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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Rio de Janeiro 1a Vara Federal de Campos
JUIZ FEDERAL : ANDRÉ LENART
PROCESSO : 0000760-80.2014.4.02.5103
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉUS : PAULO CÉSAR AZEVEDO GIRÃO
MARCELO CONCEIÇÃO AZEVEDO GIRÃO
ROBERTO MELO DE ARAÚJO
SS EE NN TT EE NN ÇÇ AA (( TT II PP OO DD 11 ))
SUMÁRIO
1. RELATÓRIO ....................................................................... 4
1. 1. FASE POSTULATÓRIA .......................................................... 4
1. 2. FASE INSTRUTÓRIA .............................................................. 8
1. 3. ALEGAÇÕES FINAIS ............................................................ 11
1. 4. INFORMAÇÕES ADICIONAIS .............................................. 13
2. FUNDAMENTAÇÃO ......................................................... 14
2. 1. PRELIMINARES AO MÉRITO ............................................... 14
2. 1. 1. Competência ............................................................................. 14
2. 1. 2. Cerceamento de defesa ............................................................ 14
2. 1. 3. Limites da imputação ................................................................ 17
2. 2. PRELIMINAR DE MÉRITO .................................................... 19
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SENTENÇA
Processo penal 2
2. 3. MÉRITO ................................................................................. 19
2. 3. 1. Enquadramento típico ............................................................... 19
2. 3. 1. 1. Raízes históricas do plágio ......................................................... 19
2. 3. 1. 2. Estrutura típica ........................................................................... 22
2. 3. 1. 2. 1. Feições originais do CP 1940 ....................................................... 22
2. 3. 1. 2. 2. Superveniência da Lei n. 10.803/03 ............................................. 24
2. 3. 1. 2. 3. Modalidades típicas ...................................................................... 26
2. 3. 1. 2. 4. Concurso de crimes ..................................................................... 35
2. 3. 2. Análise e valoração da prova .................................................... 37
2. 3. 2. 1. Parâmetros metodológicos ......................................................... 37
2. 3. 2. 2. Declarações dos ofendidos ........................................................ 38
2. 3. 2. 2. 1. Valor probatório ............................................................................ 38
2. 3. 2. 2. 2. Davi Pereira Ferreira .................................................................... 41
2. 3. 2. 2. 3. Romário Mota Rosa ................................................................... 105
2. 3. 2. 2. 4. Roberto de Oliveira .................................................................... 159
2. 3. 2. 2. 5. Cirlei Rodrigues Moreira ............................................................. 203
2. 3. 2. 2. 6. Valoração em concreto das declarações .................................... 206
2. 3. 2. 3. Prova testemunhal .................................................................... 207
2. 3. 2. 3. 1. Valor probatório .......................................................................... 207
2. 3. 2. 3. 2. Policiais que participaram da prisão em flagrante dos réus ........ 207
2. 3. 2. 3. 2. 1. Giovani F. Ponce Pasini Judice .......................................... 207
2. 3. 2. 3. 2. 2. Jorge Willian Pereira Cabral Jr ........................................... 220
2. 3. 2. 3. 3. Familiares dos ofendidos............................................................ 233
2. 3. 2. 3. 3. 1. Rita Mota Rosa ................................................................... 234
2. 3. 2. 3. 3. 2. Rogério de Souza Santos ................................................... 235
2. 3. 2. 3. 4. Outras testemunhas ................................................................... 238
2. 3. 2. 3. 4. 1. Isadir Pinheiro Moço ........................................................... 239
2. 3. 2. 3. 4. 2. Gilson Gaudard Villete ........................................................ 241
2. 3. 2. 3. 4. 3. Song Cardoso Cortes Jr. .................................................... 242
2. 3. 2. 3. 4. 4. Márcio Batistela Rodrigues ................................................. 245
2. 3. 2. 3. 4. 5. Pedro Pereira ..................................................................... 248
2. 3. 2. 3. 4. 6. Antônio Marcos Gonzaga ................................................... 248
2. 3. 2. 3. 4. 7. Rosimar Pinheiro da Silva .................................................. 253
2. 3. 2. 3. 4. 8. Sebastião Braga ................................................................. 254
2. 3. 2. 3. 4. 9. Marcelo Gleisson Rosa de Souza Santarém ...................... 255
2. 3. 2. 3. 4. 10. Juarez Gonçalves da Silva ............................................... 257
2. 3. 2. 3. 4. 11. Isaque Cassiano ............................................................... 260
2. 3. 2. 3. 4. 12. Rivelino Eduardo da Silva ................................................. 263
2. 3. 2. 3. 4. 13. Ione Lopes de Oliveira ...................................................... 265
2. 3. 2. 3. 4. 14. Moacir Augusto de Azevedo ............................................. 266
2. 3. 2. 3. 4. 15. Josemar da Silva Pinheiro ................................................ 268
2. 3. 2. 3. 4. 16. Wanderley Cardoso Verdan da Silva ................................ 269
2. 3. 2. 3. 4. 17. Armelindo da Silva Teles .................................................. 269
2. 3. 2. 3. 4. 18. Martinho Barreto de Azevedo ........................................... 271
2. 3. 2. 3. 4. 19. Carlos Rogério Vieira da Silveira ...................................... 272
2. 3. 2. 3. 4. 20. Alberto Amaral Sobrinho ................................................... 273
2. 3. 2. 4. Interrogatório dos réus na fase pré-processual ........................ 274
2. 3. 2. 4. 1. Valor probatório .......................................................................... 274
2. 3. 2. 4. 2. Paulo Cesar Azevedo Girão ....................................................... 282
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SENTENÇA
Processo penal 3
2. 3. 2. 4. 3. Marcelo Conceição Azevedo Girão ............................................ 287
2. 3. 2. 4. 4. Roberto Melo de Araújo ............................................................. 290
2. 3. 2. 5. Prova documental ..................................................................... 295
2. 3. 2. 6. Valoração final da prova ........................................................... 298
2. 3. 2. 7. Enquadramento típico .............................................................. 307
2. 3. 3. Ilicitude .................................................................................... 310
2. 3. 4. Culpabilidade .......................................................................... 310
2. 4. DOSIMETRIA DA PENA ..................................................... 311
2. 4. 1. Fixação da pena privativa da liberdade .................................. 311
2. 4. 1. 1. Primeira Fase (pena-base) ....................................................... 311
2. 4. 1. 1. 1. Culpabilidade ............................................................................. 312
2. 4. 1. 1. 1. 1. Para o 1º réu e o 2º réus .................................................... 312
2. 4. 1. 1. 1. 2. Para o 3º réu ...................................................................... 313
2. 4. 1. 1. 2. Circunstâncias ............................................................................ 313
2. 4. 1. 1. 3. Consequências .......................................................................... 313
2. 4. 1. 1. 4. Motivos ....................................................................................... 314
2. 4. 1. 1. 4. 1. Para o 1º réu ...................................................................... 314
2. 4. 1. 1. 4. 2. Para o 2º réu ...................................................................... 314
2. 4. 1. 1. 4. 3. Para o 3º réu ...................................................................... 315
2. 4. 1. 1. 5. Antecedentes ............................................................................. 315
2. 4. 1. 1. 5. 1. Para o 1º réu ...................................................................... 315
2. 4. 1. 1. 5. 2. Para o 2º réu ...................................................................... 315
2. 4. 1. 1. 5. 3. Para o 3º réu ...................................................................... 315
2. 4. 1. 1. 6. Conduta social ........................................................................... 315
2. 4. 1. 1. 6. 1. Para o 1º réu ...................................................................... 315
2. 4. 1. 1. 6. 2. Para o 2º réu ...................................................................... 316
2. 4. 1. 1. 6. 3. Para o 3º réu ...................................................................... 316
2. 4. 1. 1. 7. Personalidade ............................................................................ 316
2. 4. 1. 1. 7. 1. Para o 1º réu ...................................................................... 317
2. 4. 1. 1. 7. 2. Para o 2º réu ...................................................................... 317
2. 4. 1. 1. 7. 3. Para o 3º réu ...................................................................... 317
2. 4. 1. 1. 8. Comportamento da vítima .......................................................... 317
2. 4. 1. 1. 9. Valoração ................................................................................... 318
2. 4. 1. 1. 9. 1. Parâmetros ......................................................................... 318
2. 4. 1. 1. 9. 2. Para o 1º réu ...................................................................... 319
2. 4. 1. 1. 9. 3. Para o 2º réu ...................................................................... 319
2. 4. 1. 1. 9. 4. Para o 3º réu ...................................................................... 319
2. 4. 1. 2. Segunda Fase (circunstâncias) ................................................ 320
2. 4. 1. 2. 1. Agravantes ................................................................................. 320
2. 4. 1. 2. 1. 1. Para o 1º réu ...................................................................... 320
2. 4. 1. 2. 1. 2. Para o 2º réu ...................................................................... 320
2. 4. 1. 2. 1. 3. Para o 3º réu ...................................................................... 320
2. 4. 1. 2. 2. Atenuantes ................................................................................. 321
2. 4. 1. 2. 2. 1. Para o 1º réu ...................................................................... 321
2. 4. 1. 2. 2. 2. Para o 2º réu ...................................................................... 321
2. 4. 1. 2. 2. 3. Para o 3º réu ...................................................................... 321
2. 4. 1. 3. Terceira Fase (causas de aumento e diminuição) .................... 321
2. 4. 1. 4. Pena final ................................................................................. 322
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Processo penal 4
2. 4. 2. Pena de multa ......................................................................... 322
2. 4. 2. 1. Para o 1º réu ............................................................................ 322
2. 4. 2. 2. Para o 2º réu ............................................................................ 323
2. 4. 2. 3. Para o 3º réu ............................................................................ 323
2. 4. 3. Regime de cumprimento da pena privativa da liberdade ....... 324
2. 4. 4. Substituição da pena privativa da liberdade ........................... 324
2. 4. 4. 1. Para o 1º réu ............................................................................ 324
2. 4. 4. 2. Para o 2º réu ............................................................................ 325
2. 4. 4. 2. Para o 3º réu ............................................................................ 325
2. 4. 5. Sursis ...................................................................................... 326
2. 4. 6. Valor mínimo para reparação dos danos causados ............... 326
2. 5. MEDIDAS COERCITIVAS ................................................... 327
3. DISPOSITIVO ................................................................. 330
3. 1. DECISÃO ............................................................................ 330
3. 2. EXAME DA PRESCRIÇÃO PELA PENA EM CONCRETO . 331
3. 3. PROVIDÊNCIAS ADICIONAIS ............................................ 331
3. 4. INTIMAÇÕES ...................................................................... 332
1. RELATÓRIO
1. 1. FASE POSTULATÓRIA
O MPF acusa os réus de haverem reduzido a condição análoga à
de escravo, com submissão a trabalhos forçados, vigilância ostensiva e retenção
de documentos (CP 149 caput e inciso II), Roberto de Oliveira, Romário Mota
Rosa, Davi Pereira Ferreira e Cirlei Rodrigues Moreira, os quais, durante anos,
teriam sido submetidos a trabalho sem pagamento, sendo mantidos à noite
isolados em quarto cujas condições seriam precárias e subumanas. A denúncia
assim individualiza as condutas:
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SENTENÇA
Processo penal 5
i) o réu Paulo César Azevedo Girão, proprietário do Sítio Angelim,
no bairro de mesmo nome, no Município de São Fidélis, teria sido o responsável
pela contratação das vítimas para trabalharem em sua propriedade, prometendo-
lhes salário e dinheiro. Durante anos, nada lhes teria dado senão alimentação;
também os teria obrigado a trabalhar em propriedades vizinhas, como na Usina
Pureza, sem nada lhes pagar;
ii) o réu Marcelo da Conceição Azevedo Girão, filho de Paulo
César, teria auxiliado o pai na administração do sítio, atuando diretamente na
exploração do trabalho “escravo”, quer pela vigilância que teria exercido sobre os
trabalhadores, quer pelas orientações que lhes teria dado – inclusive a de se
esconderem sempre que vissem alguém estranho à propriedade;
iii) o réu Roberto Melo, capataz do sítio havia mais de 12 anos,
teria sido responsável por manter sob controle os trabalhadores, ameaçando-os
ou, mesmo, agredindo-os fisicamente, caso tentassem fugir.
A imputação constante da denúncia se apoia nos autos do IPL
346/2014, em apenso, iniciado por meio da lavratura de auto de prisão em
flagrante dos ora réus (fls. 2/3 - IPL), com o depoimento: i) dos policiais
responsáveis pela prisão, Giovanni F. Ponce Pasini Judice (fls. 6/7) e Jorge
William Pereira Cabral Júnior (fls. 8/9); ii) de Rogério de Souza Santos, sobrinho
da suposta vítima Roberto de Oliveira, que teria abrigado o tio após a fuga do sítio
e o levou à Delegacia de Polícia de São Fidélis para noticiar a situação (fls. 13/4);
iii) das supostas vítimas Roberto de Oliveira (fls. 15/6), Romário Mota Rosa (fls.
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Processo penal 6
17/9), Davi Pereira Ferreira (fls. 20/2) e Cirlei Rodrigues Moreira (fls. 23/5); iv) Rita
Mota Rosa, mãe de Romário Mota Rosa (fls. 53/4); v) Isadir Pinheiro Moço (fls.
65), Gilson Gaudard Villete (fls. 66), Rosimar Pinheiro Silva (fls. 67), Josemar da
Rocha Pinheiro (fls. 73) – testemunhas da presença das supostas vítimas no sítio;
vi) fotos do quarto onde as supostas vítimas permaneceriam à noite (fls. 76/96).
Denúncia oferecida em 30.05.2014 e recebida em 06.06.2014 (fls.
13/21).
FAC (fls. 31/2, 35/40, 43/4, 46/50, 54/5, 57/9). Constam as
seguintes anotações:
a) referentes ao réu Paulo Cesar Azevedo Girão: i) prisão em
flagrante pelo crime do CP 2171, em 14.01.1977, com absolvição pelo Juízo de
Direito de São Fidélis em data ignorada; ii) inquérito policial sem capitulação,
iniciado em 21.06.2006 e arquivado em 14.10.2010 pelo Juízo de Direito da Vara
única de Cambuci/RJ; iii) prisão em flagrante pelo crime do CP 180 (receptação),
em 12.11.2002, seguindo-se arquivamento em data não indicada pelo Juízo de
Direito da 2a Vara Criminal de São Fidélis; iv) registro de ocorrência pelos crimes
do CP 129 caput (lesão corporal) e 147 (ameaça) arquivado pelo Juizado Especial
Criminal Adjunto de São Fidélis/RJ, em data não mencionada, “com fulcro no art.
104 do CP”; v) termo circunstanciado pelo crime do CP 161 § 1o, II, em
20.09.2005, com declaração de extinção da punibilidade pelo Juizado Especial
Criminal Adjunto de São Fidélis/RJ, em 03.05.2006;
1 À época, tratava-se do crime de sedução.
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Processo penal 7
b) referentes ao réu Marcelo da Conceição Azevedo Girão: i)
termo circunstanciado pelo crime do CP 161 § 1o II, em 20.09.2005, com sentença
transitada em julgado em 20.05.2006 de extinção “da punibilidade pelo
cumprimento e homologação da transação penal com base nos arts. 76, p4 e 84,
pu ambos da Lei 9099/95”.
Resposta escrita à acusação dos réus alegando atipicidade das
condutas e formulando extenso requerimento de produção de provas documental,
pericial e testemunhal (fls. 60/70). Na mesma oportunidade, a defesa apresentou
requerimento de revogação da prisão preventiva (fls. 72/8).
Manifestação do autor contrariamente à absolvição sumária e à
soltura dos réus (fls. 81/4).
Decisão negando a absolvição sumária, apreciando os
requerimentos de provas das partes e determinando a produção de algumas
delas: i) oitiva dos ofendidos; ii) inquirição de 8 testemunhas de acusação e de 24
testemunhas de defesa; iii) requisição de documentos ao INSS (histórico
previdenciários dos ofendidos), à Caixa Econômica Federal (histórico de FGTS
dos ofendidos), à sociedade empresária Teia Participações SA (informação sobre
número de empregados e prestadores de serviços e a serviços que teriam sido
prestados no Usina Pureza e em canaviais), ao Instituto Félix Pacheco (notícia de
antecedentes criminais dos ofendidos), à Junta Comercial do Estado do Rio de
Janeiro (contrato social da Teia Participações), ao Tribunal Regional Eleitoral
(informação sobre se os ofendidos votaram nas últimas eleições). A produção de
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Processo penal 8
prova pericial foi fundamentadamente indeferida. Foi igualmente indeferido o
requerimento de revogação da prisão preventiva. Finalmente, foi aprazada
audiência de instrução e julgamento para o dia 20.08.2014, com possível
continuação nos dias 21.08, 27.08 e 28.08.2014 (fls. 85/102).
Indicação pela defesa de endereços faltantes das testemunhas,
novo pedido de soltura dos réus e requerimento de que não seja juntada gravação
de vídeo com cenas do local onde os ofendidos teriam sido mantidos cativos (fls.
106/13).
Decisão indeferindo o pedido de soltura e o requerimento de
vedação de juntada (fls. 117/21).
Indicação pelo autor do endereço atualizado dos ofendidos (fls.
124, 135).
1. 2. FASE INSTRUTÓRIA
Informações prestadas pela sociedade empresária Teia
Participações (fls. 136/7), instruídas por documentos (fls. 138/43).
Decisão adotando providências necessárias à preservação da
intimidade, vida privada, honra e imagem dos ofendidos (CPP 201 § 6º) (fls.
144/5).
1º dia da Audiência de Instrução e Julgamento, em 20.08.2014
(quarta-feira), com os seguintes acontecimentos relevantes: i) comunicação à
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Processo penal 9
acusação e à defesa de que, não dispondo (à época) o órgão jurisdicional de
sistema de videoconferência (CPP 185 §§ 8º e 9º), os ofendidos serão
consultados, um a um, sobre se a presença dos réus na sala durante sua oitiva
poderia causar-lhes humilhação, terror ou sério constrangimento (CPP 217), caso
em que o Magistrado procederá à tomada das declarações com os réus ausentes,
ficando presentes apenas os defensores constituídos; ii) requerimento da defesa
de substituição da testemunha Augusto Moreth Barcelos por Valdir Vieira da Silva,
o qual foi deferido; iii) dispensa da oitiva do ofendido Cirlei, o qual se encontrava
internado sem previsão de alta, com diagnóstico de neoplasia de esôfago (CPP
201); iv) decisão de não permitir que os réus assistissem à tomada de
declarações dos ofendidos, tendo em vista a manifestação destes; v)
apresentação pela defesa de dois sacos de bens pertencentes ao ofendido
Romário, os quais lhe foram entregues; vi) retirada das algemas dos réus, na sala
onde se encontravam; vii) tomada de declarações dos ofendidos, na seguinte
ordem: Davi Pereira Ferreira, Romário Mota Rosa, Roberto de Oliveira; viii)
inquirição das testemunhas de acusação Rita Mota Rosa, Rogério de Souza
Santos, Giovanni F. Ponce Pasini Judice, Jorge William Pereira Cabral Júnior,
Isadir Pinheiro Moço, Gilson Gaudard Villete, Rosimar Pinheiro da Silva, Josemar
da Silva Pinheiro; ix) indagadas sobre se desejavam o refazimento dos dois
primeiros depoimentos, pois as duas primeiras testemunhas foram inquiridas sem
a presença dos réus, as partes disseram que não, tendo a defesa acrescentado
que não houve prejuízo algum aos acusados; x) inquirição das testemunhas de
defesa Song Cardoso Cortes Júnior (ouvido como informante), Pedro Pereira,
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Processo penal 10
Wanderley Cardoso Verdan da Silva, Sebastião Braga, Carlos Rogerio Vieira da
Silveira, Marcelo Gleisson Rosa de Souza Santarém; xi) desistência da defesa
das testemunhas Gerusa da Conceição e Priscila Guimarães Cruz (fls. 147/59).
2º dia da Audiência de Instrução e Julgamento, em 21.08.2014
(quinta-feira), com os seguintes acontecimentos relevantes: i) inquirição das
testemunhas de defesa Márcio Batistela Rodrigues, Alberto Amaral Sobrinho,
Antônio Marcos Gonzaga, Martinho Barreto Azevedo, Moacir Augusto de
Azevedo, Armelindo da Silva Teles, Juarez Gonçalves da Silva, Rivelino Eduardo
da Silva, Ione Lopes de Oliveira, Isaque Cassiano; ii) desistência da defesa das
testemunhas Luciana Teixeira da Silva, Valdir Vieira, Alex Sandro Dias Pereira,
Osair Moreira Martins, Ademilton de Castro Araújo e Jorge Cabral; iii) suspensão
da audiência, com retomada na semana seguinte, a fim de que as partes possam
se preparar para os interrogatórios (fls. 185/9).
Requerimento da defesa pleiteando soltura dos réus pelo término
da instrução criminal (fls. 203/7), com manifestação contrária do autor (fls. 212/5).
Requerimento da defesa pleiteando que: i) o Juízo determinasse
ou “disponibilizasse” meios para que os réus pudessem assistir aos depoimentos
dos ofendidos e articular suas contrarrazões orais “por exercício mental de
confronto”, por prazo não “inferior a 48 horas”; ii) o Juízo degravasse o
depoimento do ofendido “CONINHO” (fls. 216/19).
Decisão: i) negando a soltura dos réus, em vista da subsistência
do fundamento autônomo da garantia da ordem pública; ii) indeferindo os demais
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requerimentos, inclusive de adiamento da retomada da audiência, haja vista sua
estrutura unitária (fls. 220/38).
3º dia da Audiência de Instrução e Julgamento, em 27.08.2014
(quarta-feira), com os seguintes acontecimentos relevantes: i) indagada sobre se
desejaria dispor de duas horas para entrevista pessoal e reservada com os réus,
a defesa, após consultá-los, respondeu que não; ii) os réus optaram por não
responder às perguntas referentes aos fatos; iii) o autor requereu a juntada de
termos de depoimento que apresentou no ato, nada mais sendo requerido em
diligências finais; iv) foi concedido o prazo de 10 dias para apresentação de
alegações finais por memoriais, tal como requerido pelas partes (fls. 240/4).
1. 3. ALEGAÇÕES FINAIS
Em cumprimento à liminar concedida nos autos do HC
2014.02.01.007796-6, a qual suspendeu o prazo para apresentação das
alegações finais, o curso do processo foi suspenso (fls. 262), tendo sido retomado
após a denegação do HC (fls. 264).
Em alegações finais, o autor tece considerações sobre
características do delito do CP 149, destacando que sua tutela iria além da
liberdade de locomoção do trabalhador e traçando condutas por meio das quais o
crime se consumaria. Sustentou que estaria comprovada a materialidade delitiva,
sob todas as modalidades constantes do tipo legal, a saber: a) submissão a
trabalhos forçados; b) submissão a jornada exaustiva; c) sujeição a condições
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degradantes de trabalho; d) restrição da liberdade de locomoção, em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto; e) cerceamento do uso de
qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho; f) manutenção de vigilância ostensiva; e g) apoderamento de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho. Salientou que a inexistência de restrição da liberdade de ir e vir dos
trabalhadores não descaracterizaria a imputação do delito de redução à condição
análoga à de escravo. Afirmou que o conjunto probatório revelaria que o acusado
Paulo César Azevedo Girão seria o principal responsável pelo gerenciamento da
exploração do trabalho das vítimas e condução das atividades dos coautores
Marcelo Girão e “Robertinho”, os quais ameaçariam física e moralmente as
vítimas. No tocante à dosimetria da pena, destacou incidirem as circunstâncias
judiciais do art. 59 do Código Penal, e as agravantes do artigo 61, II, incisos “c”,
“d” e “j”, do mesmo Código; além destas, também a agravante do art. 62, I, quanto
ao réu Paulo César Azevedo Girão, e art. 62, IV, quanto ao réu “Robertinho”. Na
terceira fase de fixação da pena, pugnou pelo reconhecimento de crime
continuado na modalidade específica (com majoração da pena até o triplo) ou
incidência de concurso formal impróprio (considerando os desígnios autônomos
dos agentes, a justificar a regra do cúmulo material) (fls. 279/334).
Requerimento de carga dos autos pela defesa (fls. 338/9)
indeferido com base em decisão anterior cujos fundamentos foram reiterados
(Estatuto da Advocacia, art. 7º XV c/c § 1º 2; CPP 803; CPC 40 III c/c CPP 3º;
jurisprudência do STF), mantendo o fornecimento de cópia integral dos autos por
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meio digital e devolvendo o prazo à defesa (fls. 340/7).
Comunicação de destituição dos advogados de defesa (fls. 348).
Por meio dos novos patronos, a defesa apresentou alegações
finais por memoriais, pedindo a absolvição dos réus e sustentando que: 1) teria
havia cerceamento ao direito de defesa, em razão de os réus terem sido retirados
da sala de audiência durante a oitiva dos depoimentos dos ofendidos; 2) análise
dos documentos e dos depoimentos das testemunhas permitiria concluir que não
teria sido provada a prática de crime, visto que os réus não teriam influído na
liberdade de ir e vir dos ofendidos, tendo apenas disponibilizado a eles, por
liberalidade, uma casa e comida; 3) os depoimentos das vítimas, além do menor
valor probatório, apresentariam contradições em seu próprio conteúdo, e seriam,
ainda, farta e contundentemente rebatidos pelas testemunhas.
Requerimento de relaxamento de prisão por excesso de prazo
(fls. 371/6), com a manifestação contrária do autor (fls. 378/9), indeferido (fls.
380).
Autos conclusos para sentença em 16.12.2014 (fls. 383).
1. 4. INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Ao longo do processo foram impetrados diversos habeas corpus
pela defesa dos réus. Cópias das iniciais, ofícios de informação, decisões
liminares e acórdão foram compendiados no Apenso 3.
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DECIDO.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2. 1. PRELIMINARES AO MÉRITO
2. 1. 1. Competência
Como salientado em diversas oportunidade, desde a fase pré-
processual, a competência para processar e julgar acusados do crime de redução
a condição análoga à de escravo é da Justiça Federal, com base na CRFB 109
VI, pois o âmbito de proteção da norma incriminadora (Schutzbereich) alcança
não apenas o status libertatis e a dignidade do ofendido, mas também a
organização do trabalho (STF: RE 398041, Tribunal Pleno, 30/11/2006, DJE
18.12.2008; RHC 90.532-3/CE, Tribunal Pleno, 01.07.2008, DJE 14.05.2009).
2. 1. 2. Cerceamento de defesa
A defesa suscita a preliminar de cerceamento de defesa, pois os
ofendidos foram ouvidos sem a presença dos réus.
É inconsistente a alegação. Transcrevo as passagens pertinentes
da ata do 1º dia da Audiência de Instrução e Julgamento (fls. 147/59):
1. ABERTURA
Às 13h do dia 20.08.2014, na sala de audiências deste Juízo Federal da 1ª
Vara de Campos, situada no Município de Campos dos Goytacazes, Estado do
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Rio de Janeiro, o MM. Juiz Federal deu por aberta a audiência de instrução e
julgamento nos autos do processo em epígrafe, tendo comparecido:
[...]
Os ofendidos se encontram em sala a eles destinada, nos termos do CPP 201
§ 4º. Os réus se encontram em sala separada, sob vigilância de policiais
federais. À medida que forem chegando, as testemunhas de acusação serão
encaminhadas a uma terceira sala, onde permanecerão incomunicáveis (CPP
210 par. único). As testemunhas de defesa serão conduzidas para uma quarta
sala, caso ainda haja testemunhas de acusação a inquirir quando chegarem.
O MM. Juiz Federal comunicou à acusação e à defesa que, não dispondo este
órgão jurisdicional de sistema de videoconferência (CPP 185 §§ 8º e 9º), serão
os ofendidos, um a um, consultados sobre se a presença dos réus na sala
durante sua oitiva poderá lhes causar humilhação, terror ou sério
constrangimento (CPP 217), caso em que o Magistrado irá proceder à tomada
das declarações com o(s) réu(s) ausente(s), ficando presente apenas o
defensor constituído.
[...]
2. TOMADA DE DECLARAÇÕES DOS OFENDIDOS
Trazidos à sala de audiências, manifestaram os três ofendidos que não
gostariam de prestar declarações na presença dos réus. Em vista disso,
decidiu o MM. Juiz Federal que:
Consideradas as circunstâncias do caso concreto – tal como narradas na
denúncia e nas decisões de prisão preventiva – o pedido dos ofendidos parece
razoável e compreensível, de modo que, a fim de não prejudicar a verdade dos
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Processo penal 16
depoimentos, os réus não irão assistir à tomada de declarações dos ofendidos,
nos termos do CPP 217 – cuja constitucionalidade é reconhecida pelo STF (HC
115.266, T2, DJE 23.09.2013; HC 86.711, T1, DJE 16.06.2006).
Na mesma oportunidade, a defesa apresentou dois sacos com bens que
pertenceriam ao ofendido Romário, os quais, entregues a este, confirmou que
eram dele, recebendo-os. Os bens se encontram listados em requerimento da
defesa.
A defesa requereu que fossem retiradas as algemas dos réus, que se
encontravam em sala específica, sob vigilância de agentes federais. Ouvido o
chefe da equipe de custódia, o MM. Juiz Federal deferiu o requerimento da
defesa, com a ressalva de que, caso se comportassem de maneira
inconveniente (o que não aconteceu), os réus poderiam ser novamente
algemados, com comunicação ao Magistrado.
Tratando-se de pessoas maiores e capazes, o Magistrado, em aplicação
analógica da regra do CPP 212, autorizou que as inquirições fossem realizadas
diretamente pelas partes, começando pela acusação.
Os ofendidos foram inquiridos por meio audiovisual (CPP 405 § 1º), na
seguinte ordem: i) Davi Pereira Ferreira; ii) Romário Mota Rosa; iii) Roberto de
Oliveira.
Romário e Roberto não assistiram à tomada de declarações de Davi, assim
como Roberto não assistiu à tomada de declarações de Romário.
Ao final de cada inquirição, o ofendido foi indagado sobre o interesse em ser
informado dos atos processuais, como prevê o CPP 201 § 3º, na redação dada
pela Lei n. 11.690/08. Os três ofendidos expressaram o desejo de receber a
comunicação.
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Processo penal 17
[...]
Como se vê, a decisão deste Juízo Federal está fartamente
motivada, apontando os fundamentos jurídicos e as razões de fato que a
amparam e justificam, em exata consonância com o Código de Processo Penal e
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. De mais a mais, não houve
impugnação alguma por parte da defesa que, muito pelo contrário, anuiu
expressamente à conveniência da medida, chegando mais à frente a dispensar a
presença dos réus na inquirição das duas primeiras testemunhas – Rita Mota
Rosa, mãe do ofendido Romário, e Rogério de Souza Santos, sobrinho do
ofendido Roberto. Lê-se da ata:
3. INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO
Foram inquiridas por meio audiovisual (CPP 405 § 1º) as seguintes pessoas
arroladas pela acusação: i) Rita Mota Rosa; ii) Rogério de Souza Santos; [...]
[...]
As duas primeiras testemunhas foram inquiridas sem a presença dos réus.
Indagadas se teria interesse no refazimento das inquirições, acusação e defesa
responderam que não, tendo a defesa acrescentado que não houve
prejuízo algum aos réus. Os réus então foram trazidos e puderam assistir à
inquirição das demais testemunhas, inclusive da terceira – cujo depoimento foi
interrompido para aguardá-los. Os réus permaneceram sem algemas.
2. 1. 3. Limites da imputação
Embora não se trate propriamente de uma preliminar, convém
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Processo penal 18
enfrentar a questão desde logo. Em seus memoriais, o autor pede a condenação
dos réus pela prática dos crimes do art. 149, caput e § 1º, incisos I e II, na forma
dos arts. 29 e 71 § único do Código Penal (fls. 307). No entanto, a denúncia não
imputa aos réus a prática do crime do inciso I, nem alude à continuidade delitiva
em razão da multiplicidade de vítimas (fls. 11):
... cometendo, assim, todos eles, o crime descrito no artigo 149, caput e inciso
II, do Código Penal Brasileiro.
Ou seja, os réus não foram acusados de cercear o uso de
qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho. O acréscimo dessa imputação constitui mutatio libelli, que
deveria ter sido promovido por meio de aditamento, na forma do CPP 384, e não
nas alegações finais.
Com relação ao crime continuado, outra é a solução. De acordo
com tradicional entendimento da jurisprudência, as regras que dispõem sobre a
continuidade delitiva, concurso real e ideal dizem respeito à fixação da pena,
podendo ser decididas de ofício pelo órgão jurisdicional. Este o entendimento da
2ª Turma do STF:
EMENTA : HABEAS CORPUS. CONTINUIDADE DELITIVA. PEDIDO DE
APLICAÇÃO DO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA. FUNDAMENTAÇÃO DA PENA
APLICADA A CADA CONDUTA. DISPENSABILIDADE. PRÁTICA REITERADA
DO MESMO CRIME. PENA IDÊNTICA. ORDEM DENEGADA.
1. Não há necessidade de pedido do Ministério Público no sentido da aplicação
da regra do art. 71 do Código Penal. O réu defende-se dos fatos, tal como
narrados, e não da sua classificação legal. Cabe ao juiz analisar a
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Processo penal 19
aplicabilidade ou não da regra do crime continuado, no momento da fixação da
pena.
2. Praticado, várias vezes, o mesmo crime, nos termos do art. 71 do Código
Penal, a pena aplicável a cada conduta é idêntica, o que torna dispensável a
repetição da dosimetria relativa a cada uma delas.
3. Ordem denegada.
(HC 95.245, rel. Min. Joaquim Barbosa, T2, 16.11.2010, DJE 31.01.2011)
2. 2. PRELIMINAR DE MÉRITO
O tipo da redução a condição análoga à de escravo é permanente
(Dauerdelikt), de modo que o prazo prescricional de 12 anos (CP 109 III c/c 149:
pena máxima de 8 anos de reclusão) começou a fluir da cessação da conduta
típica (= libertação dos ofendidos e prisão em flagrante dos réus) (CP 111 III), em
26.04.2014. O prazo foi interrompido pela decisão de recebimento da denúncia
(CP 117 I), em 06.06.2014, voltou a correr do zero e irá interromper-se novamente
hoje – data em que esta sentença será publicada em Secretaria (CP 117 IV c/c
CPP 389) (18.12.2014). Permanece íntegra a pretensão punitiva.
2. 3. MÉRITO
2. 3. 1. Enquadramento típico
2. 3. 1. 1. Raízes históricas do plágio
Sobre as raízes históricas do plagium e o desenvolvimento e
inclusão nos códigos mais recentes de sua versão repaginada – redução a
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Processo penal 20
condição análoga à de escravo –, devemos recordar a lição de Nelson Hungria2:
163. Histórico. Sob o nome de plagium, o direito romano punia a escravização
de homem livre, bem como a compra e venda ou assenhoreamento de escravo
alheio. No Digesto (XLVIII, De lege Fabia de plagiarlis, 16. 6, § 2o) encontra-se
a seguinte passagem de Callistrato sobre o crimen plagii: “Lege Fabia cavetur,
ut liber, qui hominem ingenuum, vel libertinum invitum celeverit, invictum
habuerit, emerit sciens dolo malo, quive in earum qua re socius erit, quique
servo alieno, servaeve persuaserit, ut a domino, dominave celaverit, invinctum
habueril (emerit), sciens dolo male, quive in e are socius erit: ejus poena
teneatur”. Mais sintético era Paulo, segundo o qual plagiário era “qui civem
romanum ingenuum, libertinum servumve alienum celaverit vendiderit, vinxerit,
comparaverit”.
Na Idade Média, era chamado plagium não só o furto de servos, como o rapto
de homens ou crianças non libidinus causa3.
Posteriormente, já extinta a escravidão de direito, o nome plagium ainda
continuou a ser usado para designar a escravização de fato.
Instituída, na maioria dos Códigos Penais, a classe dos crimes contra a
liberdade individual, a supressão de fato do status libertis passou a ocupar
entre eles posto de relevo. Não o contemplou, entretanto, o Código francês,
que, por sinal, merece o elogio de Garraud por tal omissão, com o fundamento
2 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, vol. VI. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958,
pp. 198/9.
3 Nota de rodapé 72: “Os práticos distinguiam entre o plagium civile e o plagium litterarium,
consistindo este na apropriação de obra literária de outrem. Modernamente, o termo plágio é mais
comumente empregado na última acepção.
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Processo penal 21
de que se trata de uma incriminação imaginária, a relembrar costumes de
outros tempos. No Projeto francês de 1934, entretanto, está previsto o plágio e
o que é mais, com o seu conceito antigo, isto é, como o fato de “celui qui reduit
ou maintient une personne en esclavage, achète ou vend des esclaves, ou
participe à tout trafic ou exploitation des esclaves” (art. 394). Como observa
Florian, “soltanto una angusta concezione dela condizione di schiavitù
(d’altronde ancora tanto diffusa, pur troppo) puo condurre ad affermare che
cotesto delito sia una sopravivvenza del passato ed impossibile in concreto ai di
nostri”.
No Brasil, o Código de 1830, servindo à instituição legal da escravidão,
incriminava o fato de “reduzir a escravidão pessoa livre, que se achar em posse
de sua liberdade”. O Código de 1890 , porém, era inteiramente alheio ao plágio,
mesmo no seu conceito moderno. Omisso a respeito era também o Projeto Sá
Pereira (em qualquer de suas edições). O projeto Alcântara (mantido, neste
ponto, com a mesma redação, pela Comissão Revisora, que se limitou a
diminuir o máximo da pena cominada), incluía entre os crimes contra a
liberdade pessoal o fato de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”.
Hungria era otimista quanto à erradicação do trabalho escravo –
segundo ele limitado aos rincões do Norte. Mas a verdade é que a interação
econômica em escala global, a intensificação do intercâmbio cultural entre povos
e nações, o desaparecimento das fronteiras dos Estados nacionais, a
reorganização e expansão de organizações criminosas - agora transnacionais - e
mais um sem número de variáveis arredias a qualquer forma de controle social
levaram ao surgimento de formas mais sutis de exploração cruel de mão de obra
desqualificada.
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De acordo com dados publicados pela Walk Free Foundation4, em
todo o mundo cerca de 35,8 milhões de pessoas, entre homens, mulheres e
crianças, são vítimas de alguma forma de escravidão moderna (modern slavery).
No Global Slavery Index de 2014, que leva em conta pesquisas realizadas em
167 países, o Brasil ocupa a 143ª posição, situação mais confortável do que a de
México (111ª posição), Chile (121ª), Uruguai (124ª), África do Sul (126ª) e Japão
(127ª). Ainda assim, os números absolutos impressionam: estima-se que 155.300
brasileiros (0,0775% da população) se incluam na faixa de trabalhadores
escravos.
2. 3. 1. 2. Estrutura típica
2. 3. 1. 2. 1. Feições originais do CP 1940
Em sua redação original, o tipo do CP 149 estava assim redigido:
Redução a condição análoga à de escravo
Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
O bem jurídico penalmente tutelado era basicamente o status
4 A pesquisa completa pode ser encontrada no sítio da Fundação
(http://www.globalslaveryindex.org/), onde também é oferecida para download uma versão em
arquivo pdf. Cfr. igualmente a reportagem da revista Der Spiegel
(http://www.spiegel.de/wirtschaft/soziales/walk-free-foundation-30-millionen-menschen-leben-in-
sklaverei-a-928275.html). Acesso em 15.12.2004.
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Processo penal 23
libertatis, como ensina Nelson Hungria5:
164. Conceito do crime. O crime de que ora se trata (art. 149) é a completa
sujeição de uma pessoa ao poder de outra. Protege a lei penal, aqui, o status
libertatis, ou seja, a liberdade no conjunto de suas manifestações. Refere-se o
texto legal à “condição análoga à de escravo”, deixando bem claro que não se
cogita de redução à escravidão, que é um conceito jurídico, isto é, pressupondo
a possibilidade legal do domínio de um homem sobre outro. O status libertatis,
como estado de direito, permanece inalterado, mas, de fato, é suprimido. Entre
o agente e o sujeito passivo se estabelece uma relação tal, que o primeiro se
apodera totalmente da liberdade pessoal do segundo, ficando este reduzido, de
fato, a um estado de passividade idêntica à do antigo cativeiro.
[...]
No tocante ao crime de plágio, é de todo ineficaz o consentimento do paciente.
Ninguém pode abdicar, total e indefinidamente, do seu status libertatis, pois
tanto importaria a anulação da própria personalidade. Não há confundir-se tal
renúncia com a locação de serviços, e está mesmo, segundo dispõe o art.
1.220 do Cód. Civil, não pode ser convencionada “por mais de quatro anos,
embora tenha por causa o pagamento de dívida, ou se destina à execução de
certa e determinada obra”6.
Trata-se de crime permanente, caracteristicamente tal. Não é necessária, no
sujeito passivo, a capacidade de entender ou de querer. Não importa a idade
da vítima (desde que compatível com o tratamento a que é submetida). Não
5 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, vol. VI. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958,
pp. 199/201.
6 Refere-se Hungria ao revogado Código Civil de 1916.
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Processo penal 24
importa igualmente o meio pelo qual é executado o crime: se por violência,
ameaça, engano ou sugestão.
Apesar do intenso esforço doutrinal para estabelecer critérios
interpretativos seguros e confiáveis, a descrição excessivamente vaga da conduta
incriminada, com seus contornos semânticos fluidos e indefinidos, oferecia um
incômodo espaço de discricionariedade aos juízes, permitindo-lhes flertar
perigosamente com a analogia in malam partem. Daí a necessidade de
reestruturar o tipo penal, tornando-o plenamente compatível com o princípio
constitucional da reserva legal (Gesetzlichkeitsprinzip ou
Gesetzmäßigkeitsprinzip) (CRFB 5º XXXIX; CP 1º) 7.
2. 3. 1. 2. 2. Superveniência da Lei n. 10.803/03
A Lei n. 10.803, de 11.12.2003, operou em mão dupla: de um
lado, reduziu a fluidez e deu à redação do tipo do CP 149 contornos semânticos
bem mais rígidos, introduzindo novos núcleos materiais objetivos (no caput:
submeter, sujeitar, restringir; no § 1º: cercear, manter, apoderar-se) e diversos
complementos variáveis que explicitam de maneira elogiável o conteúdo da
7 Na lição de Roxin, o princípio da reserva legal contempla e alcança modernamente quatro
variações: nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, scripta, praevia, certa. Daí aludir-se à
proibição da analogia in mallam partem (das Analogieverbot) como decorrência da exigência não
só de uma lei penal que fixe estritamente as características típicas de uma conduta, mas também
as sanções associadas à sua realização. Cfr. ROXIN, Claus. Strafrecht: allgemeiner Teil: Band 1:
Grundlagen – der Aufbau der Verbrechenslehre. 4. Auflage. München: C. H. Beck, 2006, p. 142.
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Processo penal 25
matéria de proibição. De outro lado, justamente pela hipertrofia do tipo objetivo,
expandiu enormemente o âmbito de proteção da norma, o que reflete uma
consciente e deliberada opção político-criminal de ampliar e fortalecer a tutela das
relações de trabalho por meio do Direito Penal. Se antes visava-se
essencialmente à tutela da liberdade individual, com a alteração legislativa não só
o status libertatis, mas também bens jurídicos outros como a integridade física e
moral do sujeito passivo, a organização do trabalho, a organização previdenciária,
etc, foram incluídos no horizonte de projeção da norma penal. A mudança não
passou despercebida da jurisprudência do STF e do STJ:
As condutas atribuídas aos recorridos, em tese, violam bens jurídicos que
extrapolam os limites da liberdade individual e da saúde dos trabalhadores
reduzidos à condição análoga à de escravos, malferindo o princípio da
dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho. Entre os precedentes
nesse sentido, refiro-me ao RE 480.138/RR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ
24.04.2008; RE 508.717/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 11.04.2007.
(STF: RE 541627, T2, 14/10/2008, DJE 20-11-2008)
Com o advento da Lei 10.803/2003, que alterou o tipo previsto do artigo 149 da
Lei Penal, passou-se a entender que o bem jurídico por ele tutelado deixou de
ser apenas a liberdade individual, passando a abranger também a organização
do trabalho, motivo pelo qual a competência para processá-lo e julgá-lo é da
Justiça Federal.
(STJ: RHC 41.003/PI, T5, 10/12/2013, DJe 03/02/2014)
1. O delito de redução a condição análoga à de escravo está inserido nos
crimes contra a liberdade pessoal. Contudo, o ilícito não suprime somente o
bem jurídico numa perspectiva individual.
2. A conduta ilícita atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa
humana, violando valores basilares ao homem, e ofende todo um sistema de
organização do trabalho, bem como as instituições e órgãos que lhe
asseguram, que buscam estender o alcance do direito ao labor a todos os
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Processo penal 26
trabalhadores, inexistindo, pois, viés de afetação particularizada, mas sim,
verdadeiro empreendimento de depauperação humana. Artigo 109, V-A e VI,
da Constituição Federal.
(CC 113.428/MG, S3, 13/12/2010, DJe 01/02/2011)
Esta é a redação atual do CP 149:
Redução a condição análoga à de escravo
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-
o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a
condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio,
sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
2. 3. 1. 2. 3. Modalidades típicas
Numa sistematização a partir dos núcleos materiais objetivos e
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Processo penal 27
seus complementos, a redução a condição análoga à de escravo poderá realizar-
se dos seguintes modos:
1. Submeter a trabalhos forçados;
2. Submeter a jornada exaustiva;
3. Sujeitar a condições degradantes de trabalho;
4. Restringir, por qualquer meio, a locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto;
As formas equiparadas do § 1º, que introduzem um elemento
subjetivo especial do tipo, são as seguintes:
5. Cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
6. Manter vigilância ostensiva no local de trabalho, com o fim de
retê-lo no local de trabalho;
7. Apoderar-se de documentos ou objetos pessoais do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
Vejamos uma a uma rapidamente.
1. Submeter a trabalhos forçados
Submeter
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Processo penal 28
significa sujeitar, subjugar a vítima, no caso, a trabalhos forçados, entendendo-
se como tais aqueles em que não há como oferecer resistência ou manifestar
recusa, em face do emprego de violência, ameaça ou fraude8.
Ou, na citação constante dos memoriais do autor:
Trabalhos forçados são aqueles realizados sem pagamento mediante coação
física ou moral, como, à guisa de exemplo, a ameaça à integridade física do
trabalhador ou de seus familiares (CAMPOS. Ricardo José Fernandes de.
Trabalho Escravo: a dignidade da pessoa humana e a caracterização do
trabalho em condições análogas as de escravo. Revista do TRT – 9ª Região. n
. 59. P . 245-253. jul. – dez. 2007).
Segundo a Convenção nº 29 da OIT, o trabalho forçado ou compulsório ou,
ainda, obrigatório é todo “trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob
ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de
espontânea vontade” (art. 2º, I).
O tipo subjetivo se contenta e esgota unicamente no dolo – isto é,
“o conhecimento e a vontade da realização do tipo” (“Vorsatz ist das Wissen und
Wollen der Tatbestandsverwirklichung”)9, o que dá lugar ao que se chama de tipo
congruente ou de congruência simétrica.
8 CAPEZ, Fernando [recurso eletrônico]. Curso de direito penal, volume 2, parte especial: dos
crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos
(arts. 121 a 212). 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Verbete relativo ao tipo do art. 149.
9 WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht. 11. Auflage. Berlin: Walter de Gruyter & Co., 1969, p.
64.
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2. Submeter a jornada exaustiva
Como dito, submeter é sujeitar, impor. A diferença é que aqui “se
impõe a obrigação do labor até a exaustão física, sem perspectiva de interrupção
a curto prazo”10.
A jornada exaustiva é aquela que, para além de meramente superar os limites
legais, não deixa ao trabalhador tempo razoável para o descanso, lazer,
convívio com os familiares e aprimoramento pessoal.11
O tipo subjetivo se compõe unicamente do dolo, assim como se
dá na primeira figura.
3. Sujeitar a condições degradantes de trabalho
Sujeitar a condição degradantes de trabalho significa forçar
alguém a trabalhar em condições extremamente adversas, em “condições
subumanas, sem a possibilidade de interrupção voluntária da relação
empregatícia”12
Condições degradantes de trabalho constitui elemento normativo do tipo penal
e são aquelas que provocam desonra na pessoa do trabalhador como sujeito
de direitos. O trabalho degradante afronta direitos humanos laborais
consagrados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e abrigados
pela Constituição da República Federativa do Brasil, assim como pela
10 CAPEZ, Fernando, op. cit.
11 Memoriais do MPF.
12 CAPEZ, Fernando, op. cit.
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Processo penal 30
Consolidação das Leis Trabalhistas, entre outras normas jurídico laborais.
Nesta situação, o ofendido desempenha a sua função em circunstancias
humilhantes, aviltantes de sua dignidade.
A caracterização do crime, sob a forma de condições degradantes de
trabalho, vai além da análise pura e simples das condições pelas quais a
atividade é desempenhada. Assim, havendo limitações a alimentação,
higiene, moradia e transporte do trabalhador, em circunstancias que os
exponha a risco quanto a segurança ou a saúde, haverá condição
degradante de trabalho. Neste sentido, o entendimento da jurisprudência ,
consoante aresto do TRF da 5ª Região – ACR 2005.05.00.002369-3. Relator
Desembargador Marcelo Navarro, DJ nº 152, p 347, de 08.08.2007.
A orientação nº 4 da CONAET ( Coordenadoria Nacional de Erradicação do
Trabalho Escrevo do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE ) assinala que “
condições degradantes de trabalho são as que configurem desprezo a
dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos fundamentais
do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde, moradia, repouso,
alimentação ou outros relacionados a direitos da personalidade, decorrentes de
situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a vontade do
trabalhador” . Trata-se de enunciação que orienta o exercício da atividade
fiscalizatória da União, encontrando o seu fundamento de validade no primado
da dignidade da pessoa humana ( art. 1º,III, da CRFB/88 e no mínimo
existencial dela decorrente. 13
Como nas figuras anteriores, o tipo subjetivo se compõe
unicamente do dolo.
13 Memoriais do MPF.
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Processo penal 31
4. Restringir, por qualquer meio, a locomoção em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto
“Trata-se aqui de verdadeiro cerceamento à liberdade de ir e vir
do indivíduo”, pois
A vítima se encontra obrigada a trabalhar sem permissão para deixar o local
até a quitação total de dívida contraída com o patrão ou preposto. Neste último
caso, geralmente não há pagamento em dinheiro, mas mediante compensação
do débito, quase sempre de difícil quitação14.
Em outras palavras,
A servidão por dívida consiste na restrição da liberdade do trabalhador em
razão de dívida contraída com o empregador, também conhecida como truck
system, peonage, bonded labor ou debt bondage. É especialmente comum nos
casos em que, por questões locacionais, o trabalhador depende do
empregador para obter comidas, roupas, remédios e até mesmo as
ferramentas necessárias ao trabalho. Em outras situações, a dívida é
constituída pelos preços extorsivos cobrados pelo transporte até o local de
trabalho ou adiantamento do que lhe tenha fornecido.
O trabalho análogo ao de escravo na modalidade da servidão por dívidas
fundamenta-se no sentimento de honradez que compele o trabalhador rural a
continuar laborando a fim de saldar seu débito junto ao empregador, mesmo
quando o obreiro tem consciência de que sua dívida decorre de atitude
fraudulenta do tomador dos serviços (FIGUEIRA. Ricardo Rezende. Piscando
fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio
14 CAPEZ, Fernando, op. cit.
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Processo penal 32
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p 180).
Em muitos casos, os trabalhadores incorporam tanto o sentimento da dívida
que se convencem de que não podem deixar a fazenda, seja por acreditarem
que são obrigados a pegar o débito, seja por medo de sofrerem perseguição .
A prática é conceituada na Convenção Suplementar sobre a Abolição da
Escravatura, do Tráfego de Escravos e das Instituições e práticas análogas a
Escravatura, nos seguintes termos:
” A servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato de
que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida,
seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o
valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da
dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza
definida”. 15
O tipo subjetivo se compõe unicamente do dolo.
5. Cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho
É a primeira das figuras equiparadas. “Pressupõe-se que o agente
queira retirar-se do local de trabalho, mas não tenha condições materiais para
fazê-lo, sendo-lhe negado tal direito” 16.
O cerceamento do acesso ao transporte pode efetivar-se mediante a retenção
do valor integral dos salários, ameaças de violência, impossibilitando o acesso
15 Memoriais do MPF.
16 CAPEZ, Fernando, op. cit.
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Processo penal 33
a meios de comunicação (telefones), proibindo o contato com terceiras pessoas
estranhas ao círculo laboral ou deixando o trabalhador sem a chave de casa.17
Diferentemente das modalidades previstas no caput, o tipo
subjetivo das figuras equiparadas reclama além do dolo um elemento subjetivo
especial que “ao lado do dolo, como aquele momento geral subjetivo-pessoal que
traz e configura a ação como acontecer finalisticamente dirigido”, tinge “num certo
sentido o conteúdo ético-social da ação”18. Esse aspecto anímico ou propósito
(Absicht) repousa no fim de reter o sujeito passivo no local de trabalho.
6. Manter vigilância ostensiva no local de trabalho, com o fim
de retê-lo no local de trabalho
Na segunda figura equiparada, “o agente exerce constante
vigilância sobre o trabalhador, impedindo, com isso, que ele se evada do local de
trabalho”19. O impedimento pode dar-se “através da vigilância ostensiva, com ou
sem o uso de armas, que poderá desdobrar-se em violência real contra os
trabalhadores”20.
O tipo subjetivo reclama além do dolo o elemento subjetivo
especial consistente no fim de reter o sujeito passivo no local de trabalho.
17 Memoriais do MPF.
18 WELZEL, Hans, op. cit, p. 77.
19 CAPEZ, Fernando, op. cit.
20 Memoriais do MPF.
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Processo penal 34
7. Apoderar-se de documentos ou objetos pessoais do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
A terceira figura equiparada se caracteriza pelo apoderamento de
documentos (cédula de identidade, CTPS, certidão de nascimento, CIC/CPF, etc)
ou objetos pessoais (roupas, calçados, dinheiro, etc) do trabalhador.
O tipo subjetivo reclama além do dolo o elemento subjetivo
especial consistente no fim de reter o sujeito passivo no local de trabalho.
É preciso observar que nenhuma dessas modalidades típicas
prevê a violência física como elemento objetivo, como reconhecido pelo STF:
Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CRIMES DE REDUÇÃO
A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E DE ALICIAMENTO DE
TRABALHADORES. DESNECESSIDADE DE VIOLÊNCIA FÍSICA PARA A
OCORRÊNCIA DO DELITO. PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO BASTA
A REITERADA OFENSA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
TRABALHADOR, VULNERANDO SUA DIGNIDADE COMO SER HUMANO.
PRESCRIÇÃO QUANTO AO DELITO DE FRUSTRAÇÃO DE DIREITO
TRABALHISTA. DENUNCIADO COM IDADE SUPERIOR A SETENTA ANOS.
RECEBIMENTO PARCIAL DA DENÚNCIA.
