,~!r~ieri

    C om criticas a lgreja, Dante inaugurou uma fase e m 9ue o homem

    fi cou a frente dos dilemas espirituais .

    DANTE E MAIS CONHECIDO porsuaobra poetica do que por suas teorias filos6ficas

    - um trac;:o comum entre os pensadores re-nascentistas. 0 poeta-fil6sofo viveu entre a transic;:ao da ldade Media e do Renas-cimento, ou seja, um limbo entre a reli-giosidade extrema e o inicio do humanis-mo secular. Sua obra principal, A Divina Comedia, marca o inicio do movimento renascentista, que reuniu na Italia uma concentrac;:ao inedita de artistas, intelec-tuais, fil6sofos e cientistas. A repercussao da Divina Comedia foi tao acachapante que ajudou a consolidar o dialeto de Florenc;:a como a base da lingua italiana.

    A obra narra uma viagem imaginaria e p6stuma de Dante. Do comec;:o, quando se encontra em uma "selva negra", Dante e guiado pelo pagao Virgilio e depois por Beatriz, sua musa, que o leva ao paraiso. No livro, o autor visita o ceu, o inferno e o purgat6rio, encontrando personagens his-t6ricos pelo caminho. Apesar da tematica religiosa, A Divina Comedia faz uma cri-tica a Igreja. 0 autor condena pontifices as trevas por considerar sua conduta imo-ral, uma das criticas que geraram revolta nos altos escaloes eclesiasticos. Depois da morte de Dante, seus restos mortais foram procurados para que pudessem queima-lo como herege - ainda que depois de morto. Mas a importancia do livro resistiu aos ata-ques e ate hoje e usada por padres como referenda te6rica. A obra se chamava ori-ginalmente apenas Comedia. 0 adjetivo foi incorporado por Giovanni Boccaccio, um poeta e critico literario italiano do seculo 14, especializado na obra do fil6sofo.

    Dante tambem ocupou cargos impor-tantes no governo florentino, o que !he rendeu inimizades politicas. Exilou-se em Ravena, ap6s a vit6ria dos seus inimigos, apoiados pelo papa Bonifacio 7. Escreveu Monarquia, obra menos conhecida, em que defendia a separac;:ao entre func;:oes do Im-perio e da Igreja. Para Dante, o imperador teria poder executive, e o papa atuaria como mestre espiritual. E os dois preci-sam se respeitar.

    Nas horas vagas, era um romantico in-curavel. Era membro do grupo secrete "Os fieis do amor": trovadores liricos que idea-lizavam a figura feminina.

    @I A Divina Comedia, Monarquio

  • ' 33 DANTE ALIGHIERI , ER ASM O D E ROTERDA, THOMAS MOR E Renascimento filo s6fico

    "A propriedade privada e a essencia das mazelas dohomem" Thomas More Landres ( ln gloterro), * 1478 t 1535

    FORMADO EM DIREITO por Oxford, Tho-mas More teve uma carreira de sucesso coma brai;:o direito de Henrique SQ. Mas, apesar de viver entre a nobreza, escre-veu uma obra-prima protossocialista. Seu livro mais famoso, Utopia, narra a vida em uma ilha imaginaria onde as pessoas trabalhavam pouco e tudo era compartilhado. Fez ataques a monar-quia, que garantia seu ganha-pao. lnspi-rou-se na Republica, de Platao, e tornou a palavra "utopia" (um lugar ou situai;:ao ideal, mas de dificil realizai;:ao) parte da linguagem comum. Curiosamente, as crlticas contra o patrao em Utopia nao lhe causaram problemas.

    Ele so se indisp6s com o chefe monar-ca quando Henrique SQ se voltou contra a lgreja Catolica e fundou sua pr6pria doutrina, o Anglicanismo. Sua recusa em aceitar a manobra do rei lhe rendeu uma condenai;:ao a morte, na Torre de Landres, em 1535. Quatrocentos anos depois, em 1935, ele foi canonizado por ter pago com a pr6pria vida pela fideli-dade ao catolicismo. 0 pensador era muito amigo de Erasmo de Roterda, que dedicou ao camarada a sua obra mais conhecida , o Elogio da Loucura. More foi uma especie de disdpulo de Erasmo, apesar do amigo ter sido um duro crltico do cristianismo.

    ~ Utopia

    lllia DA UTOPIA Obra classica de More, Utopia e dividida em duas partes. Na primeira, faz uma critica arrasadora a lnglaterra do seculo 16, para depois sugerir o lugar dos sonhos.

    ((Toda educar;ao saudcivel e uma educar;ao sem controle religioso)) Erasmo de Roterdi Roterdo (Ho londo), *14 66 t 1536

    UM MONGE QUE CRITICOU A DOUTRINA DA IGREJA, detes-tava morar no convento e acreditava que o mundo material nao era tao ruim assim. Esse era o fil6sofo e escritor holandes Erasmo de Roterda. Filho bastardo de um padre, Erasmo tam-bem se formou em teologia, mas defendia uma educai;:ao lon-ge dos clerigos. Louco? Talvez. Mas ele pr6prio dizia que a loucura era uma das virtu -

    des que garantiram a felicidade. Erasmo via na loucura uma parte essencial do homem, o atributo que pode nos trazer as alegrias mais sinceras. Como born disdpulo do desvario, ele criou em sete dias sua obra mais celebre, E/ogio da Loucura, onde a pr6pria insanidade ea narradora da hist6ria.

    No livro, dirigiu crlticas mordazes a doutrinas e valores hip6-critas da lgreja, que ja nao se mostrava tao santa assim. Foi um dos primeiros autores a enfrentar os dogmas que guiavam o poder medieval, propondo uma educai;:ao livre do controle religioso. Forada Italia, o te61ogo era considerado um dos grandes lrderes do pensamento humanista, movimento que pregava o homem coma dono de sua pr6pria vida. As ideias renascentistas de Erasmo inspiraram Lutero na Reforma Pro-testante. Porem, o mange holandes nao se juntou ao movi-mento. Guiado por um esplrito independente, preferia nao se filiar a nenhum extrema. Para externar sua posii;:ao, criou o sermao Sabre o Livre Arbftrio, indo contra uma das ideias centrais de Lutero. Para Erasmo, apesar do homem ter o po -der de fazer suas escolhas livremente, ele nunca encontraria a salvai;:ao sem a grai;:a divina. Ele defendia um retorno as cren-i;:as sinceras, um contato com Deus sem intermedio de mis-sas, padres ou confessionarios.

    ~ Elogio do Loucuro, Sabre o Livre Arbitrio

    1. More denuncia a grave situa

  • I 1, I

    / ((E bem ma is seguro ser temido do que amado ))

    ltlaquia11el Fforenqo Cltalio) , * 1469 t 15 2 7

    MAQUIAVEL ESCREVEU OPrfncipe, uma obra-prima da politica, mas nao se deu bem na vida publica. Depois de 14 anos trabalhando coma secre-tario na Segunda Chancelaria de Florern;a, perdeu seu cargo quando a famflia Medici, sua inimiga, voltou ao poder em 1512. Foi exonerado e exilado em sua fazenda. Acabou a vida longe da politica.

