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SUMÁRIO Título Páginas Parque do Povo: “tribo urbana” e território COSTA, Álvaro Expedito da 543 Representações sociais do bairro Brasil Novo em Presidente Prudente- SP NOGUEIRA, Ana Claudia; GOÉS, Eda Maria 547 Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial – um estudo sobre o ordenamento das indústrias calçadistas no tecido urbano da cidade de Franca-SP SILVA, Anderson Alberto da 561 A relação entre expansão urbana, desemprego e ocupação na região metropolitana de Belo Horizonte ARAÚJO, André Luiz de 575 A centralidade urbana na zona norte de Londrina – PR BEIDACK, Andréa Rodrigues dos Santos 585 Ações do poder local, lógicas de localização industrial e industrialização em cidades médias: um estudo sobre o caso de São José do Rio Preto - SP BEZERRA, Beatriz Zaineldim 601 Articulações e consequencias da modernidade e da pós-modernidade na cidade contemporânea DAL POZZO, Clayton Ferreira 615 Uma análise comparativa dos sistemas urbanos dos estados do Paraná e São Paulo REOLON, Cleverson Alexsander; MIYAZAKI, Vitor Koiti 627 O impacto da perda da gestão plena: “diagnóstico de situação da saúde do município de Presidente Prudente” OLIVEIRA, Dayana Aparecida Marques de 641 História oral, memória e identidade: a formação dos lugares URCINO, Deise Campos 649 Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise de Presidente Prudente e São José do Rio Preto – SP PEREIRA, Denise Marini 659 A cidade como uma obra: proposta para a “carta de Presidente Prudente: por um urbanismo mais humano” AMORIM, Fernando de Oliveira 671

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SUMÁRIO Título Páginas

Parque do Povo: “tribo urbana” e território COSTA, Álvaro Expedito da

543

Representações sociais do bairro Brasil Novo em Presidente Prudente- SP NOGUEIRA, Ana Claudia; GOÉS, Eda Maria

547

Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial – um estudo sobre o ordenamento das indústrias calçadistas no tecido urbano da cidade de Franca-SP SILVA, Anderson Alberto da

561

A relação entre expansão urbana, desemprego e ocupação na região metropolitana de Belo Horizonte ARAÚJO, André Luiz de

575

A centralidade urbana na zona norte de Londrina – PR BEIDACK, Andréa Rodrigues dos Santos

585

Ações do poder local, lógicas de localização industrial e industrialização em cidades médias: um estudo sobre o caso de São José do Rio Preto - SP BEZERRA, Beatriz Zaineldim

601

Articulações e consequencias da modernidade e da pós-modernidade na cidade contemporânea DAL POZZO, Clayton Ferreira

615

Uma análise comparativa dos sistemas urbanos dos estados do Paraná e São Paulo REOLON, Cleverson Alexsander; MIYAZAKI, Vitor Koiti

627

O impacto da perda da gestão plena: “diagnóstico de situação da saúde do município de Presidente Prudente” OLIVEIRA, Dayana Aparecida Marques de

641

História oral, memória e identidade: a formação dos lugares URCINO, Deise Campos

649

Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise de Presidente Prudente e São José do Rio Preto – SP PEREIRA, Denise Marini

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A cidade como uma obra: proposta para a “carta de Presidente Prudente: por um urbanismo mais humano” AMORIM, Fernando de Oliveira

671

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PARQUE DO POVO: “TRIBO URBANA” E TERRITÓRIO

Álvaro Expedito da Costa Email: [email protected]

Aluno do curso de Bacharelado em Geografia. Universidade Estadual Julio de Mesquita de Filho

– FCT – Campus de Presidente Prudente. Claudemira Azevedo Ito

DIVERSIDADE DE GRUPOS: A CONTEXTUALIZAÇÃO DE “TRIBOS URBANAS”

Ao ouvir falar em “tribo urbana” muitos já correlacionam com os punks,

caracterizando-os como um grupo de pessoas que é facilmente reconhecido por suas

vestimentas e acessórios: calças jeans ou pretas, jaqueta de couro com muitos alfinetes e

rebites, penteado exótico e cabelos coloridos, com destaque ao corte moicano. E realmente

é assim que grandes partes dos punks se vestem. Porém, será que toda “tribo urbana”

possui um modo de se vestir bem caracterizado? Possui um local de encontro? Formou-se

da mesma maneira? Essas são algumas das muitas questões levantadas pela temática.

O assunto tem levantado grandes discussões no meio acadêmico por profissionais

de várias áreas como: antropólogos, historiadores e mais recentemente por geógrafos. Mas

qual seria a contribuição do geógrafo para esta discussão. Todavia para tentar compreender

melhor, vejamos como o termo tem sido conceituado. Na perspectiva de Frehse (2006),

tribos urbanas seriam “micro grupos” que marcados pela “unissexualização” de aparência

física, dos usos dos corpos e do vestuário, acabariam mediante sua sociabilidade, contestar

o próprio individualismo vigente no mundo contemporâneo. Para Magnani (1992), o termo

serve para designar uma tendência oposta ao gigantismo das instituições e do Estado nas

sociedades modernas: as tribos permitiriam agrupar os iguais, possibilitando-lhes intensas

vivências comuns, a criação de códigos de comunicação e comportamentos particulares.

Sendo assim, pode-se dizer que “tribo urbana” é a união de pessoas que apresentam

singularidades não só no modo de se vestir, mas também de pensar. Corroborando essa

idéia, Araújo afirma que “tribo” nada mais é que uma metáfora para explicar a existência de

agrupamentos tipicamente urbanos, os quais constroem uma identidade própria,

identificando-se uns com os outros.

APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO: TERRITÓRIOS DA DIVERSIDADE NO PARQUE DO POVO

Contudo, qual seria a inclusão da geografia com a questão das tribos

urbanas?Sendo assim, nos remeteremos ao conceito de território tão amplamente discutido

na geografia para melhor entender esta questão.

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COSTA, Álvaro. E.; ITO, Claudemira A. Parque do povo: “tribo urbana e território”

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Na discussão feita por Haersbaert (2004), o território é analisado em suas mais

diversas formas. Para o autor, esse conceito é polissêmico, apresentando-se em três

vertentes principais: o território político – referenciado no poder, um espaço delimitado e

controlado, confundindo-se muitas vezes com o Estado – Nação; o território econômico –

área como fonte de recurso incorporada à relação capital – trabalho; e o território cultural -

como um produto de uma apropriação e/ou valorização simbólica.

Partindo desta conceituação, entende-se que “tribos urbanas” constituem territórios,

pois a apropriação do espaço, por esses grupos, e o encontro com os iguais provocam

microssegregacões e microterritorializações, singularizando pequenas partes do espaço do

parque, da praça ou dos lugares onde esses grupos se encontram. Raffestin (2008), afirma

que a formação de um território implica em comunicação, em função da qual um indivíduo

informa ao outro suas intenções e o espaço que eles ocupam. Além disso, Mesquita (2008)

diz ser nítido que as “tribos urbanas” são formadoras de territórios. A requisição, a posse ou

o controle espacial, mesmo que temporário expressam relações de poder intimamente

ligadas às maneiras de agir sobre os outros, diferenciando quem controla e quem é

controlado em um dado terreno. Vê-se que a geografia tem muito contribuir para o melhor

entendimento das “tribos urbanas”.

Considerando-se a relação existente entre “tribo Urbana” e território este trabalho

propõe analisar esse vínculo, identificando e analisando as tribos existentes em um

determinado recorte espacial. É utilizado para pesquisa o Parque do Povo, localizado na

porção sudoeste da cidade de Presidente Prudente - SP, sendo considerado como um

parque linear, com cerca de 3 km de extensão possuindo em seu interior áreas de múltiplos

usos, que incluem pista de caminhada, quadras poli esportivas, lanchonetes e quiosques

sendo utilizado também para eventos como shows e apresentações teatrais.

No ano de 1976, durante mandato do então prefeito Walter Lemes Soares, foi

apresentado à população da cidade o projeto denominado “Fundo de Vale” objetivando o

saneamento ambiental da área onde se encontra o Córrego do Veado com a implantação de

áreas verdes, áreas de lazer e de esportes, recuperando assim esse fundo de Vale.

Desde então o parque passou por algumas reformas principalmente no que diz

respeito à canalização. Atualmente é utilizado por moradores de distintas partes da cidade

para vários fins tais como: ponto de encontro, área de lazer, caminhadas etc.

Caracterizando-se como extenso espaço social, onde a conduta e o relacionamento das

pessoas produzem as mais diversas formas de apropriação deste mesmo espaço, pois se

verifica que os espaços públicos podem privilegiar as trocas humanas através do lazer e

comunicação.

No Parque do Povo foram observadas áreas específicas utilizadas por grupos

distintos em respeitados horários e dias da semana. Percebe-se que determinadas áreas

são freqüentadas por alguns grupos sociais diferentes, muitas vezes relacionadas aos

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equipamentos (pista de skate, academia da terceira idade etc.) instalados nessas áreas

outras vezes não, como por exemplo, público homossexual, grupos de “emos”.

Tais evidências são corroboradas por Gomes (2006) que afirma:

A cidade deve apresentar diversidades de usos que se sustentem e apóiem uns nos outros, tanto econômica quanto socialmente. A diversidade de usos traz a diversidade de usuários, tanto na rua como na praça pública. Portanto, a qualidade dos espaços influencia a sua apropriação. GOMES, p.10

Algumas constatações sobre a apropriação do espaço do Parque do Povo indicam

uma associação com a proximidade de equipamentos de lazer e comércio. Exemplo disso é

a aglomeração de grupos de adolescentes e jovens que se encontram nas áreas de

estacionamento do Prudenshopping nos finais de tarde e noites de sábado.

Para a realização desta pesquisa estão sendo realizadas visitas e entrevistas aos

usuários do Parque do Povo, em diversos horários e dias da semana. Também serão

entrevistados os proprietários dos estabelecimentos comercias próximo ou situados no

parque, com o objetivo de compreender questões como: quando começou a formar esses

grupos, freqüência e permanência dos mesmos.

Em função da observação e constatação dessas “tribos urbanas” que na maioria das

vezes se microterritorializam será feito um mapa temático identificando esses pontos no

Parque do Povo. Com a construção do mapa e da realização da pesquisa será possível

verificar se os equipamentos que o parque dispõe realmente estão sendo utilizados da

maneira para o qual foi projetado ou é utilizado de outras formas. Pretende-se também

entender o porquê da formação dessas tribos nos respectivos lugares e avaliar de que forma

elas interferem no cotidiano do parque.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Rogério Bianchi de. Neotribalismo – o predomínio da estética local sobre a ética global. Revista Cenário da Comunicação. São Paulo, v.2, 2003. FREHSE, Fraya. As realidades que as "tribos urbanas" criam. Revista Brasileira Ciências Sociais. São Paulo, v. 21, nº 60, 2006. GOMES, Frederica S. G. Diversidade de grupos, características físico espaciais e apropriação: do espaço urbano em cidades de crescimento recente. 2006. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. HAERSBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” a multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. MAGNANI, José Guilherme C. Tribos urbanas: metáfora ou categoria? Revista dos alunos de pós-graduação em Antropologia, São Paulo, nº 2, ano 2, 1992.

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COSTA, Álvaro. E.; ITO, Claudemira A. Parque do povo: “tribo urbana e território”

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MESQUITA, Maria E. A.; MAIA, Carlos E. S. Territórios e territorialidades urbanas em Goiânia: as tribos dos moto clubes. Boletim Goiano de Geografia, Goiânia v. 27, nº 3, jul./dez. 2007. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

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REPRESENTACOES SOCIAIS DO BAIRRO BRASIL NOVO EM PRESIDENTE PRUDENTE- SP

Ana Claudia Nogueira [email protected]

Aluna Bacharelado em Geografia FCT- Unesp- Presidente Prudente

Eda Maria Goés

[email protected] Professora do Depto de Geografia FCT- Unesp- Presidente Prudente

Resumo: Considerando os estereótipos criados acerca dos bairros periféricos como sendo “lugares perigosos” é que escolhemos pesquisar o Brasil Novo, um dos bairros periférico de Presidente Prudente, localizado na Zona Norte da cidade, que compreende uma área de baixa e média exclusão social. Os objetivos que procuramos atingir foram: investigar se os aparelhos urbanos do bairro atendem as necessidades de seus moradores e, principalmente, considerando os aspectos relacionados à insegurança, como a ocorrência de crimes violentos e a presença do tráfico de drogas costumam influenciar fortemente a imagem da periferia pobre das cidades. Diante disso, pretendemos caracterizar as representações sociais do Brasil Novo e identificar as relações que seus moradores estabelecem com as outras áreas e moradores da cidade, com base em entrevistas. Além disso, procuramos saber como o bairro é representado num jornal local a partir de matérias referentes ao Brasil Novo do período de 1990 a 2003. Para este tipo de pesquisa, valorizando o ponto de vista do entrevistado, suas experiências, bem como o papel da mídia na elaboração de determinadas imagens geradas sobre fatos, pessoas e lugares, adotamos a perspectiva das representações sociais. Assim, concluímos que tais representações se caracterizaram pela duplicidade, incluindo, simultaneamente, espaço para denúncias e reivindicações, por um lado, e estigmatização, por outro. Palavras-chave: produção do espaço urbano; representações sociais; violência urbana; Presidente Prudente-SP, Brasil Novo. INTRODUÇÃO

Uma das características marcantes das cidades contemporâneas tem sido o

aumento da violência. Cotidianamente os meios de comunicação veiculam notícias a este

respeito, a criminalidade parece estar presente em todos os lugares. Soma-se a este fator a

fragilidade ou a desestrutura da polícia brasileira desprovida dos aparatos técnicos

necessários para combater o crime. Os policiais são muitas vezes despreparados, agindo

energicamente sempre que encontram situações de risco, isto é, quando se deparam com

um suspeito que é quase sempre, negro, pobre, nordestino, maconheiro, adolescente. Tais

traços representam autorizações prévias que permitem as práticas abusivas (ENDO, 2005,

p.81).

Em “Cidade de Muros”, Caldeira (2000), analisando a questão da violência,

sobretudo na cidade de São Paulo, afirma que ainda mais preocupante que o aumento do

crime violento é o papel e atuação das instituições da ordem que parece provocar mais o

aumento da violência do que o seu controle. Em São Paulo, assim como em outras cidades

brasileiras, a polícia é parte do problema da violência. O uso de métodos violentos, ilegais

ou extralegais por parte da polícia é antigo e amplamente documentado (CALDEIRA, 2000,

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NOGUEIRA, Ana C.; GÓES, Eda M. Representações sociais do Bairro Brasil Novo ...

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p.135).

Assim, na reestruturação do espaço urbano, determinadas áreas, sobretudo as

periferias, passam a ser apontadas e entendidas como redutos da violência, onde surge e

ou vive o crime e o criminoso. Mas esse processo não é exclusivo das metrópoles, como

muitas pesquisas parecem sugerir. No âmbito do GAsPERR (Grupo de Pesquisa, Produção

do Espaço e Redefinição do Espaço Urbano), há trabalhos que discutem entre outros

aspectos, a produção do espaço urbano através da segregação espacial em cidades médias

do interior paulista, entre estes, “Urbanização difusa, espaço público e insegurança urbana”

(Eda Góes, Maria Encarnação B. Spósito e Oscar Sobarzo, financiado pela Fapesp), projeto

que envolve as cidades de Marília, São Carlos e Presidente Prudente. Outros projetos que

se ligam a este já foram desenvolvidos: “Insegurança urbana e produção da cidade:

mudanças desencadeadas pela presença dos novos presídios no Oeste Paulista” (Éden C.

Carli, Fapesp), “A legislação urbanística, o condomínio e o parque em São Carlos” (Ricardo

G. Lante, Fapesp), “Novas morfologias urbanas: a produção de condomínios fechados em

Presidente Prudente – SP” (Clayton F. Dal Pozzo, Fapesp) e “Insegurança materializada no

cotidiano: uma análise do bairro Jardim morada do Sol - Presidente Prudente- SP” (Cristina

B. Gross Machado, Fapesp).

Considerando os estereótipos criados acerca das áreas periféricas representadas

quase sempre como lugares “perigosos” é que desenvolvemos essa pesquisa, estudando

um dos bairros periféricos da cidade de Presidente Prudente, o Brasil Novo (ver mapa 1).

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Mapa 1 – Localização do bairro Brasil Novo

O Bairro Brasil Novo localiza-se na porção norte da cidade, é composto por lotes

urbanizados e pelas unidades residenciais do Conjunto Habitacional. Segundo Silva (2005),

o bairro surgiu no ano de 1990, com a aprovação do Conjunto Habitacional, tendo a

Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), como agente promotor.

Com o intuito de atender ao excedente de pretendentes a moradia, cadastrados na

implantação do Conjunto Habitacional Ana Jacinta, foi encaminhado paralelamente o Projeto

dos Lotes Urbanizados, que tinha originalmente a pretensão de realizar o remanejamento de

antigos moradores de favelas.

Na área destinada ao loteamento urbanizado, alguns lotes foram doados aos

moradores de favelas e a maioria dos lotes foi vendida para famílias de diversas áreas de

Presidente Prudente. Os critérios para obtenção dos lotes comercializados foram os

seguintes: baixa renda, família constituída e não ser proprietário de nenhum outro imóvel.

Segundo a Prefeitura Municipal, a necessidade da implantação do loteamento deu-se

por conta do déficit habitacional e devido ao grande número de áreas públicas ocupadas

irregularmente. Esta tem sido a solução encontrada pelo Poder Executivo Municipal para

amenizar parte do problema de forma compatível com os recursos disponíveis.

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NOGUEIRA, Ana C.; GÓES, Eda M. Representações sociais do Bairro Brasil Novo ...

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A gleba onde foi implantado o loteamento inicialmente não era da Prefeitura

Municipal, tratava-se de uma propriedade rural não utilizada devido à sua proximidade com

a malha urbana. Desse modo, o Brasil Novo foi implantado fora do perímetro urbano, que foi

ampliado em 1996, com o Plano Diretor. Assim, a origem do bairro se relaciona ao modo

como se deu o crescimento da própria cidade.

Segundo Silva (2005, p. 11), a cidade de Presidente Prudente foi crescendo de forma

descontínua, deixando terrenos vazios em sua malha urbana. A produção do espaço urbano

teria ocorrido apoiada na especulação imobiliária e nas práticas do poder público na escolha

de localizações distantes para a implementação de programas habitacionais. Nos

loteamentos periféricos se instalou uma população bastante desprovida de recursos locais,

às vezes com carência de infra-estrutura. Desse modo, a cidade se caracteriza por uma

separação entre locais de moradia das diferentes camadas sociais, com acesso diferenciado

ao seu espaço urbano, de um modo prejudicial aos menos favorecidos economicamente,

gerando em alguns casos contextos de segregação socioespacial.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Considerando que os aspectos relacionados à insegurança, como a ocorrência de

crimes violentos e a presença do tráfico de drogas costumam influenciar fortemente a

imagem da periferia pobre das cidades, nosso principal objetivo foi caracterizar a imagem do

bairro, com base nos depoimentos de seus moradores, levando em conta tais aspectos.

Além disso, procuramos identificar as relações que os moradores do Brasil Novo

estabelecem com as outras áreas e moradores da cidade.

Isso, sem desconsiderar o papel que a mídia desempenha na propagação das

informações em especial a partir da produção de reportagens de cunho sensacionalista. Daí

a necessidade de se analisar na mídia impressa, as principais notícias referentes à periferia

de Presidente Prudente e em especial ao Bairro Brasil Novo. Para tanto foram utilizados os

seguintes procedimentos metodológicos: levantamento bibliográfico referente às temáticas

abordadas; realização de visitas freqüentes ao bairro; realização de entrevistas junto aos

moradores do bairro (comerciantes e não comerciantes) e também a alguns cobradores e

motoristas que trabalham em linhas de ônibus que atendem ao bairro; registros fotográficos

e consulta ao jornal local O Imparcial no período de 1990 – 2003, atentando para as notícias

sobre o Bairro Brasil Novo, o que proporcionou uma aproximação da visão sobre os

moradores do bairro, elaborada por outros moradores da cidade, além de viabilizar a coleta

de informações sobre a história do bairro e seus problemas.

Para este tipo de pesquisa que leva em conta o papel da mídia na elaboração de

determinadas imagens geradas sobre fatos, pessoas e lugares, mas que valoriza também o

ponto de vista dos entrevistados, sua visão de mundo, suas experiências, adotamos a

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perspectiva das representações sociais que:

Representam por excelência, o espaço do sujeito social, lutando para dar sentido, interpretar e construir o modo em que ele se encontra [...] ela oferece a possibilidade da novidade, da autonomia, daquilo que ainda não existe, mas poderia existir. Elas são nesse sentido uma relação com o ausente e um meio de evocar o possível. É importante ressaltar que não há qualquer tentativa de negar o poder das estruturas sociais. Também não se trata de conferir autonomia à ordem simbólica. Há sim uma relação entre o material e o simbólico. (JOVCHELOVITCH, 2000, p. 41).

A representação social é sempre uma referência de alguém sobre alguma coisa, seu

caráter imaginante e construtivo a faz criativa e autônoma. A autora ressalta também a

importância das representações sociais no estudo da atuação da mídia na produção de

significados e valores de uma sociedade, dadas as formas como a mídia transforma, e de

certa maneira define a circulação de bens simbólicos em sociedades contemporâneas

(JOVCHELOVITCH, 2000, p. 92).

Ao trabalhar com grupos focais, cada grupo constituiu-se de categorias sociais

diferentes, que foram selecionados de acordo com sua relevância para o objeto da

investigação, a autora demonstrou a importância de permitir a expressão de vozes

singulares que, ao falar de suas experiências e debatê-la em público, poderiam revelar a

diversidade da realidade social e sua relação com essa realidade. Nesse sentido, optamos

por escolher cuidadosamente nossos entrevistados e as questões propostas durante a

realização das entrevistas, preocupando-nos assim, com dados qualitativos e não

quantitativos, uma vez que estes atendem mais expressivamente os anseios de nossa

pesquisa.

O BRASIL NOVO NO JORNAL

Tabela 1- Notícias publicadas no jornal O Imparcial 1990-2003

Período Total de noticias publicadas

criminalidade Infra-estrutura

Outras notícias

1990 – 2003 163 79 44 40

Na pesquisa realizada no jornal, chamou a atenção o grande número de notícias

sobre ocorrências violentas, o que contribui decisivamente para conferir ao bairro uma

caracterização violenta, tanto por lá ocorrerem crimes, quanto pelo fato de residirem

pessoas que praticam algum tipo de delito.

Quanto à veiculação de notícias referentes aos problemas de infra-estrutura, não

podemos desconsiderar o aspecto positivo do papel de divulgação desempenhado pela

mídia, que acaba por servir como canal de ligação, tornando possível a interlocução entre

moradores e os responsáveis por propiciar a resolução de tais problemas.

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NOGUEIRA, Ana C.; GÓES, Eda M. Representações sociais do Bairro Brasil Novo ...

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Atualmente o Brasil Novo apresenta uma boa infra-estrutura, segundo opinião dos

moradores, que atribuem a presença dos equipamentos urbanos às suas constantes

reivindicações , bem registradas no jornal consultado.

Durante a realização das entrevistas, uma das questões abordadas dizia respeito ao

preconceito que os moradores do Brasil Novo enfrentam, por parte dos moradores de outras

áreas da cidade. Assim, quando perguntamos aos entrevistados se eles já ouviram algum

tipo de comentário ruim sobre o bairro, as respostas foram todas afirmativas, prevalecendo a

associação entre violência e pobreza, presente na maioria dos depoimentos. Em seguida,

destacamos alguns trechos das falas dos entrevistados referindo-se aos comentários que

costumam ouvir sobre o bairro:

“que é muito longe do centro, que fica na periferia, minhas irmãs mesmo sempre falam. Falam que eu deveria morar mais perto do centro e não aqui, dizem que não vem me visitar porque eu moro longe.”

“As pessoas falam: Nossa, você mora lá naquele final de mundo!”

“Que é violento, que só tem favelado, essas coisas.”

“Violento era antigamente. Que era muito violento aqui antigamente. Aí manchou um pouco a história do Brasil Novo.”

Neste último caso, o entrevistado afirmou que o bairro tem a fama de ser violento,

porém, que não é, não mais, que fora violento no passado. Por um lado, identificamos uma

certa lamentação na sua fala, quando afirma que “manchou a história”, ou seja, trata-se de

um bairro bom, mas por conta de alguns eventos ocorridos no passado, atualmente ainda

carrega o estigma de ser violento, quando na verdade não o é. Por outro lado, podemos

identificar também um aspecto positivo na “história do Brasil Novo”, de superação de

problemas (ou ao menos de alguns deles) que, no entanto, não é identificado e reconhecido

pelos outros moradores da cidade. Nesse caso, a lamentação tem outro sentido.

Conforme nossas entrevistas indicaram, na percepção de muitos moradores, trata-se

de um bairro tranqüilo, porém, seja em função de sua história, seja do desconhecimento dos

outros moradores da cidade, conforme sugerido em alguns dos depoimentos anteriores, o

bairro continua a ter uma representação social violenta.

ENFRETANDO A VIOLÊNCIA NO BRASIL NOVO: PERCEPÇÕES, REAÇÕES E EXPLICAÇÕES

Um dos principais temas abordados em nossa pesquisa é a violência urbana. Com

base em Adorno (2005), levamos em conta a existência de três dimensões da violência no

cenário brasileiro atual - as percepções (que incluem as reações), os fatos e as explicações

- procurando abordar todas elas em nosso roteiro de entrevista.

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Começando pelos fatos, pudemos identificar nas respostas dos entrevistados alguns

tipos de violência mais freqüentes no Brasil Novo, com destaque para o furto, a violência

inter-pessoal (marido que bate na mulher), roubo em estabelecimentos comerciais e

residências. Em alguns casos a violência inter-pessoal parece associar-se tanto à ingestão

de bebida alcoólica, quanto ao uso de entorpecentes. Em seguida destacamos trechos das

falas de alguns moradores referentes ao fato de já terem presenciado algum tipo de

violência no bairro e sua descrição:

“entre família sim, mulher com o marido, o homem chega em casa bêbado e bate na esposa, nos

filhos” “meu irmão, ele teve desentendimento com a minha cunhada na casa dele e ele tinha bebido, então

ele tava muito violento”

A violência inter-pessoal parece ser banalizada, tratada como um acontecimento

comum presente na vida das pessoas que sofrem essa violência, na verdade, muitas vezes,

não só de quem a sofre, mas de quem a presencia. Quanto aos roubos, tanto em

estabelecimentos comerciais, quanto em residências, as ocorrências parecem estar ligadas

ao consumo de drogas, uma vez que todos os entrevistados disseram saber da ocorrência

do tráfico de drogas no bairro,

Uma entrevistada, relatando que já sofreu violência no bairro, contou-nos:

“Há uns dois meses atrás fui roubada pelas minhas primas, fizeram que foram embora, eu saí e meus primos voltaram e me roubaram porque são usuários de drogas. Levaram som, TV, DVD,

microondas e mais alguns objetos.”

“Problemas com drogas no bairro tem bastante, às vezes a gente vê que é molecadinha nova até.”

A questão das drogas, do tráfico, não só comparece no bairro, como tem os jovens

como seu principais protagonistas, assim como acontece nas periferias das grandes

cidades. Do ponto de vista das suas relações com a violência e do protagonismo dos jovens,

as falas seguintes parecem tentar justificá-los:

“as pessoas não têm perspectiva, os jovens não têm perspectiva, a pessoa termina o segundo grau e

daí não sabe o que fazer, fica sem fazer nada, às vezes se acha incapaz, acha que não consegue fazer nada, que é pobre e não vai conseguir continuar a estudar, essas coisas...”

“Os pais não educam direito e falta muita oportunidade para a juventude.”

Mas expressam também preocupação, já que os jovens fazem parte não apenas do

presente, mas também do futuro do bairro e da cidade. Desse modo, os esforços por

justificar seu comportamento também podem ser esforços para compreendê-los, levando em

conta os problemas sociais que conhecem bem. Entretanto, não é só isso, como não nos

referirmos ao apelo exacerbado do consumo verificado na mídia, através das propagandas?

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Tal apelo também deve influenciar na atração exercida pelo tráfico de drogas, enquanto

comércio ilegal, mas muito lucrativo, sobre esses jovens pobres, como alternativa rápida –

talvez a única - para se ter acesso ao mundo do consumo. Sobre este aspecto, se torna

impossível não falar da identidade marginal que:

Surge por conta das transformações técnico científicas que redefinem as formas de comunicação, o relacionamento e, principalmente, redefinem as relações estruturais entre capital e trabalho, as leituras e as representações do mundo do trabalhador. Tal processo provocou um vácuo entre as gerações mais maduras e as novas gerações, particularmente entre as populações pobres dos grandes centros urbanos brasileiros [...] O fim das promessas de inserção na sociedade de consumo, sobretudo, através de um emprego digno, e a ausência de modelos positivos e inspiradores, são indícios ainda pouco explorados, para os quais começamos a atentar a partir das relações familiares que se dão, sobretudo, em torno da figura materna, ocorrendo uma representação positiva da mãe e outra não muito positiva da figura do pai. (GÓES e ANDRÉ, 2006, p. 56).

Ainda segundo Góes e André (2006), diante deste cenário, a identidade marginal

reelabora os valores presentes no cotidiano da marginalidade, organizando novos sentidos

para a morte e para a violência.

As disputas por pontos de venda de drogas em bairros periféricos (e favelas,

principalmente nas metrópoles) não é casual, nem sequer relaciona-se apenas a própria

origem dos traficantes e a influência que conseguem exercer sobre os seus jovens

moradores, também se relaciona a seu desejo de autonomia. Desse modo, quanto mais

distante, quanto mais isolado, no sentido das dificuldades de acesso, e quanto menos

policiado, mais atraentes e suscetíveis se tornam tais bairros, de forma que algumas das

características inerentes a política habitacional implementada em Presidente Prudente,

assim como em outras cidades, favorecem a presença do tráfico, quando, perversamente,

pretendiam proteger parte de seus moradores. Foi assim que o crime organizado conseguiu,

em algumas áreas pobres, um certo controle político baseado também na força e na

violência (MISSE, 2006, p. 38).

As especificidades das relações estabelecidas no interior de um bairro como o Brasil

Novo, entre traficantes (e consumidores de drogas) e os outros moradores, foram assim

abordadas por alguns entrevistados, quando perguntamos se o bairro é perigoso:

“Depende, para quem vier morar aqui, se for uma pessoa que eles não conhecem, pode até ser [perigoso], mas como a gente já conhece, eu tenho amizade com quase todos os bandidos daqui, assim, então é calmo, eles protegem, eles defendem o seu bairro, entendeu. Então se vier uma

pessoa de fora, é capaz de achar violento.”