[...] III – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende ser
desnecessário haver violência física para a configuração do delito de redução à
condição análoga à de escravo. É preciso apenas a coisificação do trabalhador,
com a reiterada ofensa a direitos fundamentais, vulnerando a sua dignidade
como ser humano (Inq 3.412, Redatora p/ Acórdão: Min. Rosa Weber, Tribunal
Pleno, DJe 12/11/2012).
IV – Presentes os indícios de materialidade e autoria, a denúncia foi
parcialmente recebida para os crimes de redução a condição análoga à de
escravo e de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território
nacional, tipificados nos arts. 149 e 207, caput e § 1º, ambos do Código Penal.
(Inq 3564, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma,
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julgado em 19/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-203 DIVULG 16-10-
2014 PUBLIC 17-10-2014)
EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO.
ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA
CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA.
Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que
se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da
liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas
alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que
a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos
constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém
de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa
humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela
violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao
trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da
vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também
significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer
violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação
aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se
os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou
a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no
crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o
tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua
dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais.
(Inq 3412, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012 RTJ VOL-
00224-01 PP-00284)
2. 3. 1. 2. 4. Concurso de crimes
O tipo do CP 149, como um todo, classifica-se como tipo misto
alternativo ou de conteúdo variável, isto é, um tipo “em que o legislador incrimina
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Processo penal 36
da mesma forma, alternativamente, hipóteses diversas do mesmo fato, todas
atingindo o mesmo bem ou interesse, a todas atribuindo o mesmo desvalor”, de
tal modo que “as várias modalidades são fungíveis, e a realização de mais de
uma não altera a unidade do delito”21, embora baste para consumar o tipo22. Ou
seja, a múltipla e sucessiva realização dos diversos núcleos materiais objetivos do
tipo não afeta nem abala a unidade de ação (Handlungseinheit) ou da norma
violada (Gesetzeseinheit), afastando a configuração de possível concurso próprio
– formal ou ideal (Idealkonkurrenz), material ou real (Realkonkurrenz) –, ou
aparente de normas (Gesetzeskonkurrenz).
A alternatividade se dá não só em relação ao modo da conduta
(submeter, sujeitar, restringir, cercear, manter, apoderar-se), como também em
relação ao meio utilizado (artifício, ardil, vis compulsiva, vis absoluta, cobrança de
dívida, etc). Segue-se que a realização de múltiplas condutas ou de uma mesma
conduta várias vezes num mesmo contexto factual e com ofensa ao mesmo bem
jurídico (Rechtsgut) penalmente tutelado não permite a repetida incidência da
pena, mas ocasiona um incremento no conteúdo de injusto (Unrechtsgehalt)
repercutindo necessariamente na dosimetria da pena. O antefato (ante factum) ou
pós-fato (post factum) não é jurídico-penalmente desprovido de significação, pois
21 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 4. ed. ver. e atual. por
Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 158. 22 No mesmo sentido, CAPEZ, Fernando, op. cit.: “Convém notar que basta a caracterização de
uma dessas situações para que o crime se configure, não sendo necessária a coexistência de
todas elas. Finalmente, vejam que todas essas ações (submissão, sujeição ou restrição) podem
ser praticadas mediante o emprego de fraude, ameaça, violência. Trata-se de crime de ação livre”.
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Processo penal 37
deve ser levado em conta na aplicação da pena23. Nesse sentido:
[...] 3. O tipo de reduzir alguém a condição análoga à de escravo é misto
alternativo, a permitir a exasperação da pena, quando do exame das
circunstâncias judiciais, se o autor realiza mais de um núcleo verbal descrito na
lei.
(STJ: REsp 1197732/PA, T6, 21/11/2013, DJe 04/08/2014)
Existe a possibilidade concurso ideal ou crime continuado. Haverá
o concurso ideal se duas ou mais pessoas forem reduzidas a condição análoga à
de escravo por meio de uma única conduta - tomada na inteireza de sua unidade
jurídico-penal. Por exemplo, se trabalhadores rurais são conduzido em grupo a
uma fazenda onde têm retidos seus documentos. Caso a redução se dê em
momentos diversos, estará caracterizado o crime continuado, haja vista a
multiplicidade de ações.
2. 3. 2. Análise e valoração da prova
2. 3. 2. 1. Parâmetros metodológicos
O acervo probatório é constituído essencialmente de prova
testemunhal (em sentido amplo), aí incluídas as declarações dos ofendidos e os
interrogatórios tomados na fase pré-processual. A prova documental, embora não
de todo desprezível, é pouco elucidativa. Portanto, é na análise dos depoimentos
que iremos buscar a resposta para a dúvida crucial: houve ou não "escravização"
dos trabalhadores, como afirma a denúncia?
23 WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht. 11. Auflage. Berlin: Walter de Gruyter & Co., 1969,
p. 235.
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Processo penal 38
Faremos inicialmente a exposição, a análise de credibilidade e a
atribuição de peso probatório às declarações dos ofendidos. Em seguida, nos
ocuparemos da vastíssima prova testemunhal - começando pelos policiais que
efetuaram a prisão em flagrante dos réus e que, pela dinâmica dos
acontecimentos, foram os primeiros a ter contato com os ofendidos. Após a prova
testemunhal, passaremos aos interrogatórios tomados em sede policial e, logo
após, à prova documental produzida. Finalmente, será realizada a valoração
global do acervo probatório.
2. 3. 2. 2. Declarações dos ofendidos
2. 3. 2. 2. 1. Valor probatório
Em alguns sistemas jurídicos, como na Alemanha, o ofendido
presta declarações em juízo como testemunha - a Opferaussage. Assim também
é na Espanha, como explica Víctor Moreno Catena24:
En efecto, como se dice en la STC 173/1990, el testimonio de la víctima o
sujeto pasivo del delito tiene hoy día el valor de actividad probatoria de cargo,
legítima, al no existir en nuestro proceso penal el sistema legal o tasado en la
valoración de la prueba y, por consiguiente, no se produce la exclusión del
testimonio único aun procediendo de aquélla; en tanto no aparezcan razones
objetivas que lleven a invalidar las afirmaciones de la víctima o susciten en el
24 MORENO CATENA, Víctor; Cortéz Domínguez. Derecho procesal penal. 3. ed. Valencia:
Tirant lo Blanch, 2008, p. 391.
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Processo penal 39
Tribunal una duda que le impida formar su convicción al respecto.
Así pues, el problema esencial, desaparecida en el proceso penal la prueba
tasada, es precisamente el de la valoración de estos testimonios, de modo que
habrá de ponderarse la condición de ofendido, y singularmente su credibilidad
en razón de sus relaciones con el acusado, cuidando que no se haya viciado la
declaración con móviles de resentimiento o enemistad; su verosimilitud,
procurando corroborar la existencia del delito con otros medios de prueba, y la
persistencia en la incriminación (SSTS de 17 febrero 2003; 9 noviembre y 10
febrero 2000; de 24 enero 1997 y de 20 noviembre 1996).
Essa não é a regra nem a solução mais acertada, segundo
Tornaghi25,
Que o ofendido não deve ser equiparado às testemunhas já ensinava o Direito
romano: “Ninguém é considerado testemunha idônea em causa própria” –
Nullus idoneus testis in re sua intelligitur (10, D., 22,5). E ia mais longe,
entendendo não se dever ouvir as testemunhas do círculo do ofendido e que
ele apresentasse: Testes eos quos accusator de domo produxerit... (Paulo,
Sentenças, V. 15,1).
O ofendido era parte e cumpria-lhe provar; o que ele dizia era tido como
simples alegação e não como meio de prova.
De fato, as condições de ofendido e de testemunha não se
confundem. Embora os integrantes dos dois grupos deponham sobre percepções
25 TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. Volume IV. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 1978, p. 58.
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Processo penal 40
sensoriais relativas aos fatos históricos que compõem o elemento objetivo da
pretensão processual – à exceção das testemunhas de caráter –, a vítima se
presume com interesse direto no desfecho da apuração, ao passo que a
testemunha contribui de um ponto neutro (salvo indicação em contrário); daí seu
caráter subsidiário: só pode ser testemunha quem não desempenha outro papel
no processo. Eis o porquê da sujeição de cada qual a regime jurídico peculiar. E
eis o porquê da necessidade de discutir a diferença do peso probatório entre uns
e outros.
Como diz José Frederico Marques26, "nos crimes sexuais e em
todos os delitos que se praticam clandestinamente (qui clam comittit solent),
grande é o valor probante das declarações do ofendido". Isso não implica assumir
a palavra da vítima como prova cabal e definitiva da veracidade de suas
alegações, mas apenas conceder-lhe peso probatório razoável no contexto das
demais provas.
De acordo com posição firmada há muitos anos pelo STF, “nos
crimes sexuais, a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos de
certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à
autoria e às circunstâncias do crime” (Inq 2.563, Tribunal Pleno, DJe-096
27.05.2010. Na mesma linha: STF – HC 102.473, T2, DJE 29.04.2011; HC
26 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, vol. II. Rev. e at. por
Eduardo Reale Ferrari e Guilherme Madeira Dezem. 3. at. Campinas: Millennium, 2009.
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Processo penal 41
95.701-3/SP, T1, DJE 06.08.2009; HC 95.540-1/RS, T1, DJe-025 05-02-2009).
Daí que, embora – à semelhança da delação de corréu ou de elementos
informativos colhidos na fase investigatória, e não reproduzidos no curso do
processo judicial – a palavra da vítima não seja capaz por si só de fundar a
convicção judicial, pode vir a adquirir significativo valor probatório, caso plausível
e persuasiva, o qual, acrescido e respaldado por outros elementos de prova,
tornar-se-á suficiente para justificar uma condenação. Assim:
Nos crimes contra os costumes, o depoimento da vítima ganha relevo,
considerando tratar-se de fatos praticados sem a presença de terceiros. No
caso, a condenação não se deteve ao depoimento da vítima, mas buscou a
conjugação de suas declarações com depoimentos colhidos em Juízo sob o
crivo do contraditório.
(STF: HC 109390, T2, DJe-198 DIVULG 08-10-2012 PUBLIC 09-10-2012)
A lógica que permeia essa construção jurisprudencial deve
generalizar-se e estender-se às demais constelações factuais em que, como no
presente processo, por sua própria dinâmica, as condutas sejam levadas a efeito
clandestinamente ou com supressão parcial de sua exposição pública, quer pelo
acobertamento de terceiros, quer pela anuência (forçada ou não) do sujeito
passivo.
Lançados os parâmetros, a cada uma das declarações dos
ofendidos – desde que verossímeis, coerentes e persuasivas – será conferido o
valor de prova indiciária.
2. 3. 2. 2. 2. Davi Pereira Ferreira
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Processo penal 42
Ao ser inquirido em sede policial, Davi Pereira Ferreira
inicialmente procurou exonerar os ora réus da responsabilidade. Em certo ponto,
mudou de ideia e começou a narrar a mesma versão apresentada pelas outras
supostas vítimas. Justificou o haver mentido por não querer prejudicar o capataz
da fazenda, o réu “Robertinho”, que cuidaria do pai do Davi, dando-lhe comida e
remédios em troca de receber o dinheiro do benefício previdenciário do idoso.
Contou, então, haver trabalhado durante oito anos para “Paulinho Girão”
recebendo apenas alimentação, sem salário algum. Não podia sair do quarto
onde dormia sem autorização de “Robertinho” e seus documentos pessoais foram
retidos por “Paulinho” (fls. 23/5 – Comunicação de Prisão em Flagrante).
Ouvido na audiência de instrução, sob o crivo do contraditório –
robustecido pelo sistema de inquirição direta e cruzada –, o ofendido ratificou
essa versão em narrativa extensa e profusamente detalhada, como se pode ver
da transcrição a seguir:
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você sabe ler e escrever?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Mais ou menos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você escreve seu nome?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Escrevo. Fiz até a terceira série.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Escreve normalmente ou em dificuldade?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tenho dificuldade.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vamos tentar reconstruir a história dos
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Processo penal 43
fatos. Desde que você conheceu o Sr. Paulo Girão, o Sr. Marcelo e o Sr.
Roberto - o Paulinho, o Sr. Marcelo e o Sr. Robertinho. Como você conheceu
eles?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Foi assim, eu arrumei o serviço com e ele. Aí ele
começou me pagando uma semana. Me pagou uma ou duas semanas, mas
depois parou de pagar. Me prendeu na casa dele. Falou assim: você não
precisa de dinheiro porque bobo não precisa de dinheiro. Quem precisa de
dinheiro é esperto. Aí me prendeu lá e me deixou lá bastante dias. Aí pra
enganar a turma lá de dentro ele botou a gente na casa de Jadir, num
quartinho no Beco do Jadir. De lá a gente trabalhava pra ele, saía às 4, 5 horas
da manhã e vinha às 5, 5 e meia porque ia pra fazenda, cortar capim, tratar de
boi, essas coisas assim. Pra turma lá a gente era solto na rua, ganhava
dinheiro, mas não ganhava nada. Chegava de noite Robertinho garrava
trancava a gente. Nós não tinha direito de ver nossa família, não tinha direito
de nada. Minha mãe já foi lá duas vezes, nessa fazenda, na casa dele e falou
que eu não estava lá. Minha mãe achou que eu estava morto. Deve ter
morrido, sumiu, tá pra casa de alguém. Ele falava que nós não morava lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas como você conheceu o Paulinho, o
Robertinho, foi através de quem?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Conheci o Paulinho através de Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você morava perto do Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu morava no outro beco, pertinho do Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas você morava nesse beco do Jadir?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, no outro local, no beco do Cimá. Eu panhei
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Processo penal 44
20 reais emprestado porque tinha que pagar uma conta, um espelho da mulher
que eu quebrei. Ele me emprestou o dinheiro. Só que pensei que ele ia
descontar, ia me pagar para descontar no final de semana. É ruim, não me deu
nem um centavo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas o que aconteceu pra você entrar nesse
trabalho? Foi por causa dessa dívida?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É, foi por causa dessa dívida.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas como ele chegou pra você e falou?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Falou assim: eu falei Seu Paulinho, final de
semana o senhor desconta. Aí ele falou assim: pode deixar que eu vou
descontar. Aí chegou no final de semana ele me prendeu dentro da casa. Falou
assim: "Não foi aquilo que eu falei. Bobo não precisa de dinheiro, quem precisa
de dinheiro é esperto".
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você começou a trabalhar com ele junto
com Romário e Davi? Quem começou antes?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, eu comecei antes. Já tenho 12 anos com
ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você morava em São Fidélis?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Morava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você começou a trabalhar no sítio Canto da
Serra?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, comecei a trabalhar na Usina, junto com ele.
Ele recebia na Usina e não pagava a gente. E tipo empreiteiro e tem essa
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Processo penal 45
fazendinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhou na Usina quantos anos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na Usina nós era (...) ele era empreiteiro da
Usina e nós era empregado dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhou no sítio também?
DAVI PEREIRA FERREIRA: No sítio eu trabalhei. Trabalhava semana no sítio,
dia de domingo. Trabalhava cá e lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando é que começou esse
distanciamento? Você falou que à noite vocês ficavam no beco do Jadir, não
tinham contato mais com a família, quando começou esse distanciamento?
Logo no início?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O distanciamento foi uma semana. Logo que
entrei. Falou: “oh Davi, daqui você não sai. Você vai ficar igual aos outros”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas isso foi quando, logo no início?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Foi em uma semana.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A sua família é de São Fidélis?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você morava com sua família?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu morava com minha mãe. Como não tinha
serviço em São Fidélis, fui pra Pureza, para arrumar trabalho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que você não continuou morando com
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sua mãe, mesmo trabalhando para eles?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Foi o seguinte, ele começou pagando uma
semana, ou duas, não me lembro direito, mas depois ele me prendeu na casa
dele. Não me deixou sair mais. Meus irmãos e minha mãe chegaram me
procurar lá; eles não deixaram entrar. Falou que eu não morava mais lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que você aceitou esse trabalho,
quando ele falou você não poderia mais sair?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Mas como é que sai? Como é que sai? Ele não
deixou, trancou o portão. Não podia pular não. Eu já cheguei a fugir duas
vezes, mas ele foi atrás de mim de égua, até em Cambuci; mas só que não
conseguiu me encontrar. Mas aí passou uns dias garraram e me acharam no
meio da rua e me levaram de volta outra vez.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Levaram de volta pra onde, pro beco do
Jadir ou pra fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Pra fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você ficava preso na fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sendo vigiado. Não podia passar da porteira, não
podia coisa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era uma vigilância ostensiva?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era uma vigilância assim... chegou um certo
ponto que ele conseguiu botar um pra vigiar o outro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como assim?
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Processo penal 47
DAVI PEREIRA FERREIRA: É... por exemplo, ele falou assim, você vigia
fulano, vigia ciclano.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você mesmo vigiar os outros ou ele
colocava outras pessoas pra vigiar?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Eu vigiava um, um me vigiava. Se eu fosse
assim, ir mijar, urinar, Marcelo, filho dele, estava perto ou Romarinho via e
falava. Ele chegou em certo ponto que botou nós com medo, pra poder vigiar
um ao outro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E seus documentos pessoais?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tá aqui comigo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles chegaram a reter seus documentos
pessoais?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Chegaram. Apanharam meus documentos. Ele
chegou a me levar até a Pádua pra tirar um carro, mas só que tem que não
conseguiu. Ele comprou na loja lá uma geladeira e uma máquina de lavar pra
esposa dele, mas só que tem que meu documento sujou, meu CPF, aí não deu
pra conseguir tirar o Fiesta. Ia ser comprado. Ia comprar no meu nome. Eu não
sei pra que ele ia comprar aquilo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Comprar em seu nome o veículo?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Huhum.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas ele reteve seus documentos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Reteve.
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Processo penal 48
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas, por quanto tempo?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Bastante tempo. Uns oito a dez anos. Logo assim
que a Defensoria Pública e o Ministério do Trabalho, quando foram procurar a
gente, que ele botou a gente pra esconder, aí a Dona Sueli Barbosa não
conseguiu achar nós lá, na época, aí ele se sentiu imprensado e entregou os
documentos. Ele ficou comigo
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quais os documentos que ele ficou?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Identidade, CPF, Título de eleitor, Carteira de
Trabalho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando você começou a trabalhar houve
alguma exigência com relação ao trabalho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Teve muitas.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quais foram?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ah, tinha que trabalhar e às vezes a gente não
tirava o tanto que ele queria, aí a gente passava da hora. Ele achava ruim. A
gente cortava cana dia de domingo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha uma meta que ele estipulava para
cada dia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É, ele falava assim ó; se tirasse quatro ou cinco
caminhões de cana num dia, ele queria que tirasse seis, tirasse sete. Cada dia
que passava ele queria mais.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Qual o horário de vocês?
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Processo penal 49
DAVI PEREIRA FERREIRA: O horário de trabalho lá era o seguinte, quando a
gente tirava rápido, aí nós largava a roça às 3 horas. Aí depois a gente ia pra
fazenda trabalhar. aí trabalhava até às 6 horas. Nós acordava 5 e meia da
manhã.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem acordava vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Robertinho que acordava nós lá. Ele era que
trancava a porta.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha despertador?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Despertador não. Tinha um reloginho que ele me
deu. Robertinho me deu um reloginho quebrado pra mim ver a hora.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele acordava vocês 5 e meia e vocês se
alimentavam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, só tomava o café que ele dava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem dava o café?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tomavam café onde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na casa do Robertinho. A casa do Robertinho é
em frente ao beco. Ele colocou uma porta alta, trancou e botou um cachorro.
Ali ele trancava a porta.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês dormiam trancados, trancafiados?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Trancados.
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Processo penal 50
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E tinha janela?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha não. A janela Paulinho mandou fechar.
Pregar com uns paus. Tinha duas janelas, mas aí ele mandou pregar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês moravam em um quarto?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Num quarto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era um quarto e um banheiro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era um quarto e um banheiro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E como eram as condições de higiene do
local?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Bastante ruim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê? O que tinha?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Rato. Tinha uma porrada de troço. Rato, barata.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a limpeza do local? O quarto, o banheiro,
tinha limpeza ou não?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Nós é que fazia tudo adoidado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o cheiro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Insuportável
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O cheiro que você sentia era do quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era de falta de higiene.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha vaso sanitário?
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Processo penal 51
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vaso, mas não tinha descarga.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Onde vocês faziam suas necessidades
fisiológicas?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha um vaso, mas não tinha descarga. Tinha
que jogar água.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a instalação elétrica, funcionava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, nós que fizemos um gato lá. O Cirlei, esse
que tá passando mal, tá internado, ele que fez o gato lá pra nós.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era improvisada a instalação?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha local para tomar banho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Local tinha esse banheiro. Um canozinho caindo,
tipo uma borracha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha chuveiro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não tinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E fogão e geladeira?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Fogão e geladeira nós não tinha não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como vocês faziam pra comer à noite?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É assim, Paulinho pagava Robertinho, tirava
dinheiro e dividia no meio. Aí nenhum dos dois pagava nós. Era meio a meio.
Se ele tirasse dez mil durante uma quinzena, era cinco mil de Robertinho e
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Processo penal 52
cinco mil dele. Se tirasse mil, era quinhentos de Robertinho e quinhentos dele.
Aí ali estava incluído nossa pensão. Ele falava que era nossa pensão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você falou que no início eles te pagavam
um valor, quanto é que era?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Acho que era 30 reais na época. Foi 30, sim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tinha prestado um depoimento lá na
Delegacia, não sei se você se lembra, já tem um tempo, foi no início do ano,
em abril, você tinha dito que paga 60 reais por mês pela moradia e paga
também 50 reais pela comida e 30 reais pela lavagem de roupa, mas os
valores já vêm descontados no pagamento. Geralmente sobra somente 50
reais por semana. Em algumas semanas nem sobra dinheiro.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Foi isso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quantas pessoas moravam na casa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Um que morava lá passou mal e morreu; Aldenir.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas quem era essa pessoa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele trabalhava lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Trabalhava junto com vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Morava onde nós morava, lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Na época que a polícia foi lá ele já tinha
morrido?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Já.
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Processo penal 53
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele morreu por quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Rapaz, ele morreu foi problema pulmonar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Fumava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Fumava cigarro e nós dormia na época no chão,
lá na casa de Paulinho tinha um quatro, não sei se vocês foram lá e viram, no
quarto ali nós fica trancado. Aí nós dormia tudo embolado, era cinco, seis
homem deitado assim no chão, trancado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era no beco do Jadir ou em outro local?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, era na casa dele, do lado da casa dele
assim. Por dentro tinha um portãozinho. O barraco era assim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele morava na casa do Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, na casa de Paulinho, na época.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Paulinho morava perto desse beco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, bem distante.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era perto da fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, distante também.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era um outro local, mas era São Fidélis?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, era Angelim, na Usina Pureza.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você já trabalhava pra ele, então antes de
começar a morar nesse beco?
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SENTENÇA
Processo penal 54
DAVI PEREIRA FERREIRA: É, justamente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhava junto com outras pessoas
e ficava num outro local?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Falaram que era um balcão antigamente, mas
chegaram lá e não acharam um balcão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês dormiam e pernoitavam no próprio
local de trabalho, era isso?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, tinha vez, quando o Ministério Público ia lá
na roça, pra procurar nós, a gente dormia lá na fazenda. Escondido lá. Aí
Robertinho dormia com nós lá, vigiando nós.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Em relação à casa, era tudo fechado, tinha
janela ou era fechada?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Onde? Do beco?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Do Beco do Jadir.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era tudo fechado. Tinha só a porta. Lacrou a
janela.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E como vocês respiravam ali?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Respirava trancado, porque nós ficava lá dentro
trancado. Não podia sair. Chegou do serviço, tomou banho, trancava e ficava
quieto lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O teto, ele era aberto, como era?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era de telha Eternit.
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SENTENÇA
Processo penal 55
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha buracos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vazamentos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando chovia, caía goteira?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Caía.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Dentro da casa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Dentro da casa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E como vocês faziam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que nós embolava um perto do outro
ou dormia sentado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eram quantas pessoas que moravam
dentro? Que ficavam na casa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Lá era eu... Na casa de Jadir era eu e o “JIPE”,
Cirlei e o Roberto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eram quantas pessoas no total?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nós lá no Beco do Jadir era três e lá na Fazenda
era o Romário e o “SAPO”. Mas “SAPO” saiu fora, que é o Marquinho, que foi
contra nós ter denunciado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não sei por quê.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele trabalhava nas mesmas condições que
vocês? Recebia alguma coisa.
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Processo penal 56
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não recebia nada também não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Romário morava na casa do Paulo
Girão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Morava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que ele morava diferente de vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque ele ficava mais na casa de Paulinho. Aí
ele não morava com nós.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas o trato com ele era diferente?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, nunca recebeu nada também não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que ele não morava no beco, morava
lá na casa de Paulinho, você sabe?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, não sei por quê, não. Paulinho chegou a
botar ele lá, mas ele não quis ficar lá mais.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele morava junto com os familiares do
Paulinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele tinha uma convivência com o Paulinho. Por
exemplo, Paulinho levava ele pra igreja. Mas só que tem que ele chegou a fugir
uma vez e Paulinho não deixou. Foi apanhar ele em Cambuci, também. Nós
chegamos cada um a fugir, mas Paulinho ia e apanhava a gente. E quando
apanhava era pra apanhar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Havia ventilação nessa casa que você
estava?
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Processo penal 57
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ventilação nenhuma.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês dormiam aonde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu não tinha cama pra dormir, dormia no chão,
num colchonete.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Isso no início? No início como que era
quando vocês chegaram nesse quarto?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não tinha cama, não tinha nada não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês dormiam aonde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: No chão mesmo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando o policial foi lá constatou que tinha
duas camas e um colchão.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Depois quando nós estávamos na casa de
Paulinho tinha duas camas, não, na casa de Paulinho não tinha cama não.
Depois que viemos pra cá o Jadir que trabalhava na lixeira, no caminhão do
lixo, arrumou essas camas pra gente. Aí nos botamos lá. E um colchão. O
colchão eu dormia no colchão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Demorou quanto tempo pra ter essa cama?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Demorei mais ou menos uns seis anos pra ter
essa cama.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês ficavam dormindo aonde, tinha
colchão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha colchão, colchonete.
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Processo penal 58
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Os três dormiam em colchonete?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Os três dormiam.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: No início quando vocês entraram já tinha
colchonete?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Já.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Dormia no colchonete, depois conseguiram
essas camas?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Huhum.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O colchão foi de quem?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O colchão é da lixeira também que Jadir levava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como você sabe?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É porque eu ganhava; Jadir que me deu. Jadir
levava lá. O beco era dele. Ele garrava tudo que ganhasse lá; assim uma
cama, um colchão, e levava pra gente, uma mesa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a chave da casa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ficava com Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E do beco? No beco também tinha uma
porta?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Do beco ficava com Robertinho, que trancava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E da casa onde vocês estavam, tinha
chave?
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Processo penal 59
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha chave, trancava e ficava com Marquinho, o
““SAPO””.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas o “SAPO” morava lá na casa do seu
Paulinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Isso, quando nós moramos lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E para vocês entrarem lá na casa à noite,
como vocês faziam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Pra entrar lá na casa no beco? Quando chegava
lá de noite?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E vocês levavam a chave?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, ele garrava, abria, a gente tomava o banho,
jantava. Ele garrava e fechava, pro lado de seis horas, sete horas.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem fechava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a chave ficava com quem?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Com Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês pagavam aluguel?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ó, Paulinho sempre falou que nós trabalhava e o
dinheiro que tinha que pagar nós era do aluguel. E nós não tinha mais dinheiro
sem ser o aluguel. Mas aluguel de R$60,00, para três pessoas e você
trabalhando a semana toda.
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Processo penal 60
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você recebia quanto?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu nem sei o valor que eu recebia, não. Porque o
dia lá, o dia lá é o seguinte: trabalhando na usina de carteira assinada era vinte
e poucos reais e trabalho clandestino era cinquenta, sessenta, tinha vez que
tirava oitenta, porque o trabalho era a metro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas você trabalhava pro Paulinho na usina
ou era para alguém?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Pra Paulinho mesmo. O encarregado era
Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E ele pagava sessenta reais por dia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele passava nada não. Ele chegava lá media lá,
Robertinho media, falava o valor que nós tirava, e falava: “ó, vocês tiraram
tanto, tiraram tanto cada um”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas e o custo, por exemplo, do transporte,
da alimentação, o custo do aluguel. Quem, pagava isso? Vocês pagavam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nós pagava com nosso trabalho, porque nós não
recebia nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Todo o salário que vocês recebiam era
vertido para isso ou sobrava alguma coisa pra vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nunca sobrou nada. Nunca ganhei um centavo.
Só pacote de fumo e cachaça.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele dava cigarro e bebida?
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Processo penal 61
DAVI PEREIRA FERREIRA: É, cigarro e bebida alcóolica, cachaça.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem dava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês antes de trabalharem com eles,
vocês já bebiam, tinham algum vício?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu já cheguei a beber, mas depois que eu fui pra
lá, eu passei a beber mais ainda. Porque a única coisa que a gente podia se
alegrar era com a cachaça. Beber cachaça. Ele levava cachaça na roça pra
gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem levava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele bebia também?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, Paulo nunca bebeu, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Marcelo e o Robertinho bebiam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Robertinho bebia, o Marcelo não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E pra vocês se alimentarem, como vocês
faziam? Você falou que tomava café. E o almoço e a janta?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que Robertinho comprava pelanca e
nós fazia lá embaixo e comia com angu, essas coisas. Mas durante o tempo
que 'coisa' eles levavam janta pra gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Aonde vocês comiam?
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SENTENÇA
Processo penal 62
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na casa de Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Lá no beco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Lá no beco. A comida quem dava era Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem preparava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: A esposa dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele comia também essa comida?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, não comia a comida que a gente comia,
não. Comia diferente. Às vezes a gente comia um salame e ele comia um bife.
Não comia igual a ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A comida de vocês era diferente da dele?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O feijão era diferente. Era separado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Qual era a diferença da comida?
DAVI PEREIRA FERREIRA: A diferença é que era melhor. Quando a gente
trabalhava na roça, eu comia o resto da comida dele. Ele me dava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o almoço? Vocês comiam aonde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: No Robertinho também.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era servido aonde, na Fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Quando a gente estava trabalhando na fazenda,
era na fazenda. Quando a gente estava trabalhando clandestino ou de
empreitada na roça, era na roça.
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Processo penal 63
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas quem servia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Levava na vasilha. Cada um levava seu
marmitex.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem preparava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: A esposa de Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E as comidas eram as mesmas?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não eram as mesmas, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A do Robertinho era igual?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não era igual, era tudo diferente. Se a gente
comesse um pé de galinha, ele comia uma coxa. Era diferente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Em relação à água vocês tinham sede?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha sede. Era trabalho no corte de cana,
exposto ao sol durante o dia. Ele mandava apanhar água no valão. Aí
Romarinho pegava a água no valão pra gente beber. Não tinha água gelada,
não tinha nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas na fazenda tinha copa, uma cozinha
que Paulinho bebia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na fazenda tinha uma geladeira. Tinha uma
geladeira grande lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E vocês bebiam água da geladeira?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Quando nós estava na fazenda bebia.
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Processo penal 64
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A água era limpa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: A água era de poço artesanato (sic).
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles bebiam a mesma água que vocês, o
Paulinho, o Marcelo e o Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Bebiam. Era um poço que ele fez lá. Bebiam.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Comparando a casa do Roberto - você falou
que ele mora no mesmo beco que vocês - comparando as duas casas havia
diferença da casa do Robertinho pra casa de vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nenhuma. Também é casa bagunçada. As telha
ruim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele morava o quê, era um quarto e sala?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Acho que era cinco quartos com o banheiro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Só na casa dele no beco ali?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É, só na casa de Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você falou que era bagunçada, mas a
condição de higiene era a mesma?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Era diferente. Ele morava com a mulher e a
mulher dava higiene na casa dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E as janelas eram abertas ou fechadas?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Janelas abertas.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eram diferentes?
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SENTENÇA
Processo penal 65
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era muito diferente. Nós não tinha janela no
quarto nosso, só a porta. Às vezes, quando a gente chegava lá, só tinha tempo
de jantar, trancar e ir deitar. Ele falava: “tô cansado, vou fechar isso aí de uma
vez”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem eram os proprietários dessas
casas?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É Jadir. Depois Jadir parou de coisa e passou pra
Neuza, a filha dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Jadir sabia dessa condição de vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não sei, porque ele não falava nada. Nem nós
podia tocar com ele que nós era assim vigiado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essas casas foram demolidas em julho,
mês passado, você soube?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, soube não
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Sabe por que teriam demolido essas casas
desse beco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque se entrasse alguma pessoa lá, algum
fiscal entrasse lá e visse aquilo, tudo rachando.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Paulinho residia perto desse beco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Distância? Não leva dois minutos. É perto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E ele comparecia lá?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Comparecia pra ver se tinha alguma bagunça. Ele
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Processo penal 66
mandava olhar a gente, pagava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você já falou que fugiu em algumas
oportunidades.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Fugi. Fugi uma vez e ele me apanhou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tinha medo deles?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha, rapaz; e como tinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque ele falou uma vez comigo: “ó, aquele que
sair daqui e for denunciar...”. Ele queria matar nós, ué.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele ameaçava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ameaçou várias vezes.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como era a ameaça?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Assim, falou que ia matar nós, que ia jogar no rio
o outro. Matar e enterrar com máquina.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele tinha arma de fogo?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não cheguei a ver com ele, não. Se tivesse era
bem escondido.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles tinham algum instrumento?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Pra vigiar nós? Vigiava com um pedaço de pau e
um facão na mão e uma foice.
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Processo penal 67
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas como era essa vigilância? Ela era
permanente?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Lá eles ficavam com o cavalo em cima.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Isso durante o trabalho na fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na fazenda e lá na roça também, na Usina
Pureza.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas como era essa vigilância?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Se você ia furando a carreira, ele ia atrás de
você, cortando atrás.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem fazia essa vigilância?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Quando não era Marcelo, o filho dele, era
Robertinho. Quando o Paulinho estava aguentando montar cavalo, ele também
ficava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Marcelo e o Roberto faziam, e o
Paulinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho tinha vez que ia também e ficava no
cavalo. Logo assim que ele começou caindo do cavalo, começou dando
tonteira, que ele tem problema de diabetes, ele parou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Chegou a manifestar o desejo de largar o
trabalho? Deixar aquele local?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Quem? Eu? eu já. Mas não deixavam. Toda vez
que eu ia saindo da porteira, eles me pegavam de volta. Até me amarrar eles
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Processo penal 68
me amarraram, meu filho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que foi?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Mandou o Robertinho me amarrar lá. Fiquei todo
amarrado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas amarrado aonde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Amarrado assim num pedaço de pau. Com pé,
braço.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Isso na fazenda ou lá no beco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que eles te amarraram?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque eu queria vir embora e eles não
deixavam. Aí tornei a desamarrar a corda que eles amarraram mal amarrada,
aí eles amarraram forte.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles amarraram você, chegaram amarrar os
outros?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, os outros não. Só eu que eu queria ir
embora de qualquer maneira.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quais as atividades que vocês faziam na
usina e no sítio canto da serra?
DAVI PEREIRA FERREIRA: A atividade que nós fazia é roçar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Roçar é o quê?
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SENTENÇA
Processo penal 69
DAVI PEREIRA FERREIRA: Roçar é pegar uma foice e sair roçando os matos,
esses matos ruim que mata pasto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O que mais?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Cortava cana e capinava. E aos domingos nós ia
lá varrer, capinar o quintal.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O trabalho era o mesmo, no sítio e na
usina?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era a mesma coisa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você conhece os domos ou representantes
da empresa Teia Participações?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Conheço só Isaías.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que você conheceu ele?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Conheci ele lá no serviço mesmo, a gente
capinando lá; ele é muito amigo de Paulinho. Aí a gente trabalhava lá, aí ele
passava de caminhonete, mexia com a gente. Aí passei a conhecer ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas quem fiscalizava o trabalho de vocês
era o Isaías ou o Paulinho e Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho e Robertinho fiscalizava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E esse Isaías, ficava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Isaías era praticamente o sócio da usina, ele não
ficava ali não, de vez em quando parecia lá.
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SENTENÇA
Processo penal 70
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele sabia que o dinheiro não era pago pra
vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Devia de saber não, porque quem recebia era
Paulinho. Com certeza... pensa assim: “ah, não; deve tá recebendo”. E nós não
apanhava o dinheiro. Quem apanhava era Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você sabia que sua carteira tinha sido
assinada como empregado da empresa Teia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sabia. Inclusive meus dinheiro, esse negócio todo
foi recebido na mão de Paulinho e não me deu nada até hoje.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: As verbas trabalhistas, décimo terceiro,
férias proporcionais?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tudo ele apanhou. Eu vim com ele e ele apanhou
tudo. Chegou no meio do caminho ele pediu o dinheiro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Pediu o dinheiro que você fala...
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tiraram à força.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas eles chegaram a te dar alguma coisa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Me deram nada, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Cirlei consta também como empregado
da Teia na carteira de trabalho.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Consta, foi só nós dois que foi assinada a carteira
na época.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas e o Romário e o Roberto?
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SENTENÇA
Processo penal 71
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele não tinha documento.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas eles chegaram a trabalhar na usina?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Chegaram a trabalhar, mas não de carteira
assinada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas eles iam com vocês trabalhar, fazer as
mesmas.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era a mesma coisa, mesma função.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas eles não tiveram a carteira assinada
por quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque eles não tinham o documento todo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essa conversa pra trabalhar na usina partiu
de quem? Por que você começou a trabalhar no sítio ou não, como é que foi?
Ou começou a trabalhar nos dois juntos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nos dois juntos. Eu comecei a trabalhar na usina
com Paulinho, na usina e na fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quais os dias você trabalhava em um e
quais os dias você trabalhava em outro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que ficava assim: quando Paulinho tava
com o pasto sujo a gente ficava seis meses, quatro meses trabalhando pra ele
no pasto. Às vezes ia pra usina. Quando ele zangava com o homem lá nós ia
pra trabalhar pra ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O que eu quero saber é assim: segunda
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SENTENÇA
Processo penal 72
você trabalhava... de segunda a sexta-feira, como é que era?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Segunda a sexta. Às vezes era de segunda a
sábado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhava sábado e domingo?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sábado e domingo eu trabalhava com Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Aonde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E segunda a sexta também na fazenda ou
na usina?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Segunda a sexta ele trabalhava na usina, porque
ele era empreiteiro da usina. Sempre foi empreiteiro da usina.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas tinha dia certo. Tais dias... de segunda
a quarta ou quinta a sexta, sábado e domingo? Quais dias que você trabalhava
num e quais dias você trabalhava noutro.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Praticamente quase tudo, né? Quase todos os
dias
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhava todos os dias ou tinha dias
de descanso?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Todos os dias, rapaz. Até dia de domingo eu
trabalhava. Não tinha férias, nada. Semana Santa, não tinha nada não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhava de domingo a domingo?
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SENTENÇA
Processo penal 73
DAVI PEREIRA FERREIRA: Domingo a domingo. Até Natal já trabalhei pra
Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha dias certos na semana ou não,
variava, dia tal você vai pra usina outro dia você vai pra fazenda, ou como é
que era, tinha algum esquema, alguma organização assim de trabalho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, o dia que ele quisesse que trabalhasse pra
ele falava lá com o fiscal da usina. Falava: “ó, hoje eu não vou não, eles vão
trabalhar pra mim lá”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então não era certo, você trabalhar tal dia
na fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E intervalo pra almoço? Você falou que
almoçava, né?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Almoçava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha intervalo de descanso durante o
trabalho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que quando Paulinho chegava, a gente
levantava com medo dele pegar. Era 25 minutos; 15, tinha vez que ele
mandava dar só 15 minutos. Às vezes não mandava dar nada. Ele que
mandava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem dava as ordens lá?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho.
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Processo penal 74
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Marcelo e o Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Marcelo e Robertinho... Robertinho era só o
encarregado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas ele dava ordens?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Robertinho também dava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quais eram as ordens que cada um dava?
O Paulinho e o Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Mandava a gente trabalhar, meter o pau, senão ia
passar da tarde. Ia trabalhar até de noite.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Teve dia que você teve que trabalhar até
tarde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Teve dia de eu trabalhar até 10 horas da noite.
Eu, Romário, “JIPE”. Todo mundo é, “JIPE”, Romário, Cirlei e Roberto. Nós não
fizemos o tanto que ele queria de dinheiro, aí ele botou a gente pra trabalhar na
fazenda tirando esterco até 10 horas da noite. E ele em cima.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tirando o quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Esterco de boi.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E qual o horário que vocês normalmente
trabalhavam diariamente? Qual a jornada diária de trabalho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que nós trabalhava das... pegava às 6
horas e ia até às 3, porque rendia o serviço. Quando o serviço não rendia, nós
ia até às cinco, cinco e meia, seis.
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SENTENÇA
Processo penal 75
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem falava se rendia ou não?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho, Robertinho. Porque os caminhão ia
pesar lá no alambique; o Gutinho Moreth ia pesar e vinha com o peso. Aí dali
multiplicava o dinheiro, via que rendeu o serviço, o dinheiro foi bom, aí
mandava parar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Marcelinho, qual a atividade dele em
relação a esse esquema de trabalho de vocês? Ele teve alguma participação, o
que ele fazia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele trabalhava tirando leite para o pai dele, junto
com outro campeiro lá. E quando Robertinho às vezes não trabalhar porque ele
ficava cansado, aí Marcelo ia e ficava vigiando nós. Ou tinha que sair. Mas
sobre dinheiro, não sei se ficava com ele. O pai dele devia de dar um salário a
ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tem algumas fotos nos autos que mostram
vocês com o filho do Marcelo, parece que é neto do Paulo César, chamado
Ruan, você conhece?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Conheço, conheço.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que era esse relacionamento de
vocês com os familiares da família do Ruan?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ruan, Ruan era bom com a gente pra caramba.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tinham contato com o filho dele,
como é que era?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha, tinha. Ele levava ele na fazenda lá aí ele
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SENTENÇA
Processo penal 76
ficava brincando com nós lá, de bola.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Havia então a liberdade de vocês ficarem
junto com os filhos. Tem aqui algumas fotos, por exemplo, aqui às fls. 3 e
seguintes do apenso 1, conta algumas fotos. Aqui parece que é uma festa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É. Mas nessa época, nessa parte aí eu não tô
não. Aqui é o Cirlei, Marquinho, o que morreu, o Valdemir e Roberto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você participava dessas festas? Aqui
parece que é um aniversário do filho dele.
DAVI PEREIRA FERREIRA: É, o filho dele convidava a gente, aí ele levava a
gente lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Isso era feito aonde, na própria fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na casa dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que ficava perto do beco do Jadir?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E aqui, é no sítio?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, é na casa dele também. Isso aí é na casa
dele também. Todo aniversário era na casa dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E esses aqui quem são?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Esse aqui é o Marquinho e esse aqui o
Romarinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E esse aqui... o Marquinho foi contra....
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Processo penal 77
DAVI PEREIRA FERREIRA: Contra nós e a favor de Paulinho. Esse aí é o
Romário, o Romarinho, na porta da casa dele, que ele pedia pra sair com
Ruan.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Sair pra onde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sair pra negócio de cavalgada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele tinha liberdade pra sair?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha. Às vezes tinha, às vezes não. Porque o
menino... o menino eu gostava muito dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês faziam essas cavalgadas também?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, eu não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que não?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele não deixava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Romarinho tinha uma confiança maior?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha uma confiança maior.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que, você sabe?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não sei. O Romário não fugia. E nós quando saía
de lá... nós tava querendo ir embora.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que o Romário não fugia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não sei.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Romário ia à igreja...
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SENTENÇA
Processo penal 78
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ia com Paulinho, junto com Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Em relação ao Romário havia uma
liberdade maior. Então você Cirlei e o Roberto não havia essa liberdade e por
isso que vocês ficavam na casa do beco do Jadir?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Isso. Não tinha essa liberdade de sair. Romarinho
tinha, mas depois que Romarinho fugiu ele passou a não confiar no Romarinho
mais, entendeu?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Romarinho também depois tentou fugir?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É. Ele mandou os cara apanhar ele lá, lá em
Cambuci.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem mandou ir pegar?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que você aceitou esse trabalho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu pensava que ia ser... que ele ia pagar, ué. É
que ninguém falou nada comigo. Se falasse é ruim de eu entrar nessa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Robertinho ganhava quanto?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que Robertinho tirava mil reais por
semana.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tirava uma percentagem em relação a cada
trabalho de vocês, da produção?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque o salário de um encarregado na roça é
trezentos conto. Ele não podia ganhar mil conto, ele ganhava em cima do
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Processo penal 79
dinheiro da gente também, ué.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E pra vocês comprarem suas coisas. Pra
suas necessidades pessoais, como vocês faziam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não podia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês podiam ir ao mercado, ao
restaurante?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O mercado é assim. A Carminha é assim... aí eu
saía e Robertinho ficava me vigiando. Eu ia lá e apanhava um botijão de gás
pra ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele mandava vocês irem lá?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, só eu. Mandava eu. E ficava do portão me
vigiando pra pegar o gás lá e eu vinha embora.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E pra compra coisa pra você. Você chegou
comprar alguma coisa pra você?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, só ganhada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele cobrava algum tipo de dívida?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele falou uma vez comigo que eu só ia sair de lá
quando pagasse a dívida dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que dívida?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não falou o valor comigo, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas era dívida que ele falava de que, do
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SENTENÇA
Processo penal 80
custo, ele falava o que com você?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era dívida com outras coisas, por que custo com
nós não era não, porque nem remédio ele comprava pra nós.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando tinha um acidente na fazenda,
como vocês faziam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não ia no médico, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Chegaram a se acidentar?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Cheguei, a se cortar com o facão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem marcas, tem cicatriz?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tenho nos pés.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E sua mão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Minha mão tem aqui, aqui.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o atendimento como que era feito quando
vocês se machucavam?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nada. Era própolis. Quando ele arrumava própolis
passava própolis pra fechar, que cicatriza rápido, mas injeção, essas coisas,
nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ia pro hospital?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, nunca fomos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha equipamento de segurança, pra
proteção de vocês durante o trabalho?
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Processo penal 81
DAVI PEREIRA FERREIRA: Proteção como assim? Óculos, essas coisas?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: É. Material próprio, luva?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, não tinha não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ia na mão mesmo. Vocês trabalhavam com
o quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Facão, foice, enxada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Operavam algum aparelho, alguma
máquina?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Os acidentes eram frequentes?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Era bastante frequente, porque era muito mato,
cipó essas coisas assim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você se lembra de algum acidente que
chamou a atenção, mais grave?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Em mim o único acidente mais grave que
aconteceu comigo foi onde que eu cortei aqui... ó. Aí ficou com esse nervo
aqui... tipo que o pé da gente fica; fica tipo que tá dormente. Aí eu tenho esse
acidente até hoje. Acho que porque ofendeu o nervo e tudo que não foi no
médico. Aí tô com o pé dormente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quantas pessoas trabalhavam junto com
vocês no total, além de vocês quatro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na roça eram quatro pessoas. Mas o outro rapaz
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Processo penal 82
conseguiu sair de lá porque a filha dele foi lá apanhar ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem é?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Antônio Carlos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Paulinho e o Robertinho deixaram?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Deixaram, deixaram ele ir. Deixaram ele ir, não.
Foi o seguinte: nesse dia eu não tava lá no beco, aí garrou e Robertinho falou:
“pode apanhar”. Aí garrou a filha dele e levou ele, porque ele tava assim
passando mal.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E eles escondiam vocês, quando tinha
fiscalização na fazenda, já teve fiscalização - Oh quando tiver fiscalização,
alguém chegar, vocês se escondem?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É eles mandavam se esconder.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê? Como é que era isso?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Os outros não podiam ver nós lá na fazenda com
medo de denunciar ele. Dia de domingo chegava lá, mandava a gente se
esconder dentro de um quartinho que tinha lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que no domingo? Chegava alguém?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Aí nós estava trabalhando. Dia de domingo não é
dia de trabalhar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Chegava o quê, pessoas conhecidas dele?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Pessoas conhecidas dele.
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SENTENÇA
Processo penal 83
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Pra um churrasco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Pra ir lá apanhar uma laranja, essas coisas
assim, ver um cavalo, ver uma vaca. Aí garrava e mandava a gente se
esconder.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês participavam de churrasco com eles?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Só duas vezes que eu participei sim lá na
fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eram frequentes esses churrascos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Eram poucas vezes. E no dia que tinha
mesmo ele garrava e não deixava a gente ir lá na fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Agarrava aonde que você fala?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Quando tinha lá na fazenda churrasco, ele não
deixava a gente ir pra lá. Era muita gente e ele tinha medo da gente falar
alguma coisa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês ficavam aonde, no beco.
DAVI PEREIRA FERREIRA: No beco
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tal de Deoclemir, você conhece?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Deoclemir é “BOINHA”. Não é Aldenir, não?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Trabalhava com Marcelo.
DAVI PEREIRA FERREIRA: É cunhado de Marcelo, cunhado de Marcelo não,
ele é tio de Marcelo.
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SENTENÇA
Processo penal 84
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele trabalhava na mesma atividade de
vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, ele cortava capim, cortava cana pros boi e
tirava leite com Marcelo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas por que era diferente de vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque ele era campeiro. Nós não é campeiro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Campeiro é o quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tira leite de boi, de vaca.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele cortava cana?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Cana pra boi, é uma carreta de cana e uma
carreta de capim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O trabalho era pesado como o de vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Nunca foi.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a sofrer alguma agressão
física?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tapa no rosto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: De Robertinho e de Marcelinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho chegou a me bater até de canzil.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Canzil é o quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É um troço que bota pra amarrar a brocha do boi.
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SENTENÇA
Processo penal 85
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que foi?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Foi assim, o Cirlei fugiu lá do beco aí ele achou
que eu tinha que chegar e chamar eles. Mas eu não vi, eu tava dormindo.
Nesse dia Robertinho deu uma coça em Cirlei. Aí Cirlei garrou e fugiu. Aí eu fui
falar com Paulinho: “ó, Paulinho, eu não sou guarda cachorro, não”. Ele garrou
e falou: “rapaz o que você tá falando comigo, rapaz”; apanhou o canzil, me deu
umas três coisa na costela e pegou o canzil e me bateu aqui [MOSTRA A
CABEÇA].
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tem a marca aí?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tem.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Além do Paulinho, você recebeu agressão
física do Marcelinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Do Marcelo e do Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles batiam com o quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tapa no rosto, paulada, cordada, o que ele
tivesse na mão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas batiam quando?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Só quando falava que nós ia embora. Aí eles
achava ruim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês pensavam que essas condições de
trabalho eram regulares, essas condições a que vocês estavam submetidos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu pensei que era boa, que eu ia receber
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SENTENÇA
Processo penal 86
dinheiro, essas coisas assim. Pra mim é irregular isso aí. O sujeito trabalha e
não recebe nada não é regular.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você dormia quanto tempo? Depois que
você trabalhava, trabalhava até às 16, dependendo da quantidade da
produção?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Dormia durante a noite.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas você acabou o trabalho às 16, por
exemplo, você voltava pro beco ou ficava lá, ainda, na fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que nós ia pra fazenda, cortar um
capim, na época de tratar boi, ia cortar capim, cana, essas coisas assim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês dormiam quanto tempo?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que fechava a porta 7 horas, 8 horas a
gente dormia e 4, 4 horas Robertinho tava chamando a gente lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E “SONGUINHO”, quem é “SONGUINHO”?
DAVI PEREIRA FERREIRA: “SONGUINHO” é um rapaz que... administrador
da fazenda Meganorte.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele sabia dessas condições de vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sabia não, porque no dia eu fui lá entregar uma
intimação com o policial federal e não deixaram nem sair. Ele falou que
entregava o dinheiro na mão de Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: “SONGUINHO” era administrador da Usina
Pureza, é isso?
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SENTENÇA
Processo penal 87
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, Meganorte.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: É outra empresa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: É outra empresa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tralhavam também nessa empresa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, trabalhava de empreiteiro, a dia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era um local diferente da usina?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Diferente da usina.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então vocês trabalhavam em quantos
locais?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Trabalhamos em outra fazenda pra Paulo Russo,
mas trabalhava a dia pra Paulinho, não pra ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então não era só na usina e no sítio tinha
outros locais?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha outros locais. Ele é empreiteiro, por
exemplo, se a usina não tivesse serviço pra ele, ele garrava e arrumava serviço
em outra fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E isso era sempre através do Paulinho?
Como é que era?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, não era sempre não. Às vezes tinha serviço
pra um mês, dois meses.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele que intermediava? Quem recebia
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SENTENÇA
Processo penal 88
nesses locais?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês receberam algum valor?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não senhor, nunca recebi.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês trabalhavam juntos ou era
separados?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Trabalhava tudo junto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Um fiscalizava o outro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, aí Robertinho ficava olhando a gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você já trabalhou com corte de cana ou foi
a primeira vez?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Já trabalhei antes já. A tonelada, sozinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E lá o almoço...vocês comiam aonde, lá na
fazenda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Comia lá, na mesa lá, ué. Robertinho levava o
rango pra nós lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E telefone celular, vocês tinham? Tinha
contato pra ligar, ligar pra família?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não tinha número de telefone, não tinha nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês podiam contactar a família?
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SENTENÇA
Processo penal 89
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E na casa de seu Robertinho? Tinha
telefone?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha, tinha celular.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a usar o celular de
Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não senhor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem levava e trazia vocês do trabalho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Aonde vocês eram transportados?
DAVI PEREIRA FERREIRA: De carro era na fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era no carro dele, ele que dirigia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele que dirigia um golzinho branco.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem ia no carro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Lá eu, Cirlei, Romarinho e Roberto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E dava os quatro? Tinha mais alguém que
ia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha, o Antônio Carlos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: É o Marquinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, era o outro que a filha dele foi buscar lá.
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SENTENÇA
Processo penal 90
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele cobrava por esse transporte?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nunca me cobrou não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas falava em descontar do que vocês
teriam direito?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, nunca falou, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: As condições de higiene no local de
trabalho, como era, vocês trabalhavam exposto ao sol?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sol quente, debaixo de chuva, de sol.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Se você quisesse ir pra um local pra sair da
chuva?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não deixava, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: No termo de rescisão de contrato de
trabalho consta sua assinatura e do Cirlei. Você se recorda de ter assinado
esses termos rescisão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Concordo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem levou você pra assinar lá?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Foi Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O que foi que ele falou pra você?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Falou que ia apanhar um cheque de mil e
trezentos reais. Aí chegou no meio do caminho ele apanhou e não falou mais
nada.