    No livro, cujas fortes ideias forja-ram o adjetivo "maquiavelico" para definir um individuo que busca o poder sem escrupulos, o historiador e poeta resolveu romper com a tra-dic;ao idealista, que remonta a Platao, e mostrar coma as coisas funcionam na pratica. Inspirou-se em Cesar Bor-gia, que passou pela politica, Igreja e Exercito sempre com perfil pragma-tico. Para Maquiavel, o lider ideal de-veria ser perspicaz coma a raposa e feroz coma o leao. Ele poderia fazer inimigos e promover punic;oes mais duras desde que estivesse em busca de um bem maior. Maso lider defendido por Maquiavel nao podia serum louco desvairado: tinha de agir com sabe-doria. 0 autor nunca pregou pianos diab6licos, coma assassinatos politicos, ou artimanhas que !he classificariam coma maquiavelico. Foram os leitores que interpretaram a receita de Ma-quiavel coma uma especie de passe livre para a maldade. A classica frase

    "Os fins justificam os meios" resume bem sua ideia, mas nao foi escrita pelo autor - e um dito popular.

    @I 0 Prin c ipe

    Maquiavel se inspirou no pragmiitico Cesar, Iii hoe ajudante de Alexandre 6, que

    chegou ao papado na base da corrupc;ao.

  • MAqu1AvEL , MONTAIGNE , G1 0 Ro ANo eRuNo , C A MPANELLA I Renascimentofilos6fico

    "Uma cabec;a bem-feita vale mais do que uma cabec;a cheia" Montaigne Fronqo, *1 533 t1 592

    CETICO, este fil6sofo do seculo 16 acreditava que a verdade e inacessfvel e flutuante. Sua obra-prima, Ensaios, foi escrita quando a Renasceni;:a estava na sua ultima fase, e o otimis-mo ja nao era mais o mesmo. Por isso, sua produi;:ao era re-pleta de desconfiani;:a sobre tudo, e o livro foi tao influente no meio literario que acabou fundando um genero: o ensaio.

    Montaigne falava de canibais, religiao e amor, mas unia te-mas aleat6rios com fluencia e reflex6es sobre o homem. Nas passagens sobre educai;:ao, por exemplo, era contra a decore-ba. Criticou o exibicionismo in-telectual e defendia que alunos soubessem articular os conhe-cimentos e tirar suas pr6prias conclus6es. Dizia que nao de-vfamos dar bola para a opiniao dos outros e que a busca pela fama corrompe o ser humano, pensamento que ia na contra-mao da cultura da epoca. Mon-taigne era um playboy do secu-lo 16. Foi alfabetizado em latim, graduou-se em Direito e jogava dinheiro pela janela. Apesar do aprei;:o pela vida louca, chegou a ser prefeito de Bordeaux por duas vezes, entre 1580 e 1590. Teve varios affairs, mas nao se envolveu seriamente com ne -nhuma mulher. Seu unico amor foi La Boietie, seu melhor ami-go, com quern teve uma "divi-na ligai;:ao", compartilhada "ate o fundo das entranhas", em suas pr6prias palavras. Foi a morte prematura do compa-nheiro que o deprimiu e o levou a escrever seus ensaios.

    ~ Ensoios

    ((0 tempo tudo da e tudo tira; tudo muda) mas nada perece)) Giordano Bruno N ola (o t uol Italia), * 15 4 8 t 1600

    ABRIU UM NOVO HORIZONTE deliberdadeeevolui;:aocientifica,masfoiperseguido pela Inquisii;:ao e acabou na fogueira. 0 pensador acreditava que o mundo era um grande animal, onde todas as coisas (todas mesmo) possuem alma. Te6logo, fil6sofo e escritor, Bruno tambem era astr6nomo. lnspirado por Copernico, defendeu a in-finitude do Universo e lani;:ou a possibilidade de que todas as estrelas poderiam ter seu pr6prio sistema solar - hip6tese que s6 seria comprovada no seculo 21. A ideia batia de frente com a creni;:a crista de que os humanos sao criai;:6es unicas, feitas a imagem do Criador. Para sublinhar seu nome na lista negra da Igreja, Bruno retomou conceitos pagaos, afirmando que Deus faz parte do Universo, presente em todos os cantos, e nao uma entidade com cadeira cativa num unico lugar. Para ele, a energia presente em todas as coisas nao se perde ap6s a morte, mas se transforma.

    ~ Do Couso, do Principia e do Uno , Acerco do lnfinito, do Universo e dos Mundos

    LOUCAS AVENTURAS A vida de Campanella renderia um block-buster. 0 fil6sofo foi condenado por heresia, mas escapou da pena de morte se fingindo de louco. Era capaz de conversar normalmen-te ou fingir ataques de riso durante sess6es de tortura. Foi condenado a prisao perpetua e passou quase metade de sua vida na cadeia, onde escreveu boa par-te de sua obra. No fim. conseguiu dar a volta por cima. recuperando sua credibilidade e vivendo com regalias.

    110 mundo e uma gaiola de loucos" Campanella Stignono U t alio), *1568 t1 639

    FOi o FILOSOFO que encerrou o perfodo renascentista. Em sua obra mais famosa, A Cidade do Sol, escreveu sobre uma socie-dade comunitaria, onde todo o conheci-mento era compartilhado e nao existia nem propriedade privada nem famflia . Campanella acreditava que as novas gera-i;:6es poderiam ser melhoradas por cruza-mentos. Por isso, a procriai;:ao era planeja-da. Gordos deveriam procriar com mulheres magras em busca de um equilf-brio. Campanella fundamentou sua obra aliando as leis naturais ea fe crista. Para ele, o mundo e um grande organismo, onde tudo e vivo e sensfvel.

    ~ A Cidode do Sol, Apologia de Golileu

  • Seculos 17 a 18

    Arazao ea resposta

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    I De p 0 is do Renascimento ter abalado 0 mo-no'p6lio da Igreja sabre o pensamento, cultura e politica europeia, o seculo 17 marca a vit6ria definitiva da razao e da ciencia sabre a religiao - um movimento batizado de Iluminismo. A Europa, que antes era um continente, unificado pelo poder eclesiastico, divide-se em nac;oes poderosas. Gra-Bretanha, Franc;a, Espanha, Portugal e Holanda consolidam seu poderio econ6mico com col6nias ao rector do mundo e, em cada pais, surge uma pr6spera classe media urbana.

    Aas fil6sofos modernos coube a iniciativa de integrar o raciocinio filos6fico com o cientifico, em alta depois que as grandes navegac;oes - e os grandes lucros provenientes do comercio com as f ndias - comprovaram n0

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    ((Penso) logo existo))

    Deseartes La Haye en Touraine (atua f Descarte s - Franqa), * 1596 t 1650

    Para Descartes, ea capacidade de deduzir com a razao, e nao OS cinco sentidos, gue produz a verdadeira

    sabedoria .

