Sumarizado Stress Axistencial

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Tema F I L O S Ó F I C O PROGRAMA LIVROS SUMARIZADOS STRESS EXISTENCIAL E SENTIDO DA VIDA Stress existencial — esse sofrimento de uma realidade humana fragmentada (senão atomizada) e marcada por agudeza de sentido.”

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Tema

F I L O S Ó F I C O

PROGRAMA

LIVROS SUMARIZADOS

STRESS EXISTENCIAL ESENTIDO DA VIDA

“Stress existencial — esse sofrimento de uma realidade humana fragmentada (senão atomizada) e marcada por agudeza de sentido.”

REGIS DE MORAIS

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INTRODUÇÃO

Enquanto inúmeros intelectuais fecham-se em seus gabinetes acadêmicos a lutar contra moinhos de vento sem sequer mostrarem o encanto poético da loucura de Dom Quixote, Regis de Morais, professor de Filosofia da UNICAMP, acompanhado pelos escritos de Santo Agostinho, Rudolf Otto, Mircea Eliade, Gilberto Kujawski, P. Berger, Viktor Frankl e outros, sai a campo para proclamar o sagrado — constitutivo ontológico da vida humana.

O Livro Stress Existencial e Sentido da Vida está dividido em sete capítulos, a saber: 1º) Stress existencial, 2º) Inanição por falta de sagrado, 3º) Pontos de fuga: transtornos de comportamento; 4º) De volta ao tema do sentido da vida, 5º) Nous: a dimensão espiritual, 6º) De corpo e alma; 7º) Transcender o cárcere do já existente.

Nas linhas que se seguem faremos um resumo de suas principais idéias.

STRESS EXISTENCIAL

Existir é verbo formado da expressão latina ex-sistere, que, em uma tradução mais livre, pode ser entendida como: pôr-se para fora (de si), exprimir-se, significar. Ora, pomo-nos para fora em direção a outrem que recebe nossa expressão e acolhe nossas significações; e obviamente esse outrem extroverte-se por sua vez, reage a nós e age sobre nós, significa e comunica-se. É, portanto, a existência essa troca de mensagens e comunhão de vidas, sendo — mais profundamente — a experiência de se vivenciar tudo isto. Eis a razão pela qual há árvores, pedras, mares e nuvens, sem que nenhuma destas coisas exista.

Nos dicionários de língua inglesa, stress apresenta-se com significados mais literais ou mais metafóricos, mas sempre em torno de um eixo mais ou menos igual de sentido. Alguns significados encontrados são: a) puxão, torção ou deformação (indicando ações agressivas) ; b) pressão ou preocupação resultante de angústia física ou mental (apontando para situações também agressivas); c) ênfase muito forte em alguma coisa ou força extra empregada (por exemplo, na entonação da fala). Como se pode ver, são significados que aderem a um eixo de sentido caracterizado por agressões, esforços e desgastes.

Em 1926, Hans Selye, observando um conjunto de queixas e sintomas de aparente patologia, concluiu por uma síndrome (não doença, em conceito clássico) à qual deu pela primeira vez o nome de stress. Desde de lá vêm sendo apontadas como causas neuropsíquicas do stress: situações de ambigüidade e insegurança, amedrontamento, subtração do poder do indivíduo sobre a disposição de seu cotidiano, irritações várias, excitações bruscas ou continuadas, estados de confusão ou de imensa felicidade. Sim, pois a intensidade das emoções boas também pode levar ao stress.

Os sintomas que indicam o stress podem ser relacionados assim, ainda que de forma muito esquemática: mãos com sudorese incomum, taquicardia, irritações cutâneas, azia ou dispepsia, sono difícil ou insônia, idéias fixas (monoidéias), pânicos súbitos, depressão nos interesses, moleza, disposição excessiva a ver o negativo que há em coisas, situações, pessoas e em si mesmo. Segundo Hans Selye, tais sintomas são progressivos: a) fase de alerta, com as primeiras alterações intrigantes; b) fase adaptativa, em que o organismo, buscando acomodar-se, usa intensamente energias de

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reserva; c) fase da exaustão e da síndrome enfermiça franca, por esgotamento das energias de reserva.

Para melhor compreensão do tema, precisamos considera os três tipos de stress: 1º) exógeno é causado por pressões agressivas que vêm do ambiente para a pessoa, ou cujas causas sejam ao menos predominantemente externas; 2º) endógeno é originado nas concentrações conflitivas do emocional mais subjetivo, com seus muitos questionamentos e inquietações, às vezes com desvios de caráter sofridos e mantidos em subjugação pelas exigências éticas do consciente; misto, combinando pressões externas e internas, mostra-se altamente desgastante.

A homeostase, esse equilíbrio no funcionamento psicofísico, vem-se tornando cada dia mais difícil. O industrialismo tem tornado a vida social crescentemente complicada, basicamente pela substituição do tempo humano pelo tempo da máquina. Os materialismos herdados do século passado e neste, penetrados principalmente sob forma cientificista, entrincheiram-se em uma acanhada concepção de existência, de mãos vazias e roupas rotas, mas como uma estranha pose de novos ricos.

Ao mesmo tempo que o materialismo decreta a morte de Deus, o tema da imortalidade da alma tem-se erguido à posição de um dos motivos principais da reflexão filosófica, assim como tem desafiado pesquisas científicas mais abertas e despreconceituosas. Dando as costas a preconceitos de velhas e institucionalizadas teologias, todos podemos hoje buscar e encontrar evidências de outros planos nos quais a existência continua com intenso dinamismo, após esse acidente biológico chamado morte — o qual nossa enfatuada mas pobre sociocultura fantasiou com vestes aterrorizantes. No entanto, a vida do homem contemporâneo tem estado acizentada e amarga pela “ausência” desse Deus que alguns dizem ter “morrido”. Tal sofrimento faz lembrar Santo Agostinho que, nas Confissões, diz algo assim: “Senhor, tu estiveste sempre comigo; eu é que não estava contigo”.

Nesse panorama vasto enraíza-se o que estamos denominando stress existencial. Mas o stress existencial, como as condições estressantes de um modo geral, pede-nos que redimensionemos nosso lidar com a circunstância, que rediscutamos e reformulemos nossos valores, que analisemos nossas necessidades de novas adaptações ao ritmo histórico e — acima de tudo —que superemos velhos preconceitos na busca de aberturas espirituais importantes.

Tudo se tornará muito mais difícil se nos refugiarmos em atitudes alienantes, como algumas que têm marcado nossos tempos. Como por exemplo certa busca quase infantil de gurus de cujas opiniões dependemos; desde “místicos” mistificadores dispostos a tanger rebanhos desnorteados até os que são, a despeito de si mesmos, transformados em gurus de complexa intelectualidade como Marx, Sartre, Marcuse ou outros. Como, também, por exemplo a fuga amedrontada para o útero lareiro, que faz de nossas casas uma espécie de “laboratório submarino”, escondido e protegido dos estranhos ameaçadores do grande mundo. Como, ainda por exemplo, a busca de seitas escatológicas que garantem para breve o “fim dos tempos” e as trombetas que haverão de levar à salvação apenas seus adeptos.

INANIÇÃO POR FALTA DE SAGRADO

Procurou o autor, nas linhas de Rudolf Otto e de Mircea Eliade, argumentar que um mundo destituído do sagrado é um mundo enlouquecido — e isto pode parecer assustador para uns e até desprezível para outros.

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O escritor Gilberto Kujawski, de modo rápido e direto, observa: “Em síntese, o neopositivismo sustenta, em outras palavras, que o que não está na Ciência não está no mundo. Ora, se existe proposição absurda e sem sentido é essa. Para ser verificada, seria preciso que o mundo se formalizasse totalmente em toda a sua extensão nos domínios da Ciência, de tal modo que não houvesse solução de continuidade entre ambos e que a fórmula Mundo = Ciência fosse realidade. A Ciência é função intramundana, ela constitui-se no Mundo, e este sempre a transcenderá. A Ciência não precisa ir longe para topar com o transcendente (o próprio Mundo)”.