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Processo penal 91
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas ele falou o quê, assina aqui?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu só assinei só.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você sabia o que estava assinando?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sabia que eu tava assinando o quê?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que era uma rescisão de contrato de
trabalho e que você teria direito a verbas trabalhistas?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, não sabia, não. Pra mim ele ia me dar o
cheque.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você sabia ler o documento, conseguiria
ler?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Ler as folhas não, só mandaram assinar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então você não sabe ler assim, pegar
aquele documento e ler?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sei não, direito não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E você tinha ciência do que você tava
assinando, sabia que tava rescindindo um contrato de trabalho com a Teia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Eu sabia que o dinheiro não ia ser pra mim. Ia ser
pra Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você assinou o quê, forçado?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele falou que ia lá levar eu lá pra assinar esse
contrato. Que ia apanhar o dinheiro meu e no meio do caminho ia me dar um
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Processo penal 92
trocado. É ruim. Deu nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E você assinou por quê, com medo?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Com medo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas já sabia que não ia receber? O
Roberto, o Marcelo e o Paulinho pediam pra você assinar documentos além
desse?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tô lembrado não. Não, mandou não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você sabe quem sacou esses valores, se
foi o próprio Paulinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não, não sei não por que o cheque Paulinho falou
que não tinha fundo.
ADVOGADO DE DEFESA: O seu pai também mora no beco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Logo adiante de onde eu ficava.
ADVOGADO DE DEFESA: Você nunca se queixou com o seu pai da situação?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ela sabia da situação.
ADVOGADO DE DEFESA: Quem prendeu o senhor nesse beco?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Foram os dois.
ADVOGADO DE DEFESA: Durante os doze anos, quanto tempo o senhor
ficou na casa de Paulinho - no cômodo em anexo - e quanto tempo ficou no
beco do Jadir?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não tenho lembrança. Fiquei mais tempo na casa
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Processo penal 93
de Paulinho.
ADVOGADO DE DEFESA: Antes de o senhor cortar canha para o Paulinho, o
senhor já tinha cortando cana para outra pessoa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Para mim mesmo e para o Roni quando
morava em Portela.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor disse que Paulinho não leva o senhor
nos churrascos porque tinha muita gente, e ele tinha medo que o senhor
relatasse a situação. É verdade?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Por que então que ele leva o senhor nos cultos na
casa dele?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele não leva no culto. Fui uma vez no aniversário.
Mas só tirava foto e saia do local.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor disse que quando o filho de Paulinho ia
na fazenda o senhor brincava de bola com ele?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Brincava.
ADVOGADO DE DEFESA: Nesse momento, o Robertinho - o capataz - não
brigava com o senhor porque estava brincando de bola durante o serviço?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Mas não ficava jogando bola direto. Só na
hora que passava perto, chutava a bola.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor compareceu em um churrasco de um
parente do Paulinho em Nova Friburgo?
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Processo penal 94
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Duas vezes.
ADVOGADO DE DEFESA: Quem levou o senhor?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho.
ADVOGADO DE DEFESA: Ele te obrigava a ir lá?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Ia lá para trabalhar. Não ia a passeio.
ADVOGADO DE DEFESA: O que o senhor fazia lá?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Fui lá capinar um quintal e desmatar uma árvore.
ADVOGADO DE DEFESA: Foi sozinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Eu, Marquinho, Romarinho, Cirlei e Roberto.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor disse que o caminhão da usina pega o
senhor no beco. Quando era o caminhão e quando era Robertinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: No caminhão o Robertinho ia com a gente. O
caminhão era de Gutinho Morete.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor nunca chegou a se queixar com Gutinho
Morete que estava sendo quase escravizado?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Tinha medo.
ADVOGADO DE DEFESA: Em frente ao beco tem um orelhão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor nunca pensou ligar 190?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
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Processo penal 95
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor conhece um guarda municipal que mora
na vila do Angelim com no nome de Alexsandro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Conheço.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor já conversou com ele na rua?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Conversei no dia que estava na casa de
passagem.
ADVOGADO DE DEFESA: Existe um DVD no processo em que seu pai
aparece falando comigo que vocês estavam lá porque queriam. Que Paulinho
diversas vezes deixou vocês ir embora e vocês voltavam.
DAVI PEREIRA FERREIRA: Mentira de papai.
ADVOGADO DE DEFESA: Quanto tempo o seu pai era separado da sua mãe?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Bastante tempo.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor foi a delegacia, o senhor prestou
depoimento para o delegado ou para outro policial?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Primeiramente foi para o delegado e depois para
outro policial.
ADVOGADO DE DEFESA: Durante doze anos o senhor disse que foi impedido
de andar sozinho nas ruas do Angelim?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: No dia em que Robertinho se ausentou do local de
trabalho, o senhor estava lá?
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Processo penal 96
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Qual o motivo da ausência dele?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O motivo foi que ele discutiu com o administrador
por causa de um litro de água. Ele ficou com medo, foi embora - fugiu.
ADVOGADO DE DEFESA: Nesses doze anos, o único momento que foi
possível fugir foi esse?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Eu já fugi duas vezes. Mas me pegaram na
rua.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor fugiu, o senhor nunca procurou a
delegacia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Tinha medo.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor fugiu o senhor ficava nas
imediações?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Fugi para Cambuci, mas antes de chegar à
Cambuci eles me pegaram.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor fugiu a pé?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Passa ônibus da Vila Angelim para São Fidélis?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor sabe quantos custa a passagem?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Um real.
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Processo penal 97
ADVOGADO DE DEFESA: O DPO da polícia militar que faz a ronda na
localidade fica onde?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Em Pureza.
ADVOGADO DE DEFESA: Qual a distância?
DAVI PEREIRA FERREIRA: A pé dá uns vinte minutos.
ADVOGADO DE DEFESA: Suas ferramentas de trabalho eram facão, foice e
enxada?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor portava esses equipamentos quando
estava trabalhando?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Os demais também?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Todos trabalhavam com foice e facão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Robertinho trabalhava com o quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Com nada. Ficava com uma foice na mão
vigiando.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor fez a rescisão com empresa que
o senhor trabalhou, o representante da empresa entregou o chegue na sua
mão ou na mão de Paulinho?
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SENTENÇA
Processo penal 98
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na minha mão. Depois que entreguei para
Paulinho. Paulinho pediu o cheque.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor recebia semanalmente, o
representante da firma entregava o dinheiro na sua mão ou entregava a
Paulino?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na mão de Paulinho.
ADVOGADO DE DEFESA: Marcelo trabalhava tirando leite ou com vocês
cortando cana?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tirando leite.
ADVOGADO DE DEFESA: Além o senhor, Romarinho, “CONINHO”, Cirlei,
tiveram mais pessoas trabalhando com o Paulinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Esses foram embora?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Esses recebiam por fora.
ADVOGADO DE DEFESA: O beco tinha muros baixos, o senhor nunca pensou
em fugir à noite?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
ADVOGADO DE DEFESA: Por que você quando fugiu não foi em direção à
casa da sua mãe em São Fidélis?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Porque eu não gosto de ficar comendo na casa
da minha mãe à toa. Eu gosto de trabalhar.
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SENTENÇA
Processo penal 99
ADVOGADO DE DEFESA: Vocês eram quantos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Quatro.
ADVOGADO DE DEFESA: Eram quatro foices contra uma foice só?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Isso.
JUIZ FEDERAL: Por que os quatro não se reuniram para pegar o capataz?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nunca pensamos nisso.
JUIZ FEDERAL: O senhor tem alguma religião?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Estou seguindo a Universal.
JUIZ FEDERAL: Nas datas comemorativas (Natal, Páscoa) havia alguma
reunião, comemoração com os senhores lá?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: Natal passava em branco? Não tinha nada?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nada. Eles levam refrigerante, um frango e
cachaça.
JUIZ FEDERAL: Eles davam presente?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: Carnaval? Havia alguma festividade, algum descanso
prolongado?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: Como o senhor controlava o passar do tempo? O senhor
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SENTENÇA
Processo penal 100
tinha relógio, calendário?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Controlava em um reloginho que Robertinho me
deu. Cássio de pulseira rebentada.
JUIZ FEDERAL: Não sabia em qual mês estava, quando era janeiro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha vez que eu nem sabia. Não tinha folhinha
dentro de casa.
JUIZ FEDERAL: Tinha televisão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
JUIZ FEDERAL: O senhor assistia à televisão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Robertinho colocou uma televisão lá para
nós.
JUIZ FEDERAL: Isso foi quando?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Essa televisão ficou lá uns três meses.
JUIZ FEDERAL: Nesse período que o senhor ficou lá - doze anos - só nos
últimos três meses é que teve a televisão?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Dois meses.
JUIZ FEDERAL: Então o senhor não via noticiário, não sabia o que se
passava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Tinha vez que Robertinho comprava uns
jornais, eu ficava vendo lá, soletrando letra. Não sei ler direito.
JUIZ FEDERAL: O senhor tinha dinheiro no bolso? Quando o senhor saiu de lá
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SENTENÇA
Processo penal 101
- fugiu - tinha alguma moeda?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não tinha nada.
JUIZ FEDERAL: O senhor disse que não tinha acesso ao telefone?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim.
JUIZ FEDERAL: Nem nessas datas comemorativas?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nada.
JUIZ FEDERAL: O senhor já recebeu algum telefonema nesses doze anos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nada.
JUIZ FEDERAL: Telefonou alguma vez?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor comprou alguma coisa nesse período de doze
anos?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Nunca comprei nada.
JUIZ FEDERAL: O senhor tinha um casaco? O senhor ia à loja comprar
alguma coisa?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Tinha. Ganhado. Não ia à loja.
JUIZ FEDERAL: O senhor não tem nada comprado?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Nada. Tudo ganhado.
JUIZ FEDERAL: Conta bancária o senhor também não tinha?
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SENTENÇA
Processo penal 102
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não e nem tenho.
JUIZ FEDERAL: O senhor já votou?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Durante o tempo que estava na casa de Paulinho,
só votei uma vez.
JUIZ FEDERAL: Onde o senhor votou?
DAVI PEREIRA FERREIRA: São Fidélis.
JUIZ FEDERAL: O senhor lembra para que eleição foi?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não lembro. Acho que foi de prefeito de São
Fidélis.
JUIZ FEDERAL: Quem levou o senhor? Ou o senhor foi sozinho?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Quem me levou o foi o genro de Paulinho.
JUIZ FEDERAL: Antes o já tinha votado?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Votava direto.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabia quando tinha eleição?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. Lá Paulinho me agarrava e pedia o título.
JUIZ FEDERAL: Por que ele levou o senhor para essa votação? Ele queria
que o senhor votasse em alguém?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Votasse em Rogério.
JUIZ FEDERAL: Pelo que o senhor me disse, o senhor vivia com medo,
ameaçado?
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SENTENÇA
Processo penal 103
DAVI PEREIRA FERREIRA: Isso.
JUIZ FEDERAL: O senhor apanhou alguma vez?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Apanhei.
JUIZ FEDERAL: O senhor apanhou várias vezes?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Apanhei. Tapa na cara, pontapé.
JUIZ FEDERAL: Quem dava tapa na cara?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Às vezes era Paulinho, Robertinho, Marcelo. Teve
uma vez que o Paulinho pagou ao Carlos Alexandre para me bater.
JUIZ FEDERAL: Era regular isso?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não. De vez em quando. Porque só de falar em ir
embora eles zangavam.
JUIZ FEDERAL: Quem zangava?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Paulinho. E se a gente prensasse muito ele, ele
pegava e pagava uma pessoa para bater.
JUIZ FEDERAL: Ele não batia? Mandava alguém bater?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele já me bateu também.
JUIZ FEDERAL: O senhor ainda vive com medo?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Vivo com medo, sim. Eu tenho medo.
JUIZ FEDERAL: Por quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: De acontecer alguma coisa. O que ele falou com
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SENTENÇA
Processo penal 104
a gente lá dá para botar medo. Ele é uma cara que tem dinheiro.
JUIZ FEDERAL: O que ele falou que ainda hoje dá medo no senhor?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Ele falou que se fosse sair um para denunciar ele,
que ele ia mandar matar todo mundo. Aí dá para ter medo, né?
JUIZ FEDERAL: No dia em que a polícia foi lá, o senhor se escondeu?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O Marcelo mandou a gente se esconder.
JUIZ FEDERAL: O senhor já havia se escondido antes?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Muitas vezes.
JUIZ FEDERAL: Onde o senhor se escondia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na vala, no quarto ou ia para o canavial.
JUIZ FEDERAL: O que o senhor se lembra do dia em que a polícia chegou?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Estava capinando.
JUIZ FEDERAL: Que horas eram?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Umas três horas. Mas era para trabalhar até
umas 9, 10 horas da noite. A gente estava escondido. Aí o Roberto foi com os
policiais e achou a gente na beira do valão.
JUIZ FEDERAL: O que os policiais disseram para vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Que a gente era vítima. Não era para ficar com
medo.
JUIZ FEDERAL: E aí fizeram o quê?
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SENTENÇA
Processo penal 105
DAVI PEREIRA FERREIRA: Trouxeram a gente aqui para Campos para
conversar.
JUIZ FEDERAL: O senhor conversou com quem primeiro?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Com o delegado. E depois com a turma da
reportagem.
JUIZ FEDERAL: Depois daquele dia o senhor voltou à Polícia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: Voltou a ser procurado por alguém?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Só a oficial de justiça.
JUIZ FEDERAL: A vida do senhor melhorou?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Sim. Agora estou recebendo. Já consegui alugar
uma casa.
JUIZ FEDERAL: O senhor se recorda de mais alguma coisa? De alguma coisa
mais grave que ocorreu no sítio?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Não.
2. 3. 2. 2. 3. Romário Mota Rosa
Ao ser inquirido em sede policial, Romário disse que teria
recebido salário apenas no primeiro mês de trabalho para o réu Paulo Girão. Nos
sete anos e meio seguintes, teria sido forçado a trabalhar, sob ameaças e
agressões físicas de “Robertinho”, capataz de “Paulinho Girão”. Também teria
sido proibido de sair da fazenda e de ir embora. O ofendido também implicou o
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SENTENÇA
Processo penal 106
réu Marcelo, filho de “Paulinho”, que estava a par da situação e daria ordens aos
trabalhadores – inclusive a de se esconderem quando algum estranho
aparecesse, como fizeram à chegada da polícia. Ainda segundo o ofendido, seus
documentos teriam ficado em poder de Paulo (fls. 20/2 – Comunicação de Prisão
em Flagrante).
Ouvido na audiência de instrução, sob o crivo do contraditório –
robustecido pelo sistema de inquirição direta e cruzada –, o ofendido ratificou
essa versão em narrativa extensa e profusamente detalhada, como se pode ver
da transcrição a seguir:
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você sabe ler e escrever?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, senhor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você estudou até que série?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Até a primeira.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como você conheceu o Paulinho,
Robertinho e o Marcelo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na época eu morava em Ururaí e minha mãe não
tinha condições de trabalhar, vou sair pra arrumar um emprego, pra poder dar
uma vida melhor para a senhora. Chegando no distrito de São Fidélis, algumas
pessoas me indicou ele, que lá eu poderia arrumar um serviço. Bom, aí eu
peguei e continuei andando, na beirada da estrada, chegando na Usina
Pureza, tinha um senhor trabalhando de ajudante de pedreiro, aí eu peguei e
perguntei pelo senhor Paulo César Girão e ele disse: “Olha, até agora ele não
passou aqui não, mas ele deve estar com a turma na roça e depois ele
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL
SENTENÇA
Processo penal 107
passando aqui eu vou conversar pra você”. Primeiro ele perguntou: “você
bebe?” Aí eu falei: “gosto de uma cachacinha sim”, e ele respondeu: “então
você está no lugar certo”. Passados 10, 20 minutos, o senhor César Azevedo
chegou num cavalo vermelho, com chapéu branco e esse senhor disse que eu
estava precisando de um emprego, que só quem poderia me ajudar era ele.
Então ele pegou e falou: “olha, então fala com ele pra me esperar em frente a
creche”, então eu fiquei sentado ali esperando ele e não apareceu, apareceu o
filho dele, já não querendo, ficou assustado. Robertinho conversou com ele pra
me deixar porque precisava de serviço, então eu fiquei trabalhando com eles.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então você começou a trabalhar com o
Paulinho, Robertinho e o Marcelo, no Sítio Canto da Serra, na Usina, como que
foi?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Comecei na usina, cortando cana.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E depois começou a trabalhar no sítio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, dia de domingo quando não estávamos na usina
a gente ia pro sítio sim, fazer serviço deles.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem noção os dias que você
trabalhava na usina?
ROMÁRIO MOTA ROSA: De segunda a sexta, porque às vezes dia de sábado
ele não levava nós pra usina.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então de segunda a sexta vocês
trabalhavam aonde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na usina.
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SENTENÇA
Processo penal 108
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E no sítio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: No sítio a gente só trabalhava dia de domingo
mesmo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas era determinado ou isso variava?
Tinha dias que vocês iam para o sítio, tinha dias que vocês iam para usina,
dias que vocês poderiam ir para outros locais... Agronorte, né? Agromonte?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, teve alguns domingos trabalhamos dia
de domingo sim, na usina.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tinham noção do tempo? Se era
domingo, era segunda?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nós não tinha noção de nada, o que viesse a gente
estava fazendo, porque a gente não podia falar nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem um pouco de dificuldade de falar
se era segunda, terça, qual dia que você trabalhava, porque você não tinha
conhecimento dos dias, é isso?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não tinha conhecimento.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você fala que é domingo, você crê que é
domingo, como que você chegou a essa conclusão?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O pessoal falava e também botava na mente que era
domingo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que você aceitou esse trabalho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, eu aceitei pensando em dificuldades
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Processo penal 109
da minha família, porque meu pai morreu, minha mãe não teve como mais
poder sustentar meus irmãos. Então eu sendo o único homem da casa, resolvi
sair para tentar uma coisa melhor, pra mim poder voltar e ajudar a minha
família.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Seus documento pessoais, você teve que
entregar de início ou ficaram com você?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Os documentos meus pessoais, carteira de
trabalho, ficou em Santa Cruz, que é onde que eu tenho uma filha. Então ele
começou a perguntar pelos meus documentos eu fui e falei com ele: “Ó, meus
documentos tá no bar”, que eu tinha deixado guardado com um companheiro
meu que é dono do bar. Então ele falou: ‘Então tá bom, eu vou panhar seus
documentos”, então ele veio apanhar os documentos e ficou guardado com ele.
Também ele não me deu documento nenhum, documento foi aparecer hoje que
o doutor me entregou aqui. Felizmente, graças a Deus, existe muita gente boa
nesse mundo, porque, graças a Deus, depois disso aí eu consegui tirar meus
documentos de novo e tô retomando a minha vida devagar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E alguma vez você precisou dos
documentos? Chegou a pedir pra ele os documentos de volta? Você quis pegar
ou ficou com receio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Eu nunca pedi, porque sabia que nunca ia ter
esses documentos na mão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o que eles exigiram de início em relação
ao trabalho? O que vocês iam fazer? Como é que seria a forma de vocês
serem recompensados?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, no começo, eu acreditava que eu podia
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Processo penal 110
confiar nele, né, porque ele me pareceu uma pessoa boa, mas infelizmente,
passou meses e mais meses e nada de dinheiro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tá falando de quem?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Do senhor Paulo César Girão. Nada de pagamento.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele tinha prometido?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele tinha prometido.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem foi que prometeu? Foi ele, foi
Robertinho ou Marcelo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Foi ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que ele tinha prometido?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele falou que o pagamento nosso era por semana,
né. Passou a primeira semana ele não pagou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quanto é que era, você se lembra?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não me lembro direito não, doutor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Foi mais ou menos quanto, você acha? Se
você não se lembra, não tem problema, não.
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: No depoimento, na polícia... no início do
depoimento, você falou que chegou a receber do Paulo por serviços de uns
três a seis salários, uma quantia aproximada de R$ 150,00 por mês, mas
depois parou de pagar. Isso aconteceu?
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Processo penal 111
ROMÁRIO MOTA ROSA: No início, doutor, é bom falar a verdade, no início
aconteceu sim. Mas aí ele parou de pagar, porque aí eu não sei o que deu
nele, parou de pagar, não pagou mais a ninguém.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas houve realmente um pagamento no
início ou não?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Uma houve. Pra mim houve, pra mim houve, mas
agora, pra eles não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você começou a trabalhar depois do Davi?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, o Davi já tava lá há bastante tempo já. Davi e o
outro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Davi não recebia, você entrou e já
começou recebendo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, a primeira semana eu recebi, mas na segunda
eu não recebi mais.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que eles não pagaram depois?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu não sei doutor, não sei explicar para o senhor por
que eles ao pagaram.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E para suas necessidades pessoais, como
você fazia para comprar quando precisava de alguma coisa, uma comida?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eles davam.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês comiam? Quem dava comida para
vocês?
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Processo penal 112
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era o Marcelo. O Marcelo é que era responsável por
dar as coisas pra gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por exemplo, café da manhã vocês
tinham?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, não tinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A esposa do Robertinho preparava um café
da manhã?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Eu já não morava na casa do Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ah, por que você morava na...?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu morava na baia, na casa do senhor Paulo César
Azevedo Girão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que você morava diferente dos
outros?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu morava diferente, porque eu tinha fugido uma
vez.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Da onde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Do beco, da onde eu morava. Eu tinha fugido por
causa do Robertinho, porque o Robertinho queria me bater. Então, eu
conseguindo fugir, dormi no meio da mata uns dois dias, né, aí depois eu
apareci, aí o Paulinho foi e me botou pra mim ficar morando na baia, aonde...
baia no terreno dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então você passou a morar lá por causa de
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Processo penal 113
uma briga, por causa dessa fuga?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, por causa dessa fuga.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas no beco a segurança não seria maior?
Em relação... para evitar fuga, não?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Para evitar fuga, infelizmente, doutor, tem que
ser a verdade, eles botaram portão de grade.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Aonde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: No beco. Lá aonde morava o Davi, o “JIPE” e o
Roberto. Eles botaram um portão de ferro e, no muro, do lado do muro, é uma
venda, então a mulher foi e botou uma porção de caco de vidro. Ali não tinha
como ninguém escapar. E se tentasse escapar era pior, né, porque os outro
três que ficavam, pagavam por aquele que fugiu.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você já teve que pagar pela fuga de
alguém?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não só eu, doutor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles faziam o quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ah, botavam a gente pra trabalhar até de noite e
falavam que a gente não valia nada, que a gente era um bando de... nem vou
falar o nome, né?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas é importante. De que eles chamavam
vocês?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Filho da puta, que a gente não prestava, que a gente
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Processo penal 114
merecia morrer.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele falava da sua cor?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Direto falava. Me chamava de “nego”, direto falava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eu falo em sentido pejorativo, de depreciar
você.
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ofender? Com certeza eu me sentia ofendido, só de
chamar o sujeito de “nego”, isso pra mim já é uma ofensa danada. Eu acho que
ele podia ter um pouco de consciência na mente dele, porque a gente
trabalhava de graça pra ele; a gente não tinha direito a ir em médico, a gente
não tinha direito de ir em médico, a gente não tinha direito.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a se acidentar e precisar ir ao
médico?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu passei mal várias vezes lá no serviço dele e a
única coisa que ele fazia era me dar uma água de coco, um soro que se
compra na farmácia, e no outro dia de manhã cedo eu tava no serviço
trabalhando.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a ir ao hospital alguma vez?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, senhor. Nem eu nem eles nunca cheguemos a
ir ao hospital.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem prestava atendimento?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era o Marcelo. Quando não era o Marcelo, era o
Paulinho. Quando não era o Paulinho, era o Robertinho. Era sempre assim.
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Processo penal 115
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E, em relação a casa onde vocês moravam,
como eram as condições dessa casa?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na baia?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a morar no beco no início?
Quanto tempo você chegou a morar lá?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Cheguei a morar no beco um mês mais ou menos,
eu acho, mais ou menos isso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então você tentou fugir logo no início?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, eu tentei fugir com medo, doutor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Isso foi então quanto tempo depois? No
primeiro mês você tentou fugir? Você se lembra?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ah, doutor, assim eu não me lembro de cabeça, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tá. Então você morou no início um pequeno
período no Beco do Jadir. Como é que eram as condições do beco? Tinha
Cama?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eram umas condições muito difícil.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês dormiam aonde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Bom, dormia no chão, porque não tinha cama. A
cama que tinha lá, que todo mundo viu lá, era a cama que Jadir mesmo levava,
a cama quebrada. A gente montava lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essa cama já estava quando você chegou
ou chegou depois?
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Processo penal 116
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, já chegou depois. Quando eu cheguei eu tava
dormindo no chão. Eu dormia no chão; eles dormia no chão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E as condições de higiene, como é que
era?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, doutor, o banheiro era horrível.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Horrível, doutor, porque nós não tinha direito
nenhum, não tinha dinheiro pra comprar um sabão em pó, um cloro, um
detergente pra jogar dentro do banheiro. A gente não tinha nada disso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vaso sanitário, tinha? Chuveiro?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Chuveiro não tinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que vocês tomavam banho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: A gente pegava água num balde e tomava banho.
De vez em quando também, quando tinha água.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha um cano?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, tinha um cano.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que era? Passava água nele?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Passava água nele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tomavam banho por ali ou pelo
balde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Direto, pelo cano mesmo.
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Processo penal 117
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E em relação ao vaso sanitário, tinha
descarga?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Tinha que jogar água mesmo com balde.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o cheiro?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era horrível.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Luz, como é que era? Tinha luz?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Muito fraquinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem colocou a luz?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu nem sei quem foi que colocou aquela luz, para
dizer a verdade para o senhor. Quando eu cheguei lá já tava lá, eu não sei
explicar para o senhor quem foi que colocou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês dormiam quantas horas por dia?
Você sabe?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nem 4 horas levava não, porque nós levantava 4
horas e tinha que sair as 5 da manhã.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tomava banho ali, de manhã?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Levantava, botava a roupa e ia trabalhar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E lá onde você foi, quais eram as
condições de habitação? Você passou a morar na...?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na baia. Na casa de Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A baia é a casa do Seu Paulinho ou é um
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Processo penal 118
anexo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Então, é um anexo separado da casa dele. A casa
dele é uma e a baia é outra.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que eram as condições dessa
baia?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eram horríveis.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era pior que o beco?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era bem pior do que o beco.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era bem pior, porque não tinha banheiro, não existia
banheiro. A gente faz as necessidades... tinha que ir na beira do rio, né...
porque infelizmente ele só prometia que ia fazer as coisas mas nunca fazia,
entendeu?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quanto tempo você ficou morando nessa
baia?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Uns quatro pra cinco anos, doutor. Aí depois que a
polícia começou a apertar o cerco contra eles, ele botou eu e o senhor Antônio
Marcos, que ficou do lado dele, que bandeou para o lado dele, né, botou nós
para dormir na varanda da casa dele. A gente dormia na varanda casa dele e
de manhã cedo eu tinha que levantar para fazer um pouco de cume, com um
pouquinho de arroz que ele dava, o Marcelo dava e pegava no serviço. E era
assim, doutor, era acompanhado direto. Na roça tinha vigia. Quando eu descia
do caminhão, Marcelo me panhava e me trazia para casa.
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Processo penal 119
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ah, o Marcelo que levava? A baia era perto
de onde você trabalhava ou não?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, não. Ele levava até no ponto em que tava o
Robertinho. Aí deixava com o Robertinho e voltava. Aí quando era de tarde ele
ia, e esperava no mesmo lugar onde me panhou, retornava comigo pra casa.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como era a alimentação?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Péssima.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Café da manhã, almoço e janta?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Café da manhã não tinha, na baia não tinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o almoço?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O almoço era eu que aprontava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas você comia... como é que você comia?
Quem preparava o alimento?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era eu.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas você comia o quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Arroz e canjica.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas quem preparava o arroz?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Quem preparava era eu. Ele dava pra mim preparar,
entendeu? Tinha que aprontar e levar de manhã cedo para o serviço.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você comia arroz com o quê?
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SENTENÇA
Processo penal 120
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, eu tenho até uma vergonha de falar, sabe?
Tinha vez que era arroz puro. Às vezes, quando tinha, quem me dava carne lá
era o Davi, o “JIPE” o Gominho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que eles traziam do beco?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem preparava o alimento do pessoal do
beco?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era a mulher do Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês comiam aonde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu? É... eu comia na baia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você comia junto com eles?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. O almoço de vez em quando comia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você comia aonde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu comia na vasilha deles.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha um refeitório, aonde vocês comiam?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não tinha refeitório nenhum. A gente comia no meio
do mato.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem servia essa comida?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nós levava de manhã cedo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o jantar?
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Processo penal 121
ROMÁRIO MOTA ROSA: Aí eles mesmo jantava por lá, eu tinha que fazer a
minha também.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E você fazia o que no jantar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: A mesma coisa. Arroz, canjica. Quando não era
canjica, era um angu. Muito difícil comer um feijão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E bebida?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Bebida era direito.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha água limpa? Vocês bebiam água de
onde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na roça, a gente bebia do valão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Na roça que você fala é na usina?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, a gente bebia água do valão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E no sítio, tinha geladeira?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não tinha geladeira não, senhor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês bebiam água do mesmo lugar onde
o Marcelo, o Paulinho bebiam?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Isso aí quem falou isso pra os outros é mentira.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Davi falou que no sítio vocês bebiam da
mesma água que o Marcelo, Robertinho tomavam?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Mas era da bomba.
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SENTENÇA
Processo penal 122
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Da bomba seria o quê? Poço artesanal?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É um poço artesiano, isso aí.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles bebiam água de onde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O Robertinho levava água de casa. Levava a
garrafa dele, água gelada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Havia alguma dívida em relação a água,
alimentação, transporte? Ele cobrava alguma dívida?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, eu nem sei como era isso, sabe. Eu nem sei
como explicar para o senhor. Dia de sexta-feira só quem recebia era o
Robertinho, nós via ele pagando o Robertinho mas nunca pagou a gente não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Telefone, vocês tinham telefone? Celular?
Como você fazia para ligar para sua mãe?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu nunca liguei para minha mãe. Nunca liguei para
minha mãe. Minha família achava que eu já estava morto, porque eu perdi o
contato totalmente com a minha família.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você ficou quanto tempo sem falar com a
sua mãe?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Oito anos, doutor. Oito anos sem falar com a minha
mãe.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem noção de oito anos? Você tinha
noção do tempo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu não tinha noção de nada!
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SENTENÇA
Processo penal 123
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Havia uma meta de produção para cada dia
que eles estipulavam? Era corte de cana, né?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É a gente trabalhava a tonelada. Então cada uma
dessas pessoas que estavam lá, a gente tinha que cortar um caminhão de
cana, né. Era um década um. Todo dia era assim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Cada um tinha que fazer um caminhão?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, cada um fazer um caminhão. Em média saía oito,
nove.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tem dias que ele não ficava satisfeito e
exigia que vocês continuassem a noite, de madrugada, como é que era?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Positivo, doutor. Tinha dias que ele se aporrinhava e
falava com o Robertinho: ‘Ó não dá moleza pra esses homem não, que esses
homem tão querendo fazer a gente de bobo. Não dá moleza não, bota eles pra
trabalhar mesmo”. Ai Robertinho ia e fazia o que eles mandava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem falava isso?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era o Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Marcelo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Marcelo era muito difícil de ir lá. Quando ele ia, ia
pra fazer intriga da vida da gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O que ele fazia?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Me chamava de nego safado. O único que ele
ofendia mais era eu. Chamava de nego safado, pegava e falava que ia dar na
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SENTENÇA
Processo penal 124
minha cara, muitas das vezes deu. Indo pro serviço mesmo eu tomei na cara e
sem poder fazer nada porque o Robertinho via e Robertinho não falava nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem te batia?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Todos os dois.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O Marcelo e o Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Paulinho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele pra dizer a verdade para o senhor, ele já me deu
alguns empurrões, mas me bater ele não batia não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quais foram os tipos de agressões que
você sofreu do Robertinho e do Marcelo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tapa na cara, pescoção... Já jogou um vidro de
remédio de boi em mim. E o Robertinho era sempre indo pra o serviço, de vez
em quando tinha um problema na casa dele, com a mulher dele lá, daí ele
vinha e descontava na gente. Muitas vezes, esse que está aqui [APONTA
PARA DAVI] não deixava ele fazer nada comigo. Porque lá o mais fraco que
tinha lá era eu. Eu tinha que abaixar a cabeça e ficar quieto, porque, se eu
respondesse, era bordoada, era tudo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E você chegou a fugir? Algumas vez, várias
vezes, quantas vezes?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, eu cheguei a fugir duas vezes.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A vigilância era ostensiva? Como é que
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SENTENÇA
Processo penal 125
você conseguiu fugir?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, porque eu consegui fugir, quando eu inventei
uma história de ir para a Igreja, então ele acreditou em mim. E nesse
“acreditou”, eu consegui fugir. Mas bêbado, eu estava bêbado, eu não tinha
dinheiro para vir embora pra Campos, então eu fui pra Cambuci. Chegando lá,
eu conhecia algumas pessoas que gostavam muito de mim e então essas
pessoas não gostavam do senhor Paulo César Azevedo Girão eles falavam:
“Cê toma cuidado que eles vão mandar panhar, e se panhar você vai ser pior
pra você mesmo”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que essas pessoas não gostavam do
Paulo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque todo mundo sabia que ele era carrasco. Ele
não gostava de pagar ninguém. Entendeu?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas essas pessoas que falaram eram
pessoas que já trabalharam pra ele?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Com certeza deve ter trabalhado pra ele, doutor. Por
que falar com toda certeza do jeito que eles falaram pra mim só pode ser isso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Paulinho já tinha fama de carrasco?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele tinha fama de ser o homem do chicote. Por que
até muitas das vezes a gente estava no beco, Robertinho arrumou uma
confusão para o lado dele [APONTA PARA DAVI] levando ele em um bar só
para poder bater no rapaz.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você fala o Davi?
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Processo penal 126
ROMÁRIO MOTA ROSA: É.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Por que o dono do bar que falou que Paulinho era o
homem do chicote. Aí, Davi veio tonto, porque tinham dado cachaça a ele... ele
resolveu procurar confusão com o rapaz. Robertinho saiu pra fora. Mas sendo
que um colega nosso, que trabalhava na cana com a gente, trouxe ele pra cá,
pra casa, bêbado. Jogou ele lá dentro e bateram nele de machucador, de socar
alho, que eu acho que não existe mais.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem bateu nele?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Quem bateu foi ordem de Robertinho. Robertinho
que mandou bater. Foi o Xandoca.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Bateu por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Bateu, porque Davi estava bêbado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem levava eles para beber?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Levava não. Robertinho comprava cachaça.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas o Robertinho comprava cachaça e
batia porque ele bebia? Mas ele não trazia cachaça para beber?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O Robertinho comprava a cachaça, dava a cachaça
a eles, e quando ele bebia [APONTA PARA DAVI], ele ficava meio enjoado,
ficava reclamando dentro do quarto. Não só ele como o outro que tá ali
reclamava também, reclamava muito dentro do quarto, entendeu? Então
Robertinho zangado, com a cara cheia de droga, ele cheirava muito, porque eu
não vou ter medo de falar não! Não vou ter medo de falar nada! Porque ele
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Processo penal 127
fumava, ele cheirava, com a cara cheia de droga, batia no rapaz à toa, à toa,
puro, puro. Só porque o rapaz estava conversando ele obrigava o rapaz a
dormir. Obrigava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Obrigava a quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Obrigava a dormir. Eles trancavam eles dentro do
quarto e eles que dormiam com a chave do quarto deles. Então, eles era
obrigados a dormir, né. De manhã cedo no domingo 5 horas da manhã eles
tavam entregando eles lá no Canto da Serra.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Entregando?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Entregando eles. O Robertinho entregando o Davi,
o Cirlei e o... lá no Canto da Serra.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O que que aconteceu?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Acontecia que sempre era assim... só serviço em
cima. A gente não tinha descanso, a gente não podia falar assim: “ó, eu vou ali
sair na rua”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tinham intervalo durante a semana,
vocês trabalhavam diariamente ou tinha algum dia da semana que vocês
tinham descanso?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, doutor, nunca teve descanso. Era direto
mesmo. Nunca teve descanso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas vocês não paravam um dia?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, nunca paramos.
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Processo penal 128
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quando não tinha trabalho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Quando a usina parou, que não tinha trabalho pra
nós, a gente começamos a trabalhar em Barro Branco, numa fazenda que não
é deles. A fazenda já é de outro. Começamos a trabalhar nessa fazenda e
nessa fazenda o administrador pediu pra gente levar o documento nosso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: É da Agromonte?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, é de outra fazenda. Nem sei o nome da
fazenda, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas dessa que você está falando em
Barro Branco, era do “SONGUINHO”?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, era do “SONGUINHO”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O “SONGUINHO” sabia dessas condições
ou ele camuflava?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, eu não vou falar que ele sabia, porque ele
não sabia, tá. A primeira semana que a gente começou a trabalhar ele pediu
pra nós levar o documento.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem pediu?
ROMÁRIO MOTA ROSA: “SONGUINHO” pediu pra levar os documentos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Pediu pra você ou para o Paulinho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Pediu pra mim, pediu para Robertinho, para o Cirlei,
ele aqui [APONTA PARA DAVI].
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Os documentos de vocês estavam com
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Processo penal 129
Paulinho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Estava com o Paulinho. Então o Paulinho pediu pra
gente mentir, pediu pra falar que os documentos não estavam com a gente,
que estava na usina. Tudo mentira, estava tudo guardado com ele, tá. E
quando foi na sexta-feira, o “SONGUINHO” chegou lá, na casa do Paulinho e
pagou a Paulinho e toda sexta-feira era assim. Toda sexta-feira ele pagava a
turma que trabalhava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem fiscalizava o trabalho de vocês? O
“SONGUINHO” ou o Paulinho? O “SONGUINHO” fiscalizava alguma coisa ou
não?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, “SONGUINHO” era muito difícil de ficar perto
da gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E nessa fazenda Barro Branco quem ficava
com vocês?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era Robertinho que ficava. A gente almoçava 11
horas e pegava meio dia. E nesse meio tempo, quando foi numa sexta-feira,
houve um problema entre eles, o Robertinho e o “CONINHO”. Robertinho deu
uns tapas nele, ele com raiva panhou uma foice, né. Robertinho tirou a foice da
mão dele. Então ele pegou o outro encarregado, e pediu pra ele ir num outro
local e ele foi. Nesse meio tempo que ele foi, ele conseguiu fugir.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O “CONINHO”?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, o Roberto “CONINHO”, conseguiu fugir.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tiveram carteira assinada?
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Processo penal 130
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu nunca tive carteira assinada, doutor. Da Usina
Pureza, não. Essa carteira que o doutor trouxe aí hoje, é assinada, sim, mas
assinada da Usina Santa Cruz. Não é assinado pela mão da Usina Pureza nem
de Paulinho Girão, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essa teia é da Usina Santa Cruz?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, não tem nada a ver.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: É de qual trabalho, você sabe?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu nem sei, eles trocam de nome direito.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a trabalhar na Usina Pureza?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, eu trabalhei só na Usina Santa Cruz.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas sem carteira assinada você chegou a
trabalhar na Usina Pureza?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Cheguei sim, senhor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como que era essa vigilância que eles
exerciam sobre vocês durante o trabalho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, pra te dizer a verdade pro senhor,
quando a gente estava roçando, Robertinho ficava com uma foice nas costas.
Quando a gente parava para almoçar, ele botava a foice perto dele e quando a
gente ia cortar cana, ele andava atrás da gente com um facão na mão, tá. A
verdade tem que ser dita, a verdade não pode ser mentida, ainda mais diante
de vocês.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas vocês trabalhavam com que
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SENTENÇA
Processo penal 131
instrumentos?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era foice, enxada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E vocês não chegaram a se reunir, a tentar
combinar para... Vocês não eram quatro? Ele era um apenas, vocês chegaram
a pensar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, doutor, não. Nós nunca cheguemos a pensar
nessas coisas não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que não?
ROMÁRIO MOTA ROSA: A gente nunca cheguemos a pensar, doutor, porque
a gente conhece a Justiça divina! Às vezes tem muitos que falam: “oh, tá
trabalhando, mas vai morrer aí!”, mas não. Tem o tempo pra tudo, entendeu
doutor? E felizmente o nosso tempo chegou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E havia algum tipo de ameaça por parte
deles? Você já manifestou algum interesse de abandonar o trabalho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu? Eu era mais fraquinho, eu nunca falei nada
não, mas o Davi, Cirlei e o Roberto, eles sempre falavam que iam abandonar o
serviço, tá. Sempre falavam que ia embora, que ia cuidar da vida deles, que
eles mereciam e quando eles falavam isso era sempre vigilância em cima.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E chegaram a amarrar alguém?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu nunca vi, não. Lá eu nunca vi amarrar ninguém,
não. Mas a bater, o Marcelo e o Robertinho que batia na gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: As agressões que ocorriam no Beco do
Jadir você tinha conhecimento?
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Processo penal 132
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tinha conhecimento sim, senhor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Davi chegou a falar que ele foi
amarrado?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ainda bem que o senhor falou e eu tô me
recordando agora.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E como é que isso foi? Foi no beco ou na
fazenda?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Foi na fazenda, doutor. Amarrou ele, o pé e mão
dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Pra ele não fugir, pra não ir embora pra casa da mãe
dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você lembra por que ele foi amarrado?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, não lembro, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Durante o trabalho havia uma pausa para
descanso durante o dia de trabalho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, era só o almoço mesmo e acabou de almoçar
pegar no serviço.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era quanto tempo para almoçar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não tinha tempo suficiente pra almoçar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês almoçavam em quanto tempo mais
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Processo penal 133
ou menos?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ih... tinha vez que a gente acabava de destampar a
malmita (sic), era duas ou três garfadinhas só e já entrava pra dentro do
serviço já.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês trabalhavam no sábado e no
domingo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Trabalhava sim, senhor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês trabalham juntos?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Todo mundo junto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E você fiscalizava o trabalho do outro pra
não fugir? Vocês se fiscalizavam? Havia alguma ordem por parte do Paulinho,
do Robertinho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, havia sim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que era?
ROMÁRIO MOTA ROSA: A ordem era se um deles fugisse, quem ia pagar o
pato era eu.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E como é que pagava?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Pagava apanhando, fazendo serviço até de noite. E
pelo o que ele perdia daquele que tinha fugido os outros três que tinha ficado,
tinha que pagar. Do jeito ou de outro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Paulo, Marcelo, Robertinho, tinham arma
de fogo? Você sabe dizer?
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SENTENÇA
Processo penal 134
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, eu nunca vi arma de fogo com o senhor
Paulinho, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha algum equipamento lesivo? Eles
usavam o que para agredir? Algum instrumento?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Às vezes, doutor, quando ele estava muito zangado,
usava pau, mas quando não era assim, era mão, batia com a mão mesmo. Se
a gente reagisse eles panhavam facão pra bater na gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Havia algum equipamento de proteção,
luvas? Vocês trabalhavam com foice, não é? Os acidentes mais frequentes
eram em que região do corpo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O mais frequente era na mão, no braço, na perna.
Mas lá eu nunca me acidentei. Esse aqui já se acidentou [APONTA PARA
DAVI], o joelho dele quase foi arrancado do lugar e a única coisa que eles
fizeram foi botar o rapaz pra trabalhar com o joelho machucado. O joelho, ele
pode ver ali que tem uma cicatriz. Ele foi obrigado a trabalhar com o joelho
cortado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que foi esse acidente? Na hora de
cortar cana?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na hora de cortar a cana, o facão resvalou e pegou
na perna dele, amarrou um pano e foi trabalhar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem amarrou?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Robertinho amarrou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Amarrou o quê?
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SENTENÇA
Processo penal 135
ROMÁRIO MOTA ROSA: Amarrou um pano, rasgou a camisa e amarrou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você se recorda de algum outro acidente
grave que tenha ocorrido?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, doutor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Em relação aos eventos, festas,
churrascos... Tinha isso na fazenda, no sítio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vou lhe mostrar algumas fotos aqui... você
conhece o Ruan? Aqui é o aniversário do Ruan? Vocês participavam dessas
festas?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É sim, senhor. Nessa aqui eu não estava, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era comum você participar com os
familiares de festa?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era comum sim, doutor. Quando ele estava de bom
humor, tá. Mas também era só isso daí.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas então, havia uma vigilância ostensiva e
ao mesmo tempo você participava de festa, como é que era?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na festa continuava a vigilância do mesmo jeito.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a ir em cavalgadas?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Cheguei sim, senhor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você podia ir na Igreja? Tinha vigilância
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SENTENÇA
Processo penal 136
quando você foi na Igreja? Havia uma confiança em relação a você que não
havia por parte dos outros?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, mas quem me levava era o Paulinho. Era o
Paulinho com a esposa dele, com a Dona Rose.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Havia uma confiança por parte dele para te
levar a alguns lugares públicos?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Havia, sim. Havia, porque ele me mandava fazer as
coisas, daí eu ia e fazia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mesmo você já tendo fugido uma vez ele
confiava. Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele confiava porque ele achava que eu nunca ia
fazer o que tô fazendo agora, entendeu?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Aqui são fotos de um aniversário, do filho,
né?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, são sim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Aqui uma cavalgada. Você estava sozinho
ou tinha mais alguém? No caso o Robertinho, o Paulinho, o Marcelo.
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, a esposa dele estava no meu rasto também.
Mas essa foto não foi tirada no dia da cavalgada, não, porque a esposa dele
estava também.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Havia então uma liberdade maior com
relação a você do que em relação aos outros?
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Processo penal 137
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, às vezes, né, doutor. Porque ele achava que eu ia
ficar do lado dele, mas só que eu nunca que ia ficar do lado dele. Porque eu dei
graças a Deus no dia que a polícia invadiu e eu sai de lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E aqui... isso aqui é um churrasco?
[MOSTRA FOTO]
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Aqui foi um dia que ele levou a gente pra...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Churrasco no sítio Capitão Márcio Batista
Rodrigues, em 2013?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tá certo. Nós estamos aqui sentados, não estamos?
Mas antes de nós sentar aqui nós tava trabalhando, nós não tava parado não,
senhor. Eu tenho certeza que ele trouxe essas fotos para o senhor pra querer
defender ele e querendo complicar a gente, mas tudo que ta aí, vou falar a
verdade pro senhor, a gente estava aqui sim, mas antes disso a gente já tinha
trabalhado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o que que vocês faziam? Cortavam
cana?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Cortava cana, muitas das vezes já cortei árvore pra
esse rapaz daí [APONTA PARA A FOTOGRAFIA]. Capinei no sítio dele
também do cunhado dele. Tudo que tá aí é verdade, mas tudo que tá aí a
gente fazia sim, mas era depois do trabalho, tá? Que era a única coisa que a
gente recebia em troca, era isso aí.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Os outros participavam de cavalgada
também?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
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SENTENÇA
Processo penal 138
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por que não? Por que só você que ia?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque ele falava: “olha esse nego nunca me
abandona”. Era sempre o que ele falava pra todo mundo. “Esse nego pra mim
é um filho que eu tenho aqui dentro de casa”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tem mais algum esclarecimento, Romário,
que queria dar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tem sim, senhor. Tem. No dia que eu fugi, ele me
mandou matar, tá? O senhor Paulo mandou me matar. Estava ele e o sobrinho
dele. O sobrinho dele tentou jogar... em cima de mim, e que pulei o muro e
consegui fugir. Aí depois ele juntou Marcelo e uns caras lá e conseguiu me
pegar num dia de quinta-feira. Qualquer hora que o doutor quiser que eu levo
no lugar onde aconteceu o fato, eu levo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que foi então? Você foi para a
Igreja...
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu fui para Igreja.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Com ele?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, sozinho. E de lá eu bebi cachaça e fugi. Fugi
pra Cambuci. Ele começou a inventar que estava preocupado comigo,
começou a me procurar, depois chegou em Cambuci. Primeiro, como ele não
me achou, não conseguiu me pegar, aí ele espalhou pra todo mundo de
Cambuci que eu tinha assaltado a Igreja. Por que o senhor pode me botar
dentro de uma viatura e ir lá comigo, que eu falo para o senhor tudinho do que
aconteceu. Por que o pessoal de lá de Cambuci viu. Na época, foi um dia de
quinta-feira, eu estava trabalhando com um advogado, eu levo até aonde é a
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SENTENÇA
Processo penal 139
loja do advogado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Certo, então você foi na Igreja e depois da
Igreja você não retornou?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você foi beber no bar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, eu bebi no bar e depois fui embora, porque eu
não estava aguentando mais.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas em relação a essa fuga, ele tinha
permitido você sair ou você tinha ido para a Igreja escondido?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, eu já estava tramando isso mesmo. Depois ele
chegou com o sobrinho dele, o senhor Douglas Azevedo Girão, né. Então um
de domingo eu estava sentado na beira da calçada, tomando uns negócio com
os colegas meu de Cambuci, foi a hora que apareceu um Santana verde.
Nesse Santana verde o Paulinho abriu a porta e falou: “Nego, embarca aqui!”.
Daí eu falei: “Não, calma aí que eu vou panhar a minha roupa”. Eu não tinha
roupa nenhuma, eu tinha ido com a roupa do corpo. Nesse meio tempo, eu saí
correndo e eles tinham desligado o carro, eu saí correndo. Aí o sobrinho dele
ligou o carro e saiu no meu rastro, conseguiu ligar o carro e saiu no meu rastro.
Mas como a curva de onde eles tentaram me atropelar era pequena, ele quase
bateu no poste, entendeu? E o sobrinho dele, eu me lembro até hoje, no sítio
do senhor Paulo Girão, o sobrinho dele virou nesse aqui [APONTA PARA DAVI
e disse: “Daquele dia eu falei com tio Paulinho: Mata, tio Paulinho”. E tio
Paulinho falou: “Pode passar por cima”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem perguntou?
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SENTENÇA
Processo penal 140
ROMÁRIO MOTA ROSA: O Douglas. Era sobrinho do Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por causa da fuga?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Por causa da fuga. E por causa de eu ter fugido,
prejudicou esses três [APONTA PARA DAVI], o Cirlei e o que tá ali dentro, foi
quem pagaram o pato. Doutor, tá certo que eu tô diante de Vossa Excelência,
tá. O senhor me permite falar uma palavra?
JUIZ FEDERAL: Fala.
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, se o Davi falou alguma coisa para o senhor ao
contrário é porque ele pode estar com medo. Mas eu não tô com medo. Eu
moro com a minha mãe sozinho, mas não tô com medo. Se a gente está aqui
pra resolveu um causo (sic), a gente vai resolver. Mas, no dia que fugi, na
segunda- feira, eu fiquei sabendo que o senhor Azevedo, César Girão e o
Paulinho, ameaçou os três que ficou, ia dar um tiro na cabeça de cada um
deles, tá? Entendeu? E, portanto, ele sempre alertou nós, todos os quatro que
estavam na fazenda, se ele fosse preso hoje, o dia que ele saísse da cadeia
ele ia arrancar a cabeça de um por um, tá?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem medo ainda hoje?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, eu não tenho medo! Ele pode vir, porque eu
sei, eu sei, porque eu já escutei dentro da casa dele, tá? Pessoas dizendo que
ele é mal elemento, que gosta de matar por dinheiro, ta? Dentro da casa dele,
na fazenda, eu já ouvi muitas vezes. Agora, ele pode mandar quem ele quiser
porque vai ser recebido do mesmo jeito. Isso que não vou negar pro senhor,
não, ta? Porque minha família já está consciente, meus amigos já tá ciente, a
Justiça já tá ciente do que está acontecendo. Então eu não vou ter medo não.
Vou continuar trabalhando, vou continuar andando, mas medo eu não vou ter.
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SENTENÇA
Processo penal 141
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tem mais algum fato grave que você tenha
rememorado?
[Começa a chorar – 01:00:32] Doutor, eu vou falar pro senhor que o que
acontece lá dentro: a gente não pode falar, a gente tem que calar a boca, tem
que ficar quieto mesmo. Eu sei que aqui, a hora que eles entrar aqui dentro,
eles vão tentar de tudo pra se safar disso, mas se a Justiça tem que ser feita
do jeito que tá sendo, então tem que ser assim. Porque muitas pessoas ficaram
doentes lá dentro daquela casa e pedia a eles pra levar no médico e eles
sempre maltratavam as pessoas, tá? Portanto, eu perdi um parceiro muito bom
de serviço que é esse que tá aí na foto, que é o falecido “BOINHA”, morreu
dentro da casa dele, pedido a ele para levar ele pro médico.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Dentro da casa de quem?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Dentro da casa de doutor Paulo Azevedo Girão.
Morava na casa e ele não levou! Só levou o rapaz na hora da morte, mas
mesmo assim pra tentar se safar, pra dizer que o rapaz morreu de cigarro, mas
não foi! Foi de tanto serviço.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Qual o nome do trabalhador que morreu?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Falecido “BOINHA”, doutor. Eu não tô nem
conseguindo falar direito, é tanta coisa que aconteceu lá dentro que...
JUIZ FEDERAL: O senhor viu a foto dele aqui?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Vi sim, senhor.
JUIZ FEDERAL: Ele foi para o hospital depois?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Depois de morto, né, doutor. Já tinha morrido na
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SENTENÇA
Processo penal 142
beira do caminho já.
JUIZ FEDERAL: Para qual hospital ele foi levado?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Para o de São Fidélis mesmo.
JUIZ FEDERAL: Só tinha um hospital lá?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Acho que só.
JUIZ FEDERAL: Ele foi enterrado onde o senhor sabe?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sei, sim, senhor, no cemitério de Angelim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a família dele?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ah, a família dele se conformou, fazer o quê? Não
podia fazer nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Antônio Marcos? Por que ele não
denunciou?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele trabalhava, mas não trabalhava do jeito que nós
trabalhava. Ele não! Ele não trabalhava cortando cana igual nós. Ele trabalhava
no curral. Trabalhava amarrando pé de vaca. Agora, no dia que o policial pegar
o depoimento dele, ele negou. Não sei se foi mandado, ele negou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Davi falou que ele trabalhava junto com
vocês?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, dia de domingo ele trabalhava junto com nós
sim, senhor, mas trabalhava no curral.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E ele recebia?
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SENTENÇA
Processo penal 143
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, ninguém recebia nada lá não, doutor.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que ele não denunciou junto com
vocês?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, eu não sei, doutor. Não sei nem explicar o
senhor.
ADVOGADO DE DEFESA: Eu queria perguntar ao senhor... o senhor disse
que saiu de Ururaí e foi arranjar serviço em Angelim. Ururaí é um distrito que
fica a 3 km daqui do centro de Campos. Por que o senhor saiu de Ururaí e foi
para Angelim que fica a 70 km e não para Campos propriamente dito?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, na época eu não consegui serviço
aqui, porque eu não tinha documento, porque eu fui conseguir tirar meus
documentos depois que eu comecei a morar em Santa Cruz, certo? Então,
sendo assim, eu arrumei um problema. Doutor, foi uma briga de bar, tá? Então
os cara queriam me matar, entendeu? É isso que o senhor tá querendo saber,
doutor? Eu vou falar pro senhor...
Eu trabalhava e nesse meu serviço eu e um amigo meu bebemos, ele me deu
um soco e eu dei outro nele, certo? Aí ele falou que ia me matar. Eu paguei,
pra mim não morrer, fui procurar serviço longe dali. Por que eu sabia que ia
morrer, mas eu não posso deixar minha mãe passar o que ia passar por causa
de mim.