    Aos 24 anos de idade, Rene Descartes se alistou no Exercito holandes, passando a integrar as tropas de Mauricio de Nassau. Nao seria sua unica experiencia belica: o jovem que depois ficaria famoso por seu legado a matematica e a filosofia ainda pegou em armas pelas legi6es da Bava-ria, e chegou a participar de uma batalha nos arredores de Praga, em 1620, duran-te a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). 0 genio nascido na Frarn;:a enveredou para a carreira militar tentando provar a si mesmo que nao tinha os pulm6es fracas. Quando veio ao mundo, os me-dicos garantiram que seus dias estavam contados: a mae morreu de tuberculose pouco ap6s o parto, e o pequeno Rene dificilmente teria um destine muito di-ferente. Mas seu pai, Joachim, contra-tou uma ama de leite e garantiu que o filho passasse os primeiros anos em casa, longe do contato com outras criarn;:as - e, principalmente, suas doern;:as.

    Deu certo. Descartes chegou a idade adulta e p6de ate virar soldado, mas nao tinha jeito para a trincheira. Introspecti-ve e com gosto pela leitura, logo conseguiu ser dispensado para se dedicar em tempo integral aquilo que ja vinha fazendo nas horas vagas - desenvolver ideias revo-lucionarias, que reuniria mais tarde no Discurso do Metodo, sua obra-prima que trata da pratica cientifica, do pensamen-to humane e ate mesmo de Deus, entre outras quest6es. Descartes ganhou fama por criar e emprestar o name ao sistema de coordenadas cartesiano, que abriu ca-minho para o surgimento da geometria

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  • ((0 homem e 0 lobo do homem))

    Hobbes acreditava que a sociedade precisava de um

    monarca para evitar conflitos pelo poder.

    Ho BB Es viveu em tempos contur]Jados para a coroa de seu pais, e suas ldeias tinham muito aver com o clima de in-certezas que marcou aquela epoca. Nas-cido prematuramente ap6s sua mae se assustar com a noticia de que a Armada Espanhola estava a ponto de invadir a Gra-Bretanha, o pensador seguiu tendo a vida influenciada pelos acontecimentos politicos. Ferrenho defensor do rei e com contatos na nobreza, chegaria a se exilar em Paris quando uma guerra civil balan-c;:ou as ilhas britanicas entre 1642 e 1651.

    Nessa epoca, o movimento liberal, que defendia a reduc;:ao do poder da realeza, vinha ganhando cada vez mais forc;:a. Uma serie de conflitos se _desenhou no horizonte, culminando anos mais tarde na Revoluc;:ao Gloriosa e na assinatura da Bill of Rights, que na pratica encerrou o absolutismo ingles. Contrariando outros fil6sofos politicos e o anseio revolucionario, acreditava que o homem nao possui uma disposic;:ao natural para a vida em socie-dade: o autor de Leviata sustentava que a natureza humana e regida pelo egoismo e pela autopreservac;:ao.

    Esse instinto abriria caminho para a violencia contra o pr6ximo, ao mesmo tempo em que nos obrigaria a buscar uma

    "paz" comum que nos de seguranc;:a, repre-sentada pelo contrato social. Hobbes era pessimista quanto a capacidade de man-termos essa paz sem uma lideranc;:a for-te e centralizadora. Alem do mais, temia que o excesso de opini6es divergentes pudesse atrapalhar a sociedade. Para ele, sempre haveria quern tentasse provocar conflitos para tomar o poder para si, moti-vo pelo qua! cada homem deveria subme-ter sua vontade a um despota. E enganoso pensar que o fim do absolutismo tenha derrubado as ideias de Hobbes. Seu pen-samento era inovador: o rei nao devia seu poder a um designio divino, mas a uma necessidade social. Mesmo se opondo a ideia da democracia, Hobbes pregava a igualdade entre os homens, e o seu lider deveria ser um representante legitimo. Desse modo, o respeito ao despota s6 de-veria existir ate o momenta em que ele conseguisse assegurar a paz e a prospe-ridade almejadas por seu povo.

    ~ Levio ti'i

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    rnoMAs HoBBEs, JOHN LocKE, FRANc1s BAc oN I Idade Moderna

    "Onde nao ha lei, nao ha liberdade"

    Jolin Loo lie Wr ington (lngloterro), *1 632 t 1704

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    ((Quanta menos as homens pensam) mais elesfalam)) .,

    ~'. !Jf.:'

    c HAR LES. LO u Is Secondat podia ter ficado tranquilo em seu caste-lo, tomando o born vinho da fa-milia e curtindo a herarn;a deixa-da pelo tio. Com apenas 27 anos, o jurista era o lider dos Secondat, dono de uma verdadeira fortu-na e titulos de nobreza. Alem de presidir a Camara de Bordeaux, o jovem tambem passou a ser o Sarao de Montesquieu, alcunha pela qual ficou mais conhecido.

    Montesquieu, porem, ja esta-va influenciado pelos ideais ilu-ministas, que tambem acabaria ajudando a construir. Em pouco tempo, ganhou fama como um critico voraz dos costumes da Co-roa francesa e da Igreja. 0 pensa-dor se tornou um admirador do sistema politico da Inglaterra, pais que aquela altura ja ha via ti-rade o poder do rei e transferido para o Parlamento. Com pitadas de ironia, OS textos sarcasticos de Montesquieu seriam fundamen-tais para formar os conceitos da futura Revoluc;:ao Francesa.

    Em diversas viagens pela Eu-ropa, 0 fil6sofo havia chegado a conclusao de que os governos do continente costumavam se divi-dir entre republicas e monarquias

    - que podiam ser autoritarias ou nao. Para ele, a forma mais eficaz de evitar que o poder fosse exer-cido por um tirano seria dilui-lo em tres brac;:os: o Executive, o Le-gislative e o Judiciario. Essa pro-posta revolucionaria se tomaria a organizac;:ao basica da maioria das nac;:6es contemporaneas.

    ~ 0 Espirito dos Lei s

    Executivo, Legislativo e Judiciario: o trio

    que governa grande parte das nar;oes

    nasceu da caber;a de Montesquieu.

  • ((Deve haver suficiente

    N

    razaona escolha de Deus entre um Universo e outro)) LeilJni=

    Porum mun do com o

    maxi mo de bem.