A importância dessas relações e de sua duração, de conhecer e ser conhecido, foi

enfatizada, sugerindo que mesmo a presença de bandidos pode gerar proteção, embora,

certamente, não para todos. Mas, contraditoriamente, no decorrer da entrevista, essa

moradora contou que seu estabelecimento comercial foi assaltado muitas vezes, quando

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ainda era do antigo proprietário, no entanto, mesmo depois que o compraram, ainda

tentaram roubá-lo, o que não se efetivou porque o alarme de segurança foi acionado e os

ladrões fugiram. Desse modo, se evidencia os limites de tais acordos e da proteção deles

decorrentes.

No que se refere às percepções, enfatizamos dois aspectos principais: a percepção

de que está aumentando a violência na cidade de Presidente Prudente e as relações do

bairro com a cidade, no que se refere a tal percepção, quanto ao aumento da violência, a

maioria dos moradores entrevistados concorda com seu aumento, embora, segundo sua

representação social, Presidente Prudente não é uma cidade violenta.

Na elaboração de tal representação, com base em comparações pautadas nas

informações fornecidas pelos meios de comunicação, em especial, pelo rádio e pela TV,

visto que são os meios de comunicação mais utilizados pelos entrevistados. Como a maioria

declarou sempre ter morado na cidade de Presidente Prudente, ou em suas proximidades, a

importância da mídia como fonte quase exclusiva de informações sobre outras realidades

urbanas não pode ser desconsiderada, bem como seu poder de influência. Também é

impossível não falar do papel da mídia na difusão das informações sobre a violência, bem

como do caráter sensacionalista de uma cobertura sempre interessada no excepcional, que,

pela repetição exaustiva, passa a ser representado como um fato constantemente presente.

Segundo Misse (2003), o imaginário que é produzido e reproduzido pela mídia

acerca da violência faz com que ela pareça estar em todo lugar, como um sujeito difuso, daí

decorrendo a necessidade, enfatizada pelo autor, de adotar uma visão crítica da própria

violência, dessa representação social, que nos enclausura numa categoria acusatorial.

Refletirmos sobre a variedade de eventos que enclausuramos nesse sujeito difuso seria

então urgente (MISSE, 2003, p. 20).

No Brasil Novo, as opiniões referentes à representação da violência parecem ir ao

encontro da argumentação dos autores, conforme o conteúdo presente na fala transcrita

abaixo, na qual a entrevistada acredita que a cidade de Presidente Prudente não seja muito

violenta e justifica sua afirmação tomando por base às informações veiculadas pela

televisão:

“Acho que não muito. Em vista do que a gente vê por aí, não. Ah porque a gente vê tanta coisa

na televisão.”

Segundo essa entrevistada, as coisas mudaram na cidade, mas a violência (que a

gente vê na TV) ainda não chegou aqui (referindo-se ao aumento da violência na cidade de

Presidente Prudente).

No que se refere às relações do Brasil Novo com a cidade de Presidente Prudente,

nesse aspecto da insegurança, as opiniões também giram em torno das informações que

são veiculadas pela mídia. Mas ao abordar as percepções, é preciso atentar também para

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as reações, como observa Adorno (2005). Nesse sentido, pudemos recolher muitos indícios

sobre diferentes práticas sociais dos entrevistados no enfrentamento dos problemas, com a

presença de traficantes, por exemplo, e seus desdobramentos.

Uma constatação importante, quanto às estratégias de defesa frente à violência, diz

respeito às representações da polícia. Embora boa parte dos entrevistados tenha afirmado

não confiar no trabalho da polícia, contraditoriamente, atribuem a ela a função de garantir a

segurança. Na mesma direção, mesmo aqueles que disseram confiar no trabalho da polícia,

manifestaram uma certa desconfiança, enquanto outros foram categóricos ao afirmar que

não confiam no trabalho da polícia, como sugere o seguinte trecho de entrevista:

“Eu não confio. Ah, hoje em dia os policiais são os piores bandidos. Eu confio mais nos bandidos do

que na polícia. O bandido, ele defende seu bairro, tipo eu sô amiga dele, ele me defende, a polícia, se você é amigo, ele não defende. Eu penso assim.”

Por um lado, a fala da entrevistada sugere uma maior proximidade, no aspecto da

segurança, ao bandido que a polícia, evidenciando uma inversão de papéis sociais, mas,

por outro lado, identifica afinidades entre bandidos e policias, ao afirmar que cada um

defende seus amigos.

Sobre a questionável atuação da polícia no combate a violência, Caldeira (2006, p.

135 – 136) radicaliza, observando, conforme já mencionamos, que em São Paulo, assim

como em outras cidades brasileiras, a polícia é parte do problema da violência. Durante toda

história republicana, o Estado encontrou maneiras, tanto de legalizar formas de abusos e

violação de direitos, como de desenvolver atividades extralegais sem punição. A repressão

ao crime tem tido como alvo, sobretudo, as classes trabalhadoras e freqüentemente esteve

ligada a repressão política. Desse modo, a população e, especialmente os setores mais

pobres, tem sofrido continuamente várias formas de violência policial e injustiça legal,

aprendendo não apenas a desconfiar do sistema judiciário, mas também a ter medo da

polícia. Mas, contraditoriamente, a persistência da violência policial e seu crescimento foi

possível, pelo menos em parte, por causa do apoio popular. Mesmo as classes

trabalhadoras, que são as principais vítimas dessa violência, apóiam algumas de suas

formas.

Outra entrevistada também expôs sua opinião negativa quando se refere à atuação

policial, começando por opinar sobre confiança no trabalho da polícia:

“Muito pouco. Eles são muito falhos. Os policiais hoje em dia, eles são muito falhos. Eles... tem casos

e casos, eles se acham, eles se acham um pouco poderosos, só eles têm razão, só eles. Vamos supor, se tiver uma abordagem, ou alguma coisa assim, coisa que nunca aconteceu comigo, mas que

eu já presenciei, ele não dá a chance de você se defender, eles chegam, eles vem de maneira grosseira, eles fazem a abordagem, eles fazem o que eles querem com você e pronto, fica por isso mesmo, e você não pode se defender. Era o tempo que policial servia de segurança pra gente, hoje

em dia não, hoje em dia ele cresce muito atrás da farda.”

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A fala apresenta uma visão crítica da polícia: relação de poder, excessivamente

concentrado na farda, além de nova valorização das mudanças – “era o tempo...” - como se

no passado, num tempo não identificado, a polícia exercesse com dignidade o seu papel,

isto é, preocupava-se em promover a segurança dos cidadãos. No entanto, se por um lado

alguns moradores do bairro Brasil Novo não confiam no trabalho da polícia, há aqueles que

confiam e justificam sua resposta, como foi o caso do morador que foi taxativo, sem achar

que precisasse de qualquer justificativa para sua afirmação:

“Eu confio no trabalho da polícia, porque eles são dignos e honestos”

No trecho seguinte, encontramos outros argumentos sobre a atuação da polícia no

bairro:

“É, tem garantido, faz tempo, faz... pra evita que a juventude faça coisa errada, então, o corrigimento

da polícia é uma grande vantagem. Eles fazem... é, é, geralmente a polícia dá segurança pra nós aqui...”

Neste caso, talvez a confiança na polícia esteja ligada a sua idade, pois esse

entrevistado tem mais de 70 anos, parece não assimilar a inversão dos valores presentes na

atuação do papel da polícia. Além disso, sua idade também pode ajudar a entender sua

representação dos jovens moradores do bairro que precisariam ser corrigidos e não

compreendidos, como já identificamos em depoimento anteriormente comentado. Ainda

sobre as rondas policiais no bairro e atuação da polícia observou:

“Faz tempo, isso é rotina, ah porque no bairro tem algumas pessoas que são usuários de drogas,

então, acho que é rotina deles.” Quanto às rondas policiais, alguns entrevistados relataram que isso é recente,

devendo-se tal fato, sobretudo, ao Posto Policial que passou a funcionar recentemente no

bairro. Já outros moradores disseram que as rondas policiais são comuns, realizadas já há

algum tempo. Chamou-nos a atenção o horário de funcionamento do Posto Policial, das

7:00h às 19:00h. Não seria após as 19 horas que ele seria mais necessário? Foi nesse

sentido a crítica de uma moradora:

“o horário mais perigoso que seria depois das sete, no horário mais perigoso vai, tá fechado, não

entendi?! Vai vê tem muito policial e eles estão tentando arrumar um buraquinho pra enfiar.”

Contudo, de um modo geral, os entrevistados valorizam a presença do Posto Policial

no bairro e o identificam como um equipamento de segurança. Durante a realização das

entrevistas, um morador ponderou que a sua construção foi sim importante para o bairro, no

entanto, para ele, há outras prioridades, como o aumento das vagas na creche, que

beneficiaria bem mais os moradores.

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Além da presença policial, outras estratégias de defesa contra a insegurança foram

identificadas durante a pesquisa de campo, como a presença dos muros altos, grades,

alarme, e por fim, o silêncio, a opção por não falar a respeito de algumas coisas que se vê

no bairro, como, por exemplo, as questões ligadas ao tráfico de drogas. A fala da

entrevistada explicita bem a relação com a violência e as estratégias defensivas possíveis:

“Não acho o bairro perigoso não. Isso de bairro perigoso vai muito assim de você ser, surdo, cego e

mudo. Então, se você não se envolve nunca com a vida de ninguém, você nunca vê, nunca ouve nada, então não tem problema.”

Quando indagados acerca das prováveis causas que propiciam o aumento da violência,

ou seja, as explicações, ouvimos as seguintes opiniões:

“Eu acho que a estrutura familiar, a estrutura familiar ela conta muito.”

“Ah, eu acho que é um pouco por que o povo, ah, hoje em dia, não tem tanto emprego, as pessoas começam a roubar para ter as coisas, daí elas começam a usar a violência para poder fazer isso”

“Porque os jovens não têm ocupação, se iludem com o que o mundo oferece. Às vezes vai pras

drogas, pára de estudar, deveria ter trabalho e cursos para os jovens”.

“Negligência das autoridades, dos órgãos máximos, da prefeitura, dos prefeitos que não colocam uma lei para... tipo... cometeu um crime, tem que pagar pelo crime. A justiça não é eficiente.”

O conjunto das falas dos entrevistados nos remete a um emaranhado de questões

que devem ser consideradas se quisermos tentar compreender o tema da violência. Misse

(2003) chama atenção para o fato de que a violência é um problema que se agrega à

desigualdade social, uma vez que numa sociedade capitalista de massa, uma parcela

significativa de sua população não encontra possibilidade de inclusão social, como é o caso

do Rio de Janeiro, pesquisado por ele. Para que se possa ser reconhecido como integrante

dessa sociedade, é preciso que se tenha acesso aos meios materiais básicos de existência,

é preciso que se tenha acesso à escola, saúde, direitos civis, sociais e econômicos. Mas

como se pode ter acesso a tudo isso, quando nem ao menos se é reconhecido como

cidadão (MISSE 2003, p. 27)? Nós não podemos imaginar que a polícia vá resolver sozinha

um problema dessa magnitude, a chamada violência urbana, não é um problema

exclusivamente policial, também não é um problema só de segurança pública, ela inclui

inúmeros fatores (MISSE, 2003, p.28). Desse modo, estamos tentando resolver os

problemas de uma modernidade incompleta e, ao mesmo tempo, tendo que enfrentar os

novos problemas postos pelo capitalismo global (MISSE, 2003, p. 30), Daí às menções

variadas de nossos entrevistados: falta de estrutura familiar, falta de trabalho e de acesso a

educação, impunidade, mas também a necessidade de ter as coisas, que, como

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comentamos anteriormente, é cada vez mais imperiosa e exigente, sobretudo para os

jovens, como também lembraram os entrevistados.

CONCLUSÃO

O recurso a duas fontes de pesquisa - entrevistas com moradores (e cobradores de

ônibus) do Brasil Novo e matérias publicadas no Imparcial (1990 – 2003) – nos permitiu

apreender representações sociais do bairro estudado, sempre marcadas pela duplicidade.

Na consulta aos jornais, identificamos uma representação pautada nos problemas de

infra-estrutura, ou seja, na carência, e no caráter violento. Sobre esse aspecto, confirmamos

as constatações de Jovchelovtch (2000, p.83) de que os jornais perpetuam representações

sociais, isto porque, ao longo da História do Brasil, as relações entre violência e pobreza

têm sido reproduzidas, a despeito dos esforços de muitos especialistas no sentido de

demonstrar que a realidade e os dados empíricos desmentem tais relações.

Mas levando em conta os cuidados necessários para não simplificar a atuação da

mídia, também identificamos nas páginas desse jornal a presença dos moradores do Brasil

Novo representados como sujeitos da história do bairro, cujas reivindicações de melhores

condições materiais para o bairro foram amplificadas e justificadas pelo O Imparcial. Nesse

sentido, a atuação do jornal como “construtor de representações sociais”

(JOVCHELOVTCH, 2000, p.83) também foi comprovada.

Nas entrevistas foi possível, entre outros aspectos, verificar que os moradores do

Brasil Novo enfrentam preconceitos de moradores de outros pontos da cidade, seja pela

distância, seja pela ocorrência de violência. De um modo geral, os moradores classificam o

bairro como sendo tranqüilo, embora todos os entrevistados tenham citado, entre outros

fatos, a ocorrência de trafico de drogas no bairro, bem como a ocorrência de pequenos

furtos, geralmente envolvendo jovens.

Quanto às estratégias de defesa contra a insegurança adotados pelos moradores,

identificamos o silêncio, não falar de algumas coisas que acontecem no bairro, além da

presença de muros altos e da polícia, bem representada no bairro pelo recém inaugurado

Posto Policial que, entretanto, a partir das 19 horas, não atende ninguém. Desse modo,

torná-se impossível não questionar: será que o Posto Policial foi construído para levar

segurança aos moradores do Brasil Novo? Ou será para impedir que os moradores do Brasil

Novo levem insegurança ao restante da cidade? No momento ainda não temos elementos

para responder tal questão, no entanto a segunda hipótese parece ser a resposta mais

provável.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, S. Conferência Proferida durante o Seminário “As interfaces da Violência” (UNIFESP), em 05 de Agosto de 2005. CALDEIRA, Teresa Pires. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34-Edusp, 2000.

ENDO, Paulo César. A violência no coração da cidade. São Paulo. Escuta/Fapesp, 2005. GOES, E; ANDRÉ, L. Violência e Fragmentação: dimensões complementares da realidade paulistana. Terra Livre, São Paulo, v.2. n. 27, p. 49-68, Jul-Dez, 2006. JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações sociais e esfera Pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis, RJ. Vozes, 2000. MISSE, Michel. A violência como sujeito difuso. FEGHALI, J.; MENDES, C. e LEMGRUBER, J. (orgs.). Reflexões sobre a violência urbana: Insegurança e desesperanças. Rio de Janeiro: Mauad X. 2003. MISSE, Michel. Crime e violência no Brasil contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

SILVA, R. B. Segregação e/ou integração: O programa de desfavelamento e loteamentos urbanizados em Presidente Prudente. 2005...f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.

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REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E ALTERAÇÕES NA LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL – UM ESTUDO SOBRE O ORDENAMENTO DAS INDÚSTRIAS CALÇADISTAS NO TECIDO

URBANO DA CIDADE DE FRANCA-SP

Anderson Alberto da Silva [email protected]

Aluno do curso de Geografia Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT-UNESP)

Campus de Presidente Prudente-SP. Bolsista nível I.C. – FAPESP

Resumo: Com o presente trabalho, pretende-se realizar uma discussão relacionando causas e efeitos do processo de reestruturação produtiva e indústria calçadista, mais precisamente sobre sua localização e ordenamento no tecido urbano da cidade de Franca, localizada no interior do Estado de São Paulo. A cidade de Franca constitui-se, hoje, em um dos principais pólos industriais calçadista do país, e possui o título de “capital nacional do calçado masculino” devido a sua alta especialização na produção de produtos desse gênero, bem como ao volume produzido anualmente e a sua capacidade na geração de empregos voltados ao setor. No entanto, com as transformações ocorridas nos processos de trabalho, consumo e o papel do Estado no final do século XX, surge um novo modelo de produção industrial não mais calcado no modelo fordista, mas caracterizado por uma dinâmica do trabalho conhecido como produção flexível, cujas algumas características podem ser identificadas na indústria de calçados de Franca. Diante disso, a proposta desse trabalho é apresentar algumas conseqüências desse processo de reestruturação produtiva na indústria calçadista local, e avaliar seu impacto no ordenamento local das indústrias, buscando discutir se existe ou não relações entre esses fatores. Palavras-chave: reestruturação produtiva; localização industrial; indústria calçadista. APRESENTAÇÃO

O setor calçadista brasileiro é composto, atualmente, por cerca de quatro mil

empresas que comportam, aproximadamente, um total de 260 mil empregos. A capacidade

de produção instalada no setor é de 560 milhões de pares por ano. Deste total, um

percentual de 30% é destinado ao mercado externo e 70% ao mercado interno. Com esses

números o Brasil se coloca como o terceiro maior produtor de calçados do mundo, ficando

atrás apenas da China e da Índia.

A crise que afetou o regime de acumulação no final do século XX e que culminou no

enfraquecimento do sistema fordista de produção fez com que se desenvolvesse e

expandisse um novo sistema de produção caracterizado por formas flexíveis de organização

da produção. Além disso, foi se acentuando o dinamismo tecnológico de aglomerações

industriais localizadas em regiões especificas, como é o caso da região denominada

Terceira Itália e do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Essas aglomerações permitem,

além de outros fatores, o surgimento de um forte poder de inovação tecnológico e

organizacional. Além dessa alteração no modo organizacional do chão-da-fábrica, o

processo de reestruturação produtiva contribuiu para a configuração de espaços urbanos

selecionados, que têm apresentado transformações significativas em termos econômicos,

políticos e sociais, além de um esforço de inserir-se nessa dinâmica global.

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SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...

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Diante desse processo, este trabalho tem como propósito apresentar as principais

características do pólo industrial calçadista localizado na cidade de Franca, interior de São

Paulo e verificar como está ocorrendo a dinâmica de produção pós-fordista, buscando

evidenciar se existe relação entre o processo de reestruturação produtiva e as mudanças no

ordenamento industrial sobre o tecido urbano do município, que vêm ocorrendo

recentemente.

É necessário destacar que este trabalho é resultado de um conjunto maior de

investigações, obtidos através de uma pesquisa de iniciação científica em andamento,

intitulada como “Caracterização e especificidades de um pólo industrial calçadista: o

exemplo de Franca-SP”, que recebe apoio financeiro da FAPESP (Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo) e está sob orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito

(FCT-UNESP). Esta pesquisa se encontra diretamente relacionada a um projeto de escopo

maior, denominado “O novo mapa da indústria no início do século XXI”, também financiado

pela FAPESP e coordenado pelo Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.

Para a formação desse trabalho, além de uma ampla consulta ao referencial teórico

relacionado, considerou-se fundamental a realização de um trabalho de campo à área em

estudo, com o objetivo de investigar diversos segmentos relacionados à indústria calçadista

de Franca. Esse trabalho empírico permitiu um contato direto com diversos agentes da

indústria local, sobretudo com empresários do setor, o que possibilitou um embasamento e

melhor direcionamento para este trabalho.

UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA CALÇADISTA BRASILEIRA

O surgimento da indústria de calçados no Brasil se deu ainda no início do século XIX,

com a chegada dos primeiros imigrantes europeus no Rio Grande do Sul e em São Paulo.

Esses imigrantes, que desempenhavam atividades na agricultura e agropecuária, trouxeram

para o Brasil a cultura do artesanato, principalmente dos artigos derivados de couro. A

princípio a produção era caseira, mais voltada para o uso doméstico e para o uso de arreios

de couro para montaria em cavalos. No entanto, com a Guerra do Paraguai, iniciada em

1864, houve no país uma grande demanda por botas e outros produtos derivados do couro,

o que fez aumentar a produção de artigos de couro. Iniciou-se assim o surgimento das

primeiras fábricas de calçados, que já utilizavam maquinário e equipamentos que

proporcionaram uma expansão progressiva da produção e do consumo no país

(Abicalçados, 2008).

Desde meados do século XX, a indústria calçadista nacional cresceu, e passou a

ocupar posição de destaque no cenário econômico nacional. Hoje a indústria calçadista

brasileira é um importante setor da economia nacional, devido a alguns fatores que

confirmam a complexidade desse segmento industrial para o país. Dentre esses fatores

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”...

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podemos citar o elevado volume de calçados produzidos anualmente, a expressiva

participação na pauta de exportações do país e sua capacidade na geração de empregos.

Com relação à geração de empregos, o setor calçadista nacional tornou-se essencial

no que diz respeito às relações sociais. Isso pelo fato desse setor industrial, juntamente com

o setor da construção e têxtil serem um dos que mais empregam mão-de-obra no país. O

perfil de pouca exigência de especialização de mão-de-obra e o grande número de

empregos diretos gerados coloca o setor como alternativa de geração de postos de trabalho

para a nação.

Uma importante característica da indústria calçadista brasileira é que, assim como se

verifica em outros países, tais como Itália, Espanha e México, ela apresenta-se concentrada

em algumas regiões específicas. De acordo com Garcia (2001), essa característica das

concentrações industriais é apropriada pelas firmas como incremento em sua capacidade de

competitividade no mercado.

No Brasil, apesar da concentração das empresas calçadistas de grande porte

encontrar-se localizada no Estado do Rio Grande do Sul, sobretudo na região denominada

como Vale dos Sinos, a produção brasileira de calçados está gradualmente distribuída para

outros pólos. Esses estão localizados no interior do Estado de São Paulo (Franca, Jaú e

Birigui), bem como nos estados nordestinos considerados como emergentes, tais como

Paraíba, Ceará e Bahia.

A INDÚSTRIA DE CALÇADOS DA CIDADE DE FRANCA-SP

O município de Franca, localizado no nordeste do Estado de São Paulo, está

circunscrito numa área de 571 km2. A cidade possui uma população próxima a 330 mil

habitantes, o que corresponde a 98% dos munícipes.

Franca tem importância significativa para o setor calçadista brasileiro, pois se

concentra na cidade o segundo maior pólo calçadista do país, ficando atrás apenas da

região denominada Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Além disso, o pólo calçadista

francano é o maior empregador do setor no Estado de São Paulo, ficando à frente de

importantes cidades produtoras de calçados como Birigui e Jaú.

Esse pólo é responsável pela produção de cerca de 6% da produção nacional e 3%

do total de exportações do produto no país. A tabela apresentada a seguir mostra algumas

informações referentes à indústria calçadista na cidade de Franca:

Tabela 1: Números da indústria calçadista francana em 2007

Estabelecimentos 766 indústrias Mão-de-obra empregada 27 mil trabalhadores Produção instalada 37,2 milhões de pares

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SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...

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Produção utilizada 29 milhões de pares Vendas ao mercado interno 22,8 milhões de pares Vendas ao mercado externo 6,2 milhões de pares

Fonte: RAIS/MTE e MDIC/SECEX.

Embora tenha sua produção especializada em calçados masculinos, e seja

reconhecida nacionalmente como a capital do calçado masculino, a cidade de Franca

produz um relevante número de calçados femininos e infantis. Do total de calçados

produzidos nas indústrias da cidade, 14% são destinados ao mercado feminino e 2% ao

mercado infantil.

A formação da indústria calçadista na cidade de Franca remete-se a meados do

século XIX, sendo dois fatores considerados essenciais para essa formação. O primeiro

refere-se à localização geográfica do município, onde se formou um destacado entreposto

comercial distribuidor de gado, sal e outras mercadorias para os viajantes que se dirigiam de

São Paulo ao Brasil Central por meio da estrada denominada “Goyases”. O segundo fator

refere-se à existência de uma expressiva atividade de criação de gado de corte na região, o

que estimulou o surgimento de atividades voltadas para o aproveitamento dos produtos

derivados do couro, formando no núcleo urbano uma atividade artesanal de selaria e

sapatões utilizados pelos trabalhadores rurais (Tosi, 2003).

Além desses dois fatores apresentados, soma-se ainda a instalação dos trilhos da

Companhia Mogiana em Franca no final do século XIX, o que acarretou uma série de

mudanças nas relações sociais da região. Além disso, a ferrovia possibilitou uma direta

ligação da cidade de Franca com o complexo cafeeiro, o que foi a responsável pela

implantação da lavoura cafeeira na região. A cafeicultura tornou-se um importante núcleo de

acumulação de capital, o que contribuiu para a formação da indústria calçadista na cidade.

Embora existissem pequenas fábricas de calçados em Franca desde meados do

século XIX, apenas em 1921 foi fundada a primeira empresa de calçados com um

maquinário altamente mecanizado, provindo da Alemanha. Esse processo de mecanização

da produção foi seguido por outras empresas na cidade, e contribuiu para a formação do

pólo calçadista local ainda na década de 1940. No entanto, um impulso importante foi dado

na década de 1970 quando ocorreu uma expansão da produção destinada à exportação

graças a uma série de subsídios governamentais (Navarro, 2006).

Assim como em vários outros pólos industriais, o pólo calçadista francano também

vem passando por um processo de reestruturação produtiva. Nesse processo, vem

ocorrendo uma transição da produção em massa para a produção flexível, ou em outras

palavras, do fordismo ao pós-fordismo. Para Castells (1999), um novo modelo de produção

surge como uma resposta para superar a rigidez do sistema fordista, que se tornou

ineficiente para as características da nova economia. Nesse novo modelo de sistema de

produção flexível, as novas tecnologias introduzidas permitem a transformação das linhas

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de montagem, típicas da grande empresa em unidades de produção de fácil programação

que podem atender as variações do mercado e das transformações tecnológicas.

Dentre as características dessa transformação no sistema de produção e que estão

presentes no pólo industrial de Franca, destaca-se o porte reduzido das empresas e a

prática da subcontratação. O estudo de caso da indústria calçadista de Franca permite-nos

verificar que existe um grande número de empresas de calçado com porte reduzido, que

segundo alguns autores, oferecem a capacidade de uma maior capacidade de inovação

tecnológica. O gráfico apresentado a seguir evidencia essa informação:

Porte das indústrias de calçado da cidade de Franca - 2005

Pequeno10,9%

Micro87,1%

Médio1,7%

Grande0,3%

Fonte: RAIS/MTE, 2005.

Embora exista um predomínio no número de empresas de porte reduzido na cidade

de Franca, a pesquisa empírica junto às empresas permitiu verificar que quase todas elas

externalizam parte da sua produção, indiferentemente do seu porte. Além disso, de acordo

com os empresários do setor, todas estas as práticas desenvolvidas pela empresa são

realizadas com o objetivo de minimizar impactos, nos mais diferentes âmbitos.

UMA DISCUSSÃO SOBRE LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL E SUAS TEORIAS

Os fatores e mecanismos que determinam a localização industrial sempre foi uma

das principais preocupações da Geografia, sobretudo para a Geografia Econômica.

Entretanto, com o desenvolvimento e a utilização de recursos tecnológicos capazes de

difundir grandes quantidades de informações em um tempo cada vez mais reduzido, essa

localização assume dimensões mais particulares.

Benko (1996), ao discorrer sobre a teoria da localização industrial, nos fornece

alguns subsídios para a compreensão dos fatores envolvidos. De acordo com o autor:

O objetivo da teoria da localização é fornecer explicações da organização espacial das empresas, identificar as variáveis que determinam a localização e oferecer soluções analíticas. Deve também trazer respostas detalhadas às numerosas questões relativas à

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explosão espacial das empresas, à influência do meio ambiente, etc. Os enfoques mais ambiciosos procuram analisar as leis que presidem ao equilíbrio espacial das empresas. (BENKO, 1996, p. 132).

Nesse sentido, podemos encontrar trabalhos de diversos autores que discutem essa

questão, analisando uma ou mais variáveis que implicam na localização das indústrias.

Carlos (1988) considera que a localização industrial, compreendida como o lugar

ocupado pela indústria no espaço, representa um entendimento mais amplo do que

simplesmente a pontuação ou o endereço das indústrias no mapa. Para a autora, a

localização da indústria insere-se no interior do processo da industrialização que determina,

historicamente, o lugar a ser ocupado por cada indústria.

Firkowski e Sposito (2008) expõem as idéias de André Fischer, abordando que a

indústria se insere necessariamente no espaço institucional, mas é no espaço econômico

(latu sensu) que ela se organiza e funciona. Ainda de acordo com os autores, a indústria não

é mais localizada no “espaço-recipiente” neutro ou diferenciado da teoria neoclássica, ela se

implanta num “meio socioeconômico mais ou menos integrado”, quer dizer um “território”

tornado mais ou menos atrativo graças aos recursos, aos potenciais, às oportunidades que

ele propõe e graças também a sua capacidade de adaptação às flutuações das

necessidades da atividade econômica. Buscando uma explicação para a questão, Benko (1996) destaca que os fatores que

determinam a localização industrial diferenciam-se de acordo com o ramo da atividade

industrial exercida pela empresa e o porte que a mesma apresenta. Após a realização de

estudos sobre complexos industriais existentes, o autor enumerou alguns fatores que podem

ser explicativos para a questão da localização industrial, tais como: a) a força de trabalho; b)

a presença de universidades e institutos de pesquisa; c) o atrativo paisagem; d) a infra-

estrutura do transporte; e) os serviços e o clima político; e f) as economias de

aglomeração.

Ao tentar analisar estes fatores de localização industrial apontados por Benko,

Cícero (2007) considera que estes não são distribuídos de forma eqüitativa pelo território.

De acordo com a autora, pode-se verificar, por exemplo, que a distribuição dos objetos

técnicos ocorre de forma desigual e sua concentração se configura num atrativo para

implementação de atividades econômicas e, por outro lado, sua ausência pode exercer

influência contrária.

O ORDENAMENTO DAS INDÚSTRIAS DE CALÇADO NO TECIDO URBANO DA CIDADE DE FRANCA

Como já discutido anteriormente, o surgimento e formação da indústria calçadista na

cidade de Franca estão fortemente relacionados a fatores endógenos, sobretudo

relacionados à presença de matéria-prima. No entanto, verificou-se que não se pode deixar

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de considerar nessa análise que os fatores políticos e econômicos, sobretudo a partir da

década de 1950, impulsionaram a consolidação do parque industrial. Associado a isso,

considera-se primordial destacar que a presença de uma série de agentes e instituições que

oferecem serviços voltados ao setor calçadista, contribuiu significamente para o seu

sucesso e desenvolvimento.