O cientificismo de agora — pois que temos um cientificismo contemporâneo — , já não tem o fascínio do que foi vivido pelo século passado, de vez que este não é otimista e nem ingênuo: é mais caturro, arrogante e cínico. Antes houve o cientificismo por entusiasmo, sincero, hoje há a múmia de um antigo corpo vivo, exibida por todas as partes do mundo em nome de um corporativismo da mediocridade científica e patrocinado por agências capitalistas que manipulam a seu favor a vaidade de muitos cientistas filosoficamente acríticos.

Segundo Rudolf Otto, Mircea Eliade e, mais recentemente, G. Kujawski e P. Berger, o sagrado é um elemento tão central à vida que se faz em sua possibilidade de saúde, bem ao contrário do que os materialismos afirmam. De acordo com G. Kujawski: “Onde não se cultua o sagrado, não há Centro e não há Universo, mas só fragmentos de realidade. Viver no sagrado é viver referido ao Centro do mundo e o mais perto possível deste. No Centro efetua-se a ruptura dos níveis cósmicos entre o Céu e a Terra, por onde se pode comunicar com o transmundano. O mundo é, necessariamente, uma realidade centrada, e o Centro do mundo, em torno do qual ele se ordena, é sempre o sagrado”.

Curiosa é nossa experiência ao adentrarmos uma livraria. Logo chama nossa atenção o próspero setor de ocultismos e esoterismos, com uma inflação de anjos que facilmente se põem ao nosso serviço e bruxos que, após viagens estranhas e com algum jeito literário, transformam-se em gurus autores de best-sellers. São “sensibilizações cósmicas”, “canalizações espirituais”, técnicas de meditação e transporte energético e coisas mais do gênero. Encontramos também farta e, às vezes, inteligentemente apresentada literatura que propõe abramo-nos ao movimento da Nova Era, já que estamos encerrando, segundo crenças astrológicas a “era de Peixes” iniciada há dois mil anos e caracterizada por: poder, hierarquia, autoritarismo religioso, e estamos nos preparando para a chegada da “era de Aquário”, uma Nova Era que se caracterizará pela igualdade, a busca de harmonia, a desinstitucionalização religiosa e a sintonização cósmica. É preciso, aqui, distinguir entre a Nova Era (com iniciais assim maiúsculas), meio confuso e contestador das decepções causadas pelos equívocos da modernidade, e, de outro lado, a nova era (com iniciais minúsculas) que é apenas um projeto de existência espiritual para o século XXI, elaborado com bases filosóficas, científicas e religiosas.

De acordo com os sociólogos Richard Bergeron, Alain Bouchard e Pierre Pelletier, em seu livro A Nova Era em questão (1994), a Nova Era é uma expressão elástica com contornos imprecisos, que sugere mais do que define. A Nova Era é um movimento de tipo religioso. É verdade que raramente ele se pronuncia a respeito de Deus, de seus atributos e de sua revelação. Ele substitui o termo Deus por conceitos mais vagos, menos teológicos: “Energia cósmica”, Consciência Universal o cósmica”, ou simplesmente “Espírito”. Mas, visto que se trata de deixar agir em si o Espírito, a Consciência ou a Energia, e que toda a existência é reorganizada em função do reino desta dimensão cósmica, o movimento da Nova Era possui, sem nenhuma dúvida, caráter religioso. E é enquanto movimento religioso que ele precisa ser abordado.

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A avançada Física hoje esclarece-nos que matéria não é mais que energia condensada e presa em movimentos circulares, e energia é força liberada e linear. Ora, isto quer dizer que nosso Universo reduz-se à energia apenas, com suas modificações. Na medida em que átomos são condensações de dinamismos que funcionam com os inúmeros prováveis de estatística reformáveis, vemos a realidade muito mais metafísica do que física. E ao, por assim dizer, rebobinarmos o filme da evolução cósmica até o chamado “Limite de Plank” (10-43 segundos após o “big-bang” — explosão ou descompressão que deu origem à expansão univérsica), verificamos que nessa evolução não há lugar para o acaso, pois se “uma vírgula” tivesse sido matematicamente diferente do que foi, hoje não se teria o universo tal qual é. Em outras palavras, diz-nos a Física que inequivocamente há uma Inteligência Suprema que rege precisamente a evolução e que rege o momento da criação.

O médico psiquiatra e escritor Jorge Andréa, em sua obra intitulada Forças Sexuais da Alma se interroga sobra a razão da não-aparição dos genes que se situam nos cromossomos dos núcleos das células. Afinal, contamos com avançada aparelhagem de investigação. Não será que os genes, no dinamismo atômico que os deve configurar, não teriam diferente dimensionamento vibratório com dinamismos específicos? Andréa acredita que sim e, indo além, propõe uma hipótese de que “o ADN (ácido desoxirribonucléico), à maneira de um tapete material, albergará os genes que se encontram em um estado menos condensado do que a matéria que lhe abriga, embora com grandes afinidades pela mesma. Dessa forma, os genes estariam distribuídos por todos os cromossomos, em sua intimidade, em estado dimensional mais avançado, isto é, de substância menos condensada, o que dificultaria o registro de sua presença.

Lembremo-nos de que em 1940, o Dr. Joseph B. Rhine — um dos criadores da parapsicologia experimental — incomodou o meio científico com uma afirmação composta de dois pontos: 1) uma coisa é o cérebro e outra é a mente; o cérebro é o complexo suporte material do pensamento vivente; mas, 2) a mente é realidade extrafísica e que age por meios extrafísicos sobre o cérebro e a totalidade do homem. Os críticos do meio científico não perdoaram Rhine. Mas só foram necessários mais 28 anos para que, em 1968 — ironicamente na antiga União Soviética com todo o seu materialismo —, um grupo notável de cientistas da Universidade de Kirov constatasse o que chamaram corpo bioplásmico, o qual no ser humano apresentava-se como uma realidade extrafísica.

Ora, a falta do sagrado ameaça-nos de inanição. Nesse sentido, o stress existencial que hoje nos mortifica está ligado à carência do sagrado em nossa dimensão de cotidianidade. Carência não tem o mesmo significado de falta. De acordo com Gilberto Kujawski: “Se não tenho asas, se sou falto de asas, não tenho carência alguma, porque nunca tive, nem posso ter asas. Na hipótese de que eu perca um braço ou uma perna, aí sim estou carente do membro perdido. Só vivemos carentes daquilo que nos pertence constitutivamente. A carência do divino, ou do sagrado, significa que fazem parte de nós, que não podemos viver sem ambos”.

PONTOS DE FUGA: TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO

Viver é a tensão de constantemente decidir, de constantemente escolher, quase sempre na dúvida de termos ou não feito a melhor escolha. De acordo com Nicola Abbagnano

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“a indeterminação e a instabilidade do ser homem mais não são do que o problema de tal ser, isto é, o problema da existência. Com muita simplicidade esquemática, talvez pudéssemos focalizar a síndrome de insegurança do homem atual classificando-a em três modalidades de sofrimento, às quais daríamos os nomes de inseguranças material, vital e afetiva. Será conveniente fazer um esboço das características de cada modalidade.

1. A insegurança material. A insegurança material vai desde a garantia elementar de comida e teto até as dúvidas quanto a se poder contar com planos de saúde, manutenção de um nível de vida que se tornou habitual e garantias de amparo para o envelhecimento. O Mestre Jesus disse que não nos preocupemos com o dia de amanhã, com o que havemos de comer ou de vestir, concluindo: “basta a cada dia os seus trabalhos”. Esta é, porém, mensagem tão alta que até aqui tem passado bem acima do nível de inquietude em que nos encontramos, vez ou outra encontrando acolhida em espíritos diacrônicos como os de São Francisco de Assis e São João da Cruz — para ficarmos em apenas dois exemplos.