    MoNr Esq u1Eu , LE1BN1 z, BER KELE Y j Idade Moderna

    "Sere ser percebido (ou perceber)" BerkeleJ" lrlanda , *1 685 t 1753

    Leipz ig (atual Alemanh a ), * 1646 t1 716

    AO LONGO dos seculos 17e18, muitos fil6sofos se dedicaram a discutir a fonte de nossos co-nhecimentos, criando duas cor-rentes: o empirismo e o raciona-lismo. Enquanto os racionalistas asseguravam que ja havia ideias inatas antes mesmo de qual-quer experiencia, os empiristas preferiam acreditar que todo o conhecimento vinha somente a partir daquilo que vemos, ouvi-mos, tocamos, provamos ou sentimos. Mas, para Berkeley, um bispo anglicano de um po-voado irlandes, havia um pro-blema a ser resolvido antes dis-so: os fil6sofos partiam da premissa de que aquilo que existe no mundo e composto por materia. Berkeley passou a questionar se havia materia, criando o "imaterialismo", que levou 0 empirismo as ultimas consequencias: sea ideia que fazemos de um objeto depende dos cinco sentidos, dizia o fil6 -sofo, nada garante a existencia daquilo que nao podemos per-ceber. Apesar de sub meter a existencia da materia ao fato de ser ou nao percebida pelo ho-mem, o bispo evitava entrar em conflito com a sua fe. Para e le, havia uma forc;a superior defi-nindo 0 que podemos OU nao sentir: "quando abro meus olhos, nao esta em meu poder escolher o que eu quero ver ou nao", escreveu. "As ideias im-pressas em meus sentidos nao sao criadas por minha vontade. Assim, existe outra Vontade ou Espirito que as produz".

    QUAN oo voce compartilha videos en-grac;adinhos de gatos ou destr6i doces na tela do celular, provavelmente nem desconfia que tudo isso comec;ou la no seculo 17. Falecido ha quase 400 anos, Leibniz esta por tras do sistema numeri-co binario, que mais tarde seria converti-do em bytes e usado na programac;ao dos computadores que usamos hoje.

    Assim como Descartes, Leibniz ficou famoso por seus estudos matematicos, mas tambem contribuiu para o pensa-mento filos6fico. Seu brilhantismo foi tao precoce que Leibniz chegou a ter um pedido de doutorado recusado, em 1666. Aos 20 anos, o pensador foi considera-do "jovem demais" pela Universidade de Leipzig, mas nao pela de Altdorf, para onde se mudou e conseguiu o titulo ain-da naquele ano. 0 pensador costuma ser

    lembrado como um otimista. Segundo seus escritos, nosso mundo e o melhor entre os mundos possiveis, pois foi criado a semelhanc;a de um organismo perfeito, Deus, que segue uma 16gica racional. Em busca de uma "matematica divina" capaz de explicar tudo, Leibniz disse que Deus escolhe sempre os caminhos que permi-tam haver o maximo de bem no mundo. Seguindo a teleologia de Arist6teles, que procura analisar os prop6sitos de tudo o que acontece, Leibniz defendeu que Deus permite a existencia do ma! e do sofrimento como estagios para um bem superior - como a sensac;ao de ali-vio ap6s aquela fase particularmente dificil do viciante Candy Crush.

    @] Navos Ensaios sobre a Entendimento Humano

    @] Tratado sobre os Principios do Conhecimenta Humana

  • "O habito e o grande guia da vida humana"

    David Hume Escocio, * 1711 t 1776

    NASCIDO em Edimburgo, Hume ingressou na universida-de local com apenas 12 anos e foi arrebatado pelos debates filos6ficos de seu tempo. Na epoca, OS grandes pensadores europeus se debruc;:avam sabre a origem do conhecimento hu-mano. Hume sustentava que tudo o que sabemos vem das percepc;:oes ou das "ideias" (formadas a partir delas). 0 fi-16sofo, porem, identificou um problema nessa divisao: nem todas as nossas ideias sao justi-ficadas por impressoes que ja tivemos. De onde elas vem? Opositor ferrenho da escola ra-cionalista, Hume negou a expli-cac;:ao de que essas ideias fos-sem inatas ao ser humano. Concluiu que parte dos nossos raciocfnios se baseia em acon-tecimentos que nossa experien-cia define coma "provaveis". Por exemplo: dizer que um ob-jeto caira quando for solto no ar, que o sol vai nascer amanha, ou que a chuva vai encharcar uma blusa no varal sao previsoes ba-seadas naquilo que ja vivencia-mos. Mesmo que ainda nao te-nhamos vista o pr6ximo nascer do sol, podemos supor que ele acontecera, pois foi o que aprendemos com as nossas ex-periencias passadas. Embora nao houvesse coma ter certeza de que as leis da natureza se-guiriam sempre as mesmas - e que a alvorada iria continuar vindo -, o habito ainda deveria ser o melhor guia para a vida.

    ~ Trotodo do Noturezo Humana

    ((Que a minha alma resida no senso com um)) Thomas Reid Strachan (Escocio), * 1710 t 1796

    TH o MA s RE 1 o mantinha uma respeitosa discordancia em relac;:ao a David Hume. Um lia os textos do outro e ambos tinham serias criticas ao modo de pensar do cole-ga. Reid descendia de uma linhagem de reverendos presbiterianos e tornou-se um pastor marcado por suas pregac;:oes emotivas. Quando nao estava no pulpi-to, tratava de justificar filosoficamente aquilo que chamava de instintos "do vulgar" - isto e, do homem comum. Di-ferentemente de Hume, que se mantinha cetico quanta as causas de determinados eventos e a nossa capacidade de interpre-ta-los sem uma experiencia previa, Reid advogava a favor do que denominou de

    "o senso comum". Para ele, nossos instin-tos sao inatos e pertencem a natureza

    humana, seguindo o modo coma fomos construidos para nos preservarmos fren-te aos desafios do mundo: o senso comum seria o responsavel por sabermos de an-temao que nao e saudavel pular de abis-mos ou provocar animais selvagens, por exemplo. Reid dizia ser passive! manter as crenc;:as e as ac;:oes afastadas daquilo que o senso comum recomenda, mas isso significaria uma negac;:ao dos comporta-mentos naturais - e teria o custo de gerar uma serie de conflitos tanto em nosso corpo quanta na mente.

    Assim coma pular de um abismo se-ria pouco recomendavel, formular ideias contrarias aos conhecimentos naturais acabaria provocando frustrac;:ao e so-frimento intelectual. Ironicamente, um epis6dio da hist6ria pessoal do colega Hume podia ser usado para fortalecer o argumento de Reid - de que contra-riar esses comportamentos, mesmo em pensamento, realmente tinha um custo tao alto, Hume acabou sentindo na pele: enquanto formulava seus textos para desconstruir a ideia de conhecimento adquirido via senso comum, ele sofreu um colapso nervoso e levou quase cinco anos para se recuperar.

    ~ lnvestigoc;iio sabre a Mente Humana segundo as Principios do Senso Comum

    MENTIR E UMA VIOLENCIA 0 britanico Thomas Reid acreditava que temos propensao a dizer a

    verdade e uma disposic;ao a acreditar no que os outros nos dizem. Seria um impulso natural, enquanto a mentira seria uma violencia - e nem o

    pior dos individuos a praticaria a nao ser movido por uma tentac;ao maior.