Ao discutir a localização e distribuição da indústria em um plano mais local, ou seja,

no interior do tecido urbano, considera-se importante relacionar essa ocorrência à divisão

territorial do trabalho. Essa relação configura-se como importante, pois a divisão territorial do

trabalho acontece no próprio território, fazendo com que cada ramo industrial ou empresa

possua sua própria lógica de organização. Ao discutir sobre esta questão, Santos e Silveira

(2004) consideram que:

Cada empresa, cada atividade necessita de pontos e áreas que constituem a base territorial de sua existência, como dados da circulação e da produção e do consumo: a respectiva divisão do trabalho terá essa manifestação geográfica (SANTOS E SILVEIRA, 2004, p. 290).

De acordo com os autores, pode-se compreender que embora tenha como palco

único de ocorrência o território, a divisão territorial do trabalho pode ser compreendida em

diferentes escalas, como a global, nacional e local. No entanto, o enfoque dependerá do tipo

de atividade ou empresa que ocupam determinado território e a lógica que cada uma delas

tem como parâmetro.

Ao discorrer sobre o assunto, André Fisher considera que a questão da escolha de

uma implantação de uma unidade funcional concerne diretamente, ao menos, a três atores:

a) o gestor da empresa, representado na figura do proprietário ou de algum funcionário com

funções de estratégia; b) a coletividade local que acolhe a fábrica, ou seja, as instituições

públicas, privadas e a sociedade civil em geral; e c) o planejador, que se refere a

profissionais responsáveis por efetuar medidas relacionadas ao planejamento territorial. O

autor destaca que para cada um destes agentes existe um interesse ou propósito diferente

para a localização da empresa. De acordo com o mesmo, para a empresa sua localização

associa-se à minimização de custos, ou seja, maximizar lucros provindos de suas

exigências intrínsecas de funcionamento, como por exemplo, facilidades na obtenção de

mão-de-obra, transportes, e em alguns casos subvenção e ajudas fiscais. Para a

coletividade local a implantação de uma fábrica apresenta duas fases: aplicação de práticas

para tornar o meio local mais atrativo às empresas, e em seguida a geração de um

crescimento econômico, obtido graças aos recursos financeiros e empregos gerados. Por

fim, o autor considera que ao planejador, a questão da implantação da fábrica muda

radicalmente de direção, uma vez que cabe a esse ator avaliar os efeitos diretos e indiretos

sobre o meio, mas também, de otimizar os efeitos espaciais possíveis a médio e longo

prazo, em escalas locais e regionais (FIRKOWSKI e SPÓSITO, 2008).

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SILVA, Anderson A. Reestruturação produtiva e alterações na localização industrial ...

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Na tentativa de compreender melhor a dinâmica de localização e distribuição das

indústrias de calçado da cidade de Franca dentro do tecido urbano, optou-se pela

construção de um mapa (mapa 1), onde pode ser observado a localização do maior número

possível de indústrias calçadista. No entanto, considera-se importante destacar que

infelizmente esse mapa não representa a realidade da distribuição industrial no plano local.

Esta não exata representatividade se dá pelo fato de inexistir um cadastro exato com a

relação de todas as indústrias calçadistas instaladas no município.

Entretanto, para a elaboração deste mapa, foram consultados os cadastros das

empresas associadas ao Sindifranca, além daquelas cadastradas pela Prefeitura Municipal

da cidade. Associado a essas duas fontes, puderam ser identificadas no trabalho realizado a

campo algumas empresas que não constavam nas fontes consultadas. É importante

destacar que essas empresas localizadas no trabalho de campo eram todas de porte

considerado como micro.

Ao todo puderam ser identificadas 479 indústrias de calçado na cidade. Destas, 8

podem ser consideradas como de grande porte, 30 de médio porte, 89 como pequeno porte

e 352 como de micro porte.

Mapa 1

O mapa permite-nos observar uma grande distribuição das indústrias de calçado por

todo o tecido urbano. No entanto, podem ser observadas algumas concentrações, como por

exemplo, a do Jardim Paulistano II, localizado no extremo da Zona Leste da cidade, as do

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Jardim Petráglia e Guanabara, localizados na Zona Norte e o próprio Distrito Industrial (Zona

Oeste), que embora concentre indústrias de diferentes ramos industriais, apresenta uma

forte concentração de indústrias calçadistas. Além destas concentrações citadas, podemos

encontrar também uma forte concentração de indústrias de calçado em uma região mais

central da cidade, sentido à Zona Leste, que é as imediações do bairro Vila Aparecida.

A tabela 2 a seguir apresenta o número de indústrias calçadistas instaladas nestas

principais concentrações da cidade:

Tabela 2 – Principais aglomerados de indústrias calçadistas da cidade de Franca

Bairros Divisão das indústrias por porte

Total Grande Médio Pequeno Micro Jd. Paulistano II 3 10 45 58 Distrito Industrial 5 12 18 18 54 Jd. Petráglia 3 16 31 50 Jd. Guanabara 3 9 30 42 Vila Aparecida 1 7 6 18 32

Fonte: Sindifranca, Prefeitura Municipal de Franca e Pesquisa direta, 2009.

A elaboração do mapa 1, bem como a construção da tabela 2, e a realização do

trabalho de campo e da entrevista junto às empresas, permite-nos fazer algumas

considerações a respeito da localização das indústrias de calçado sobre o tecido urbano de

Franca.

De acordo com a tabela 2, podemos verificar que o Jardim Paulistano II, localizado

na Zona Leste da cidade concentra o maior número de indústrias do ramo, somando 58 do

total. No entanto, cerca de 80% das mesmas são de porte considerado como micro. Essa

mesma característica pode ser verificada nos demais bairros, exceto no Distrito Industrial.

Diferentemente dos demais, esse concentra um número considerável de grandes e médias

empresas (5 e 12 respectivamente), e um certo equilíbrio no número de empresas de

pequeno e micro porte (18 cada), contrapondo-se assim das demais principais

aglomerações industriais intra-urbanas da cidade, que como citado anteriormente, possuem

uma grande concentração de empresas de porte considerado como micro.

Além disso, o bairro Vila Aparecida, que está localizado em uma região mais próxima

do centro da cidade de Franca, concentra empresas mais antigas. Essa ocorrência pôde ser

verificada na pesquisa realizada junto às empresas, que possibilitou constatar que as

indústrias mais antigas da cidade localizam-se em áreas mais centrais, incluindo o centro da

cidade, onde puderam ser identificadas 4 indústrias. Muitas destas indústrias identificadas

na região central da cidade, incluindo as instaladas no bairro Vila Aparecida datam suas

instalações anterior às décadas de 1970 e 1980.

Entretanto, algumas dessas indústrias instaladas em regiões mais centrais da

cidade, ou até mesmo em bairros com perfil residencial, informaram que existe uma

possibilidade ou já está nos planos da empresa de transferir suas instalações para bairros

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periféricos e com perfis mais industriais, como por exemplo, o Jardim Paulistano II e Jardim

Petráglia, ou até mesmo para o Distrito Industrial, ou próximo a ele, em uma área nova

denominada como Pólo Industrial Amazonas I, considerada na cidade como bastante

promissora para o recebimento de inúmeros empreendimentos industriais.

Existe na literatura uma discussão relacionada aos efeitos provocados pela

emergência do processo de reestruturação produtiva em âmbito internacional. Toda essa

reestruturação, que se deu pela transferência de um sistema de produção mais rígido para

um sistema considerado mais flexível, contribuiu, em nível nacional, regional e local, para a

configuração de espaços urbanos selecionados. Tais espaços têm apresentado

transformações significativas em termos econômicos, políticos e sociais, além de um esforço

de inserir-se nessa dinâmica global.

Partindo dessa temática, Sposito (2007) considera que a instalação de distritos

industriais, que devem ser, mais propriamente chamados de áreas de localização industrial

com diferenças entre o tamanho das empresas que têm capacidades diversas na

incorporação de novas tecnologias, na participação na produção industrial ou nas diferentes

formas de arrecadação oficial, contempla a complexidade da reestruturação das cidades no

momento atual.

O Distrito Industrial da cidade de Franca, assim como muitos outros distritos

industriais criados no país, foi criado na década de 1980 pelo poder público municipal. Com

dois milhões de metros quadrados inteiramente urbanizados, o Distrito Industrial da cidade

concentra aproximadamente 200 empresas, predominando as indústrias de calçados e

curtumes. Entretanto, além destas, encontram-se instaladas nesta área diversas outras

indústrias consideradas como correlatas ao setor calçadista, como por exemplo, fabricantes

de máquinas e equipamentos, componentes, produtos químicos, entre outros.

Além do Distrito Industrial da cidade de Franca, pode ser constatado que o Jardim

Paulistano II, composto quase que totalmente por indústrias de calçado, foi também loteado

ainda na década de 1980. No entanto, diferencia-se do Distrito Industrial por ter sido criado

pela iniciativa privada. De acordo com informações obtidas junto à Secretaria de

Planejamento Urbano da cidade, o loteador deste bairro teve a iniciativa de dividi-lo em lotes

maiores a fim de atrair para o local, indústrias de médio e pequeno porte, pelo fato da

mesma localizar-se próxima a bairros considerados como operários, ou seja, habitados

predominantemente por trabalhadores das indústrias da cidade. Isso possibilitou que o local

de trabalho de muitos desses trabalhadores fosse próximo de suas residências.

Essa transferência da indústria para áreas mais periféricas da cidade, e em áreas

específicas para o seu funcionamento também foi abordado por Sposito (2007). De acordo

com o autor, no anel periurbano, formado por glebas de terras não loteadas, apareceram

novas áreas urbanas e novas instalações industriais, melhor servidos por infraestrutura

viária, e com diferentes graus de incorporação tecnológica. De acordo com o autor, toda

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essa transferência está trazendo à periferia da cidade um desenho territorial que não lhe era

característica nas décadas de 1950 e 1960, quando o padrão geral de periferização do

tecido urbano se generalizou.

Considera-se importante destacar que este trabalho não tem como finalidade afirmar,

com absoluta certeza, que a reorganização do espaço urbano da cidade de Franca está

relacionada com as mudanças ocorridas no processo de reestruturação produtiva, até

mesmo porque não foi consultado um arcabouço teórico e nem realizado um trabalho

empírico direcionado unicamente a esse sentido. Entretanto, toda esta discussão realizada

partiu do pressuposto (e que pode ser observado na cidade, sobretudo com o auxilio da

pesquisa empírica realizada junto às empresas) que as indústrias de calçado da cidade

deixaram e continuam deixando de ocupar áreas centrais e periféricas residenciais da

cidade, e estão se direcionando a setores específicos da malha urbana, que apresentam um

perfil industrial.

Do referencial teórico consultado, pode-se verificar que existem de fato relações

entre o processo de reestruturação produtiva e reorganização do espaço, como ocorrido em

algumas localidades. No entanto, necessita-se de uma maior investigação para concluir

quais os efeitos da reestruturação no sistema de produção sobre a estruturação urbana da

cidade de Franca, e se de fato os efeitos da reestruturação produtiva não se restringem

apenas à organização da dinâmica industrial, como verificou esta pesquisa, mas se atinge

também o espaço urbano, provocando nesse espaço transformações econômicas, políticas

e sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Para a realização deste trabalho, buscou-se sempre estabelecer relações entre o

referencial teórico consultado (bem como com as discussões geradas a partir deste) e a

realidade do objeto de pesquisa, no caso, a concentração industrial calçadista da cidade de

Franca. Dessa maneira, acredita-se que tenha sido possível a construção de uma

abordagem e discussão que contemplaram os objetivos iniciais deste trabalho, alcançando

em alguns aspectos resultados que vão além daqueles esperados inicialmente.

É possível constatar que a indústria calçadista concentrada na cidade de Franca

apresenta uma importância muito grande para esse município, bem como para sua

população, uma vez que a mesma produz um importante volume de capital, além de ser

grande geradora de postos de trabalho. Entretanto, ao abordar o setor calçadista em um

contexto nacional, verificou-se que a indústria calçadista francana aparece em posição de

destaque no cenário brasileiro, não apenas pela sua capacidade de produção, mas também

pelo fato da mesma apresentar características e especificidades que potencia a cidade

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como um pólo industrial, diferenciando de demais concentrações deste setor instaladas em

demais regiões do país.

A realização do trabalho de campo ao local de estudo pode ser considerado como

primordial para o desenvolvimento deste trabalho. Tanto a fase de observação, quanto à

fase de realização de entrevistas junto às empresas permitiram verificar como se estabelece

a produção do calçado a partir do chão-da-fábrica, além de possibilitar analisar como se dá

a relação entre as empresas e diversos agentes que compõem essa aglomeração, muitos

deles identificados a partir dessa ida a campo.

Além disso, esse trabalho empírico, sobretudo o realizado junto às empresas na

forma de entrevistas, associado a todo o referencial teórico analisado, permitiu identificar

uma série de características que comprova que a indústria calçadista de Franca está

passando por um processo de reestruturação produtiva, em diferentes segmentos.

Com relação à localização das indústrias no tecido urbano, tem-se que considerar

que a construção de um mapa contribuiu significamente para esta fase da pesquisa. Além

de simplesmente identificar a localização das indústrias, o mapa permitiu-nos identificar as

principais aglomerações industriais dentro do próprio sítio urbano. Relacionado com

hipóteses levantadas, além do diálogo com agentes do setor local, pode-se considerar que

está ocorrendo no interior do plano urbano uma transferência da localização das indústrias

que ocupam áreas centrais e bairros residências, para áreas mais periféricas designadas às

práticas industriais, o que pode ser característica do processo de transferência do sistema

de produção para um modelo caracterizado como mais flexível.

Para tentativa de uma maior elucidação dessa questão, o conjunto maior de

pesquisa que engloba este trabalho, e que está em fase de andamento, propõe analisar

novos conceitos ligados a ordenamento territorial, localização industrial e reestruturação

urbana. Além disso, considera-se importante consultar o Plano Diretor do município de

Franca, bem como sua Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Para tal considera-se

também necessário uma coleta de informações junto a empresários do setor calçadista e

representantes do poder municipal, permitindo identificar se existe na lógica dessa

transferência locacional das indústrias iniciativas da esfera pública e (ou) privada. A partir

desses procedimentos e dos resultados obtidos pelos mesmos, considera-se necessária a

realização de uma pesquisa empírica junto às empresas calçadistas da cidade. Essa

pesquisa permitirá verificar, entre outros fatores, se existe de fato uma relação entre essas

mudanças no ordenamento territorial e as mudanças ocasionadas no sistema de produção.

Por se tratar de uma concentração industrial, o estudo do pólo calçadista da cidade

de Franca pode ser considerado como importante, uma vez que possibilita a construção de

uma série de debates e discussões relacionados a assuntos trabalhados pela Geografia,

sobretudo pela Geografia Industrial. Além disso, pode-se afirmar que este trabalho gerou

novas frentes de pesquisa que ainda possam ser trabalhadas no âmbito da Geografia,

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principalmente no que diz respeito a estudos mais particulares, como estudos de caso

específicos dentro da própria escala local.

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A RELAÇÃO ENTRE EXPANSÃO URBANA, DESEMPREGO E OCUPAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE

André Luiz de Araújo [email protected]

Aluno do quinto ano de Geografia UNESP-FCT, campus Presidente Prudente

Resumo: As mudanças nas redes urbanas, no território nacional, podem ser consideradas como uma das conseqüências da globalização. Ao articular diferentes lugares e regiões em torno de um mesmo circuito produtivo, conhecido como divisão territorial do trabalho, e também interligando diferentes ambientes através do consumo, o espaço urbano brasileiro torna-se ao mesmo tempo, homogêneo, numa perspectiva mais generalizada, e também reforça as particularidades regionais existentes no país. O estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, nomeado de “Regiões de Influência das Cidades”, hierarquiza os centros urbanos nacionais. Para verificar como ocorre tal hierarquização e articulação entre regiões distintas, analisamos a configuração da Região Metropolitana de Belo Horizonte, referente principalmente ao trabalho e ao desemprego, e comparamos com outras metrópoles de idêntica hierarquia, de acordo com o IBGE. Palavras-chave: rede urbana; metrópole; ocupação; desemprego.

INTRODUÇÃO O seguinte trabalho visa analisar o fenômeno das redes urbanas no Brasil

contemporâneo, mais precisamente em Belo Horizonte e em sua região metropolitana,

relacionando com a expansão urbana o desemprego e os níveis de ocupação existentes em

tal região.

A elaboração da pesquisa teve como base o estudo feito pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística-IBGE, intitulado de “Regiões de Influência das Cidades – REGIC”,

publicado no ano de 2008, com dados referentes ao ano anterior, 2007, com o objetivo de

“investigar a rede urbana brasileira para subsidiar o planejamento estatal” (REGIC, 2008).

Consideramos relevante também verificar, através de um sucinto levantamento de

dados, como ocorrem as diferenciações dentro de uma mesma classificação feita pelo

IBGE. Por isso pautamos parte do trabalho em comparar a metrópole de Belo Horizonte com

outras três metrópoles de idêntica hierarquização na REGIC, sendo elas Curitiba, Goiânia e

Porto Alegre.

REDES URBANAS NO BRASIL E O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO DE BELO HORIZONTE Para definirmos as características da rede urbana nacional, temos que,

primeiramente, focar no conceito de rede urbana. George (1983) considera as redes a partir

das relações entre a cidade e a região, bem como entre a cidade e o campo. (GEORGE,

1983, p. 208).

O geógrafo brasileiro Roberto Lobato Corrêa dedicou diversas obras aos estudas das

redes urbanas, tanto para conceituá-la, quanto para verificar as redes existentes no território

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ARAÚJO, André L. A relação entre expansão urbana e ocupação na Região Metropolitana ...

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nacional. Para Corrêa (1989), duas categorias – forma e função – devem ser compreendidas

para o delineamento de rede urbana: “a rede urbana pode ser considerada como uma forma

espacial através da qual as funções urbanas se realizam”. (CORRÊA, 1989, p. 70-71).

A rede urbana pode ser considerada, nas palavras de Corrêa (2001), “como um

reflexo e condicionante social, que articula variados centros urbanos”. No Brasil, prossegue

o autor, a rede urbana é extremamente dinâmica, tanto por novos rearranjos das cidades,

quanto pelo surgimento de novos centros urbanos. (CORRÊA, 2001, p. 360).

Belo Horizonte, como veremos a seguir, não é um novo centro urbano. Porém, de

acordo com sua configuração espacial e com os papéis que desempenha para a divisão do

trabalho, em âmbito nacional, articulou diversos municípios de acordo com sua expansão,

produção e consumo de espaço urbano.

Belo Horizonte foi planejada para ser a capital do estado de Minas Gerais, mas

atualmente a cidade é bastante diferente do que os seus idealizadores planejaram. Nesse

sentido, Célio de Castro, um dos que foram prefeito da cidade afirmou que

A capital desenhada por técnicos e engenheiros, estudada e planejada com rigor científico era uma cidade habitada - mais do que o traçado de suas ruas, mais que de prédios construídos, a cidade é feita de pessoas. E é no movimento diário dessa gente, no trabalho, nas escolas, nas lutas do dia-a-dia que ela ganha vida (CÉLIO DE CASTRO, s/d) 1.

Os engenheiros responsáveis pela elaboração do projeto da nova capital tinham

como idéia norteadora projetar uma cidade ordenada e que funcionasse como um

organismo saudável. Com essa idéia a futura cidade deveria ser saneada, livre de doenças,

socialmente higiênica, mas também livre de desordens e revoluções. As áreas verdes e à

arborização em geral também foram prioridades no projeto (SOUZA e RODRIGUES, 2004).

A finalização do projeto ocorreu em 1895, e foi inspirado nos modelos das cidades

consideradas mais modernas na época, como Paris e Washington. No documento a cidade

era dividida em três principais zonas: a área central urbana, a área central suburbana e a

área de sítios2. A cidade comportaria o número máximo de duzentos mil habitantes.

A inauguração da cidade ocorreu em doze de dezembro de 1897. Belo Horizonte

desde seus primeiros anos foi injusta do ponto de vista da cidadania, que deve ser

estendida a todos os cidadãos que habitam a cidade. O preço alto dos terrenos no centro foi

estipulado com a intenção de tornar o centro uma área elitizada onde habitassem os

funcionários do governo, aos operários e aos antigos moradores restaram formar as

primeiras favelas e/ou se mudarem para outros municípios próximos, como Venda Nova.

1 Retirado do domínio na internet da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Disponível em: <http: //www.belohorizonte.gov.mg.br>. Acesso em: 23 de abril de 2009. 2 Essas palavras da divisão feita pelos engenheiros, para a leitura geográfica é estranha, pois no perímetro urbano de uma cidade não há zona rural, quem a possui é o município.

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Da mesma forma que Brasília, em Belo Horizonte, nos seus primeiros anos, a

expansão urbana foi mais expressiva fora da área planejada. Villaça (2001) alerta que,

(...) esse padrão de crescimento nada tem que ver com seu equivalente nas cidades comuns, que apresentam, na periferia taxas de crescimento mais altas que nas partes centrais. Nessas cidades, as partes centrais já estão ocupadas – quando não saturadas – e nelas a população embora crescendo a taxas menores, é maior que na periferia rarefeita. Em Belo Horizonte como nos primórdios de Brasília, deu-se o oposto. (VILLAÇA, 2001, p. 124)

O processo de metropolização da região de Belo Horizonte tem sua gênese nos anos

quarenta do século XX, período marcado por importantes intervenções públicas que

definiriam os futuros liames da expansão da capital e sua conurbação com os municípios

vizinhos, principalmente a oeste e também ao norte.

Em 1946, foi inaugurada a Cidade Industrial de Contagem, cujas basilares fábricas

se alojariam na década seguinte, quando são parceladas amplas extensões de terra no

vetor oeste da região. Já para a região norte, a construção da Avenida Antônio Carlos

consolidou a expansão da metrópole para tal área.

Em meados do século XX até a década de 1960, Belo Horizonte apresentou um

grande crescimento demográfico (PLAMBEL, 1974), configurando-se tal época como

decisiva para o processo de metropolização de Belo Horizonte; os intensos processos de

industrialização e de crescimento populacional das duas décadas subseqüentes

consolidariam a configuração socioespacial metropolitana, pautada em uma divisão do

trabalho relacionada há um eixo industrial, e não apenas na capital mineira, e também

arrolada pela expansão periférica, de baixa renda, nos municípios a norte da região.

Para a consolidação de indústrias na região, os aparatos estatais se mostraram

decisivos. Através da lei estadual 5.261, de 1969, foi concedida para as empresas que se

instalassem na região 32% de isenção no ICMS. Tal lei beneficiou, de acordo com Monte-

Mór (1984), 298 projetos industriais, entre 1970 e 1975.

Nesse mesmo período supracitado, o governo federal promulgava a lei

complementar n.14, que regulamentava as regiões metropolitanas brasileiras. Belo

Horizonte estava inclusa em tal lei, em conjunto com mais sete capitais estaduais, sendo

elas: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Belém e Fortaleza.

De modo geral, a expansão da Região Metropolitana de Belo Horizonte pode ser

compreendida a partir de seis grandes vetores de expansão urbana: Oeste, Norte-Central,

Norte, Leste, Sul e Sudoeste (SOUZA, 2005). A tabela a seguir facilita o entendimento dos

seis vetores, bem como os municípios que o compõem.

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Quadro I. Vetores de expansão da Região Metropolitana de Belo Horizonte e seus respectivos municípios

Vetores Municípios

Oeste

Betim (1974)* Contagem (1974)

Esmeraldas (1989) Ibirité (1974)

Mário de Campos (1995) Sarzedo (1995)

Norte Central Ribeirão das Neves (1974)

Santa Luzia (1974) Vespasiano (1974)

Norte

Baldim (1999) Capim Branco (1999)

Confins (1995) Jaboticatubas (2000) Lagoa Santa (1974) Matozinhos (1999) Nova União (1999)

Pedro Leopoldo (1974) Taquaraçu de Minas (2000)

Sul

Caeté (1974) Sabará (1974)

Nova Lima (1974) Brumadinho (1989)

Raposos (1974) Rio Acima (1974) Rio Manso (1997)

Itaguara (1999)

Sudoeste

Florestal (1997) Igarapé (1989) Juatuba (1993)

Mateus Leme (1989) São Joaquim de Bicas (1995)

Fonte: Souza e Brito, 2006. ( )*: Ano de incorporação à Região Metropolitana de Belo Horizonte.

O consumo e a localização das diferentes classes sociais apresentaram certo padrão

de ocupação da região. Souza e Brito (2008, p. 16) apontam que,

A esse respeito deve-se esclarecer que os indivíduos mais pobres tiveram como destino municípios localizados nos vetores de expansão Norte Central, Sudoeste, Oeste e Leste, onde há uma concentração de loteamentos destinados à população de baixo nível de renda: periferização da pobreza. Já os mais ricos tiveram como destino municípios localizados nos vetores Sul e Norte, destacando-se os municípios de Nova Lima, Brumadinho e Lagoa Santa, respectivamente: periferização da riqueza. (Grifos do autor).

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E ainda,

Esses resultados revelam que a periferização, na RMBH, é segregada: aquela em direção aos vetores Norte e Sul pode ser denominada “periferização da riqueza”, enquanto aquela em direção aos demais Vetores de expansão reflete a “periferização da pobreza”, sendo essa última numericamente mais significativa (Idem, p. 14-15).

Nas últimas décadas do século passado, o padrão de crescimento populacional se

inverte. Se antes o núcleo metropolitano, no caso Belo Horizonte, apresentava os maiores

índices de crescimento, nesse período as cidades do entorno metropolitano sobrepujaram

as taxas populacionais, absorvendo população não apenas de novos migrantes para a

Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), mas também da própria capital do estado.

Tal fator pode ser compreendido tanto pelo elevado preço do solo urbano em Belo Horizonte

quanto pela implantação, cada vez maior, de indústrias e serviços diversos nos outros

municípios componentes da RMBH.

Assim, devemos compreender quais características inerentes à região, relacionadas

tanto com o emprego e o desemprego, que interligam os diferentes municípios.

EMPREGO, DESEMPREGO E EMPREGABILIDADE DA RMBH E DEMAIS METRÓPOLES NÍVEL “C”

Como demonstrado anteriormente, a Região Metropolitana de Belo Horizonte possui

índices demográficos bem contrastantes quando comparado com outros dados das

metrópoles nacionais. Enquanto Belo Horizonte apresenta significativas reduções

populacionais, iniciadas nas décadas de 1960 e 1970, as outras cidades que compõem a

metrópole apresentam aumento no crescimento populacional decenal, como podemos

observar na tabela a seguir:

Tabela I. Região Metropolitana de Belo Horizonte. Crescimento demográfico decenal (%)

1950/1960 1960/1970 1970/1980 1980/1991 1991/2001

Município de

Belo

Horizonte

7,0 6,1 3,7 1,1 1,5

Restante da

RMBH

... 6,2 7,5 4,8 3,89

Total da

RMBH

6,2 6,1 5,0 2,5 2,39

Fonte: IBGE, Censos Demográficos. In www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/como _anda/como_anda_belo_horizonte/pdf

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A análise dos dados contidos na tabela nos faz atribuir o crescimento populacional

da RMBH tanto a fatores relacionados à “divisão e flexibilização do trabalho na metrópole

mineira, quanto ao preço elevado de ocupação do solo na capital” (SOUZA, 2005, p. 38).

No desenrolar do processo de metropolização de Belo Horizonte, as características

migratórias seguiram uma tendência de acompanhamento dos “surtos de industrialização na

região, gerados pelo capital especulativo imobiliário, ora pelas políticas de incentivo à

industrialização do estado de Minas Gerais” (COSTA e PEIXOTO, 2007, p. 322), e, na

maioria dos casos, com ambos os fatores atuando em sintonia.

As políticas industriais fizeram da RMBH uma área metropolitana de grande

absorção de mão-de-obra. Como o Estado, nas suas diferentes esferas (federal, estadual e

municipal), já vinha dando benefícios para a instalação de parques industriais na região,

agora cabia ao poder público gerir e controlar o grande fluxo pendular de trabalhadores e

desempregados na RMBH.

Tais fluxos se tornaram conseqüência das maiores facilidades de transporte

metropolitano e também pela busca de condições de exercer alguma ocupação ainda no

interior da Região Metropolitana mineira.

Com uma caracterização das ocupações semelhantes, até certo ponto, de outras

metrópoles nacionais, Belo Horizonte tem, ao transcorrer do século XX, a passagem

quantitativa da mão-de-obra industrial para a mão-de-obra no setor de serviços. Assim,

identificar, na área metropolitana, quais municípios possuem as maiores taxas atuais de

empregabilidade, bem como aqueles que possuem um elevado nível de desempregados, é

de suma importância para averiguar a articulação existente na RMBH, bem como verificar a

relevância de Belo Horizonte como centro metropolitano.

Nas últimas décadas do século XX, a variação entre empregados e desempregados

na RMBH foi intensa. Primeiramente, num contexto nacional, na década de 1980, o Brasil

apresenta uma grande queda nos seus índices de produção e produtividade, e, por

conseqüência, um maior índice de desempregados, principalmente nas regiões

metropolitanas e no setor industrial.

Já na década de 1990, com a abertura econômica nacional, o Brasil adquire a

capacidade de “importar crises” (OLIVEIRA e NETO, 2002, p. 5), e, nos momentos de

recuperação econômica da chamada “década perdida”, o desemprego voltava ainda mais

temido, devido também às “crescentes inovações tecnológicas e ao crescimento contínuo do

preço da cesta básica nacional”. (OLIVEIRA e NETO, 2002, p. 13).

O resultado de tais liames econômicos para a RMBH pode ser definido na demanda

por emprego fora do centro metropolitano contrastando com as seguidas taxas de

desemprego em toda região metropolitana, ou seja, a saída para as crises de emprego não

eram uma questão municipal, e sim regional, algo que dificilmente é notado pelo senso

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comum. Rolnik e Somekh (2000) discorrem sobre essa mudança de paradigma nas regiões

metropolitanas,

No caso das metrópoles ou aglomerações urbanas contínuas, a questão é ainda mais grave: a descentralização e o aumento da autonomia municipal acabaram evidenciando a não legitimidade e representatividade dos organismos existentes de gestão metropolitana, contribuindo para esvaziá-los ainda mais, quando não para extinguí-los. (ROLNIK e SOMEKH, 2000, p. 2)

Assim, o que antes ocorria, no Brasil, principalmente entre grandes regiões e entre a

relação dialética campo-cidade, começa a acontecer dentro das regiões metropolitanas, ou

seja, a busca por condições de empregabilidade de acordo com limites territoriais estritos, e

não por condições econômicas sustentáveis.

A RMBH possui índices distintos de ocupação de acordo com a interação com o

núcleo metropolitano. De acordo com Souza (2005), quanto maior a integração com Belo

Horizonte, maior é a tendência de maiores taxas de desocupação, e, quanto menor a

integração com a capital, os índices de empregabilidade apresentam uma elevação

considerável.