1. Insegurança vital. Denominamos insegurança vital algo de sentido mais amplo e transcendente do que a simples insegurança material. Aqui focalizamos os “suspenses” (materiais, emocionais etc.) ligados ao global da trajetória de viver e da necessidade de um dia termos que nos defrontar com o epílogo organísmico a que chamamos morte. A insegurança vital é portanto algo mais metafísico, por assim dizer, do que a pergunta anterior por alimento, sobrevivência e garantias materiais; na verdade, ela focaliza os milhares de imprevisibilidades de que se tece a vida, questiona o próprio sentido dessa travessia aventurosa e busca, no silêncio enigmático da morte, alguma impressão de imortalidade da alma.

1. Insegurança afetiva. Esta configurada não só pelas carências mas também, hoje acima de tudo, pelo clima de descompromisso das relações afetivas. As atividades industriais foram desenvolvendo conceitos que terminaram por invadir espaços antropológicos; dentre outros, os conceitos industriais de “obsolescência programada” e de “produto descartável”. Estas características foram, contemporaneamente, introjetadas de forma emocional pelo ser humano; concebeu-se, então, por um processo não propriamente consciente, que também as pessoas ficam obsoletas e, neste caso, devem ser postas fora de uso.

Nosso tipo de sociocultura, que vem sendo focalizado e cujo delineamento foi linhas acima sintetizado, estimula a duas grandes possibilidades: uma, positiva e altamente mobilizadora da história na direção de melhorias na qualidade de vida — a revolta; outra, carregada de negatividade e provocadora de inútil fascinação por atitudes humanas que estagnam, quando não deterioram a sociedade — o ressentimento. O ressentimento é um envenenamento pessoal da alma, com causas e conseqüências bem determinadas. Ele é uma introjeção contínua, que através de um exercício sistemático de recalcamento de descargas desperta certos movimentos internos e afecções, que em si são normais e pertencem à estrutura fundamental da natureza humana; bem como uma série de introjeções contínuas sob a forma de ilusões de valor, que trazem como conseqüência os juízos de valor.Já a revolta é fecunda, a ponto de dizer Albert Camus: “O movimento de revolta leva-o mais longe do que se encontrava no momento da simples recusa”. O homem revoltado chega, portanto, a um autoconhecimento que o leva a defender corajosamente os direitos que sabe ter — nisto colaborando para diversos aperfeiçoamentos do meio social.

Pontos de fuga:

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1. fuga para a alienação de religiosidades neuroticamente medrosas. Os fugitivos que ora descrevemos são encontráveis no seio de qualquer religião, seita ou comunidade; pois o desequilíbrio está na forma como a religião é buscada — não na constituição própria desta ou daquela expressão social da religião. Muito embora algumas seitas e movimentos já se caracterizem pela relação neurótica imaginada, sendo mesmo que, com freqüência, há indústrias exploradoras dessa fé medrosa, cujos resultados materiais enormes em termos de lucros para oportunistas manipuladores do que há de mais sofrido na alma humana.

1. fuga para o culto do sucesso material. Aqui chama a atenção para as pessoas obcecadas pelas fantasias do enriquecimento e do status. São vítimas indefesas da idéia cínica do self-made man, pois não há no mundo quem “se faça” unicamente por si mesmo; por trás de muitas pessoas bem-sucedidas e socialmente importantes há sempre, na melhor das hipóteses, muitas ajudas habilmente escondidas e ingratamente negadas e, na pior hipótese, há convivências e cumplicidades que não podem ser confessadas. Ora fugir para a obsessão de ter é, muitas vezes, forma de dispensar-se de buscar ser.

1. fuga para o silêncio uterino das omissões. A multiplicidade de pressões estressantes de nosso meio social produz também figuras pusilânimes que apreciam dizer: “Eu sou muito zen”, o que, é claro, não passa de uma lamentável distorção da característica centrada e serena do zen-budista. Da mesma forma que o indivíduo que quase nada fala (para não expor demais suas limitações) pode vir a ser tomado por sábio, essa tal figura zen não se dispõe a encarar a problemática existencial e a tomar posições (as posições com seu ônus) em uma das mais perigosas patologias do comportamento, a que deriva de certa abulia.

1. fuga para a autodestruição pelas drogas. Exceto o fumo e o álcool que são bem mais antigos, as demais drogas — estupefacientes, alucinógenas ou apenas excitantes — talvez se constituam na faceta mais trágica de nosso tempo. O estilhaçamento da estrutura familial, a banalização das relações inter-humanas, o clima de cinismo na política e a confusão axiológica, esses são apenas alguns dos fatores que oprimem sobretudo a juventude (não só esta, porém) e a atiram no dramático caminho, às vezes sem volta, das drogas que, com certeza, começam a ser usadas pelas pessoas em um desesperado desejo de alívio. Quando percebem que o alívio é efêmero e que a angústia posterior o supera muito, a situação já está desesperada em termos de dependência.

1. fuga para a “sexolatria” e para as agressões somatopsíquicas. O sexo comporta uma multiplicidade de sentidos, a qual percorre desde a alegria estética das muitas belezas de que os seres humanos são capazes, passando pelo que há (ou deve haver) de denso e realizante no encontro humano e indo até — quando for o caso — ao júbilo de oferecer à sociedade uma prole bem-cuidada e bem orientada; isto para não focalizar especialmente as “forças sexuais da alma” (J. Andréa) que se encontram na raiz das criatividades artísticas, religiosas, filosóficas e científico-tecnológicas. Contudo, pessoas interiormente irrealizadas ou frustradas por componentes de vida que lhes bloquearam o desenvolvimento íntimo fazem da sexualidade um equívoco transformando-o em uma orgia que é pura fuga.

1. fuga para a banalização do existir. Na medida em que se tem, todo o tempo, de responder aos desafios da existência — de onde se tira a mais clara noção de responsabilidade —, freqüentemente busca-se uma forma equivocada de alívio das tensões, que consiste em olhar com calculado descaso para essa ventura do

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existir. Creio que devemos concordar com Jean Cocteau, quando este diz que “Talvez o pior tipo de frivolidade consista em que nos levemos demasiadamente a sério”. Esta afirmação de Cocteau pressupõe que nos tomemos, enquanto existentes, a sério em uma adequada medida. Banalizar o viver não é apenas cinismo; é uma atitude monstruosa capaz de contaminar e deteriorar toda a qualidade de nosso mundo, inclusive deixando um caminho livre para os escândalos ecológicos e para os atentados aos direitos humanos.