ADVOGADO DE DEFESA: senhor Romário, o senhor disse que saiu de
Ururaí porque não tinha condições de cuidar da sua mãe e por isso precisava
arrumar um emprego fora para cuidar da mãe. Aí agora o senhor tá dizendo
que o senhor saiu de lá porque foi ameaçado de morte lá. Qual das duas
versões é a verdadeira, senhor Romário?
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SENTENÇA
Processo penal 144
ROMÁRIO MOTA ROSA: A verdadeira, doutor é a que eu contei para o juiz.
JUIZ FEDERAL: O senhor saiu de lá porque não podia cuidar da mãe ou
porque foi ameaçado?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, doutor, eu saí de lá porque fui ameaçado.
JUIZ FEDERAL: O senhor na polícia não disse isso?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não disse.
ADVOGADO DE DEFESA: Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não disse porque eu quero proteger a minha família.
Eu sou obrigado a proteger a minha família.
ADVOGADO DE DEFESA: Então o senhor saiu de Ururaí e fez uma parada
em Santa Cruz?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Foi, doutor.
ADVOGADO DE DEFESA: E quanto tempo o senhor ficou em Santa Cruz?
Morando ali?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, o senhor tá querendo confundir minha
cabeça pra tentar safar alguma coisa. Só pode ser isso.
JUIZ FEDERAL: Responda com suas palavras.
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tá. Antes disso, doutor, eu trabalhava de carteira
assinada, eu trabalhava na Usina Santa Cruz, então morava na Usina Santa
Cruz, eu tenho uma filha lá, entendeu? Então eu me separei dessa esposa
minha e vim embora pra Ururaí. Eu morava na casa da minha mãe.
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Processo penal 145
JUIZ FEDERAL: Aí lá houve aquela situação?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, lá houve essa situação.
JUIZ FEDERAL: Aí o senhor saiu de lá?
ROMÁRIO MOTA ROSA: É, saí de lá. Quando eu saí de lá eu parei em Santa
Cruz e deixei os documento meu, com esse rapaz que toca o bar lá, né. Aí o
Paulinho perguntou onde tava esses documento. Não tô mentido pra ninguém ,
principalmente para Vossa Excelência.
JUIZ FEDERAL: Então o senhor estava morando em Santa Cruz? Quanto
tempo o senhor morou lá?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Assim de cabeça, eu não lembro muito direito não.
ADVOGADO DE DEFESA: Aí o senhor saiu de Santa Cruz e aí sim foi pra
Angelim?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Nessa época o senhor tinha tirados documentos
em Santa Cruz?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim, senhor.
ADVOGADO DE DEFESA: E deixou esses documentos com um conhecido
seu dono de um bar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim, senhor.
ADVOGADO DE DEFESA: Depois que o senhor estava no Angelim, Paulinho
Girão veio nesse bar e pegou os seus documentos?
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SENTENÇA
Processo penal 146
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim, senhor.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor foi de qual condução de Ururaí para
Santa Cruz e depois de Santa Cruz lá pra Angelim?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Pra Angelim eu fui a pé.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor sabe a distância mais ou menos que o
senhor foi a pé?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Doutor, uma pessoa quando quer trabalhar, ela não
mede força, não. Pode ser até 1000 km, que se eu tiver precisando do serviço
eu vou.
JUIZ FEDERAL: O senhor levou quanto tempo nesse percurso?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu nem sei explicar quanto tempo eu levei.
JUIZ FEDERAL: Mas foi a pé? Pegou carona?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, não peguei carona, não.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor chegou lá o senhor trabalhava
de segunda a sexta-feira? A regra era essa? E no sítio propriamente dito aos
domingos?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim, senhor.
ADVOGADO DE DEFESA: E Davi disse que não era essa a regra?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele não disse, né, doutor. Não disse por algum
motivo.
ADVOGADO DE DEFESA: Quais são os dias de culto na Igreja? O senhor se
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SENTENÇA
Processo penal 147
recorda?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não me recordo, não, senhor.
ADVOGADO DE DEFESA: Existia quantas Igrejas lá?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Excelência, eu pertencia a duas Igrejas.
JUIZ FEDERAL: Quais são as Igrejas?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Foi Assembleia de Deus e a outro não me lembro.
Todas duas evangélica. Mas eu ia na Igreja sim, eles me levavam na Igreja, ele
e a esposa dele, do Paulinho. Lá no Angelim eu ia sozinho, mas no Cantitu, eu
ia com eles. Eles me levava, não só eu, mas eles que estão ai na camionete ai.
ADVOGADO DE DEFESA: Romário, o senhor tocava qual instrumento na
Igreja?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Pandeiro.
ADVOGADO DE DEFESA: Quem te deu esse pandeiro?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O Paulinho... que era do Ruan.
JUIZ FEDERAL: Que idade tinha o Ruan?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Deve ter uns 12 anos já, doutor.
ADVOGADO DE DEFESA: E o cavalo que o senhor participava da
cavalgada? Era sempre um cavalo branco. Era de quem?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era de Paulinho. Eu não tinha cavalo.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor disse que Marcelo fazia comida para o
senhor?
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Processo penal 148
ROMÁRIO MOTA ROSA: Muitas das vezes, fez. Uma vez que eu não tava
aguentando, ele me deu comida.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas o senhor disse que era ele que fazia comida
para o senhor levar.
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, doutor, eu expliquei bem direitinho para o
doutor e para a Excelência aqui. De manhã cedo quem levantava pra fazer
comida era eu.
ADVOGADO DE DEFESA: Tinha cozinha no local onde o senhor ficava?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Na baia? Na baia tinha cozinha.
ADVOGADO DE DEFESA: Aí depois que o senhor saiu da baia e foi morar
propriamente na casa do senhor Paulinho Girão na varanda, quem que fazia
comida?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Era eu.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas tinha um fogãozinho lá dentro?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tinha, fogão a gás.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor teve contado com a pastor da Igreja, não
teve?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Qual pastor?
ADVOGADO DE DEFESA: Das Igrejas por onde o senhor passou.
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, tive contato sim.
JUIZ FEDERAL: Conversou com eles?
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SENTENÇA
Processo penal 149
ROMÁRIO MOTA ROSA: Conversei sim.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor nunca expos o seu problema para eles?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. O senhor pode até tentar me incriminar de
alguma coisa.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas o senhor nunca quis expor pra eles aquele
sentimento que o senhor estava levando?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, seu eu me abrisse pra eles o problema
certamente eles iam chegar perto de Paulinho e iam conversar, certo? E
Paulinho ia sair cheio de ignorância com eles, porque Paulinho é ignorante.
Mas eu cheguei a conversar com o pastor sim
ADVOGADO DE DEFESA: Romário, o senhor chegou a ficar no máximo 1
mês morando no Beco do Jadir? Mas depois senhor foi levado pra... ?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Aí eu fui morar na baia.
ADVOGADO DE DEFESA: A comida que Robertinho fazia no Beco do Jadir
era uma comida melhor do que a do senhor que morava na baia?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, era quase tudo a mesma coisa.
ADVOGADO DE DEFESA: Eles ficavam trancados no Beco do Jadir e o
senhor lá trancado do outro lado sozinho, não é isso?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eles ficavam trancados no Beco do Jadir e eu
dormia na varanda a casa do Paulinho, tá certo?
ADVOGADO DE DEFESA: Como é que o senhor sabia da rotina, do que
acontecia no Beco do Jadir?
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SENTENÇA
Processo penal 150
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eles me contava.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor nunca assistiu, então?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu já morei no Beco do Jadir, Já confirmei aqui.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor fugiu pela primeira vez para
Cambuci, quantos dias o senhor ficou lá?
ROMÁRIO MOTA ROSA: De sexta a quarta. Na quinta-feira que eles
conseguiram me pegar.
ADVOGADO DE DEFESA: Nesse período o senhor não conseguiu pegar um
dinheiro com alguém - narrando o seu problema - para voltar para Campos,
onde o senhor queria voltar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu trabalhei lá sim com um advogado, mas na ora
que eu pegar esse dinheiro, eles não deixaram, o Marcelo principalmente.
ADVOGADO DE DEFESA: Qual o nome desse advogado?
ROMÁRIO MOTA ROSA: De cabeça eu não sei.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantas pessoas o senhor teve contato lá que
falaram mal de Paulinho?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Umas quatro pessoas.
ADVOGADO DE DEFESA: Para essas pessoas o senhor contou o seu
problema?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim. Para o advogado, não.
ADVOGADO DE DEFESA: Por que o senhor não contou para o advogado?
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SENTENÇA
Processo penal 151
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque eu estava tão bêbado que não conseguia
falar.
ADVOGADO DE DEFESA: Na delegacia o senhor disse que todos
trabalhavam na lavoura. E aqui o senhor disse que “SAPO” tinha um
tratamento diferenciado porque tirava leite?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Eu não disse que ele tirava leite. Eu disse que
ele amarrava pé de vaca.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor era escoltado nos cultos por quem?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Paulinho sempre estava comigo nos cultos. Não só
ele, mas também a mulher.
ADVOGADO DE DEFESA: Nesse vídeo, aparece uma pessoa em uma
cavalgada que parece o senhor, e não tem ninguém escoltando o senhor. O
senhor confirma que é o senhor?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas não tem ninguém atrás do senhor?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não tem agora, mas a camioneta dele vai tá ali.
ADVOGADO DE DEFESA: Esse vídeo retrata a realidade?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Com certeza.
ADVOGADO DE DEFESA: O caminhão que te transportava percorria distância
longa?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Uma meia hora.
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SENTENÇA
Processo penal 152
ADVOGADO DE DEFESA: E nesse caminhão tinha mais alguém com você?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu, o Davi, o Cirlei, o Roberto e o Robertinho. Tinha
outro que trabalhava com a gente, a filha pegou ele. Era o Antônio.
ADVOGADO DE DEFESA: Vocês nesse caminhão nesse caminhão do
Angelim até São Fidélis, no Paulo Russo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
ADVOGADO DE DEFESA: E do Angelim até o Barro Branco?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Quando a gente ia para Barro de Branco, a gente ia
de camioneta.
ADVOGADO DE DEFESA: Essa camioneta era fechada ou aberta?
ROMÁRIO MOTA ROSA: De carroceria.
ADVOGADO DE DEFESA: Você se sentia preso nessa camioneta?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Se não tivesse o Robertinho perto, eu me sentia
mais livre.
ADVOGADO DE DEFESA: Você disse que ficou sete dias em Cambuci, você
não conseguiu guardar o nome desse advogado para quem você trabalhou?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não guardei. Não consegui.
ADVOGADO DE DEFESA: Você levou um dia ou menos para fugir do angelim
até Cambuci. Ficou sete dias em Cambuci. Por que você não aproveitou um
desses dias para ir mais longe ainda? Você não quis fugir?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Eu que fugir sim. Eu fui a serviço.
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SENTENÇA
Processo penal 153
ADVOGADO DE DEFESA: Por que você não aproveitou esses dias para voltar
aqui para campos e fazer alguma coisa?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Estava sem dinheiro.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas você quando foi de Santa Cruz para lá, foi
sem dinheiro também?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ué! O que que tem! Isso não tem nada haver.
JUIZ FEDERAL: Quanto anos o disse que trabalhou no sítio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Oito anos.
JUIZ FEDERAL: O senhor foi a médico alguma vez?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nunca fui.
JUIZ FEDERAL: Dentista?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nunca fui.
JUIZ FEDERAL: O senhor teve enfermidade nesse período?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tive.
JUIZ FEDERAL: De quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sangramento.
JUIZ FEDERAL: Corte?
ROMÁRIO MOTA ROSA: De dentro do organismo.
JUIZ FEDERAL: Vomitou sangue?
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SENTENÇA
Processo penal 154
ROMÁRIO MOTA ROSA: Vomitei. Apareceu um sangramento em mim que
nunca tive.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe se o Cirlei teve algum problema de saúde?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Teve sim. Portanto ele está internado aqui.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe por que ele está internado?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Ele já teve esse problema lá.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe como esse problema se manifestava nele?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, esse problema se manifestava, ele não
conseguia comer. Ele não conseguia comer. Tudo que ele comia voltava para
fora de novo.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe quando começou esse problema?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nem lembro direito.
JUIZ FEDERAL: Faz muito tempo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Faz. Sempre ele reclamava que estava cheio de dor
e que precisava de um médico, mas nunca ninguém levou. A única coisa que
eles davam era remédio doidado a ele lá... mas nunca adiantava nada.
JUIZ FEDERAL: O senhor tinha algum dinheiro no bolso quando saiu do sítio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tive sim dois reais que eu panhei, que eu peguei do
cozinheiro que morava lá.
JUIZ FEDERAL: Esse era o dinheiro que o senhor tinha?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Mais nada.
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SENTENÇA
Processo penal 155
JUIZ FEDERAL: O senhor durante esse período em que trabalhou e viveu no
sítio comprou alguma coisa?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nada. Tudo ganhado.
JUIZ FEDERAL: Quem dava?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O genro dele dava.
JUIZ FEDERAL: Quem?
ROMÁRIO MOTA ROSA: O genro de Paulinho.
JUIZ FEDERAL: Coisa novas ou velhas?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Algumas coisa davam para usar, né, doutor
JUIZ FEDERAL: Eram coisas usadas então?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim.
JUIZ FEDERAL: O senhor não tem patrimônio nenhum?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor telefonava?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Nunca usei.
JUIZ FEDERAL: Nunca usou ou não podia usar?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nunca pude usar o telefone deles.
JUIZ FEDERAL: O senhor disse que frequentava a Igreja?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim.
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SENTENÇA
Processo penal 156
JUIZ FEDERAL: Havia alguma cerimônia nas datas comemorativas?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. Nunca fui a isso. Para mim nunca existiu Natal.
JUIZ FEDERAL: Durante o período que trabalhou no sítio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não. A primeira festividade que teve, deu um
problema.
JUIZ FEDERAL: O senhor via TV?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim. Ele tinha uma televisão velha que colocou para
a gente.
JUIZ FEDERAL: O senhor tinha calendário, relógio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor tinha noção de quando era junho, julho, agosto?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não tinha noção de nada, doutor
JUIZ FEDERAL: Causa estranheza nunca ter havido uma rebelião contra o
Paulinho. O nunca passou pela cabeça do senhor?
JUIZ FEDERAL: Não. Nós não somos do nível dessas pessoas baixas.
JUIZ FEDERAL: O senhor disse que não tem medo?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não tenho medo dele, não. Não é porque eu estou
dando depoimento contra ele que eu vou ter medo dele.
JUIZ FEDERAL: Mas por que o senhor pediu para que não o deixasse aqui
quando o senhor estivesse falando?
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SENTENÇA
Processo penal 157
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque eu sabia o que podia acontecer.
JUIZ FEDERAL: O senhor tinha medo de perder a cabeça, de ficar nervoso?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Com certeza, doutor.
JUIZ FEDERAL: Nesse período o senhor votou alguma vez?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não, senhor.
JUIZ FEDERAL: O senhor tem título eleitoral?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Tenho, sim.
JUIZ FEDERAL: O senhor já tinha votado antes?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim, mas nesse período não.
JUIZ FEDERAL: Mas alguma coisa de que o senhor se lembre?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
JUIZ FEDERAL: No dia em que foi encontrado pela polícia o senhor estava
escondido?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Estava.
JUIZ FEDERAL: Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque o Marcelo mandou se esconder.
JUIZ FEDERAL: O senhor se escondeu por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque foi mandado. O Marcelo mandou.
JUIZ FEDERAL: O senhor ficou com medo dos policiais quando viu?
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SENTENÇA
Processo penal 158
ROMÁRIO MOTA ROSA: Olha, doutor, a gente trabalhando, quando vê
aparece um monte de polícia, a gente fica com medo, assustado.
JUIZ FEDERAL: O que os policiais fizeram depois que encontraram vocês?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Colocou a gente na viatura; trouxe até São Fidélis. A
gente deu depoimento. Mais tarde, botaram todo mundo na viatura e trouxe
para Campos.
JUIZ FEDERAL: Lá o senhor contou a história para o Delegado?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim.
JUIZ FEDERAL: Reencontrou sua mãe?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Sim.
JUIZ FEDERAL: Há quanto tempo o senhor não via sua mãe?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Oito anos, doutor. Só em vê que minha mãe tinha
perdido as pernas, foi uma morte para mim. Ela não pode mais andar sozinha
porque ela perdeu os nervos das pernas.
JUIZ FEDERAL: O senhor não quer voltar a Cambuci?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Nem morto, doutor.
JUIZ FEDERAL: Depois da delegacia o senhor teve mais algum contato com
alguém do sítio?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor tem mais alguma coisa a dizer?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Não.
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Processo penal 159
2. 3. 2. 2. 4. Roberto de Oliveira
O ofendido prestou as seguintes declarações em juízo:
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Roberto, você sabe ler e escrever?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não! Eu só sei fichar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a estudar?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não cheguei a estudar, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como você chegou a conhecer o Paulinho,
o Robertinho e o Marcelo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eu fui passando assim na estrada e ele ia
passando com um Fusca Branco. Ai eu estava à procura de emprego, serviço.
Aí, eu perguntei para ele se ele tinha roçada de pasto lá, aí ele falou que tinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas como é que você teve esse contato?
Foi eventual? Foi uma coisa assim... tinha alguma referência?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não!
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você estava desempregado...
ROBERTO DE OLIVEIRA: Primeira vez que eu vi ele passando na estrada. Foi
a primeira vez que eu vi.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Não foi uma referência, não. Foi uma coisa
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Processo penal 160
eventual, que aconteceu na hora. Então foi uma coisa eventual. Não foi uma
referência que você soube, que havia trabalho na região de Angelim...
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não!
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você se lembra em que ano começou a
trabalhar para ele?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tem muitos anos já.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O ano preciso você não se lembra.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você sabe mais ou menos quantos anos
chegou a trabalhar para o senhor Paulinho Girão, o Robertinho.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Lá para 10 anos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quais eram os dias da semana em que
você trabalhava para o Paulinho e o Robertinho? Eram dias seguidos ou havia
algum intervalo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era todo dia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha algum intervalo para descanso?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Nada. Domingo, sábado. Era Semana Santa,
direto. A gente não parava, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E na jornada do dia a dia, tinha algum
intervalo para vocês almoçarem ou mesmo para descansar durante o serviço?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A gente parava para almoçar e pegava no serviço
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Processo penal 161
depois. Levantava e pegava para trabalhar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Paravam quanto tempo para almoçar?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Só parava, almoçava e pegava no serviço de novo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quando você começou a trabalhar nesse
sítio, o Sítio da Serra, já tinha o Davi trabalhando, o Romário? Quando você
chegou lá, quem estava trabalhando já?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: ROBERTO DE OLIVEIRA: Era eu e “JIPE”,
um rapazinho que está internado no hospital. Trabalhava lá comigo também.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha quem? Tinha o Cirlei?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Esse mesmo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Além do Cirlei, tinha mais alguém? Davi?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tem Davi. Trabalhava lá, junto comigo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Já trabalhava também?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Chegou de novo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Não entendi.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Chegou depois.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Pode ficar tranquilo. Importante é você falar
a verdade, tá, Roberto?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele trabalhou na mesma época que eu trabalhei lá.
Davi.
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Processo penal 162
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tá! Vamos falar sobre a casa onde vocês
moravam. Vocês moravam no Beco do Jadir?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Morávamos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E como é que era o lugar em que vocês
moravam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era um quartinho assim, pequeno assim, e só tinha
um banheiro assim, dentro ali. Aí, a gente mantinha preso ali, na hora que a
gente chegava do serviço ele trancava com cadeado, do lado de fora com
cadeado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas tinha janela?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha, mas não podia abrir a janela, não. Era
trancada. Pregada de prego.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era trancada por dentro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Pregada de prego. Trancada a janela
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem estava dentro não conseguia abrir?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não conseguia abrir. Trancada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E as condições de higiene desse quarto, do
banheiro, como é que era?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Jogava água no vaso. Tinha um balde lá que a
gente usava jogando água com o balde no banheiro.
JUIZ FEDERAL: O senhor está falando da privada?
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Processo penal 163
ROBERTO DE OLIVEIRA: É! Da privada.
JUIZ FEDERAL: Não tinha descarga?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não tinha descarga, não.
JUIZ FEDERAL: Tinha que jogar água?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha que jogar com o balde. A gente jogava com o
balde.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha pia para lavar mão?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não tinha, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha chuveiro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha um cano que ligava e caia água.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E para escovar dente, lavar a mão, como é
que vocês faziam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: No vaso. No vaso e jogava água depois.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha escova e pasta de dente?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha escova pura. Não tinha pasta não. Só
passava na boca assim, para...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essa escova era de quem?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Minha. Uma outra de Davi. Uma outra de “JIPE”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem deu essas escovas? Compraram?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eram os vizinhos que davam a nós, usada.
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Processo penal 164
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O vizinho era o Robertinho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Era gente perto, assim...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eram do Beco do Jadir ou fora?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Fora do beco.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tinham contato com os vizinhos?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que você recebeu do vizinho essa
escova?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eles davam ao capataz para nós.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas quem é o capataz?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Então você recebeu através do Robertinho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eles davam para o Robertinho, para o Robertinho
dar a nós.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Onde vocês dormiam? Tinha cama?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha uma caminha velha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando você chegou, tinha colchão, dormia
no chão, como era? A cama veio depois?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tava lá já.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando você chegou só tinha cama.
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Processo penal 165
ROBERTO DE OLIVEIRA: É! Assim, velhinha já, lá dentro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A cama era o quê, quebrada?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era de papelão, assim, forrada em baixo, tudo
quebrado, estrado estalado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você dormia nessa cama?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Dormia na caminha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha cama para todo mundo? Eram
quantas pessoas? Eram três.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha duas camas. Eu dormia em uma e Davi
dormia em outra.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Cirlei, também não morava lá?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Morava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele dormia onde?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Dormia no chão. No forro, no chão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: No forro? Era um colchão?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha colchão para ele dormir?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Achava na rua, assim, passava, apanhava e levava
para casa para dormir lá dentro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era um colchão? Era um forro?
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Processo penal 166
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era aquele tal de espuma.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele pegou isso aonde?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Na rua.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Robertinho deixava pegar?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Deixava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês saiam lá desse beco para pegar as
coisas?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Só perto dele só.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como ele autorizava para vocês pegarem?
Vocês que falavam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Passava e a gente via pedaço de coberta jogada ...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quando vocês chegavam e saiam, saiam
para que desse beco? O que é que vocês faziam? Saiam para que finalidade?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Saia para trabalhar e voltava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Saia para algum restaurante, algum bar?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não podia sair.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem tinha a chave? Vocês tinham a chave
do portão, do beco e da casa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele que tinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem tinha?
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Processo penal 167
ROBERTO DE OLIVEIRA: Robertinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a água, era limpa? Como vocês faziam
para tomar água?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A água caia numa torneirinha que tinha lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você fala aquele tubo do banheiro que você
tomava água ou era uma torneira?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era ali do banheiro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Do banheiro do quarto onde vocês ficavam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tomava água daquele cano?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A gente aparava e tomava água. Com o canecão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a água era limpa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Não tinha uma água tratada ali para beber,
não é?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Dava para... (ininteligível)
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Robertinho tomava água da onde?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eu?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Robertinho.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tomava limpinho lá.
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SENTENÇA
Processo penal 168
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele dava a água para vocês?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não dava, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a comida dele, era a mesma de vocês?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A dele era bife, era tudo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a de vocês?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A nossa era angu, era canjica. Era sem feijão. Não
repare que eu sou meio gago, puxo um cadinho da fala.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o café da manhã, como era?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era só uma vez. De manhã.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Toda manhã tinha café da manhã?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era de manhã cedo só.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O que era servido? Tinha pão?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Só puro só.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O quê, café puro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Só.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E tinha coisa para comer com o café?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: No almoço... vocês levavam almoço pronto
para comer lá na fazenda?
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SENTENÇA
Processo penal 169
ROBERTO DE OLIVEIRA: Levava em uma sacolinha.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês comiam num refeitório?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Na roça.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Lá onde vocês trabalhavam mesmo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. No mato.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o jantar, como é que era?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era em casa, no cômodo. A gente ficava preso e
ele trazia e dava na porta.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês chegaram a comer na casa dele?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não comia, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Podiam comer no corredor do beco?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele pegava lá e trazia e entregava a nós ... no
cômodo e trancava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês... (ininteligível) comer fora do quarto?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele forçava vocês a comerem lá dentro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Trancado lá dentro. Preso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E a iluminação? Era claro o quarto? Como é
que era?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha uma lampinha (sic).
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SENTENÇA
Processo penal 170
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era precária a condição da iluminação?
Ficava escuro o ambiente?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era meio claro para eles verem na porta se nós
saíamos para poder ir embora.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quando chovia? Entrava água para dentro
do quarto?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Entrava. Molhava tudo lá dentro. Tudo molhado.
Ficava gripado no outro dia, tossindo na roça trabalhando.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O teto era aberto?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era goteira. Aí, pingava e molhava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: A goteira entrava como?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Assim, em cima.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essas casas foram demolidas mês
passado. Você está sabendo? Onde vocês ficavam, foi demolido. Você está
sabendo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Paulinho residia perto dali? Ele ia no
beco?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele de vez em quando ia lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que ele ia lá fazer?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Mandava Robertinho para vigiar nós para nós não
JFRJFls 611
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SENTENÇA
Processo penal 171
fugir.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Marcelo foi lá no beco?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Foi.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Marcelo fazia o que lá? Que ele foi fazer?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Falava para Robertinho para ficar de olho para nós
não sair de lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem era o dono dessa casa onde vocês
estavam? Esse quarto era de quem?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era de Jadir.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês pagavam aluguel para Jadir?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Jadir era quem... Paulinho dava um dinheiro para
Jadir para ficar lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Qual o horário que vocês acordavam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Para trabalhar, era 4 horas em ponto.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem acordava vocês, era vocês mesmo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele chamava 4 horas em ponto e ele chamava.
Trancada a porta e chamava para trabalhar. Robertinho chamava nós.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E vocês trabalhavam até que horas?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Trabalhava até 6 horas da noite.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Qual o horário?
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SENTENÇA
Processo penal 172
ROBERTO DE OLIVEIRA: 6 horas. Era das quatro horas até as 6 horas.
JUIZ FEDERAL: 4 horas da manhã...
ROBERTO DE OLIVEIRA: Até 6 horas da noite.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinha dias que vocês terminavam depois ou
antes? Isso variava a depender da produção que vocês... Porque havia corte
de cana no local, roçagem, capinagem, isso produzia uma maior quantidade
por dia. Era estipulado uma quantidade para vocês retornarem? “Ó, vocês só
vão poder retornar se vocês cortarem um caminhão ou dois caminhões”. Havia
alguma coisa assim?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era assim mesmo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Como é que era? Vocês tinham que
produzir quanto?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era assim: 6 caminhões de cana. 5 ou 6.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por dia? Por cada trabalhador?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E se não conseguisse terminar até as 18?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ficava lá até mais tarde.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês já ficaram até que horas que você se
recorde?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Até 7 horas da noite lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês já passaram das 19h e entraram até
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SENTENÇA
Processo penal 173
a meia noite?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Já.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Por quê?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Porque eles achavam que não rendia o trabalho. Aí
ficava bravo e começava a falar. A gente já estava cansado de não dar tempo,
não aguentava mais. Ficava zangado.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essa extensão do horário também é
decorrente de alguma punição porque algum de vocês possa ter cometido
alguma coisa que eles não concordaram, não gostaram, tipo punição a respeito
do horário de trabalho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eles ficavam bravos lá porque a gente já estava
cansado de trabalhar. Aí, não aguentava trabalhar... (ininteligível) e ficava
bravo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles batiam em vocês?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Batiam.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Com o quê?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Batia a pau. Mandava o capataz bater a pau.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem marca no corpo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eu pedia para ir embora e eles batiam em mim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem marcas no corpo dessas
agressões? Chegava a cortar a pele? Isso aí foi o quê, uma agressão?
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Processo penal 174
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tem!
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Isso aí foi o quê? Foi uma agressão?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É, foi.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mostra assim, só para a gente ver.
JUIZ FEDERAL: Só um minuto. Quem batia no senhor?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Paulinho batia e mandava o capataz bater em nós
também. A pau.
JUIZ FEDERAL: O Marcelo batia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Batia também. A pau também.
JUIZ FEDERAL: Com pau?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É, com pau, deste tamanho assim, aquilo de vara
de boi que tem um prego na ponta. Batia com aquele pau.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem batia então era o Paulinho e o
Robertinho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Batia. Mandava bater e ele batia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E essa cicatriz, quem foi que fez essa
cicatriz? Você se lembra quem foi que fez essa cicatriz?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Lá, apanhava lá. Ele batia em mim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Marcelo batia em vocês também?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Batia.
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SENTENÇA
Processo penal 175
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que ele fazia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Batia a pau. Ai, eu pedia para ir embora e ele
pegava no pau e começava a bater.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem fiscalizava vocês? Havia algum tipo
de vigilância para vocês não fugirem?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era o capataz que vigiava nós lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Paulinho e o Marcelo chegavam a vigiar
também?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Os três lá olhavam para não sair.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Os três olhavam? Fiscalizavam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Olhavam.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês alguma vez pensaram em se reunir
para tentar, como eram quatro, tentaram se reunir para se rebelar quanto a
isso?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não, porque nós tínhamos medo. Batiam no sujeito.
A gente ficava... (ininteligível). Batiam na gente. Pedia para ir embora, batia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tentou fugir ou tentar alguma fuga
alguma vez?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sai mas me apanharam e me batiam.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O que eles fizeram com você?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Bateram a pau.
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SENTENÇA
Processo penal 176
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Nessa última vez você conseguiu fugir e foi
na polícia.
ROBERTO DE OLIVEIRA: É, fui. Chamei o sobrinho meu e fomos lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O Rogério?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Esse mesmo. Rogério. Aí fomos lá e demos parte.
Aí foi dois carros da Civil.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Nessa primeira vez que você fugiu, você
não conseguiu ir na polícia, não chegou a tentar ir na polícia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não deu tempo, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês tinham telefone?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não podia usar, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tinham algum contato com a família?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não podia ter, não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Antes de ir para lá você morava com quem?
Antes de começar a trabalhar para eles.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Morava aqui com minha irmã, lá em São Fidélis.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você morava em São Fidélis com sua irmã?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Morava com minha irmã antes de ir para lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E depois que foi para lá, você chegou a ter
contato com ela?
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SENTENÇA
Processo penal 177
ROBERTO DE OLIVEIRA: Nunca mais eu tive contato.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quanto tempo, mais ou menos, você ficou
sem ver sua irmã?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não podia sair para lugar nenhum.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quanto tempo você ficou sem contato com
sua irmã?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Dez anos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você teve contato com ela depois que
você...?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você não teve contato até hoje?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não, não! Depois que eu saí, aí que eu cheguei...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a ter contato com sua irmã
depois que saiu de lá desta última vez?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tive. Moro lá, na casa dela.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhou na Usina Pureza e no sítio.
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quais locais você trabalhava, já trabalhou?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Trabalhei lá. Já trabalhei aqui na safra, aqui. Aqui...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eu falo, assim... em relação ao Paulinho, a
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SENTENÇA
Processo penal 178
serviço do Paulinho, do Robertinho e do Marcelo, você trabalhou em que
locais? No sítio?
ROBERTO DE OLIVEIRA: No sítio, na Usina de Pureza cortando cana lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que mais, além desses locais, teve algum
local que vocês já trabalharam lá?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Já trabalhamos aqui.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Aqui em Campos?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Cortando cana.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Na casa dele ou de um terceiro que ele...?
Você sabia quem era?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Trabalhamos aqui mas nós íamos embora para lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês sabem de quem era esse local onde
vocês cortavam cana?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era de Osair, aqui.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Osaias ou Osair?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Osair.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era alguma empresa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: ... (ininteligível) de Pureza lá. Dono lá de tudo lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E para a Agromonte, você trabalhou?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Trabalhei também. Trabalhamos lá.
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Processo penal 179
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas isso foi através do Paulinho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Também
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem fiscalizava o trabalho de vocês?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Robertinho que ficava
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Robertinho que fiscalizava?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Robertinho que ficava lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você teve carteira assinada?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Nunca tive.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Chegou a reter seus documentos pessoais,
carteira de trabalho, identidade, título de eleitor?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele só apanhou o documento e ele só tirou o
documento meu só.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Não entendi, Roberto.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele só tirou para mim um documento só.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Documento. Mas que tipo era? Título de
eleitor? Carteira?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Identidade.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Identidade?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Esse aqui.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que ele tirou esse documento? Ele
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SENTENÇA
Processo penal 180
falou? Era para que?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Esse aqui que ele tirou.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Certidão de nascimento?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: 2011, não é? Setembro de 2011, lá em São
Fidélis. Ele tirou isso porque você pediu ou...? Como é que foi? Ele falou para
tirar? Como é que foi?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele tirou e me entregou. Mandou o capataz me
entregar esse registro.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você soube se ele chegou a utilizar seu
documento para alguma finalidade particular dele?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Se ele usou eu não sei não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a trabalhar na empresa Teia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Quem trabalhou...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Recorda, empresa Teia Participações?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Quem trabalhou foi Davi e “JIPE”, na Teia.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Trabalharam com carteira de trabalho
assinada, mas falaram que você e o Romarinho também trabalharam lá, mas
sem carteira. É verdade?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É verdade.
JUIZ FEDERAL: O senhor trabalhava em uma empresa? Como é que o senhor
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SENTENÇA
Processo penal 181
trabalhava nessa empresa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Na mesma lá, mas só que Davi e “JIPE”
trabalhavam para a Teia... (ininteligível)
JUIZ FEDERAL: Mas como é que era? O que é que o senhor fazia nessa
empresa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eu não tinha carteira assinada não.
JUIZ FEDERAL: Não tinha carteira assinada. Isso eu entendi. Mas o senhor
trabalhava sem carteira assinada fazendo o que?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Cortando cana, plantando cana.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Essa Teia, esse nome Teia é um nome
jurídico, nome social. Mas você sabe se essa empresa era a própria usina
Pureza? Era em que local que você trabalhava?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era a própria usina. Era dentro da usina que eu
trabalhava
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você trabalhou quanto tempo nessa usina
Pureza? Mais de quatro meses?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Dez anos lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Foram dez anos?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Para Paulinho. Para ele que eu trabalhava lá.
Mandado de Paulinho que eu trabalhava lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês recebiam algum salário por esse
trabalho?
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SENTENÇA
Processo penal 182
ROBERTO DE OLIVEIRA: Nunca. Só o que nós ganhávamos do trabalho era
fumo e bebida.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: No início você chegou a receber algum
valor?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Nunca.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles cobravam alguma dívida de você em
relação ao transporte, alimentação?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eles falavam assim: “se não render o trabalho aí,
eu vou largar vocês sem nada para comer, só preso, morrer preso”. Ele falava
assim. Xingava a mãe da gente.
JUIZ FEDERAL: Xingava a mãe? Xingava como?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Xingava.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que tipo de xingamento? Pode falar.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Mas aqui não pode falar, não.
JUIZ FEDERAL: Pode falar. Porque às vezes para a outra pessoa não é
xingamento. Por isso a gente precisa saber que palavras ele usou.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Falava que a minha mãe botou um diabo no
mundo, não botou gente não. “A sua mãe pariu um diabo, não é gente, não”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem falava?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Paulinho falava. Dono da fazenda.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Robertinho e o Marcelo, eles xingavam
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SENTENÇA
Processo penal 183
sua mãe?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Xingavam também.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: De quê?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A minha era pior que eu, que vale nada. Era...
xingava...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas eles xingavam por que? Por que eles
xingavam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ficavam bravos com a gente lá. Bravo. Zangado.
Aí, dava um defeito no carro dele lá e ele achava que a gente é que era
culpado. Um boi dele morria lá, aí ele ficava bravo com a gente.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas vocês cuidavam do gado, do boi?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Tinha um campeiro. Ele que trabalhava lá.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem era esse campeiro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era... (ininteligível).
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Não entendi.
ROBERTO DE OLIVEIRA: “QUEQUÉU”.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: É o Marquinho?
JUIZ FEDERAL: “QUEQUÉU” era apelido de alguém? Você sabe o nome de
“QUEQUÉU”?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não senhor. Só ...
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Processo penal 184
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Deoclemir?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É esse mesmo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era cunhado do Marcelo? Era tio do
Marcelo, cunhado do....?
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe se ele tinha algum parentesco? “QUEQUÉU”.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Marcelo era... A irmã de “QUEQUÉU” era mãe de
Marcelo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Certo! Mas o trabalho que ele fazia era o
mesmo que vocês faziam?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Marcelo?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Cortava cana, pegava na...? O trabalho do
“QUEQUÉU”, era o mesmo de vocês e do Romário também?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele só guardava a vaca na ....
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele tirava leite da vaca?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É! Tirava também.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E o Marquinho? Que é que o Marquinho
fazia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele botava ração no cocho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele trabalhava junto com vocês ou era outro
tipo de trabalho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era outro tipo de trabalho.
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Processo penal 185
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que ele fazia? Tirava leite?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ração no cocho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele juntava as patas?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Amarrava o pé da vaca.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E por que o Marquinho não concordou com
essa denúncia? Quando você saiu de lá os outros três concordaram, mas o
Marquinho não.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Porque ele era do lado de Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Mas por quê, você sabe dizer?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele era do lado de Paulinho.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele recebia algum tipo de... Além do
trabalho, era mais leve o trabalho que ele fazia, ele recebia alguma coisa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Também nada.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E as condições de trabalho lá, como é que
eram? Vocês trabalhavam e tinham luva, equipamento, alguma...?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era com a mão assim mesmo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Era direto na foice?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Como está aqui.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você chegou a se acidentar usando a foice
ou durante o trabalho?
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Processo penal 186
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Teve algum acidente, algum corte
produzido?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Algum dos outros seus colegas teve algum
acidente?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Teve. Cortou o pé com o facão.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Davi.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Que aconteceu com ele?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele foi pegar a cana assim e passou o facão assim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E levaram ele para o hospital?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Sarou em casa lá. Botou num... (ininteligível)
assim.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Quem botou?
ROBERTO DE OLIVEIRA: O vizinho que deu um remedinho assim para
passar.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: E quem passou?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era Davi que passou no pé dele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Você tem mais algum esclarecimento que
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SENTENÇA
Processo penal 187
você se lembre, algum fato relevante sobre o trabalho escravo? A denúncia
aqui é sobre trabalho escravo. Que você se lembre e pode trazer para subsidiar
a instrução do processo?
JUIZ FEDERAL: Mais alguma coisa de que se lembre e não foi perguntado a
você?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: Satisfeito?
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Satisfeito.
ADVOGADO DE DEFESA: Tudo bem, “CONINHO”? Tudo joia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tudo.
ADVOGADO DE DEFESA: Antes de o senhor chegar na vila Angelim, onde o
senhor morou e é o local de residência também do Paulo Girão, o senhor
trabalhava fazendo o que?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Roçando pasto.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor trabalhava na roça já, roçando pasto e
cortando cana?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Cortando cana, roçando pasto, capinando.
ADVOGADO DE DEFESA: E era com quem, quem era seu patrão nessa
época?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Na época lá?
ADVOGADO DE DEFESA: Não. Eu estou perguntando antes. Antes de ir para
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SENTENÇA
Processo penal 188
lá, o senhor trabalhava com o quê?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Trabalhava tratando de vaca no cocho. Cortava
cana, botava no chocho, depois eu pegava a foice e roçava pasto.
ADVOGADO DE DEFESA: E isso era onde?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era fora. Era lá em Colônia.
ADVOGADO DE DEFESA: Lá em Colônia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor se lembra do nome do patrão dono da
fazenda?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era Betinho.
ADVOGADO DE DEFESA: Betinho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Betinho.
JUIZ FEDERAL: Onde é que fica Colônia? Colônia que o senhor falou? Fica
onde?
ADVOGADO DE DEFESA: Distrito de São Fidélis, Excelência. Era Betinho o
que o nome do seu patrão?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Betinho Pereira.
ADVOGADO DE DEFESA: Betinho Pereira?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Ele assinou a carteira do senhor lá?
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SENTENÇA
Processo penal 189
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
ADVOGADO DE DEFESA: Quanto tempo o senhor trabalhou para o Betinho
Pereira? Não é quanto tempo o senhor saiu de lá não. Quanto tempo o senhor
ficou trabalhando para ele lá?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Uns três meses só. Depois saí e fui embora depois.
ADVOGADO DE DEFESA: Aí o senhor veio embora para São Fidélis?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Vim embora de novo.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantos anos o senhor tem?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Trinta e sete anos.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor trabalha desde quantos anos de idade o
senhor começou a trabalhar?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Trabalho desde dezessete anos.
ADVOGADO DE DEFESA: Desde dezessete anos o senhor trabalha?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É
ADVOGADO DE DEFESA: Sempre na roça?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Então desde os dezessete anos até os vinte e nove
anos você trabalhava nisso também?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Depois você foi para a fazenda do Girão, não é
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SENTENÇA
Processo penal 190
isso?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É, aí fiquei preso e não saí mais.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor trabalhava na fazenda, dos
dezessete até os vinte e nove anos, na roça, o senhor morava na própria
propriedade ou morava na casa da sua mãe em São Fidélis?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Morava cá, com minha irmã, em São Fidélis.
ADVOGADO DE DEFESA: A casa dela é própria ou ela paga aluguel?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A prefeitura dá.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor se refere a umas casinhas que a
prefeitura faz doação, lá na Chatuba.
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Ela recebeu uma doação dessa.
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Uma casinha.
ADVOGADO DE DEFESA: É uma casinha bastante humilde lá, não é?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantas pessoas moravam nessa casinha?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Mora eu, o sobrinho meu.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantas pessoas?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Três pessoas, quatro comigo.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas essas casinhas só tem um quarto, sala
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SENTENÇA
Processo penal 191
cozinha e banheiro. Dormiam todos no mesmo quarto?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Dormia na cozinha.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor dormia na cozinha?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Na cama.
ADVOGADO DE DEFESA: Tinha uma cama na cozinha?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Desde os dezessete anos até os vinte e oito. Mas
até os dezessete anos... A sua mãe e seu pai morreram, você tinha quantos
anos? Quantos anos o senhor tinha?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não lembro.
ADVOGADO DE DEFESA: Eles morreram o senhor era bem pequeno, criança.
Aí, o senhor passou a ficar na casa da sua irmã.
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantos irmãos o senhor tem?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eu tenho uma que mora lá, e outra que mora para
cá. Silvana.
ADVOGADO DE DEFESA: E mora onde essa aí?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Mora lá no Rio e a outra mora lá.
ADVOGADO DE DEFESA: Uma em São Fidélis e outra no Rio de Janeiro.
ROBERTO DE OLIVEIRA: No Rio de Janeiro.
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SENTENÇA
Processo penal 192
ADVOGADO DE DEFESA: Essa que está morando no Rio de Janeiro, quanto
tempo tem que o senhor não tem contato com ela?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não tenho visto não. Sumiu para lá.
ADVOGADO DE DEFESA: Sumiu para lá?
Não vi mais, eu tava preso no Paulinho, saí de lá e também não vi não. Tem
muitos anos isso.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor ficou preso, trabalhando forçadamente, lá
no Beco do Jadir, dez anos. É isso mesmo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É isso mesmo.
ADVOGADO DE DEFESA: Nesse beco, o senhor só saia de casa para o
trabalho, na companhia de Robertinho, e retornava para lá, onde era trancada
a porta.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era isso mesmo.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor nunca circulou livremente, sozinho, nas
ruas do Angelim, nesses dez anos?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Só preso mesmo.
ADVOGADO DE DEFESA: A única oportunidade que o senhor teve de fugir foi
nessa ocasião, lá na propriedade de “SONGUINHO”? A primeira.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Foi. Eu saí por uma mata virgem que eles...
(ininteligível) não achou. Passei em cima de uma macega desgraçada, rasguei
minha camisa toda, perdi um boné para trás no espinho. Agarrou e ficou para
trás. Aí, varei e saí na estrada. Da mata varei na estrada e vazei fora. Fui
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SENTENÇA
Processo penal 193
embora.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor foi para São Fidélis, lá para a Chatuba,
que dá mais ou menos uns quatorze quilômetros de onde o senhor estava,
quatorze, quinze ou dezesseis. O senhor foi a pé?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Fui. A pé. E eu saí de Barro Branco e chegou cá na
pista, no asfalto e apanhei uma carona de um ônibus.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas o senhor pagou a passagem ou pediu uma
carona ao motorista e ele te deu?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Aí, chegou na linha de trem e largou eu.
ADVOGADO DE DEFESA: “CONINHO”, por que, no Beco do Jadir, ficavam
você, Davi e “JIPE”, e Romário ficava na casa de Paulinho Girão?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ficavam os dois lá. Ficava “SAPO” e Romarinho lá
nele. Morava lá no quarto.
ADVOGADO DE DEFESA: Era um cômodo, um quarto mesmo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era.
ADVOGADO DE DEFESA: Eles ficavam lá e vocês cá.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era baia de cavalo. Aí eles ficavam lá.
ADVOGADO DE DEFESA: Essa diferença de tratamento era por quê? Você
sabe?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não sei não. Não sei por causa de que não.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor ia a culto nas igrejas? Que tinha igreja
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SENTENÇA
Processo penal 194
no... (ininteligível), no Angelim?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Não ia, não.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor ia a aniversários, churrasco,
comemorações, na casa de Paulinho ou noutros lugares?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha uma vez, há muito tempo lá, ele fez um
churrasco lá. Aí chamou lá.
ADVOGADO DE DEFESA: Tenho aqui algumas fotografias de aniversário
desse menininho aqui, na casa de Paulinho Girão. O senhor conhece esse
menininho aqui? Pode olhar a foto tranquilo. Quem é esse menininho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Filho de Fabinho que mora com Vazinho.
ADVOGADO DE DEFESA: Quem cria ele?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Paulinho que criou.
ADVOGADO DE DEFESA: Como se fosse filho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É. Como se fosse filho dele, mas não é filho dele
não.
ADVOGADO DE DEFESA: Aqui é o aniversário dele e o senhor está aqui. O
senhor participou desse aniversário? O senhor foi convidado para esse
aniversário?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Participei.
ADVOGADO DE DEFESA: Nesse aniversário tinha muita gente. Quem ficava
vigiando o senhor para o senhor não fugir?
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SENTENÇA
Processo penal 195
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eram os mesmos três – Paulinho, Marcelo e
Robertinho.
ADVOGADO DE DEFESA: Tinha muita gente nesse aniversário. O senhor não
pensou em pedir ajuda de ninguém não? O senhor estava tanto tempo ali,
naquela situação difícil.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele não deixava a gente falar com ninguém.
ADVOGADO DE DEFESA: Aqui tem outro aniversário. Alias, aqui não é
aniversário. É uma situação cotidiana, normal. Onde vocês estavam aqui? Está
você aqui, tá o Cirlei, “JIPE”, tá o Juan de novo. Juan está até sentado, com a
mão no seu colo. Era onde isso aí? Folhas 3 do apenso 1 – documento dos
réus. O senhor não lembra não? Aqui é uma outra ocasião. É o senhor
também? Não é aniversário. Tá na casa de alguém, situação normal. Não é
aniversário.
ROBERTO DE OLIVEIRA: Aqui é eu. Um cara que trabalhou lá também.
ADVOGADO DE DEFESA: Romário tocava na igreja? Pandeiro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tocava lá. Pandeiro.
ADVOGADO DE DEFESA: Ele participava de cavalgada? Ele gostava?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
ADVOGADO DE DEFESA: Esse cavalo era dele, de Romarinho mesmo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Era de Paulinho.
ADVOGADO DE DEFESA: Nessa foto aqui aparecem todos vocês como se
fosse uma foto de dia a dia, talvez vindo do trabalho. Onde vocês estavam aí?
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SENTENÇA
Processo penal 196
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele filmava assim para dar entender que a gente
estava livre.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor estava participando desse churrasco?
Nessa foto aqui?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era no sítio em Friburgo. Ia lá para trabalhar.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor se lembra de ter um orelhão em frente ao
beco?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tem sim.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor sabe o número da polícia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor já viu polícia passando pela rua principal
da rua do angelim?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Já. Chegando do trabalho.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor não tinha intenção de pedir ajuda?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tava lá preso.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando o senhor prestou o depoimento na
delegacia, o senhor não menciona o nome de Marcelo. Agora o senhor insiste
que Marcelo lhe batia. Por que naquela ocasião não mencionou?
ROBERTO DE OLIVEIRA: ... (inaudível).
ADVOGADO DE DEFESA: Onde Romário comia?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele que fazia lá.
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SENTENÇA
Processo penal 197
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor o pai de Davi?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Qual o nome dele?
ROBERTO DE OLIVEIRA: ... (inaudível).
ADVOGADO DE DEFESA: Ele mora no beco?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Pertinho.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor sabe dizer “JIPE” trabalhava com
tourada?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Você sabe dizer se atualmente continua
trabalhando com tourada?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
ADVOGADO DE DEFESA: Do beco até o sítio tem uns dez quilômetros?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Uns quatro.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor trabalhou na propriedade de Paulo
Russo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sim.
ADVOGADO DE DEFESA: No sítio, por diversas vezes ficaram sozinhos com
o Marcelo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sim.
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SENTENÇA
Processo penal 198
ADVOGADO DE DEFESA: No sítio de barraco branco, vocês ficavam sozinhos
com Robertinho?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sim. Tinha outra turma que trabalha com nós.
ADVOGADO DE DEFESA: Para ir para o sítio do Paulo Russo vocês
passavam em frente da casa da sua irmã?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Passava por lá.
ADVOGADO DE DEFESA: Nessas ocasiões, se vocês quisessem poderiam
ter amarrado o Robertinho e escapado?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não dava para sair. Ele ficava vigiando. Tinha
medo de sair. Ele batia em nós.
ADVOGADO DE DEFESA: Se vocês não tivessem medo, vocês poderiam ter
fugido?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor trabalhou quanto tempo lá?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Dez anos.
JUIZ FEDERAL: Antes o senhor trabalhou para outro fazendeiro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sim. Com o Betinho.
JUIZ FEDERAL: Como eram as condições com o Betinho?
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SENTENÇA
Processo penal 199
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eram diferentes. Pagava eu. Podia sair para
qualquer lugar. Não batia.
JUIZ FEDERAL: No seu Paulinho o senhor não podia sair?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Ficava preso.
JUIZ FEDERAL: O senhor tem alguma religião?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Universal.
JUIZ FEDERAL: Havia alguma festividade no Natal, Páscoa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor nesse período de dez anos comprou alguma coisa?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Não tinha dinheiro.
JUIZ FEDERAL: O senhor tinha algum dinheiro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Nada.
JUIZ FEDERAL: Quando o senhor fugiu, levou algum dinheiro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor ficou doente nesse período?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Sim.
JUIZ FEDERAL: O que o senhor teve de doença?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Febre e resfriado. Não tinha vontade de trabalhar,
não.
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Processo penal 200
JUIZ FEDERAL: Mas era gripe?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era febre, resfriado. Eu tomava chuva no serviço,
não podia parar.
JUIZ FEDERAL: E passando mal assim, o senhor ia ao médico?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não ia não.
JUIZ FEDERAL: Mas o senhor quis ir a médico?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eles não deixavam, não.
JUIZ FEDERAL: E como é que fez? Deu remédio para o senhor?
ROBERTO DE OLIVEIRA: A gente tomava remédio de mato.
JUIZ FEDERAL: Ervas? Chá de boldo?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Era, era. Fazia no copo e tomava.
JUIZ FEDERAL: Mas comprimido, o senhor não tomava?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
JUIZ FEDERAL: O senhor usava o telefone?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não, não podia usar não.
JUIZ FEDERAL: Alguma vez o senhor foi ameaçado?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele falava todo o tempo que se nós fugisse de lá e
se desse parte dele, depois que ele saísse de preso ele matava todo mundo.
JUIZ FEDERAL: Falou para o senhor isso?
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Processo penal 201
ROBERTO DE OLIVEIRA: Falou pra todo mundo.
JUIZ FEDERAL: O senhor conhecia algum “BOINHA”?
ROBERTO DE OLIVEIRA: “BOINHA”, quando eu cheguei pra lá ele já estava
lá.
JUIZ FEDERAL: E quem levou o “BOINHA”?
ROBERTO DE OLIVEIRA: “BOINHA” ...
JUIZ FEDERAL: Você sabe o nome dele?
ROBERTO DE OLIVEIRA: “BOINHA” tinha o apelido de Adeir.
JUIZ FEDERAL: Que fim levou o senhor “BOINHA”?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Ele ficou doente, saindo aquela catarrada pelo
nariz, mas apertavam ele pra trabalhar doente ainda e ele sempre pedia: “ô
gente, pelo amor de Deus, me leva lá no hospital”.
JUIZ FEDERAL: E ele levava?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Levava não.
JUIZ FEDERAL: Ele morava no mesmo local que os senhores?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não. Morava lá na baia. E a gente cá no beco.
JUIZ FEDERAL: O que que aconteceu? Ele melhorou? Foi embora?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Aí ele adoeceu de noite, não trabalhava. Aí quando
foi um dia ele não aguentou, não. Paulinho deixou ele cá no... e depois aparece
o filho de Paulinho falando que ele morreu. Morreu e eles levaram lá pra o
hospital e não teve jeito.
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Processo penal 202
JUIZ FEDERAL: Hospital aonde? O senhor sabe?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Lá em São Fidélis.
JUIZ FEDERAL: Só tem um hospital lá?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
JUIZ FEDERAL: O senhor foi ao enterro?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Eu queria ir, mas não deixaram eu ir, não.
JUIZ FEDERAL: Quem não deixou?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Paulinho não deixou, não.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe aonde ele foi enterrado?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Lá em Angelim.
JUIZ FEDERAL: No cemitério?
ROBERTO DE OLIVEIRA: É.
JUIZ FEDERAL: Só tem aquele cemitério?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não, tem um outro pro lado de lá.
JUIZ FEDERAL: Quando o senhor foi pra lá trabalhar, ele já estava lá?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Já tava lá já.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe me dizer... o senhor tinha calendário? Sabia
qual era o dia da semana, do mês?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não.
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Processo penal 203
JUIZ FEDERAL: Tinha calendário lá? TV?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tinha uma que ficava no quarto.
JUIZ FEDERAL: Essa TV chegou quando?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Tava lá já.
JUIZ FEDERAL: O senhor não sabe ler nem escrever não?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Não, só fichar.
JUIZ FEDERAL: O senhor sabe dizer quanto tempo o “BOINHA” faleceu?
ROBERTO DE OLIVEIRA: Há bastante tempo já.