O que caracteriza tal dinâmica é que, apesar da Região Metropolitana de Belo

Horizonte possuir 34 municípios, poucos mantêm fluxos constantes com Belo Horizonte.

Tratam-se, principalmente nos vetores de expansão metropolitana norte e sudoeste, de

municípios com baixa densidade de serviços, e, por conseqüência, têm suas riquezas

drenadas pela capital, Belo Horizonte.

Outros fatores elucidativos são as grandes taxas, nos municípios componentes dos

vetores de expansão metropolitana supracitados, de população economicamente ativa que

possui como emprego alguma atividade rural. Graziano (1998) explicita esse fato, de modo

geral,

[...] como a dinamicidade do campo brasileiro, pois enquanto as regiões urbanas, e, sobretudo as metropolitanas, apresentam grandes variações de emprego e desemprego, nas áreas rurais a flutuação é menor, servindo, muitas vezes, de escopo para que a queda nas taxas de desemprego não sejam tão sobrepujadas. (GRAZIANO, 1998, p. 56).

Um último argumento plausível é que esses municípios menores e que possuam

relações esporádicas com Belo Horizonte possuem uma população que se ocupa em

pequenos estabelecimentos comerciais, para servir a população local, e também serviços

variados, com o mesmo intuito. Ou seja, sua dinamicidade econômica, por ser baixa, não é

afetada diretamente pela conjuntura e estrutura geral da Região Metropolitana.

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Tabela II. Índices de desemprego na Região Metropolitana de Belo Horizonte (PEA,

%)

1991 2000 2009 (até abril)

Município de Belo

Horizonte

12,5 10 7,5

Restante da RMBH 5,8 4,2 3,3

Total da RMBH 18,3 14,2 10,8

Fonte: DIEESE/SEADE. PED- Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração própria Para compreender de forma mais elaborada a relevância das taxas de emprego e

desemprego da Região Metropolitana de Belo Horizonte, iremos agora comparar os dados

da RMBH com de outras regiões metropolitanas que constam, no mesmo nível hierárquico,

na REGIC; são elas Curitiba, Goiânia, e Porto Alegre.

Deve-se, num primeiro momento, considerar as particularidades de cada Região

Metropolitana, pois apesar de ocuparem a mesma hierarquia, cada qual possui índices

distintos de alfabetização, de empregados na indústria, no comércio e nas atividades de

serviços.

Trataremos aqui da comparação direta dos dados, para, em seguida, esboçar

algumas considerações acerca de seus números.

A Região Metropolitana de Curitiba (RMC) é composta por 26 municípios, e

apresenta de maneira análoga à Belo Horizonte, uma grande participação da população nos

setores industriais e de serviços. Dados do IBGE, datados do ano de 2000, revelam que

havia, na região metropolitana, havia um percentual de 14,4 de população desocupada.

Já a Região Metropolitana de Goiânia (RMG), que contém 11 municípios, possuía,

em 2000, 12,5 % de desocupados. Vale lembrar que, dentre as metrópoles do nível c, de

acordo com a REGIC, Goiânia apresenta as menores taxas de valor adicionado na indústria,

nos serviços e na administração pública, ou seja, só lidera na taxa de valor adicionado à

agropecuária.

Por fim, a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) apresentava um percentual

de 15 % de desocupados, no ano de 2000. O diferencial da RMPA, com relação às outras

metrópoles em questão, é a participação dos serviços em sua economia e na participação

da população com emprego nessa área, revelando, dessa forma, uma maior independência

da atividade econômica capitalista típica do século XX, a saber, a instalação de parques

industriais.

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CONCLUSÃO Após verificar os processos de consolidação de uma metrópole, e por conseqüência,

de um dos principais “nós” da rede urbana nacional, tanto por ser a terceira maior

aglomeração metropolitana do país, em termos populacionais, quanto por possuir uma gama

de indústrias, serviços e centros de pesquisa encontrada em poucos pontos do território

nacional, podemos afirmar que a Região Metropolitana de Belo Horizonte sofre reflexos

tanto dos interesses inerentes da economia global (o que se refletiu em taxas elevadas de

desemprego no final do século XX), como, em escala local, tem que administrar tais

conseqüências em seu território.

Os diferentes níveis de desemprego entre as metrópoles com a mesma hierarquia

apenas reforçam as características locais como reprodutora do espaço urbano, sempre

articulando interesses regionais e globais, para o crescimento da economia. Ponto negativo

de tal fato é que tal crescimento das áreas metropolitanas, num viés econômico, não agrega

boa parte da população, principalmente a de baixa qualificação, que fica dependente de

surtos de crescimento para conseguir alguma ocupação.

Resolver tal situação não é fácil, pois é de nosso conhecimento que o Brasil é um

país subdesenvolvido, e que por isso se apresenta mundialmente muito mais como reflexo

dos interesses capitalistas mundiais que ator decisivo de suas políticas públicas, inclusive

urbanas. Uma alternativa seria os meios de gestão metropolitana tornarem-se mais

democráticos, transparentes, e ter a concepção de que problemas metropolitanos não

seguem os limites territoriais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORREA, R. L. Rede urbana. São Paulo: Àtica, 1989. ________, R. L. A rede urbana brasileira e sua dinâmica: algumas reflexões e questões. Urbanização e cidades: perspectivas geográficas. Maria Encarnação Beltrão Sposito (org). Presidente Prudente: UNESP-FCT, 2001. COSTA, H. S. M.; PEIXOTO, M. C. D. Dinâmica imobiliária e regulação ambiental: uma discussão a partir do eixo sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Revista brasileira Est. Pop., São Paulo, v. 24, n. 2, p. 317-336, jul./dez. 2007. GEORGE, Pierre. Geografia Urbana. São Paulo: Difel, 1983. GRAZIANO, José. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas/SP: Ed. Da UNICAMP, 1998. ROLNIK, Raquel.;SOMEKH, Nadia. Governar as metrópoles: dilemas de recentralização. São Paulo em perspectiva. São Paulo, 2000. SOUZA, M. L.; RODRIGUES, G. B. Planejamento urbano e ativismos sociais no Brasil. São Paulo, Editora UNESP, 2004.

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ARAÚJO, André L. A relação entre expansão urbana e ocupação na Região Metropolitana ...

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A CENTRALIDADE URBANA NA ZONA NORTE DE LONDRINA – PR1

Andréa Rodrigues dos Santos Beidack [email protected]

Universidade Estadual de Londrina

RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar os diferentes caminhos pelos quais a zona norte de Londrina teve suas funções urbanas realocadas adquirindo intensa centralidade no contexto econômico da cidade. Procurar-se-á focalizar as diferentes articulações entre os agentes responsáveis pela produção do espaço urbano da zona norte, como o Estado, o capital privado e a classe trabalhadora. A zona norte de Londrina começou a ser produzida no final dos anos de 1970, a partir da construção de gigantescos conjuntos habitacionais distantes do centro da cidade e carentes de infra-estrutura, com a dotação de infra-estrutura e a instalação de equipamentos de consumo coletivo, o capital privado encontrou possibilidades de investimento nesta porção da cidade. A rápida expansão físico-territorial e econômico-social que adquiriu a zona norte, levou à necessidade de um subcentro para atender o intenso e exigente mercado consumidor que passou a ocupar esta porção da cidade, adquirindo então a zona norte, uma forte centralidade no contexto econômico da cidade, a partir da atração de uma variedade de atividades ligadas principalmente ao comércio e prestação de serviços.

INTRODUÇÃO

Apresenta-se nesse artigo, uma discussão sobre a centralidade da zona norte de

Londrina, representada pelo subcentro da Avenida Saul Elkind, levando-se em conta os

elementos que contribuíram para a sua consolidação e os motivos que possibilitaram sua

expressividade no contexto econômico da cidade e, em especial, da zona norte.

A formação do subcentro da Avenida Saul Elkind está relacionada ao processo de

produção do espaço urbano da zona norte de Londrina, iniciado nos final da década de 1970

com a atuação do Estado a partir da produção dos conjuntos habitacionais, distantes do

centro da cidade e carentes de infra-estrutura; rapidamente, após a dotação de infra

estrutura, a zona norte passou a ser alvo do capital privado na implantação de loteamentos

e nos investimentos nos setores industrial, comercial e prestador de serviços.

Nos dias atuais, tendo em vista o grande crescimento físico-territorial e econômico-

social que adquiriu esta porção da cidade, é evidente as mudanças no padrão de moradias

nos conjuntos habitacionais e nos loteamentos da iniciativa privada, resultado da mudança

de conteúdo social e do aumento do poder aquisitivo de boa parcela da população da zona

norte, fatores estes apontados como responsáveis pela atração dos investimentos de

capitais em atividades comerciais e prestadoras de serviços nesta porção da cidade. Tendo

em vista o potencial de compra do mercado consumidor, o capital sente-se atraído a investir

nesses locais onde estão concentrados além do mercado consumidor, a mão de obra

necessária ao processo produtivo.

1 Este artigo é parte da Dissertação de Mestrado que está sendo desenvolvida junto ao Programa de Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Estadual de Londrina, sob o título: Análise da Produção do Espaço Urbano de Londrina/PR: de cincão à zona norte – 1970 – 2007, sob a orientação da Profa Dra Tânia Maria Fresca..

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BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR

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Tendo em vista a grande importância que exerce a centralidade no processo de

produção do espaço urbano da zona norte, tentaremos aqui fazer uma análise sobre a

centralidade na zona norte e a formação do subcentro da Avenida Saul Elkind, inserido no

processo de estruturação urbana do espaço londrinense2.

ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL SOBRE A CENTRALIDADE URBANA

Sendo a centralidade urbana fruto das ações sociais no espaço urbano da cidade,

do espaço entendido enquanto produto, condição e meio para e das ações socialmente

estabelecidas, é importante recorrer-se à formação econômico social e espacial (SANTOS,

1982), para quem esta categoria diz respeito à evolução das sociedades em suas relações

de produção, ou seja, o seu trabalho de transformar o espaço com o qual se confronta.

Segundo Silva (2006), temos o espaço como elemento que atribui nexo às relações

que estruturam a formação sócio espacial que, por sua vez, é inexoravelmente relacionada

às formações econômicas e sociais e que, pela mesma lógica, representam recortes da

totalidade do modo de produção. O espaço realiza e é realizado pelo social, sendo

absolutamente indissociável da sociedade por ser a sua possibilidade de concretude,

condição e variável de existência e resultados das suas ações.

A cidade capitalista é o lugar privilegiado de ocorrência de uma série de processos

sociais, entre os quais a acumulação de capital e a reprodução social têm importância

fundamental. Entre processos sociais, de um lado, e as formas espaciais de outro, aparece

um elemento mediatizador que viabiliza que os processos sociais originem as formas

espaciais. Esse elemento viabilizador constitui-se em um conjunto de forças atuantes ao

longo do tempo, postas em ação pelos diversos agentes modeladores, e que permitem

localizações e relocalizações das atividades e da população na cidade. São os processos

espaciais, responsáveis imediatos pela organização espacial desigual e mutável da cidade

capitalista (CORRÊA, 1989).

De acordo com o autor, trata-se de uma expressão empregada por geógrafos para

tentar dar conta do que ocorre no espaço ao longo do tempo. Visto como um conceito

geográfico, tem sido considerado de modo inadequado: ora é visto como sinônimo de

deslocamento, como a jornada para o trabalho ou fluxos de bens e serviços sobre o espaço

de uma dada região. A verdade é que estes processos espaciais irão gerar, dentre várias

formas, a centralização e a área central e também a descentralização e os núcleos

secundários ou subcentros, processos estes bastante aparentes na cidade de Londrina e na

zona norte.

2 Para um aprofundamento no tema referente à centralidade e estruturação urbana de Londrina, é imprescindível a leitura das obras de Silva (2002) e Silva (2006).

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Centros principais e a estruturação do espaço urbano expressam centralidades em

diferentes níveis e dimensões que muitas vezes extrapolam a escala de seus espaços

urbanos, articulando as cidades, na rede urbana regional, em algumas cidades ocorre a

concentração das atividades urbanas, ligadas à localização dos meios de consumo

coletivos, e em outras, como é o caso de Londrina, ocorre a dispersão dessas atividades

(SILVA, 2006).

O Centro Principal da cidade, considerado um elemento da estrutura urbana, para

Castells (1983), designa ao mesmo tempo um local geográfico e um conteúdo social, é o

espaço que permite além das características de sua ocupação, uma coordenação das

atividades urbanas, uma identificação simbólica e ordenada destas atividades e, daí, a

criação das condições necessárias à comunicação entre os atores.

É o local onde se faz as trocas e de onde se coordena as atividades

descentralizadas, onde se concentra as atividades ligadas ao Central Business District,

como o comércio e a gestão administrativa, financeira e política. Existe, no entanto, uma

troca de bens e serviços, além de coordenação e direção de atividades descentralizadas,

complementou Castells.

O centro é esta parte da cidade onde estão implantados serviços que se endereçam

ao maior número de consumidores ou a usuários específicos, e a proximidade espacial não

intervém absolutamente na utilização dos serviços oferecidos (CASTELLS, 1983, p. 273). A

facilidade na acessibilidade faz com que essa área possa emergir dentro da grande cidade,

dado o esquema centralizador dos meios de transporte.

Para Castells (1983) O que se assiste cada vez de forma mais intensa, é uma perda

do papel propriamente comercial do centro da cidade, à medida que a cidade se estende,

que a mobilidade dos cidadãos aumenta e que se desenvolvem outras formas de compra,

além do contato direto. O centro da cidade mantém uma função de troca altamente

especializado, quando esta função se descentraliza é que o velho centro urbano se define

cada vez mais por seu papel de gestão e de informação.

A desconcentração da função comercial conduz à criação de novos centros de troca,

servindo às áreas urbanas determinadas, ou aproveitando-se de uma situação na rede dos

fluxos cotidianos da metrópole (CASTELLS, 1983, p. 281). É o que se observa em Londrina,

onde a Zona Norte passou a receber a instalação de meios de consumo coletivo e devido à

distância em relação ao Centro Principal, uma concentração de estabelecimentos

comerciais e prestadores de serviços, constituindo aos poucos um subcentro.

Os subcentros são designados por Villaça (2001, p. 293) como “[...] aglomerações

diversificadas e equilibradas de comércio e serviços, que não o centro principal”. Consistem,

portanto, numa réplica em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em

parte, sem, entretanto, a ele se igualar. Atende aos mesmos requisitos de otimização de

acesso apresentados anteriormente para o centro principal. A diferença é que o subcentro

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BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR

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apresenta tais requisitos apenas para uma parte da cidade, e o centro principal para toda a

cidade.

A CENTRALIDADE URBANA NA ZONA NORTE DE LONDRINA

Logo após sua gênese, marcada a partir da intensa construção dos conjuntos

habitacionais na segunda metade dos anos de 1970, a zona norte de Londrina lentamente,

por reivindicações populares, passou a receber a instalação de meios de consumo coletivos

e, devido à distância em relação ao centro principal, uma grande concentração de

estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.

De início, por se tratar de uma área popular e de baixa mobilidade em virtude das

dificuldades de transporte, os estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços que

foram se instalando, eram de propriedade dos moradores locais, que construíam o pequeno

comércio em frente de suas casas ou nos quintais, buscando abastecer a população com

produtos de primeira necessidade.

Em princípio, o comércio era rudimentar, pequenos estabelecimentos, como lojas de

artesanato, bares, depósitos de materiais de construção, chaveiros, mercearias, entre

outros, localizados especialmente na Avenida Saul Elkind. À medida que houve a

implantação de infra-estrutura, a área foi sendo valorizada, e houve a instalação de filiais

dos estabelecimentos do centro principal de Londrina.

É na Avenida Saul Elkind, uma das principais vias da zona norte, que foi criado um

subcentro na cidade de Londrina, resultado da descentralização dos serviços do centro

principal, associada entre vários fatores, ao crescimento da cidade, tanto em termos

demográficos como espaciais, ampliando as distâncias entre a Área Central e as novas

áreas residenciais (CORREA, 1989).

A origem da Saul Elkind se confunde com a origem da zona norte e remonta aos

anos de 1970,

Depois da geada de 1975, decretando o fim da velha cafeicultura, a Região Norte que já tinha seus primeiros conjuntos habitacionais, receberia as grandes levas de migrantes rurais, surgindo a Saul Elkind, predestinada a ser um fenômeno comercial que continua a se firmar com a típica rapidez londrinense (LONDRINA, 2002).

De acordo com Santos (2004) a Avenida Saul Elkind teve sua gênese articulada ao

planejamento realizado pela Cohab-Ld quando do início da produção dos Cinco Conjuntos.

Tratava-se, no entanto, de uma avenida de pequena extensão que tinha por objetivo servir

àqueles primeiros conjuntos habitacionais situados na direção leste dos Cinco Conjuntos.

No mapa a seguir, é possível observar a localização da Saul Elkind e da zona norte de

Londrina.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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À medida que novas terras iam sendo incorporadas ao uso urbano,

gradativamente a avenida ia sendo estendida no sentido leste-oeste, até alcançar a

extensão atual. Nos dias atuais, toda a sua extensão é pavimentada e possui 2 pistas,

sendo de uma pista apenas no seu extremo oeste, nas proximidades do jardim São

Jorge, onde o espaço urbano se confunde com o rural.

Conforme dados da Secretaria de Obras e pavimentação da Prefeitura de

Londrina, a avenida começou a ser pavimentada e duplicada no ano de 1979,

coincidindo, quase sempre, com a entrega dos conjuntos habitacionais pela Cohab-Ld. À

medida que a infra-estrutura foi sendo implementada, novas vias públicas de acesso ao

Centro Principal foram sendo construídas, a zona norte e a Avenida Saul Elkind ia sendo

firmadas como importante local de circulação de mercadorias e reprodução do capital,

reforçando sua constituição como área central3 (mapa 1).

Mapa 1: Localização da zona norte de Londrina e da Avenida Saul Elkind

3 Apesar de tratarmos a zona norte toda a área situada ao norte da BR-369, é importante dizer que existem várias áreas em que o comércio se desenvolve intensamente, mas nenhuma delas exerce o grau de centralidade como aquele apresentado pela Avenida Saul Elkind, por este motivo, trataremos mais especificamente da Saul Elkind e suas adjacências.

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Importante ressaltar também a presença de dois terminais de transportes coletivos,

o Terminal do Vivi Xavier e do Milton Gavetti, elementos importantes no âmbito da análise

da acessibilidade como um dos elementos reestruturadores do espaço urbano, pois o

transporte coletivo urbano contribui para a formação das áreas centrais, pois facilita o

deslocamento e permite que as pessoas morem longe de seus locais de trabalho e de

consumo. A melhoria dos transportes, não só o coletivo como também o individual, reforçam

a formação de novas centralidades.

Vale enfatizar que a descentralização do transporte coletivo em Londrina começou

em 1992, com a construção dos terminais de integração – de bairro. “Temos uma tendência

de formação e reforço da centralidade nas áreas onde estes se instalaram, pois houve a

modificação dos fluxos internos no espaço urbano e modificando a própria estruturação do

espaço urbano” (SILVA, 2002, p. 66).

Pesquisa recente da Companhia Municipal de Transito e urbanização destacou que

aumentou o acesso ao transporte coletivo em Londrina e a zona norte lidera com 43% dos

acessos. Segundo reportagem da Folha Norte (AUMENTA, 2008) os ônibus que fazem o

transporte coletivo urbano de Londrina registraram uma média de 3,53 milhões de acessos

de passageiros por mês em 2007. Com cerca de 150 mil habitantes, a zona norte é a que

mais utiliza o transporte coletivo em londrina, totalizando a média 1.532.670 acessos por

mês em 2007, índice que equivale a 43% do total registrado em toda a cidade no mesmo

período. “Atualmente, 112 ônibus percorrem o itinerário das 27 linhas que cobrem a região e

transportam diariamente cerca de 50 mil passageiros”, revela Wilson Santos de Jesus,

gerente de trânsito da CMTU.

Ainda na década de 1980, a Avenida Saul Elkind já despontava como local de

concentração de bares, restaurantes, festas, etc, para o lazer familiar e pessoal. No final dos

anos de 1980, muita coisa já havia mudado: dotação infra-estrutura, equipamentos coletivos,

ampliação no número de estabelecimentos comerciais e prestação de serviços na Saul

Elkind, preconceituosamente denominada de “Higienópolis dos pobres”4.

A partir da década de 1990, uma nova dinâmica se estabeleceu na zona norte: a

mesma passou a ser alvo de importantes investimentos em comércio e prestação de

serviços, dezenas de empresas situadas no centro da cidade, encontraram na zona norte,

em especial na Saul Elkind, possibilidades de lucros maiores.

Nos anos de 1990, a chegada de duas unidades produtivas, a Dixie Toga e da

Elevadores Atlas, ambas transferidas de São Paulo em 1997 e 1998, acabou favorecendo

novos investimentos em diferentes atividades nesta direção da cidade, uma vez que

provocou alterações no mercado imobiliário, mediante a expectativa de chegada de novos 4 Higienópolis é uma avenida que corta a região central de Londrina, no sentido norte-sul, composta por edifícios residenciais de alto padrão, comércio, serviços e equipamentos urbanos altamente seletivos. Sendo assim, a Saul Elkind passou a receber esta denominação numa alusão preconceituosa à Avenida Higienópolis (THEODORO, 1989).

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moradores transferidos de São Paulo, geração de empregos e faturamento de tributos. Tem-

se aí a atuação do Estado alterando a produção interna da cidade, à medida que cria área

de expansão, afeta artificialmente os preços do mercado imobiliário e cria infra-estrutura que

valoriza indiretamente áreas ainda não ocupadas (FRESCA, 2002).

Após a chegada dessas unidades produtivas, em seguida, houve a construção do

Hipermercado Muffato, em 2001, além de dezenas de outras unidades ligadas a diferentes

ramos industriais, comerciais e prestadores de serviços.

Segundo Everton Muffato, diretor do grupo, em entrevista ao Jornal Folha Norte

(GRUPO, 2008), quando o grupo abriu a loja da Saul Elkind, todo mundo falava que não

teria mais investimentos nos Cinco Conjuntos. Na época, a cidade passava por um período

turbulento na política. “Mas nós, como sempre fizemos, acreditamos na cidade e,

principalmente na região norte”. Construindo o Muffato da Saul Elkind,

[...] levamos um hipermercado e mais produtos de um completo centro comercial. Com isso, investimos no futuro da região. Hoje, os frutos mostram que estávamos mais do que certos. Nossa loja na região norte é uma das principais do grupo, dá a mesma média de retorno que as outras. Na verdade, os moradores dos Cinco Conjuntos foram os responsáveis por levar o Muffato ao top de marcas (Depoimento de Everton Muffato à Folha Norte EM 2008 (GRUPO, 2008)).

Hoje, quem faz um rápido passeio pela Avenida Saul Elkind não tem dificuldade

para adquirir bem ou contratar serviço. A principal via comercial dos cinco conjuntos, além

de outras ruas oferecem estabelecimentos de comércio, serviços e lazer que suprem todas

as necessidades dos cerca de 150 mil moradores da área.

Confecções, calçados, eletrodomésticos, móveis, materiais de construção, beleza e

cosméticos, serviços de saúde, alimentação, tudo pode ser encontrado na área, facilitando a

vida do consumidor que não precisa se deslocar até o centro da cidade.

De olho nesse mercado consumidor, grandes redes nacionais e regionais como o

Boticário, no setor de cosméticos; no setor de móveis e eletrodomésticos encontram-se o

Magazine Luiza, Lojas Colombo, Móveis Romera, Móveis Brasília; no setor de calçados,

Bolivar Calçados, Casas Ajita, Mocassim Calçados; no ramo de medicamentos, destacam-

se a rede de farmácias Vale Verde, Drogamais e Nissei, entre outros ramos como

alimentício, vestuário, bares e restaurantes, matérias de construção, etc.

Adalberto Bueno, supervisor regional do grupo Colombo disse que a opção pela

Saul deve-se “[...] à importância econômica da região norte, que dispõe de comércio e

parque industrial fortes”. “A região tem economia própria e população maior do que a de

muitas cidades do estado, além disso, muitos dos seus moradores já são nossos clientes”

(REGIÃO, 2008).

No setor de prestação de serviços, destacam-se um posto de serviço da Sercomtel

(Serviço de Telecomunicações de Londrina), da Sanepar (Companhia de Saneamento do

Paraná), da Copel (Companhia Paranaense de Energia Elétrica), laboratórios de análises

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clínicas, clínicas médicas, odontológicas e veterinárias, escritórios contábeis, advocacia,

cartório, escolas de inglês e informática, oficinas elétricas e mecânicas, eletrônicas, postos

de gasolina, lotéricas, só para citar alguns exemplos. Importante ainda mencionar a

presença de uma emissora de rádio, a Cincão FM, situada no Conjunto Habitacional Violim.

Entre as atividades relacionadas ao lazer, dentre as formas presentes na zona

norte, citam-se alguns clubes como o Primavera e o Maria Cecília, os Lagos Cabrinha e

Lago Norte, dezenas de bares e restaurantes além da presença do Estádio do Café, o

Autódromo Ayrton Senna e o Cartódromo, estes abrangendo uma escala mais regional.

Não se esquecendo do setor bancário, já bastante intenso na zona norte, sendo

marcante a presença de agências como a do Banco Itaú, o Bradesco, a Caixa Econômica

Federal, já quase em fase de inauguração uma agência do Banco do Brasil além de

diversos caixas eletrônicos implantados no Super Muffato e nas proximidades do Terminal

do Vivi Xavier.

O superintendente regional da CEF, Sr Roberto Luiz Bachmann, comentou em

entrevista à Folha Norte (REGIÃO, 2008) que a instituição decidiu instalar uma de suas

unidades após estudar o potencial da área.

Antes de nos instalarmos lá, já tínhamos realizado uma análise do cenário de pujança da região norte, quando a população ainda estava nos 100 mil hab. E, a partir dessa análise, acreditamos na zona norte e fomos o primeiro banco a instalar uma agência lá.

Segundo o arquiteto Fausto Lima da UEL, que estuda o fenômeno do

crescimento econômico da zona norte, o mercado busca áreas com potencial de

consumo. “Só há abertura de bancos, filiais de lojas tradicionais, supermercados e

boutiques, atração de médicos, dentistas, advogados, quando a região é atraente para

esses segmentos” (REGIÃO, 2008). As fotos 1 a 3 mostram algumas das atividades

comercias e prestadoras de serviços presentes na Saul Elkind.

Para Marcelo Cassa, presidente da ACIL (Associação comercial e Industrial de

Londrina), o comércio da cidade é muito diversificado e além das lojas do centro e dos

shoppings, o setor é bastante forte nos bairros. “Entre todos os comércios de bairro,

observamos que a região norte possui o mais desenvolvido de Londrina”. Observou

Cassa ainda, em entrevista à Folha Norte (REGIÃO, 2008), que uma das prioridades no

ano de 2008 era reunir novos associados, entre eles os comerciantes da zona norte.

Aos domingos, a Avenida Saul Elkind transforma-se em local de comércio, serviços

e lazer, através da feira livre (foto 4), a maior em extensão física, volume de mercadorias

e de pessoas da cidade, beneficiando consumidores, feirantes e comerciantes locais, que

abrem seus estabelecimentos em resposta à circulação de pessoas e de capital

impulsionados pela feira.

De acordo com Santos (2004), a feira livre da Saul Elkind surgiu no início da

década de 1980, entre os anos de 1982 e 1983, no bojo do processo de construção de

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vários conjuntos habitacionais no norte da cidade; desempenhando desde o seu início,

um importante papel no abastecimento de produtos hortifrutigranjeiros para a população

residente naquela porção da cidade.

Fotos 1 e 2: Vista da Avenida Saul Elkind em uma tarde de domingo. Observa-se a grande concentração de atividades comercias e prestadoras de serviços típicas da área central, como uma filial do Banco Bradesco, Darom Móveis, Móveis Romera, Magazine Luiza, Banco Itaú,entre outras. Fonte: Beidack (2009)

Fotos 3 e 4: À esquerda, um conjunto de pequenas galerias compõem o Shopping Topázio, situado no subcentro da Avenida Saul Elkind. Destacam-se os ramos de estética e beleza, ótica e relojoaria, serviços odontológicos, vendas de motos, entre outros. À direita, a feira livre é uma opção de compras e lazer. Centenas de barracas se espalham por três diferentes setores: feira do produtor, hortifrutigranjeiros e camelôs. Consumidores, feirantes, vendedores ambulantes e comerciantes locais se beneficiam dessa importante atividade. Fonte: Beidack (2009)

Com a rápida expansão físico-territorial e populacional da zona norte, a feira também

adquiriu maior importância e expandiu-se em número de barracas. Atualmente, comporta

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três setores distintos: hortifrutigranjeiros, camelôs e feira do produtor, dispostos em 11

quarteirões, além dos diversos vendedores ambulantes que percorrem toda a sua extensão,

vendendo produtos diversos, como brinquedos, redes, queijos, castanhas, roupas, calçados,

entre outros.

A feira livre proporciona renda para dezenas de trabalhadores que sobrevivem dessa

atividade, é fonte de abastecimento alimentar para a população, gera empregos informais,

além de contribuir para o desenvolvimento econômico da zona norte.

Segundo Santos (1979, p. 29) as modernizações atuais nos países do Terceiro

Mundo criam um número limitado de empregos, visto que as indústrias instaladas são de

alto coeficiente de capital. Quanto à agricultura, ela também vê diminuir os seus efetivos, ou

porque é atrasada ou porque está se modernizando. Por estes motivos, existe uma

porcentagem elevada de pessoas que não têm atividades nem rendas permanentes. A

existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou vivendo de atividades

ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas muito elevadas, cria na sociedade uma

divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços e

aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não tem condições de satisfazê-las.

Isso cria diferenças qualitativas e quantitativas no consumo. Essas diferenças são a causa e o efeito da existência, ou seja, da criação ou da manutenção, nessas cidades, de dois circuitos de produção, distribuição e consumo dos bens e serviços.

O circuito superior e o inferior da economia convivem juntos na dinâmica econômica

da zona norte, de um lado, um setor moderno, com alto uso de tecnologia e organização,

constituído pelos bancos, comércio e indústria de exportação, indústria urbana moderna,

serviços modernos, atacadistas e transportadores; e, de outro lado, o circuito inferior,

constituído essencialmente por formas de fabricação não “capital intensivo”, pelos serviços

não modernos fornecidos “a varejo” e pelo comércio não moderno e de pequena dimensão

(SANTOS, 1979, p. 30). Destaque para os numerosos vendedores ambulantes que vendem

uma gama cada vez mais variada de produtos industriais e as diversas outras formas de

trabalho informal que se desenvolvem na zona norte, carrinhos de caldo de cana e barracas

e carrinhos de cachorros quente, entre outros.