  • DAVID HUME, THOM AS RE I D , VOLTAIRE Idade Moderna

    ((Se Deus nfio existisse) seria necessario inventa-lo ))

    Voltaire Paris (Fronqo), * 1694 t 177 8

    A lingua afiada do escritor turbinou os idea is da Revolu~ao Francesa, iniciada 11

    anos ap6s a sua morte.

    CORR IA 0 ANO DE 1717 e oreinodaFran-i;:a estava sem seu monarca. 0 extravagan-te Luis 14 tinha morrido dois anos antes, e o trono ficou vago: seu neto, o futuro Luis 15, ainda era jovem demais para assumir e tinha de esperar a maioridade para ser coroado. 0 poder passou a ser exercido por um regente, e um acido escritor parisiense publicou alguns versos satirizando o go-verno provis6rio. Mas a arbitrariedade continuava: Frani;:ois-Marie Arouet aca-bou perseguido e preso na temida for-taleza da Bastilha. Quando recuperou a liberdade, Arouet ja havia adotado o pseu-donimo que logo ficaria famoso: Voltaire.

    Os 11 meses passados na cadeia nao fo-ram perdidos. Voltaire dedicou as horas de tedio a trabalhar em Edipo, sua adaptai;:ao da obra de S6focles que viraria um sucesso de critica nos palcos de Paris. Foi o sinal de que a carreira de escritor e dramaturgo po-dia ir adiante, apesar do descontentamento que causava nas autoridades. Desde cedo, o pequeno Frani;:ois-Marie apostou n a li-teratura. Escreveu mais de 2 mil livros e panfletos politicos. As opini6es fortes pro-vocaram varias pris6es e exilios: em 1726, parou outra vez na Bastilha ap6s brigar com um nobre. Temendo ficar na prisao por tempo indefinido, propos as autorida-des um desterro na lnglaterra como pena alternativa. 0 periodo nas ilhas britanicas o colocou em contato com as ideias de John Locke. Voltaire ja era um critico dos reis ar-bitrarios que governavam a Frani;:a e tam-bem da usura da lgreja. Agora, cada vez mais defenderia a liberdade de expressao, o direito a um julgamento justo e a tole-rancia religiosa - alem da separai;:ao entre o governo e a lgreja.

    Voltaire foi um dos impulsores do cha-mado "despotismo esclarecido": sem se opor diretamente aos reis, sustentava que o mo-narca precisava se cercar de pensadores para governar segundo a razao. Enquanto esteve exilado, chegou a atuar como conse-lheiro de Frederico 2, rei da Prussia. Retor-nou a Paris ap6s duas decadas para a estreia do que viria a ser sua ultima pei;:a. Mor-reu logo depois, mas suas ideias duraram o bastante para estar na linha de frente da Revolui;:ao Francesa, 11 anos mais tarde.

    E Dicionorio Filosofico

  • ((Para conhecer os homens e preciso ve-los agir ))

    Rousseau Ge n e b ro (S uiq o ), * 17 12 t 1778

    Roussea u fra cassou na mU sica, mas,

    depois, se recupe rou fundand o a lgum as da s bases da democracia

    moderna .

    JEAN -JACQUES ROUSSEAU entrouparaahis-t6ria por um caminho diferente daquele que tinha imaginado. Aos 29 anos de idade, bateu as portas da Academia de Ciencias de Paris disposto a ser reconhecido como um genio: apresentou um inovador sistema de notac;ao musical, que pretendia mudar para sempre a forma como as partituras eram escritas. A ideia naufragou quando os especialistas con-sideraram 0 metodo complicado demais.

    0 que poderia ter sido um reves definitivo acabou abrindo outra oportunidade: Rousse-au impressionou Denis Diderot, um dos ide-alizadores da primeira Enciclopedia, que lhe encomendou alguns artigos sobre musica para incluir na colec;ao. A amizade com os enciclo-pedistas despertaria em Rousseau o interesse pela filosofia, alem de coloca-lo em contato com livros que moldaram seu pensamento, sobre-tudo de autores ingleses. Rousseau concorda com Hobbes e Locke quanto a existencia de um "estado natural" para a humanidade, que teria evoluido para um estagio de civilizac;ao a partir do chamado "contrato social". Mas, enquanto Hobbes escrevia que o homem e egoista e selvagem, Rousseau defende o in-verso: o homem e born e livre por natureza, com virtudes inatas que sao corrompidas pelas necessidades da vida em sociedade.

    Essa ideia esta explicita nas primeiras li-nhas de sua obra mais famosa, Do Contrato Social: "O homem nasceu livre, e por toda a parte esta acorrentado. Aquele que julga ser senhor dos demais e, de todos, o maior escravo". 0 afastamento do estado natural teria comec;ado quando um homem decidiu tomar um pedac;o de terra, criando a noc;ao de propriedade privada. A partir dai, a unica maneira de manter o controle era por meio ~ de leis, que restringiam a liberdade natural.

    Com ideais de uma republica democratica, ele prop6s a substituic;ao do Estado mantido nas maos de reis e da lgreja por um governo formado por cidadaos. Esse grupo de eleitos tambem seria responsavel por elaborar as leis de acordo com a "vontade geral''.

    Os conceitos de Rousseau nao entusias-maram apenas os revolucionarios franceses

    - no seculo seguinte, seus textos sobre injus-tic;a, desigualdade e opressao seriam uma das principais influencias do pensamento politico de Karl Marx.

    ~ Do C o ntro to S oc ial

  • ROUSSEAU , K A NT Idade Moderna

    (Ji_ moral nllo nos ensina a sermosfelizes) mas coma devemos nos tornar digrios dafelicidade)) Kant Ko n ig sbe rg (at ual Kaliningr a da - Russia) , *1 72 4 t1 8 04

    Kant: a razao

    tambem fa Iha.

    DI FE RENT EM ENT E dos grandes pensadores da sua epo-ca, forjados nas agitadas capitais europeias, Immanuel Kant jamais saiu de sua cidade natal. Sem nunca se casar outer filhos, ele cresceu, estudou e lecionou na pr6spera cidade portuaria de Konigsberg, entao parte do reino germanico da Prussia (atual Kaliningrado, na Russia}. 0 ar cosmopolita conferido pelo porto ajudou Kant a nao ficar isolado e, mesmo sem ter realizado viagens

    pelos sentidos. Ao mesmo tempo, ele diz que nao seria possivel estudar o espac;o se antes disso ja nao hou-vesse um conhecimento previo sobre ele. Tome esta revista como exemplo. Sem a "sensibilidade", que e a capacidade de sentir as coisas e ter intuic;oes ao longo da vida, voce sequer saberia que existem objetos como revistas. Mas, sem o "entendimento", que permite pen-sar sobre essas coisas e criar conceitos, voce tambem nao saberia que o que esta tocando e vendo e - afinal

    - uma revista. 0 fil6sofo tambem se debruc;ou sobre como o homem deveria proceder em relac;ao aos seus semelhantes para obter a felicidade. Kant postulou o que chamou de "imperativo categ6rico": a necessidade de agir de modo que a ac;ao possa se tornar o principio de uma lei valida para qualquer pessoa.