2. 3. 2. 2. 5. Cirlei Rodrigues Moreira
Cirlei Rodrigues Moreira não pôde ser ouvido na audiência de
instrução, pois se encontrava internado na Santa Casa de Misericórdia de
Campos, desde 05.08.2014, sem previsão de alta, com diagnóstico de neoplasia
de esôfago (fls. 151). Em sede policial, Cirlei reiterou a versão dos colegas de
trabalho. Nunca teria recebido pagamento algum nos quinze anos que teria
trabalhado para “Paulinho”; apenas sua alimentação era provida pelo dono da
fazenda e pelo capataz, “Robertinho”. Quando não estava trabalhando no sítio
Canto da Serra, o ofendido seria enviado para a Usina Pureza – onde tampouco
lhe teriam pago coisa alguma. Disse que não teria havido como fugir, pois as
portas da casa onde os trabalhadores moravam estariam fechadas e os muros da
propriedade seriam muito altos. Já teria sido agredido por “Robertinho”. Uma vez
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Processo penal 204
“Robertinho” e “Paulinho Girão” teriam ido atrás dele, que havia conseguido fugir,
e o teriam convencido a retornar à fazenda, alegando que iriam lhe pagar pelo
trabalho, dali para frente. Cirlei finaliza o depoimento com uma breve descrição
das condições miseráveis do cômodo em que residia com os colegas (fls. 26/8 –
Comunicação de Prisão).
A essas declarações, prestadas à margem do contraditório, na
fase pré-processual, sem que os réus por si ou por sua defesa técnica tivessem
tido a oportunidade de confrontar o “acusador” (confrontation clause;
Konfrontationsrecht – dimensão do direito à autodefesa), jamais se lhes poderia
atribuir valor probatório suficiente para por si só lastrear uma condenação. Trata-
se de estreitamento jurisprudencial do horizonte de projeção do princípio do livre
convencimento judicial motivado (der Grundsatz der freien richterlichen
Beweiswürdigung27) ou da persuasão racional – que teoricamente abdica de
provas tarifadas, com valor pré-determinado pelo legislador –, adotado
expressamente pela legislação brasileira. Mas isso não significa que percam por
completo sua significação probatória. Ao contrário, tais declarações podem e
devem ser valoradas na escala de quaisquer outros elementos informativos,
dissolvendo-se e reintegrando-se na unidade superior consistente no conjunto
probatório tal como ao final estruturado. É a previsão expressa do CPP 155:
O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente
27 Sobre as características primordiais do princípio, cf. PFEIFFER, Gerd. Strafprozessordnung
Kommentar. 5. Auflage. München: C. H. Beck München, 2005, p. 698.
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SENTENÇA
Processo penal 205
nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.
É igualmente a posição assumida pelo STF:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO
POR TRÁFICO DE DROGAS. ELEMENTOS DA FASE INQUISITORIAL
CONFRONTADOS COM OS ELEMENTOS COLHIDOS EM JUÍZO.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE INCURSÃO
APROFUNDADA NO ACERVO PROBATÓRIO. RECURSO AO QUAL SE
NEGA PROVIMENTO.
1. Condenação lastreada em declarações colhidas de testemunhas na fase
inquisitorial, bem como em depoimentos prestados em juízo, sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa, não resulta em ilegalidade.
[...] 4. Recurso ordinário ao qual se nega provimento.
(RHC 121850, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em
20/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 03-10-2014 PUBLIC
06-10-2014)
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM
HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
(ART. 337-A C/C ART. 71, DO CP). CONDENAÇÃO BASEADA EM
INFORMAÇÕES COLHIDAS NO INQUÉRITO E COMPLEMENTADAS POR
PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO. POSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO DO
HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL.
VEDAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. O livre convencimento do juiz pode decorrer das informações colhidas
durante o inquérito policial, nas hipóteses em que complementam provas que
passaram pelo crivo do contraditório na fase judicial, bem como quando não
são infirmadas por outras provas colhidas em juízo. Precedentes: HC 114.592,
Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 26.03.13;
HC 107.228, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de
22.06.11; HC 102.473, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe
de 02.05.11; RHC 104.701, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia,
DJe de 01.02.11; RHC 99.057, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen
Gracie, DJe de 06.11.09.
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SENTENÇA
Processo penal 206
2. In casu, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenou o recorrente a 2
(dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime de sonegação
de contribuição previdenciária (artigo 337-A do CP), em continuidade delitiva
(art. 71 do CP). No voto condutor daquele julgado, destacou-se que “tendo toda
a prova oral do inquérito policial sido voltada para a imputação da autoria do
delito previsto no artigo 337-A, do Código Penal ao apelado, e, perante a
autoridade judicial, o acusado ter reiterado sua confissão, estando, frisa-se,
acompanhado de defensora dativa quando interrogado (fi. 89), não há falar em
aproximação ‘do processo penal eminentemente inquisitivo’ (fl. 131), senão em
ratificação de todo o contexto probatório produzido na fase inquisitorial".
[...] 6. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.
(RHC 118516, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em
22/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 09-05-2014 PUBLIC
12-05-2014)
2. 3. 2. 2. 6. Valoração em concreto das declarações
A versão apresentada em audiência, sob o crivo do contraditório,
pelos ofendidos Davi, Romário e Roberto, é sólida e verossímil. Suas declarações
são coerentes e harmônicas entre si nos aspectos factuais centrais ou
juridicamente determinantes do caso. É preciso observar que se trata de pessoas
de baixo nível socioeconômico e educação bastante precária, que não teriam
condições de engendrar uma versão tão extensa e minuciosa, como a que foi
apresentada. De mais a mais, os ofendidos permaneceram afastados uns dos
outros durante a fase investigatória e até a metade da fase processual, só vindo a
reencontrar-se no dia em que foram ouvidos. Até onde se sabe, não tiveram
assistência de advogado. Isso tudo aponta para a ausência de prévia combinação
das estórias. A reação emocional às perguntas também é um claro da
espontaneidade das declarações: Davi tem nítido medo de Paulo Girão; Romário,
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SENTENÇA
Processo penal 207
apesar das bravatas de valentia, mostra-se assustado.
Às declarações prestadas em juízo soma-se o depoimento de
Cirlei que, por gozar da mesma solidez e verossimilhança e harmonizar-se
plenamente com elas, deve receber tratamento probatório semelhante.
Por se tratar da palavra de supostas vítimas, e em consonância
com os critérios já ventilados, valoro cada uma das declarações como prova
indiciária.
2. 3. 2. 3. Prova testemunhal
2. 3. 2. 3. 1. Valor probatório
A prova testemunhal aqui se apresenta de duas formas: i) prova
direta, se aquilo que a testemunha captou sensorialmente diz respeito à alegação
do fato probando; ii) prova indireta (indiciária), se aquilo que o depoente afirma se
refere à alegação de um fato cuja comprovação seja suficiente para, por regra de
experiência - e por meio de abdução -, fazer concluir pela existência do fato
probando.
2. 3. 2. 3. 2. Policiais que participaram da prisão em flagrante dos
réus
2. 3. 2. 3. 2. 1. Giovani F. Ponce Pasini Judice
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SENTENÇA
Processo penal 208
O testemunho do inspetor Giovani F. Ponce Pasini Judice, que
participou da operação policial que resultou na prisão em flagrante dos réus é de
enorme valor probatório, pois confirma diversos pontos cardeais da versão
exposta na denúncia: i) os ofendidos foram encontrados escondidos numa vala; ii)
além de sujos e maltrapilhos, estavam muito abalados emocionalmente, com
dificuldade para falar; iii) as condições de higiene de um dos quartos usados para
habilitação eram péssimas. Além disso, o depoimento prova que, desde o início,
sem que houvesse tempo hábil para uma combinação prévia, os ofendidos
sustentaram com coerência a versão de que estavam sendo mantidos como
“escravos” pelos réus. Isso reforça substancialmente a credibilidade de suas
declarações.
TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO
GIOVANNI: Na época dos fatos, eu era lotado na 146 DP – Delegacia de
Guarus. Era final de semana, eu estava no plantão de área na 134 DP. Não me
recordo a hora certa, mas o delegado adjunto me chamou ao gabinete e me
falou assim: “Giovanni, vê quem tá aí sem atendimento, vamos juntar uma
equipe e vamos para São Fidélis porque o pessoal de São Fidélis ligou e falou
que tem uma situação lá para averiguar de possível situação de escravo, uma
pessoa teria fugido de uma fazenda, e eu quero ir lá para verificar, eu quero ver
isso de perto.” Aí, a gente pegou a viatura, fomos para lá, fomos em duas
viaturas para lá. Fizemos contato com o pessoal do plantão na delegacia de
São Fidélis. Um deles é o policial que está aí, o Willian. E a gente viu que tinha
um cidadão que teria fugido de uma fazenda, de uma propriedade, em um local
próximo a São Fidélis, mas para o interior, e teria contado que, junto com ele
teriam mais três que teriam ficado na propriedade e ele teria conseguido fugir,
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SENTENÇA
Processo penal 209
e ele relatou que estava ali há um bom tempo, que não tinha contato com
familiares, que os outros três que estariam lá também não tinham contato com
familiares. E que a gente perguntou se tinha gente armada, e eles falaram que
o pessoal, de vez em quando falava que “Ó, não foge não que o pessoal tá de
olho”, mas não tinha certeza. Aí a gente foi sem saber o que ia encontrar pela
frente. Notamos... fomos em três viaturas: as duas nossas e a que já estava em
São Fidélis. Fomos para esse local. Chegando lá, era um local... Uma das
viaturas se deslocou por um outro local porque parece que o local onde eles
ficavam guardados era um pouco mais afastado. A viatura que eu estava e a
viatura que o delegado estava foi para a fazenda. A outra viatura que o Willian
estava foi para esse outro local. A viatura que o delegado estava à minha
frente. A gente chegou ao local. O delegado já desceu. Estava o proprietário da
fazenda, o... esse do meio aqui, estava de chapéu, estava em baixo de uma
árvore. O delegado pediu: “- Não, o senhor fica aí, não se movimenta, senta no
chão.”
JUIZ FEDERAL: O senhor é o senhor Paulinho, não é isso? [INDAGA AO RÉU
SENTADO NO MEIO]
RÉU PAULO GIRÃO: Sou eu.
GIOVANNI: Isso, isso! E aí, tinha também o... , acho que o filho dele, que está
aqui do lado, que estava perto, assim, nos currais. Acho que tinha mais um
funcionário, se eu não me lembro. Eu estava com um colega e a minha
preocupação era de ter... eu não sabia, então, meu medo era de ter algum
capanga, alguma situação com gente com arma. E aí eu falei: “- Cara, vamos
rodar, vamos pegar o cara aqui para ver se ...”. Aí, eu comecei a perguntar a
ele: “- Tem gente armada aí?”. Esse, o que conseguiu fugir, estava muito
nervoso. Começou a ficar visivelmente mais nervoso, aí começou a gaguejar, e
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SENTENÇA
Processo penal 210
eu perguntando “- Cadê?”, e ele começou a falar assim: “- Estão escondidos.”.
Eu achei que fosse capanga que estava escondido. Então falei: “- Cara, vamos
ficar na atividade.” Começamos a rodar, fomos olhar os currais, olhamos as
casinhas lá, uns lugares com sela, com um monte de coisa guardada, e nada!
E ele nervoso, apontando para um pasto mais afastado lá, aí fomos até lá. Aí o
delegado foi com a gente. Quando a gente chegou lá, que a gente olhou assim,
viu como se fossem dois corpos caídos, assim, numa vala, e eu falei: “- Ih,
cara! Tem gente morta ali.”. Eram os outros dois escravos que estavam
escondidos em uma vala. Aí é que ele foi falar com a gente que quem estava
escondido, o que ele estava falando, eram os colegas dele, e não os capangas.
Aí ele disse que a ordem que eles dão para a gente é de que, toda vez que
chega alguma situação, alguém estranho na fazenda, é para a gente se
esconder. Porque, se eles ficam falando que os caras não estão ali, né! Então,
é para a gente se esconder. Aí, a gente vimos os dois olhando para a gente
assim, e o delegado disse: “- Pode levantar! Pode levantar! Aqui é a polícia.
Pode vir. Está tranquilo.” Aí eles vieram ressabiados, ficaram meio que, de
primeiro, assim, de que “- não, não. Está tudo bem. Está tudo bem.”. E o
delegado disse “- Calma! Calma! Aqui é a polícia. Teu colega está aqui do lado
e falou que vocês estão na situação aqui que está relatando, que vocês ficam
aqui, que não tem contato com ninguém. É isso mesmo?” Aí eles foram
acalmando e foram falando: “- É, realmente, a gente não tem contato com
ninguém. A gente vai para o trabalho e depois volta para essa casa, um
comodozinho que fica ...” Que aí eu não vi, mas foi a outra equipe que foi lá. E
até então só tinham mais dois – o que fugiu e mais dois. E tava a gente perto
da viatura e quando eu olho assim, levanta um carinha do meio do mato e saiu
correndo. Aí a gente abordou achando que é um capanga, mas na verdade era
um quarto, que também estava escondido com medo da gente. E a gente “-
Volta, rapaz! Fica...”. Aí que ele foi e chegou para perto. Ele... “- A ordem nossa
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Processo penal 211
é se esconder. A gente não pode fazer contato com ninguém.” Aí a gente
verificou se não tinha mais ninguém e aguardamos juntar a equipe, voltamos
para a delegacia e aí fomos pegar a declaração pessoal. E aí, realmente
ficou... pelo que a gente viu ali, eu, pelo que tive contato ali, eles relatavam que
saiam desse cômodo para fazer o trabalho de lavoura, voltavam pra esse
quartinho e ficavam ali, não poderiam sair sob qualquer hipótese. Um parente
dele que estava lá falou que “- Várias vezes que eu fui lá perguntar por meu tio
e a informação que me davam era que ele tinha casado com uma pessoa da
Bahia, uma mulher da Bahia, e tinha se mudado para lá tem muito tempo.
Então, toda vez que eu vinha bater para perguntar, não está aqui, tem muito
tempo que não está aqui.” Então, essa era a condição. Tudo que eu me
lembro, assim, dos fatos.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Além do Paulinho, o Marcelo Girão e o
Robertinho estavam na fazenda no momento da ...?
GIOVANNI: Sim! Esse do meio estava. Esse ali, eu não me lembro dele. Esse
tava na fazenda, foi o primeiro que foi abordado. O filho dele estava lá, e tinha
mais um funcionário, entendeu, que não era esse que está aqui. Eu lembro que
tinha mais um funcionário dele mas eu não consigo me lembrar o nome
(ininteligível) era mais escuro, assim. Eu não me lembro se ele foi levado na
condição de... se ele estava lá só e a gente levou ele.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Eles falaram alguma coisa sobre a questão
dos trabalhadores?
GIOVANNI: Olha, eles negaram. Falaram que não, que estavam ali, que
pagavam, “- Não, eles estão recebendo”, e tal. Até os próprios, na hora, ficaram
“- Não, a gente...”. Aí o delegado “- Não, vocês recebem? Vocês podem sair?
Podem ir no Banco tirar seu dinheiro? Pode comprar uma coisa?”. “- Não! A
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Processo penal 212
gente não sai.”, “- Então vocês não saem. Não tem contato com ninguém.”, “-
Não. A gente não pode sair”, “- Alguém te impede?”, “- É! Eles falam que se a
gente sair, tem pessoal armado, a gente tá impedido de sair.”
PROCURADOR DA REPÚBLICA: No momento da diligência você chegou a
questionar sobre a presença de outros trabalhadores no local?
GIOVANNI: Sim! Aí, o que tava com a gente falou que não, que eram só
aqueles três ali. O que conseguiu fugir. Eu não me lembro do nome.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Em relação ao Paulinho e ao Marcelo, eles
chegaram a ser questionado se tinha mais alguém no momento da diligência
na fazenda?
GIOVANNI: Sim! Eles falaram que não, que só estavam aqueles, que só
tinham aqueles três ali e o outro que fugiu, no caso.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Vocês questionaram a existência de mais
trabalhadores?
GIOVANNI: Sim. Assim como os outros funcionários também, que a gente
queria saber se tinha mais gente trabalhando lá, e eles falaram que não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: O modo como eles estavam. Você falou que
eles estavam com receio de falar sobre a própria condição.
GIOVANNI: Sim, sim, sim. Visivelmente amedrontados. Até porque eles
estavam escondidos em uma vala assim, deitados no meio do mato, e o outro
estava agachadinho e a gente não viu. Então, eles estavam escondidos da
gente, a gente estava em viatura, mas a condição deles não sabia se a gente
foi lá para ajudar ou não, então eles estavam escondidos de qualquer um que
estava ali, estranho ao local do trabalho.
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Processo penal 213
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Tem mais algum fato que você se recorde
sobre essa diligência ou algum elemento que você tenha conhecimento para
efeito da instrução do processo, nessa questão do trabalho escravo?
GIOVANNI: O local lá, o quartinho, eu não sei se o quartinho também era
usado para eles ficarem, eles relatam de uma ...
PROCURADOR DA REPÚBLICA: É uma baia dentro da fazenda ou é aquele
quarto lá em, no Beco do Jadir?
GIOVANNI: É! Esse beco eu não fui. Eu só fui na fazenda, mas ele relatou que,
em alguns momentos, eles já ficaram nesse tal quartinho que eu falei, que é
assim: quando a gente chegou lá no local aberto assim, como se fosse um
local para parar os carros, uma árvore onde esse do meio estava aqui, e aqui
do nosso lado aqui tinha uma espécie de curral, eu acho que aqui também
tinha um outro curral aqui, e atrás tinha uma meia-águazinha assim, um
comodozinho que eu acho que tinha uma geladeira que estava sendo usada
para guardar alguma coisa como se fosse um armário, tinha um negócio tipo
uma cama, um monte de trapo em cima, e coisas de fazenda pendurado, sela,
chicote, essas coisas. E aí, era um lugar péssimo de higiene, um monte de
coisa misturado, ração de animal misturado junto com pano, e um cheiro forte.
E ele falou assim “- A gente várias vezes ficava aqui dentro trancado. Já
ficamos muito tempo aqui, mas normalmente é lá.”
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Esse quarto o que tinha?
GIOVANNI: Era coisas de fazenda, sela, saco de ração, pano, coisa velha, lata
de não sei o que, geladeira. Era um lugar assim, trancado ali, entendeu. Não
me lembro se tinha janela, mas era um lugar, metade deste cômodo assim,
com um telhadinho assim e uma portinha. Foi um dos primeiros lugares que a
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Processo penal 214
gente entrou até para verificar se não tinha alguém ali. Depois que a gente
retornou, quando já estava todo mundo abordado, ele retornou com a gente lá
e falou “- Não, a gente já chegou a ficar aqui, e normalmente a gente fica mais
lá.”, nesse tal lugar aí que eu não cheguei a ir não.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Além desse quartinho, havia um outro
alojamento onde eles ficavam?
GIOVANNI: Ali na fazenda eu não me recordo.
PROCURADOR DA REPÚBLICA: Ele residia numa baia, nesse sítio. Você
sabe dizer se era nessa ...
GIOVANNI: Não. Eu não vou lembrar assim, se residia, eu não vou lembrar. Eu
lembro que tinha, por exemplo, quando a gente saiu, eu não vi casa principal
nessa fazenda. Se tinha, tava mais lá pra dentro. Tinha esse complexo de
curral, esse quartinho aqui, e aí, a gente atravessou aqui por trás da árvore
onde ele foi abordado, aqui tinha uma casinha vazia, sem nada, abandonada,
igual a essa aqui assim, mas sem nada dentro, e a gente passou aqui por trás
e eles estavam deitados aqui, no açude, por trás do açude, numa vala, no meio
do matagal. Então a gente chegou a ir nesse tal quartinho que pode ter sido
usado, eu não vou saber dizer.
ADVOGADO DE DEFESA: Doutor Giovanni, quem fez contato com o
delegado? Foi a delegacia de São Fidélis? Foi a inspetora Raquel?
GIOVANNI: Não sei. O delegado me chamou dizendo que São Fidélis fez
contato com a gente dizendo a situação. Não disse quem, qual inspetor.
ADVOGADO DE DEFESA: Ele te encarregou de montar a equipe.
GIOVANNI: Ele queria ver quem tá menos atarefado, quem já almoçou, quem
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Processo penal 215
já está tranquilo para a gente partir para lá.
ADVOGADO DE DEFESA: A equipe foi formada por quem?
GIOVANNI: Eu, o delegado, Alexandre Jerônimo, Alexandre (ininteligível). Na
outra viatura foi o delegado... com quem?
ADVOGADO DE DEFESA: Robson?
GIOVANNI: Robson!
ADVOGADO DE DEFESA: Então vamos lá. Em uma viatura foi com o senhor,
o Alexandre (ininteligível) e o Alexandre Jerônimo, e a outra o delegado e o
Robson. Chegando na delegacia de São Fidélis vocês apanharam o Paulo, o
Coninho e o sobrinho dele, aí eles seguiram para o Angelim em qual viatura?
Especificamente, o suposto escravo fugitivo e o seu sobrinho.
GIOVANNI: Na minha viatura, não lembro se foi algum deles ou se foram na
viatura do delegado. Porque foram três viaturas ...
ADVOGADO DE DEFESA: Duas. Da 134 para lá, duas.
GIOVANNI: Da delegacia de São Fidélis para o local.
ADVOGADO DE DEFESA: Três fizeram a operação.
GIOVANNI: Isso. A de São Fidélis foi na frente porque conhece o local. Não
lembro se, de repente, foi alguém na viatura de São Fidélis até para indicar o
local porque a gente não conhecia, nem eu, nem o pessoal que estava comigo.
ADVOGADO DE DEFESA: Mas você tem certeza que o “CONINHO” foi na sua
ou na do delegado.
GIOVANNI: Não me recordo.
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Processo penal 216
ADVOGADO DE DEFESA: Mas é um fato marcante.
GIOVANNI: Não me recordo porque a preocupação nossa era de chegar no
local possivelmente com capanga armado. Minha preocupação era chegar lá e
ter um cara com uma 12, um cara com um fuzil. Eu não me lembro se o rapaz
estava na minha viatura ou não.
ADVOGADO DE DEFESA: A estratégia da operação policial foi dividir a
operação. Uma viatura ia para o local e a outra para outro. Quem dividiu isso?
GIOVANNI: Provavelmente, o delegado junto com o pessoal de São Fidélis.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor disse que esse sobrinho do escravo
fugitivo disse para o senhor que várias vezes ele chegou a ir lá no local para
tentar achar o tio.
GIOVANNI: Para mim, não. Eu ouvi o comentário de que o parente do... ou os
parentes, quando iam à fazenda, perguntavam...
ADVOGADO DE DEFESA: Mas o senhor ouviu isso de quem?
GIOVANNI: Do pessoal de São Fidélis que atendeu ele quando ele foi procurar
ajuda policial.
ADVOGADO DE DEFESA: Ah! Dos policiais de São Fidélis.
GIOVANNI: Isso.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantos minutos, aproximadamente, levou o
trajeto da sua viatura entre o sítio de Paulinho e a vila Angelim, onde se
localizava a casa que residia o Davi, Jipe e Coninho, o tal do beco Jadir?
GIOVANNI: Esse beco a gente não foi.
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Processo penal 217
ADVOGADO DE DEFESA: A sua viatura não foi?
GIOVANNI: Não.
ADVOGADO DE DEFESA: Nem o delegado?
GIOVANNI: O delegado, eu me lembro que teve uma hora que eu fiquei
afastado dele, procurando mais gente na fazenda, e fiquei longe dele. A minha
equipe, eu, Alexandre Rocha Maia e Alexandre Jerônimo, em momento
nenhum saímos da primeira fazenda. Agora, teve um bom momento, um bom
lapso de tempo em que eu fiquei longe do delegado porque eu estava
procurando para ver se achava mais escravos, se eu achava algum capanga,
arma. Então a gente ficou atarefado em procurar esse tipo de coisa e não vi se
o delegado saiu, se não saiu, se foi lá, se não foi.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor, na delegacia, colheu o depoimento de
algum?
GIOVANNI: Acho que cheguei a... cheguei a tentar colher, mas o computador
que tinha disponível para mim era o computador do... (ininteligível), tava dando
problema, então, acho que a pessoa que ficou até era esse rapaz aqui, acabei
não podendo ouvi-lo, e aí passou para um outro policial. Inclusive, eu fiquei até
sem comer o dia inteiro nesse dia e estava com enxaqueca, eu lembro de ter
pedido a alguém para fazer o que eu teria que fazer, eu acho que não ouvi
ninguém nesse dia no computador.
ADVOGADO DE DEFESA: Doutor Giovanni, quando encerrou a operação, que
as três viaturas se encontraram para retornar à DP e iniciaram o procedimento
investigatório propriamente dito, ou seja, positivar a investigação, quantos
presos os senhores levaram?
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Processo penal 218
GIOVANNI: Eu me lembro de ter levado detido... a gente levou o fazendeiro, o
filho do fazendeiro, esse outro rapaz que estava na fazenda. Agora, se teve
alguém que foi achado nesse tal beco, eu não me recordo. Porque chegou na
delegacia, a delegacia estava lotada de ocorrência. Tinham umas três ou
quatro ocorrências em andamento...
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor se recorda de ter levado o Paulinho
Girão, o filho dele, e outro indivíduo que estava no sítio.
GIOVANNI: Tava na fazenda.
ADVOGADO DE DEFESA: Não foram dois não?
GIOVANNI: Nesse tal beco, como eu não fui...
ADVOGADO DE DEFESA: Na fazenda, não foram quatro que o senhor levou
não?
GIOVANNI: Não me recordo.
ADVOGADO DE DEFESA: É relevante.
GIOVANNI: Não me recordo. Esse menino do canto aqui, eu não consigo me
lembrar dele. Mas eu me lembro que tinha no curral um outro menino de pele
mais escura. Esse eu me lembro com certeza saindo assim, como quem não
quer nada, e eu falei “- O rapaz, chega aí.” Eu lembro disso. Agora, se tinha um
quarto, eu não me lembro.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor lembra se esses outros dois foram
inquiridos sobre uma eventual situação idêntica à dos demais?
GIOVANNI: Não me recordo. Como eu disse, eu praticamente... quando a
gente chegou na delegacia eu já estava com minha cabeça explodindo de dor.
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Processo penal 219
Então, eu deixei o pessoal ali, peguei a viatura, fui na farmácia comprar
remédio, voltei. O delegado disse “- Giovanni, você pode ouvir alguém para
agilizar?” “Autoridade, vou tentar ver um computador, porque não tem
computador”. O síndico foi chamado para tentar abrir o sistema dele, eu tentei
logar, não consegui, e aí eu desci, ele ficou na escada aguardando, tava com
um problema de um inchaço aqui na hérnia, não podia ficar subindo e
descendo. E eu falei “- Autoridade, a pessoa que eu vou ouvir está com um
problema na hérnia, talvez tenha que ouvir lá embaixo.” E no final minha
cabeça doeu muito e eu saí. Se eu cheguei a ouvir alguém, realmente eu não
lembro. Ouvi assim, de sentar na mesa, fazer algumas perguntas, anotar no
papel, passei algumas perguntas para alguns colegas, mais ou menos por aí,
mas não lembro se eu peguei declaração, assim, oficialmente. Acho que não.
ADVOGADO DE DEFESA: Então, para a gente encerrar e entender como foi
essa mecânica na delegacia. Lá são vários computadores, eu conheço a
delegacia de São Fidélis, e cada policial envolvido na operação, para otimizar o
procedimento, ouvia, cada qual, um dos envolvidos?
GIOVANNI: Lá ficou dessa forma. Teve gente ouvida no gabinete, lá em cima.
JUIZ FEDERAL: Quantos anos o senhor é inspetor de polícia?
GIOVANNI: Há doze anos.
JUIZ FEDERAL: O senhor já teve outro caso semelhante a esse?
GIOVANNI: Nunca imaginei participar de uma situação como essa.
JUIZ FEDERAL: Ao chegar ao sítio e encontrar os ofendidos, o senhor se
recorda do estado físico deles, o estado das roupas, a aparência?
GIOVANNI: Bem maltrapilhos. Assustados. Psicologicamente atordoados...
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Processo penal 220
bem parecidos com a situação de trabalhador rural, pobre, sujo de poeira,
roupa rasgada, fedendo a animal, fedendo a suor, mas estavam bem
acabados. Não posso dizer que estavam... A gente tentou, por exemplo, ver se
estavam machucados, a gente perguntou se são agredidos, machucados,
precisando de atendimento médico. Normal. Estavam bem sujos, bem
acabados.
JUIZ FEDERAL: Nervosos?
GIOVANNI: Assustados. Assustados.
JUIZ FEDERAL: Alguém chorou?
GIOVANNI: Na delegacia, sim. No local, não. Só estavam muito assustados,
falando pouco, olhando para baixo o tempo todo, com medo. Uma luta para
conseguir travar um diálogo, tentar puxar uma informação.
2. 3. 2. 3. 2. 2. Jorge Willian Pereira Cabral Jr
O depoimento do investigador Jorge Willian Pereira Cabral Júnior
corrobora o testemunho de seu colega e, por extensão, dá respaldo à versão
apresentada na denúncia em alguns pontos: i) a casa no Beco do Jadir, onde
viviam os ofendidos Roberto, Davi e Cirlei, estava em péssimas condições de
habitabilidade: havia corrente com cadeado na porta, pregos impedindo a
abertura da janela, o ambiente era muito escuro e o calor, “insuportável”; ii) o
ofendido Roberto só falava de cabeça baixa, sem conseguir olhar nos olhos do
depoente – num claro sinal de fraqueza e submissão psicológica. Além disso, o
depoimento reforça substancialmente a credibilidade das declarações dos
ofendidos, como destacado mais acima.
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Processo penal 221
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Você tem conhecimento dos fatos?
JORGE WILIAN: Tenho conhecimento.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Houve uma realização de uma diligência
no Beco do Jadir. Você se recorda?
JORGE WILIAN: A diligência que eu realizei foi no caso do senhor Robertinho
Capataz. Acho que esse é o endereço dele. Eu primeiramente fui à casa do
Robertinho que era no mesmo terreno onde as vítimas ficavam.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: De que você se recorda?
JORGE WILIAN: Eu me recordo que o Roberto se apresentou na delegacia e
dizendo que estava em uma condição de escravo. Teve um policial que me
ligou e disse que tinha um rapaz lá dizendo que estava preso há dez anos,
trabalhando como escravo. Diante disso, pedi segura ele aí que estou me
ajeitando para ir para delegacia. Pedi para acionar o delegado.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Seu cargo é?
JORGE WILIAN: Investigador.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Fo o delegado que foi para o Beco do
Jadir.
JORGE WILIAN: A sua viatura foi para o sítio! Na verdade, eu sei dar nomes.
Eu fui para o endereço da casa do Robertinho capataz. Esse endereço é o
mesmo endereço onde as vítimas ficavam.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O Beco do Jadir?
JORGE WILIAN: Acredito que seja o Beco do Jadir. O delegado com uma
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SENTENÇA
Processo penal 222
outra equipe foi para o sítio.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Você participou da diligência do local
específico onde as vítimas ficavam presas?
JORGE WILIAN: Exatamente.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O que você verificou no local? Qual era as
condições de higiene e habitação desse quarto?
JORGE WILIAN: Quando eu cheguei, eu identifiquei uma espécie de beco. As
condições de higiene eram péssimas, eram insalubres.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Precisaram arrombar?
JORGE WILIAN: Não.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Como vocês fizeram para abrir?
JORGE WILIAN: Puxando o trinco e entramos. Não me recordo de ter visto
cadeado.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Qual horário vocês chegaram?
JORGE WILIAN: Eu acho que foi pela manhã, próximo ao horário de almoço.
Eles não estavam lá. Entramos no corredor, vimos uma movimentação, era a
casa do Robertinho. Uma casa bem humilde também. Encontramos ele
deitado. Conversamos com a esposa dele e explicamos o motivo.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: É aquele senhor ali sentado?
JORGE WILIAN: Isso. Encontramos o Robertinho deitado, conversamos com a
esposa dele, com os filhos que também estavam lá e falamos o motivo que a
gente estava lá, que era por determinação do delegado para apurar aquelas
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Processo penal 223
denúncias. Em seguida ele nos apontou o local onde os ditos escravos
ficavam.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Qual a foi a reação dele?
JORGE WILIAN: Ficou um pouco, não muito nervoso. Enfim, ele ficou um
pouco tenso, mas talvez por se deparar, de mesma forma que nós também
estávamos tensos, porque a casa era muito escura, a gente não sabia se ele
estava armado ou não. Então foi aquele choque, tanto para ele como para a
gente. Mas, não reagiu, apontou onde era o local, onde os escravos ficavam.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Foi ele que abriu a porta?
JORGE WILIAN: Olha, a porta estava aberta. Os escravos não estavam lá.
Tinha uma espécie de corrente, que eu não consegui definir se fechava por
dentro ou por fora, mas tinha uma corrente.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Era fechadura na porta?
JORGE WILIAN: Era uma corrente com cadeado. As janelas tinham pregos.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Quem estava dentro tinha como abrir a
janela?
JORGE WILIAN: Se fizesse bastante força, se houvesse um instrumento, sim.
Em regra, não.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: qual era a condição dentro do quarto, do
banheiro?
JORGE WILIAN: Escuro, bem insalubre.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Tinha luz?
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SENTENÇA
Processo penal 224
JORGE WILIAN: Olha, se tinha, eu não percebi. Estava muito escuro.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Era sujo?
JORGE WILIAN: Sujo.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Cheiro muito forte?
JORGE WILIAN: Sim. Vazio escuro.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Tinha descarga, chuveiro, pia?
JORGE WILIAN: Olha, acredito que não, porque era algo assim péssimo o
estado do banheiro, muito sujo.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Tinha fogão, geladeira, televisão?
JORGE WILIAN: Televisão eu me recordo de ter visto.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Qual o tamanho dessa TV?
JORGE WILIAN: Pequena. Talvez de 20 polegadas. Não me recordo ter visto
geladeira.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Tinha cama?
JORGE WILIAN: Cama tinha acho que duas e um colchonete no chão.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Você se recorda se te chamou atenção
algum outro dado dessa casa?
JORGE WILIAN: A escuridão, a corrente na porta, os pregos trancando a
janela, o banheiro em péssimo estado de higiene e o calor. Era tenha de
amianto e não dava para entender como eles consegui permanecer ali. São
Fidélis é uma cidade quente, no verão deveria ser insuportável
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Processo penal 225
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O que o Senhor Robertinho lhe passou
quando você começou a questioná-lo?
JORGE WILIAN: O Robertinho negou. Em um primeiro momento ele não falou
nada. Durante o depoimento ele revelou que jamais havia visto Paulo Girão
efetuar qualquer espécie de pagamento, mas também não disse que não
efetuava. Ele apenas disse que jamais tinha presenciado pagamento em razão
dos serviços. Mas isso já em delegacia. Em primeiro momento ele disse que
não, que não tinha qualquer tipo de trabalho escravo. A esposa dele também
manteve essa tese de que não existia isso.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: E você sabe o motivo porque ele estava lá
nesse beco e não lá na fazenda?
JORGE WILIAN: Olha, segundo os escravos disseram, quando estavam na
fazenda existia a presença do Marcelo para fazer as vezes do Robertinho. Por
isso que ele estava lá. Mas quando ia para outras propriedades, que o Marcelo
não estava presente, aí sim o Robertinho que acompanhava.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Havia um revezamento entre eles?
JORGE WILIAN: Uma espécie de revezamento. Quando um estava outro não
estava, pelo que os escravos disseram.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Além dessa diligência, você chegou a ir ao
sítio?
JORGE WILIAN: Cheguei. É porque o Delegado fez um planejamento, mas na
execução e ele mandou duas equipes para o sítio e uma para casa do
Robertinho. Na verdade, eu tinha ido antes para a casa urbana do Paulo Girão.
Na cada do Robertinho mesmo não havia mandado um equipe. Então eu fui à
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SENTENÇA
Processo penal 226
casa do Paulo Girão, encontrei a esposa dele e conversamos com ela. Ela não
disse que não sabia onde ele estava. Pedimos a ela para nos acompanhar para
evitar uma comunicação. Rodamos um pouco procurando pelo Girão, não
encontramos. Fomos ao sítio, no sítio encontrei com o Delegado. “Olha doutor,
trouxemos a esposa do Paulo Girão, e quem foi lá no Robertinho. Não mandei
ninguém. O senhor quer que eu vá lá?” “Quero”. Ai sim nós fomos para a casa
do Robertinho.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: No sítio, você chegou a vistoriar os
aposentos, alojamento?
JORGE WILIAN: Não. Eu cheguei, a equipe já tinha entrado. O Paulo Girão já
estava com o Marcelo sentado lá, e as vítimas já haviam sido encontradas.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Como estavam as vítimas?
JORGE WILIAN: Bem magros.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: E o semblantes delas?
JORGE WILIAN: De certo dificuldade, sofrimento. Estavam abatidos, isso é
chato. Mas não sei em razão de quê. Estavam abatidos.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Tem mais algum elemento relevante que
você se recorde? Sobre o local, as condições de trabalho, a forma como eles
eram tratados?
JORGE WILIAN: Não. Só o Roberto que apresentou algumas ranhuras nas
costas, acredito que ele tenha sido submetido ao exame de corpo de delito,
não me recordo. Só isso.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantos minutos aproximadamente deu o trajeto
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Processo penal 227
de carro do sítio do Paulinho até o Beco do Jadir?
JORGE WILIAN: Nem dois minutos, é bem próximo.
ADVOGADO DE DEFESA: E da delegacia à vila do angelim?
JORGE WILIAN: Nem tão próximo. Depende da velocidade.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantos quilômetros mais ou menos?
JORGE WILIAN: Seis, sete. Acredito que seja por aí. Não tenho certeza.
ADVOGADO DE DEFESA: Tem DPO em angelim?
JORGE WILIAN: Tem um DPO da Polícia Militar em Pureza que acredito que
abranja essa área.
ADVOGADO DE DEFESA: A gente conhece, mas o Juiz não. De Pureza ali,
você calcula o que assim de distância?
JORGE WILIAN: Fica próximo também.
ADVOGADO DE DEFESA: Dá para ir a pé?
JORGE WILIAN: Dá para ir a pé, mas que eu não iria a pé. Então depende,
talvez uma pessoa mais humilde andaria quilômetros a pé.
ADVOGADO DE DEFESA: Seria o mesmo que da Chilaria ao Tancredão? Da
delegacia ao Tancredão?
JORGE WILIAN: Seria aproximadamente, sim.
ADVOGADO DE DEFESA: O imóvel residencial em que você encontrou o
Robertinho, constatou ser a casa dele, tinha um aspecto muito pobre?
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Processo penal 228
JORGE WILIAN: Tinha.
ADVOGADO DE DEFESA: Guardava semelhança com onde ficavam os
escravos?
JORGE WILIAN: Guardava.
ADVOGADO DE DEFESA: Podem ser assim classificados como barracos,
semelhantes àqueles de favela?
JORGE WILIAN: Eram bem humildes, quase barracos.
ADVOGADO DE DEFESA: A Vila do Angelim, onde ficava aquele bequinho, é
um povoado com muitas casas ou casas rarefeitas, uma aqui outra acolá?
JORGE WILIAN: Olha, a casa do Robertinho era bem urbanizada. Me recordo
que havia outras casas.
ADVOGADO DE DEFESA: Se recorda de ter uma creche na frente?
JORGE WILIAN: Não.
ADVOGADO DE DEFESA: Um orelhão?
JORGE WILIAN: Não me recordo. Até acredito que tenha alguma coisa lá
pública, mas não me recordo.
ADVOGADO DE DEFESA: Você se recorda da altura do muro? Se você
passando a mão, ultrapassa o muro?
JORGE WILIAN: Passa. Acredito que sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Tinha caco de vidro no muro?
JORGE WILIAN: Não.
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SENTENÇA
Processo penal 229
ADVOGADO DE DEFESA: O portão estava só no trinco?
JORGE WILIAN: Pelo que me recordo, sim.
ADVOGADO DE DEFESA: Quantos filhos estavam com ele na casa?
JORGE WILIAN: Mais de um, talvez dois ou três.
ADVOGADO DE DEFESA: Você alguma busca interna para vê se encontrava
arma?
JORGE WILIAN: Olha, eu particularmente, olhei superficialmente, porque não
era o objeto da diligência. Mas... enfim.
ADVOGADO DE DEFESA: Quando “CONINHO” e o sobrinho dele foram
prestar queixa.
JUIZ FEDERAL: Sabe quem é o “CONINHO”?
JORGE WILIAN: Não. Não sei quem o “CONINHO”!
ADVOGADO DE DEFESA: Robertinho, o suposto escravo que fugiu.
ADVOGADO DE DEFESA: O cara que foi na delegacia!
JORGE WILIAN: O Robertinho e o Rogério.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor estava na delegacia?
JORGE WILIAN: Eu estive com eles. Quando eles chegaram eu não estava na
delegacia, estava em casa.
ADVOGADO DE DEFESA: Quem estava?
JORGE WILIAN: A oficial de cartório. Raquel.
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SENTENÇA
Processo penal 230
ADVOGADO DE DEFESA: Ela estava sozinha?
JORGE WILIAN: Não. Fatalmente algum outro policial com ela. O inspetor
Cleber.
ADVOGADO DE DEFESA: Aí o senhor foi acionado lá em Campos? Com é
que é isso?
JORGE WILIAN: Olha, ela ligou para mim porque eu faço uma espécie de
auxílio ao delegado. Eu trabalho em grupo que faz as investigações mais
complexas. E na delegacia eu sou uma espécie de braço direito do delegado.
Então, uma vez antes de acionar o delegado da nossa região, os policiais me
acionam, para fazer uma espécie de triagem. O que não tem nada a ver com o
delegado plantonista. Mais uma questão interna, de política nossa.
ADVOGADO DE DEFESA: Aí o senhor veio sozinho de lá?
JORGE WILIAN: Não. Com o Dr. José Renato.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor estava a viatura da polícia civil ou no seu
carro mesmo?
JORGE WILIAN: Acredito que no meu carro. Até porque tenho parente em São
Fidélis. O José Renato não foi comigo. Eu só acionei o José Renato.
ADVOGADO DE DEFESA: Na hora da colheita das oitivas deles, de Rogério e
o Robertinho, o senhor estava?
JORGE WILIAN: Estava na delegacia a noite toda. Quem presidiu o
depoimento deles foi o Dr. Paulo Pires, delegado responsável pela área.
ADVOGADO DE DEFESA: Essa assinatura aqui é do Dr. Rodrigo ou do Dr.
Paulo Pires?
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Processo penal 231
JORGE WILIAN: Tá estranho. O depoimento foi gerando em nome de Dr.
Rodrigo, mas o Dr. Paulo Pires assinou. Por isso tem um p/ e assinatura.
ADVOGADO DE DEFESA: O senhor se recorda de o sobrinho do “CONINHO”
ter dito ao senhor ou a algum policial da sua equipe já ter procurado ele na vila
Angelim?
JORGE WILIAN: Me recordo, disse ter procurado.
ADVOGADO DE DEFESA: Ele disse diretamente ao senhor?
JORGE WILIAN: É difícil eu definir, porque eram várias pessoas na delegacia
e aquele frenesi. Mas isso foi dito ali.
ADVOGADO DE DEFESA: Você disse que foi ao Beco do Jadir. Chegou entrar
nesse quarto onde eles....
JORGE WILIAN: Eu disse que fui na casa do Robertinho, não se essa casa do
Robertinho tá situada no Beco do Jadir. Acredito que sim. Entrei.
ADVOGADO DE DEFESA: Você disse que o telhado é de amianto. Esse
telhado é baixo?
JORGE WILIAN: É baixo.
ADVOGADO DE DEFESA: Baixo e alto é subjetivo, né?
JORGE WILIAN: Mas para minha altura é baixo.
ADVOGADO DE DEFESA: Esse telhado seria de telha de eternit comum?
Dr. eternit é marca! Não sei qual era a marca não!
ADVOGADO DE DEFESA: Era daquela mais simples, mais levinha?
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SENTENÇA
Processo penal 232
JORGE WILIAN: Semelhante.
ADVOGADO DE DEFESA: Era difícil a remoção daquela telha? Se a pessoa
quiser tirar aquela telha ou quebrar aquela telha?
JORGE WILIAN: Depende da compleição física da pessoa.
JUIZ FEDERAL: Aí a gente cai no campo especulativo: se é fácil e não é fácil.
JUIZ FEDERAL: O senhor é investigador há quantos anos?
JORGE WILIAN: Sou policial desde os vinte e dois anos. Investigador há cinco
anos.
JUIZ FEDERAL: O senhor já teve outra ocorrência assemelhada, de trabalho
escravo?
JORGE WILIAN: Nunca. Nunca.
JUIZ FEDERAL: O senhor disse que ao ver os ofendidos, eles aparentavam
magreza? Eles estavam magros?
JORGE WILIAN: Isso. Estavam bem magros.
JUIZ FEDERAL: Condição das roupas?
JORGE WILIAN: Humildes.
JUIZ FEDERAL: Mas estavam sujas, limpas, mais ou menos?
JORGE WILIAN: Não me recordo.
JUIZ FEDERAL: O senhor se recorda de nervosismo, medo da parte deles?
JORGE WILIAN: Muito subservientes. O Roberto nem falava olhando nos
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Processo penal 233
olhos, só de cabeça baixa. Se observa uma dificuldade extrema para se
comunicar. O Roberto, os outros eu não, tive contanto mas não percebi.
JUIZ FEDERAL: O senhor teve alguma conversa com eles no dia com eles?
Reservada que eu digo é que não foi documentada nos autos?
JORGE WILIAN: Excelência, é porque eu tive muito contado com eles, foram e
voltaram na delegacia. Eu não me recordo. Conversei com o Roberto em
outras oportunidades.
JUIZ FEDERAL: Parentes dele, o senhor viu algum?
JORGE WILIAN: Viu alguns.
JUIZ FEDERAL: Na delegacia?
JORGE WILIAN: Na delegacia. Até porque foi instaurado um inquérito para
apurar o noticiado que outros dois trabalhadores haviam morrido. Foi
instaurando inquérito na delegacia de polícia civil para investigar as condições,
porque me parece que havia alguns boatos que tinham sido enterrados no sítio.
Não sou responsável pelas investigações, mas pelo que tenho acompanhado,
a princípio isso não procede, porque o inspetor responsável consegui um certo
contato com parentes que disseram que viram o enterro no cemitério. Então,
não sabemos a causa morte.
JUIZ FEDERAL: Você se recorda dos nomes?
JORGE WILIAN: Um o tal de “BOINHA”, o apelido, e outro o Eleandro. Mas
seriam duas pessoas de pureza que teriam trabalhado para Girão.
2. 3. 2. 3. 3. Familiares dos ofendidos
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Processo penal 234
2. 3. 2. 3. 3. 1. Rita Mota Rosa
Embora Rita Mota Rosa nada pudesse dizer sobre os fatos
narrados da denúncia em si mesmos, seu depoimento é relevante do ponto de
vista probatório, na medida em que confirma que por longos oito anos seu filho
Romário permaneceu sem contato algum com a família, levando a depoente a
acreditar que ele tivesse falecido.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: não conhece os acusados; antes de Romário
começar a trabalhar para Paulo Girão, residia com ela em em Ururaí; Romário
não tinha serviço certo, mas cortava cana e recebia algum salário; trabalhava
durante o dia e à noite ficava em casa; ele recebia cerca de 20 ou 30 reais por
mês; saía de casa às 6h e retornava às 19h; não teve contato com o filho após
ele começar a trabalhar para Paulinho; viu o caso na televisão e foi até à
delegacia buscá-lo; nesse período chegou a procurar seu filho na casa de
custódia; achava que ele estava morto porque ele ficou mais de 8 anos sem
dar nenhuma notícia; Romário é seu único filho homem; os documentos dele
sumiram e agora está tirando outros; ao retornar, Romário começou a chorar;
ele continuou bebendo já que a única coisa que fazia nesses 8 anos era beber;
Romário já bebia antes de começar a trabalhar para Paulinho; uma ameaça de
morte após uma briga motivou Romário a buscar emprego em São Fidelis;
Romário não lhe contou sobre o que acontecia no período em que trabalhava
para o Paulinho; acha que ele não contou com medo da depoente passar mal;
ficou muito preocupada com o sumiço do filho, que não aparecia nem nas
datas comemorativas como Natal, Ano Novo e Dia das Mães; não sabia que o
Romário estava em São Fidelis trabalhando; ficou sabendo através de um
vizinho que viu a reportagem na televisão; procurou seu filho em delegacia e
hospitais; sabia que Romário antes de ir para o sítio em Argelim esteve
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Processo penal 235
trabalhando em Santa Cruz; após sair de Santa Cruz, Romário retornou à casa
da depoente em Ururaí; o pai de Romário faleceu quando ele tinha 10 anos;
Romário tem 4 irmãs; Romário sempre trabalhou cortando cana; a depoente
também sempre cortou cana; nessa profissão é comum que as pessoas
mudem de local para onde tenha mais cana; não sabia que o Romário gostava
de participar de cavalgadas; Romário já teve celular; Romário foi ameaçado de
morte em Ururaí e que saía de noite para beber; Romário morava com a
depoente numa casa de 4 cômodos e 1 quarto, com um total de 7 pessoas;
toda a vida da depoente foi difícil; sempre passou dificuldade; não sabia do
paradeiro o filho havia 8 anos; vizinhos viram o Romário na televisão e a
chamaram; a depoente foi à delegacia de Campos buscá-lo; Romário não
contou o que havia acontecido nesse período de 8 anos; soube pela televisão
que Romário estava trabalhando como escravo; Romário estava com as pernas
machucadas; a depoente não conhecia os ofendidos; foi conhecê-los na
delegacia; Romário não toca no assunto nem a depoente lho pergunta.
Não é crível que um homem tão apegado à mãe e às irmãs tenha
simplesmente desaparecido no ar, sem dar notícias durante anos a fio, mesmo
em datas festivas ou de congraçamento, como Réveillon e Natal, a não ser que
tivesse tido um forte motivo para manter-se afastado. O depoimento da mãe de
Romário deve ser valorado como prova indiciária (e corroborante) de que o
ofendido estava realmente privado de sua liberdade de contato com familiares -
não necessariamente tolhido de toda a liberdade ambulatória.
2. 3. 2. 3. 3. 2. Rogério de Souza Santos
Rogério de Souza Santos é sobrinho do ofendido Roberto de
Oliveira (“CONINHO”) e foi peça-chave na deflagração das investigações, ao
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Processo penal 236
convencer o tio a acompanhá-lo à Delegacia de Polícia, o que levou à prisão em
flagrante dos réus. Foi ouvido inicialmente pela polícia (fls. 16/7 – Comunicação
de Prisão em Flagrante). Em juízo descreveu como Roberto apareceu em sua
casa e o estado físico em que se encontrava, além de relatar aquilo que ouviu do
tio sobre as condições de vida e trabalho para o réu Paulo Girão.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: é sobrinho do ofendido Roberto de Oliveira
(“CONINHO”); há 10 anos não via o tio, desde quando era novo; em uma
sexta-feira seu tio chegou à sua casa depois de muitos anos; Roberto estava
sujo e quando perguntado onde estava, respondeu que estava trabalhando;
ninguém da família sabia onde o Roberto se encontrava; Roberto informou que
estava trabalhando em Angelim de serviço escravo para um fazendeiro; o
fazendeiro fez uma proposta de emprego, pagou apenas a primeira semana e
depois começou a prender Roberto e não queria deixá-lo sair; Roberto lhe
disse que o fazendeiro o colocava para cortar cana das usinas; pegava
empreitada de pasto e colocava pra roçar e capinar; conseguiu fugir e chegou
até a casa do depoente pela linha do trem; Roberto contou que ainda havia
outros 3 amigos na fazenda e que o fazendeiro poderia bater ou matá-los por
causa da fuga; então decidiu ir com seu tio até a delegacia dar parte; os
policiais foram na fazenda e pegaram os outros; seu tio disse já ter ido polícia à
fazenda outras vezes, mas não encontrava ninguém; o fazendeiro mandava os
ofendidos se esconderem dentro do canavial; não via o tio há 10 anos; antes
do tio sumir ele sempre trabalhou na roça e morava em casas de outros
fazendeiros; Roberto não é casado nem tem filhos; após a morte da mãe,
Roberto começou a trabalhar com fazendeiros e sempre dava notícias à
família; o depoente mora em São Fidelis; o tio morava em roças de São Fidelis
e sempre mantinha contato; a família sempre sabia onde o Roberto estava;
uma vez foi informado que seu tio estava trabalhando para os denunciados;
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Processo penal 237
chegou a ir à fazenda mas foi informado que o Roberto estava morando em
Cambuci com uma mulher; chegou a procurar pelo tio em Cambuci, mas não o
achou; perdeu a esperança de encontrá-lo; foi informado pelos denunciados
que o seu tio estava morando em Cambuci com a esposa e trabalhando de
carteira assinada em uma usina; a informação do paradeiro de seu tio lhe foi
passada pelo Paulinho Girão; não chegou a ter contato com os denunciados
Marcelo Girão e Robertinho; foi à casa do Paulinho Girão em Angelim procurar
pelo tio; o tio lhe contou que os ofendidos ficavam presos no “Beco do Jadir”,
saiam pra trabalhar às 4h e voltavam às 19:00h de carro para ninguém
desconfiar; seu tio informou que o capataz levava e buscava os ofendidos no
trabalho, além de vigiá-los enquanto trabalhavam; o tio lhe contou que o
capataz (Robertinho) batia nos ofendidos e xingavam as mães;
À defesa, respondeu: estava sem ver o tio havia 10 anos; reconhece a
assinatura feita no depoimento na delegacia; afirma serem verdadeiras as
versões dadas na delegacia e em juízo; uma vez chegou a ver seu tio na casa
e que o mesmo lhe informou que estava bem e morava ali porque queria; seu
tio foi obrigado a mentir e falar que estava trabalhando de carteira assinada;
que já tem um tempo bom que viu seu tio; não se recorda quanto tempo faz;
que seu tio nunca morou com a mãe do depoente na casinha da Chatuba; seu
tio lhe contou que chegou até a casa do depoente a pé e pela linha do trem,
vindo de Barro Branco; em depoimento policial disse que ficou desconfiado
quando viu seu tio e ele lhe informou que estava tudo bem, mas não procurou a
polícia porque não tinha certeza; não sabe que a linha do trem mais próxima de
Barro Branco fica a aproximadamente 30km; ele disse o que o tio lhe contou;
não disse inicialmente havia visto o tio porque foi ameaçado enquanto estava
no carro da polícia; o capataz disse que o depoente ia pagar pelo que estava
fazendo; o capataz é um careca; não quis tocar no assunto porque ficou com
medo de alguém mandar fazer alguma coisa com o depoente ou com sua mãe;
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Processo penal 238
ratifica que realmente chegou a ver seu tio uma vez, sem se lembrar a época
exata; relatou à polícia que o capataz o ameaçou; falou pra um policial que foi
ameaçado; foi com seu tio e a polícia ao sítio; viu o Paulinho Girão e seu filho e
o capataz sendo presos; ficou com medo do capataz porque ele o ameaçou;
não viu seu tio chamando os outros, mas ele lhe contou tal fato; ficou no banco
de trás do carro da polícia onde estava o capataz; os policiais estavam no
banco da frente; só ficou no mesmo carro que o capataz até chegar à fazenda
onde estavam os outros policiais.