Outro importante elemento impulsionador dos investimentos da iniciativa privada na

zona norte, no que se refere à abertura de loteamentos e atividades ligadas aos setores

industrial, comercial e prestadores de serviços, foi a duplicação da Rodovia Carlos João

Strass, que faz a ligação da zona norte com o centro principal da cidade e a zona sul e, no

outro extremo, liga Londrina às cidades vizinhas como Sertanópolis, Primeiro de Maio, entre

outras.

A referida rodovia proporcionou fluidez ao tráfego, facilitou o acesso e o fluxo de

veículos, serviu para atrair novos investimentos e favoreceu a especulação e a conseqüente

valorização imobiliária. Disse o empresário Raul Fulgêncio em entrevista à Folha Norte

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(REGIÃO, 2008) “[...] uma avenida com toda a infra-estrutura, acelera o processo de

valorização do imóvel”.

O Estado, como responsável pelo provimento de boa parte dos serviços urbanos,

essenciais tanto às empresas como aos moradores, desempenha importante papel na

determinação das demandas pelo uso de cada área específica do solo urbano e, portanto,

de seu preço. Sempre que o poder público dota uma zona qualquer da cidade de um serviço

público, ele desvia para esta zona demandas de empresas e moradores. Estas novas

demandas estão preparadas a pagar pelo uso do solo, em termo de compra ou aluguel, um

preço maior do que quando esta ainda não dispunha do serviço. Daí a valorização do solo

nesta zona (SINGER, 1979).

Segundo o autor, as transformações no preço do solo acarretadas pela ação do

Estado são aproveitadas pelos especuladores, quando estes têm possibilidade de antecipar

os lugares em que as diversas redes de serviços urbanos serão expandidas. Porém, esta

antecipação nem sempre é factível e quando o é a concorrência entre os especuladores

pode forçar a elevação do preço antes que o melhoramento previsto se realize, é o que

Rangel (2004) denomina de Quarta Renda, auferida em virtude da expectativa de

valorização.

Para Villaça (2001) seja no espaço intra-urbano, seja no regional, a estrutura

espacial advém das transformações dos pontos, entre eles, da melhoria da acessibilidade.

Isso ocorre, seja na exploração das terras valorizadas pelas ferrovias através das

companhias de colonização, seja nas grandes obras urbanas que introduzem novas

acessibilidades. Estas, variam de acordo com os veículos utilizados. Continuou o autor:

Sendo os transportes intra-urbanos os maiores determinantes das transformações dos pontos, as vias de transporte têm enorme influência não só no arranjo interno das cidades, mas também sobre os diferenciais de expansão urbana (VILLAÇA, 2001, p. 79 – 80)

Inúmeros barracões industriais começaram a ser instalados às margens da rodovia

Carlos Strass após sua duplicação. Além das iniciativas de pequenos empresários, o acesso

proporcionado pela Strass já rendeu dois grandes empreendimentos à zona norte: o

Londrina Norte Shopping, do grupo Catuaí, além do Maxi atacado, do grupo Wal-Mart. O

modelo de negócio foca as classes C e D e os pequenos comerciantes.

Liderado pelo empresário Alfredo Khouri, o grupo Catuaí planeja construir o

Londrina Norte Shopping (fotos 5 e 6), impulsionando o desenvolvimento da zona norte,

após impulsionar o crescimento da zona sul de Londrina com a construção do Catuaí

Shopping, há 18 anos. Segundo o empresário Alfredo Khouri, o grupo decidiu investir na

zona norte depois de comprovar que esta já estava consolidada como um dos principais

pólos de desenvolvimento dentro do município. Comentou Khouri durante entrevista à Folha

Norte (GRUPO, 2008):

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Fotos 5 e 6: Área em que será construído o futuro Londrina Norte Shopping do Grupo Catuaí Khouri. O local possui ótima acessibilidade, próximo à Rodovia Carlos Strass e ao Terminal Urbano do Milton Gavetti, tem uma ótima vista do centro da cidade e situa-se em uma das áreas mais valorizadas da zona Norte. Fonte: Beidack (2009)

[...] é uma próspera região da cidade, que tem excelência na qualidade de vida. O povo que mora aqui é extremamente próspero e trabalhador. Por isso, queremos participar do crescimento da região norte, assim como temos participado na região sul (GRUPO, 2008).

O empresário disse ainda que o alto número de cadastros de moradores da zona

norte nas lojas do Catuaí Shopping, foi outro indicador que havia espaço para o

empreendimento.

Sob a influência da duplicação da Carlos Strass, destaca-se ainda a construção do

Planet Shopping, planejado e construído pela Metacom Engenharia. Ocupa uma área nobre

na Avenida Saul Elkind, possuindo 7.400m2 ao lado do Super Muffato, constituindo uma de

suas principais âncoras, juntamente com as Lojas Americanas. Em entrevista à jornalista

Helenida Tauil, ao programa Empresas & Negócios (PLANET, 2008), o empresário Renato

Fogaça, responsável pela criação, desenvolvimento e planejamento do empreendimento,

ressaltou que durante muito tempo, a zona norte ficou caída no esquecimento, “[...] as

pessoas de um modo geral não tinham olhos para ela, agora ela desponta como uma

grande oportunidade de investimento, com crescimento econômico notável”.

Acrescentou Fogaça que sendo uma das áreas mais populares da cidade, tornou-se

um centro de consumo muito intenso, representando, nos dias atuais, em torno de 40% da

economia da cidade. Além do mais, “[...] o shopping está situado em uma posição

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estratégica, em uma área que possui uma população de aproximadamente 150 mil

habitantes”. “[...] houve um crescimento do poder de compra das comunidades populares,

com o aumento do salário e a expansão do crédito”, além disso, a zona norte é considerada

uma porta de entrada para outros municípios vizinhos por meio da rodovia Carlos Strass e

um pólo industrial da cidade de Londrina5, comentou o empresário Renato Fogaça.

A desconcentração da função comercial conduz à criação de centros de trocas

periféricos, servindo às áreas urbanas determinadas, ou aproveitando-se de uma situação

na rede dos fluxos cotidianos da metrópole. Dependendo destes centros comerciais

periféricos serem puramente funcionais ou se introduzirem no tecido das relações humanas,

eles podem impulsionar o desenvolvimento urbano. Os shopping-centers ao longo de uma

auto-estrada, com facilidades de estacionamento, representam um dos fatores essenciais da

difusão urbana. A desconcentração geográfica da função comercial exprime, muitas vezes,

o desaparecimento do pequeno comércio, sua substituição pelas cadeias de grandes

mercados, com divisão técnica social e espacial da gestão e da venda, padronização dos

produtos e um espaço quadricular em termos de distribuição (CASTELLS, 1983).

O conhecido Mix que almejam os shoppings centers, compreendido como sendo a

variedade equilibrada, significa reduzir o número de deslocamento dos clientes. Quanto

maior a variedade de comércio e serviços existentes em um centro, menor o número de

viagens que o consumidor precisa fazer para ter todas as suas atividades atendidas. O mix

é resultado de várias pesquisas e imposto pelos promotores do empreendimento (capital

imobiliário e financeiro) aos comerciantes (capital mercantil) (VILLAÇA, 2001). O consumidor

que faz suas compras no Super Muffato, utiliza os bancos que aí se encontram, paga suas

dívidas, freqüenta o Planet Shopping para fazer compras e se alimentar, ou seja, ele realiza

diversas atividades em um único local (foto 7).

Por último, é importante também citar a presença do grupo multinacional Wal Mart,

que instalou uma loja na Avenida Saul Elkind, com a bandeira Maxxi (foto 8), em uma área

ao lado do Super Muffato. A unidade disponibiliza cerca de 6 mil itens com preços 5%

abaixo da concorrência no atacado e até 5% menores no varejo. O investimento é de 40

milhões na obra, que terá 5 mil m2 de área de vendas e empregar 200 funcionários.

Sobre este empreendimento na zona norte, o então Prefeito Nedson Micheleti

ressaltou em entrevista à Folha Norte (NOVAS, 2008) que o local apresenta uma grande

infra-estrutura e por isso houve um crescimento econômico nesta direção da cidade. “Uma

das principais obras foi a duplicação da Carlos Strass que, além de melhorar o acesso entre

os bairros e o centro da cidade, ainda atraiu o setor privado para a região”. O prefeito

5 Ressaltou o empresário Renato Fogaça que pesquisas conformaram que o PIB da zona norte é de 1,1 bilhão por ano. Este levantamento é importante para traçar um perfil do mercado e, com base nos dados, definir o porte de um empreendimento e o mix de produtos que serão comercializados nas regiões com mais potencial.

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acrescentou que as obras de infra-estrutura são fundamentais para que os empresários

possam investir mais no município “[...] o sucesso deles em londrina é o sucesso da cidade”.

Fotos 7 e 8: À esquerda, vista do Planet Shopping, situado na Avenida Saul Elkind. O Planet é um shopping aberto, conta com um diversificado mix de lojas, possui praça de alimentação ampla e coberta e tem como âncoras o Hipermercado Super Muffato e as Lojas Americanas. À direita, vista do Maxxi Atacado da Rede Wal Mart; por ter a característica de comercializar no atacado e no varejo, atrai consumidores e comerciantes de Londrina e cidades vizinhas. Fonte: Beidack (2009)

A produção do consumo coletivo não é assegurada pelo capital, e sim pelo Estado,

mas em conformidade com os interesses específicos e gerais do capital. Esses bens são

necessários à reprodução da força de trabalho e/ou à reprodução das relações sociais,

sem o que eles não seriam produzidos. Enfim, o Estado contribui para aumentar a taxa

de lucro do setor privado (CASTELLS, 1983).

A centralidade expressa o resultado da produção do espaço urbano da zona norte,

que só aconteceu devido a atuação de um grande número de agentes como os proprietários

fundiários, as construtoras, as imobiliárias, os industriais, a população residente e o Estado

que, sem dúvida, exerceu um duplo e contraditório papel de agente e mediador no processo

de gestão do solo urbano, na medida em que se reservou os encargos sociais de

desenvolvimento urbano; portanto, além de ser um mediador, ele foi também um agente

modelador do uso do solo, como executor de políticas públicas no controle de seu uso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para sintetizar o que abordou-se neste artigo, cabe ressaltar que diante de todo

esse processo de transformações econômico sociais e físico-territoriais na zona norte, esta

adquiriu uma forte centralidade no contexto econômico da cidade, sendo esta centralidade a

expressão da importância da dinâmica de produção do espaço urbano da zona norte.

A criação de um subcentro, emergiu diante do processo de transformações que

gradativamente ocorria na zona norte, para suprir as necessidade de um mercado

consumidor crescente e exigente. Como produto e resultado “[...] de um processo social de

organização do espaço urbano, capaz de exprimir as forças sociais em ação e a estrutura

de sua dinâmica interna” (CASTELLS, 1983), foi se consolidando no espaço urbano de

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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Londrina, o subcentro da Avenida Saul Elkind, exercendo uma forte centralidade no contexto

econômico, oferecendo uma gama complexa de comércio e serviços, incluindo uma grande

variedade de marcas e preços de produtos.

Estamos nos referindo a um subcentro regional que constitui-se “[...] em uma

miniatura do centro principal” (CORRÊA, 1989, p. 51) pois muitas das lojas situadas na

Avenida Saul Elkind são filiais de empresas da área central e muitas delas são filiais de

grandes empresas nacionais e até mesmo internacionais, sendo ainda um importante foco

irradiador do transporte intra-urbano.

A centralidade exercida pela zona norte apresenta tal magnitude em decorrência de

alguns elementos importantes como a densidade populacional, o nível de renda do mercado

consumidor, a sua área de influência, as melhorias no sistema viário, como a duplicação da

Rodovia João Carlos Strass, que passou a ser nó de integração entre a cidade de Londrina

e alguns municípios do norte paranaense, entre outros.

A presença de um shopping Center na Avenida Saul Elkind, inaugurado em 2008 e a

possibilidade de construção de um novo shopping de proporções maiores, dão mais força à

intensa valorização que adquiriu o solo urbano nesta porção da cidade, reforçado pelas

vantagens locacionais, acessibilidade, status social elevado de seus habitantes, atraindo

poderosos interesses imobiliários e comerciais na produção desses empreendimentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUMENTA o acesso ao transporte coletivo: Região norte lidera com 43% dos acessos. Folha Norte de Londrina, Londrina/PR, 12 a 18 abril 2008, ed. 297, a. 7, p. 4. CASTELLS, M. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989. FRESCA, T. M. Mudanças recentes na expansão físico-territorial de Londrina. Revista do Departamento de Geociências, Londrina, v. 11, nº 2, Julho – Dezembro, 2002. GRUPO Catuaí constrói Shopping na Região Norte. Folha Norte de Londrina, Londrina/PR, 15 a 20 mar. 2008, ed. 293, a. 7, p. 3. LONDRINA 68 anos, 25 de cincão: aqui moram a esperança e a mudança. Folha Norte, Londrina/PR, 7 dez. a 13 dez. 2002. Repórter Norte. NOVAS lojas do Wal-Mart vão gerar 500 empregos. Folha Norte de Londrina, Londrina/PR, 10 a 16 maio 2008, ed. 301, a. 7, p. 3. PLANET Shopping será inaugurado em junho. Folha Norte de Londrina, Londrina/PR, 19 a 25 abril 2008, ed. 298, a. 7, p. 3. _________Shopping. Empresas & Negócios. Londrina/PR. TV Cidade - Rede Massa, 2008, Programa de TV.

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BEIDACK, Andréa R. S. A centralidade urbana na Zona Norte de Londrina-PR

600

RANGEL, I. Questão agrária, industrialização e crise urbana no Brasil. Porto Alegre: ed. UFRGS, 2.ed., 2004. REGIÃO norte: o Novo pólo de Londrina. Folha Norte de Londrina, Londrina/PR, 28 de junho a 04 de julho 2008. Caderno Especial – Desenvolvimento, ed. 308, a. 7, p. 5. SANTOS, A. R. A feira livre da avenida Saul Elkind. 2004. Monografia (Bacharelado) Departamento de Geociências, Universidade Estadual de Londrina, Londrina – PR. SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. __________. Sociedade e Espaço: a formação social como teoria e como método. In: Espaço e Sociedade. Ensaios. Petrópolis: Vozes, 1982. SILVA, W. R. Descentralização e redefinição da centralidade em Londrina. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Geografia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente – SP. __________. Para Além das Cidades: centralidade e estruturação urbana – Londrina e Maringá. 2006. Tese (Doutorado) – Departamento de Geografia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente – SP. SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, E. A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979, p. 21-36. THEODORO, A. A Higienópolis dos pobres. Folha de Londrina, Londrina/PR, 07 jan. 1989, p. 11. VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001.

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AÇÕES DO PODER LOCAL, LÓGICAS DE LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL E INDUSTRIALIZAÇÃO EM CIDADES MÉDIAS: UM ESTUDO SOBRE O CASO DE SÃO

JOSÉ DO RIO PRETO - SP

Beatriz Zaineldim Bezerra [email protected]

Estudante de graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP

Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente Bolsista de iniciação científica – FAPESP

Resumo: Neste trabalho procuramos abordar a importância das ações do poder público local – e eventuais práticas associadas a políticas federais e estaduais – que implicam na atração, implementação e incremento de atividades e plantas industriais, portanto propomo-nos analisar facetas tanto do chamado processo de desconcentração industrial, quanto de processos de origem e capital local. Esta investigação recai sobre a industrialização em Cidades Médias, destacando-se a cidade de São José do Rio Preto – SP, onde verificamos ações do Poder Público Municipal no oferecimento de incentivos à instalação e permanência de indústrias. O texto se organiza apresentando um breve histórico do processo de interiorização da indústria, destacando as políticas desenvolvidas naquele município. Interessa-nos estabelecer alguns parâmetros para o estudo de outras cidades médias do Estado. Palavras chave: Desconcentração industrial; Produção do Espaço Urbano; Cidades Médias; São José do Rio Preto – SP. INTRODUÇÃO ALGUNS ELEMENTOS SOBRE O PROCESSO DE DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL E A INTERIORIZAÇÃO DA INDÚSTRIA

(...) a indústria interiorana não é uma novidade, “o novo está na importância industrial que assume o interior paulista e que o coloca como o segundo espaço industrial do país, superado apenas pela Região Metropolitana de São Paulo”. (LENCIONI, 2003, p. 466).

A industrialização do interior do estado não é um fenômeno recente, como evidencia

Lencioni. Já atentando ao censo industrial de 1907 (Cf. NEGRI, 1996, p. 44), podemos

vislumbrar o interior do estado como responsável por 41,8% da produção industrial (indústria

de transformação).

Neste trabalho, quando nos propomos a entender esse processo de industrialização

do interior paulista, retratamos, sobretudo, as mudanças ocorridas a partir da década de 60

do século XX, quando existe uma preocupação acentuada, por parte dos governos federal e

estadual, com os problemas urbanos identificados na metrópole paulista. Como nos

apresenta SPOSITO (2007):

(...) criaram, a partir dos anos 1960, uma série de restrições à instalação de novas plantas industriais na capital e sua região metropolitana, incentivando a migração de indústrias para o interior paulista e outras regiões do país, uma vez que a concentração industrial foi identificada como uma das raízes dos problemas urbanos da metrópole. (p. 18)

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BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...

602

Assim, aumentam-se as deseconomias de aglomeração na Metrópole, ao mesmo

tempo em que Governo Federal e Estadual promovem programas de incentivo e melhoria de

infra-estrutura, pautando-se, sobretudo, o interesse pelo “desenvolvimento” de novas áreas.

Como nos apresenta NEGRI (1996):

O governo federal participou direta e indiretamente das políticas de interiorização da indústria em São Paulo. Indiretamente através dos investimentos em comunicações, resolvendo questões relativas à telefonia (...). Diretamente, mediante alocação de recursos, a fundo perdido, para o Programa de Cidades Médias, com alocação de recursos de financiamento para a ampliação da malha viária estadual, através do BNDES e de aval para financiamentos internacionais nas áreas de transporte e energia. (NEGRI, Barjas; 1996, p. 184)

Seguindo o exemplo federal, em âmbito estadual são adotados planos e programas,

visando o desenvolvimento urbano e regional de São Paulo. Há grande preocupação,

sobretudo para com a construção, ampliação e melhoramento de rodovias, ligando

determinados pontos do Estado; o que, de certa forma, favorecia a diminuição dos custos de

transportes e, em contrapartida, propiciava novas vantagens para a localização industrial.

Por conseguinte, em busca de melhores condições de produção e melhoramento na

produtividade, fugindo das restrições à Metrópole, empresas passaram a destinar suas

unidades fabris para outras regiões capazes de atender às suas necessidades1.

Complementando esse processo, encontramos em alguns municípios, já em

destaque no Estado de São Paulo, elites e o próprio poder público local dispostos a conferir

facilidades à vinda de empresas, envoltos por ideais desenvolvimentistas, por acreditarem

que a formação de um parque industrial seria sinônimo de emprego, renda e mais

investimentos à localidade. Isso implicou em que alguns grupos empresariais fossem

privilegiados com grande poder decisório, influenciando diretamente ações e políticas

públicas. Estes espaços, na maioria das vezes, são cidades médias2, caracterizadas como

centrais, por sua importância na rede urbana. Esse é o tema do próximo tópico,

desenvolvido antes de entrarmos especificamente no caso de São José do Rio Preto/SP.

CIDADES MÉDIAS E CIDADES MÉDIAS PAULISTAS

Segundo Roberto Lobato Corrêa, apenas a partir da segunda metade do século XIX,

com a fase industrial do Capitalismo, é possível conceber a cidade média. (2007, p. 28).

Considera, ainda, que, o padrão anterior, caracterizado por cidades de diversos

tamanhos e pouco articuladas entre si, é substituído por uma rede urbana mais articulada e 1 Ao nos referirmos ao processo de desconcentração industrial, é preciso deixar claro que estamos fazendo menção, principalmente (embora não exclusivamente), às mudanças nos padrões locacionais das unidades de produção - o chamado “chão da fábrica” - já que ainda é na metrópole que, na maioria das vezes, são produzidas as grandes decisões, dada a presença dos escritórios de gestão. 2 Embora tenhamos registros de filiais de grandes empresas em cidades pequenas.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento

603

dotada de centros funcionalmente mais diferenciados entre si. Pode-se, então, falar em

cidades médias. (CORRÊA, 2007, p. 28)

Conceituar cidades médias é ainda um desafio para os pesquisadores. Essa

dificuldade se baseia, sobretudo, no fato de tratar-se de discussões complexas, já que não

estamos falando em espaços homogêneos. Corrêa apresenta três dificuldades principais de

conceituação. A primeira se refere ao tamanho demográfico absoluto:

Duzentos mil habitantes têm sentido diferente quando se consideram, por exemplo, os Estados Unidos, a Finlândia e o Uruguai, países com processo distintos de urbanização, envolvendo, entre outros aspectos, parâmetros distintos em relação às dimensões absolutas de suas cidades e uma relação também distinta entre a maior ou as maiores cidades e as demais. (2007, p. 25)

A segunda dificuldade, segundo o autor, advém da escala de referência. Deste modo,

“a cidade média deve ser pensada segundo uma dada escala espacial, em relação à qual

pode adquirir sentido”. Apresenta, portanto, o seguinte questionamento: Existe uma escala

espacial para qual é possível se pensar em cidades médias? (CORRÊA, 2007, p. 26)

E, como terceira, a dificuldade ao considerar a dimensão temporal.

Dado o rápido e intenso processo de urbanização que se verifica por toda parte é preciso considerar que 100.000 habitantes têm significados diferentes quando referenciamos a 1940, 1960, 1980 e 2000. (CORRÊA, 2007, p. 26)

Partindo dessas dificuldades, alguns autores procuram estabelecer uma “noção” para

cidade média, considerando principalmente a idéia de centralidade; já que essas cidades

seriam concentradoras de uma série de serviços, atendendo às demandas da região onde

se configuram como centro e, até mesmo, das regiões adjacentes. Sendo, como apresenta

Corrêa (2007, p. 29), lugar central na hierarquia urbana,

(...) estas cidades dispõem de expressiva localização relativa, constituindo-se em foco de vias de circulação e efetivo nó de tráfego, envolvendo pessoas, capitais, informações e expressiva variedade e quantidade de mercadorias e serviços. (CORRÊA, 2007; p. 29 - 30).

É possível, apoiando-se nessas características, que algumas indústrias venham a

instalar unidades fabris nessas cidades, onde poderiam dispor de facilidades promovidas

pelo poder público local, encontrar terrenos mais baratos e mão-de-obra qualificada e/ou

adequada, acesso absoluto ou relativo às infra-estruturas de transporte e comunicação etc.

Na outra vertente deste processo, as chamadas deseconomias de aglomeração

compreendem uma série de fatores que podem levar, e efetivamente levam em muitos

casos, a queda na taxa de lucros das empresas, reforçando o vetor que se estabelece entre

a Região Metropolitana de São Paulo e o interior paulista que, no entanto, não pode ser

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BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...

604

tomado como um espaço homogêneo, justamente o que demonstraria a questão das

cidades médias, desenvolvida nos parágrafos anteriores.

Há, ainda, que se investigar outra dinâmica distinta, quer seja a combinação de dois

processos ou fenômenos: a) esforços autóctones de desenvolvimento e investimentos na

atividade industrial nas cidades médias; b) o que se chama de novas lógicas de localização

industrial que não implicam, apenas, na dinâmica da desconcentração industrial.

UM ESTUDO DE CASO EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP

Figura 1. São José do Rio Preto: Localização em Relação a São Paulo (capital) Fonte: WHITACKER, 2003, p. 18

Em São José do Rio Preto há um discurso preponderante de que este município

seria a “cidade para se investir” ou ainda “uma das melhores cidades para se fazer

negócios”3, caracterizado dessa forma graças às ações do Governo Municipal que tem

concentrado esforços em políticas para a entrada e a permanência de capitais na cidade.

Este governo recebeu, inclusive, em 2004, o “Selo Prefeitura Empreendedora”, criado para

incentivar e estimular ações de empreendedorismo em Prefeituras que apóiam o

desenvolvimento econômico por meio de investimentos no pequeno negócio4. O município

faz parte também do livro “Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor 2001 – 2002”, contendo

experiências de 46 municípios.

3 Como destacado nos documentos da Prefeitura Municipal – Conjuntura Econômica 2008, p. 47. 4 O prêmio existe desde 2001. Dos 166 municípios inscritos no Estado de São Paulo, o prêmio foi dado a 87 cidades – Informações disponíveis no Conjuntura Econômica 2008, p. 57.

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São José do Rio Preto é uma cidade média de pouco mais de 400 mil habitantes

(412.828, segundo estimativas de 20085), situada no Noroeste Paulista, a 452 quilômetros

da Capital (conforme apresentado na figura 1); próximo a outros centros urbanos

importantes, como Catanduva (61 quilômetros), Votuporanga (82 quilômetros), Barretos (96

quilômetros) e Araçatuba (141 quilômetros). O Aeroporto Internacional de Viracopos dista do

município 357 quilômetros, enquanto o Porto de Santos, 529 quilômetros.

AÇÕES LOCAIS PARA A ATRAÇÃO DE INDÚSTRIAS

É possível identificar no governo de São José do Rio Preto ações para a atração de

indústrias, em continuidade às políticas já desenvolvidas pelo governo federal e estadual

conforme descrevemos anteriormente.

Algumas destas políticas são datadas da década de 1970, como por exemplo, a de

Distritos; e 1980 como a de Minidistritos, conforme apresentaremos a seguir, enquanto

outras são identificáveis ao período atual.

Para atrair empreendimentos para os Distritos e Minidistritos industriais do município,

a prefeitura cria linhas de créditos ou financiamentos através de contratos, além de negociar

novos incentivos. Vejamos:

Quadro 1. São José do Rio Preto: Programa de Distritos e Minidistritos DISTRITOS MINIDISTRITOS PROGR

AMA Plano de Geração de

Empregos, Distritos Industriais

"Waldemar de Oliveira Verdi",

"Dr.Carlos Arnaldo e Silva” e

“Dr.Ulysses da Silveira

Guimarães6”.

Plano de Geração de Empregos -

Programa de Minidistritos Industriais e de

Serviços

VOLTADO À

Empresas de médio e

grande porte

Micro e pequenos empreendedores

formais e informais

SOBRE O PROGRAMA

Iniciado na década de 1970

do século XX com a instalação

dos distritos, essa política pública

surge para incentivar a instalação

e ampliação de empresas

industriais, comerciais e de

Trata-se de Programa coordenado

pela Secretaria Municipal de Planejamento

e Gestão Estratégica, voltado à geração de

emprego e renda, através do apoio aos

micro e pequenos empreendedores

formais e informais, para aquisição de lotes

5 Fundação SEADE – Informações Municipais 6 O Programa conta com os seguintes parceiros, organizados através de uma Comissão de Apoio Técnico: Centro Universitário de Apoio ao Pequeno Empreendedor, SEBRAE, Centro Incubador de Empresas, FIESP/CIESP e ACIRP (Conjuntura Econômica 2007, p. 63)

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BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...

606

serviços, objetivando a geração de

emprego e renda, propiciando

ainda acesso à sede própria da

empresa.

destinados à instalação de seus

empreendimentos. O interessado, pessoa

física ou jurídica, deve inscrever-se através

de formulário específico, onde é feita uma

análise preliminar para verificar a natureza

do empreendimento, buscando

compatibilidade com os aspectos de uso

do solo.

Para facilitar o acesso às

empresas, o pagamento dos lotes

pode ser efetuado à vista ou em

até 30 parcelas e há isenção de

IPTU por quatro anos contados a

partir do início da construção,

sendo a taxa mínima de ocupação

da área adquirida de 30% e a

máxima de 60%.

As obras devem obedecer ao

cronograma de execução pré-estabelecido.

A taxa mínima de ocupação do terreno é

de 40% e a máxima de 66%. O tamanho

dos lotes varia de 200m² a 1.000m². Todos

os minidistritos estão encravados dentro do

perímetro urbano e em regiões

densamente povoadas, próximos às vias

de acesso e equipamentos sociais. O

Programa tem por base também a

descentralização das atividades

econômicas e a promoção do

desenvolvimento ordenado, aproximando o

trabalhador do local de sua moradia.

Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2007 Organização: BEZERRA, B. Z.

Desta forma, em 2008 temos os seguintes dados, sobre Distritos Industriais:

Quadro 2. São José do Rio Preto: Distritos Industriais Distritos Área m² Lotes Empresas

Beneficiadas Empregos (diretos)

Dr. Waldemar de Oliveira Verdi 1.034.022,66 1235 280 5.600

Dr. Carlos Arnaldo e Silva 509.298,27 415 28 560

Dr. Ulysses da Silveira

Guimarães

160.621,27 186 35 700

Total 1.703.942,20 1.836 343 6.860

Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008, p. 62 Organização: BEZERRA, B. Z.

E, sobre Minidistritos Industriais:

Quadro 3. São José do Rio Preto: Minidistritos Industriais Minidistritos Implantação Área m² Lotes Empresas Empregos

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento

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Beneficiadas (diretos)

Tancredo Neves 27/06/1986 144.826,85 366 129 774

João Paulo II – Mini

1 - Jaguaré

22/06/1987 31.464,00 58 37 222

Solo Sagrado 29/07/1987 66.362,35 123 64 390

Heitor E. Garcia 07/12/1988 9.360,00 26 13 55

João Paulo II – Mini

2

22/05/1989 10.044,67 49 21 45

João Paulo II – Mini

3 – (Ernesto G.

Lopes)

05/05/1992 9.932,58 39 23 54

Ary Attab 10/07/1992 52.335,57 52 48 250

Centenário da

Emancipação

13/04/1994 179.039,50 155 114 570

Edson Pupim e

Anatol Konarski

20/05/1994 8.328,93 18 17 51

José Felipe Antonio 07/10/1994 9.483,08 20 13 52

Jd. Santo Antonio

(comercial)

16/05/1995 9.182,88 48 29 90

Giuliane 02/12/1996 12.852,00 29 15 66

Adail Vetorazzo 16/12/1996 271.196,44 323 220 1320

Total 1.703.942,2

0

1.836 743 6.860

Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008, p. 63

Organização: BEZERRA, B. Z.

Que podem ser localizados, no município, da seguinte forma:

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BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...

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Figura 2. Localização dos Distritos e Minidistritos no Município. Fonte: Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto, 2008, p. 58

Além do Programa de Distritos e Minidistritos, encontramos disponíveis no site da

prefeitura (www.riopreto.sp.gov.br) em página específica intitulada como “INCENTIVOS”, 18

programas que, segundo a própria fonte, seriam destinados a empresários que pretendam

ou que já estejam instalados na cidade de São José do Rio Preto. Resumidamente,

apresentamos alguns destes.