DE VOLTA AO TEMA DO SENTIDO DA VIDA

Não há como negar que as tensões produzidas pelos descaminhos de uma civilização que se fez problemática impõem sofrimentos. Ante as naturais dificuldades algumas neurotizações são inevitáveis, e estas acabam motivando e constituindo o que vamos chamar de patologias de fuga; tais neurotizações configuram-se, por exemplo: no déficit de auto-estima, na pusilanimidade, na desorientação desesperada, bem com nas fobias — conscientes ou não. Em momentos assim difíceis, diz o psicólogo holandês Gerard Van den Aardweg, uma tendência quase incontível do dinamismo psíquico tende a se mostrar, que consiste na autopiedade neurótica, a qual tem por fundamento a volta “à tona” em nós da criança queixosa e infeliz que permanece bem viva em nossas profundezas.Tomando como ponto de partida as ponderações de Gerard Van den Aardweg, o autor passa a explorar alguns aspectos da fenomenologia existencial, que é base de um dos mais importantes edifícios psicológicos: a psicoterapia existencial do Dr. Viktor Emil Frankl, essa figura notável filosófica e psicologicamente que contrapôs, às escolas de Freud e Adler que advogavam “alcançar algum sentido mediante a terapia”, a proposta de se “alcançar a cura por meio do sentido”.Freud escreveu uma carta à Princesa Bonaparte, na qual disse: “No momento mesmo em que alguém procura compreender o sentido ou o valor da própria vida, esse alguém está doente”. Pode, assim, ficar a impressão de que o questionamento do sentido da vida é um tema tão despropositado quanto doentio. Impressão falsa para este final do século XX. Como demonstraremos, com o auxílio de Viktor Frankl, o homem sempre precisou e sempre precisará encontrar um sentido fundamental para sua existência. Ora, para Frankl o tema do sentido da vida é o mais nuclear da alma humana. Este pensador contesta o que Freud escreveu na carta à Princesa Bonaparte, asseverando: “Mas eu, ao contrário, penso que, longe de revelar uma doença mental, quem se atormenta para encontrar um sentido para sua vida demonstra, antes, humanidade. Não acontece que alguém seja neurótico por ter interesse na procura do sentido da vida, é, isto sim, necessário que seja um ser autenticamente humano”. Isto significa que se a pessoa pode dar-se conta de que sofre com o vazio de sentido e se dispõe a, abrindo-se às forças do momento histórico, buscar encontrar um significado para sua existência, é ela alguém dotado de vitalidade e arrojo pessoal. Dr. Frankl era contado na lista de sobreviventes dos campos de extermínio nazistas de Dachau e Auschwitz. Observa que nos campos nazistas, “sentido e propósito eram apenas uma condição necessária para sobrevivência, não uma condição suficiente. Milhões morreram apesar de sua visão de sentido e propósito”. Dr. Frankl fala-nos das “neuroses sociogênicas”: “Esta definição é particularmente aplicável às neuroses de massa de nosso tempo, vale dizer o sentimento de falta de sentido da existência. Hoje os pacientes não acusam mais, como faziam no tempo de Adler e de Freud, sentimentos de

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inferioridade ou frustrações sexuais. Hoje vêm consultar a nós psiquiatras porque estão aflitos com um sentimento de inutilidade da vida. O problema que nos leva a encher nossas clínicas é agora o da frustração existencial, isto é, o problema do “vazio existencial” — termo cunhado por mim em 1955”.O Dr. Alfried Längle, discípulo de Frankl, sintetiza o pensamento frankliano nos seguintes termos: “A vida, do ponto de vista existencial, tem um tríplice aspecto: vivenciar aquilo que tem valor em si, aquilo que pode ser experienciado como bom, belo ou enriquecedor; mudar as circunstâncias para melhor — para melhor em sua essência, e não apenas melhor ‘para mim’ — sempre que possível; e quando isto não for possível, quando for necessário suportar as circunstâncias, não devemos aceitá-las passivamente, mas, apesar de todo sofrimento, crescer e amadurecer com elas, e, em um desenvolvimento humano pleno, ainda modificar-se a si próprio para melhor”O que decidimos não é indiferente, pois que estamos sempre decidindo acerca de valores. Längle, interpretando as bases do pensamento de seu mestre (Frankl), diz que viver com sentido implica que se desenvolva três modalidades fundamentais de valores de ação:

1. valores vivenciais, que façam abrir-nos à experimentação do mundo em sua imensa variedade de coisas, situações e pessoas; trata-se de ter para nós como algo rico, importante e fascinante, o experienciar flores — com seus coloridos e simetrias —, pedras — apenas curiosas dotadas de preciosidade —, paisagens — em sua grandiosidade ou em seu bucolismo — , mas sempre vivendo uma comunhão com o nosso mundo de coisas às vezes tão comoventes em seu prosaísmo e outras tantas vezes até terrificantes em sua magnificência. No entanto, como é fácil de compreender, “Os valores existenciais mais profundos referem-se ao encontro com outras pessoas”. Uma coisa é estar sempre tangenciando nossos semelhantes; outra, totalmente distinta em sua riqueza, é acolhê-los em nossa vivência; aí está a diferença entre coexistir e conviver.

1. valores criativos. “Enquanto os valores vivenciais nos ajudam a receber algo valioso do mundo, enriquecendo-nos a nós próprios, os valores criativos significam uma troca em que algo valioso é colocado ‘no mundo’, que, então fica enriquecido”. Neste caso, o que conta não é tanto a grandiosidade do que se cria, mas muito mais a iluminação — interior ou partilhada — que a criação produz. É importante que os valores criativos mobilizem a autotranscendência que nos direciona a uma causa, a alguém a vidas de nosso entorno com as quais nos solidarizamos. A vida fecunda é uma troca: fruímos os benefícios propiciados pelo mundo, sob a responsabilidade de retribuirmos tais benefícios com as doações criativas que nos sejam possíveis.

1. valores atitudinais devem completar a tríade axiológica. Estes implicam que definamos claras atitudes ante as situações que nos desafiam, tais como enfermidades incuráveis e situações irreversíveis. Os valores atitudinais socorrem-nos quando já nada podemos modificar em nosso “destino”, pois, eles nos mostrarão que ao menos poderemos modificar a nós mesmos e fazer com que o curso de nossa vida não seja tão pesado e dramático para aqueles que nos amam ou se interessam por nós.

Viktor Frankl analisa as questões axiológicas em termos de “desejo de sentido”. Escreve o mestre vienense: “E é exatamente este desejo de sentido que permanece insatisfeito na sociedade atual e não encontra consideração alguma por parte da psicologia moderna. As teorias atuais sobre a motivação vêem o homem como um ser que ou reage a estímulos, ou obedece aos próprios impulsos. Estas teorias não levam em consideração

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o fato de que, na realidade, em vez de reagir ou obedecer, o homem responde, isto é, responde às questões que a vida lhe coloca e por esta via realiza os significados que vida lhe oferece”.Nosso difícil tempo não pode ser mais difícil do que o vivido por Pierre Lucie, Maximiliano Kolbe, Janusz Korczak ou Viktor Frankl nos campos de extermínio nazistas. Este nosso tempo está cheio de desafios para quem se dispõe a buscar-lhe o significado profundo. Verdade é que vivemos em uma época que tem, como ambiência dominante, o sentimento pessoal de insignificância; seja perante a enorme crise de valores por que passamos, seja ante o poder avassalador de uma mídia corrompida. Embora, atualmente, sob forte sentimento de insignificância ante as forças socioculturais; embora tendentes a sucumbir ao “comportamento fugitivo”, estamos mais uma vez desafiados a auscultar as vicissitudes de nosso tempo para em seu âmago descobrirmos o significado de estarmos vivendo esta época de stress existencial. Já foi dito que os seres humanos que estão vivendo este final de século (e de milênio) são pessoas em qualquer caso privilegiadas, pois, ou são coveiras de uma civilização que agoniza ou são parteira de uma nova era cujas cores fascinantes podem, em breve, brilhar nos horizontes da vida.

NOUS: A DIMENSÃO ESPIRITUAL

O trabalho dos que escrevem e falam ao público não é o de pôr fé nos corações, mas o de dar o toque de despertar nos corações e inteligências prontos para a fé. Ninguém, assim, sentir-se-á obrigado a comungar com as convicções de uma vida espiritual vivenciada por este autor. Não é difícil ver que a base dos equívocos atuais configura-se em um reducionismo que apregoa ser, o homem, uma unidade psicossomática. Ora, os irracionais têm organismo; seu corpo é sua forma de fruir o mundo, bem como de sofrê-lo. Pois bem: se os irracionais têm organismo (soma) e psiquismo (psique), o que os diferencia do ser humano? O que faz absoluta diferença entre o homem e o irracional é o fato de que o homem é essencialmente um espírito. Isto tem sido negligenciado de forma sistemática pela medicina corrente, pelas psicologias em sua maior parte e também boa parte da filosofia. A mutilação teórica da dimensão noética (nous: espírito, na língua grega) tem exibido conseqüências práticas desfavoráveis, quando se deseja obter concepção integral do ser humano. E é fácil compreender que essa situação de perplexidade interessa às forças manipuladoras dos valores materialistas e utilitaristas da sociedade de consumo. O materialismo filosófico das ideologias socialistas é cosia amena e muito menos destrutiva do que o materialismo prático — com freqüência disfarçado por exteriorizações de ritualismo religioso — da ideologia capitalista, cuja performance contemporânea está na perversidade de uma sociedade produtivista e consumista que, como vimos, leva inevitavelmente as coisas a valerem cada vez mais e as pessoas cada vez menos. Situação assim conflitiva e aflitiva dá origem ao que se tem chamado de “vazio existencial”, sendo que este é o verdadeiro propiciador do stress que ultrapassa o limite das manifestações neuropsíquicas e acaba invadindo a existência como um todo, em termos de relações interpessoais que, podendo ser fecundas e agradáveis, se mostram infernizantes.