O depoimento não está isento de contradições. Rogério mentiu ao
dizer que não via o tio havia 10 anos, tendo se retratado ao ser duramente
confrontado pela defesa com o teor do depoimento prestado em sede policial. Se
mentiu por medo, como disse depois, ou movido pelo desejo de vingança, pouco
importa: fê-lo com a nítida intenção de prejudicar os réus, mesmo advertido e
compromissado a dizer a verdade. Com isso acabou sacrificando a credibilidade
de seu próprio depoimento. Não é possível, portanto, confiar na afirmação de que
teria sido ameaçado pelo réu “Robertinho”. Tampouco é possível aproveitar as
impressões subjetivas da testemunha nem como “prova de ouvir dizer”
(Hörensagen). A relevância do depoimento fica circunscrita a três pontos: i) ter
conversado com Paulo Girão sobre o tio; ii) a aparência física e o estado
emocional do ofendido Roberto – porque são dados corroborados pelo
depoimento dos policiais; e, iii) a forma como se deflagrou a operação policial –
porque confirmada pela lavratura do auto de prisão em flagrante e peças que se
lhe seguiram, além do depoimento dos policiais envolvidos.
2. 3. 2. 3. 4. Outras testemunhas
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Processo penal 239
2. 3. 2. 3. 4. 1. Isadir Pinheiro Moço
Isadir Pinheiro Moço era o proprietário da casa em que o réu
“Robertinho” morava e também dos cômodos ocupados por três dos ofendidos.
Embora tenha sido inquirido nominalmente como testemunha – prestando
compromisso de dizer a verdade –, seu depoimento deve ser recebido sem
grandes exigências e com alguma reserva, pois de certas respostas poderia em
tese advir o risco de autoincriminação28.
Mesmo recepcionado e valorado como declarações de
informante, o depoimento de Isadir fornece algumas informações inegavelmente
críveis e consideravelmente úteis para a formação da convicção judicial. A
primeira é de que o imóvel onde moravam os ofendidos – à exceção de Romário
– foi alugado (e tinha seus aluguéis pagos) pelo réu Paulo Girão com o objetivo
declarado de servir de residência a seus trabalhadores. Isso vem somar-se às
declarações dos ofendidos, estabelecendo acima de qualquer dúvida razoável a
ligação laboral que havia entre o réu e as vítimas.
28 São possíveis várias conjecturas. Se o depoente admitisse, por exemplo, estar ciente das
péssimas condições de habitação dos “quartos” ou “cômodos” ou da sujeição dos ofendidos a
trabalhos forçados ou a jornada excessiva, poderia em tese ser acusado de cumplicidade, já que
guardou silêncio durante todo o tempo e lucrou financeiramente com a exploração, ou, mesmo, de
algum crime autônomo ou infração administrativa – pela má conservação do imóvel. Não
surpreende, portanto, que ele negue ter contato com os ofendidos, sempre frisando residir longe
do imóvel, e afirme desconhecer as más condições no local (algo improvável). Tampouco
surpreende que tenha mandado demolir as casas.
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SENTENÇA
Processo penal 240
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: Às perguntas do MPF, respondeu: era
proprietário da casa onde Robertinho morava; é amigo dos réus; cobrava
R$50,00 de aluguel; é proprietário de dois quartos no mesmo lugar, sendo o
aluguel do quarto dos fundos também de R$50,00; quem morava nesse outro
quarto dos fundos eram os meninos que trabalhavam com Robertinho; não os
conhece pelo nome, mas os via lá; alugou esses dois imóveis para Paulinho no
início de 2000, aproximadamente; antes de 2005; no beco também tinham
outros imóveis mas não tinham outros moradores; quando o Paulinho chegou
pra alugar já não havia mais ninguém nos outros imóveis; só estava alugado os
dois quartos para Paulinho, já que os outros estavam em péssimo estado e
ninguém queria; os dois quartos foram alugados juntos por Paulinho; que
somente esses três trabalhadores moraram lá; que pra Paulinho não morou
mais nenhum trabalhador antes; eles moraram nesse quarto a partir de 2005
pra cá, mais ou menos; o depoente alugou os imóveis e mora em São Fidelis,
não sabendo dizer as condições internas do local; quando alugou o imóvel,
tinha chuveiro, vaso, um banheirinho e pia; a descarga funcionava; o depoente
alugou o imóvel sem cama nem mobília; quem pagava os alugueis era
Paulinho Girão; eram dois quartos, um morava Robertinho e o outro era pra
Paulinho; Robertinho pagava ao depoente 50 reais e Paulinho pagava outros
50 do cômodo no qual os trabalhadores moravam; não sabe a origem do
dinheiro que pagavam ao depoente; não sabia qual era o serviço dos
ofendidos; o depoente mora a 14 km de distância do “beco”; a filha e o genro
do depoente recebiam os valores dos aluguéis; o depoente depois do aluguel
não chegou a ir ao beco pra ver as condições em que os ofendidos se
encontravam; as casas foram demolidas e as autoridades tiraram todos do
local; a demolição ocorreu depois que os empregados do Paulinho foram
encontrados; quando alugou o imóvel ele tinha chuveiro e vaso.
À defesa, respondeu: os trabalhadores dormiam na casa e saiam para
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SENTENÇA
Processo penal 241
trabalhar; quando o depoente alugou o cômodo, Paulinho especificou que seria
para os trabalhadores morarem lá.
Ao MM. Juiz, respondeu: o contrato de locação foi “de boca”; o valor do aluguel
era pago de boca; nunca teve contato com os trabalhadores; o depoente só ia
à casa da sua filha e não acompanhava as condições do imóvel; hoje é
aposentado e trabalha num açougue do cunhado; o imóvel foi demolido e hoje
só tem o terreno; não tinha mais locatário e pra alugar teria que fazer uma
reforma grande, não compensando; o terreno está puro, com uns pés de
alface.
2. 3. 2. 3. 4. 2. Gilson Gaudard Villete
O depoimento de Gilson Gaudard Villete complementa o de Isadir,
seu sogro. As razões apontadas acima justificam seu caráter igualmente evasivo.
Serve, no entanto, para confirmar que os ofendidos saíam cedo de casa para
trabalhar (por volta das 6h) e retornavam no final da tarde (por volta das 17h).
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: Ao MPF, respondeu: não é parente dos réus,
sendo apenas conhecido; os réus moravam na mesma comunidade, perto do
depoente; morava em frente ao “beco do Isadir”; conhecia o Romário, Cirley e
Davi de vista; não via os ofendidos durante o dia porque eles saiam pra
trabalhar cedo, bem como o depoente; só via os ofendidos de manha ou depois
à tarde, na saída ou chegada do trabalho; os ofendidos saiam pra trabalhar
aproximadamente às 6h; não sabe dizer a hora em que os ofendidos chegavam
porque era difícil ver; chegou algumas vezes a ver os ofendidos chegando no
final da tarde, lá pelas 16:30, 17h; não reparava o semblante dos ofendidos;
eles cumprimentavam o depoente; nunca tentou se aproximar dos ofendidos;
eles eram muito na deles bem como o depoente; sempre via os ofendidos de
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Processo penal 242
forma tranquila, às vezes com Roberto e às vezes sem Roberto; não reparava
quem estava com quem; o imóvel onde os ofendidos residiam era do sogro do
depoente, Isadir; o depoente mora lá há 3 anos; depois que se mudou, as
questões do aluguel passaram a ser tratadas com o depoente; Roberto tinha o
compromisso dele assim como o Paulinho; não participava da cobrança do
aluguel; às vezes quando tinha algum problema no imóvel, entrava lá por ser
proprietário; tinha livre acesso; nunca parou para reparar nas condições do
imóvel porque ia para fazer o serviço necessário; para o depoente estava tudo
normal; os imóveis foram demolidos diante da situação e porque tem outros
planos para ali; “jogou no chão” porque realmente os imóveis não estavam
bonitos; não tinha nenhum interessado no imóvel; não havia outros moradores
no beco além dos meninos; não sabe quem fechava e abria o portão do “beco”.
À defesa, respondeu: via os ofendidos mas não os conhece, não sabendo os
nomes; já viu os ofendidos lavando carro e ajudando Robertinho.
2. 3. 2. 3. 4. 3. Song Cardoso Cortes Jr.
Ao contrário de Isadir, Song Cardoso Cortes Júnior foi desde logo
classificado e inquirido na qualidade de informante. Isso porque contratou por
intermédio do réu Paulo Girão os serviços dos ofendidos e, na posição de
tomador de possível mão de obra “escrava” teria razões para recear, em tese,
autoincriminar-se no curso do depoimento29.
Mesmo recepcionado e valorado como declarações de
29 Não se está dizendo que o inquirido tenha mentido. Mas é óbvio que na posição em que se
encontrava era de rigor liberá-lo do compromisso de dizer a verdade. Note-se que foi a única
“testemunha” a comparecer acompanhada de advogado.
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Processo penal 243
informante, o depoimento de Song propicia informações inegavelmente críveis e
consideravelmente úteis para a formação da convicção judicial. A primeira, e
talvez mais valiosa, é de que o réu Paulo Girão “sublocava” a mão de obra dos
ofendidos. E nessa base de agenciamento trabalharam não só para o depoente,
mas para diversos fazendeiros locais. Trata-se de mais uma prova do vínculo
laboral entre o réu Paulo Girão e os ofendidos. A segunda informação consiste na
forma como o pagamento era efetuado: diretamente aos trabalhadores, na
primeira vez; a partir daí, a Paulo. A presença no local do réu Roberto
(“Robertinho”) constitui a terceira informação relevante. A quarta diz do
desequilíbrio emocional da vítima Roberto (“CONINHO”) – algo incompatível com
a imagem de “família feliz” semeada por outra testemunha30. Finalmente, a
afirmação de que Romário frequentava a Igreja e tocava pandeiro no coro mostra
que os ofendidos gozavam de alguma liberdade de movimentação pelos
arredores.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: conheceu os ofendidos
trabalhando, mas não como escravos; os ofendidos já trabalharam 30 dias na
fazenda que o depoente administra; eles prestaram o serviço de fazer cerca; no
dia da prisão dos réus, os ofendidos estavam trabalhando no referido sítio, num
total de 13 ou 14 pessoas; o depoente saia atrás de funcionários; que Paulinho
trabalha com pessoas para cortar cana; o depoente foi até Paulinho e ele
arrumou essas pessoas; Paulinho apenas indicou os trabalhadores; não se
recorda de nenhuma briga entre “Coninho” e outro trabalhador; não sabe de
30 Veremos mais à frente as inconsistências do depoimento de outro trabalhador rural, “SAPO”,
que pretende fazer crer que a vida dos ofendidos era um arco-íris de felicidade.
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Processo penal 244
nenhuma briga de “Coninho” com Robertinho; Robertinho também estava
trabalhando no local; Robertinho trabalhava como os outros trabalhadores;
“Coninho” enquanto estava trabalhando, sumiu; esse trabalho de cerca era feito
em Barro Branco, que fica a 26 km de Pureza; passa ônibus de Barro Branco
para São Fidelis, não passando de Barro Branco para Angelim; tem DPO em
Pureza; que Pureza fica a aproximadamente 3km de Angelim; nunca ouviu falar
que o Paulinho tinha trabalhadores que viviam em condição de escravos,
trabalhando sem receber; os ofendidos estavam trabalhando e agindo
normalmente; não anda muito pelo Angelim e nunca chegou a ver os ofendidos
andando por lá; Romarinho praticamente morava na casa de Paulinho;
aparentava ter uma relação de amizade entre Paulinho e os ofendidos porque
Paulinho chegava brincando com todo mundo.
Ao MPF, respondeu: quando disse que Paulinho brincava, quer dizer que
conversava; os ofendidos trabalharam na usina cortando cana e na fazenda
fazendo cerca; os ofendidos trabalharam para várias pessoas ao redor; não
sabe dizer se Robertinho sempre estava por certo; o depoente pegava os
trabalhadores num local onde tinha uma placa; quando chegava geralmente
estavam os ofendidos e Robertinho; o depoente chegava a fiscalizar o
andamento do serviço; a alimentação era por conta dos próprios trabalhadores;
cada um levava sua comida; que o depoente na primeira semana chegou pra
pagar diretamente aos ofendidos mas eles disseram pra pagar ao Paulinho;
eram pago 50 reais por dia; não sabe porque os ofendidos falaram para pagar
a Paulinho; eles trabalharam de segunda a sexta durante 4 ou 5 semanas;
chegou a pagar tudo a Paulinho; pagou pelo serviço todo da cerca, 1000 reais
por semana; pagou a Paulinho porque os ofendidos “mandaram”; não achou a
situação estranha; não sabia de nada e só ficou sabendo depois que saiu na
imprensa; o comportamento de Robertinho em relação aos outros
trabalhadores era normal; trouxe advogado porque precisa; não está com medo
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Processo penal 245
de nada, mas que tem que andar com pé atrás; “Coninho” não fugiu da
propriedade do depoente porque ninguém o estava proibindo; o depoente ficou
sabendo que “Coninho” saiu pro mato com uma foice e não voltou através dos
outros trabalhadores; as pessoas acharam que “Coninho” tinha ido se matar;
“Coninho” não apareceu no outro dia, e foi pra delegacia; o depoente não tinha
trabalhado com esses empregados antes; o depoente já esteve no sítio do
Paulinho, mas não viu os trabalhadores; não tem a informação de que os
ofendidos se escondiam quando alguém de fora chegava no sítio de Paulinho;
Romarinho “batia” pandeiro; Romarinho chamava o depoente pra ir à igreja.
Ao MM Juiz, respondeu: o depoente “sublocava” mão de obra; que “sublocava”
do Paulinho; que somente nesses 30 dias se utilização da mão de obra do
Paulinho; Robertinho também trabalhava, mas Paulinho não; Robertinho
trabalhava, roçava, carregava areia; queeram 13 trabalhadores cada um
fazendo uma coisa; não sabe por que as pessoas acharam que o Coninho” iria
se matar; pensou isso porque sempre pensam no pior; nunca aconteceu do
“Coninho” querer se matar.
2. 3. 2. 3. 4. 4. Márcio Batistela Rodrigues
Os três ofendidos ouvidos em juízo afirmaram categoricamente
que teriam sido levados pelo réu Paulo Girão a um sítio em Nova Friburgo/RJ
para trabalhar. Davi disse que esteve lá duas vezes e que teria capinado um
quintal e desmatado uma árvore. Romário disse que teria cortado cana, capinado
e cortado uma árvore. Roberto não deu detalhes. Pelo que se pôde entender,
como retribuição teriam sido convidados para o churrasco que lá estava sendo
oferecido. O proprietário do sítio, capitão Márcio Batistela Rodrigues, negou que
algum dia os ofendidos lhe tenha prestado algum tipo de serviço.
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Processo penal 246
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: Às perguntas da defesa, respondeu: mora no
Rio de Janeiro, no bairro de Santa Cruz; não tem imóvel em Angelim; tem uma
casa normal em Nova Friburgo, à qual vai a cada 15 ou 20 dias; dos ofendidos
conheceu de pouca convivência o Romarinho; reconhece como sendo sua a
casa mostrada pelo advogado; se reconhece na foto, fazendo churrasco;
reconhece as pessoas apontadas na fotografia como presentes na
confraternização em sua casa; provavelmente a fotografia foi tirada num
domingo; algumas vezes Paulinho Girão foi à casa do depoente, pois é marido
da cunhada do depoente; tinha certo relacionamento de amizade por causa da
cunhada do depoente; Paulinho às vezes ia com “esse pessoal”, ou somente
com a esposa e o garoto Ruan; sempre fazia churrasco quando o Paulinho ia
lá; não se recorda se além das pessoas mostradas nas fotos, Paulo chegou a
levar outras; não levaram foice, enxada ou facão para trabalhar na casa do
depoente; tem uma pessoa que faz uma manutenção na casa.
Ao MPF, respondeu: não confirma que os ofendidos foram à sua casa para
trabalhar; que eles chegaram às 10h da manhã e ficaram no máximo até as
15h; nesse intervalo não dá tempo de fazer um churrasco e trabalhar; o que era
feito era uma confraternização; não tem conhecimento de como eles
trabalhavam no sítio de Paulinho; o depoente já foi à causa do Paulinho mas
não deu para perceber as condições; numa foto somente reconhece o “Sapo”;
Paulinho não levava só os empregados, como também sobrinho e outros
parentes; outras pessoas já haviam ido à casa do depoente; não tem cana no
terreno de sua casa; tem apenas pés de aipim e laranja; um senhor que mora
lá perto da casa realiza o trabalho de capinar e roçar o terreno; não recorda
quantas vezes Paulinho levou os empregados; recorda de ter levado uma vez
no final de ano; depois, acha que levou ainda uma ou duas vezes, mas nem
sempre todos os empregados juntos; recorda-se mais de “Sapo” e de
Romarinho; recorda-se deles por brincar e “de falar”; na casa do depoente os
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Processo penal 247
trabalhadores não ficavam afastados do resto do pessoal, que ficava perto.
Ao MM, juiz, respondeu: Paulinho levava os trabalhadores como conhecido, e
não como empregados; Paulinho os apresentava como pessoas que
trabalhavam com ele; não sabe se eram empregados, mas que trabalhavam
com Paulinho; os trabalhadores não faziam nada para o depoente; quem
cuidava do churrasco era o depoente; na casa do depoente não tem serviço de
roça para ser executado; era feita uma confraternização; os trabalhadores
comiam e bebiam; o depoente fazia questão de que todos estivessem
satisfeitos; conversava com os trabalhadores numa espécie de bate-papo
quando eles estavam lá; Paulinho ficava lá pouco tempo; tinha a impressão de
que as pessoas que trabalhavam pro Paulinho eram tranquilas; não pode fazer
julgamento porque tinha pouco convívio; tinha o convívio apenas quando iam à
casa do depoente.
Não há como saber quem está dizendo a verdade. É possível que
o capitão, com o receio de implicar-se no caso, tenha procurado afastar-se o
máximo de uma suspeita de uso de mão de obra “escrava”. Mas também é
possível que os ofendidos tenham incluído um ingrediente adicional na estória, a
fim de tornar sua versão dos fatos ainda mais dramática. Esta última possibilidade
me parece menos plausível. No entanto, à luz dos parâmetros objetivos aqui
utilizados para aferir a credibilidade da prova – e orientar sua valoração – tenho
que o ponto deve permanecer em aberto: não se pode concluir que os ofendidos
tenham prestado serviços no sítio da testemunha. A relevância em termos
probatórios, contudo, é mínima, pois a própria testemunha se esforça em deixar
claro que pouco sabia dos ofendidos e que nenhum conhecimento tinha sobre
suas condições de trabalho.
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Processo penal 248
2. 3. 2. 3. 4. 5. Pedro Pereira
O depoimento de Pedro Pereira é relevante apenas para
determina que o ofendido Davi tinha certa liberdade de movimentação – o que
outras testemunhas também afirmaram. Ou seja, em certos momentos podia
circular sozinho pelas ruas do bairro do Angelim. A testemunha nada sabe sobre
as condições de vida e de trabalho dos ofendidos a quem, à exceção de Davi,
nem conhece.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: à defesa, respondeu: Davi é sobrinho do
depoente; o depoente é irmão da mãe de Davi; o pai do Davi já morou no
“Beco do Jadir”; não conhecia o “JIPE” nem “CONINHO”; mora na vila Angelim;
o depoente via Davi andar sozinho pelas ruas do Angelim; pouco conversava
com Davi porque ele não é muito de conversa.
Ao MPF, respondeu: Robertinho tomava conta do serviço de Davi; quando via o
Davi na rua, ele estava sozinho, sem a companhia do Robertinho; via o Davi
perto do beco; o pai do Davi morava em Angelim; via o Davi a pé; não via o
Davi voltando do trabalho.
Ao MM. Juiz, respondeu: às vezes via Davi indo ao bar comprar bebida; ia ele
indo ao bar e voltando; não via o Davi em outra circunstância.
2. 3. 2. 3. 4. 6. Antônio Marcos Gonzaga
O trabalhador rural Antônio Marcos Gonzaga (“SAPO”), no
inconfessável afã de desmentir a versão dos ofendidos, prestou um depoimento
caricato, inçado de tão graves inconsistências e tão clamorosas absurdidades que
parece menos um testemunho judicial do que um panegírico dos réus. Convém ler
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Processo penal 249
antes o resumo. As passagens que serão alvo de considerações estão grifadas:
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: trabalha há 20 anos paro
Paulinho Girão; Marcelo, filho de Paulinho, mora em Pureza; Marcelo não mora
com Paulinho, sendo casado e tendo outra família; Romarinho morava com o
depoente na casa de Paulinho; o depoente trabalha no sítio com Paulinho;
corta capim e amarra pé de vaca; Romarinho, “Jipe” e “Coninho” não
trabalhavam no sítio; eles só trabalhavam de “empreitada”; eles só “iam
se fossem chamados”; “Moni tirador de leite” já trabalhou para Paulinho;
Paulinho pagava ao depoente para trabalhar no sítio; o depoente recebia
R$350,00 por semana; Paulinho não obrigava o depoente a trabalhar nem
impedia sua saída; o depoente tem família em Itaocara; gosta de ficar na casa
de Paulinho; o depoente estava no sítio quando a polícia chegou; também foi
levado para a delegacia; os policiais xingaram o depoente de “bicho feio”, “pé
grande”; os policiais pagaram lanche para a turma, mas disseram que o
depoente não merecia nada; os policiais falaram “que se você não falar a
verdade, vai ser levado pra esse negócio de escravo também, vai ter que ficar
na custódia também, ele é ruim também”; os policiais davam soco na mesa e
agrediram o depoente; disseram que se o depoente não falasse a verdade, iria
“comer perna de óculos”; os policiais queriam acusar o depoente de alguma
coisa sem ele saber de nada; a polícia queria que o depoente dissesse que
também era escravo; o depoente não era escravo; Davi, “Jipe” e “Coninho” não
eram trancados por Robertinho no “Beco do Jadir”; o portão ficava fechado por
causa do menino de Robertinho, que é deficiente; ninguém ficava trancado; era
tudo liberado, eles saíam; “Jipe” e “Coninho” bebiam muita cachaça; “faziam
sopa de cachaça” e dormiam na rua; os ofendidos participavam das festas e
eventuais cultos que eram realizados na casa de Paulinho; na visão do
depoente, Paulinho era amigo de Davi, “Jipe”, “Coninho” e Romarinho;
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Processo penal 250
Romarinho gostava de cavalgada; tinha cavalgada todo domingo; Romarinho
frequentava a igreja e tocava pandeiro; Romarinho ia ser batizado naquele
domingo em que a polícia chegou.
Ao MPF, respondeu: o depoente trabalhava para outra pessoa, mas foi
trabalhar pra Paulinho depois que essa pessoa desfez a turma; essa pessoa
era o Isadir; trabalhava pra Isadir em Portela, distrito de Itaocara; morou no
beco há uns 10 anos atrás; no beco havia uns quartos bons; tinha tudo
direitinho, inclusive banheiro; o depoente dormia numa cama de madeira;
Isadir deu a cama; os outros ofendidos moravam lá e também tinham tudo
deles direitinho; ninguém ficava preso; sabia disso porque passava lá de vez
em quando; depois passou a morar dentro da casa de Paulinho; sabia das
condições porque ia ao beco ver os outros ofendidos; tinha amizade com os
outros trabalhadores; Robertinho dava comida aos ofendidos; Robertinho
tratava direitinho deles; tinha churrasco toda semana; eles bebiam e
comiam; gastava quase R$200,00 de carne; o depoente era quem comprava
a carne para Paulinho fazer; o depoente podia sair; morava dentro da casa de
Paulinho; tinha água gelada; o depoente gosta mais de Paulinho do que do
próprio pai; os ofendidos também tinham sua liberdade; os outros são “tudo
mentiroso”; eles podiam andar para onde quisessem; era tudo liberado; não
sabe o motivo dos outros ofendidos terem mentido sobre o fato de não
poderem sair; quando a polícia chegou ninguém se escondeu; que a polícia
chegou agredindo; que parecia que o depoente era bandido; ninguém se
escondeu; estavam tomando café quando a polícia chegou; a polícia
chegou de repente que nem bicho; o depoente não tinha um trabalho mais leve
do que os outros; Paulinho ainda paga ao depoente; os outros trabalhadores
também recebiam dinheiro; eles gastavam tudo com cachaça; o depoente
trabalhava com foice e tinha equipamentos de proteção; o depoente não
cortava cana, apenas o capim das vacas; Romarinho também morava dentro
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Processo penal 251
da casa de Paulinho; Romarinho não morava numa baia; tinha geladeira,
refrigerante e comiam pão com manteiga; não havia meta estipulada para o
trabalho; a produção era por conta de cada trabalhador.
Ao MM. Juiz, respondeu: o depoente não vê muito futebol; gosta mais de
Igreja; frequenta a Assembleia de Deus, a mesma igreja que Romarinho
seguia; ia TV dentro da casa de Paulinho; a casa de Paulinho é melhor que a
do pai do depoente; Romário também assistia a futebol; eles eram iguais a
filhos; a TV é plana e grande; quando a polícia chegou os trabalhadores
estavam debaixo do pé de jambo comendo a fruta e tomando café; não é
verdade que quando a polícia chegou os trabalhadores estavam
escondidos; ninguém correu nem se escondeu; tem certeza disso; continua
morando na casa de Paulinho; o depoente recebe R$350,00 por semana em
dinheiro vivo; não tem conta bancária; junta o dinheiro para comprar suas
roupas e calçados; paga dízimo; não tem carteira assinada; toda semana o
“dele está na mão”; os outros trabalhadores também recebiam tudo
certinho; gastavam tudo com cachaça; os outros trabalhadores não
trabalhavam para Paulinho; só iam trabalhar quando era chamados para
fazer biscates; trabalhavam e recebiam pelo dia trabalhado; o biscate não
era feito toda semana; quem pagava o aluguel da casinha dos
trabalhadores era Paulinho; os trabalhadores não pagavam aluguel; todos
tinham roupas mas eram relaxados e não cuidavam; não lavavam roupa.
Das inconsistências, uma das mais aterradoras é o valor que o
depoente afirma receber do réu Paulo Girão: R$ 350,00 por semana. Isso soma
R$ 1.400,00 num mês de quatro semanas. Esse valor é completamente irreal.
Está muito acima do que um trabalhador rural – sem carteira assinada, como ele
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Processo penal 252
próprio reconhece – recebe para trabalhar num sítio31. Outra grave contradição
reside na afirmação de que Romarinho, “JIPE” e “CONINHO” não trabalhavam no
sítio de Paulo Girão, prestando-lhe apenas serviços de empreitadas. Mesmo
assim, só às vezes. Ora, isso não só conflita com o que disse Song Cardoso,
como é ilógico: se fosse verdade, por quê, como a própria testemunha destaca,
Paulo pagaria o aluguel da casa em que os dois últimos moravam32? Igualmente
inverossímil é a descrição que “SAPO” faz das condições de habitabilidade das
casas do beco: uns quartos bons, com banheiro e “tudo direitinho”. Não se parece
em nada com a descrição feita pelos policiais que lá estiveram33. O depoimento
segue numa curva ascendente de constrangedor surrealismo, com a afirmação de
que “toda semana tinha churrasco” e que todos bebiam e comiam felizes – algo
não só completamente incompatível com o maltratado estado físico dos
ofendidos, mas também em aberto conflito com o padrão socioeconômico de
trabalhadores rurais. E a coisa segue nessa toada, com afirmações
desconcertantes como as de que os ofendidos receberiam R$ 350,00 por semana 31 Cfr. supra as declarações do informante Song Cardoso Cortes Júnior sobre os valores que
pagou a Paulo Girão pelo trabalho dos ofendidos. Cfr. igualmente, infra, o depoimento de Ione
Lopes de Oliveira, que por mais de um ano trabalhou para Paulo Girão, sete dias por semana,
recebendo R$ 200,00 mensais.
32 Isadir Pinheiro Moço também confirmou que os aluguéis eram pagos por Paulo Girão para que
seus trabalhadores morassem no imóvel. Não se tratava de uma relação eventual: o vínculo
empregatício era insofismável.
33 Nem mesmo Isadir Pinheiro, por lacunoso e vago que tenha sido seu depoimento, animou-se de
negar as más condições do imóvel. Ao contrário, no final do depoimento escapou-lhe que mandou
pôr abaixo a casa porque precisaria fazer uma reforma grande para alugá-las novamente.
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Processo penal 253
e gastariam tudo em cachaça, de que teriam roupas à vontade mas seriam
desleixados, não lavando-as, e de que todos trabalhariam com equipamentos de
proteção – dos quais, caso existam, nenhuma notícia veio até hoje aos autos. O
ponto alto, o paroxismo, o clímax do depoimento, contudo, está na assombrosa
declaração de que os ofendidos estavam “tomando café e comendo fruta debaixo
do pé de jambo” à chegada da polícia civil. Aqui, a testemunha consegue a
proeza de ser desmentido não só pelos ofendidos, mas também pelos policiais e
pelo próprio réu Marcelo34: de fato, eles estavam escondidos.
De “SAPO” pode-se falar tudo. Pode-se falar que descumpriu o
compromisso perante os homens de dizer a verdade. Pode-se falar que violou o
dever perante Deus de não mentir. De “SAPO” só não se pode dizer que seja um
mau amigo de seu patrão. Afinal, “SAPO” não conhece Dom Pedro Calderón de la
Barca: ao rei tudo, menos a honra.
2. 3. 2. 3. 4. 7. Rosimar Pinheiro da Silva
Rosimar Pinheiro da Silva conheceu apenas o ofendido Davi, que
algumas vezes comprou cigarros em seu bar. Não sabe detalhes de sua vida nem
de seu trabalho. Seu depoimento, portanto, é de escassa utilidade, servindo
apenas para corroborar a alegação de que o ofendido podia circular pelos
arredores sem vigilância ostensiva.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: Ao MPF respondeu: é proprietária de um bar em
34 Disse Marcelo à polícia: "que uns vinte minutos depois Cirlei e Davi saíram da valeta onde
estavam escondidos, ao lado de onde o declarante foi abordado". Cfr. item 2. 3. 2. 4. 3.
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SENTENÇA
Processo penal 254
Angelim; conhece o “beco do jadir”; que o beco não é perto do bar da
depoente, dando aproximadamente uns 8 min; conhece Davi Ferreira; Davi ia
ao bar da depoente comprar cigarro em uma periodicidade rara; não se recorda
quantas vezes o Davi foi ao bar da depoente, mas ia de vez em quando
comprar cigarro e saía; conhece os três réus; os réus moram na comunidade
da depoente; não sabe o trabalho que realizam; conhece-os de vista; nas
poucas vezes que Davi foi ao bar estava sozinho; Davi ia ao bar a pé; não
notou se havia alguém na saída do bar acompanhando Davi; não tem
conhecimento do trabalho de Davi; ele tinha aparência normal; ele não chegou
a comprar bebidas no bar; Robertinho sempre ia ao bar da depoente nos finais
de semana; Robertinho bebia umas cervejas lá ou as levava para casa;
conhece o Robertinho pelo nome; Robertinho ia sozinho ao bar; Robertinho
comprava uma ou duas cervejas; e Paulinho e Marcelo não chegaram a
consumir nada no bar; Angelim é um bairro pequeno; que a depoente não
conheceu os outros ofendidos, só conheceu o Davi.
À defesa, respondeu: se lembra do pai do Davi, seu Ferreira; ele também
morava no “beco”; que não sabe dizer quanto tempo ele morou lá.
2. 3. 2. 3. 4. 8. Sebastião Braga
Sebastião Braga afirmou que cortava os cabelos dos ofendidos,
que lhe pagavam R$ 8,00 por corte, diretamente, sem intermediação de
“Robertinho” ou qualquer outro dos réus. A testemunha corrobora a alegação de
que os ofendidos gozavam de liberdade de circular pelos arredores – pelo menos
até o “salão” do depoente, a menos de meio quilômetro do “Beco do Jadir”.
Sebastião também revelou saber que os ofendidos trabalhavam para Paulo Girão,
o que mais uma vez confirma o vínculo empregatício.
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SENTENÇA
Processo penal 255
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: mora no Angelim há 12
anos; conhece os ofendidos; os ofendidos cortavam cabelo com o depoente; é
cabeleireiro; corta cabelos na varanda de casa; os ofendidos cortavam cabelo
com o depoente e eles mesmo pagavam; o corte do depoente custava na
época R$8,00; a última vez que os ofendidos cortaram cabelo foi no mês de
abril, não se recordando a data exata; os ofendidos iam todos juntos cortar
cabelo; eles iam juntos normalmente, sem ninguém os levando; conhece o
Robertinho mas nunca o viu de longe enquanto os ofendidos cortavam cabelo;
os ofendidos costumavam ir cortar cabelo no final do mês.
Ao MPF, respondeu: os ofendidos iam ao cabeleireiro umas duas vezes por
mês; iam em grupo o Davi, “Coninho”, “Jipe” e Romarinho; o salão do depoente
fica a aproximadamente 400m do “Beco do Jadir”; eles iam a pé; eles sempre
chegavam sozinhos; não se recorda o dia da semana, mas acredita ser final de
semana; os ofendidos sempre cortaram o cabelo e pagaram; nunca cortaram e
deixaram o pagamento pra ser efetuado posteriormente por Robertinho;
Marcelo também cortava o cabelo com o depoente; Paulinho e Robertinho
nunca cortaram cabelo com o depoente; os ofendidos nunca conversaram nada
com o depoente acerca do trabalho; eles eram calados; o depoente não
estranhava a atitude deles de serem fechados; sabia que os ofendidos
trabalhavam pro Paulinho; não sabia que eles moravam no “Beco do Jadir”; o
Marcelo não comentava nada sobre os trabalhadores.
Ao MM. Juiz, respondeu: tem um salão informal e corta o cabelo de muita
gente; não conversava com os ofendidos; não via maldade e os ofendidos
tinham aparência normal; não via tristeza neles.
2. 3. 2. 3. 4. 9. Marcelo Gleisson Rosa de Souza Santarém
À primeira vista, Marcelo Gleisson Rosa de Souza Santarém
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SENTENÇA
Processo penal 256
estaria enquadrado na mesma situação de Song Cardoso Cortes Júnior
(informante), pois serviu-se da mão de obra dos ofendidos intermediada por Paulo
Girão. Seja como for, o depoimento comprova que os ofendidos eram agenciados
pelo réu para serviços em propriedades rurais da região. Note-se que receberam
como remuneração apenas o almoço. A reciprocidade invocada pelo depoimento
poderia valer com relação a Paulo Girão, que algum dia também poderia vir a
precisar da ajuda dos vizinhos em seu sítio, mas não com relação aos
trabalhadores rurais, que de nenhuma forma seriam beneficiados por um
"mutirão".
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa respondeu: conhece dois dos
acusados; não conhece o Robertinho; conhece Paulinho e seu filho; mora em
São Fidelis; conhece a Vila Agelim; tem um sítio próximo à Angelim; explora
pecuária e plantação no sítio; chegou a conhecer alguns dos ofendidos, não
sabendo identificar os nomes; algum desses rapazes já trabalhou uma vez no
sítio do depoente; o trabalho foi pra “bater uma laje”; deve ter sido a uns 2 anos
atrás; o depoente conversou com Paulinho acerca de alguém pra ajudar na laje
e Paulinho indicou umas pessoas; o depoente os pegou no Angelim e levou até
o sítio; quando buscou os trabalhadores, eles não estavam monitorados pelo
Marcelo nem por outra pessoa; eles foram buscado no centro do Angelim, perto
da quadra; não havia ninguém vigiando os trabalhadores durante o trabalho na
laje; estavam todos descontraídos; que é uma espécie de mutirão, não é pago,
uns ajudam os outros.
Ao MPF, respondeu: não houve pagamento a ninguém porque havia uma
reciprocidade em relação ao trabalho; é costume a realização de mutirão na
região; ao final do mutirão era feito um churrasco ou panelada, mocotó;
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Processo penal 257
Paulinho indicou algum deles pra trabalhar na loja; não houve troca; na região
um ajuda o outro; Paulinho não recebeu nenhuma ajuda para fornecer um
trabalhador; conversou com Paulinho e ele disse que iria arrumar pessoal em
Angelim; acha que pegou uns 3 trabalhadores de Paulinho e mais uns 4 ou 5
da área; nenhum dos acusados chegou a ir; isso foi uma única vez, questão de
duas horas; depois deixou os trabalhadores onde os havia buscado, em
Angelim; ninguém os recebeu quando retornaram a Angelim; o depoente
combinou com Paulinho e na hora marcada os trabalhadores estavam
esperando-o; os trabalhadores se alimentaram lá; o depoente deu almoço pra
eles, uma panelada feita por sua esposa; estava todo mundo descontraído;
conhece e já foi no sítio do Paulo Girão; já viu alguns desses trabalhadores lá,
mas não sabe o nome; sempre via 4 ou 5 trabalhadores no sítio; o Marcelo
sempre estava lá, mas nunca viu o Robertinho; é quase vizinho de Paulinho; o
depoente não sabe até onde chega a escravidão; já viu o Paulinho e Marcelo
trabalhando enquanto os empregados estavam sentando numa mesa grande
conversando, almoçando e comendo laranja; um dos ofendidos chegou a
buscar um saco de laranja e oferecer ao depoente; não chegou a ver onde os
ofendidos moravam; que não era frequente sua ida ao sítio.
Ao MM. Juiz, respondeu: nunca ouviu falar de outros casos de trabalho escravo
na região.
2. 3. 2. 3. 4. 10. Juarez Gonçalves da Silva
O depoimento do pastor Juarez Gonçalves, testemunha das mais
isentas neste processo, é pouco expressivo em termos probatórios. Segundo ele,
Romarinho comparecia à Igreja várias vezes na semana, em cujo coro tocava
pandeiro. Como chegava lá é algo que o pastor não soube elucidar - pelos 8 ou
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Processo penal 258
10 km que separam o templo do local onde o ofendido morava, presume-se que
fosse de carro. Somando-se a isso o grande afluxo de frequentadores, seria
impossível ao depoente saber se Romário se fazia presente com ou sem
vigilância. O pastor também afirma nunca ter ouvido queixa alguma do ofendido
sobre suas condições de vida ou de trabalho, mesmo em conversas particulares,
mas, ao contrário, apenas elogios a Paulo Girão e à esposa dele - a quem o
ofendido teria como pais. Ocorre que o ofendido também nunca revelou ao pastor
que fumava e bebia - algo sumamente reprovável aos olhos da Igreja -, o que
mostra que preferia não compartilhar certos aspectos de sua vida com o
sacerdote. E os elogios foram feitos na presença do próprio Girão, o que torna
questionável sua sinceridade, especialmente se havia de fato uma relação de
dependência entre os dois.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: mora no Catitu, distrito de
São Fidelis; fica perto da vila do Angelim, a uns 8 a 10km; nunca foi pastor em
Angelim; é pastor na Assembleia de Deus; Romarinho passou a frequentar a
igreja em novembro de 2013; frequentava a igreja assiduamente; Romarinho
frequentou outra igreja antes mas não sabe o nome; essa outra igreja era em
Angelim; Romarinho tocava pandeiro nos cultos da igreja do depoente;
reconhece uma fotografia como sendo em sua igreja; reconhece Romário
tocando pandeiro na fotografia; havia e há outros instrumentistas na igreja; não
toca nenhum instrumento; os cultos eram todos os dias, menos às quintas; de
novembro em diante Romarinho ia sempre aos cultos; percebia que Romarinho
levava a sério os regramentos da igreja; ele chegava à igreja livremente; não
chegava triste nem cabisbaixo; chegava sem problemas; Robertinho não ia à
igreja do depoente; que Marcelo chegou a ir à igreja mas não era frequentador
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Processo penal 259
como Romário; o depoente não sabe responder se alguma vez Romário e
Marcelo chegaram juntos; não tinha como ver de que forma as pessoas
chegavam; Marcelo já foi à igreja algumas vezes mas não era frequentador;
sabe que Romarinho morava na casa de Paulinho Girão; Romarinho nunca
reclamou com o depoente que trabalhava e não recebia salário; nunca
reclamou ser maltratado de alguma maneira; nunca reclamou que a família do
Paulinho o tratava de “nego safado”; Romário já chegou a falar que Paulinho
representava um pai e a Rose uma mãe; Romarinho os tinha como pai e mãe;
não tem conhecimento geral acerca de Davi, “Jipe” e “Coninho”, mas já os viu;
não se lembra deles em algum culto na igreja; já fez culto na casa de Paulinho;
não recorda se esses rapazes foram ao culto na casa de Paulinho; nos cultos
iam muitas pessoas, mais de cem; não tem costume de andar pela vila do
Angelim; já viu o Davi andando pela rua, mas os outros dois não; Davi estava
sozinho.
Ao MPF, respondeu: Davi estava sozinho quando o viu na rua; Romarinho
frequenta a igreja desde novembro de 2013; do Angelim até à igreja a distância
é de 8 a 10 km; é claro que Romarinho sempre ia até a igreja com alguém de
carro; eram cultos na igreja e fora; fazia cultos na Usina Pureza e na rua perto
da casa do Paulinho, no bairro chamado Parque Miragem; Romarinho ia
sozinho a esses cultos; sabia que Romarinho morava com Paulinho porque o
depoente sempre estava na casa do Paulinho; sempre estava na casa do
Paulinho porque Romário tinha planos de se batizar; a casa do Paulinho em
que o depoente ia era no Parque Miragem; fica a aproximadamente 1 km do
“beco do jadir”; Romário morava na casa do Paulinho, no Parque Miragem;
Romário considerava Paulinho e Dona Rose como pais; Romarinho teria dito:
“eu vivo aqui porque considero Paulinho e Dona Rose como pai e mãe”;
Romário disse isso na casa do Paulinho e na presença do mesmo.
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Processo penal 260
Ao MM Juiz, respondeu: Romário não chegou a ser batizado; a preparação
paro batismo envolve ensinamentos do que é o batismo e de como a pessoa
deve agir; leva no mínimo 60 dias; Romarinho não chegou a concluir;
Romarinho conversava a sós com o depoente; conversavam questões dentro
da palavra do Evangelho; beber e fumar é incompatível com a palavra de Deus;
não tinha ciência de que Romarinho fumava ou bebia; não pode beber nem
fumar nada; Romarinho não falou paro depoente que bebia ou fumava; precisa
de um tempo pra ver se a pessoa se regenera; Romarinho nunca lhe falou dos
problemas pessoais; ele não contribuía com dízimo porque é só depois do
batismo; não há nenhuma contribuição voluntária anterior ao batismo; se quiser
a pessoa pode contribuir, mas não é obrigada; Romarinho tocava pandeiro; não
tem como dizer com que frequência Romarinho ia tocar na igreja; ele ia aos
domingos, segundas, terças e quartas; são diversos horários os cultos;
Romarinho frequentava o culto de 7 as 9 da noite; o culto dura em média duas
horas; no mesmo culto Romarinho assistia e participava tocando pandeiro.
2. 3. 2. 3. 4. 11. Isaque Cassiano
Assim como a testemunha anterior, Isaque Cassiano é pastor
evangélico. À frente do templo da Assembleia de Deus - Ministério Pão da Vida -,
em Argelim, conheceu Romário, há cerca de 4 anos atrás. O ofendido frequentou
pouco tempo a Igreja - dois meses, aproximadamente - em cujo coro musical
também tocava pandeiro. Disse haver conhecido também os outros ofendidos -
embora tenha tido dificuldade em identificá-los nas fotos que lhe foram mostradas.
Seja como for, de seu depoimento se extraem as seguintes informações
relevantes: i) no tempo de convivência com Romário, nunca ouviu dele nenhuma
reclamação sobre as condições de trabalho a que estaria submetido; ii) tampouco
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SENTENÇA
Processo penal 261
ouviu alguma queixa de Davi; iii) Davi, "JIPE" e "CONINHO" trabalhavam no sítio
de Paulo Girão em plantação e lavoura; iv) os ofendidos participavam do culto da
Igreja do depoente; iv) Davi circulava pela rua livremente.
Agora bem. No tocante à afirmação de que Romário nunca se
teria queixado de possíveis problemas com a família Girão, valem as
considerações feitas no item anterior: o ofendido sabidamente ocultava certos
aspectos de sua vida pessoal - o uso de álcool e cigarros, por exemplo -, o que
impede uma conclusão definitiva. Quanto à participação de todos os ofendidos
nos cultos, é provável que o sacerdote tenha se enganado, como se enganou na
identificação das fotos, até porque Davi não é evangélico. E exatamente porque
não é evangélico, não é de supor que tivesse intimidade com o depoente para
discorrer sobre assuntos pessoais. A afirmação de que os ofendidos trabalharam
no sítio de Girão está de acordo com outros elementos de prova, assim como a
afirmação de que Davi tinha liberdade de circular pela rua, sem vigilância
ostensiva.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: mora no Angelim; é
nascido e criado lá; é pastor da Assembleia de Deus, Ministério Pão da Vida; a
doutrina é a mesma da Assembleia do pastor Juarez; Romarinho frequentou a
igreja do depoente durante 2 meses; depois de 2 meses, Romário não quis
mais seguir e saiu da igreja; deve fazer uns 3 ou 4 anos que Romário saiu da
igreja; ele batia pandeiro na igreja; da igreja até a casa de Paulinho dá cerca de
10 minutos andando; Romário chegava ao culto sozinho; conhece Robertinho;
conhece os três réus; Romário não chegava ao culto escoltado por Robertinho;
Romário sempre ia e saia do culto sozinho com seus próprios pés; Romário
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Processo penal 262
aparentava que seria um bom obreiro; Romário dizia que tinha desejo de
aprender a tocar violão e guitarra; o depoente já foi ao sítio canto da serra, do
Paulinho; conhece Davi e a família de Davi, que também é evangélica; Davi
não é evangélico, é mais retirado; já viu Davi andando na rua; conhece o pai do
Davi, seu Manoel Ferreira; ele também morava no “beco do jadir”; a mãe do
Davi já é falecida mas antes morava pros cantos mais pra dentro da Usina;
Davi já conversou com o depoente pelas ruas do Angelim; durante a conversa
o depoente aproveitava a oportunidade e o convidava para ir pra igreja; Davi
nunca reclamou de estar vivendo uma vida sofrida ou maltratada; que nunca
falou que o Paulinho Girão o batia; nunca reclamou que Robertinho o
castigava; Romarinho nunca pediu ao depoente pra orar por ele; pedia apenas
oração pra casar.
Ao MPF, respondeu: Romarinho dava oferta normal à igreja; não viu
Romarinho dar dinheiro na oferta; já esteve no sítio canto da terra; foi ao sítio
para ver um culto que Paulinho pediu pra casa dele; foi até à casa de Paulinho
mas como ele não estava, foi até o sítio; viu o Davi, “Jipe” e “Coninho”
trabalhando normal; a atividade era vários tipos de trabalho: plantação e
lavoura; depois apenas retornou à casa do Paulinho para realizar o culto; todos
participaram do culto; uma vez por mês Paulinho realizava cultos em sua casa
e os ofendidos participavam; deve ter feito no mês uns três cultos na casa dele;
os ofendidos assistiam os cultos normal, como se fossem participantes da
família; não reconhece a foto apresentada do Cirley; Davi que lhe é mais
conhecido; reconhece a foto do Romário; na foto apresentada às fls. 3
identificou Davi, mas tratava-se do Cirlei; na foto de fls. 5 identificou Romário
mas não conseguiu identificar o Roberto; via-os no culto mas mostrando as
fotos em audiência não conseguiu identificá-lo; tem certeza de que os
ofendidos participavam do culto normalmente.
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SENTENÇA
Processo penal 263
Ao MM. Juiz respondeu: conhecia os ofendidos de passar na rua; os mais
conhecidos eram Romarinho e Davi; conhecia-os de nome e pessoalmente; os
outros não conhecia de nome; pela sua igreja não se pode consumir bebida
alcoólica nem vinho; também não pode fumar cigarros; quando um membro
informa que não parou de beber ou fumar, não é desprezado da igreja; não
sabia que Romarinho e Davi consumiam álcool; eles nunca disseram nada
sobre isso; Romário não comunicou ao depoente sua saída, apenas saiu; foi à
casa de Paulinho perguntar por que Romário não estava mais indo à igreja; ele
disse que estava cansado mas ia voltar; deixou a cargo de Romarinho o dia
que quisesse retornar.
2. 3. 2. 3. 4. 12. Rivelino Eduardo da Silva
Em seu depoimento Rivelino Eduardo da Silva confirma que os
ofendidos tinham liberdade de movimentação pelos arredores de Argelim, tendo-
os visto a andar na rua e efetuar compras. Confirma também o vínculo laboral
entre Davi e Paulo Girão. Rivelino diz, ainda, que os ofendidos saíam para
trabalhar às 6h, às vezes levados por Robertinho, às vezes, não.
À defesa, respondeu: mora no Angelim desde os 9 anos de idade; saiu de lá
aos 22 e retornou aos 33 anos; depois que retornou, mora ali há 6 anos; mora
em frente ao “beco do jadir”, ao lado da creche; agora mora numa rua mais
abaixo; conhece o acusado Robertinho; ele morava no “beco do jadir”; quando
Robertinho foi preso, o depoente ainda morava ali em frente ao beco; conheceu
Davi, “Jipe” e “Coninho”; já viu os três andando na rua do Angelim sozinhos,
sem a presença de Robertinho; já viu o Davi e “Jipe” no bar sozinhos; nunca
viu os ofendidos no campo de futebol do Angelim; o depoente frequenta o
campo de futebol; conversava com os ofendidos; Davi sempre ia à rua comprar
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Processo penal 264
as coisa; conversava principalmente com Davi; sabe que o pai de Davi é
Manoel Ferreira e que também morava no beco; ele morava numa outra casa
do beco; Davi nunca reclamou com o depoente que Robertinho havia batido
nele; nunca reclamou que não recebia nada pelo trabalho prestado pra
Paulinho Girão; os ofendidos nunca se queixaram de que ficavam trancados
em casa e não podiam sair; Romário já participou de jogo de futebol com o
depoente; nunca ouviu falar na região que os ofendidos eram maltratados;
após a prisão dos réus, o seu Ferreira continuou morando no beco; ele
continuou até ser demolido; no Angelim passa ônibus para São Fidelis; a
passagem custa 1 real; é mais fácil a pessoa pegar um ônibus pra São Fidelis
do que pra Cambuci; passa ônibus de 40 a 40 minutos para São Fidelis; o
ônibus para Cambuci passa a cada 1h e meia e que a passagem é R$2,75; em
frente ao “beco do jadir” tem um orelhão funcionando; tem patrulhamento da
polícia militar; o DPO fica em Pureza; Pureza é só ultrapassar a ponte; Davi,
“Jipe“ e “Coninho” gostavam de uma cachaça; o depoente já participou de
churrasco promovido por Robertinho no beco; no final de ano teve uma
confraternização deles que o depoente foi; já participou de confraternização em
que estavam Davi, “Jipe” e “Coninho”; Robertinho que fazia o churrasco.
Ao MPF, respondeu: quem chamou o depoente para participar da
confraternização foi Robertinho; a confraternização foi no corredor, em frente à
casa de Robertinho; tinha um portão pra entrar no beco; ficava encostado com
arame; tinha corrente e prego; os ofendidos participaram dessa
confraternização do Robertinho; Romarinho não participou; conversava mais
com Davi; falavam sobre assuntos de carro e bebida; Davi não chegou a
conversar sobre trabalho; sabia que o Davi trabalhava paro Paulinho Girão;
sabia porque o via saindo pra trabalhar; que às vezes os ofendidos iam
trabalhar e Robertinho ia depois; outras vezes eles iam trabalhar por perto; já
passou perto do sítio canto da serra; dá pra ir ao sítio a pé; é cerca de 20
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Processo penal 265
minutos a pé; Robertinho tinha um carro; usava mais o carro em uso próprio; às
vezes transportava o ofendido; às vezes via os ofendidos saindo pra trabalhar;
saiam cerca de 6 h da manhã; eles saíam a pé; já viu os ofendidos no bar; não
sabe se a ida deles era frequente; já viu o Robertinho no bar também; o nível
do quarto dos ofendidos é o mesmo do quarto de Robertinho; chegou a entrar
no quarto dos ofendidos.
2. 3. 2. 3. 4. 13. Ione Lopes de Oliveira
Ione Lopes de Oliveira presta um depoimento neutro. Trabalhou
um ano e pouco para o réu Paulo. Recebia R$ 200,00 mensais por sete dias de
trabalho semanal. Conhecia os ofendidos, mas não muito; via-os no sítio de
Paulo, mas não sabe se trabalhavam para ele; não os via sempre; via-os aos
sábados e às vezes aos domingos, mas nunca os via trabalhando; não sabe
quem os levava e buscava.
À defesa, respondeu: Mora em Palmeiras, em Cambuci; não fica perto da vila
do Angelim; já morou em Angelim; já trabalhou pra Paulinho durante um ano e
três meses tirando leite; parou de trabalhar pra ele a aproximadamente 1 ano;
Trabalhava exclusivamente tirando leite; trabalhava no sítio canto da serra;
trabalhava das 6 às 9 da manhã; após tirar o leite, terminava o serviço; também
trabalhava plantando lavoura de quiabo e tinha fabricação de tijolo de bloco;
chegou a ver os ofendidos no sítio “chupando” laranja; não chegou a vê-los
trabalhar; não sabe dizer se eles trabalhavam pra Paulinho; Paulinho nunca o
obrigou a continuar trabalhando pra ele; Paulinho não o forçou a trabalhar; que
nunca ouviu dizer de ex-funcionário do Paulinho que fora obrigado a trabalhar;
que já ouviu falar do “beco do jadir” mas nunca esteve lá; não sabe dizer se
Davi, “Jipi” e “Coninho” moravam no beco; já viu os ofendidos passarem na rua;
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SENTENÇA
Processo penal 266
Marcelo e “Sapo” ajudavam o depoente a tirar leite; uma das funções de
Marcelo era tirar leite todos os dias; todos os dias inclui sábado e domingo, 365
dias no ano; se não tirar o leite da vaca dá uma doença chamada “mamamite”;
há a possibilidade de tirar leite duas vezes ao dia, mas na fazenda do Paulinho
tirava-se apenas uma; o depoente recebia R$200,00 mensais; não trabalhava
de carteira assinada; não tinha carteira assinada porque tinha outros serviços e
não poderia cumprir as 8h diárias; recebia em dia; que Paulinho não ameaçou
o depoente quando saiu de lá; Paulinho disse que a fazenda estava de portas
abertas caso o depoente quisesse voltar a trabalhar.
Ao MPF, respondeu: trabalhava todos os dias na fazenda, de segunda a
domingo; durante esses dias, os ofendidos estavam na fazenda uma vez ou
outra; eles não estavam sempre lá; o local onde tirava o leite era na mesma
propriedade onde se capinava; raramente o depoente via os ofendidos no sítio;
não sabe se eles iam à tarde porque o depoente acabava o serviço e tinha
outros pra fazer fora dali; geralmente via os ofendidos no sítio apenas aos
sábados; raramente os ofendidos estavam no domingo; não sabe dizer se eles
chegavam com Robertinho; Deoclenir foi pra fazenda após a saída do
depoente; ele entrou pra substituir o depoente; não via os ofendidos
trabalhando.