    Hoje, estudiosos costumam dividir a filosofia em an-tes e depois de Kant - afinal, ele tornou obsoletos varios debates mantidos ate ali pelos fil6sofos modernos. 0 pensador fez oposic;ao frontal aos raciocinios produzi-dos somente pela razao, que nao questionam se a razao tern capacidade para explicar certas questoes. Para Kant, nossa racionalidade e limitada para pensar em Deus e nas "coisas em si", e a filosofia nao deveria se dedicar a esses pontos, ao menos nao da maneira como vinha fazendo. Kant inspiraria a prolifica gerac;ao de pensa-dores alemaes do seculo 19, iniciando uma nova era de discussao na filosofia.

    ao estrangeiro, suas ideias venceram mares e frontei- ~ C r i t i c a d a Raz ii o Pura ras, tornando-o famoso ainda em vida.

    Kant se diferenciou dos fil6so-fos anteriores por propor de forma convincente um modelo que com-binasse o racionalismo e o empiris-mo, o conhecimento adquirido pela experiencia. Em sua teoria do "ide-alismo transcendental", ambos sao necessarios para compreender o mundo. 0 pensador argumentava que algo deve existir dentro do es-pac;o e do tempo para ser percebido

    ETICA RADICAL Kant acreditava que uma ac;:ao e moral quando ela serve para todo mundo, isto e, nao podemos recorrer a desculpas, circunstancias ou

    motivos nobres para justificar um ato moralmente errado. Um exemplo e mentir. Kant dizia que mentir e essempre errado, nao

    importa se a mentira foi usada para salvar a vida de alguem.

    . -

    ' I I

    II.

    ~ [ I I

    I

  • Kant pos fim na pretensao filos6fica de tentar conhecer as coisas tais como elas sao, a realidade em si. Depois dele, como vimos na pagina 47, a filosofia passou a ser basicamente uma grande teoria do conhe-cimento: o que e possivel conhecer verdadeiramente tendo em vista os limites da nossa razao7

    Aos poucos, a corte da "rainha das ciencias" come-c;ou a se desgarrar e criar seus pr6prios reinos. As ciencias humanas, como a psicologia, a sociologia, a antropologia, hist6ria ea geografia, foram ganhan-do independencia e passaram a ser encaradas como campos de conhecimentos especificos, com metodos e resultados pr6prios. 0 segundo a minar o poderio filos6fico foi Auguste Comte e seu positivismo. 0 pen-sador trances achava que a filosofia deveria ser apenas uma reflexao sobre os resultados e o significado dos avanc;os cientificos. Com isso, a filosofia se resignou a estudar o conhecimento adquirido por vias mais s6-lidas do que o pensamento puro e a etica, que nunca deixou de ser um tema essencialmente dela.

    0seculo19 tambem aproximou alguns pensadores da realidade. A critica de Karl Marx ao modo de pro-duc;ao que, segundo ele, sistematicamente explora os trabalhadores e enriquece os ricos, teve reflexos no mundo real assim que seu Manifesto do Partido Co-munista ganhou as ruas. Marx, no entanto, foi uma exce

  • (HS ideias dominantes

    /

    numa epoca nunca passaram dasideias da classe dominante))

    Karl ~ Treveris (o t uol Alemonho), *1 818

    Ame ou odeie Marx, mas e muito provi3vel que voce j a tenha se

    metido em algum debate inaugurado

    pelo filiisofo ha ma is de 150 a nos.

    KARL MARX MORREU POBRE,esquecidoesempatria: exilado em Londres, foi velado por apenas 11 pessoas, incluindo o coveiro. Suas ideias, porem, se refletiriam na vida de bilhoes durante o seculo 20. Poucos pensa-dores exerceram influencia politica tao clara quanto Marx. Certamente, nenhum foi discutido com tanta paixao - mesmo por leigos. Um pouco disso se deve a missao que Marx julgava ter, hoje estampada em sua lapide: "Os fil6sofos apenas interpretaram o mundo de varias formas. A questao, no entanto, e mudar o mundo". Foi com espirito revolucionario que o alemao, junto de seu amigo e financiador Friedrich Engels, lanr;ou o Manifesto do Partido Comunista, em 1848 -texto curto que ainda hoje ofusca sua obra maxima, o muito mais complexo 0 Capital.

    0 panfleto conclamava os trabalhadores a se levan-tar contra a classe dominante, e se afinou com o senti-mento da epoca. Ap6s o Manifesto, no mesmo ano, va-rias revolur;oes sociais eclodiriam pela Europa. Quase todas foram esmagadas, mas ajudaram a pavimentar o caminho para reformas sociais. Marx diagnosticou que as mudanr;as hist6ricas resultam do conflito entre a classe dominante e a dominada. Em sua epoca, tal antagonismo seria entre a "burguesia" (dona dos meios de produr;ao) e o "proletariado" (que, sem os equipamen-tos e o dinheiro para produzir, precisa vender sua mao de obra para sobreviver). No pensamentomarxista, o capitalismo geraria crises ciclicas que elevariam a pobreza, pois dela se alimentava. Marx acreditava que precisamente isso seria a ruina do sistema: o desen-volvimento aumentava o numero de explorados, que por fim se uniriam pela revolur;ao. A consequencia seria uma sociedade sem classes, na qua! os meios de produr;ao se tornariam propriedade comum.

    Para seus criticos, nao ha duvidas de que Marx fracassou. A maioria dos paises que tentou seguir a doutrina viu seus governos derrubados, como a Uniao Sovietica e as nar;oes vizinhas, ou teve de mudar sua economia, como a China. Em nenhum lugar foi possi-vel concluir a transir;ao prevista por Marx, quando o

    "socialismo" orientado por um grupo de lideres revolu-cionarios daria lugar ao "comunismo", em que a pr6pria ideia de Estado seria obsoleta. Os admiradores de Marx sustentam que, apesar dos muitos equivocos, algumas de suas analises foram precisas e seguem atuais. No Manifesto, por exemplo, ele havia apontado que a so-ciedade capitalista mudaria o formato familiar vigente ate o seculo 19. Em 1998, o historiador ingles Eric Ho-bsbawm (um marxista convicto) escreveu: "Nos paises ocidentais avanr;ados, hoje quase metade das criarn;:as e gerada ou educada por maes solteiras".