Quadro 4. Programas Municipais para Incentivo Industrial Programa Descrição Empréstimo pelo

Banco Paulista

Os microempresários ou cooperativas interessados em adquirir

microfinanciamento destinado à compra de máquinas, mercadorias,

matérias primas, consertos de máquinas e aquisição de

equipamentos de informática poderão solicitar empréstimos pelo

Banco do Povo Paulista.

Enquadramento

em tarifas de água e

esgoto para grandes

consumidores

O interessado poderá ser beneficiado por tarifas diferenciadas,

satisfazendo algumas exigências constantes em decreto. É

considerado "grande consumidor" quando a média de consumo

mensal ultrapassar 100m³ de água.

Inscrição no

Programa de Distrito

Os interessados poderão se inscrever no programa que fornece

lotes adquiridos por meio de concorrência pública, sendo que a

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Industrial forma de pagamento pode ser feita em 30 meses. Há isenção de

IPTU por quatro anos a partir do início da construção.

Inscrição no

Programa de

Minidistrito Industrial e

de serviços

Os interessados poderão se inscrever no programa que fornece lotes de tamanho que variam de 200 m² a 1.000 m², adquiridos por meio de concorrência pública, sendo que o pagamento é feito em 50 meses, com um ano de carência para início do mesmo. A área mínima a ser construída deverá ser de 40% da área total.

Isenção ou não

Incidência de IPTU

O contribuinte poderá solicitar a isenção ou não incidência do

IPTU, de acordo com a lei vigente.

Parcelamento de

débitos de tributos

municipais

O contribuinte pode solicitar o parcelamento de débitos já vencidos, em parcelas mensais, em até 60 meses.

Parcelamento de

débitos por ISSQN por

denúncia esponânea

O contribuinte poderá fazer a denúncia espontânea de sua

irregularidade, permitindo parcelar a dívida e ficar isento da

aplicação de multa em caso de eventual fiscalização, de acordo com

a legislação vigente.

Parcelamento de

débitos referentes a

autos de infração e

imposição de multas

(AIIM)

O contribuinte poderá solicitar o parcelamento do débito

referente a Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM). No

requerimento deverá ser informado o número de parcelas

pretendido.

Prorrogação do

prazo exigido em

notificações lavradas

Os interessados poderão solicitar a prorrogação do prazo

concedido na notificação.

Fonte: Prefeitura Municipal <www.riopreto.sp.gov.br> Organização: BEZERRA, B. Z.

Para finalizar, podemos ainda citar as parcerias com o Sebrae, que fornece serviços

de treinamento, consultoria, palestras, dentre outras – que podemos diferenciar um pouco

das vantagens ditas tradicionais – e a Incubadora de Empresas, inaugurada em janeiro de

1999 e atualmente funciona através de uma parceria formada pelo Sebrae/SP, Prefeitura

Municipal de São José do Rio Preto, ACIRP- Associação Comercial e Industrial de Rio Preto

e diversas outras entidades locais preocupadas com o desenvolvimento regional. Dentre os

principais objetivos encontramos:

I. Proporcionar às empresas módulos individuais e apoio administrativo/operacional,

além de endereço conhecido e respeitado.

II. Fornecer suporte gerencial e tecnológico através de informações, consultorias,

assessorias e cursos na área de gestão tecnológica e empresarial às empresas

incubadas.

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BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...

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III. Facilitar a interação sistemática entre as empresas incubadas e instituições de

ensino e pesquisa, possibilitando o acesso de recursos humanos, equipamentos e

laboratórios, inclusive de forma partilhada.

IV. Viabilizar o envolvimento de instituições financeiras (inclusive de capital de risco) e

governamentais, enfatizando a participação dos governos federal, estadual e

municipal.

V. Colaborar com a comercialização dos produtos e serviços oriundos das empresas

incubadas.

Todas essas possibilidades dotam São José do Rio Preto de alegadas vantagens

locacionais que poderiam influenciar tanto a escolha de novas indústrias, quanto a

permanência e ampliação de outras já lá instaladas. Essas informações podem ser

confirmadas ao olharmos alguns dados referentes ao crescimento da participação da

indústria no município.

Destacamos alguns dados importantes nas tabelas que seguem: Tabela 1. São José do Rio Preto: Número de empresas 2005 - 2008 2005 2006 2007 2008 Indústria 2.240 2.489 2.582 2.577 Serviços 6.422 7.076 7.950 8.656 Agribusiness 65 74 110 95 Comércio 11.950 13.304 13.708 13.597 TOTAL 20.677 22.943 24.350 24.925 Fonte: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (município). Secretaria Municipal de Planejamento. Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008.

Tabela 2. São José do Rio Preto: Número de empresas por grandes setores econômicos (com empregados registrados) 2000 - 2006 Setores - IBGE 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Indústria 980 1.052 1.101 1.114 1.169 1.204 1.284 Construção Civil 354 291 324 329 362 375 389 Comércio 3.708 4.001 4.292 4.476 4.799 5.059 5.165 Serviços 2.824 2.932 3.165 3.225 3.416 3.515 3.696 Agropecuária 319 299 358 330 335 317 306 Outros/Ignorado 1 0 0 0 0 0 0 TOTAL 8.186 8.575 9.240 9.474 10.081 10.470 10.840 Fonte: SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (município). Secretaria Municipal de Planejamento. Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto 2008. Com dados da RAIS/TEM.

Tabela 3. São José do Rio Preto: 40 maiores empresas em faturamento – 2000 Divisão por classificação de atividades.RAMO DE ATIVIDADE QUANTIDADE PERCENTUAL Industrial 38 95,0 Comercial e serviços 1 2,5 Serviços 1 2,5 TOTAL 40 100 Fonte: Secretaria Municipal de Indústria e Comércio de São José do Rio Preto – 2000. Organização: Arthur Magon Whitacker.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento

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E, especificamente sobre as empresas industriais, temos as seguintes informações:

Tabela 4. São José do Rio Preto: quarenta maiores empresas em faturamento – 2000. Divisão por classificação de atividades. RAMO DE ATIVIDADE QUANTIDADE PERCENTUAL Fabricação de artigos de borracha e plástico 8 20,0 Fabricação de artigos do mobiliário 8 20,0 Confecções 5 12,5 Construção civil 3 7,5 Fabricação de artefatos de papel 3 7,5 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 3 7,5 Metalúrgicas 3 7,5 Beneficiamento de grãos 2 5,0 Fabricação de produtos farmacêuticos e hospitalares 2 5,0 Conglomerados comerciais e financeiros locais 1 2,5 Transportes 1 2,5 Fabricação de artefatos de concreto 1 2,5 TOTAL 40 100 Fonte: WHITACKER, 2003, p. 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já discutimos, algumas ações foram importantíssimas ao processo de

desconcentração da Indústria paulista, sendo que podemos diferenciar nesse processo,

políticas criadas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal.

Complementarmente, a permanência de empresas industriais de capital local no

município em estudo, pode ser entendida também pelas mesmas ações governamentais,

muito embora, no caso destas, outros fatores ainda não estudados possam ter papel

importante.

Podemos entender que essas ações se complementam, ora diretamente, ora

indiretamente; diretamente quando os interesses são os mesmos como, por exemplo, no

caso das políticas estaduais, em acordo com as federais, na preocupação em diminuir os

problemas da Metrópole e promover o desenvolvimento de outras áreas; e, indiretamente,

quando, por parte de alguns governos municipais algumas estratégias são estabelecidas no

intuito oferecer incentivo à instalação (e posteriormente permanência) de indústrias – que,

embora, por vezes não tendo preocupações diretas com os problemas da Metrópole,

acabam por ajudar no processo.

Compreendemos também que algumas cidades são destacadas como destino às

indústrias. Trata-se de cidades que possuem centralidade, oferecem serviços a municípios

próximos e até mesmo a outras mais distantes do mesmo estado, ou até de outros estados.

Assim, São José do Rio Preto, uma cidade que identificamos como média, de acordo

com algumas características apresentadas, foi se conformando como local de destino a

empreendimentos industriais. A cidade se configura como um nó na rede, possuindo certa

centralidade (principal característica de uma cidade média), oferecendo uma gama de

serviços a cidades da região e, inclusive, a outras cidades do estado e de outros estados.

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BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...

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A administração municipal tem se esforçado para promover condições para

instalação e permanência de empreendimentos industriais. Verificamos isso através de

programas de incentivos governamentais (apresentados nos quadros 1 e 4) , sendo que

estamos, nesse momento, mais afeitos a discutir o que consideramos como vantagens

tradicionais, como terreno, isenção ou descontos em impostos, dentre outras; como

pudemos visualizar nos programas de incentivo a empresas da Prefeitura Municipal. No

entanto, podemos vislumbrar, ainda em relação direta com a Prefeitura municipal, algumas

ações que fogem um pouco da classificação de tradicionais.

Vemos, dessa forma, em São José do Rio Preto, parcerias entre centros de

Educação Superior e indústria, como no Plano de Geração de Empregos, Distritos

Industriais "Waldemar de Oliveira Verdi", "Dr.Carlos Arnaldo e Silva” e “Dr.Ulysses da

Silveira Guimarães” (programas do governo municipal), que conta com os seguintes

parceiros, organizados através de uma Comissão de Apoio Técnico: Centro Universitário de

Apoio ao Pequeno Empreendedor, SEBRAE, Centro Incubador de Empresas, FIESP/CIESP

e ACIRP. Assim, pela proximidade de centros de ensino e pesquisa, podemos entender as

instalações de empreendimentos mais sofisticados, como a indústria de fabricação de

produtos farmacêuticos e hospitalares, em nono lugar (tabela 4), em faturamento.

Além disso, percebemos a recente preocupação do Governo Municipal com

condições de uso do solo, como no programa de minidistritos (quadro 1); quando é feita uma

análise preliminar para verificar a natureza do empreendimento, buscando compatibilidade

com os aspectos de uso do solo. Condições que não eram observadas nas décadas

anteriores.

Dessa forma, quando olhamos para os dados de São José do Rio Preto, nos

deparamos com um aumento da inserção de empresas no município (tabela 1 - embora com

pequena oscilação em 2006), bem como a importância destas, entre as principais empresas

em faturamento – dados que nos levam a acreditar na configuração de uma resposta ao

“investimento feito” (quanto às ações) pelo Poder Público Municipal, ao mesmo tempo em

que incentivo à continuação na promoção dessas ações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Sebraesp. São José do Rio Preto, a Capital da Região dos Grandes Lagos. Disponível em <http://www.sebraesp.com.br> Acesso em: 27 fev. 2008 Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto / organizador. Orlando José Bolçone; coordenação Emília Maria Martins de Toledo Leme - 22 ed. - São José do Rio Preto, SP: Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica, 2007. Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto / organizador. Orlando José Bolçone; coordenação Emília Maria Martins de Toledo Leme - 22 ed. - São José do Rio Preto, SP: Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica, 2008.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento

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BEZERRA, Beatriz Z. Ações do poder local, lógicas de localização industrial ...

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diferentes paradigmas para a leitura territorial e a dinâmica econômica no estado de São Paulo. (Projeto Temático). Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR). Primeiro Relatório Parcial. Presidente Prudente, 2007. WHITACKER, A. M. Inovações Tecnológicas, Mudanças nos padrões locacionais e na configuração da centralidade em cidades médias. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. O Mapa da Indústria no Início do Século XXI: diferentes paradigmas para a leitura territorial e a dinâmica econômica no estado de São Paulo. (Projeto Temático). Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR). Primeiro Relatório Parcial. Presidente Prudente, 2007. WHITACKER, A. M. Reestruturação urbana e centralidade em São José do Rio Preto. PPGG/FCT/UNESP. Presidente Prudente, 2003 [Tese de Doutorado em Geografia].

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ARTICULAÇÕES E CONSEQUENCIAS DA MODERNIDADE E DA PÓS-MODERNIDADE NA CIDADE CONTEMPORÂNEA

Clayton Ferreira Dal Pozzo [email protected]. br

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Presidente Prudente

Bolsista Fapesp

Resumo: O presente artigo procura articular e relacionar alguns elementos históricos representativos da modernidade e da pós-modernidade com a produção do espaço urbano contemporâneo analisando os processos contraditórios para a constituição da fragmentação socioespacial nas cidades, bem como o seu impacto para os seus respectivos citadinos. Os confrontos e as justaposições entre modernidade e pós-modernidade comparecem, portanto, como possibilidades analíticas para avaliar os efeitos das mudanças desencadeadas sobre as práticas socioespaciais de diferentes grupos sociais como exemplificado pelo não encontro entre as diferenças e a manutenção das disparidades sociais em cidades de diferentes portes, sobretudo, considerando cidades médias e de padrões metropolitanos cujas respectivas morfologias urbanas passaram por transformações significativas a partir da década de 1980. Palavras-chave: Produção do espaço; Modernidade; Pós-modernidade; Fragmentação socioespacial INTRODUÇÃO

O presente texto está estruturado de modo a abordar o tema da modernidade e da

pós-modernidade vinculado à produção social do espaço urbano, sobretudo, considerando

as formas bem como a emergência de novas práticas socioespaciais advindo delas

privilegiando a dimensão histórica dos processos socioespaciais e objetivando identificar

rupturas e justaposições entre a modernidade e a pós-modernidade.

Aspectos vinculados à tradição e o seu confronto com a modernidade se manifestam,

sobretudo, considerando uma rápida análise a partir dos espaços metropolitanos cuja força

do “novo” e da “novidade” e a produção de novos tipos de sociabilidade comparecem de

forma acelerada dentro de uma lógica perversa de reprodução capitalista.

Elementos da pós-modernidade estabelecem-se numa sociedade ocidental sobre o

qual as forças da modernidade e da tradição ainda se fazem presentes não estabelecendo,

de modo claro, possibilidade de superação ainda que seja possível argumentar em direção

de uma crise paradigmática.

O “presente” ou a emergência do atual comparece como expressão de uma vida

cotidiana repressiva e alienante sobre o qual se cogita a possibilidade do “fim da história” e

de ações coletivas fragilizadas frente ao individualismo exacerbado às formas de

governanças urbanas de caráter segmentado e seletivo e, portanto, não integrativas.

Nesse sentido, a noção ou o conceito de fragmentação socioespacial emerge como

possibilidade explicativa das causas, das consequências e das intencionalidades de uma

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racionalidade iluminista persistente - essencialmente desigual e predatória - ainda que tenha

sido amplamente criticada pelo advento de uma teoria social crítica difundida durante as

décadas finais do século XX.

Frente a esses aspectos, procuraremos nos posicionar a cerca do temário da

modernidade e da pós-modernidade bem como verificar a pertinência desse debate para o

entendimento e propositura diante do processo de fragmentação socioespacial na

urbanização contemporânea.

A MODERNIDADE E O MÉTODO

O temário da modernidade proposto durante a disciplina “Metodologia Científica em

Geografia: Método, Teoria e Pensamento Geográfico” - oferecida pelo Programa de Pós-

Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, Campus de

Presidente Prudente e coordenada pelos Professores Eliseu Savério Sposito e Marcos

Aurélio Saquet - suscitou pensar uma concepção de método que objetivasse identificar e

analisar as contradições do objeto estudado estabelecendo possibilidades analíticas

propositivas.

Podemos considerar que o pensamento dialético-materialista, ao analisar o

movimento “modernidade - pós-modernidade” permite identificar contradições, a partir de

bases empíricas, identificando conflitos e produtos dos conflitos com o objetivo de apreender

o próprio movimento da produção do espaço.

A partir de uma concepção de método preliminarmente definida como “marxista-

lefebvriana” ou, em termos lefebvrianos, “regressivo-progressivo”, podemos considerar que

o presente, em perspectiva com o espaço vivido, torna-se a escala de análise privilegiada da

contemporaneidade desde que se considere a contextualização histórica da produção do

espaço estudada em sua gênese. O “presente” assim concebido permite projetar o futuro

como tendência e como possibilidade (LEFEBVRE, 2006).

A espacialidade, como possibilidade, é valorizada enquanto simultaneidade e

sincronização e a historicidade é recolocada em seu lugar não como fim, mas como meio,

do ponto de vista crítico/instrumental, para identificar os movimentos de sucessão e de

encadeamento dos processos socioespaciais ao mesmo tempo em que os processos de

“naturalização” e de um historicismo fixado a uma ideologia são desmascarados.

O “mascaramento” das intencionalidades da modernidade - sob a égide do

capitalismo – projeta-se enquanto objeto de manipulação viabilizada pela difusão dos signos

cujo poder de abstração embaralha a decodificação da historicidade e da espacialidade

(SOJA, 1993, p. 34-41).

Como uma das consequências desse processo, o desligamento entre os “produtos” e

as “obras” do seu necessário trabalho produtivo estimula o fetichismo da mercadoria e,

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como bem salientou Lefebvre (2006), ocultando a significação primeira do objeto: sua

rentabilidade.

Nesse sentido, uma análise espacial do movimento “modernidade - pós-

modernidade” deve passar do pensamento-pensado ao pensamento-pensante evitando

esquemas reducionistas e, portanto, passando do antropológico ou historicista/filosófico à

análise da reprodução do espaço enquanto produto industrial contemplando a gênese e o

sentido do objeto estudado em seus processos e formas (LEFEBVRE, 2006).

A análise espacial também deve perpassar pela representação do espaço ao espaço

da representação ao analisar as contradições do espaço concebido dos cientistas,

sobretudo, àqueles vinculados ao planejamento urbanista (e sua respectiva carga

ideológica) e, por meio das intencionalidades desvendadas da encomenda (programas,

projetos, planos e estratégias) identificar os espaços da dominação bem como os efeitos

(real e potencial) sobre a demanda e sobre o espaço vivido, dominado e, por vezes,

repressivo dos habitantes em sua vida cotidiana (LEFEBVRE, 2006).

A tecnicidade ou a racionalidade das técnicas legitimada pelo poder político e

burocrático passa, portanto, a se constituir como um importante elemento para avaliar as

circunstâncias impositivas do dominante sobre o dominado ao mesmo tempo em que se

engendra uma análise propositiva objetivando a valorização do espaço apropriado em

detrimento do espaço da dominação.

Contudo, as “soluções espaciais” para as crises do modo de produção vigente ou da

transição de um modo de produção para outro permitem, de modo intencional, legitimar

políticas, sobretudo, expansionistas, de intervenção do Estado (e a consolidação dele), ou

de um liberalismo econômico de acordo com cada contexto que, em certa medida, refletem

a influência do Iluminismo sobre práticas sociais na condução da produção do espaço

(BERMAN, 1986, p. 37-39).

Pensar a produção do espaço no capitalismo juntamente com suas contradições e

crises (o que alimenta a possibilidade de uma crise verdadeiramente global desse modo de

produção) suscita pensar formas de promover a equidade e emancipação sociais num

contexto em que a “diferença”, o espaço público, o espaço da apropriação e o valor de uso

perdem cada vez mais espaço para uma cotidianidade programada de uma sociedade dita

“moderna” no qual o potencial revolucionário circunscreve-se num utopismo discriminado

(SOJA, 1993, p. 92-95). O que os geógrafos bem como os outros cientistas sociais têm a

contribuir para a reversão desse aspecto da modernidade? Eis um primeiro desafio.

ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE NOS ESPAÇOS METROPOLITANOS: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Carvalho (1998) e Haesbaert e Gomes (2002) trazem importantes subsídios para o

debate sobre a modernidade e sobre a produção da metrópole como espaço síntese da

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modernidade na qual estão inseridos modos de vida e sociabilidade urbanos específicos e

representativos desse período.

Do ponto de vista de Haesbaert e Gomes (2002, p. 47-48) a modernidade e sua

produção espacial característica são indissociáveis e contam com uma série de

conceitos/noções para melhor caracterizar as mudanças e permanências de formas

espaciais, funções, valores, significados, bem como as inter-relações dos sujeitos sociais,

sobretudo, para aqueles que vivem em espaços metropolitanos sobre o qual podem

vislumbrar empiricamente a velocidade e o ritmo acelerado de um modo de vida de

características metropolitanas.

Os conceitos empregados pretendem trazer respostas diante da perplexidade de um

mundo em constante mutação que marcam o conflito entre o moderno e o tradicional e entre

a ordem e o caos.

Os espaços da modernidade compreendem diferentes escalas na qual esboçam a

valorização do novo e da novidade e pretendem estabelecer novos tipos de sociabilidade

expressos, de forma mais efetiva, nas metrópoles por se caracterizarem como espaços

urbanos onde estão presentes a máxima concentração populacional e a máxima

diferenciação social.

Carvalho (1998) ressalta a perda da força ou desqualificação do mito e do tempo

mítico que são representativos da atemporalidade, da tradição e da força do atual, na qual

se caracterizam como barreiras para a aceitação do novo partindo do pressuposto que o

novo ou a novidade passaria pelo crivo da tradição para ser aceita e incoporada na

sociedade.

Nesse sentido, tem-se uma queda relativa da tradição e um fortalecimento do

presente subsidiada pelas rápidas transformações tecno-científicas. Esses fatos resultaram

na secularização que estabeleceu uma nítida diferenciação entre o passado, o presente e o

futuro e uma maior racionalidade para um futuro utópico, por vezes contestado, e de um

presente auto-valorativo.

A concepção do conceito de indivíduo pelo processo civilizador baseou-se na

construção de uma identidade que só pode constituir-se a partir da relação com o “outro” e

que se afirma em uma determinada sociabilidade, porém, individualista e fragmentada.

Com a individualidade tem-se um redimensionamento das relações sociais e

transforma a metrópole em fragmentos justapostos, porém, relativamente mascarados pela

atenuação da sensibilidade dos diferentes sujeitos sociais.

A vida cotidiana passa a atuar como um agente repressor pelo controle dos

diferentes tempos e torna as relações entre diferentes segmentos sociais relativamente

tênues permitindo o surgimento de simulacros de bem-estar contíguos às áreas de

marginalização social o que marca o aspecto essencialmente desigual das cidades latino-

americanas, sobretudo considerando as cidades de porte médio a padrões metropolitanos.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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Nesse sentido, os espaços urbanos, sobretudo metropolitanos, difundem, de forma

cada vez mais intensa, uma segmentação socioespacial por meio da consolidação de um

espaço panóptico e disciplinar. Por outro lado, também há a consolidação de pequenas

“revoluções moleculares” como contestadoras dos processos homogeneizantes em escala

planetária.

Essas “revoluções moleculares”, apesar de atuarem na escala local, produzem um

conjunto de identidades coletivas (como aquelas produzidas pela territorialização de tribos

urbanas) que reafirmam a existência de fragmentos da cidade moderna.

Contudo, discutir as características da modernidade na cidade contemporânea,

também se faz necessário abordar o tema da “pós-modernidade” produzindo novas lógicas

de organização do espaço e, portanto, influenciando na maneira de pensá-lo e concebê-lo a

partir das ações dos diversos sujeitos sociais.

É nesse sentido que procuraremos vincular a temática “modernidade - pós-

modernidade” à produção do espaço urbano contemporâneo e a influência desse

movimento para a produção da fragmentação socioespacial.

O vínculo da fragmentação socioespacial em cidades médias do interior paulista com

o debate sobre a modernidade e pós-modernidade justifica-se, sobretudo, por considerar

que, nas últimas décadas, tem-se produzido níveis acentuados de segregação socioespacial

expressando-se pela redução dos diálogos entre os diferentes segmentos sociais

[sobretudo, considerando o não-encontro entre esses segmentos] e a realimentação da

intolerância a partir do conjunto das práticas sociais e espaciais dos citadinos (CALDEIRA,

2003, p. 11-13).

Além disso, o esfacelamento da cidade enquanto unidade territorial se expressa de

modo mais intenso, pela dimensão política e prático-sensível controlado pelos interesses de

uma dimensão econômica sobre o qual se induz um planejamento urbano não orientado

pela equidade territorial e promovido, sobretudo, pelo desconhecimento da cidade enquanto

um bem coletivo o que aponta para uma cidade cada vez mais desigual e, portanto, mais

injusta, sobretudo para os segmentos sociais de baixo poder aquisitivo.

A MODERNIDADE E O ADVENTO DA PÓS-MODERNIDADE

A partir de autores, como Harvey (2003), Soja (1993), Bauman (2007), Jameson

(1996) e Berman (1986) destacamos que o temário da pós-modernidade emergiu sobre o

temário da modernidade indicando possibilidades de rupturas e justaposições, porém, não o

suficiente para consolidar uma superação da modernidade e da tradição o que não impede a

requalificação das diferentes dimensões que envolvem esses termos.

Sobre a requalificação da modernidade, cabe formular algumas perguntas: Qual a

consistência da pós-modernidade e suas implicações sobre a modernidade? Trata-se de

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uma crise paradigmática? Qual a contribuição da Geografia para avaliar o movimento

“modernidade - pós-modernidade”? Podemos utilizar esse padrão de transição para um

possível estudo de caso das cidades.

Mais especificamente, sobre a produção do espaço urbano contemporâneo, como

dimensionar as influências desse movimento de transição/justaposição para a produção da

fragmentação socioespacial em cidades médias, objeto de nossa pesquisa? As respostas a

essas perguntas não impedem o surgimento de outras que aparecerão ao longo do presente

texto.

Embora os primórdios do projeto valorativo da modernidade sejam datados a partir

do século XVI num contexto de práticas mercantilistas, expansionistas e de acumulação

primitiva num regime ainda predominantemente feudal (sobre o qual se data a passagem da

Idade média e o início da Idade Moderna e cujo humanismo do projeto renascentista

recoloca o homem no centro das atenções), será apenas no final do século XVIII, sobretudo,

a partir da Revolução Francesa (década de 1790) e, sob influência do Iluminismo, que a

dicotomia entre o mundo moderno e o mundo não-moderno vai estabelecer-se com força

diante de um cenário em que a idéia de modernismo e de modernização ganha visibilidade e

o “peso” do processo histórico são minimizados (BERMAN, 1986, p. 16).

O “arrefecimento relativo” da modernidade ocorre durante a expansão do próprio

processo de modernização durante o século XX e início do século XXI cujas consequências

produziram uma fragmentação socioespacial em amplo sentido, ou seja, promoveu a perda

da nitidez e da profundidade de seu potencial emancipador dentro de um modo capitalista

de produção essencialmente contraditório e, portanto, desigual e desumano (BERMAN,

1986, p.17-26).

Os saberes metódicos e normativos sob influência da racionalidade das técnicas e

da ciência comparecem como um dos pilares do projeto de emancipação social de cunho

Iluminista/positivista historicamente introjetado, de maneira sintética, pelos lemas “Ordem e

Progresso” (lema nacional da República Federativa do Brasil) e “Liberdade, Igualdade e

Fraternidade” (lema da Revolução Francesa) marcando um período no qual o “reino da

liberdade” (como utopia), por meio de revoluções, poderia ser conquistado em detrimento do

“reino da necessidade” como proposto na e pela obra marxista.

A essência do “modo moderno de ser” está profundamente enraizada no conjunto

das práticas socioespaciais, sobretudo, dos citadinos e manifestam-se, sobretudo, pelas

noções de “aperfeiçoamento”, “avanço”, “desenvolvimento”, “atualização”, “up grade”, etc.

que se sustentam pelos pilares da modernidade, ou seja, o Estado e a ciência vinculados

aos processos de industrialização e globalização.

Diante do processo de “aceleração contemporânea” Harvey (2003, p. 22)

examinando Baudelaire afirma que a modernidade representa o fugidio, o efêmero, o

fragmentado e o contingente que, segundo Berman (1986) vai promover a união da

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humanidade num movimento constante de desintegração e renovação, de luta e

contradição, de ambiguidade e angústia. “Ser moderno é ser parte de um universo em que,

como disse Marx, ‘tudo que é sólido desmancha no ar” (BERMAN, 1986, p. 21).

No meio do turbilhão do efêmero e do fugidio, acelera-se a obsolescência dos

objetos e a preponderância do valor de troca sobre o valor de uso para que o consumo da

mercadoria/signo-mercadoria possa realizar-se ainda mais depressa.

O projeto modernista, mais precisamente a arquitetura modernista e também a arte,

dentro de uma concepção estética que se pretende duradoura, vai emergir como

possibilidade de permanência e de identidade frente a um período de constantes

transformações. A “destruição criativa” passa a ser a essência da modernidade em

detrimento do “eterno” e do “imutável” (HARVEY, 2003, p. 26).

Frente ao conjunto de promessas não cumpridas da modernidade (como a

emancipação social e a igualdade suplantada pela exacerbação da desigualdade) - sobre o

qual, a razão iluminista foi amplamente contestada pelo movimento socialista - a noção ou a

idéia de pós-modernidade começa a ganhar expressividade a partir da década de 1980 com

um papel questionador sobre a própria validade da racionalidade da modernidade

(HARVEY, 2003, p. 112-113).

A pós-modernidade advém, sobretudo, da impossibilidade de planejamentos futuros

ocasionado pelo cenário mundial, do ponto de vista político-econômico, instável (que traduz-

se pela diminuição do poder de intervenção do Estado e a consequente desregulação do

setor imobiliário), provocando uma relativa renúncia aos projetos coletivos e de

transformação social.

Nesse sentido, o niilismo nietzscheano como estrutura de pensamento que se

consolida traduz-se, em certa medida, pelo ceticismo na política, pelo pastiche na estética,

pelo sincretismo cultural, pela superficialidade, pela rejeição de metanarrativas e pelo

descrédito no projeto iluminista traduzido pela contestação da benevolência do capitalismo

que ajudou a legitimar. Esse conjunto de fatores passa a influenciar, sobremaneira, nas

formas de produção e de apropriação do espaço (VATTIMO, 1996).

Ainda que os autores ditos “pós-modernos” estabeleçam críticas contundentes sobre

as contradições do projeto modernista no seio de um modo capitalista de produção que se

emergia diante do feudalismo há que se creditarem os aspectos positivos das conquistas

dos pensadores iluministas como o “Estado moderno e democrático” de Jean-Jacques

Rousseau (1712-1778), o desenvolvimento do empirismo como metodologia a partir de John

Locke (1632-1704), a liberdade do pensamento e a crítica a intolerância religiosa de Voltaire

(1694-1778) e da promoção do controle das forças naturais e da compreensão do mundo

por Condorcet (1743-1794) entre outros.

De um modo geral, houve um grande esforço intelectual dos pensadores iluministas

para estabelecer as bases de uma crítica ao absolutismo e todo o seu sistema de opressão,

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controle e dominação bem como no sentido de desenvolver uma ciência objetiva

estabelecendo leis universais em busca da emancipação humana. A vitória do Iluminismo,

portanto, pode ser creditada a partir de uma série de acontecimentos que culminou com a

Revolução Francesa (1789-1799).