Ao MM. Juiz, respondeu: o depoente trabalhava na parte da manhã no sítio;
geralmente quem cortava cana no sítio era Marquinho ou Marcelo; raramente
iam outras pessoas lá; o depoente não via outras pessoas.
2. 3. 2. 3. 4. 14. Moacir Augusto de Azevedo
A relevância do depoimento de Moacir Augusto de Azevedo se
prende à participação de Romário nas cavalgadas que o depoente há anos
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SENTENÇA
Processo penal 267
organiza. Segundo ele, o ofendido frequentava os eventos há uma década,
sempre desacompanhado. Como a testemunha nada soube dizer sobre as
condições de vida ou de trabalho dos ofendidos, o valor probatório fica limitado à
alegação de liberdade ambulatória de Romário.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: nasceu em Angelim;
conhece Paulinho Girão há muitos anos; conhecia Romarinho; Romarinho
morava na casa de Paulinho; é organizador de cavalgadas na região; realiza
em média umas 4 cavalgadas por ano; apenas o depoente realiza esses
eventos; lembra-se do Romarinho participando nas cavalgadas; ele participa de
uns 10 anos para cá; o depoente começou a organizar cavalgadas na região há
6 anos; de 10 anos pra cá Romarinho participou de todas; reconhece uma
fotografia de cavalgada por ele organizada; não se recorda de quando é a
cavalgada fotografada; não via ninguém vigiando o Romário nas cavalgadas;
ele conversava normalmente com os demais; andava bem a cavalo.
Ao MPF, respondeu: conheceu Davi, Cirlei e “Coninho”; somente Romário
participava das cavalgadas; ele ia sozinho; nem Paulinho nem Dona Rose o
acompanhavam; o percurso era de 8 ou 10km ou 4 ou 5km; acha que o cavalo
era do Romarinho; não perguntava de quem era o cavalo; Paulinho não
participava das cavalgadas; o depoente conhecia o Romário antes da
cavalgada, de vê-lo na rua; não chegou a ir no “beco do jadir”; quando passava
em Angelim via apenas o Romário; às vezes via Cirlei e Davi na rua; conhece
Robertinho; nunca viu Robertinho acompanhando os trabalhadores; é primo
longe do Paulinho; é parente do pai de Paulinho; o pai de Paulinho é primo do
pai do depoente.
Ao MM. Juiz, respondeu: conheceu mais o Romarinho; não sabe a profissão
certa de Romarinho; o via apenas na cavalgada e na rua; acha que Romarinho
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SENTENÇA
Processo penal 268
trabalhava pra alguém; não sabe dizer pra quem ele trabalhava; não sabe pra
quem o Romarinho estava trabalhando ultimamente; não sabe se trabalhava
para Paulinho; o cavalo usado por Romarinho era branco; não sabe o que os
outros rapazes faziam, nem pra quem trabalhavam; não sabe dizer se eles
trabalahavam pro Paulinho; não tinha intimidade com eles; não sabe dizer onde
os trabalhadores moravam; é católico.
2. 3. 2. 3. 4. 15. Josemar da Silva Pinheiro
Josemar da Silva Pinheiro prestou um depoimento vago,
limitando-se a confirmar que os ofendidos voltavam do trabalho acompanhados
do réu Roberto ("Robertinho").
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: Possui uma lanchonete na Rua Benevides,
próximo ao “Beco do Jadir”; conhece os réus; é bem ligado e amigo da família
do Paulinho; Roberto sempre compra na lanchonete; não chegou a frequentar
o sítio, mas já foi à casa de Paulinho e de familiares em festividades; conhece
os ofendidos de vista; nos poucos eventos festivos, não se lembra de ter visto
os ofendidos; não tem muito acesso aos ofendidos, mas já os viu chegando do
serviço acompanhados do Roberto; chegavam do serviço mais ou menos umas
17-18h; via-os a pé, e não no veículo; Robertinho tinha um carro e o deixava
estacionado em frente, próximo de casa; os ofendidos chegavam a pé; do beco
até o sítio deve ter 1 km de distância; os ofendidos não frequentavam a
lanchonete do depoente; não chegou a notar comportamentos estranhos dos
ofendidos; Davi é filho do Manuel Ferreira; não tem intimidade mas todo mundo
conhece o depoente; o pai do Davi morava no “beco”; não sabe dizer se o pai
do Davi trabalhava pro Paulinho; sentia cheiro de alimentação boa vindo do
“beco”; não via ofendidos andando pela rua porque dificilmente o depoente vai
à rua; via um dos ofendidos voltando da igreja, um moreninho que acredita ser
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Processo penal 269
o Romário; só via os ofendidos juntos quando retornavam do serviço; só via
desacompanhado do Robertinho o trabalhador que vinha da igreja; sabia que
os trabalhadores moravam no “beco” e não achava estranho;
Não anda muito pelas ruas do Angelim; fica mais vinculado ao trabalho, à igreja
e à cozinha da lanchonete; quando o depoente via os ofendidos voltando do
trabalho com Robertinho, estavam a pé; que via os ofendidos conversando
normalmente.
2. 3. 2. 3. 4. 16. Wanderley Cardoso Verdan da Silva
Embora periférico o depoimento de Wanderley confirma que os
ofendidos trabalhavam no sítio de Paulo Girão, acompanhados do corréu Marcelo,
sendo essa a única informação digna de nota.
SINTESE DO DEPOIMENTO: É conhecido como “Vanderley, ferrador de
cavalos”; trabalha nas redondezas de Pureza; já prestou seus serviços pra
Paulinho; prestava serviço no sítio de Paulinho uma vez por mês; recebia pelo
serviço; Paulinho nunca deixou de pagá-lo; já viu os ofendidos Romarinho,
Davi, “Jipe” e “Coninho” no sítio algumas vezes; nem sempre via os ofendidos;
nas vezes em que os viu ofendidos, eles estavam fazendo serviços de roça;
nunca viu Robertinho no sítio; nunca ouviu dizer que Paulinho Girão forçava
alguém a trabalhar pra ele; nunca ouviu dizer que outras pessoas trabalharam
para Paulinho; nunca teve contato com ninguém que dissesse ter trabalhado
para Paulinho; mora em São Fidelis; nunca ouviu falar que Paulinho não
pagava seus trabalhadores; nunca viu o Robertinho mas via o Marcelo
acompanhando os trabalhadores.
2. 3. 2. 3. 4. 17. Armelindo da Silva Teles
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Processo penal 270
Armelindo da Silva Teles disse conhecer os ofendidos e confirmou
que moravam no "Beco do Jadir". Nada soube dizer sobre as condições de vida
ou de trabalho deles. Como trabalhou há muitos anos para Paulo Girão, seu
depoimento acaba sendo mais de caráter.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: mora em Pureza; Pureza
fica perto de Angelim, não sabendo dizer ao certo; as localidades são
separadas por uma ponte; já trabalhou pra Paulinho Girão há uns 10 anos
atrás; trabalhou fazendo diversos serviços, na forma de empreitada; quando
havia serviço, Paulinho o chamava para fazer; combinavam preço e o depoente
recebia ao final; eram vários trabalhadores; o depoente trabalhava cortando
cana, capinando e roçando, serviços agropecuários; Paulinho nunca forçou o
depoente a trabalhar ou continuar trabalhando; nunca impediu de largar o
serviço nem sair do local de trabalho; o depoente não viu Paulinho fazer nada
nesse sentido; conhece algumas pessoas que já trabalharam pro Paulinho,
saíram e depois voltaram a trabalhar; conhece Romarinho, Davi, “Jipe” e
“Coninho”; eles moravam em Angelim perto do beco, no “beco do jadir”; já os
viu se locomover sozinhos pela região; não se lembra se Romarinho também
morava no beco; conhece o sítio de Paulinho; já trabalhou lá; que recebia ao
final da empreitada; Paulinho não lhe deve nada; nunca ninguém se queixou
que Paulinho não pagava, ou que agia de forma agressiva e ameaçadora.
Ao MPF, respondeu: trabalhou para Paulinho há 10 anos cortando cana e
capinando; trabalhou no sítio do pai de Paulinho, sítio canto da serra; trabalhou
tirando leite; não trabalhou com os ofendidos; eles foram trabalhar depois; o
depoente trabalhava paro Paulinho e morava em Angelim; o valor recebido
variava; não havia quantidade estipulada; recebia após a empreitada; conhece
o “beco do jadir”; não chegou a conhecer o quarto onde os ofendidos viviam;
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Processo penal 271
não chegou a presenciar o trabalho deles no sítio; Paulinho não reteve os
documentos pessoas do depoente; a casa onde Paulinho morava era do pai; o
depoente trabalhou no sítio e na casa de Paulinho; trabalhava onde arrumava
emprego; quem administrava o sítio era Paulinho; nesse época, o pai do
Paulinho era de idade; não sabe se o pai do Paulinho também administrava;
também não sabe se o pai do Paulinho morava e ficava no sítio.
Ao MM. Juiz, respondeu: não se lembra de ter conhecido “Boinha”; reconhece
o “Sapo”; conheceu Cirlei na rua; não conhece o Ruan; conhece o “Coninho”;
não tinha amizade nem conversava com nenhum deles; não sabe dizer se
naquela época, todo mundo trabalhava como empreitada; não sabe como é o
trabalho hoje em dia.
2. 3. 2. 3. 4. 18. Martinho Barreto de Azevedo
Conquanto diga conhecer os ofendidos Davi e Romário, o
depoimento de Martinho Barreto de Azevedo é classificado como de caráter, dada
sua vaguidade.
À defesa, respondeu: trabalhou para Paulinho Girão há 25 anos atrás;
trabalhava cortando cana a tonelada; trabalhava no Beco de Joaquinzinho, em
Itaocara; não sabe dizer se esse estabelecimento fechou; Paulinho trabalha
com corte de cana e agropecuária há muito tempo; o depoente já chegou a
dormir em local reservado por Paulinho enquanto trabalhava pra ele; era um
quarto grande na casa onde Paulinho mora; o quarto era específico para
trabalhadores que não tinham onde dormir durante a empreitada; Paulinho
nunca forçou o depoente a trabalhar nem impediu de ir embora do serviço;
Paulinho sempre pagou direitinho o depoente; nunca ouviu dizer que Paulinho
forçava pessoas a trabalhar ou impedia que fossem embora; esse
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Processo penal 272
acontecimento de trabalho escravo foi uma surpresa pro depoente; conhecia o
Davi e Romarinho; conhecia porque eram pessoas da própria localidade; o pai
de Davi também já trabalhou pra Paulinho; Romarinho andava a cavalo e Davi
sempre saía pra outros lugares e depois voltava pra trabalhar; Davi morava no
beco de Neuza Pinheiro; Neuza é filha de Isadir; a família de Girão é
conceituada na região; nunca ouviu falar que Paulinho deixava de pagar
pessoas que eventualmente lhe prestavam serviços.
Ao MPF, respondeu: hoje trabalha na prefeitura de São Fidelis, com serviço
prestado em limpeza de rua; trabalhou há 25 anos pro Paulinho cortando cana;
não havia meta a ser cumprida; o alambique pagava por tonelada de cana; o
alambique passava dinheiro pro Paulinho e ele repassava ao depoente; quem
pagava era Paulinho; conhece Robertinho e Marcelo; já os conhecia há 25
anos atrás; na época o Marcelo era pequeno; trabalhou 6 anos pro Paulinho;
sempre trabalhou nesse alambique em Itaocara onde Paulinho prestava
serviço; trabalhava por produção; a propriedade não era do Paulinho, era do
Joaquinzinho; que na verdade, trabalhava paro Joaquim por produção;
Paulinho era companheiro de trabalho; Paulinho que levava a turma; Paulinho
era o dono da turma; Paulinho que chamou o depoente para ir trabalhar;
Paulinho era o responsável por chamar as outras pessoas que trabalhavam no
alambique; na época em que trabalhou, Paulinho ainda não tinha o sítio canto
da serra; na época não tinha pessoas que trabalhava diretamente pro Paulinho;
conheceu Davi e Romarinho de Angelim mesmo, da rua; que não chegou a
visitá-los no sítio nem no quarto.
2. 3. 2. 3. 4. 19. Carlos Rogério Vieira da Silveira
Carlos Rogério, vereador do Município de São Fidélis, não
conhece os ofendidos nem soube dizer nada de útil a respeito dos fatos narrados
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Processo penal 273
na denúncia. Afirmou apenas conhecer “muito bem” os réus Paulo Girão e
Marcelo, que seriam seus eleitores e o teriam ajudado na última companha
eleitoral.
2. 3. 2. 3. 4. 20. Alberto Amaral Sobrinho
A importância maior do depoimento de Alberto Amaral Sobrinho
consiste em confirmar que os ofendidos trabalhavam para Paulo Girão, no sítio e
numa área anexa. No resto, o depoimento é de caráter.
SÍNTESE DO DEPOIMENTO: À defesa, respondeu: mora há 71 anos em
Pureza; mora lá desde que nasceu; conhece Paulo Girão; nunca ouviu dizer
que Paulo Girão forçava pessoas a trabalhar pra ele; conhece Paulo Girão há
aproximadamente 34 anos; Paulo Girão é trabalhador e honesto; o depoente já
comprou do Paulinho e também já vendeu pra ele; conhece o “Jipe” através de
uma tourada; via o Romarinho passar com uma carroça de ração pra tratar do
gado; já foi à tourada duas vezes e um fato que marcou foi que “Jipe” entrava
na arena embriagado; uma vez a tourada saiu e “Jipe” ficou caído, abandonado
e cheio de hematoma, mas o povo o pegou e cuidou dele.
Ao MPF, respondeu: que conhece o sítio do Paulo Girão; uma vez foi à casa
do Paulinho e os ofendidos estavam parados lanchando; viu os ofendidos
trabalhando em várias oportunidades; que o depoente tinha um terreno
arrendado anexo à propriedade do Paulinho, e via os ofendidos trabalhando
normalmente; os empregados cortavam cana e tratavam de gado; não sabe
dizer o nome detalhado dos ofendidos; os conhece apenas de vista; que
reconhece os empregados numa foto mostrada na audiência; que conhece os
ofendidos de ver; que não tem conhecimento acerca do falecimento de um
ofendido; que não reconhece o Roberto “Coninho”; que um dos ofendidos
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Processo penal 274
trabalhava em tourada e Paulinho cuidou dele; então foi trabalhar paro
Paulinho; esse empregado era toureiro e montava no touro bêbado; deixavam-
no montar bêbado; não sabe se o Cirlei além de roçar também cuidava do
gado; sabe que o “Sapo” cuidava do gado; depois que melhorou, o “Jipe” ficou
um tempo trabalhando paro Paulinho; não sabe dizer detalhadamente o que ele
fazia no sítio; não sabe dizer a função de casa empregado nem as condições
em que viviam.
Ao MM. Juiz, respondeu: nunca trabalhou pro Seu Paulinho; o depoente e seu
Paulinho eram fornecedores de cana pra Usina Pureza; não tem noção da
condição de vida dos empregados de Paulinho; a condição de todo agricultor
hoje é precária; o depoente já chegou a trabalhar com 61 empregados em sua
propriedade e sabe que é sacrificado e difícil; o depoente não limita a
movimentação de seus empregados; não os impede de ir pra casa; que já teve
empregados mas hoje não tem mais.
2. 3. 2. 4. Interrogatório dos réus na fase pré-processual
2. 3. 2. 4. 1. Valor probatório
À semelhança do sistema constitucional norte-americano, nosso
sistema jurídico processual não condiciona a validade do interrogatório prestado
em sede investigatória ou pré-processual à assistência ao suspeito ou indiciado
de defesa técnica. É posição antiga do STF:
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS".
DEFICIÊNCIA DA DEFESA. IRREGULARIDADE NO INQUÉRITO POLICIAL.
INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE ADVOGADO.
I. A deficiência da defesa só anulará o processo se houver prova de prejuízo
para o réu. Súmula 523.
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Processo penal 275
II. Por se tratar de peça meramente informativa da denúncia ou da queixa,
eventual irregularidade no inquérito policial não contamina o processo, nem
enseja a sua anulação.
III. A ausência de advogado no interrogatório do réu não vicia o ato, mesmo
porque o defensor do acusado não pode intervir ou influir nas perguntas e nas
respostas. CPP, art. 187.
IV. H.C. indeferido.
(HC 74198, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em
24/09/1996, DJ 06-12-1996 PP-48711 EMENT VOL-01853-03 PP-00561)
EMENTA: "HABEAS-CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES.
CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA: ALEGAÇÃO DE FALTA DE
JUSTA CAUSA; NULIDADES.
1. Justa causa: a condenação tem outros fundamentos suficientes, além da
confissão perante a autoridade policial e depois retratada em juízo, com
alegação de que houve coação.
2. O Estado não tem o dever de manter advogados nas repartições policiais
para assistir interrogatórios de presos; a Constituição assegura, apenas, o
direito de o preso ser assistido por advogado na fase policial.
3. Não ocorre, no caso, a hipótese de ../Microsoft/Windows/Temporary
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DocumentsOperacionalJurídicoJurisprudênciaTribunaisSTFDespa
chosExaminar%22 l - h0../Microsoft/Windows/Temporary Internet
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chosExaminar%22 l - h2flagrante preparado, mas a de
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chosExaminar%22 l - h1../Microsoft/Windows/Temporary Internet
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DocumentsOperacionalJurídicoJurisprudênciaTribunaisSTFDespa
chosExaminar%22 l - h3esperado; não tem aplicação a Súmula 145
porque o art. 12 da Lei de Tóxicos prevê diversos tipos penais, entre eles a
posse da substância entorpecente, suficiente para consumar o crime de tráfico,
sendo irrelevante que a sua venda tenha se consumado ou não.
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SENTENÇA
Processo penal 276
4. Nulidades ocorridas durante o inquérito policial não contaminam o processo
penal, eis que após a prolação da sentença condenatória, esta é que deve ser
atacada por eventuais nulidades.
5. "Habeas-corpus" conhecido, mas indeferido.
(HC 73.898/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, T2, 21.05.1996; DJU 16.08.1996,
p. 28.108 – Ementário 1.837-01/84)
Mais recentemente, esse entendimento foi reiterado pela 1ª
Turma do STF:
Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL.
CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA
ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE
DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA.
DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS
PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO
JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO
INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA
CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS
DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS
IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS.
LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA.
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
CRIMINAL. ORDEM DENEGADA.
I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias
civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais.
II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as
providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver
conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI.
III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial
competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à
elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar
esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos
conduzidos.
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SENTENÇA
Processo penal 277
IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes
implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao
nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na
Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil
para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer
as funções de polícia judiciária.
V – A custódia do paciente ocorreu por decisão judicial fundamentada, depois
de ele confessar o crime e de ser interrogado pela autoridade policial, não
havendo, assim, qualquer ofensa à clausula constitucional da reserva de
jurisdição que deve estar presente nas hipóteses dos incisos LXI e LXII do art.
5º da Constituição Federal.
VI – O uso de algemas foi devidamente justificado pelas circunstâncias que
envolveram o caso, diante da possibilidade de o paciente atentar contra a
própria integridade física ou de terceiros.
VII – Não restou constatada a confissão mediante tortura, nem a violação do
art. 5º, LXII e LXIII, da Carta Magna, nem tampouco as formalidades previstas
no art. 6º, V, do Código de Processo Penal.
VIII – Inexistência de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da
oitiva das testemunhas arroladas pelo paciente e do pedido de diligências, aliás
requeridas a destempo, haja vista a inércia da defesa e a consequente
preclusão dos pleitos.
IX – A jurisprudência desta Corte, ademais, firmou-se no sentido de que não há
falar em cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma
fundamentada, lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos,
indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária
ou protelatória, sendo certo que a defesa do paciente não se desincumbiu de
indicar, oportunamente, quais os elementos de provas pretendia produzir para
levar à absolvição do paciente.
X – É desprovido de fundamento jurídico o argumento de que houve inversão
na ordem de apresentação das alegações finais, haja vista que, diante da
juntada de outros documentos pela defesa nas alegações, a magistrada
processante determinou nova vista dos autos ao Ministério Público e ao
assistente de acusação, não havendo, nesse ato, qualquer irregularidade
processual. Pelo contrário, o que se deu na espécie foi a estrita observância
aos princípios do devido processo legal e do contraditório.
XI – A prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a garantia da
instrução criminal e preservação da ordem pública, ante a periculosidade do
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SENTENÇA
Processo penal 278
paciente, verificada pela gravidade in concreto do crime, bem como pelo modus
operandi mediante o qual foi praticado o delito. Ademais, o paciente evadiu-se
do distrito da culpa após a condenação.
XII – Ordem denegada.
(HC 107644, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma,
julgado em 06/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 17-10-
2011 PUBLIC 18-10-2011)
Colhe-se do voto do relator:
Inicialmente, no que concerne à alegação de constrangimento ilegal em face da
condução do paciente à autoridade policial, sem mandado judicial e na
ausência do estado de flagrante delito, não tem razão o impetrante.
Da leitura das peças processuais que instruem a inicial, especialmente o termo
de interrogatório e o relatório de investigação, é possível verificar que,
buscando chegar ao autor do assassinato, a esposa da vítima marcou um
encontro com o paciente, a pretexto de que este seria ressarcido da devolução
pelo banco de um cheque que estava em seu poder, documento este que,
justamente, havia desaparecido do escritório da vítima no dia do crime.
Feito isso, a esposa da vítima solicitou a presença de policiais para
acompanharem a conversa e, dessa forma, chegar, eventualmente, à autoria
do crime investigado. Em virtude das divergências entre as versões
apresentadas pela esposa da vítima e pelo paciente durante o diálogo, todos
foram conduzidos à autoridade policial para prestar maiores esclarecimentos,
tendo o paciente, nesse momento, confessado o delito.
[...]
Não há, assim, na minha compreensão, qualquer irregularidade no referido ato
policial, sendo certo que a própria Constituição Federal assegura, em seu art.
144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais.
O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as
providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver
conhecimento da ocorrência de um delito, assim dispostas nos incisos II a VI:
"II - apreender os objetos que tiverem relacao com o fato, após liberados pelos
peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstancias;
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SENTENÇA
Processo penal 279
IV - ouvir o ofendido;
V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no
Capitulo III do Titulo Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado
por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações".
Daí decorre a legitimidade da ação empreendida pelos agentes policiais, que
devem atuar sob o comando e presidência de um delegado de polícia de
carreira, o qual é a autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar
todas as providências necessárias à elucidação de um delito, resguardadas
todas as garantias legais e constitucionais dos envolvidos.
Não vejo, portanto, sequer, a necessidade de invocar, nesse caso, a chamada
teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-
americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há
expressa previsão legal e constitucional, que dá poderes à polícia civil para
investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as
funções de polícia judiciária.
Importante observar, nesse contexto, que a custódia do paciente ocorreu
somente depois de ele confessar, informalmente, a prática da infração penal, o
que levou a autoridade policial a representar por sua prisão temporária, a qual
foi decretada em decisão fundamentada do magistrado processante, não
havendo, assim, qualquer ofensa à clausula constitucional da reserva de
jurisdição que deve estar sempre presente nas hipóteses dos incisos LXI e LXII
do art. 5º da Constituição Federal, tidos como violados pelo impetrante.
[...]
Afasto, também, o argumento de violação ao art. 5º, LXII e LXIII, da Magna
Carta, bem como ao art. 6º, V, do Código de Processo Penal, tendo em vista
que, na delegacia, depois de ter confessado informalmente o crime, o paciente
foi qualificado e interrogado, na presença de duas testemunhas, sendo
devidamente advertido de todos os seus direitos constitucionais, de
permanecer calado e constituir advogado, conforme consta do termo trazido
pelo impetrante.
A dispensa da defesa técnica se dá inclusive para os casos de
interrogatório em inquérito iniciado pela lavratura de auto de prisão em flagrante:
HABEAS CORPUS - JULGAMENTO - MANIFESTAÇÕES - DEFESA -
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SENTENÇA
Processo penal 280
MINISTÉRIO PÚBLICO.
Na dicção da sempre ilustrada maioria, em relação a qual guardo reservas,
ainda que o ato atacado com a impetração repouse em requerimento do
Procurador-Geral da República, cabe à Vice que o substitua falar após a
sustentação da tribuna pela defesa.
PRISÃO - GOVERNADOR - LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL.
Porque declarada inconstitucional pelo Supremo - Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1.024-4/DF, Relator Ministro Celso de Mello -, não
subsiste a regra normativa segundo a qual a prisão do Governador pressupõe
sentença condenatória.
PRISÃO PREVENTIVA - GOVERNADOR - INQUÉRITO - LICENÇA DA CASA
LEGISLATIVA - PROCESSO.
A regra da prévia licença da Casa Legislativa como condição da
procedibilidade para deliberar-se sobre o recebimento da denúncia não se
irradia a ponto de apanhar prática de ato judicial diverso como é o referente à
prisão preventiva na fase de inquérito.
HABEAS CORPUS - ADITAMENTO - ABANDONO DA ORTODOXIA.
O habeas corpus está imune às regras instrumentais comuns, devendo reinar
flexibilidade maior quando direcionada à plena defesa.
PRISÃO PREVENTIVA VERSUS SENTENÇA CONDENATÓRIA - FORMA -
PEÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Cabe distinguir a adoção de arrazoado do Ministério Público como razões de
decidir considerada sentença condenatória, quando então verificado vício de
procedimento, da referente ao ato mediante o qual imposta prisão preventiva.
PRISÃO PREVENTIVA - GOVERNADOR - ARTIGO 51, INCISO I, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL - APLICAÇÃO ANALÓGICA - INADEQUAÇÃO.
A interpretação teleológica e sistemática do artigo 51, inciso I, da Carta da
República revela inadequada a observância quando envolvido Governador do
Estado.
PRISÃO PREVENTIVA - INSTRUÇÃO CRIMINAL - ATOS CONCRETOS.
A prática de atos concretos voltados a obstaculizar, de início, a apuração dos
fatos mediante inquérito conduz à prisão preventiva de quem nela envolvido
como investigado, pouco importando a ausência de atuação direta, incidindo a
norma geral e abstrata do artigo 312 do Código de Processo Penal.
PRISÃO PREVENTIVA - CIÊNCIA PRÉVIA DO DESTINATÁRIO.
A prisão preventiva prescinde da ciência prévia do destinatário, quer
implementada por Juiz, por Relator, ou por Tribunal.
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SENTENÇA
Processo penal 281
PRISÃO PREVENTIVA - INQUÉRITO - AUSÊNCIA DE OITIVA. O fato de o
envolvido no inquérito ainda não ter sido ouvido surge neutro quanto à higidez
do ato acautelador de custódia preventiva.
FLAGRANTE - DEFESA TÉCNICA - INEXIGIBILIDADE.
A documentação do flagrante prescinde da presença do defensor técnico do
conduzido, sendo suficiente a lembrança, pela autoridade policial, dos direitos
constitucionais do preso de ser assistido, comunicando-se com a família e com
profissional da advocacia, e de permanecer calado.
(HC 102.732, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, 04.03.2010, DJE
06.05.2010 - Caso ARRUDA)
O que a Constituição da República reclama é que o preso – aqui
entendido em sentido amplo, compreensivo de qualquer condição: suspeito,
indiciado, denunciado, defendente, réu, etc – seja informado dos seus direitos
(art. 5º, inc. LXIII), entre os quais o de permanecer calado, pois, na sistemática
processual penal brasileira (em sentido amplo) a exigência de assistência por
advogado, como condição de validade do ato, só se aplica à fase judicial (CPP
185 caput), sendo inaplicável, em virtude do caráter inquisitorial dos
procedimentos investigatórios, à oitiva – chamada por tradição de interrogatório –
no transcorrer da fase pré-processual (CPP 6º V).
Sendo válidos os interrogatórios dos ora réus na fase pré-
processual, incorporam-se ao acervo probatório e devem ser livremente
valorados. Como quaisquer elementos informativos, não se prestam por si sós a
fundar a convicção judicial; mas, respaldados e fortalecidos por outros elementos
de prova, podem servir para o convencimento do Magistrado, quer pelo que dizem
expressamente, quer pelas contradições em que incorrem.
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SENTENÇA
Processo penal 282
2. 3. 2. 4. 2. Paulo Cesar Azevedo Girão
Este o interrogatório prestado por Paulo Girão na fase
investigatória:
Que o declarante é proprietário do Sítio Angelim, situado no bairro Angelim,
próximo a localidade de Pureza; Que o declarante possui a supracitada
propriedade desde o ano de 2007, fruto de herança; Que antes da aquisição da
propriedade trabalhava para um senhor de nome VALDEMAR PINTO MAIA, já
falecido; Que trabalhou durante 21 anos para o senhor VALDEMAR tirando
leite de vaca; Que o declarante sempre teve como funcionários seu cunhado,
DEUCLENIR MACHADO , e seu filho MARCELO DA CONCEIÇÃO DA SILVA
GIRÃO; Que além dos dois nunca teve funcionário algum que trabalhasse para
o declarante de segunda a sexta-feira; Que o declarante afirma que nenhum
dos conduzidos trabalha efetivamente para ele, exceto ANTONIO MARCOS
GONZAGA, que sempre trabalhou na casa do declarante, inclusive mora nessa
casa; Que na verdade todos trabalhavam eventualmente aos sábados, ou
seja, as vezes uma, as vezes duas vezes por mês; Que o declarante paga
R$50,00 por dia trabalhado; Que eles faziam a capina do sítio; que
geralmente eles começavam a trabalhar às 07;00 h e saíam entre 11:00 e
12:00 h; Que o indivíduo conhecido por "ROBERTINHO" nunca trabalhou
para o declarante, nem eventualmente; Que os indivíduos que trabalham
para o declarante eventualmente se chamam SIRLEI, "ROMARINHO" e DAVI,
sendo certo que agora sabe que chamam SIRLEI RODRIGUES MIRANDA,
ROMÁRIO MOTA ROSA e DAVI PEREIRA FERREIRA, que as vezes iam os
três, outras dois e as vezes somente um trabalhar para o declarante; Que o
declarante quando necessitava dos trabalhos de um dos três ia na casa deles,
que fica a cerca de 500 m da casa do declarante; Que o declarante tratava
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Processo penal 283
diretamente com os três para formalizar o convite do trabalho; Que alguns
residem no mesmo quintal de "ROBERTINHO", em uma casa separada, outros
não; Que nessa casa moram DAVI e SIRLEI, mais ninguém; Que
"ROBERTINHO" reside em uma outra casa, pouco mais à frente da casa onde
reside "ROBERTINHO", sendo este o nacional ROBERTO MIRANDA DE
ARAUJO; Que o declarante reafirma que "ROBERTINHO" nunca trabalhou
para ele; Que DAVI, SIRLEI e "ROMARINHO" começaram a trabalhar para o
declarante há cerca de dois meses; Que o indivíduo conhecido pro
"CONINHO", que agora sabe se chamar ROBERTO DE OLIVEIRA, nunca
trabalhou para o declarante; Que o declarante não sabe onde "CONINHO"
reside ou residiu no Angelim; Que o declarante não conhece "CONINHO",
muito menos teve contado com ele alguma vez; Que o declarante afirma
que não tem conhecimento se "CONINHO" morava na mesma casa de DAVI e
SIRLEI, no mesmo quintal onde reside "ROBERTINHO"; Que o declarante
nunca agrediu ninguém, muito mesmo determinou que outra pessoa batesse
em algum dos seus contratados; Que o filho do declarante, MARCELO,
trabalha desde novo para ele e nunca teve carteira assinada, sendo certo que
MARCELO recebe um salário mínimo mensal, já o seu cunhado trabalha há
cerca de um mês e recebe R$50,00 por dia trabalhado; Que nunca teve
nenhum empregado que trabalhasse de segunda a seta além dos dois; Que
acerca de "ROBERTINHO" reafirma que ele nunca trabalhou para o declarante
e tem conhecimento que ele presta serviços para outros empregadores rurais
da região onde mora; Que o declarante conhece "ROBERTINHO", mas não
tem contato com ele; Que o declarante não tem conhecimento, muito menos
ouviu falar se "ROBERTINHO" agrediu alguém; Que o declarante não tem
conhecimento se "ROBERTINHO" trancava DAVI, SIRLEI e "CONINHO" na
casa que residiam a partir de determinada hora, 16:00 h, muito menos
determinou tal coisa algum dia; Que o declarante tem conhecimento que
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Processo penal 284
CONINHO reside no bairro da Chatuba e diz que ele é perturbado; Que
ressalta que nunca agrediu ou manteve alguém em cárcere privado; Que o
declarante não possui arma de fogo; Que já foi preso uma vez por crime
previsto no artigo 180 do CP, ficando recluso dois dias, posteriormente
respondeu o processo em liberdade e foi absolvido; Que o declarante não
contratava nenhum dos indivíduos citados para uma terceira empresa, ou seja
não terceirizava seus serviços, muito mesmo tirava proveito financeiro disso;
Que há quatro anos o declarante não ver ROBERTO DE OLIVEIRA, vulgo
"CONINHO"; Que o declarante nunca assinou carteira das pessoas
mencionadas porque as contratava esporadicamente, não havendo uma
relação de trabalho permanente.
Os trechos grifados, que constituem os pontos centrais do
interrogatório, são os seguintes:
1. Nenhum dos conduzidos trabalha efetivamente para ele; na
verdade todos trabalhavam eventualmente aos sábados, ou seja,
às vezes uma, as vezes duas vezes por mês; às vezes iam os
três, outras dois e as vezes somente um trabalhar.
2. Eles faziam a capina do sítio; geralmente eles começavam a
trabalhar às 07h e saíam entre 11h e 12h;
3. O indivíduo conhecido por "ROBERTINHO" nunca trabalhou
para o declarante, nem eventualmente; o declarante conhece
"ROBERTINHO", mas não tem contato com ele;
4. DAVI, SIRLEI e "ROMARINHO" começaram a trabalhar para o
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SENTENÇA
Processo penal 285
declarante há cerca de dois meses;
5. O indivíduo conhecido pro "CONINHO", que agora sabe se
chamar ROBERTO DE OLIVEIRA, nunca trabalhou para o
declarante; o declarante não sabe onde "CONINHO" reside ou
residiu no Angelim; o declarante não conhece "CONINHO", muito
menos teve contado com ele alguma vez; o declarante afirma que
não tem conhecimento se "CONINHO" morava na mesma casa de
DAVI e SIRLEI, no mesmo quintal onde reside; há quatro anos o
declarante não vê ROBERTO DE OLIVEIRA, vulgo "CONINHO";
6. Que nunca teve nenhum empregado que trabalhasse de
segunda a sexta além dos dois;
7. O declarante não contratava nenhum dos indivíduos citados
para uma terceira empresa, ou seja não terceirizava seus
serviços, muito mesmo tirava proveito financeiro disso;
A versão esgrimida pelo réu é inteiramente desacreditada não só
pela palavra dos ofendidos, mas também pela prova testemunhal a cujo relato e
análise procedi, pela prova documental e até mesmo pelo conteúdo dos
interrogatórios na fase policial dos corréus Marcelo e Roberto ("Robertinho").
Constam dos autos: i) o trecho (nesse ponto confiável) do depoimento de Rogério
de Souza Santos (2. 3. 2. 3. 3. 2.) - que procurou Paulo Girão para saber o
paradeiro do tio Roberto ("CONINHO"); ii) o depoimento de Isadir Pinheiro Moço
(2. 3. 2. 3. 4. 1.) de que o réu alugou o imóvel para que os trabalhadores nele
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Processo penal 286
morassem; iii) o depoimento de Gilson Gaudard Villete, confirmando as
declarações de Isadir (2.3. 2. 3. 4. 2.); iv) o depoimento de Song Cardoso Cortes,
que "contratou" os ofendidos pagando a Paulo Girão pela mão de obra (2. 3. 2. 3.
4. 3); v) o depoimento de Márcio Batistela Rodrigues de que o réu levou os
ofendidos ao seu sítio - incluindo "CONINHO", que o réu ora diz não conhecer,
ora diz não ver há muito tempo (2. 3. 2. 3. 4. 4.); vi) o depoimento de Pedro
Pereira, segundo o qual "Robertinho" (réu) tomava conta do trabalho de Davi (2.
3. 2. 3. 4. 5.); vii) o depoimento de Sebastião Braga, que conhecia os ofendidos
como trabalhadores de Paulo Girão (2. 3. 2. 3. 4. 8); viii) o depoimento de Marcelo
Gleisson, que também se valeu da mão de obra dos ofendidos por intermédio de
Paulo Girão (2. 3. 2. 3. 4. 9); ix) os depoimentos dos pastores Juarez Gonçalves e
Isaque Cassiano (2. 3. 2. 3. 4. 10. e 3. 2. 3. 4. 11); x) o depoimento de Rivelino
Eduardo da Silva, que confirma que Davi trabalhava para Girão, além de indicar
"Robertinho" como homem que os levava para o trabalho de manhã (2. 3. 2. 3. 4.
12); xi) o depoimento de Josemar da Silva, que via os ofendidos retornar do
trabalho com "Robertinho"; xii) os depoimentos de Wanderley Cardoso e Alberto
Amaral Sobrinho, segundo os ofendidos trabalhavam no sítio de Paulo Girão (2. 3.
2. 3. 4. 16 e 2. 3. 2. 3. 4. 20.); xiii) o interrogatório de Marcelo Girão (2. 3. 2. 4. 3),
filho de Paulo, afirmando que "CONINHO" mora com Davi e Cirlei num quarto do
beco e que seu pai às vezes paga aos ofendidos diretamente e às vezes o faz por
intermédio de "ROBERTINHO"; xiv) as asserções categóricas do corréu Roberto
Melo de Araújo de que é funcionário de Paulo Girão há 12 anos, de que os
ofendidos - inclusive Roberto ("CONINHO") - prestam serviços ao chefe há mais
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Processo penal 287
de 10 anos, de que é Girão quem sempre os agencia e recebe o dinheiro pelo
trabalho por eles executado; xv) as circunstâncias categóricas e inequívocas da
prisão em flagrante, retratadas nos depoimentos dos policiais civis Giovani Ponce
e Jorge Willian (2. 3. 2. 3. 2.). É curioso notar que a versão do réu foi refutada
pelas próprias testemunhas de defesa.
2. 3. 2. 4. 3. Marcelo Conceição Azevedo Girão
O réu Marcelo Conceição Azevedo Girão prestou o seguinte
interrogatório na fase pré-processual:
O declarante, ciente de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer
em silêncio, relata que trabalha na fazenda de seu pai Paulo Cezar Azevedo
Girão tirando leite. Que hoje, por volta das 14h, estava na fazenda quando a
Polícia Civil chegou. Que o pai do declarante e seu tio Deuclenir foram
abordados na entrada da fazenda. Que o declarante foi abordado próximo
perto da Manilha. Que naquele momento ninguém mais tinha sido localizado
na fazenda. Que durante uma averiguação na fazenda os policiais localizaram
Antônio Marco escondido no curral. Que uns vinte minutos depois Cirlei e
Davi saíram da valeta onde estavam escondidos, ao lado de onde o
declarante foi abordado. Que foi perguntado porque o declarante ao ser
indagado, no momento da abordagem, se tinham outras pessoas na
fazenda além de seu pai ou seu tio o declarante disse que não, afirmando
que somente os três estavam trabalhando na fazenda. Respondeu: Que
tinha chegado naquele instante na fazenda de cavalo e que não viu nenhum
dos quatro. Que não sabe porque eles se esconderam. Que o declarante
nunca mandou eles se esconderem quando chegasse a Polícia. Que
Antônio Marcos, Romarinho, Sirley e Davi trabalham as vezes na fazenda
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SENTENÇA
Processo penal 288
e sempre aos sábados, quando vão. Que durante a semana eles
trabalham para outras pessoas e são eles quem os pagam. Que Roberto
as vezes trabalha na fazenda aos sábados. Que Roberto, Davi e Sirley
moram num mesmo quarto de aluguel com Romarinho. Que o declarante
não sabe quanto eles pagam no aluguel ou na alimentação. Que sabe
somente que é num único quarto, com banheiro que Roberto, Sirley e Davi
moram. Que o declarante sabe que seu pai paga R$ 50,00 por dia trabalhado.
Que o pai do declarante as vezes paga diretamente a Antônio Marco,
Romarinho, Sirley e Davi e as vezes paga a Robertinho, a pedido deles. Que o
declarante não sabe onde Antônio Marcos, Romarinho, Sirley e Davi
trabalharam ontem ou esta semana. Que o declarante tem conhecimento que
é Robertinho quem consegue trabalho para Antônio Marcos, Romarinho, Sirley
e Davi e é Robertinho quem paga. Que Robertinho trabalha como chefe de
turma e também trabalha na lavoura. Que o declarante não sabe como
Roberto se machucou, contudo pode afirmar que quando ele bebe arranja
confusão na rua. Que não há trabalho escravo na fazenda. Que a moto bros,
placa KNY 8494 é do declarante. Que a comprou de Sapão por R$ 3.500,00.
Que Sapão disse que a moto está na nota fiscal e está atrasada. Que nunca
verificou a procedência da moto. Que foi indagado como a moto está na nota
fiscal mas tem placa. Que Sapão disse que a moto era de leilão. Que foi
indagado porque tem placa já que é de leilão. Que o declarante disse que não
entende de documento de veículos. Que Sapão mora em Itaocara, não
sabendo o endereço, sem seu nome correto. Que o declarante não tinha visto
que a moto está sem chassi.
Marcelo expôs-se menos do que o pai, mas a assertiva de que os
ofendidos trabalhariam apenas eventualmente para Girão e, no tempo restante,
para outras pessoas, recebendo diretamente delas o pagamento, foi cabalmente
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SENTENÇA
Processo penal 289
desacreditada pela prova testemunhal e documental produzida nos autos, como
vimos no item anterior. Tampouco é crível a afirmação de que não teria mandado
os ofendidos se esconderem da polícia. Não haveria razão alguma para que eles
assim agissem, caso não tivessem sido instruídos a fazê-lo. Relembro aqui o que
narraram os ofendidos Davi e Romário sobre o episódio:
JUIZ FEDERAL: No dia em que a polícia foi lá, o senhor se escondeu?
DAVI PEREIRA FERREIRA: O Marcelo mandou a gente se esconder.
JUIZ FEDERAL: O senhor já havia se escondido antes?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Muitas vezes.
JUIZ FEDERAL: Onde o senhor se escondia?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Na vala, no quarto ou ia para o canavial.
JUIZ FEDERAL: O que o senhor se lembra do dia em que a polícia chegou?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Estava capinando.
JUIZ FEDERAL: Que horas eram?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Umas três horas. Mas era para trabalhar até
umas 9, 10 horas da noite. A gente estava escondido. Aí o Roberto foi com os
policiais e achou a gente na beira do valão.
JUIZ FEDERAL: O que os policiais disseram para vocês?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Que a gente era vítima. Não era para ficar com
medo.
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SENTENÇA
Processo penal 290
JUIZ FEDERAL: E aí fizeram o quê?
DAVI PEREIRA FERREIRA: Trouxeram a gente aqui para Campos para
conversar.
********************
JUIZ FEDERAL: No dia em que foi encontrado pela polícia o senhor estava
escondido?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Estava.
JUIZ FEDERAL: Por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque o Marcelo mandou se esconder.
JUIZ FEDERAL: O senhor se escondeu por quê?
ROMÁRIO MOTA ROSA: Porque foi mandado. O Marcelo mandou.
A prova indiciária, consistente na palavra de dois ofendidos, sob o
crivo do contraditório, prevalece sobre a versão mal-ajambrada e implausível do
réu.
2. 3. 2. 4. 4. Roberto Melo de Araújo
O capataz de Paulo Girão, Roberto Melo de Araújo foi interrogado
pela polícia judiciária, tendo respondido o seguinte:
Que o declarante é funcionário do senhor PAULO CESAR GIRÃO há 12 anos
aproximadamente; que o declarante reside no endereço citado desde que
nasceu; que é casado com a senhora ANA CLAUDIA, com quem tem 01 filho;
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Processo penal 291
que no seu quintal existe mais três casinhas, sendo que apenas uma estava
ocupada; que DAVI, GIPE e ROBERTO residiam em uma dessas citadas
casinhas; que todos pagam aluguel ao ZADIR PINHEIRO MOÇO, que é
proprietário das referidas casinhas; que o declarante paga apenas o seu
aluguel no valor de R$ 140,00 por mês; que o declarante não paga o aluguel
deles; que o declarante apenas tem como obrigação dar almoço, cafés e
janta para o DAVI, GIPE e ROBERTO; que eles trabalham para uma pessoa
chamada SONGUINHA em barro Branco; que perguntado quem conseguiu
este serviço para o declarante e demais, declara que foi o PAULO GIRÃO; que
o declarante e os três sempre trabalham juntos, mas não na propriedade de
PAULO GIRÃO; que todos os serviços citados pelo declarante são
conseguidos por intermédio do PAULO GIRÃO; que o declarante recebe em
média R$ 500,00 por semana; que este valor é apenas para o declarante; que
o SONGUINHA nunca lhe deu dinheiro; que sempre o responsável por
receber o dinheiro dos serviços realizados pelo declarante, DAVI, GIPE e
ROBERTO é o PAULO GIRÃO; que o declarante não sabe quanto o PAULO
GIRÃO paga ao DAVI, GIPE e ROBERTO; que o declarante nunca viu
qualquer pagamento do PAULO GIRÃO para o DAVI, GIPE e ROBERTO; que
o declarante não tem nada a ver com o pagamento deles; que este valor de R$
500,00 por semana é utilizado pelo declarante para pagar luz, água, remédios,
fumo, cachaça e demais necessidades deles; que o declarante faz compra de
mantimentos toda semana para eles três; que o declarante de segunda a
sexta leva o DAVI, GIPE e ROBERTO para o local de trabalho e retornam
depois de 08 horas de serviço; que é o declarante que os leva para casa
também; que nesses dez anos praticamente a e equipe de trabalho foi
formada pelo declarante e o DAVI, GIPE e ROBERTO; que se recorda que o
DAVI, GIPE e ROBERTO apareceram um de cada vez pedindo serviço a
PAULO GIRÃO, e depois disso sempre trabalharam juntos nesses últimos
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SENTENÇA
Processo penal 292
dez anos; que o declarante, nem eles tem carteira assinada pelo PAULO
GIRÃO; que ninguém tem férias ou qualquer benefício; que nunca o declarante
negociou diretamente algum serviço; que sempre é o PAULO GIRÃO quem
negocia e lhe avisa o que e onde deverá fazer o serviço, lhe pagando o
supramencionado valor por semana; que o DAVI, GIPE e ROBERTO moram
no mesmo local, no qual existem duas camas e um colchão no chão; que são
eles mesmo que lavam a casa deles; que a comida é feita na casa do
declarante pela sua esposa e entregue a eles pelo declarante; que todos os
dias o declarante está no serviço junto comeles; que o MARCELO é filho do
PAULO GIRÃO e trabalha tirando leite; que o MARCELO reside em Pureza
com a esposa; que MARCELO sabia que o DAVI, GIPE e ROBERTO
moravam no beco da casa do declarante e trabalhavam para o DAVI, GIPE
e ROBERTO; que tem certeza que o declarante nunca deu qualquer valor em
dinheiro ao DAVI, GIPE e ROBERTO, tampouco viu nesse período o PAULO
GIRÃO ou MARCELO dar qualquer valor a eles; que realmente ontem o
ROBERTO foi no meio do mato e fugiu; que ficou sabendo da fuga através de
um rapaz chamado JULIANO que estava no local trabalhando fazendo cerca
para SONGUINHO; que hoje o declarante avisou ao PAULO GIRÃO que o
ROBERTO havia fugido, mas ele disse que já sabia, pois o SONGUINHO que
é o administrador da fazenda onde estão trabalhando agora já havia avisado ao
PAULO GIRÃO; que o SONGUINHO teria ligado para o PAULO; que o PAULO
GIRÃO tem apenas uma fazenda chamada CANTO DA SERRA; que o PM ZÉ
ALVES é cunhado do PAULO GIRÃO e o PM BASÍLIO é casado com a filha do
PAULO GIRÃO; que o declarante conversou com o DAVI e GIPE sobre a fuga
do ROBERTO, pois ele poderia ter morrido na mata fechada; que o declarante
acreditava que o ROBETO viria para São Fidélis, pois momentos antes de fugir
ele tinha perguntado se havia ônibus naquela hora; que o declarante não tem
nenhum problema com o ROBERTO, mas já brigou com ele; que não castigava
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Processo penal 293
nenhum deles pra trabalharem; que eles não são escravos; que raramente
aparece algum parente deles na casa; que nunca viu parente do GIPE; que às
vezes aparecia um rapaz que é parente do ROBERTO lá na casa, mas era
somente esse rapaz que o visitava; que o DAVI tem o pai dele ali perto; que o
pai dele senhor MANOEL FERREIRA, tem problema na vista e o declarante é
quem recebe a aposentadoria dele;. Que a aposentadoria dele é no valor de R$
565,00; que o declarante tranca o portão da rua com cadeado por causa do seu
filho; que a casa deles tem cadeado, mas quem tem a chave são eles mesmos;
que o declarante usa o valor da aposentadoria para pagar o serviço que tem
com ele; que todos podiam entrar e sair a hora que quisessem; que não tem
arma de fogo, nem o PAULO GIRÃO; que a casa onde eles moram tem duas
camas, uma televisão, 01 ventilador, um quarto e um banheiro; que nada mais
tem a declarar.
Os pontos mais relevantes do interrogatório são os seguintes:
1) O declarante apenas tem como obrigação dar almoço, cafés e
janta para o DAVI, GIPE e ROBERTO;
2) Todos os serviços citados pelo declarante são conseguidos por
intermédio do PAULO GIRÃO;
3) Sempre o responsável por receber o dinheiro dos serviços
realizados pelo declarante, DAVI, GIPE e ROBERTO é o PAULO
GIRÃO;
4) O declarante nunca viu qualquer pagamento do PAULO GIRÃO
para o DAVI, GIPE e ROBERTO; o declarante não tem nada a ver
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Processo penal 294
com o pagamento deles; este valor de R$ 500,00 por semana é
utilizado pelo declarante para pagar luz, água, remédios, fumo,
cachaça e demais necessidades deles; declarante faz compra de
mantimentos toda semana para eles três; tem certeza que o
declarante nunca deu qualquer valor em dinheiro ao DAVI, GIPE e
ROBERTO, tampouco viu nesse período o PAULO GIRÃO ou
MARCELO dar qualquer valor a eles;
5) O declarante de segunda a sexta leva o DAVI, GIPE e
ROBERTO para o local de trabalho e retornam depois de 08
horas de serviço; que é o declarante que os leva para casa
também;
6) Nesses dez anos praticamente a equipe de trabalho foi
formada pelo declarante e o DAVI, GIPE e ROBERTO;
7) Se recorda que o DAVI, GIPE e ROBERTO apareceram um de
cada vez pedindo serviço a PAULO GIRÃO, e depois disso
sempre trabalharam juntos nesses últimos dez anos;
8) [Nem] o declarante, nem eles tem carteira assinada pelo
PAULO GIRÃO; que ninguém tem férias ou qualquer benefício;
que nunca o declarante negociou diretamente algum serviço;
9) Sempre é o PAULO GIRÃO quem negocia e lhe avisa o que e
onde deverá fazer o serviço, lhe pagando o supramencionado
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Processo penal 295
valor por semana;
10) DAVI, GIPE e ROBERTO moram no mesmo local, que
MARCELO sabia que o DAVI, GIPE e ROBERTO moravam no
beco da casa do declarante e trabalhavam para o DAVI, GIPE e
ROBERTO.
Em certos aspectos, as respostas de Roberto neste interrogatório
se aproximam do que poderia ter sido uma verdadeira confissão extrajudicial. Ele
admite expressamente que nenhum dos ofendidos recebia diretamente o
pagamento pelos serviços executados por ordem de Paulo Girão, embora a ele,
Roberto, fosse confiada a quantia de R$ 500,00 por semana para cobrir as
despesas de Davi, "JIPE" e Roberto ("CONINHO"). Note-se que o réu afirma que
tinha a obrigação de fornecer almoço, café e janta aos ofendidos. Fica claro com
isso que eles não recebiam dinheiro algum, vivendo em regime de dependência
estritamente controlada.
2. 3. 2. 5. Prova documental
À parte os documentos (em sentido amplo) trazidos pela defesa,
como fotos e gravações – compendiados no Apenso 1 –, a prova documental
produzida no curso da instrução está discriminada na decisão que analisou a
resposta à acusação e os requerimentos de produção de prova das partes:
Defiro a produção de prova documental superveniente, nos termos da lei (CPP
231).
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Processo penal 296
Com relação aos documentos cuja requisição a defesa requer, com os olhos
fitos nos parâmetros estabelecidos no item anterior, tenho que alguns dos
requerimentos são razoáveis, ao passo que outros recaem na cláusula de
desnecessidade e impertinência.
1º Histórico previdenciário das supostas vítimas. Considero razoável a
requisição das informações que constem dos sistemas informatizados do INSS
a respeito das supostas vítimas. Com relação ao recorte cronológico, penso ser
desarrazoado o período de 15 anos para todos, pois apenas Cirlei declarou
trabalhar para a família Girão há tanto tempo. Roberto falou de 10 anos e David
e Romário, de 8 anos. Portanto, no tocante a Cirlei o período é justificado, mas
quanto aos demais a requisição deve ser limitada a 10 anos.
2º. Histórico do FGTS. Igualmente razoável o requerimento de requisição à
CEF de informações sobre possíveis contas vinculadas titularizadas pelas
supostas vítima, observado o recorte cronológico acima.
3º. Informações societárias referentes à Teia Participações S/A (CNPJ
02.614.534/0001-33). Não se revela prima facie desnecessária ou impertinente
a requisição de cópia do Contrato Social ou Ata da Assembleia de Constituição
com Estatuto Social da sociedade empresária. Como a defesa não esclarece,
presumo tratar-se do documento atual – em tendo havido alterações.
Preferível, contudo, que tais documentos sejam requisitados diretamente à
JUCERJA.
4º. Informações trabalhistas referentes à mesma sociedade empresária.
Não se mostra primus ictus oculi desarrazoado o requerimento de requisição
de cópia de documentos trabalhistas, previdenciários, etc, que se refiram a um
possível vínculo entre a sociedade empresária e as supostas vítimas, bem
como do nome dos funcionários responsáveis por esses contratos de trabalho
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Processo penal 297
– caso existam.
5º. Relação de todos os funcionários e prestadores de serviço com os
quais a Teia Participações S/A manteve relação trabalhista nos
Municípios que compõem o Norte-Noroeste do Estado do Rio de Janeiro.
O requerimento aqui é desnecessário do ângulo da busca da verdade, além de
expor dados sensíveis e impor ônus desarrazoado à sociedade empresária.
Como opção viável, que aparentemente atende àquilo que a defesa almeja
provar, defiro a requisição à sociedade empresária para que informe o número
de empregados e prestadores de serviço que mantém no Norte Fluminense.