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Abraham Maslow, psicólogo, classifica as necessidades, em temos de importância: 1º) necessidades fisiológicas; 2º) necessidade de segurança; 3º) necessidades sociais; 4º) necessidades de estima; 5º) necessidade de auto-realização. Comentando esta hierarquia concebida por Maslow, Viktor Frankl adverte “Na realidade, o que importa não é tanto saber distinguir entre necessidades mais elevadas e necessidades mais baixas, mas, sim, saber responder à questão se os objetivos de um indivíduo são apenas meios ou significados”. Como gosta de repetir o Dr. Frankl, bebendo em Nietzsche esta sabedoria, quem tem um “para que” viver agüenta qualquer “como”.

Transcendentalidade e espiritualidade humanas

De um ponto de vista filosófico, a realidade imanente (aquela que se explica e se justifica por si mesma) é uma realidade cerrada sobre si e por isso mesmo mais completa. Enquanto a realidade transcendente (a que se explica e se justifica ultrapassando a si mesma) é sempre aberta e incompleta. Ao contrário dos animais que têm uma programação definida biologicamente e, portanto, fechada, o homem é aberto. Com isso queremos que sua programação não se fecha: é incompleta, defeituosa talvez. Enquanto um passarinho constrói o seu ninho sempre da mesma maneira, a história e antropologia nos revelam que a produção humana é fantasticamente variada, diversificada e mesmo contraditória. Joseph Fabry, médico e psicoterapeuta de Berkeley (USA), adverte : “O perigo do reducionismo materialista nunca foi tão grande como agora. As ciências biológicas descobriram que estamos verdadeiramente ‘programados’ por nossa estrutura genética. As ciências sociais estão dizendo-nos que somos um produto das forças sociais e econômicas que nos movimentam como peões num jogo de xadrez. Já a psicologia nos informa que somos manipulados por impulsos e instintos e que o nosso comportamento é determinado por diversos processos de condicionamento”. O mesmo Fabry comenta não ser hoje aceitável o determinismo psicanalítico freudiano, segundo o qual o ser humano não vive propriamente, mas é vivido por seus impulsos instintivos; o psicólogo em consideração diz que “Este fatalismo, baseado no pensamento científico, é responsável por alguns dos becos sem saída em que nos encontramos atualmente”.Para a questão da transcendência, o que mais chama nossa atenção é o surgimento evolutivo do neocórtex humano, cuja atividade fundamental é criar, inventar. Afinal, inventar é forma privilegiada de responder a desafios vitais; é expediente básico que o ser humano te sofisticadamente desenvolvido para superar situações abrindo-se ao ainda não existente, transcendendo os condicionamentos das memórias biológica e cultural na exata direção do novum.Na obra de Martin Buber intitulada Eu e Tu, um terço das páginas está dedicado à relação Eu — Tu Absoluto (homem — Deus). Buber era um filósofo místico e escreveu com beleza e profundidade acerca da transcendência espiritual: “Aquele que entra na relação absoluta não se preocupa com nada mais isolado, nem com coisas ou entes nem com a terra ou com o céu, pois tudo está incluído na relação. Entrar na relação pura não significa prescindir de tudo, mas sim ver tudo no Tu; não renunciar ao mundo mas sim proporcionar-lhe fundamentação. Afastar o olhar do mundo não auxilia a ida para Deus; olhar fixamente nele também não faz aproximar de Deus, porém, aquele que contempla o mundo em Deus, está na presença d´Ele” Viktor Frankl criticando a visão freudiana, em que o inconsciente é um reduto esfervilhante de sexualidade e agressividade reprimidas, provocando quadros de neuroses; e o consciente está sujeito, de forma quase determinística, às erupções das forças inconscientes reprimidas, diz que a questão consciente-inconsciente precisou

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ceder lugar a um problema mais importante e mais essencial que contrapõe existência espiritual versus facticidade psicofísica.Como se pode ver, é uma oposição como esta que nos dá a chave para diferenciarmos o stress psicofísico do que estamos chamando stress existencial. Os dois acabam interagindo, pois que o ser humano é um todo psico-somático-noético, mas as origens de ambos são distintas; o stress psicofísico pode advir de traumas pessoais que se carrega, de excesso de tensão neuromuscular ou de sobrecarga de trabalho; já o stress existencial, muito embora agravado pelos elementos anteriormente citados, tem sua raiz na discussão íntima quanto ao sentido de viver. O andamento é este: querer, acreditar para só depois racionalizar. A racionalização que não tem por origem as forças espirituais do inconsciente é uma racionalização sem raizes; ora, o homem é muito mais um ser de ação do que de contemplação. Por isso é que, em sua análise existencial da consciência, Viktor Frankl escreve: “Em que sentido podemos considerar irracional a consciência? Ao menos enquanto ela está em ação, não se pode explicá-la em termos de racionais; tal explicação só é possível após o fato. Uma auto-avaliação moral também só é possível posteriormente. Em última análise, os julgamentos da consciência são inescrutáveis”. Há uma espécie de instinto ético que se diferencia fortemente dos instintos biológicos; o instinto ético é dotado de extraordinária intuitividade e, para mais, é ele individualizante no sentido de perceber sentidos únicos e pessoais nas situações várias da vida. Santo Agostinho, que foi um neoplatônico, recorreu aos conceitos aristotélicos de potência e ato para perceber a relação entre criação e evolução; para Santo Agostinho, a criação teve um momento único no qual Deus criou o universo com todas as suas possibilidades, de modo que a evolução é o processo de atualização de potencialidades já postas no momento único da criação. Se nos pusermos de acordo com Agostinho e com o relato bíblico da criação, veremos que, no momento único da Criação Deus — puro Espírito — não poderia criar o homem à sua imagem e semelhança dotando-o só de corpo e psique.

DE CORPO E ALMA

No que concerne ao stress existencial, este é um momento de nos determos mais sobre a unidade psicossomática. Nos dizeres de C. G. Jung: “Um funcionamento inadequado da psique pode causar tremendos prejuízos ao corpo, da mesma forma que, inversamente, um sofrimento corporal pode afetar a psique; pois a psique e o corpo não estão separados, mas são animados por uma mesma vida. Assim sendo, é rara a doença corporal que não revele complicações psíquicas, mesmo quando não seja psiquicamente causada”.Muito antes dos filósofos e dos mais recentes especialistas em psicossomática, os torturadores já sabiam que os sofrimentos impostos ao corpo ferem (às vezes mortalmente) a alma, bem como que as torturas morais e espancamentos da alma são drasticamente somatizados. Eis por que insistimos na expressão “unidade psicossomática”, cuidando de distinguir esta da dimensão noológica de que tratamos anteriormente.O ser humano não conhece o próprio e nem a sua psique em todos os seus aspectos; na realidade, embora se considerando o grande avanço científico dos últimos tempos, o homem faz pálida idéia das potencialidades adormecidas em seu aparato psicossomático. O cientista A. Salmanoff, no livro Segredos e sabedoria do corpo, escreve: “O comprimento total dos vasos capilares de um homem normal alcança os