    ~ 0 Capitol e Manifesto do Partido Comunisto

  • ((Deus estci morto ))

    Rocken (atuol Alemonho), * 1844 t 1900

    AOS 24 ANOS , Friedrich Nietzsche foi nomeado para lecionar Filosofia Classica na Universidade da Basi-leia. 0 que podia ser o comec;:o de uma promissora carreira academica na verdade foi uma curta incursao, que durou apenas dez anos. Apesar da inclinac;:ao a rotina professoral , Nietzsche sofria com enxaquecas, problemas digestivos e respirat6rios cronicos, que o fizeram abandonar o cargo na universidade. Na deca-da seguinte, com ajuda de amigos e vivendo de uma minguada pensao, o fil6sofo realizou diversas viagens para outros parses, atras de climas mais amenos. En-quanto viajava, escrevia. Seus textos fizeram pouco sucesso na epoca. Assim Falou Zaratustra, por exem-plo, s6 saiu porque o autor pagou parte da publicac;:ao do pr6prio bolso. Ate que, em 1889, Nietzsche sofreu um colapso mental do qual nunca se recuperou. 0 fil6sofo passou os ultimos anos de sua vida entre

    manicomios e os cuidados de sua famflia. Faleceu 11 anos mais tarde, sem ter escrito mais nada. 0 que ele havia dito ate ali? Valendo-se de textos romanceados e de persona-

    , gens por meio dos quais manifestava algumas de suas ideias, ele se propos a discutir o futuro de nossos valores morais. Quando escreveu "Deus esta morto", o fil6sofo nao queria dizer que a entidade divina tinha deixado de existir -e sim questionar se ainda era razoavel ter fe em Deus e ba-sear nossas atitudes nisso. Nietzsche propunha que, recu-sando Deus, podemos tambem nos livrar de valores que nos sao impostos. A maneira de fazer isso seria questionando a origem dessas ideias. Ele se definia como um "imoralista", nao porque pregasse o mal, mas por entender que o correto seria superar a moral nascida da religiao. De acordo com seus textos, tanto o pensamento cristao quanto certas dou-

    --- --r-, -\/-..:._- -=- -\,,_./ ..::.A _ _.1 _'-..-/2..,_ ~ Nietzsche construiu sua filosofia juntando varias perspectivas sobre o mesmo tema. Ele nao estava interessado em criar uma teoria fechada ou receitas acabadas, mas em experimentar. Toda a sua filosofia foi oferecer hip6teses interpretativas.

    0 experimentalismo revolucionario de Niet zsche queria

    superar o moralismo.

    MARx, NtErzscHE I Conte

    trinas filos6ficas (em especial a de Platao) davam a enten -der que o mundo em que vivemos e apenas "aparente", ha-vendo um outro mundo "real", mais importante. No caso da religiao, esse outro mundo s6 seria acessivel ap6s a morte. Para Nietzsche, essa ideia nos impedia de aproveitar a vida em prol de um objetivo imaginario. Ele dizia haver apenas um mundo - e afirmava que, quando percebemos isso, so-mos obrigados a rever nossos valores e aquilo que entende-mos como humano. lnfluenciado pelo evolucionismo de Charles Darwin, Nietzsche sugere, em Assim Falou Zaratus-tra, o surgimento de um "super-homem" - um homem futu -ro, superior aos c6digos morais da epoca do texto. Mais tar-de, esse conceito seria distorcido e usado pelos nazistas para justificar sua ideia de uma rac;:a superior e dominante.

    I!] Assim Fa/au Zaratustra

    Mas seu experimentalismo dinamitou os alicerces da filosofia e do homem ao questionar a crenc;:a em Deus, as bases dos valores e a nossa pr6pria forma de raciocinar amparada na dicotomia entre bem e mal ou certo e errado. Classificou os valores como "humanos, demasiado humanos" (nome de uma de suas obras) e nao imutaveis como prop6s Platao - o que os torna questionaveis.

  • ((0 homem nao e mais do que a serie dos seus atos))

    Be gel Alemonho, * 1770 t 1831

    Na tentativa de explicar co mo a

    historia se desenrola, Hege l abusou de um

    vocabulario impenetravel.

    NAO FORAM POUCOS osquetropec;:aramnas palavras de Georg Hegel, tentando decifrar o real sentido por tras de seus termos dificeis, sua linguagem abstrata e seu gosto por neologismos. Quando se recuperavam, seus leitores se divi-diam em dais grupos: alguns consideravam as ideias geniais, outros nao tinham duvida de que ele escondia com a linguagem rebuscada sua in-capacidade de compreender o que analisava. Mas nenhum fil6sofo vindo ap6s o seculo 19 ficou imu-ne a Hegel, nem que fosse para critica-lo.

    Desde cedo, ele foi um leitor contumaz. As ves-peras de completar 19 anos, ficou impressionado pelos ventos da Revoluc;:ao Francesa, que saudou coma um "glorioso amanhecer". Eram tempos em que mudar a ordem estabelecida parecia mais pas-sive! do que nunca, e esse sentimento acompanha-ria o alemao na tentativa de explicar a hist6ria. Para Hegel, a realidade e um processo hist6rico, mutavel, com as ideias estabelecidas de acordo com o periodo em que vivemos. Embora nosso costume seja ver a hist6ria coma uma sequencia sem pla-nejamento coerente, Hegel argumenta que existe um padrao para a forma coma ela se desenvolve. 0 fil6sofo diz que a hist6ria caminha para uma conquista gradual de mais razao e liberdade, ate a ascensao de um geist - termo que costuma ser traduzido coma "espirito" ou "mente".

    Como um idealista, o pensador tinha o geist coma alga fundamental para o mundo, contra-riando os materialistas, para quern esse posto era da materia fisica. Uma das formas de se chegar a esse estagio de pensamento mais evoluido seria pela discussao de uma ideia com o seu oposto: nos termos de Hegel, pela discussao de uma tese com sua antitese. Issa se daria com o metodo dialetico proposto pelo fil6sofo, que faria surgir uma ter-ceira ideia mais elaborada, formada pelas duas anteriores - a sintese. : Tai processo seria continua: a sintese viraria ela

    mesma uma nova tese, voltando a ser discutida com uma antitese, e formando um nova tipo de pensamento, e assim sucessivamente. Issa segui-ria ocorrendo ao longo da hist6ria ate que o geist alcanc;:asse um pleno entendimento de si mesmo. Tantas abstrac;:oes fizeram o pensador colecionar criticos em todas as epocas. Mas os admiradores tambem foram muitos. Um de seus maiores lega-dos, a visao da realidade coma um processo hist6-rico em desenvolvimento, ajudaria a fundamentar, pouco tempo ap6s sua morte, o que viria a ser o pensamento marxista.

    @] Fen ome nologio do Espirito

  • ((Ousar e perder o equilibria momenta-neamente. Neto ousar e perder-se)) Kierkegaard Dinamarco, * 18 13 t 1855

    PARA KIERKEGAARD, OS fi -16sofos de seu tempo esta-vam se perdendo em abstra-c;:oes que se desconectavam da vida cotidiana. 0 dina-marques foi em oposic;:ao aos colegas e procurou ex-plicar de maneira palpavel os dilemas morais, utilizan-do a noc;:ao de que nossas vidas sao determinadas por ac;:oes, orientadas pelas nos-sas escolhas. 0 homem te-ria liberdade de fazer julga-mentos de acordo com sua vontade, por vezes ten do de escolher entre aquilo que e melhor para si mesmo e aquilo que e mais etico. Essa liberdade seria a causa de nossa "angustia" diaria. lsto e, cada escolha que fa-zemos e analoga ao medo de um homem diante de um penhasco, que teme tanto a ameac;:a da queda quanta o possivel impulse de se atirar no vazio para ver no que da. "O crucial e encontrar uma verdade que seja verdadeira para mim, encontrar a ideia pela_qual eu possa viver e morrer", escreveu.