Além disso, o desenvolvimento de formas racionais de organização social e de

estruturação do pensamento possibilitou a libertação de irracionalidades promovidas pelo

mito, pela religião, pela superstição e pelo combate ao uso arbitrário do poder. Essas

mudanças qualitativas puderam justificar uma concepção inicial do termo “progresso” e suas

possibilidades emancipatórias (HARVEY, 2003, p. 23).

Contudo, a partir da consolidação e da grande visibilidade das contradições do modo

capitalista de produção, grande parte do ideário da racionalidade iluminista foi sendo

desmistificada durante o século XX a partir da sua lógica de dominação e de opressão,

traduzida por militarismos, duas guerras mundiais, campos de concentração e extermínio e

a ameaça de aniquilação pela bomba atômica. O progresso, nesse sentido, mostra sua face

perversa, voraz e sua constante renovação comparece apenas como meio de sobrevivência

do modo capitalista de produção (HARVEY, 2003, p. 24-25).

Esses aspectos refletem a falácia da superação do “reino da necessidade” pelo

“reino da liberdade”, como escreveu Karl Marx, a partir da emergência de uma lógica

classista e repressiva fomentada pelo desenvolvimento capitalista subvertendo a

possibilidade vitoriosa da classe trabalhadora que passaria a ter o controle do seu próprio

destino por meio do reconhecimento do lado progressista da história burguesa que

culminaria na apropriação plena dos resultados positivos da racionalidade iluminista.

Com o advento das forças produtivas o par industrialização-urbanização consolida-se

num processo de co-determinação possibilitando a realização intensa dos fluxos e da

mudança sobre o qual a efemeridade e a fragmentação tornam-se a base material da vida

moderna.

As explosões demográficas após as Revoluções Sociais de 1848 na Europa, a forte

migração para os centros urbanos com o advento da mecanização da agricultura e a

premente necessidade de reorganização dos ambientes construídos que atendesse as

necessidades dos citadinos contribuíram para iniciar um intenso processo de “destruição

criativa” empreendido, inicialmente, por Haussmann na Reforma de Paris durante a década

de 1860 (HARVEY, 2003, p. 33-34).

A partir disso, representar e edificar o eterno e o imutável sobre o caos passou a ser

a palavra de ordem do projeto urbano modernista. Le Corbusier e Howard retrataram bem

essa prática em seus projetos no qual as habitações, para o primeiro, eram vistas como

máquinas para a vida moderna e a linha reta e a uniformidade era privilegiada em

detrimento do ornamento e da personalização para o segundo.

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623

Na década de 1920 e a partir da escola germânica de arquitetura denominada

“Bauhaus” iniciou-se uma concepção de projeto urbano e artístico que valorizava a

funcionalidade dos objetos/edificações e orientado para a produção em massa objetivando

atingir metas socialmente úteis para a emancipação humana. Pensar o espaço na

perspectiva do espaço social passa a ser a palavra de ordem dos planejadores

progressistas (LEFEBVRE, 2006).

No período em que sucede a primeira guerra mundial boa parte das crenças

iluministas começam a ser questionadas, sobretudo, pela perda do atrativo/potencial

revolucionário e a vitória de um tipo de ideologia reacionária do capitalismo o que permitiu o

surgimento de movimentos antimodernistas e contra-culturais a partir da década de 1960

(HARVEY, 2003, p. 38-44).

Com a implantação de projetos modernistas e da produção racionalizada do espaço

urbano, sobretudo, considerando o zoneamento funcional, a segregação socioespacial

torna-se cada vez mais explícita frente ao processo homogeneizante do conjunto dessas

práticas e, consequentemente, à falácia dos planos grandiosos.

O processo urbano visto relativamente como incontrolável, caótico e anárquico, ao

incorporar o conceito baudelairiano de modernidade - representado pelo efêmero, pelo

fragmentário, pelo descontínuo e pelo caótico – passa efetivamente a incorporar essas

características cujos projetistas modernistas tentavam, a qualquer custo, combater

(HARVEY, 2003, p. 49).

Pensar a pós-modernidade também nos remete a pensar o processo de

esquizofrenia no tempo e no espaço, pois, a produção de simulacros permite estabelecer

“uma série de ‘presentes puros’ e não relacionadas no tempo” (JAMESON, 1996, p. 120).

A partir do processo de desregulamentação do mercado imobiliário, termos como

“cidade-colagem” e a premente necessidade de lançamento contínuo de “novidades”

imobiliárias, por vezes influenciadas por “impulsos nostálgicos” e pela construção de novos

desejos permitem recolocar o conceito de alienação em pauta sobre a análise da produção

do espaço urbano contemporâneo.

Se o espaço urbano modernista foi moldado a partir de propósitos sociais, a cidade

pós-modernista pretende ser vislumbrada como coisa independente, autônoma e com

objetivos estéticos sem uma necessária relação com um projeto social abrangente, ao

contrário, pretende incorporar de forma cada vez mais intensa, a obsolescência e a

especulação. (HARVEY, 2003, p. 69).

A violência, em seu amplo sentido, também contempla a difusão de técnicas que

permitem uma dissociação com a vizinhança imediata traduzindo-se em níveis acentuados

de controle e de separação segundo níveis socioeconômicos como aqueles representados

por loteamentos fechados e por condomínios horizontais voltados para segmentos sociais

de alto poder aquisitivo (BAUMAN, 2007).

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624

A arquitetura e o urbanismo, nesse sentido, comparecem como uma espécie de

espetáculo que encena um brilho superficial porque não abarca as possibilidades do

encontro e do inusitado entre os diversos grupos sociais do espaço urbano, pelo contrário,

afasta-os por meio de uma segregação imposta. O tecido urbano fragmentado comparece,

portanto, como um palimpsesto de formas passadas e superpostas, por vezes,

intencionalmente, como aquele exemplificado pela difusão do turismo como possibilidade de

auferir rendas.

O niilismo nietzscheano incorporado pela pós-modernidade comparece como um

caminho fácil - inclusive no sentido do “empobrecimento” do discurso científico - porque

pretende a aniquilação dos valores supremos e das metanarrativas ao mesmo tempo em

que o “ser” reduz/sucumbe-se a um valor de troca e a uma série de transformações

indefinidas incorporando uma experiência fabulizada da realidade (VATTIMO, 1996).

Como consequência, tem-se a ampliação da sensação de

insegurança/estranhamento (BILLARD et al, 2005), ao mesmo tempo em que ocorre o

solapamento da solidariedade social como bem salientou Bauman (2007).

A partir desses pressupostos, cabe-se fazer as seguintes questões: Será o fim da

utopia? O fim da possibilidade de emancipação social? Teria a racionalidade completamente

triunfado em detrimento do legado do Iluminismo? Terá ocorrido, em definitivo, a morte da

obra e sobrevivido o sujeito parcelar essencialmente individualista? Terá um subjetivismo

radical dos projetos de curto prazo superado a objetividade dos projetos coletivos de longo

prazo? Somente uma ciência objetiva e séria, incluindo o papel do geógrafo pesquisador,

poderá contribuir com uma análise que não perca de vista a historicidade e a espacialidade

dos processos ao mesmo tempo em que o nexo entre teoria e prática seja simultaneamente

privilegiado possibilitando vislumbrar/implantar proposituras possíveis em benefício do

coletivo e objetivando a emancipação social.

Uma das pistas para avaliar esse processo pode ser creditada pela passagem da

historicidade para a espacialidade, sobretudo hoje porque, segundo Lefebvre (2006), é mais

o espaço do que o tempo que oculta as coisas por meio de uma velada instrumentalização

do poder e do controle social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar o momento atual a partir do confronto entre modernidade e pós-modernidade

na perspectiva da fragmentação socioespacial permite perspectivar o futuro como

possibilidade equânime das relações de sociabilidade na qual, por meio de projetos

coletivos, seja possível materializar níveis significativos de equidade socioespacial.

Mesmo considerando as críticas contundentes do legado do Iluminismo devemos

nos lembrar das contribuições de seus pensadores para a edificação de uma ciência

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objetiva conservando importantes bases, como o empirismo e a análise quantitativa mesmo

dentro de uma ciência social crítica.

A passagem da historicidade para a espacialidade permite identificar as

intencionalidades dos espaços de dominação verificando as contradições por meio de

desligaduras como àquelas representadas pela esquizofrenia espacial e temporal na qual o

fetichismo da mercadoria e o processo de alienação estabelecem-se.

A identificação das contradições dos espaços de dominação permite vislumbrar os

espaços da apropriação como possibilidade e utopia para promover processos de

emancipação social por meio da valorização da diferença em detrimento da separação e do

controle social.

Os espaços públicos, do ponto de vista de sua diversidade e de sua pluralidade,

também permitem vislumbrar a superação de uma cotidianidade programada e do consumo

dirigido na qual o valor de uso suplantaria o valor de troca por meio da própria vida cotidiana

no mundo dito moderno.

Enquanto utopia e enquanto possibilidade, o potencial de transformação social

permeada/difundida na e pela vida cotidiana permite caracterizar, por meio das práticas

socioespaciais, possibilidades de confronto com a desigualdade e com a intolerância

orientando concepções de planejamento em benefício da coletividade e orientado pela

equidade territorial superando angústias e sensações de impotências pela exacerbação do

individualismo.

O confronto, mais que a justaposição, entre a modernidade e a pós-modernidade

permite vislumbrar a composição de novos conteúdos qualitativamente superiores desde

que não prevaleça o caráter niilista, dualista e maniqueísta de uma análise que se pretende

científica, pelo contrário, por meio de proposituras orientadas pela justiça social buscar

meios de superação de uma condição essencialmente desigual do modo de produção atual.

Trata-se, no entanto, de avaliar a real possibilidade de uma crise paradigmática entre

modernidade e pós-modernidade bem como de dimensionar os limites e os efeitos dessa

crise a partir do presente no qual o nexo entre historicidade e espacialidade bem como a

projeção de um presente perspectivado (orientado para o futuro) faça parte do instrumental

teórico-metodológico progressista e, neste caso, a Geografia teria muito a contribuir.

Nesse sentido, a valorização/realização de “trabalhos de campo” comparece como

importante instrumento para o levantamento de referenciais empíricos sólidos ao confrontar

diferentes realidades permitindo dotar-se de argumentos que possibilitam, não apenas

explicar e entender a realidade, mas agir sobre ela, transformando-a a partir da

proposição/realização de projetos socialmente úteis.

Como a dimensão espacial ou, mais especificamente, a produção do espaço social é

privilegiada na análise do movimento “modernidade – pós-modernidade”, os estudos de

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caso orientados por esta perspectiva tornam-se possíveis de serem realizados desde que

sejam considerados as influências e determinantes multiescalares do processo de análise.

Um dos focos orientados para superar a fragmentação socioespacial deve ser

creditado à possibilidade de materialização de projetos coletivos de longo prazo ao mesmo

tempo em que se estabeleçam condições viáveis para que o sujeito esquizofrênico,

essencialmente individualista, possa integrar-se promovendo o encontro e o confronto com a

diferença percebendo a cidade enquanto unidade e como obra e não apenas enquanto uma

produção caótica e fragmentada sobre o qual a vida citadina, esvaziada e empobrecida,

modifica seu sentido porque realizada dentro de simulacros e, portanto, desconectada de

uma dimensão social e espacial e de um projeto socioespacial abrangente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Jahar Ed., 2007. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: Aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das letras, 1986. BILLARD, Gérald; CHEVALLIER, Jacques; MADURRET, François. Ville fermée, ville surveillée: La sécurisation des espaces résidentiels en France et en Amérique du Nord. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2005. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidades de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34 / Edusp, 2003. CARVALHO, Edemir. A sociabilidade fragmentada na metrópole contemporânea. Araraquara, 1998. Tese (Doutorado). Faculdade de Ciências e Letras, UNESP. HAESBAERT, Rogério; GOMES, Paulo Cesar da Costa. O espaço na modernidade. In: Territórios alternativos. Rio de Janeiro: EduFF, 2002. p. 47-67. HARVEY, David. Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2003. JAMESON, Friederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996 LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Trad. Grupo “As (Im) possibilidades do urbano na metrópole contemporânea”, do Núcleo de Geografia Urbana da UFMG (do original: La production de l'espace. 4ª Ed. Paris: Anthropos, 2000). Primeira versão: Fev. 2006. SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS SISTEMAS URBANOS DOS ESTADOS DO PARANÁ E SÃO PAULO

Cleverson Alexsander Reolon [email protected]

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente –

PPGG/FCT-UNESP. Membro do Grupo de Estudos Territoriais (GETERR), do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR) e da Rede de Pesquisadores sobre

Cidades Médias (ReCiMe). Bolsista da Fapesp.

Vitor Koiti Miyazaki [email protected]

Professor Assistente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), campus de Ituiutaba. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente – PPGG/FCT-UNESP. Membro do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais

(GAsPERR) e da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe).

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o sistema urbano dos estados de São Paulo e Paraná, buscando-se enfocar as novas configurações espaciais que têm surgido em função da aceleração do processo de urbanização. As Unidades Federativas analisadas correspondem aos Estados de São Paulo e Paraná. Os dados da pesquisa são provenientes de importantes institutos e universidades situados no país. Destaca-se que, apesar de distintos, os Estados analisados apresentam elementos socioterritoriais análogos. Seus sistemas urbanos manifestam configurações complexas e dinâmicas do ponto de vista socioeconômico, estando articulados, porém, apresentando particularidades marcantes. Conclui-se que a aceleração do processo de urbanização e a maior complexidade que tem caracterizado a atual dinâmica do sistema urbano paulista e paranaense têm gerado muitas transformações no território. A configuração de aglomerações urbanas, inclusive não-metropolitanas, isto é, não polarizadas por metrópoles, é um dos fenômenos resultantes dessas mudanças. Palavras-chave: Produção do espaço; rede urbana; aglomeração urbana.

A COMPARATIVE STUDY OF URBAN SYSTEMS OF THE SÃO PAULO AND PARANÁ

STATES Abstract: The objective of this paper is to analyze the urban system of the São Paulo and Paraná states, focusing the new spatial configurations that have emerged due to increasing of the urbanization process. The Federative Units analysed correspond to São Paulo and Paraná States. The data from the research are coming from important Brazilian institutes and universities. It’s important to say, although they are distinct, the States analyzed have similar socio-territorial elements. Their urban systems reveal complex and dynamic configurations from socioeconomic point of view, being articulated, however, revealing special particularities. It´s possible to conclude that the increasing of the urbanization process and the major complexity that have characterized the actual dynamic of the urban system of São Paulo and Paraná States have generated a lot of territorial transformations. The configurations of the urban agglomerations, including the non-metropolitan ones, is one of the resultant phenomena this changes. Keywords: Space production; urban system; urban agglomerations 1. INTRODUÇÃO

Seguindo a perspectiva de Caiado (1995), considera-se o sistema urbano como

expressão territorial da divisão social do trabalho, logo, constituindo-se no articulador de

todo o território, tanto das cidades quanto de suas hinterlândias (CAIADO, 1995, p.46).

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REOLON, Celeverson A.; MIYAZAKI, Vitor K. Uma análise comparativa dos sistemas urbanos ...

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Sendo assim, a análise da dinâmica do sistema urbano representa uma tarefa importante,

uma vez que permite a compreensão do funcionamento do território a partir do conjunto das

cidades e das suas respectivas áreas de influência.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar o sistema urbano dos estados de São

Paulo e Paraná, buscando-se enfocar as novas configurações espaciais que têm surgido em

função da aceleração do processo de urbanização.

Os dados da pesquisa são provenientes de importantes institutos e universidades

situados no país, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Universidade de Campinas (Unicamp), a

Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Universidade Estadual do Oeste do Paraná

(Unioeste), dentre outros. Diversos estudos ligados à temática em análise também são

utilizados como embasamento teórico.

2. BREVES CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS E TERRITORIAIS DOS ESTADOS DE SÃO PAULO E PARANÁ

São Paulo está localizado na Região Sudeste do Brasil e, conforme o IBGE (2004),

possui área territorial de 248.209,43 Km², o que corresponde a 2,92% do território brasileiro.

Segundo dados do Censo Demográfico, o referido Estado abrigava, no ano 2000, cerca de

36.969.476 habitantes, equivalente a 21,8% da população do país (IBGE, 2004). Já o

Paraná, localizado na Região Sul do país, possui área territorial de 199.314,85 Km² (2,34%

do território brasileiro), onde residiam, 9.558.454 habitantes em 2000, ou seja, 5,64% da

população total do Brasil (IBGE, 2004).

Observa-se que, com densidade demográfica de 148,94 habitantes por Km² em

2000, o Estado de São Paulo se mostra mais povoado que o Paraná, que alcança apenas

terço desse valor, com 47,96 habitantes por Km². Este fato possui clara relação com a

estrutura econômica de cada Estado.

Ainda de acordo com o IBGE (2007), o Estado de São Paulo possui o maior Produto

Interno Bruto (PIB) brasileiro, tendo concentrado 33,86% do total nacional em 20051. Deste

montante, 82,62% encontra-se vinculado à produção industrial e ao setor de serviços2.

Embora relativamente semelhante à estrutura setorial do PIB apresentada por São

Paulo, com 80,12% do Valor Adicionado Fiscal (VAF) correspondente às atividades

industrial e de serviços, a participação do setor agropecuário é mais elevada no Paraná.

Enquanto o VAF agropecuário paulista representava 1,55% do montante incorporado ao

1 R$ 727 bilhões, aproximadamente (IBGE, 2007). 2 Baseando-se no Valor Adicionado Fiscal (VAF); segundo Rodrigues (2005, p. 76), VAF trata-se de “um montante de impostos auferidos pelo fisco, cobrado de cada município, relacionado a um setor de atividade”. O IBGE (2005) definiu o VAF como um valor que a atividade agrega aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo, sendo a contribuição ao PIB pelas diversas atividades econômicas, obtidas pela diferença entre o valor de produção e o consumo intermediário absorvido por essas atividades.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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PIB, equivalente a R$ 11,27 bilhões, no Paraná esta taxa era de 7,40%, não obstante em

termos absolutos ser menor, correspondendo a R$ 9,37 bilhões.

A relativamente elevada correspondência estrutural do PIB paranaense com as

atividades situadas à montante da cadeia produtiva agroindustrial possui correlação com a

taxa de urbanização dos municípios deste Estado, conforme se pode observar no Mapa 1.

Mapa 1 – Taxa de urbanização

dos municípios de São Paulo e Paraná

Fonte dos dados: IBGE - Censo Demográfico 2000.

Diferentemente do conjunto dos municípios de São Paulo, onde 86,7% da população

reside em áreas consideradas urbanas, a taxa de urbanização do Estado do Paraná

corresponde a 81,41%, sendo fortemente influenciada por um número limitado de cidades.

Enquanto, em São Paulo, a distribuição dos municípios com menores índices de

urbanização se mostra praticamente restrita ao Vale do Ribeira, na porção sul, no Paraná,

ela abrange uma grande área, espacialmente disposta no centro do Estado.

Portanto, em termos gerais, embora as taxas de urbanização e PIB sugiram

homogeneidade, uma análise mais detalhada logo ressalta as especificidades de cada uma

dessas unidades federativas.

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REOLON, Celeverson A.; MIYAZAKI, Vitor K. Uma análise comparativa dos sistemas urbanos ...

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Chama-se atenção, contudo, ao fato de o PIB paulista ser demasiado destoante em

relação ao valor dos demais estados brasileiros, o que pode induzir à falsa impressão de

insignificância ou estagnação da economia paranaense. Assevera-se que o Paraná figura

entre os estados que possuem os maiores PIB do Brasil, representando 5,90% do total

nacional em 2005, ficando atrás apenas de São Paulo (33,86%), Rio de Janeiro (11,50%),

Minas Gerais (8,97%) e Rio Grande do Sul (6,72%).

Destaca-se, ainda, que tanto em São Paulo quanto no Paraná, o crescimento do PIB

tem se mostrado superior ao crescimento populacional, com correspondente elevação do

PIB per capita, embora isso não signifique, necessariamente, melhoria de qualidade de vida

da população.

Estes elementos socioeconômicos e territoriais, característicos de cada Estado,

possuem relação direta e/ou indireta com a configuração do sistema urbano local, regional e

nacional, conforme se procura demonstrar a seguir.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS PRINCIPAIS CENTROS URBANOSDOS ESTADOS DE SÃO PAULO E PARANÁ

O sistema urbano composto pelos Estados de São Paulo e Paraná é complexo, e,

pode-se dizer, parcialmente denso, sendo formado por um conjunto de cidades que

desempenham diferentes papéis na rede.

O desenvolvimento da rede urbana do Estado de São Paulo, abrangendo também a

porção norte do território paranaense, foi fortemente influenciado pela economia cafeeira do

século XIX e XX (VERCEZI, 2001; ENDLICH, 2006). Desde o início deste período, a cidade

de São Paulo já exercia papel central, fortalecido ainda mais a partir da década de 1940 em

função do intenso processo de industrialização de sua área metropolitana (CAIADO, 1995)

(Mapa 2).

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Mapa 2 – Classificação dos principais centros urbanos dos Estados de São Paulo e Paraná

Fonte dos dados: IPEA; IBGE; UNICAMP (2001).

A partir da década de 1970, contudo, o ritmo de crescimento econômico da área

metropolitana de São Paulo diminuiu paralelamente à expansão econômica de regiões

situadas no interior do Estado (PERILLO; ARANHA, 1993; CAIADO, 1995; LENCIONI, 1999;

FELDMAN, 2003; SATHLER e MIRANDA, 2006). Concomitantemente, a cidade de São

Paulo passou a vivenciar um gradual aumento da importância das atividades de prestação

de serviços, como as de realização de eventos e de gestão e controle do território

(CORRÊA, 1995; 1999; LENCIONI, 1999; PIQUET, 2002; SANTOS; SILVEIRA, 2003;

ALMEIDA, 2003; BERNARDES, 2003; MOREIRA, 2004).

Neste ponto, cabe ressaltar o papel desempenhado pela agricultura moderna,

integrada a complexos agroindustriais, pelos investimentos em infra-estrutura e também

pelas forças centrífugas resultantes das deseconomias de urbanização da metrópole e de

sua respectiva hinterlândia (CAIADO, 1995; FELDMAN, 2003).

Nesse contexto, não obstante a cidade de São Paulo se manter no topo da

hierarquia da rede urbana paulista e nacional, passando, inclusive, a ser reconhecida como

metrópole global, importantes centros urbanos interioranos passaram a se destacar, como

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REOLON, Celeverson A.; MIYAZAKI, Vitor K. Uma análise comparativa dos sistemas urbanos ...

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Campinas (metrópole regional), Ribeirão Preto, São José dos Campos e Santos (centros

regionais). Algumas dessas cidades são beneficiadas por suas localizações em áreas

próximas à metrópole ou aos eixos de desenvolvimento que seguem em direção ao interior

de São Paulo e Estados adjacentes, incluindo o Paraná.

O processo de desconcentração, como o engendrado a partir da capital do Estado de

São Paulo, inclusive com implicações significativas sobre o adensamento da área

metropolitana de Curitiba, é tímido no Paraná, abrangendo apenas os setores de atividade

que necessitam menor coeficiente tecnológico para serem desempenhadas e privilegiando

poucos pólos regionais, como Ponta Grossa, Londrina, Maringá e Cascavel (REOLON e

SOUZA, 2006).

Curitiba figura no topo da hierarquia da rede urbana paranaense, sendo classificada

como metrópole nacional, compartilhando a dinâmica urbana da cidade de São Paulo.

Destaca-se o fato de Curitiba exercer forte influência sobre os municípios paranaenses e

também sobre a capital do Estado de Santa Catarina, Florianópolis (MOURA e WERNECK,

2001).

Comparativamente, ao passo que se pode observar uma elevada densidade de

cidades de níveis hierárquicos superiores na rede urbana paulista, o Estado do Paraná

carece de uma distribuição homogênea de centros, o que, dentre outros fatores, se deve ao

fato de seu sistema urbano ser composto por cidades jovens, fundadas em meados do

século XX, como as já mencionadas cidades de Londrina (centro regional), Maringá e

Cascavel (centros sub-regionais 1).

Observando-se o Mapa 2, nota-se, ainda, que as metrópoles estão localizadas nas

proximidades da área litorânea, com significativo número de cidades de porte médio

(centros regionais e sub-regionais) distribuídas no interior dos dois estados analisados.

Nota-se que a densidade e complexidade da rede urbana de São Paulo não é

homogênea, uma vez que ainda podem ser observados verdadeiros “vazios ocupacionais”,

tais como na região sudoeste e em algumas áreas localizadas nas porções extremas do

oeste/noroeste. Já o Paraná apresenta uma configuração espacial ainda mais heterogênea,

constituindo-se em um território diverso, concentrado e desigual, compondo espacialidades

com certo grau de homogeneidade [apenas] em seu interior (MOURA et al., 2006).

Decompondo-se os critérios que fundamentaram a classificação da rede urbana

brasileira, observa-se, quanto ao nível de centralidade, que, para além da primazia das

capitais estaduais, existem várias outras cidades, situadas no interior dos estados

analisados, desempenhando papéis importantes no contexto da rede urbana, especialmente

de âmbito regional (Mapa 3).

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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Mapa 3 – Nível de centralidade urbana dos Estados de São Paulo e Paraná

Fonte dos dados: IBGE (2000).

Tais cidades possuem porte demográfico expressivo e exercem forte polarização

regional, com nível de centralidade elevado, apresentando, na maioria dos casos,

características de cidades médias16. Para o Estado de São Paulo, Sathler e Miranda (2006)

destacam que:

[...] as cidades médias apresentam tamanho demográfico e funcional suficiente para que possam oferecer um leque diversificado de bens e serviços ao espaço microrregional em que estão inseridas, desempenhando o papel de centros de crescimento econômico regional.

O Estado de São Paulo concentra várias cidades com nível de centralidade 5 e 6.

Em menor número, o Paraná também apresenta muitos centros urbanos dessa natureza.

16 Cabe ressaltar que “cidade média” se difere de “cidade de porte médio”, uma vez que nesta última, a definição do porte se dá a partir de critérios quantitativos, como o tamanho demográfico, por exemplo. Já o conceito de “cidade média” refere-se a uma definição que demanda uma análise mais profunda e complexa, que supera a delimitação quantitativa, pautando-se nas diferentes relações que a cidade mantém no contexto da rede urbana, a situação geográfica, a estruturação urbana e estruturação da cidade, etc., na perspectiva apresentada por Sposito (2004).

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Todavia, quanto às cidades com nível de centralidade 7 e 8, ressalta-se uma concentração

no leste e norte paranaense, contrariamente ao que ocorre no Estado de São Paulo, onde

se presencia uma dispersão homogênea, que abrange grande parte do território.

Por fim, destaca-se que as informações sobre os níveis de centralidade da rede

urbana brasileira, apresentadas pelo IBGE, estão baseadas na Teoria das Localidades

Centrais, de Walter Christaller (1933). Vale ressaltar que, apesar das relações hierárquicas

permanecerem até hoje, o desenvolvimento de novas tecnologias de transportes e

telecomunicações tem alterado essa dinâmica, trazendo maior complexidade à rede por

meio das interações que se processam em diferentes escalas. Sobre esse assunto, Moura e

Werneck (2001, p.27) destacam que:

O progresso técnico e as formas atuais de realização da vida econômica, cada vez mais, tornam as redes globais. A hierarquia urbana se inscreve num contexto econômico internacional que transforma a natureza das relações entre cidades. Esse processo de mundialização não implica que deixe de existir uma estrutura hierarquizada de relações e articulações entre os diversos centros dentro do território nacional, mas torna essas relações cada vez mais mediatizadas por novos determinantes, muitas vezes externos.

Nesse contexto, pequenas cidades, aparentemente locais, que apresentam reduzido

nível de centralidade, podem estabelecer relações intensas com outras cidades e regiões,

assim como com outros países, a partir do momento em que, por exemplo, se instala uma

unidade produtiva de alguma corporação multinacional. As relações hierárquicas, neste

caso, continuarão existindo. A mudança está nas novas e complexas possibilidades de

interação entre diferentes escalas da rede urbana. Como exemplo, cita-se o caso de

pequenas cidades do interior paulista que passaram a receber investimentos internacionais

em função da instalação de usinas sucroalcooleiras.

Ademais, ressalta-se que os dados de níveis de centralidade disponibilizados pelo

IBGE se referem a 1993, portanto, retratam uma realidade de 15 anos atrás. Atualmente,

além das novas possibilidades de interações espaciais, que superam o esquema

hierárquico, muitos outros processos recentes podem ter modificado a dinâmica do sistema

urbano paranaense e paulista.

Além do processo de desconcentração produtiva, já mencionado anteriormente,

verifica-se também uma desconcentração populacional significativa engendrada pelos

grandes centros. Apesar da maior parte dos habitantes de São Paulo ainda se concentrar na

Região Metropolitana da capital (51,84%), muitos estudos vêm mostrando uma queda na

participação da população dessa região em relação ao total estadual.

Porém, a desconcentração não se traduz num processo de reconcentração

populacional homogêneo no âmbito estadual, uma vez que se verifica um adensamento nas

áreas do entorno imediato da área metropolitana de São Paulo. É neste contexto que se

constata, no Mapa 4, grandes eixos que partem da capital paulista no sentido nordeste (São

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José dos Campos/Guaratinguetá) e noroeste (Jundiaí/Campinas), além das manchas

situadas a oeste (Sorocaba) e sul (Santos).

Mapa 4 – População aproximada

das áreas urbanas de São Paulo e Paraná

Fonte dos dados: IBGE - Censo Demográfico 2000.

No Paraná, a macrocefalia urbana (SANTOS, 1993) é menos evidente que em São

Paulo, uma vez que a Região Metropolitana de Curitiba concentra 28,95% da população

estadual. Todavia, o restante desta população, em grande parte urbana, está distribuída

entre outras poucas áreas de concentração no Estado, com destaque para o norte

paranaense, nas regiões de Londrina e Maringá.

4. NOVAS ESPACIALIDADES DA REDE URBANA DE SÃO PAULO E PARANÁ

A aceleração do processo de urbanização e a maior complexidade que tem

caracterizado a atual dinâmica do sistema urbano paulista e paranaense têm gerado muitas

transformações no território. A configuração de aglomerações urbanas, inclusive não-

metropolitanas, isto é, não polarizadas por metrópoles, é um dos fenômenos resultantes

dessas mudanças.

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REOLON, Celeverson A.; MIYAZAKI, Vitor K. Uma análise comparativa dos sistemas urbanos ...