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100.000 km, o comprimento dos vasos capilares dos rins é de 60 km, a dimensão dos capilares abertos e distendidos em superfície forma um total de 6.000 m2, a superfície dos alvéolos pulmonares em extensão forma quase 8.000 m2”. Ora, se atentarmos para o fato de que a volta ao planeta Terra tem 40.000 km, ficaremos estupefatos ante a afirmação de que o comprimento total dos vasos capilares de um ser humano normal daria duas voltas e meia no planeta.Mas toda essa engenhosidade organísmica unifica-se com a engenhosidade igualmente complexa da psique; a motricidade humana é expressão sutil de conteúdos emocionais e racionais do homem. Stanley Keleman pondera: “O corpo é um rio de acontecimentos, sentimentos, ações, desejos, imaginações — uma corrente de motilidade. Esse fluxo de metabolismo dos tecidos que continuamente se forma e se reforma como nossos corpos é o que podemos chamar de excitação”. Entendamos por excitação o fluxo de energias inteligentes cujo dinamismo une corpo e psique, na comunhão de cada ser humano com seu mundo. Um estado emocional depressivo pode ocorrer por um déficit de lítio na corrente sangüínea, do mesmo modo que uma disfunção mais séria da glândula tireóide pode levar ao surto da loucura. O complexo eletrobioquímico que dinamiza a vida faz parte do psíquico e, no vivente, é impossível separar o soma da psique; razão pela qual temos mencionado a “unidade psicossomática”. Quantas vezes longas e onerosas psicoterapias são feitas com pessoas portadoras de alterações (depressões, ansiedades etc.) cujas causas são orgânicas! O inverso também é verdadeiro, ou seja, quantos não os neurologistas que tratam manifestações de origem verdadeiramente emocional com medicamentos para os nervos, estimulantes e complexos vitamínicos. Mais recentemente o Dr. Hiroshi Motoyama, psicólogo clínico e pesquisador da Universidade de Tóquio, interessou-se em investigar em laboratório os chakras e os meridianos, tendo constatado empiricamente que a velha sabedoria do Oriente estava correta. Suas pesquisas levaram-no a ser escolhido pela Unesco, no ano de 1974, para a lista dos pesquisadores de maior destaque da década de 70. Dependendo da intensidade e da duração do stress, a neurologia costuma considerar, em ordem crescente de importância, as seguintes conseqüências do stress: 1) dores de cabeça (cefaléias); 2) sono muito insatisfatório ou insônia; 3) ansiedade e tensões musculares, frequentemente com afetação da coluna cervical com dores ao seu redor; 4) em portadores de epilepsia, provocação de convulsões ou modificação do número da intensidade destas; 5) carência imunitára; 6) surgimento de cânceres em geral e, principalmente cerebrais; 7) e mesmo óbito súbito no ponto máximo do stress, em razão de infartos ou, por exemplo, situações terrivelmente estressantes de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de hospitais. Segundo a observação psiquiátrica, no que tange ao stress psicossomático, há certos registros ontogenéticos de códigos de sofrimento; explicando melhor: na infância alguém viu muito os pais ou outros parentes queixarem-se de sofrimentos e dores articulares. Décadas e décadas depois, algum desgaste seu, de ordem neuropsíquica, ressuscita essa lembrança como código de queixa; infelicidades e estafas não claras para pessoa são queixadas ao feitio de dores articulares e reumatismos. As interpretações neurológicas e psiquiátricas concordam em dois pontos fundamentais que vêm sendo confirmados pela história dos estudos sobre o stress psicossomático:

1. que o stress resulta de um esforço ansioso e sofrido de adaptar-se a uma dada situação de vida ou de fugir dela por complexos mecanismos psíquicos com expressão somática;

1. que o stress deriva de formas de interpretar as pressões do meio; as chamadas “alterações de interpretação”;

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1. que o quadro do stress em seus “mecanismos” e sintomatologia só faz confirmar a indissociabilidade entre soma e psique.

No que diz respeito à realidade psicossomática, há um princípio muito fundamental que infelizmente tem sido banalizado, seja por orientalismos mal compreendidos e mal assimilados, seja por jargões de academias de fisicultura. Trata-se do princípio do fluxo energético, o qual, no Ocidente, parece ter sido bem compreendido e excelentemente trabalhado pela Bioenergética. Segundo o autor, há que se acrescentar à compreensão do fluxo das energias psicossomáticas — tão sensata e cientificamente trabalhado pelos bioenergetas — a compreensão das energias espirituais (noógenas), que são de fato fonte e organização das primeiras.

TRANSCENDER O CÁRCERE DO JÁ EXISTENTE

De repente, apercebe-se de que algo essencial em nossa forma de viver ficou obsoleto, não nos serve mais. Stanley Keleman denomina, no campo específico da psicologia somática, tal percepção de ending (final). Adverte, o próprio Keleman, que esses “finais” (endings) não são aberrações ou necessariamente momentos de anormalidade; ao contrário, fazem nítida parte da normalidade dos processos de crescimento. “Endings geram conflitos entre ficar e partir. Cria-se um espaço, um vazio, um vácuo, tanto no mundo objetivo quanto em nosso self emocional e neurológico”.

Vivemos a certeza de que a forma como nos comportávamos perdeu sua eficácia e não funciona mais. Necessariamente, de início nos sentimos desamparados e cheios de susto. Em razão da unidade psicossomática, nossos corpos manifestam, mediante distúrbios e doenças, o momento emocional pelo qual estamos passando. Distúrbios gastrointestinais, dores de cabeça, alterações cardiovasculares, dores articulares etc. — todas essas coisas estão nos dizendo alguma coisa; mas, como pouco compreendemos a linguagem corporal, nos intoxicamos com inúmeros medicamentos paliativos, o que pode levar a expressão corporal a explosões e enfermidades mais radicais.

Keleman, que estamos visitando nestas páginas, diz que os “finais” segue-se sempre algo como um espaço intermediário (middle ground), que é oportunidade de muita turbulência emocional, na qual tanto há promessas quanto ameaças; isto porque sentimentos positivos e negativos saem das sombras para a luz da perplexidade. Há muita tensão íntima, vacilação e mal-estar, pois não queremos mais a vivência que findou e, ao mesmo tempo, ainda não temos com que substituí-la. Não resta dúvida que o stress existencial traduz as dificuldades de um ser humano que viu esgotarem-se e invalidarem-se padrões ritualizados de comportamento, vivendo agora, angustiadamente, esse espaço intermediário (middle ground) no qual convivem promessas e ameaças, sentimentos bons e outros perigosos, em meio à estressante tensão íntima.

Mas observa o psicólogo em foco que se tivermos energia interior e tenacidade, este pode ser o início de uma virada positiva na trajetória da nossa existência. Afinal, para Stanley Keleman, se aos “finais” (endings) seguem-se os antes descritos “espaços intermediários” (middle ground), a estes últimos por sua vez deve seguir-se um movimento de renovação. A totalidade do nosso ser nos compele a avançar e crescer, sempre em uma linha de preservação e melhoria da qualidade da vida. Ora, a base da ação transformadora é a vontade de mudar. O homem atual, frequentemente sentindo-se incomodadamente situado em seu mundo, necessita antes de tudo QUERER mudar sua relação com o entorno e consigo próprio; se não investir em si mesmo ficará cativo da insatisfação que caracteriza o stress existencial.

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Haverá os que não querem esforçar-se por mudar. Haverá os que não podem, por suas limitações, partir para renovações da vida. Mas se hoje não formos suficientemente lúcidos para ver o que em nossas vidas ficou ultrapassado e não funciona mais, se não nos enchermos de coragem para tentar formas novas de lidar com o tipo de sociocultura que temos, pouco ou quase nada mais haverá por fazer senão ficarmos esperando o tristonho fim dos que aceitaram viver mal.