    @!] 0 Conce it o de Angustia

    HEGEL , KIERKEGAARD, sc HoPENH AUER, coM rE I Contempordnea

    ((0 tedio nao e nada alem da sensar;Cto do vazio da existencia)) Sellopenllauer Gdansk (atuol Polonia) , *1788 t 1860

    s c Hop EN HA u ER era um opositor de Hegel - nas ideias e no ego. Quando foi convidado para lecionar em Berlim, marcou suas aulas para o mesmo horario daquelas ministra-das pelo concorrente, a quern chamava de "charlatao". Schopenhauer nao ficou nada satisfeito ao ver que os alunos preferiam o rival - apenas cinco se matricularam em sua classe. Ainda assim, foi um dos pensadores mais importantes da epoca. Susten-tou que o mundo e os homens sao dirigidos por uma vontade irracional. Enquanto Hegel defendia a ideia de um geist, um "espirito guiando a consciencia coletiva e as ac;:oes individuais, Schopenhauer era mais pessimista: nossos atos seriam guiados por desejos impossiveis de satisfazer. Tao logo realizassemos uma vontade, surgiria outra. Para ele, o caminho para atingir a verdadeira felicidade seria justamente a castidade ea renuncia. Apesar da visao desiludida da existencia, Schopenhauer dedicou parte da sua obra para tratar do amor - e buscar o amor. Nao devemos nos culpar por sofrer de amor, dizia, porque nada na vida e mais importante do que amar. Mas sua visao nao era propriamente romantica. Para o fil6sofo, o amor e um artificio biol6gico para garantir a sobrevivencia da especie - nao amamos senao por um impulse inconsciente que chamou de a "vontade de viver" (ou de ter filhos). Antes de Darwin e Freud, foi o primeiro a apontar razoes inconscientes e biol6gicas da paixao. Ele pr6prio nao foi bem-sucedido no assunto e era um devotado criador de poodles.

    @!] 0 Mundo como Vontode e Representoqoo

    "O amor por principio, a ordem por base e o progresso por fim"

    4uguste Comte Franqa, * 1798 t1 857

    CONSI DE RADO o fundador da sociologia moderna, Auguste Comte direcionou suas reflexoes na tentativa de remediar o caos social deixado pela Revoluc;:ao Francesa. 0 fil6sofo desenvolveu a "lei dos tres estados", segundo a qual os ho-mens explicam todos os fenomenos do Universo passando por tres fases: a teol6 -gica, baseada na suposta vontade de seres sobrenaturais; a metafisica, em que se imagina a ac;:ao de forc;:as ocultas; e, finalmente, a fase "positivista", em que as explicac;:oes sao decorrentes do conhecimento cientffico. Para Comte, os criterios das ciencias biol6gicas e exatas ajudariam a explicar ate mesmo a sociedade. Seu pensamento teve grande influencia no movimento republicano brasileiro, que eternizou parte de uma das maximas de Comte no lema da bandeira nacional.

    @!] Sistema de Politico Positiva

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    "Os limites da minha lingu agem Sao OS limites do meu mundo" Wittgenstein Vieno (Austria), *1 889 t 1951

    HERDEIRO DE UM DOS HOMENS mais ricos da Europa, Ludwig Wittgenstein nasceu em Viena e viajou a Cambridge para concluir sua graduai;ao em Engenharia. Masse encantou pela 16gica e resolveu ir a Manchester para estudar com Ber-trand Russell. Seu unico livro, Tratado L6gico--Filos6fico, de 1921, se tornou um dos principais textos da hist6ria da filosofia e impactou todas as ciencias ao impulsionar o movimento conhecido como positivismo 16gico. 0 austriaco escreveu o livro enquanto era soldado, durante a lg Guerra. Nas 70 paginas de sua obra, empenha-se em de-finir os limites da linguagem e, consequentemen-te, de todo o pensamento. Ao conclui- lo, julgou ter resolvido todos os problemas da filosofia. Por considerar que nao tinha nada mais a aportar a disciplina, resolveu se dedicar a outras at ividades. Passados alguns anos, porem, comei;ou a rever seu pr6prio pensamento, tornando-se um de seus principais criticos. Foi entao que voltou a Cam-bridge, onde lecionou de 1929 a 1939.

    El Trotodo Logico - Filosofico

    "A_ maior parte das pessoas pref ere morrer a pensar; na verdade) e isso quefazem)) Bertrand Rossell Trellech (Pois de Ga les), *1 872 t 1970

    NOS 97 ANOS EM QUE VIVEU, Bertrand Russell testemunhou um sem fim de acontecimentos hist6ricos. Nunca impassive!: chegou a passar seis meses na prisao por falar abertamen-te contra a lg Guerra, em 1916. Nascido em uma famllia aristocratica, o conde Russell formou-se em Matematica e, buscando os fatores que tornavam essa disciplina verdadeira, chegou a Filosofia, em que se fascinou pela L6gica. Russell dedicou grande parte de sua obra a desmembrar a lingua-gem comum para explicar a estrutura 16gica existente sob ela. Acreditava que esse tipo de analise da linguagem, que traduz frases e expressoes em termos mais precises, seria uma ferramenta util para devendar segredos que levariam a avani;os em todas as areas da filosofia. Mas seus livros tra,tam de muitos assuntos, sempre com humor acido e prosa fluida.

    El Historio do Filosofio Ocidentol, Por Que Nao Sou Cristoo, No que Acredito

    "Acredita que vale a pena viver, ea tua convicc;:ao ajudara a criar esse fato" lVilliam James Novo York (EUA), *1 842 t 1910

    CRIADOR DO PRAGMATISMO, 0 americano William Ja-mes teve seu desenvolvimento intelectual moldado pelas constantes viagens a Europa. Aos 19 anos, o irmao mais velho do escritor Henry James ja havia visitado o Velho Continente tres vezes. Era fluente em alemao, italiano e frances. lngressou no curso de Medicina de Harvard em 1864, mas no segundo semestre abandonou temporaria-mente as aulas para integrar uma expedi

  • WITTGEN STEIN , BERTRAND RUSSELL , WI LLIAM JAMES, HU SSER L, SARTRE I Contemporanea

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    consciencia de alga)) Ednland Basserl Republica Checa, *1 859 t 1938

    0 FILOSOFO, astrono-mo e matematico Ed-mund Husserl queria encontrar a certeza. lnspirado em Descar-tes, buscava libertar a filosofia da duvida. Entao, fundou a fe-nomenologia, abor-dagem que propunha olhar para as nossas experiencias com uma postura cientrfica. Segundo esse meto-do, tudo 0