6º. Informações da mesma sociedade empresária sobre como eram
desenvolvidos os trabalhos agrícolas na Usina Pureza e nos canaviais,
em geral. Defiro o requerimento, na linha dos itens anteriores.
7º. Antecedentes criminais das supostas vítimas. Defiro apenas a
requisição de informações ao Instituto Félix Pacheco. Deve constar do
ofício/mandado a advertência de que não se trata de indiciados nem de réus,
mas de possíveis vítimas de crime, a fim de evitar o lançamento de anotações
desairosas. Por outro lado, indefiro a requisição de informações à Polícia Civil,
visto que os indiciamentos são obrigatoriamente noticiados ao IFP.
8º. Requisição de informações ao Tribunal Regional Eleitoral. Defiro em
parte o requerimento: na mesma perspectiva de produção apenas da prova
necessária à boa instrução, devem ser requisitadas informações sobre a
situação eleitoral das supostas vítimas Cirlei, Roberto, David e Romário, se
elas votaram nas eleições nos últimos 15 e 10 anos, respectivamente, e, em
caso afirmativo, em que Zona e Seção Eleitoral.
Nenhum desses documentos se revelou decisivo para a busca da
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Processo penal 298
verdade “material” (materielle Wahrheitsforschung), sequer tendo sido objeto de
apreciação mais profunda nos memoriais.
2. 3. 2. 6. Valoração final da prova
Tomando por base as valorações parciais distribuídas ao longo
dos tópicos anteriores, às quais farei remissão, tenho como provadas acima de
qualquer dúvida razoável, em grau de certeza jurídica, a maior parte das
alegações de fato articuladas na denúncia. Essa prova ora é direta, ora indireta
(indiciária) e mais frequentemente direta em certos aspectos e indireta em outros.
No horizonte de projeção do princípio do livre convencimento
judicial motivado (der Grundsatz der freien richterlichen Beweiswürdigung35) ou da
persuasão racional – que abdica de provas tarifadas, com valor pré-determinado
pelo legislador –, adotado pela legislação brasileira36, a prova indiciária (CPP 239)
é apta para fundar um decreto condenatório, desde que as séries e/ou cadeias de
indícios sejam graves, sólidas, harmônicas e convergentes. É o entendimento
do STF (HC 83.542/PE, DJ 26.03.2004, p. 9; HC 75.809/SP, T1, DJ 17.04.1998,
p. 4; HC 70344/RJ, T2, DJ 22.10.1993) e do STJ (APN 224/SP, CE, DJE
23/10/2008). Nada mais natural, pois, se como pondera Roxin, a finalidade do
processo criminal consiste em provar, e provar não é senão “propiciar ao juiz a
35 Sobre as características primordiais do princípio, cf. PFEIFFER, Gerd. Strafprozessordnung:
Kommentar. 5. Auflage. München: C. H. Beck München, 2005, p. 698. 36 CPP 155: “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas”.
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Processo penal 299
convicção sobre a existência de um fato”37, é óbvio que “a convicção do juiz pode
ser fundamentada também por uma prova indiciária”38.
1ª Conclusão. A prova dos autos certifica que os ofendidos
Roberto de Oliveira, Romário Mota Rosa, Davi Pereira Ferreira e Cirlei Rodrigues
Moreira trabalhavam em tempo integral para o réu Paulo Girão, quer
diretamente em suas terras, capinando, roçando, quer "sublocados" a terceiros.
Assim: i) o trecho (nesse ponto confiável) do depoimento de Rogério de Souza
Santos (2. 3. 2. 3. 3. 2.) - que procurou Paulo Girão para saber o paradeiro do tio
Roberto ("CONINHO"); ii) o depoimento de Isadir Pinheiro Moço (2. 3. 2. 3. 4. 1.)
de que o réu alugou o imóvel para que os trabalhadores nele morassem; iii) o
depoimento de Gilson Gaudard Villete, confirmando as declarações de Isadir (2.3.
2. 3. 4. 2.); iv) o depoimento de Song Cardoso Cortes, que "contratou" os
ofendidos pagando a Paulo Girão pela mão de obra (2. 3. 2. 3. 4. 3); v) o
depoimento de Márcio Batistela Rodrigues de que o réu levou os ofendidos ao
seu sítio - incluindo "CONINHO", que o réu ora diz não conhecer, ora diz não ver
há muito tempo (2. 3. 2. 3. 4. 4.); vi) o depoimento de Pedro Pereira, segundo o
qual "Robertinho" (réu) tomava conta do trabalho de Davi (2. 3. 2. 3. 4. 5.); vii) o
depoimento de Sebastião Braga, que conhecia os ofendidos como trabalhadores
de Paulo Girão (2. 3. 2. 3. 4. 8); viii) o depoimento de Marcelo Gleisson, que
também se valeu da mão de obra dos ofendidos por intermédio de Paulo Girão (2.
37 ROXIN, Claus; SCHÜNEMANN, Bern. Strafverfahrensrecht. 27. Auf. München: C. H. Beck.
2012, p. 160. 38 No original: “die Überzeugung des Gerichts kann auch durch einen Indizienbeweis begründet
werden” – id. Ibidem, p. 93.
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Processo penal 300
3. 2. 3. 4. 9); ix) os depoimentos dos pastores Juarez Gonçalves e Isaque
Cassiano (2. 3. 2. 3. 4. 10. e 3. 2. 3. 4. 11); x) o depoimento de Rivelino Eduardo
da Silva, que confirma que Davi trabalhava para Girão, além de indicar
"Robertinho" como homem que os levava para o trabalho de manhã (2. 3. 2. 3. 4.
12); xi) o depoimento de Josemar da Silva, que via os ofendidos retornar do
trabalho com "Robertinho"; xii) os depoimentos de Wanderley Cardoso e Alberto
Amaral Sobrinho, segundo os ofendidos trabalhavam no sítio de Paulo Girão (2. 3.
2. 3. 4. 16 e 2. 3. 2. 3. 4. 20.); xiii) o interrogatório de Marcelo Girão (2. 3. 2. 4. 3),
filho de Paulo, afirmando que "CONINHO" mora com Davi e Cirlei num quarto do
beco e que seu pai às vezes paga aos ofendidos diretamente e às vezes o faz por
intermédio de "Robertinho"; xiv) as asserções categóricas do corréu Roberto Melo
de Araújo de que é funcionário de Paulo Girão há 12 anos, de que os ofendidos -
inclusive Roberto ("CONINHO") - prestam serviços ao chefe há mais de 10 anos,
de que é Girão quem sempre os agencia e recebe o dinheiro pelo trabalho por
eles executado; xv) por fim, pelas próprias declarações dos quatro ofendidos.
2ª Conclusão. Está provado que o réu Roberto atuava como
preposto, "capataz" ou agente de Paulo Girão, vigiando os ofendidos durante a
jornada de trabalho e fora dela. Assim, inter plures: i) declarações dos quatro
ofendidos (2. 3. 2. 2.); ii) interrogatório policial do próprio Roberto (2. 3. 2. 4. 4.);
iii) interrogatório policial de Marcelo (2. 3. 2. 4. 3.); iv) depoimento de Gilson
Gaurdard Villete (2. 3. 2. 3. 4. 2.); v) depoimento de Song Cardoso Cortes Jr (2. 3.
2. 3.); vi) depoimento de Pedro Pereira (2. 3. 2. 3. 4. 5.); vii) depoimento de
Rivelino Eduardo da Silva (2. 3. 2. 3. 4. 12); viii) depoimento de Josemar da Silva
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Processo penal 301
(2. 3. 2. 3. 4. 15).
3ª Conclusão. Está provado que os ofendidos foram submetidos
a jornadas de trabalho exaustivas, do início da manhã à noite, sem férias nem
repouso semanal, tal como narrado em síntese nos memoriais do autor:
No caso, constata-se que os réus impuseram aos trabalhadores o cumprimento
de expediente diário de trabalho extremamente exaustivo, que se iniciava por
volta de 4:00hs da manhã ,com duração até as 18:00hs. A jornada de trabalho
estava compreendida no intervalo do final da madrugada até o fim da tarde,
superior as 08 horas diárias previstas em lei. Ademais, as vítimas era negado o
direito de usufruírem de descanso semanais, sendo obrigados a atuarem nas
frentes de serviços de segunda a segunda- feira, inclusive sábados e
domingos. Quando não estavam trabalhando no Sítio Canto da Serra do
acusado Paulo Girão, as vítimas eram deslocadas para laborarem na Usina
Pureza ou em outra localidade, sempre a mando de Paulo Girão e sob a
vigilância de “ Robertinho” e Marcelo Girão.
A jornada exaustiva delineou-se não apenas na sua duração mas
principalmente na intensidade do trabalho. Os trabalhadores com corte
manual de cana-de-açúcar, em razão do trabalho por produção e das
exigências por aumento contínuo da produtividade, sabidamente castigante
pela exposição ao sol, foram vítimas de sérios agravos à saúde.
O gasto elevado de energia não devidamente recompensado com os
descansos regulamentares, durante e após a jornada de trabalho, e com a
ingestão de bebidas alcoólicas e uso de cigarros, ao invés do incentivo a uma
alimentação equilibrada e compatível com o desgaste físico dos trabalhadores,
acarretou sério comprometimento a saúde e a própria capacidade para o
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Processo penal 302
trabalho desses obreiros.
Assim: i) declarações dos quatro ofendidos (2. 3. 2. 2.); ii)
interrogatório policial de Roberto (2. 3. 2. 4. 4.); iii) depoimento de Gilson Gaudard
Villete (2. 3. 2. 3. 4. 2.).
4ª Conclusão. Está provado que os ofendidos não recebiam
salário nem parte do ganhos auferidos pelo réu Paulo Girão com a sublocação
dos serviços prestados a terceiros, mas apenas contrapartida na forma de
moradia de má qualidade, alimentação precária, álcool e pouco dinheiro que
usavam para ir ao cabeleireiro e efetuar a compra de cigarros. Assim: i)
declarações dos quatro ofendidos (2. 3. 2. 2.); ii) interrogatório policial de Roberto
(2. 3. 2. 4. 4.); iii) depoimento de Isadir Pinheiro Moço (2. 3. 2. 3. 4. 1.); iv)
depoimento de Gilson Gaudard Villete (2. 3. 2. 3. 4. 2.); v) depoimento de Song
Cardoso Cortes (2. 3. 2. 3. 4. 3); vi) depoimento de Rosimar Pinheiro da Silva (2.
3. 2. 3. 4. 7); vii) depoimento de Sebastião Braga (2. 3. 2. 3. 4. 8.); viii)
depoimento de Marcelo Gleisson (2. 3. 2. 3. 4. 9).
5ª Conclusão. Está provado que eram péssimas as condições de
trabalho, aí incluído o alojamento no "Beco do Jadir" em que três dos ofendidos
dormiam, como bem descreve o autor em seus memoriais:
... alojamento inadequado e em condições precárias – muita sujeira, pouca
ventilação, grande mau cheiro, teto do quarto sem cobertura completa, com
furos, permitido a entrada de poeira e água de chuva;
instalação elétrica improvisada de modo inadequado;
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SENTENÇA
Processo penal 303
péssimas condições sanitárias e de higiene- ausência de local apropriado para
as necessidades fisiológicas, que eram realizadas na privada do banheiro do
alojamento, cuja descarga não funcionava ;
falta de equipamentos de proteção individual a saúde e integridade física dos
trabalhadores;
falta de assistência médica e matéria de primeiros socorros;
ausência de água encanada- no alojamento, a água disponibilizada a consumo
dos trabalhadores era proveniente da torneira onde tomavam banho. No local
de trabalho, havia a utilização do sistema de “ poço” de onde os trabalhadores
retiravam água imprópria para o seu consumo pessoal e ingestão;
ausência de local adequado para as refeições, seja no local de trabalho (
alimentavam-se sentados no chão,sob o sol escaldante) ou no alojamento( não
havia cadeiras nem mesas);
Assim: i) declarações dos quatro ofendidos (2. 3. 2. 2.); ii)
depoimento do policial civil Giovani (2. 3. 2. 3. 2. 1.); iii) depoimento do policial
civil Jorge Wilian (2. 3. 2. 3. 2. 2.); iv) foto de fls. 86 do IPL (Apenso 2). Tenho
também como prova indiciária - igualmente corroborante -, os depoimentos vagos
e lacunosos do proprietário e do responsável pela locação do imóvel, Isadir
Pinheiro Moço (2. 3. 2. 3. 4. 1.) e Gilson Gaudard Villete (2. 3. 2. 3. 4. 2.).
5ª Conclusão. Está igualmente provado que, embora gozassem
de certa liberdade para circular pelos arredores de Argelim, ir ao cabeleireiro e à
venda e, mesmo - no caso de Romário - à Igreja, sem vigilância ostensiva - como
bem o comprovam inúmeros depoimentos -, os ofendidos viviam sob rígido
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Processo penal 304
controle de horários e estrita dependência econômica e psicológica. Os elementos
de prova são aqueles mencionados como fundamento da 3ª conclusão,
acrescidos: i) do depoimento de Rita Mota Rosa (2. 3. 2. 3. 3. 1.); ii) dos
depoimentos dos policiais civis Giovani (2. 3. 2. 3. 2. 1.) e Jorge Wilian (2. 3. 2. 3.
2. 2.) sobre o estado emocional dos ofendidos. Há, ainda, as circunstâncias da
fuga do ofendido Roberto e da prisão em flagrante que só encontravam
justificação lógica no estado prévio de restrição de liberdade. De resto, a tese
defensiva de que os ofendidos seriam livres para deixar o local quando bem
entendessem é desacreditada pelo acervo probatório: não é crível que um homem
realmente livre se submetesse às árduas condições de trabalho a que estavam
sujeitos os ofendidos, nem que concordasse em habitar um cômodo em
condições insalubres como aquelas retratadas nestes autos.
6ª Conclusão. Está provado que o réu Marcelo mandou que os
ofendidos se escondessem à chegada da polícia. Assim: i) declarações dos
quatro ofendidos (2. 3. 2. 2.); ii) versão implausível apresentada pelo réu em sede
policial, já objeto de comentários em 2. 3. 2. 4. 3; iii) depoimento dos policiais civis
Giovani (2. 3. 2. 3. 2. 1.) e Jorge Wilian (2. 3. 2. 3. 2. 2.) que ouviram dos
ofendidos a mesma versão, no calor dos acontecimentos, antes que houvesse
tempo útil para que combinassem entre si alguma estória.
7ª Conclusão. Está provado que o réu Marcelo tomava parte nas
atividades de controle e fiscalização do trabalho dos ofendidos. Assim: i)
declarações dos quatro ofendidos (2. 3. 2. 2.); ii) interrogatório policial de Roberto
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SENTENÇA
Processo penal 305
(2. 3. 2. 4. 4.); iii) depoimento de Marcelo Gleisson (2. 3. 2. 3. 4. 9); iv)
depoimento de Wanderley Cardoso (2. 3. 2. 3. 4. 16). Apoia e reforça a prova
produzida o fato de Marcelo estar no local quando do flagrante e ter orientado os
ofendidos a se esconderem da polícia.
Por outro lado, não tenho como provados o apoderamento de
documentos pessoais dos ofendidos, nem a restrição de sua locomoção em razão
de suposta dívida contraída com o empregador, pois a esse respeito a única
prova existente é a palavra dos ofendidos, o que contraria os critérios objetivos de
valoração da prova estabelecidos no item 2. 3. 2. 2. 1. Tampouco tenho como
provada a vis absoluta, pois novamente temos apenas as declarações das vítimas
a respaldar a alegação. Sequer há nos autos laudo de exame de corpo de delito.
A pergunta final - e talvez a mais intrigante - é por que os
ofendidos se teriam deixado submeter sem reação às condições sub-humanas
que lhes foram impostas pelos réus? Questionados por mim sobre essa
passividade, os ofendidos expressaram medo, raiva, vergonha, desesperança.
Nenhum soube fornecer uma explicação racional. Seria possível que o medo lhes
impusesse a paralisia do instinto humano mais primitivo que é a
autopreservação? É, de certo modo, a mesma pergunta que Hannah Arendt se
fez em seu relato sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém39: "por que
39 "A justiça exige que o acusado seja processado, defendido e julgado, e que fiquem em
suspenso todas as questões aparentemente mais importantes - 'Como pôde acontecer uma coisa
dessas?' e 'Por que aconteceu'. [...] 'Como puderam os judeus, por meio de seus líderes, colaborar
com sua própria destruição?' e 'Por que marcharam para a morte como carneiros para o
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SENTENÇA
Processo penal 306
marcharam para a morte como carneiros para o matadouro?". Em seus memoriais
o autor sustenta que:
A vítima é livre do ponto de vista físico para deixar o trabalho mas não o deixa
porque se sente escravo. A escravidão se estabelece de forma sutil e complexa
com a participação de vários agentes e até mesmo com o consentimento da
vítima.
Ainda que lograssem êxito em fugir não vislumbravam outra alternativa de vida
fora daquele círculo vicioso. Querendo ou não consolidou-se com o tempo pela
dependência contínua e diária um vínculo notório de servidão jugo este
dificilmente quebrado sem a intervenção de terceiros e o auxílio estatal. Os
exploradores valeram-se, ardilosamente, de um artifício fraudulento ( suposta
concessão de “moradia” e “alimentação”) para disfarçar uma exploração
desumana das vítimas buscando conferir verniz de legalidade à forma de
trabalho forçado levado a cabo.
Diante da necessidade de proverem a sua subsistência e não vislumbrando
meios de sobrevivência fora daquele contexto as vítimas se viam compelidas a
diuturnamente serem exploradas de modo abusivo em proveito dos acusados
com prejuízo à sua capacidade de autodeterminação.
Assim, a despeito de não haver restrição física contínua a liberdade de
locomoção encontrou diversos entraves: a distância da família; o forte vínculo
de dependência das vítimas em relação aos réus; o mdo de vida já consolidado
ante o grande lapso temporal transcorrido; a baixa instrução escolar; a
ausência de meio de comunicação; o favorecimento ao consumo de cigarro e
matadouro?' ". ARENDT, Hannah [recurso digital]. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a
banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
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SENTENÇA
Processo penal 307
bebida alcoólica como fator alienativo, etc.
Logo, nesta evidente situação de dependência em face dos acusados (em
relação à locomoção, alimentação, moradia e trabalho) as vítimas eram
levadas a assumir uma postura passiva diante da exploração de sua mãe de
obra. Com o discurso de “maiores perspectivas de ganhos” ( que nunca se
concretizam) as vítimas foram ludibriadas a acreditar que os réus lhes faziam
um grande “favor” por autorizar a moradia, seja em sua fazenda, seja no “Beco
do Isadir” e concedendo-lhes alimentação (café da manhã, almoço e jantar).
É um processo de animalização, coisificação, em que o explorado
vai lentamente internalizando a condição de inferioridade e, com isso,
renunciando àquelas características essenciais que fazem dele um integrante
único e irrepetível da espécie humana. Ou como conclui Arendt, após a algo
deslocada despedida de Eichmann:
Foi como se naqueles últimos minutos estivesse resumindo a lição que este
longo curso de maldade humana nos ensinou - a lição da temível banalidade
do mal, que desafia as palavras e os pensamentos.
2. 3. 2. 7. Enquadramento típico
Como ressaltado anteriormente, a denúncia imputou aos réus a
prática do crime do CP 149 caput e inciso II. Agora bem. Partindo dos conceitos
enunciados no item 2. 3. 1. 2. 3., sobre as modalidades típicas do CP 149, e
consideradas as conclusões do item 2. 3. 2. 6., tenho que os réus realizaram o
tipo penal, reduzindo os ofendidos a condição análoga à de escravo: i) ao
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Processo penal 308
submetê-los a trabalhados forçados; ii) ao submetê-los a jornada exaustiva; iii) ao
sujeitá-los a condições degradantes de trabalho, e; iv) ao manter vigilância
ostensiva no local de trabalho, com o fim de retê-los no local de trabalho.
Embora Paulo Girão fosse o cabeça do "esquema", vendendo os
serviços dos ofendidos a fazendeiros, recebendo o dinheiro e repassando parte
dele a Robertinho para o pagamento das despesas com os ofendidos, todos os
réus dispunham de controle sobre a execução das ações típicas, todos exerciam
influência sobre a configuração concreta dos fatos, sobre o desenrolar do plano
delitivo, sobre o se e o como do empreendimento, cada qual desempenhando o
seu papel, como corretamente descrito pela acusação, em seus memoriais:
PAULO CESAR AZEVEDO GIRÃO, na condição de proprietário da fazenda
Canto da Serra auferiu proveito econômico com a submissão dos trabalhadores
a condições desumanas tendo sido o responsável pela arregimentação
fraudulenta dos trabalhadores a condições desumanas, tendo sido o
responsável pela arregimentação fraudulenta dos trabalhadores. PAULO
CESAR foi o principal responsável pelo gerenciamento da exploração do
trabalho das vítimas e condução das atividades dos coautores MARCELOS
GIRÃO e “ROBERTINHO”.
MARCELO DA CONCEIÇÃO AZEVEDO GIRÃO é filho de PAULO GIRÃO e
trabalhava para este e sob sua batuta. Consoante elucidam os depoimentos,
MARCELO GIRÃO também atuava na empreitada criminosa. Como exemplo,
dava ordens aos trabalhadores bem como os ameaçava física e moralmente.
Por sua vez, ROBERTO MELO DE ARAÚJO atuava como capataz chefe do
grupo de encarregados de trabalhos braçais. Era quem controlava mais de
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Processo penal 309
perto o dia a dia dos obreiros.
Por tratar-se de delito de domínio, caracteriza-se coautoria com
base no domínio funcional do fato (funktionelle Tatherrschaft).
Predomina entre nós o entendimento de que o crime continuado
não substancia uma verdadeira realidade, mas pura ficção jurídica, ou “presunção
legal orientada por opção político-criminal do legislador” (STF: HC 101.315, rel.
Min. Ayres Britto, T2, 07.12.2010, DJE 21.06.2011), com o nítido objetivo de
impedir a fixação de penas exageradamente elevadas que violariam o princípio
constitucional da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip). Essa opção é
tão mais justificada quanto se tem em vista que outros ordenamentos jurídicos
adotam sempre o critério da aspersão, mesmo nas hipóteses de concurso real.
Como exaustivamente demonstrado nos tópicos reservados à
análise da prova, a redução a condição análoga à de escravo dos quatro
ofendidos se consumou em momentos distintos, estendendo-se, contudo, por
anos a fio, sem interrupção. Disso resulta, de um lado, o reconhecimento da
realização do tipo do CP 149 e, de outro, o reconhecimento do fenômeno jurídico-
material do crime continuado, cujos pressupostos se encontram previstos no CP
71:
Crime continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica
dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar,
maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser
havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer
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Processo penal 310
caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as
regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Há inúmeras ações – em sentido jurídico de unidade de atos
parciais –, as quais realizam várias vezes tipos da mesma espécie, em condições
de tempo (sem solução de continuidade), maneira de execução e unidade de
desígnios e/ou aproveitamento das condições originárias.
É aplicável o parágrafo único, pois a pressão e o terror
psicológico, no contexto em que se desenrolaram os fatos, caracterizam uma
forma de vis compulsiva, criando "o fundado receio de iminente e grave mal, físico
ou moral,injusto ou não, à sua pessoa"40.
2. 3. 3. Ilicitude
Não há nem foi aventado obstáculo algum à ilicitude.
2. 3. 4. Culpabilidade
Não há nem foi aventado obstáculo algum à culpabilidade.
40 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal: vol. VII. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1967, p. 52.
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Processo penal 311
2. 4. DOSIMETRIA DA PENA
Em obséquio às normas extraídas da CRFB 5o XLVI, 93 IX, do CP
59 e do CPP 381 c/c 387 III, passo fundamentadamente à dosagem concreta e à
individualização das penas aplicáveis, à luz do sistema trifásico (CP 68) (STF:
RHC 80.077/RJ, T2, DJ 21.09.2001).
Tipo legal aplicável: art. 149 do Código Penal, com pena de 2 a
8 anos e multa.
2. 4. 1. Fixação da pena privativa da liberdade
2. 4. 1. 1. Primeira Fase (pena-base)
A pena-base resulta da cuidadosa, profunda e atenta ponderação
das circunstâncias judiciais ou critérios diretivos contidos no CP 59 caput. O juiz
deverá atender à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e às consequências do
crime, bem como ao comportamento da vítima, conforme necessário e suficiente
à reprovação e à prevenção ao crime. Por não ser redutível a “uma operação
aritmética” (STF: HC 84.120/SP, T1, DJ 20.08.2004) e por entranhar certo grau de
inextirpável subjetivismo do juiz do caso concreto – “o que estreita a margem de
revisão da sentença” (STF: HC 70.362/RJ, T1, DJ 12.04.1996) – será tanto mais
defensável a mensuração empírica da pena quanto menos obscuros e mais
exatos se mostrem os conceitos utilizados como pontos de apoio e referência.
A culpabilidade será sempre o limite ou barreira intransponível da
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Processo penal 312
pena imponível. Os imperativos de prevenção geral ou especial poderão encorajar
o juiz a reduzi-la, nunca a majorá-la, pois “a prevenção é limitada pelo princípio da
culpabilidade”41. O conceito aqui empregado é diferente do existente na teoria do
delito42, significando grau de censura ou medida de reprovação da conduta –
refletindo a magnitude do desvalor da ação e do resultado (quando existente), a
intensidade da exigência de observância da norma, o grau de compreensão
efetiva ou potencial da ilicitude, etc –, e não reprovabilidade – “o conjunto de
pressupostos ou caracteres que deve apresentar uma conduta, para que lhe seja
juridicamente reprovada a seu autor”43.
2. 4. 1. 1. 1. Culpabilidade
2. 4. 1. 1. 1. 1. Para o 1º réu e o 2º réus
Tem razão o autor, ao afirmar em seus memoriais que
os réus aproveitaram-se do trabalho de pessoas com baixíssimo grau de
instrução escolar e da ingenuidade das vítimas, mais suscetíveis à exploração,
para lograr êxito na empreitada criminosa. Em seu depoimento judicial, v.g.,
Romário Mota Rosa e Roberto de Oliveira esclareceram que não sabiam ler
nem escrever. Pessoas extremamente humildes e de parcos recursos
41 MAURACH, Reinhart; ZIPF, Heinz; GÖSSEL, Karl Heinz. Strafrecht: allgemeiner Teil:
Erscheinungsformen des Verbrechens und Rechtsfolgen der Tat. Teilbd 2. 7. Auflage. Heidelberg:
Müller, 1989, p. 559 – observação de GÖSSEL: “Damit wird der Präventionseinsatz durch das
Schuldprinzip begrenzt”. 42 Id., ibid., p. 564. 43 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, v. IV. Buenos Aires:
Ediar, 1996, p. 10.
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Processo penal 313
financeiros, cuja capacidade de indignação e revolta pelas restrições que
sofreram mostra-se comprometida em relação ao homem médio. Registre-se,
ainda, a condição socioeconômica de Paulo Girão e de seu filho Marcelo Girão.
De fato, os réus Paulo e Marcelo, dispondo de bens imóveis e
certa condição de vida, incorrem num grau de censura mais elevado.
2. 4. 1. 1. 1. 2. Para o 3º réu
À exceção da condição socioeconômica, mais próxima da dos
ofendidos, as demais observações se aplicam ao réu Roberto. O vetor também é
desfavorável.
2. 4. 1. 1. 2. Circunstâncias
A análise aqui é objetiva e se aplica aos três réus.
Em seus memoriais o autor aponta diversas circunstâncias que, a
seu sentir, deveriam ser levadas em conta na dosagem da pena. Uma delas já
integra a própria descrição do tipo objetivo - submeter a trabalhos forçados.
Outras serão valoradas em itens subsequentes (estímulo ao vício em álcool e
tabaco), de modo que não seria própria sua valoração neste momento. A
submissão a jornada exaustiva, a sujeição a condições degradantes de trabalho e
a vigilância ostensiva no local de trabalho, com o fim de reter os ofendidos, devem
ser negativamente valoradas, como explicado em 2. 3. 1. 2. 4. O período de
"subserviência dos ofendidos" será valorado no item personalidade.
2. 4. 1. 1. 3. Consequências
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Processo penal 314
A análise aqui vale para os três réus.
Está correto o autor ao afirmar em seus memoriais que "as
consequências do crime foram graves e não foram sequer amenizadas pelos
réus, após o flagrante da exploração desumana e abusiva dos trabalhadores".
Dentre essas consequências, concordo com a existência de prova de três delas: i)
o não pagamento das remuneração devidas; ii) o estímulo ao vício (dependência)
em relação à bebida e ao cigarro; iii) perda da vida condigna e do contato das
vítimas com seus familiares. Não há prova, contudo, de "lesões permanentes"
sofridas por Davi, nem de que um dos trabalhadores rurais tenha falecido em
razão de maus tratos ou da exploração. Isso é matéria para investigação policial.
2. 4. 1. 1. 4. Motivos
2. 4. 1. 1. 4. 1. Para o 1º réu
O réu lucrava com o trabalho dos ofendidos em suas terras e com
a cessão da mão de obra a terceiros. Como vimos, apenas fração insignificante
desse dinheiro era repassado às vítimas, que viviam em condições deploráveis e
nada - ou quase nada - recebiam em espécie. A circunstância judicial deve ser
valorada negativamente.
2. 4. 1. 1. 4. 2. Para o 2º réu
O réu participava em percentual indefinido dos ganhos auferidos
pelo pai. Seu lucro era presumivelmente menor, mas ainda assim censurável. A
circunstância judicial deve ser valorada negativamente.
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Processo penal 315
2. 4. 1. 1. 4. 3. Para o 3º réu
O ânimo de lucro será valorado como circunstância agravante.
2. 4. 1. 1. 5. Antecedentes
2. 4. 1. 1. 5. 1. Para o 1º réu
Não havendo condenação transitada em julgado, não há como
valorar negativamente esta circunstância judicial.
2. 4. 1. 1. 5. 2. Para o 2º réu
Não havendo condenação transitada em julgado, não há como
valorar negativamente esta circunstância judicial.
2. 4. 1. 1. 5. 3. Para o 3º réu
Nada consta.
2. 4. 1. 1. 6. Conduta social
2. 4. 1. 1. 6. 1. Para o 1º réu
Embora não possam ser qualificadas como maus antecedentes,
as diversas anotações que pontuam a FAC do réu devem ser avaliadas na sua
totalidade como prova de conduta social negativa. Note-se que não se trata do
registro de um incidente isolado, mas de uma extensa série de ocorrências a
sinalizar um padrão de condução de vida (Lebensführung) antissocial:
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Processo penal 316
i) prisão em flagrante pelo crime do CP 21744, em 14.01.1977, com absolvição
pelo Juízo de Direito de São Fidélis em data ignorada; ii) inquérito policial sem
capitulação, iniciado em 21.06.2006 e arquivado em 14.10.2010 pelo Juízo de
Direito da Vara única de Cambuci/RJ; iii) prisão em flagrante pelo crime do CP
180 (receptação), em 12.11.2002, seguindo-se arquivamento em data não
indicada pelo Juízo de Direito da 2a Vara Criminal de São Fidélis; iv) registro de
ocorrência pelos crimes do CP 129 caput (lesão corporal) e 147 (ameaça),
arquivados pelo Juizado Especial Criminal Adjunto de São Fidélis/RJ, em data
não mencionada, “com fulcro no art. 104 do CP”; v) termo circunstanciado pelo
crime do CP 161 § 1o, II, em 20.09.2005, com declaração de extinção da
punibilidade pelo Juizado Especial Criminal Adjunto de São Fidélis/RJ, em
03.05.2006;
2. 4. 1. 1. 6. 2. Para o 2º réu
O réu Marcelo registra uma única anotação em sua FAC, não se
podendo falar aqui - com abstração dos fatos narrados na denúncia - de um
padrão de condução de vida temerário.
2. 4. 1. 1. 6. 3. Para o 3º réu
Nada consta, não sendo cabível considerar os fatos narrados na
denúncia como prova de má conduta social, sob pena de incidirmos em bis in
idem.
2. 4. 1. 1. 7. Personalidade
44 À época, tratava-se do crime de sedução.
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Processo penal 317
2. 4. 1. 1. 7. 1. Para o 1º réu
A condução de vida já foi valorada no item referente à conduta
social, não devendo ser novamente apreciada. Sobressaem, de resto, a
impassibilidade, a indiferença e a frieza decorrentes da exploração por longos
anos dos ofendidos, como sintetiza o autor em seus memoriais:
o período temporal de subserviência (Romário Mota Rosa - por
aproximadamente 8 anos - [...]; Davi Pereira Ferreira - por aproximadamente 12
anos - [...] Cirlei Rodrigues MOreira - por aproximadamente 15 anos [...]
Roberto de Oliveira - por aproximadamente 10 anos [...], durante o qual estes
trabalhadores dedicaram suas vidas e saúde ao enriquecimento ilícito dos réus;
Não há elementos adicionais que possam ser valorados sem
incidir em bis in idem.
2. 4. 1. 1. 7. 2. Para o 2º réu
Sobressaem a impassibilidade, a indiferença e a frieza
decorrentes da exploração por longos anos dos ofendidos.
2. 4. 1. 1. 7. 3. Para o 3º réu
Sobressaem, de resto, a impassibilidade, a indiferença e a frieza
decorrentes da exploração por longos anos dos ofendidos, como sintetiza o autor
em seus memoriais.
2. 4. 1. 1. 8. Comportamento da vítima
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Processo penal 318
Trata-se de aspecto de difícil mensuração. De um lado, os
ofendidos tiveram inúmeras oportunidade de fugir, assim como de pedir ajuda e
tentar libertar-se das condições em que se encontravam. De outro, não seria
razoável concluir que sua passividade deva ser valorada em prol dos réus.
Parece-me que o vetor aqui é neutro.
2. 4. 1. 1. 9. Valoração
2. 4. 1. 1. 9. 1. Parâmetros
A jurisprudência apoia e reforça a noção de que é admissível a
fixação de pena-base acima do mínimo legal e até no máximo cominado, se,
movendo-se no espaço da “discricionariedade regrada” – baseada em
fundamentação empírica idônea e suficiente –, o juiz reconhece que as
circunstâncias do CP 59, em valoração específica ou global, indicam a
necessidade da exasperação. Isso atende à maior reprovação ao autor do fato em
concreto:
Precedentes do STF: HC 92.956/SP, T1, DJE 24.04.2008; HC 92.396/PR, T1,
DJE 10.04.2008; HC 92.917/BA, T2, DJE 21.02.2008; RHC 89.093/SP, T1, DJ
22.09.2006; HC 83.164/RJ, T2, DJ 18.02.2005; HC 83.658/RJ, T1, DJ
16.12.2005; HC 84.120/SP, T1, DJ 20.08.2004; HC 82.589/BA, T2, DJ
20.02.2004; RHC 80.077/RJ, T2, DJ 21.09.2001; HC 76.555/RJ, T2, DJ
17.11.2000; HC 72.871/RJ, T1, DJ 02.02.1996; HC 72.685/MG, T2, DJ
02.02.1996; HC 71.655/SP, T2, DJ 26.05.1995; HC 72.198/PR, T1, DJ
26.05.1995; HC 71.862/SP, T2, DJ 19.05.1995.
Não constitui empecilho à fixação da pena-base acima do mínimo
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Processo penal 319
o fato de o réu possuir bons antecedentes (STF: HC 83.658/RJ, T1, DJ
16.12.2005; HC 84.120/SP, T1, DJ 20.08.2004), nem o fato de somar aos bons
antecedentes a primariedade (STF: HC 72.685/MG, T2, DJ 02.02.1996). Passo
então a valorar o caso concreto.
2. 4. 1. 1. 9. 2. Para o 1º réu
Há seis circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma circunstância
neutra e outra positiva. Esse o quadro, justifica-se a imposição de uma pena-base
acima da média entre o mínimo e o máximo. Fixo a pena em 6 anos de reclusão
para cada um dos quatro crimes de redução a condição análoga à de escravo.
2. 4. 1. 1. 9. 3. Para o 2º réu
Há cinco circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma circunstância
neutra e duas positivas. Esse o quadro, justifica-se a imposição de uma pena-
base acima da média entre o mínimo e o máximo. Fixo a pena em 5 anos de
reclusão para cada um dos quatro crimes de redução a condição análoga à de
escravo.
2. 4. 1. 1. 9. 4. Para o 3º réu
Há quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis, duas
circunstâncias neutras e duas positivas. Esse o quadro, justifica-se a imposição
de uma pena-base um pouco inferior à do segundo réu. Fixo a pena em 4 anos de
reclusão para cada um dos quatro crimes de redução a condição análoga à de
escravo.
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Processo penal 320
2. 4. 1. 2. Segunda Fase (circunstâncias)
2. 4. 1. 2. 1. Agravantes
2. 4. 1. 2. 1. 1. Para o 1º réu
Incide a meu ver apenas a agravante do CP 62 I, pois o réu Paulo
Girão coordenou e dirigiu a atividade dos demais acusados.
A agravante do CP 61 II d já integra o tipo do CP 149, pois não é
possível imaginar uma condição análoga à escravidão para cujo atingimento não
se empregue meio cruel. Por falta de prova, tampouco se pode cogitar da
agravante do CP 61 II j: os ofendidos buscavam emprego, e isso não constitui
"desgraça particular". Embora fosse possível imaginar a incidência da agravante
do CP 61 II c, também aqui me parece que a dissimulação constitui o modo
normal de realização do tipo: não seria imaginável que alguém anunciasse de
antemão as condições a que iria submeter a vítima.
A pena do réu fica elevada para 7 anos de reclusão para cada um
dos quatro crimes de redução a condição análoga à de escravo.
2. 4. 1. 2. 1. 2. Para o 2º réu
Não há.
2. 4. 1. 2. 1. 3. Para o 3º réu
Como empregado de Paulo Girão, Roberto era remunerado para
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Processo penal 321
exercer a fiscalização dos ofendidos - no trabalho e em casa - e mantê-los
alimentados (ainda que precariamente). Incide a agravante do CP 62 IV.
A pena do réu é elevada para 4 anos e 8 meses de reclusão para
cada um dos quatro crimes de redução a condição análoga à de escravo.
2. 4. 1. 2. 2. Atenuantes
2. 4. 1. 2. 2. 1. Para o 1º réu
Não há.
2. 4. 1. 2. 2. 2. Para o 2º réu
Não há.
2. 4. 1. 2. 2. 3. Para o 3º réu
Não há.
2. 4. 1. 3. Terceira Fase (causas de aumento e diminuição)
Aplica-se a causa de aumento do crime continuado (CP 71 §
único), cuja fração com vistas à majoração da pena deve necessariamente
atender às circunstâncias judiciais. Por não se tratar de crime de morte, e
considerado o número de vítimas, entendo suficiente elevar a pena na metade.
Como a pena fixada para os quatro crimes é a mesma, ficam assim consolidadas
as penas:
i) réu Paulo Girão: 10 anos e 6 meses de reclusão;
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Processo penal 322
ii) réu Marcelo Girão: 7 anos e 6 meses de reclusão;
iii) réu Roberto: 7 anos de reclusão.
2. 4. 1. 4. Pena final
A pena final é estabelecida para o réu Paulo Girão, em 10 anos e
6 meses de reclusão, para o réu Marcelo Girão, em 7 anos e 6 meses de
reclusão, e para o réu Roberto, em 7 anos de reclusão.
2. 4. 2. Pena de multa
2. 4. 2. 1. Para o 1º réu
As razões que fundaram a imposição e dosagem concreta da
pena privativa de liberdade vigoram igualmente e sem restrições no tocante à
pena de multa. Adotando os mesmos parâmetros e com base na relação
matemática entre quantidade de pena privativa máxima possível e quantidade de
pena privativa aplicada, método mais confiável, racional, seguro e objetivo para
exprimir a reprovação pecuniária aos crimes (CP 49 caput45), totalmente livre de
malabarismos conceituais, a pena de multa é arbitrada em 500 dias-multa para o
réu46 - 301 dias-multa acrescidos do aumento relativo à continuidade delitiva.
45 “A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e
calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 e, no máximo, de 360 dias-multa.” 46 A fórmula é, estruturalmente, a mesma utilizada para a conversão de temperatura aferida em
escalas diferentes (Celsius, Fahrenheit, Kelvin): (x – 10) / 350 = (y – Pmin) / (Pmax – Pmin) , na
qual x é o número de dias-multa, y é a pena privativa de liberdade (em meses), Pmin é o pólo
mínimo da pena privativa cominada, Pmax é o polo máximo da pena privativa cominada. Sua
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Processo penal 323
À vista da incerta situação econômica do acusado (CP 49 §1º47),
cada dia-multa é fixado em 1/30 do salário mínimo. A pena de multa fica
estabelecida em 16 salários mínimos. Será considerado o valor do salário à data
da prisão em flagrante, devidamente atualizado, quando da execução, pelos
índices de correção monetária (CP 49 §2º).
2. 4. 2. 2. Para o 2º réu
Com base nos parâmetros acima enunciados, a pena de multa é
arbitrada em 277 dias-multa para o réu - 185 dias-multa acrescidos do aumento
relativo à continuidade delitiva.
À vista da incerta situação econômica do réu (CP 49 §1º), cada
dia-multa é fixado em 1/30 do salário mínimo. A pena de multa fica estabelecida
em 9 salários mínimos. Será considerado o valor do salário à data da prisão em
flagrante, devidamente atualizado, quando da execução, pelos índices de
correção monetária (CP 49 §2º).
2. 4. 2. 3. Para o 3º réu
Com base nos parâmetros acima enunciados, a pena de multa é
arbitrada em 247 dias-multa para o réu - 165 dias-multa acrescidos do aumento
relativo à continuidade delitiva.
vantagem é propiciar a tradução em dias-multa da pena privativa concretamente aplicada. 47 “O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior
salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 vezes esse salário.”
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Processo penal 324
À vista da incerta situação econômica do réu (CP 49 §1º), cada
dia-multa é fixado em 1/30 do salário mínimo. A pena de multa fica estabelecida
em 8 salários mínimos. Será considerado o valor do salário à data da prisão em
flagrante, devidamente atualizado, quando da execução, pelos índices de
correção monetária (CP 49 §2º).
2. 4. 3. Regime de cumprimento da pena privativa da
liberdade
A pena privativa de liberdade será cumprida em regime
inicialmente fechado (CP 32 § 2º a), haja vista a valoração extremamente
negativa das circunstâncias judiciais. Trata-se do único regime que parece
corresponder ao grau de culpa dos acusados e aos imperativos da prevenção
especial – negativa e positiva – e da prevenção geral – negativa e positiva.
Atende-se assim à orientação consagrada nas STF 71848 e 71949 e na STJ 44050.
2. 4. 4. Substituição da pena privativa da liberdade
2. 4. 4. 1. Para o 1º réu
48 STF 718 - A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação
idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
49 STF 719 - A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir
exige motivação idônea.
50 STJ 440 – Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional
mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade
abstrata do delito.
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Processo penal 325
Incabível a substituição, haja vista a pena superior a quatro anos
de reclusão pela prática de crime doloso (CP 44 I).
Mesmo que superado esse obstáculo, a substituição esbarraria
nos critérios diretivos judiciais desfavoráveis, em especial nas circunstâncias do
crime, na personalidade e na conduta social do acusado (CP 44 III) - essa última
referência apenas no tocante ao primeiro réu.
Mantém-se o cumprimento com privação da liberdade.
2. 4. 4. 2. Para o 2º réu
Incabível a substituição, haja vista a pena superior a quatro anos
de reclusão pela prática de crime doloso (CP 44 I).
Mesmo que superado esse obstáculo, a substituição esbarraria
nos critérios diretivos judiciais desfavoráveis, em especial nas circunstâncias do
crime e na personalidade do acusado (CP 44 III).
Mantém-se o cumprimento com privação da liberdade.
2. 4. 4. 2. Para o 3º réu
Incabível a substituição, haja vista a pena superior a quatro anos
de reclusão pela prática de crime doloso (CP 44 I).
Mesmo que superado esse obstáculo, a substituição esbarraria
nos critérios diretivos judiciais desfavoráveis, em especial nas circunstâncias do
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Processo penal 326
crime e na personalidade do acusado (CP 44 III).
Mantém-se o cumprimento com privação da liberdade.
2. 4. 5. Sursis
A pena privativa excede a dois anos, tornando incabível o sursis:
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois)
anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do
benefício;
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste
Código.
2. 4. 6. Valor mínimo para reparação dos danos
causados
A regra de imposição de valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração (CPP 63 parágrafo único c/c 387 IV) constitui norma de
caráter processual, e como tal, aplicável aos processos em andamento (CPP 2:
tempus regit actum – STF: HC 113.625, T2, DJE 01.02.2013 e RHC 108.070, T1,
DJE 05.10.2012). No entanto, o STJ – ao qual cabe dar a última palavra na
interpretação do direito federal infraconstitucional –, entende tratar-se de norma
de caráter híbrida (material-formal), a reclamar não só que o fato imputado seja
posterior à entrada em vigor da Lei n. 11.719/08 (AgRg REsp 1254742/RS, T5,
DJe 05/11/2013), como também que haja pedido expresso e formal na inicial
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Processo penal 327
acusatória de fixação do valor, sob pena de ofensa aos princípios do contraditório
e da ampla defesa (RESp 1265707/RS, T6, DJe 10/06/2014; AgRg REsp
1428570/GO, T5, DJe 15/04/2014).
Devido à ausência de requerimento expresso do autor, não é
possível fixar o valor mínimo nesta sentença.
2. 5. MEDIDAS COERCITIVAS
Convém recapitular os fatos. Os réus foram presos em flagrante
em 26.04.2014 (fls. 2/3 – IPL). A prisão foi convertida em preventiva pelo Juízo de
Direito de Plantão (fls. 32/3 – Apenso 1 do IPL: Comunicação de Prisão). Com o
declínio de competência e a redistribuição dos autos para este Juízo Federal da
1ª Vara de Campos, determinei a intimação do MPF (fls. 38 – Apenso 1 do IPL),
que se manifestou pela adoção da prisão preventiva (fls. 40/3 – Apenso 1 do IPL).
A decisão de fls. 44/58 do Apenso 1 do IPL converteu em preventiva a prisão dos
réus. Dada a certeza jurídica da culpa (ainda que provisória) que emerge desta
sentença, reproduz-se apenas a parte referente aos fundamentos da medida
coercitiva:
É inequívoca a presença de pelo menos dois fundamentos para a prisão
preventiva. O primeiro está ligado à ordem pública. O fato de trabalhadores
estarem sendo mantidos em condição análoga à de escravos durante anos a
fio – Cirlei, há 15 anos; Roberto, há 10; David e Romário, há 8 anos – sinaliza
profissionalismo, habitualidade e efetivo risco de reiteração, o qual – apoiado
em base empírica, como se encontra – substancia elemento de respaldo
idôneo para fundar a prisão preventiva a título de garantia da ordem pública. É
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Processo penal 328
assim na maior parte das Nações civilizadas, incluindo as do Continente
europeu – onde vigora a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos
Humanos e Liberdades Fundamentais, cujo Art. 5 I S. 2 lit. c) prevê
expressamente a medida. A fortiori, é assim na Alemanha, cujo StPO (§ 112a)
abraça o perigo de repetição (Wiederholungsgefahr) como fundamento material
da prisão preventiva (Haftgrund)51. E é assim, na jurisprudência do STF, como
se pode ver dos seguintes julgados:
[OMISSIS]
As agressões e ameaças sofridas pelos trabalhadores, além das paupérrimas e
indignas condições de vida a que, de acordo com o estado atual das
investigações, teriam sido submetidos, relevam igualmente a gravidade em
concreto e a periculosidade revelada pelo modus operandi, elementos
igualmente idôneos para fundar a ordem de prisão, conforme entendimento do
STF:
[OMISSIS]
Presente também a necessidade da custódia para assegurar a lisura da
instrução criminal. As ameaças e agressões sofridas pelos trabalhadores – e o
temor que lhes foi infundido por anos a fio – põem em evidência que, caso aos
indiciados lhes seja restituída a liberdade, haverá sério e efetivo risco de
interferência na coleta de elementos probatórios pela polícia judiciária,
especialmente testemunhal. Quem ousaria depor? Esse risco está evidenciado
com precisão cartesiana na periculosidade relevada pelos modus operandi,
como acima demonstrado. Não estou aludindo à instrução criminal, pois ainda
não há denúncia oferecida; mas o raciocínio é extensível à fase judicial.
51 Cf. KINDHÄUSER, Urs. Strafprozessrecht. Baden-Baden: Nomos, 2006, p. 119/20. ROXIN,
Claus. Strafverfahrensrecht: ein Studienbuch. 24. Auflage. München: Beck, 1995, p. 222.
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Processo penal 329
De outro lado, não vejo sinal de fuga ou perigo de fuga que não aquele
relacionado com a gravidade dos fatos apurados e a quantidade de pena
cominada. Mas esse risco – inerente a qualquer persecução criminal – é
abstrato e não vem sendo reconhecido pelo STF como apto a legitimar a prisão
anterior ao trânsito em julgado de decisão condenatória.
Finalmente, o relato e a valoração dos fatos dá a certeza de que nenhuma
outra medida coercitiva diversa da prisão seria suficiente para impedir a
reiteração delitiva e aplacar o risco de interferência na instrução probatória
preliminar. A prisão, portanto, é necessária (CPP 282 § 6º).
Como escrevi anteriormente, se é verdade que o encerramento da
instrução criminal subtrai à decisão de prisão preventiva o fundamento da
conveniência (STF: HC 93.639-3/RJ, T2, DJE 13.08.2009; HC 90.063/SP, T1, DJ
18.05.2007), é igualmente correto afirmar que a garantia da ordem pública –
fundamento igualmente invocado para respaldar todas as ordens de custódia –
não é afetada (STF: HC 90.085/AM, T2, DJE 29.11.2007), podendo perdurar até o
trânsito em julgado de título condenatório, já que não está sujeita a prazo certo
(STF: HC 88.420/PR, T1, DJ 08.06.2007, p. 37). Isso porque, havendo
multiplicidade de fundamentos (STF: HC 92.839/SP, T1, DJE 17.04.2008) bastará
que um deles permaneça de pé para que a prisão se conserve idônea (STF: HC
101.309, T1, DJE 06.05.2010; HC 96.971, T2, DJE 15.04.2010; HC 93.570, T2,
DJE 22.04.2010; HC 93.931-7, T1, DJE 14.08.2008; HC 86.571/BA, T2, DJ
08.06.2007; HC 81.654, T1, DJ 14.06.2002). Nesse sentido, permanece hígido e
inalterado o fundamento da garantia da ordem pública (risco de reiteração delitiva,
gravidade em concreto e periculosidade revelada pelo modus operandi).
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Processo penal 330
De resto, não faria sentido que os réus que responderam ao
processo presos fossem soltos após a sentença condenatória.
Mantém-se íntegro o fundamento material da prisão preventiva
(CPP 387 § 1º52 c/c 312).
3. DISPOSITIVO
3. 1. DECISÃO
Ex positis, ACOLHO O PEDIDO para:
1) CONDENAR PAULO CÉSAR GIRÃO à pena de 10 anos e 6
meses de reclusão, a ser cumprida em regime prisional inicialmente fechado,
acrescida de multa de 16 salários mínimos, nos termos do CPP 387, pela
realização, ilícita e culpável, do tipo do CP 149 caput e inciso II, por quatro vezes,
na forma do CP 71 § único. O valor da multa será atualizado, na forma da
fundamentação. Condeno-o também em custas pro rata.
2) CONDENAR MARCELO CONCEIÇÃO AZEVEDO GIRÃO à
pena de 7 anos e 6 meses de reclusão, a ser cumprida em regime prisional
inicialmente fechado, acrescida de multa de 9 salários mínimos, nos termos do
CPP 387, pela realização, ilícita e culpável, do tipo do CP 149 caput e inciso II,
por quatro vezes, na forma do CP 71 § único. O valor da multa será atualizado, na
52 Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: [...] § 1o O juiz decidirá, fundamentadamente,
sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida
cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.
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Processo penal 331
forma da fundamentação. Condeno-o também em custas pro rata.
3) CONDENAR ROBERTO MELO DE ARAÚJO à pena de 7 anos
de reclusão, a ser cumprida em regime prisional inicialmente fechado, acrescida
de multa de 8 salários mínimos, nos termos do CPP 387, pela realização, ilícita e
culpável, do tipo do CP 149 caput e inciso II, por quatro vezes, na forma do CP 71
§ único. O valor da multa será atualizado, na forma da fundamentação. Condeno-
o também em custas pro rata.
3. 2. EXAME DA PRESCRIÇÃO PELA PENA EM
CONCRETO
A consumação do crime por cuja prática os réus foram
condenados protraiu-se para além da data de entrada em vigor da Lei n. 12.234,
de 5 de maio de 2010 – com vigência a partir da publicação no DOU, em
06.05.2010. Não há, portanto, como adotar a pena em concreto como medida
para cálculo da prescrição retroativa, considerado o período anterior à denúncia.
Mas ainda que a pena em concreto fosse tomada como referência, não haveria
prescrição.
3. 3. PROVIDÊNCIAS ADICIONAIS
Comunique-se aos ofendidos o teor desta sentença por mandado
ou correspondência registrada.
Recebida apelação, oficie-se ao Instituto Félix Pacheco (SSP/RJ),
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Processo penal 332
ao NID/SR/DPF/RJ e à Delegacia de Polícia Federal de Campos, dando-se-lhes
ciência da prolação desta sentença condenatória recorrível, para as anotações
que reputarem cabíveis.
Expeçam-se guias de recolhimento provisório, tal como
determinado pelo Resolução CNJ 19/2006.
Certificado o trânsito em julgado: α) lance-se o nome dos
CONDENADOS no rol dos culpados (CR 5o LVII, CPP 393) e expeçam-se guias
de recolhimento; β) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins CR 15 III;
χ) intimem-se os condenados para o recolhimento das custas; δ) remetam-se as
peças cabíveis ao MM. Juízo de Direito da Vara de Execução Penal, com as
cautelas de praxe e homenagens de estilo, como determinado pela STJ 192,
observada a CNCG/2ª Região; ε) dê-se baixa e arquivem-se.
Recomendem-se in continenti os réus na unidade prisional em
que se encontre.
3. 4. INTIMAÇÕES
Intimem-se, conforme o caso: i) o(s) réu(s), pessoalmente, por
mandado (CPP 370 caput c/c 351); ii) os defensores constituídos, por publicação
no DJ eletrônico (CPP 370 § 1º); iii) o MPF, pessoalmente com vista dos autos
(CPP 370 § 4º; LC 75/93, art. 18 II h; Lei n. 8.625/93, art. 41 IV).
Veicule-se no DJE na íntegra (CPP 387 VI).
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Processo penal 333
Campos dos Goytacazes, em 18 de dezembro de 2014.
(assinado eletronicamente – CPC 164 § único; Lei n. 11.419/06)
ANDRÉ LENART
(Juiz Federal)
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