Pistas para evitar o stress existencial:

1. pare um pouco e olhe para a sua vida. Você faz parte de um universo vasto e complexo, de um universo infinito (ao menos para as dimensões humanas); você faz parte da realidade cósmica como ponto mais elevado da consciência univérsica. Muitos condicionamentos materialistas terão manipulado a você (e a todos nós) a ter mais. No entanto, salta aos olhos mais lúcidos o fato de que o fundamento ideal de nossa vida deve residir no ser mais — no sentido de crescimento pessoal e na expansão da consciência.

1. saiba relativizar o relativizável. O absoluto cósmico que inclui a sua vida compõe-se de uma infinidade de relativos. Perfeccionismos, ânsia por conquistar bens para legá-los aos nossos filhos, zelo medroso da reputação profissional e até temor excessivo do pecado — essas muitas outras coisas capazes de transformar o nosso cotidiano em uma câmara de tortura. Quem não buscar aprender a, flexibiizando-se no trato com as circunstâncias, relativizar o relativizável viverá sempre à mercê de impiedoso stress. Sua existência será um grande equívoco de expressão tensa e fatigada; afinal, esta é uma das formas de percepção equivocada do mundo que nos envolve. Assim, devemos trabalhar esclarecendo sempre para nós o absoluto que tem de levar a sério — às vezes até exigindo sacrifícios, e o que pode e deve ser relativizado em sua importância.

1. reconstruindo a “casa mental”. Estando em pleno “espaço intermediário” (o middle groudn), você, ante tendências positivas e negativas que lhe vêm do íntimo, saídas das sombras de sua personalidade, terá que decidir com quais vai se aliar. As forças negativas conspirarão contra você. Voltar atrás na trajetória vital não adianta; alguns valores e hábitos rituais claramente ficaram obsoletos, chegando ao seu final. Por outro lado, você não quererá e nem poderá viver indefinidamente a perplexidade paralisante. Digno de nota é a tenacidade de Edison na descoberta da lâmpada elétrica. Fizera já o 700º experimento e não dera certo. Argüido sobre o fato, responde: “Não, meu caro; penso que você esteja fazendo o raciocínio indevido. Afinal, já sabemos 700 maneiras de não fazer uma lâmpada elétrica.

1. em busca do sentido deste momento. Não somos meros passageiros da “nave espacial Terra”, mas aqui estamos para aprender e para crescer no convívio com nossos semelhantes. Ai dos que aceitam ser apenas um tubo digestivo a engolir os prazeres do mundo! Valorizemos sim os prazeres e fruamo-los, mas perguntemos também o que podemos doar ao nosso mundo. Gestos de solidariedade não envelhecem nunca. De minha parte, insisto nestas idéias em razão do quanto me preocupam os espiritualismos ensimesmados e alheios às dores do mundo; quem não se preocupa com nada além de sua paz interior, apenas aplica anestesia na consciência fazendo-a perder a maior de todas as oportunidades: a de sedimentar paz real e duradoura com os benditos recursos da solidariedade.

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1. volte a olhar e enxergar o entorno. Raros são aqueles que hoje não seu olhar condicionado pelas preocupações imediatas. Normalmente, o homem atual anda pelas ruas (quando anda, pois sua “bolha mecânica” chamada automóvel muitas vezes o impede disto), encontra-se com pessoas esteticamente lindas, curiosas, excêntricas, impressionantes, mas não as enxerga e nem as frui. Passa por ruas de grande eloquência arquitetônica ou por praças ajardinadas com flores, no entanto mal vê estas coisas e as “degusta”. Algo como viajar no interior de cápsulas de pressas, temores e atenta distração.

1. crescendo e fortalecendo-nos por meio da meditação. Chineses, japoneses e hindus (entre outros), desde pessoas dedicadas ao contemplativismo até homens de ação do mundo dos negócios, vêm beneficiando-se mais e mais com as práticas meditativas agora integradas ao cotidiano. É certo que os orientais foram os que tecnicamente alcançaram o que há de mais eficiente e significativo nas práticas meditativas, coisa que se afina muito bem com a filosofia religiosa que sempre marcou o oriente.

CONCLUSÃO

Este livro, em sua simplicidade, quis retornar a tríade que constitui o ser humano: soma, psique e nous, no intento de, com uma prática de pensamento comprometida com a sabedoria capaz de melhorar o homem, demonstrar: que há o stress neuropsíquico ligado a hábitos desequilibrados de vida; que há também o stress existencial que surge das aflições de um espírito que se sente incompatível com as distorções de sua sociocultura. O primeiro tem seu começo e seu fim na unidade psicossomática; o segundo, é mais complexo porque transcende em sua origem a mencionada unidade, envolvendo o espiritual (nous). Lamentavelmente há miséria e fome ainda, nos últimos anos dos século XX — e unicamente por descaso político. Tristemente campeia também a fome de sentido de para viver e, como conseqüência, o stress existencial. Vamos vendo, porém, que ambas essas tristezas são superáveis, para tanto bastando nos dispor a querer (querer profundamente) fecundar a terra para os frutos da colheita.

Sumário do livro Stress Existencial e Sentido da Vida, de Regis de Morais. São Paulo, Edições Loyola, 1997. Sumarizado por Sérgio Biagi Gregório, julho de 1998.

Vida: Essência e Existência

Sérgio Biagi Gregório

SUMÁRIO:

1. Introdução.2. Conceito:2.1. Vida;

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2.2. Essência;3.3. Existência.3. Vida:3.1. Caráter da Vida;3.2. Quehacer;3.3. Eu e a Circunstância.4. Essência e Existência:4.1. A Colocação do Problema;4.2. O Existencialismo Espírita;4.3. Comunicação da Essência.5. As Dificuldades de Compreensão da Vida.6. Conclusão.7. Bibliografia consultada.

1. INTRODUÇÃO

A vida, como problema, afigura-se-nos a cada instante. Perguntamo-nos: de onde viemos? Para onde vamos? O que estamos fazendo aqui? Qual a essência da vida? Por que existe a morte? Tudo acaba com a morte? E as respostas não são tão fáceis quanto perguntar. Assim, para desenvolvermos o tema em epígrafe, veremos: conceito e etimologia dos termos, a vida em si mesma, a essência e a existência, a convivência com as dificuldades e a ótica espírita.

2. CONCEITO

2.1. VIDA

Para Legrand, em seu Dicionário de Filosofia, não existe atualmente uma definição suficiente para totalizar os fenômenos (assimilação, crescimento e possibilidade de reprodução) que a experiência corrente classifique com o nome de vida.O problema da origem da vida ainda hoje continua a ser um tema ingrato assim como o da própria vida. À teoria religiosa da criação, o materialismo contradiz no século XX a idéia (não verificável) de uma “célula primordial”, e outras diversas hipóteses (por exemplo, a panspérmia), segundo a qual “gérmens de vida” flutuariam permanentemente no Universo e chegariam à terra vindo de outros astros. (Legrand, 1982)Para Lalande, em seu Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia, a vida é um conjunto dos fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e reprodução) que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou da produção do germe) até a morte.

2.2 ESSÊNCIA

Para Aristóteles, a essência é a substância enquanto substância primeira (ousia prote), o ser individual, matéria. O indispensável de uma coisa, a substância segunda (ousia deutera), a forma. Assim, a essência é o “fundo” do ser, metafisicamente considerado. Nesse sentido, opõe-se a acidente, elementos constitutivos de um ser por oposição às modificações superficiais, e a existência, o que é uma coisa, sua natureza, independentemente do fato de existir ou por

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oposição a ele.Os Escolásticos consideram a essência: todos os elementos que, quando dados, põem como dada a coisa, sem que se possa suprimir nenhum deles. Por exemplo, o ser humano (humanitas), é a essência do indivíduo homem, tal qual é.Husserl afirma, como já fazia Duns Scot e Suarez, a inseparabilidade da essência e da existência. Quer evitar assim a forma apriorística, abstrata, vazia. É a generalidade concreta. As ciências eidéticas de que ele fala são as que se fundam nas essências. As ciências factuais são as experimentais. (Santos, 1965)

2.3. EXISTÊNCIA

Existência: ex-sistência (estar aí, Ex, fora das causas), o que acha na coisa, in re. Existência é o fato de ser. Difere de essência, pois a existência consiste no fato de ser da essência. Assim como se pergunta: “o que é o ser?” pode perguntar-se: “qual o ser da existência?” Em que consiste a existência, qual a essência da existência, bem como qual a essência da Essência? (Santos, 1965)De acordo com Régis de Moraes em Stress Existencial e o Sentido da Vida, existir é verbo formado da expressão latina ex-sistere, que, em tradução mais livre, pode ser entendida como: pôr-se para fora (de si), exprimir-se, significar. Ora, pomo-nos para fora em direção a outrem que recebe nossa expressão e acolhe nossas significações; e obviamente esse outrem extroverte-se por sua vez, reage a nós e age sobre nós, significa e comunica-se. É, portanto, a existência essa troca de mensagens e comunhão de vidas, sendo — mais profundamente — a experiência de se vivenciar tudo isto. Eis a razão pela qual há árvores, pedras, mares e nuvens, sem que nenhuma destas coisas exista. (1997, p.18)

3. VIDA

3.1. CARÁTER DA VIDA

Segundo Garcia Morente em Fundamentos da Filosofia, o primeiro caráter que encontramos na vida é o da ocupação. Viver é ocupar-se; viver é fazer; viver é praticar. É um por e tirar das coisa, é um mover-se daqui para ali. Porém, se olharmos com mais atenção, a ocupação com as coisas não é propriamente ocupação, mas preocupação. Preocupamo-nos, primeiramente, com o futuro, que não existe, para depois acabar sendo uma ocupação no presente que existe.Pelo fato de escolhermos, de termos um propósito, tanto vil como altruísta, nossa vida é não-indiferença. O animal, a pedra e o vegetal estão no mundo, mas são indiferentes. O ser humano não, ele tem que vivenciar a sua vida. A vida se interessa: primeiro, com ser, e segundo, com ser isto ou aquilo; interessa com existir e consistir.O movimentar-se refere-se ao tempo. Que é o tempo? Santo Agostinho já nos dizia que se não lhe perguntassem saberia o que era, mas quando lhe perguntam já não o sabia mais. Por isso, há que se considerar o tempo cronológico e tempo psicológico. Em se tratando da vida, temos de considerar o tempo psicológico, ou seja, considerar o presente como um “futuro sido”. No tempo astrônomico, o presente é o resultado do passado. O passado é germe do presente, mas o tempo vital, o tempo existencial em que consiste a vida, é um tempo no qual aquilo que

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vai ser está antes daquilo que é, aquilo que vai ser traz aquilo que é. O presente é um “sido” do futuro; é um “futuro sido”. (1970, p. 308 a 311)

3.2. QUEHACER

A vida foi nos dada, mas não nos foi dada feita. Ela precisa ser construída. Para que possamos construi-la, temos que lhe dar sentido e valor. A moral reveste-se de transcendental importância, pois irá determinar todos os nossos atos. Por isso, a moral não pode ser um imposição social, mas patrimônio inalienável do espírito. O quehacer é luta, é garra, é movimentar-se. O quehacer, que é individual, não pode perder de vista o fim total. Deve estar envolto com a cosmovisão transcendental da própria vida. Saber não é erudição: saber é saber ater-se.

3.3. EU E A CIRCUNSTÂNCIA

Ortega y Gasset diz que o eu não é apenas eu, mas eu e minhas circunstâncias. Para ele a vida não é teoria, mas realidade. A realidade é tudo que se nos oferece tanto aos olhos físicos como aos olhos espirituais. São os nossos sonhos acordados, os nossos devaneios, a comida que ingerimos, a televisão que assistimos etc. A vida é sempre a nossa vida. Embora devamos respeitar a vida dos outros e não que sejamos o mais importante dos mortais, a vida é sempre a nossa vida, porque é através de nossas próprias lentes que conseguimos ver o “eu”, o “outro” e o “nós”. Assim, faz muita diferença olhar o mundo sem defesas, sem melindres e sem segundas intenções.

4. ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA

4.1. A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

A vida existe, mas pode não ser vivida. É a indiferença. A pedra, o vegetal, o animal existem, mas são indiferentes. O homem, ao contrário, tem que atualizar a essência e o faz na existência. A atualização envolve a construção do seu destino. Por isso, a contradição entre livre-arbítrio e determinismo. A atuação do homem pressupõe escolha. Escolher é selecionar, é buscar alternativas, é construir. Nesse sentido, a formação de princípios éticos muito contribuirá para uma boa escolha de nossas ações.

4.2. O EXISTENCIALISMO ESPÍRITA

Para J. P. Sartre, o indivíduo só vê angústia e desespero. A vida acaba com a morte. O ser é um projeto que se aniquila com a morte. Diz ele que a existência precede a essência. O homem é um ser fático e nada mais.Para o Espiritismo, cada um de nós é um ser que extrapola tempo e espaço. O fato social em que nos deparamos tem uma dimensão cósmica. Somos o resultado de todas as nossas pretéritas encarnações.

4.3. COMUNICAÇÃO DA ESSÊNCIA

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Uma essência pode se comunicar com outra essência. Em se tratando da Doutrina Espírita, podemos comparar analogicamente a essência (da filosofia), com o conceito de Espírito, anotado por Allan Kardec, na pergunta n.º 23 de “O Livro dos Espíritos” – Que é o Espírito? Resposta – Princípio inteligente do Universo. Para alguns filósofos, como Husserl, a essência não pode ser considerada isoladamente. Ela deve estar relacionada com a existência. Para o Espiritismo, o Espírito manifesta-se através do perispírito. Na mediunidade temos o exemplo de que uma essência pode se manifestar à outra por intermédio de uma outra . Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, mostra-nos que o Espírito do médium pode comunicar-se através do próprio médium. É a essência transmitindo através da própria essência.

5. AS DIFICULDADES DE COMPREENSÃO DA VIDA

Por que uma essência pura se contamina? Por que existe a doença? Por que as dores e os sofrimentos de toda a espécie? Por que as crises? Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, analisando o problema da idiotia e da loucura deixa-nos claro que tanto uma como a outra são limitações da matéria e não da essência, que mantém a sua pureza intacta. A comunicação mediúnica dos internados das “Casas André Luiz”, que abriga portadores de deficiências físicas e mentais, mostrou que por detrás da deficiência orgânica há um Espírito lúcido em sua manifestação. Por aí, vemos que as doenças são limitações do corpo físico e não do Espírito. Não são poucos os Espíritos, uma vez desencarnado, que voltam a ter a sua procedência normal.

6. CONCLUSÃO

Diante do exposto, devemos estar inteiros naquilo que estivermos fazendo. Todos os nossos atos, para se tornarem autônomos, devem ter um livre consentimento de nossa vontade e de nossa atividade. A autonomia da vida é seguir os ditames de nossa vocação. Não a vocação das profissões, mas aquela determinação que está dentro de cada um de nós. Em outras palavras, deve haver concordância entre a nossa vontade e a do Criador.

7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

[1]-GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia – Lições Preliminares. 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970.

[2]-KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972.

[3]-KARDEC, A. O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Doutrinadores. São Paulo, Lake, s. d. p.

[4]-LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1993.

[5]-LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Lisboa, Edições 70, 1982.

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[6]-MORAIS, R. Stress Existencial e o Sentido da Vida. São Paulo, Loyola, 1997.

[7]-SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.São Paujo, janeiro de 2005