636

As aglomerações urbanas dizem respeito a um conjunto de cidades agrupadas, seja

pela continuidade territorial ou pela integração espacial (deslocamentos pendulares)

(MIYAZAKI, 2008). Assim, a aglomeração constitui um espaço regional dotado de intensas e

recíprocas relações sociais e econômicas entre unidades político-administrativas que o

compõem (REOLON, 2007). A aglomeração urbana, enquanto realidade socioespacial, não

carece, necessariamente, da continuidade do tecido urbano, uma vez que a intensidade das

relações interurbanas pode defini-la.

O Mapa 5 apresenta os municípios que configuram aglomerações urbanas paulistas

e paranaenses, com destaque para os setores urbanos. Nas maiores aglomerações,

milionárias17, tais como São Paulo, Curitiba e Campinas, a continuidade territorial das áreas

urbanas é evidente.

Mapa 5 – Aglomerações urbanas de

São Paulo e Paraná e respectivos setores urbanos

Fonte dos dados: Motta; Ajara (2002); Reolon (2007); Miyazaki (2008).

Chama atenção também o número de aglomerações localizadas no interior dos

estados que, apesar de ainda não serem caracterizadas pela complexidade das

17 Em termos populacionais.

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637

aglomerações urbanas metropolitanas, já apresentam transformações significativas no que

se refere à tendência à continuidade das áreas urbanas e aos processos de

integração/articulação intermunicipal.

A maior parte das aglomerações é caracterizada por uma configuração mononuclear,

na qual uma cidade principal polariza todas as demais, como ocorre nos casos de São

Paulo, São José do Rio Preto, Maringá, Sorocaba, entre outros. Mas também existem

aglomerações polinucleadas, compostas por duas ou mais cidades pólo, tais como

Cascavel/Toledo, Guaratinguetá/Aparecida, Mogi-Guaçu/Moji-Mirim e Araraquara/São

Carlos.

Tal como ressalta Soares (2006, p. 360), pode-se inferir sobre as causas dessas

situações de “polinucleação”. Entende-se que elas podem refletir a territorialidade difusa da

aglomeração, inserindo-a nas novas tendências da urbanização, características de um

território adaptado à fase de acumulação flexível do capital, ou, inversamente, revelar a

fragilidade do processo de integração e a divisão de funções entre as cidades.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sistemas urbanos dos Estados de São Paulo e Paraná manifestam configurações

complexas e dinâmicas do ponto de vista socioeconômico. Estão articulados, porém,

apresentam particularidades marcantes.

São Paulo possui uma rede urbana mais densa que a do Estado do Paraná, com um

número considerável de cidades que desempenham elevados níveis de centralidade. Além

disso, apresenta um conjunto de variáveis socioeconômicas que se destacam em âmbito

nacional, tais como tamanho populacional total e urbano, PIB e VAF total e, sobretudo,

industrial e de serviços. O Paraná, apesar de, em relação a São Paulo, concentrar um

número inferior de habitantes e apresentar menor dispersão territorial dos centros urbanos

com alto nível de centralidade, possui especificidades que evidenciam a complexidade de

um sistema urbano disposto sobre um território de formação recente, caracterizado pela

diversidade. Em suma, pode-se afirmar que o Paraná possui uma rede urbana incompleta,

ainda em processo de consolidação (MOURA e WERNECK, 2001).

Por fim, ressalta-se que várias cidades médias e de porte médio já haviam sido

apontadas, pelo IBGE (2000), no âmbito do estudo Região de influência das cidades, de

1993, como detentoras de um forte potencial de polarização de amplas áreas de influência.

Todavia, os recentes processos de desconcentração produtiva e populacional podem ter

resultado numa mudança dos padrões de polarização da rede urbana. A insuficiência de

dados, informações ou mesmo pesquisas de fôlego, para o conjunto territorial brasileiro,

dificultam a apreensão de tais mudanças, porém, a formação de novas espacialidades

urbanas no interior dos estados analisados, tais como as aglomerações urbanas, antes

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características das áreas próximas ao litoral do país, sugerem eloqüentes horizontes de

pesquisa para a compreensão dos novos paradigmas de articulação das cidades brasileiras.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Eliza. Refuncionalização da metrópole no período técnico-científico-informacional e os novos serviços. In: SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 5 ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 389-400. BERNARDES, Adriana. A nova divisão territorial do trabalho brasileira e a produção de informações na cidade de São Paulo (as empresas de consultoria). In: SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 5 ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 413-432. CAIADO, Aurílio Sérgio Costa. Dinâmica socioespacial e rede urbana paulista. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, n. 9, p. 46-53, 1995. CHRISTALLER, Walter. Central places in Southern Germany. New Jersey: Prentice-hall, 1966. 230p. CORRÊA, Roberto Lobato. Concentração bancária e os centros de gestão do território. In: CHRISTOFOLETTI, Antônio; BECKER, Bertha K.; DAVIDOVICH, Fany R. da; GEIGER, Pedro P. (Org.). Geografia e meio ambiente no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995. CORRÊA, Roberto Lobato. Globalização e reestruturação da rede urbana – uma nota sobre as pequenas cidades. Território. Rio de Janeiro, ano IV, n. 6, p. 43-53, jan./jun. 1999. ENDLICH, Ana Maria. Pensando os papéis e significados das pequenas cidades no Noroeste do Paraná. 2006. 505f. Tese (doutorado em geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. FELDMAN, Sandra. Política urbana e regional em cidades não-metropolitanas. In: GONÇALVES, Maria Flora; BRANDÃO, Carlos Antônio; GALVÃO, Antônio Carlos. Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: Edunesp/Anpur, 2003. p. 105-112. IBGE. Base Estatcart de Informações Municipais 2004. Rio de Janeiro: 2005. 1 CD ROM. IBGE. Estatcart: Sistema de Recuperação de Informações Georreferenciadas. Versão 2.1. Rio de Janeiro: 2004. 1 CD-ROM. IBGE. PIB dos municípios brasileiros (1999-2005). Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em: 28 set. 2008. IBGE. Região de influência das cidades 1993. Rio de Janeiro, 2000. IPEA; IBGE; UNICAMP. Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil: configurações atuais e tendências da rede urbana. Brasília: IPEA, 2001. LENCIONI, Sandra. Mudanças na metrópole de São Paulo e transformações industriais. In: SPOSITO, Eliseu Savério (Org.). Dinâmica econômica, poder e novas territorialidades. Presidente Prudente: UNESP/FCT, 1999. p. 115-136. MIYAZAKI, Vitor Koiti. Um estudo sobre o processo de aglomeração urbana: Álvares Machado, Presidente Prudente e Regente Feijó. 2008. 172f. Dissertação (mestrado em

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639

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O IMPACTO DA PERDA DA GESTÃO PLENA: “DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÃO DA SAÚDE DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE”

Dayana Aparecida Marques de Oliveira [email protected]

Estudante de graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista – UNESP

Resumo: Após a constituição de 88, foi assegurado a todos os municípios do Brasil, a gestão plena, este direito os tornou autônomos no gerenciamento de seus recursos em diversos âmbitos de administração local, dentre eles o da saúde. Em Presidente Prudente este direito não foi valorizado, o que resultou no ano de 2004, a perda da gestão plena por parte do município, resultando a administração estadual sob este setor. Com, isso, não foi apenas a prefeitura local que deixou de participar do processo de remanejamento de seus recursos, mas também os habitantes de Presidente Prudente, já que com a gestão plena a participação popular era garantida, por ser um direito democrático, onde poder público juntamente com a sociedade civil tem autonomia em suas escolhas. Com a ruptura deste direito, foi possível visualizar os diferentes interesses que envolviam os atores políticos inseridos nesta problemática, além de repensar a qualidade dos serviços de saúde e a participação popular como resultado do impacto da perda da gestão plena. Palavras-chave: Gestão-Plena; autonomia; Participação popular; INTRODUÇÃO

No decorrer da história é possível notar a luta de alguns grupos em defesa da

participação popular nas decisões de um país.

No Brasil esse quadro se repete e por isso, desde a década de sessenta, momento

de discussão das “Reformas de Base”, surge à proposta de municipalização de alguns

setores, dentre eles o da saúde. Essa proposta entra em vigor, apenas a partir da década de

oitenta, já que havia caído por terra com o regime militar.

Após a constituição de 1988, a saúde transformou-se em um direito universal do

brasileiro. Com a Lei Orgânica da Saúde, este direito foi compreendido por meio do Sistema

Único de Saúde (SUS) - com ele a municipalização é adotada, há surgimento dos

Conselhos municipais de saúde, possibilitando a divisão de transferências e pagamentos

dos governos federais e estaduais pelo município.

A partir deste aparato legal, a saúde no município de Presidente Prudente sofreu

muitas mudanças, como previa a lei, o município passou a distribuir seus próprios recursos.

Porém, no ano de 2004 a mudança não foi voltada a adaptação do município a fim de

assegurar a autonomia conseguida, já que houve a aprovação da desabilitação da gestão

plena do município por parte do Conselho Estadual de Saúde, ou seja, as verbas estaduais

e federais repassadas ao município não poderiam mais ser distribuídas pelo mesmo.

Como nos aponta WERNECK, nos dois primeiros capítulo de seu trabalho “A análise

geográfica dos gastos municipais de saúde”, no momento de mudança, os meios de

comunicação da cidade traziam as discussões dos distintos atores que estavam envolvidos

na questão da saúde do município, sendo nítida que nesta discussão, a saúde da população

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OLIVEIRA, Dayana A. M.O impacto da perda de gestão plena: “Diagnóstico de situação ...

642

não era o motivo de maior preocupação, pois a principal pauta a ser discutida era: Quem vai

distribuir? A que interesses essa distribuição será válida? E, além da discussão acerca da

distribuição havia a preocupação quanto à quantidade dos recursos.

Diversos grupos estavam envolvidos na discussão, dentre eles: a Santa Casa (que

parou de atender em seu pronto socorro pelo SUS, alegando impossibilidade em atuar após

atrasos de pagamentos1) e funcionários dos hospitais de saúde mental Allan Kardec e

Bezerra de Menezes (que começaram a dar alta para os pacientes alegando falta de

recurso).

A preocupação com a quantidade de verbas não era comum a todos. O prefeito

Agripino Lima, não se preocupava com a gestão plena, pois para ele o Ministério da Saúde

é quem deveria distribuir as verbas. Quanto ao Conselho Municipal de Saúde, órgão que

representava a população, não possuiu participação significante, estando sempre atrasado

nas discussões.

Mesmo em meio a todas as polêmicas e discussões que surgiram, a discussão

acerca do repasse de verbas à atenção básica parecia não ter espaço (mesmo sendo o

setor que atende na maior parte das vezes, primeiro a população dependendo do seu

estado de saúde, para posteriormente ser atendida nos hospitais de média ou alta

complexidade), já que o eixo principal da polêmicas estava ao redor do repasse de verbas

aos hospitais e como esse repasse seria feito.

O Conselho Municipal de saúde poderia ter modificado o rumo das discussões, pois

tem como competência, representar a população, mas por estar à margem das discussões

não o fez.

Assim, em 2004 a gestão plena do município foi afetada devido o foco dos atores

políticos que se limitou apenas à quantidade de verbas e não a sua distribuição.

A “QUESTÃO DA SAÚDE” EM PRESIDENTE PRUDENTE (2004 A 2006)

Tendo em vista a situação que o município atravessou no ano de 2004,

analisaremos, juntamente com ele, os dois anos seguintes para acompanhar as mudanças

na distribuição e no repasse de verbas e dos recursos destinados a saúde, ressaltando

como a população foi atingida após a perda da “gestão plena”.

1 A partir do fechamento do pronto Socorro da Santa Casa, passou a ser competência do Hospital Universitário o atendimento do Pronto Socorro pelo SUS (ver anexo: LEI Nº 6.142/2004). O HU é vinculado a APEC, mantida pelo prefeito da época Agripino Lima.

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643

Gráfico 1:

Presidente Prudente: Transferências - Média e alta complexidade e atenção básica em 2004

-

500.000,00

1.000.000,00

1.500.000,00

2.000.000,00

2.500.000,00

Jan

Mar Mai Jul

Set Nov

Meses

Tran

sfer

ênci

as (R

$)

Atenção básica

Média e altacomplexidade

Fonte: Datasus, 2007. Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira

Em 2004 (ano em que houve a perda da gestão plena), a distribuição estava

concentrada em média e alta complexidade do que nas Unidades Básicas de Saúde. Esse

fato é ilustrado nas discussões, onde a Santa Casa parou de atender alegando falta de

investimentos e por isso, o Hospital Universitário foi incumbido de realizar os atendimentos

que antes não possuía, a partir da lei n. 6.142 de cinco de janeiro de 2004, que autorizou o convênio da prefeitura municipal com a Associação Prudentina de Educação e Cultura –

APEC, objetivando a permissão de serviços médico-hospitalares de urgência e emergência.

Além disso, houve investimento no hospital do câncer de 4,7 milhões para a construção do

mesmo (RIBEIRO, p. 21).

Como visto no gráfico, a divisão de verbas permaneceu praticamente a mesma

durante todo o ano, sendo alvo principal dos investimentos a média e alta complexidade que

não possuem demanda tão grande como a baixa complexidade, porém o gasto acaba sendo

maior devido aos materiais necessários para o atendimento.

Nos anos seguintes (2005 e 2006), os dados mudaram e a “pseudodistribuição”

(considerando que no ano de 2005, o Estado desde o início do ano, assumiu a

responsabilidade de dividir os recursos) modificou-se, deixando de ser concentrada apenas

à média e alta complexidade. A partir do segundo semestre de 2005 a atenção básica

começou a ser o alvo de maior número de investimentos, como pode ser visto no seguinte

gráfico:

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OLIVEIRA, Dayana A. M.O impacto da perda de gestão plena: “Diagnóstico de situação ...

644

Gráfico 2:

Presidente Prudente: Transferências - Média e alta complexidade e atenção básica em 2005

-500.000,00

1.000.000,001.500.000,002.000.000,002.500.000,00

Jan

Mar Mai Jul

Set Nov

Meses

Tran

sfer

ênci

as (R

$)

Atenção básica

Média e altacomplexidade

Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira

Em 2006 a distribuição de verbas quando a atenção básica permaneceu por volta de

R$ 500.000,00, assim como no ano anterior e passou a ser prioridade se levada em

consideração à média e alta complexidade.

Gráfico 3:

Presidente Prudente: Transferências - Média e alta complexidade e atenção básica em 2006

-

200.000,00

400.000,00

600.000,00

Jan

Mar Mai Jul

Set Nov

Meses

Tran

sfer

ênci

as (R

$)

Atenção básica

Média e altacomplexidade

Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira

Visualizaremos a seguir, um gráfico que se refere à quantidade de investimentos por

habitante do município. Contemplamos o aumento dos investimentos em atenção básica

passando de R$ 18,95 em 2004 para R$ 22,88 em 2006. Enquanto as transferências

direcionadas a média e alta complexidade oscilam de R$ 101,46 em 2004 para R$ 1,38 em

2006.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

645

Gráfico 4:

Presidente Prudente: Valores de transferência por habitante (R$) - 2004 a 2006

-20,0040,0060,0080,00

100,00120,00140,00

2004 2005 2006

Ano

Tran

sfer

ênci

a (R

$)

Atenção básica

Média e altacomplexidade

Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira

É importante lembrar que o município não distribui apenas o que recebe do governo

federal e estadual, pois também deve investir em saúde, portanto, não podemos esquecer

que em todos os valores apresentados existe uma parcela das esferas superiores (estadual

e federal – que correspondem aos investimentos do SUS), como também, do município,

mesmo após a perda da gestão plena. Além disso, temos que considerar que o valor

estipulado a ser destinado a saúde é calculado a partir da porcentagem de arrecadação de

impostos, sendo assim, se o valor arrecadado aumentar, os recursos destinados à saúde

também aumentarão.

No período analisado esses valores se apresentavam da seguinte forma:

Gráfico 5:

050

100150200250300350400

2004 2005 2006

Despesa (R$)

Ano

Presidente Prudente: Despesas com saúde por habitante

Despesa Total

Recursos Próprios

Transferência SUS

Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira

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OLIVEIRA, Dayana A. M.O impacto da perda de gestão plena: “Diagnóstico de situação ...

646

Os quatro primeiros gráficos nos apresentam como oscilaram a distribuição de

recursos nos níveis de média e alta complexidade e baixa complexidade, mas a partir do

gráfico 5, pode-se perceber que os recursos que contribuíram para que essa mudança

ocorresse, foram principalmente, o aumento nos investimentos por parte do próprio

município. Isso representa o aumento do investimento em UBS, mesmo após a perda da

gestão plena.

Podemos, constatar esses dados, a partir de informações do SUS, que

representadas por meio de tabelas, demonstram como a participação do mesmo em relação

à média e alta complexidade permanece praticamente igual, durante o período tomado

como referência2. Isso comprova mais uma vez que o aumento em verbas para a baixa

complexidade provém do município, já que com as demais categorias, como já dito, o

Estado, tem investido praticamente a mesma verba.

Para essa análise, utilizamos os dois maiores hospitais da cidade que contam com

recursos do Sistema Único de Saúde, são eles: o Hospital Universitário e a Santa Casa.

Além disso, levamos em consideração os anos: 2003 (ano anterior à perda da gestão

plena), 2004 (ano da perda da gestão plena) e 2005 (ano posterior à perda da gestão

plena).

Tabela 1: Investimentos direcionados a Santa Casa de Misericórdia de Presidente Prudente

no período de 2003 a 2005. Meses 2003 2004 2005

Janeiro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Fevereiro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Março *** 101.885,62 101.885,62Abril 101.885,62 101.885,62 101.885,62Maio 101.885,62 101.885,62 101.885,62Junho 101.885,62 101.885,62 101.885,62Julho 101.885,62 *** 101.885,62Agosto 101.885,62 101.885,62 101.885,62Setembro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Outubro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Novembro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Dezembro 101.885,62 101.885,62 101.885,62Média de investimentos 101.885,62 101.885,62 101.885,62Fonte: Datasus, 2007 Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira Tabela 2: Investimentos direcionados ao Hospital Universitário Dr. Domingos Ceravolo de Presidente Prudente no período de 2003 a 2005.

Meses 2003 2004 2005 Janeiro 450.885,26 450.885,26 414.583,28Fevereiro 450.885,26 450.885,26 414.583,28Março 397.500,00 450.885,26 414.583,28Abril 450.885,26 450.885,26 414.583,28

2 As oscilações são pequenas no que diz respeito ao investimento destinado ao Hospital Universitário do município. Quanto a Santa Casa, o valor repassado permanece o mesmo, já que é uma verba fixa.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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Maio 450.885,26 414.583,28 414.583,28Junho 450.885,26 397.500,00 414.583,28Julho 450.885,26 414.583,28 414.583,28Agosto 450.885,26 414.583,28 414.583,28Setembro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Outubro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Novembro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Dezembro 450.885,26 414.583,28 414.583,28Média de investimentos 446.436,49 425.260,33 414.583,28Fonte: Datasus, 2007. Organizadora: Dayana A. M. de Oliveira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisar a situação da saúde de Presidente Prudente e o impacto da perda da

gestão plena, percebemos que após o ocorrido em 2004, à prioridade do município

modificou-se, passando a aumentar os recursos destinados à saúde, sendo o principal

responsável pelo aumento de investimentos nas Unidades Básicas de Saúde, as quais

estão voltadas para serviços de atenção básica, como o primeiro diagnóstico, entre outras

funções importantes para prevenção de doenças e atendimento ágil, já que são diversas

unidades localizadas em todo o município.

O aumento dos investimentos em atenção básica foi uma escolha acertada e sábia,

porém a perda da gestão plena, que até o presente momento não foi retomada, é um

aspecto negativo para a autonomia do município e participação da população. Já que, a

municipalização significa liberdade para dividir e distribuir os recursos de acordo com as

necessidades, as quais são apontadas com a colaboração do Conselho municipal de saúde,

que tem como papel representar a população. Com a perda da gestão plena a participação

ativa da população é ignorada, o que é um aspecto terrível para um “país democrático”.

O caso de Presidente Prudente quanto à questão da saúde é um fato político

disputado pelos que não serão atingidos diretamente (com relação ao atendimento e

utilização do serviço de saúde pública) pelas decisões tomadas a partir da distribuição de

investimentos.

Passado quatro anos do ocorrido cabe ao poder local, a tentativa de retomar a

autonomia que foi “perdida”, a fim de atender melhor os interesses da população, pois a

saúde é um direito universal de todos, sendo que no Brasil, a lei assegura que esses todos

podem, além de utilizar os serviços oferecidos, participar das decisões que influenciarão na

distribuição de verbas e investimentos para a saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Banco de Dados do Sistema Único de Saúde. Informações de saúde. Disponível em: www.datasus.gov.br. Consulta em: 14 de abril de 2008

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648

PRESIDENTE PRUDENTE. Lei n. 6.142 de 5 de janeiro de 2004. Autoriza a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente a celebrar convênio com a Associação Prudentina de Educação e Cultura – APEC, objetivando a permissão de serviços médico-hospitalares de urgência e emergência, e dá outras providências. Disponível em: www.presidenteprudente.sp.gov.br. Consulta em 14 de abril de 2008 RIBEIRO, A. E. WERNECK. A análise geográfica dos gastos municipais em saúde. – Presidente Prudente: [s.n.], 2005.

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HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E IDENTIDADE: A FORMAÇÃO DOS LUGARES

Deise Campos Curcino

e-mail: [email protected]

Aluna do Bacharelado em Geografia

Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) UNESP - Campus de Presidente Prudente – SP

Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Orientadora: Profª. Dra. Rosângela Ap. de Medeiros Hespanhol

Resumo: Este trabalho teve como objetivo realizar uma discussão acerca da contribuição da História Oral para a formação dos lugares, já que a mesma é responsável por um conjunto de valores, tradições, conhecimentos e acontecimentos que, por meio da tradição oral, foram transmitidos às gerações. Nesse sentido, a evidência oral é uma forma de apreender o real, assim como o documento escrito também é um meio de representação do real. É realizada também uma discussão sobre a questão da memória como fenômeno socialmente construído e fonte de dados da história oral e sua relação com a identidade na produção dos lugares. Palavras-chave: história oral; memória de idosos; identidade; lugar. INTRODUÇÃO

Considerando que a história da humanidade se constitui em um importante registro

para entendermos as necessidades, os valores e as transformações histórico-geográficas

produzidas pelo Homem, a investigação dos lugares se faz importante ao passo que o

homem, como sujeito social, ao imprimir no espaço geográfico suas marcas/símbolos,

caracteriza e diferencia os espaços, tornando-os territórios e/ou lugares. Foi pensando

nesses espaços específicos que este trabalho se torna relevante.

Para o desenvolvimento deste trabalho objetivou-se realizar uma discussão acerca

da contribuição da História Oral para a formação dos lugares, além da questão da memória

como fenômeno socialmente construído e fonte de dados da história oral; e a relação entre

memória e identidade na produção do espaço.

Sabe-se que a consolidação da história oral no meio acadêmico deu-se somente em

meados da década de 1990. Neste período, foi criada (em 1994) a Associação Brasileira de

História Oral (ABHO), que passa a congregar os estudiosos e pesquisadores das Ciências

Humanas de todas as regiões do país. Isso porque, com o desenvolvimento da escrita, a

tradição documental tornou-se um recurso mais valorizado e confiável para historiadores e

estudiosos.

Assim, a valorização das memórias e das recordações permite a construção de uma

história mais socialmente consciente e democrática. O uso de entrevistas também possibilita

que pessoas ágrafas contribuam para a elaboração de uma leitura dos acontecimentos.

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CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares

650

HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E IDENTIDADE: A FORMAÇÃO DOS LUGARES

Bosi (1994) relata que, através da voz, tem-se “a vida e o pensamento de seres que

já trabalharam por seus contemporâneos e por nós. Este registro alcança uma memória

pessoal que é também uma memória social, familiar e grupal” (p.33).

Assim, podemos reconstruir, por meio da memória de idosos, acontecimentos

históricos e paisagens geográficas, além desses atores revelarem em suas falas um modo

de viver, valores e costumes próprios da comunidade a qual pertencem. Por isso, esse

recurso torna-se de grande valor à formação de uma identidade com o seu lugar.

Para Bernardo (1998, p.44), “a memória de diferentes grupos sociais constitui um

bem cujo valor é inestimável”. Esta autora analisa a memória pelo viés da resistência.

Assim,

(...) pelo trabalho das lembranças, reconstrói-se aqui o que se deixou lá. A análise da memória permite captar não só as lembranças, o imaginário, mas também as reconstruções reais. É nesta perspectiva que a memória significa resistência (BERNARDO, 1998, p.44).

Desta forma, nesse trabalho, ao se trabalhar a memória como registro, temos a

possibilidade de compreender a formação dos lugares como um produto social e histórico,

além de se constituir como um importante espaço de vivências.

Para Pollak (1992, p.02),

A priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.

Pollak (1992, p. 4-5) fala sobre a memória como um fenômeno construído, que os

modos de construção podem tanto ser conscientes como inconscientes. “O que a memória

individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro

trabalho de organização”. A organização em função das preocupações pessoais e políticas

do momento mostra que a memória é seletiva e um fenômeno construído social e

individualmente.

Quando se trata de memória herdada, Pollak (1992, p.5) afirma que “há uma ligação

fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade”1. Pollak

1 O sentido de sentimento de identidade empregado é o “o sentido de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida como quer ser percebida pelos outros” (POLLAK, 1992, p. 5).

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

651

recorreu à psicologia social e, em parte, à psicanálise para entender a questão da

identidade e identificou três elementos essenciais:

Há a unidade física, ou seja, o sentimento de ter fronteiras, no caso do corpo da pessoa, ou fronteiras de pertencimento ao grupo, no caso de um coletivo; há a continuidade dentro do tempo, no sentido físico da palavra, mas também no sentido moral e psicológico; finalmente, há o sentimento de coerência, ou seja, de que os diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados (POLLAK, 1992, p. 05).

Por isso a memória, por muito tempo, foi responsável por um conjunto de valores,

tradições, conhecimentos e acontecimentos que, por meio da tradição oral, foram

transmitidos às gerações. E, após a criação do gravador à fita na Europa, nos EUA e no

México no início da década de 1950, o recurso de gravar o depoimento de testemunhas da

história se difundiu.

A consolidação da história oral no meio acadêmico deu-se somente em meados da

década de 1990. Neste período, foi criada (em 1994) a Associação Brasileira de História

Oral (ABHO), que passa a congregar os estudiosos e pesquisadores das Ciências Humanas

de todas as regiões do país. Os associados fazem uso da história oral em seus estudos e

pesquisas por meio do registro da voz de pessoas que viveram ou testemunharam

acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida e/ou outros aspectos da história

contemporânea. Além desse marco, em 1996 foi criada a Internacional Oral History

Association (IOHA), que também contribui para a difusão e aprimoramento dos estudos na

área de história oral (www.cpdoc.fgv.br/abho/).

Apesar da expressão “história oral” ser recente, o uso da evidência oral é tão antiga

quanto à história. Nas sociedades pré-letradas, por exemplo, toda história era oral. Essa

tradição oral permitiu que o conhecimento fosse transmitido de geração para geração até o

momento em que este pudesse ser registrado em papéis (THOMPSON, 1998).

Thompson (1998, p.47) destaca que:

Em Ruanda, por exemplo, genealogistas, memorialistas, rapsodos e abiiru, cada um deles era responsável pela preservação de um tipo diferente de tradição. Os genealogistas, abacurabwenge, tinham que se lembrar das listas dos reis e das rainhas-mãe; os memorialistas, abateekerezi, os acontecimentos mais importantes de cada reinado; os rapsodos, abasizi, preservavam os panegírios aos reis; e os abiiru, os segredos da dinastia. ‘Sem nós, os nomes dos reis se desvaneceriam no esquecimento, nós somos a memória da humanidade’, proclamavam com razão os cantores e louvores.

Mas, com o desenvolvimento da escrita, a tradição documental tornou-se um recurso

mais valorizado e confiável para historiadores e estudiosos em geral. Sobre esse fato,

Thompson (1998, p.50) comenta que

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CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares

652

A memória foi rebaixada do status de autoridade pública para o de um recurso auxiliar privado. As pessoas ainda se lembram de rituais, nomes, canções, histórias, habilidades; mas agora é o documento que se mantém como autoridade final e como garantia de transmissão para o futuro. Em conseqüência, exatamente aquelas tradições orais públicas e de longo prazo, outrora as de maior prestígio, é que se tem mostrado mais vulneráveis. Em contraposição, a reminiscência pessoal e as tradições particulares das famílias, que raramente são postas no papel [...] é que ser tornaram o tipo padrão de evidência oral.

A tradição documental, neste sentido, tornou-se predominante, sendo a evidencia

oral um recurso visto como “não confiável”. Porém, atualmente existem vários trabalhos

sobre história oral, mas a problemática ainda permanece no meio acadêmico: a

confiabilidade da memória. Essa fidedignidade da tradição oral (valores e momentos que

são transmitidos às gerações) e das reminiscências (experiências vividas) é motivo de

críticas, por estarem embasadas na subjetividade.

No entanto, toda e qualquer experiência ou conhecimento antes de ser documentado

em papéis não resulta de uma leitura subjetiva? Toda e qualquer obra expressa um certo

“olhar do mundo”, pois tanto na elaboração como na sua análise, o homem está carregado

de valores que implicarão na finalidade e no processo do trabalho. O autor pode representar

o espaço geográfico e as relações nele presentes a partir da sua relação com o lugar

(espaço vivido), sendo que o leitor ao apreciar uma obra, também constrói outra forma de

representação da vivência, a partir da sua interpretação do autor da obra. Desta forma, a

evidência oral é uma forma de apreender o real, assim como o documento escrito também é

um meio de representação do real.

Muitos trabalhos foram realizados antes da historia oral tornar-se banco de dados

para as pesquisas contemporâneas através da gravação da voz dos entrevistados.

Thompson (1998) lembra que Jules Michelet, historiador francês de meados do século XIX,

escreveu sua História da Revolução Francesa,

[...] tinha por certo que os documentos escritos deviam ser apenas uma entre muitas outras fontes. Ele podia valer-se da própria memória, pois nascera em Paris em 1798, menos de dez anos depois da queda da Bastilha. Porém, durante dez anos colheu sistematicamente evidência oral fora de Paris. Sua intenção era contrabalançar a evidência dos documentos oficiais com o julgamento político da tradição oral popular (THOMPSON, 1998, P.45).

Segundo Thompson (1998) a valorização das memórias e recordações permite a

construção de uma história mais socialmente consciente e democrática. O uso de

entrevistas também possibilita que pessoas ágrafas contribuam para a elaboração de uma

leitura dos acontecimentos.

A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser usada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação;

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

653

pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o mundo exterior; e na produção da história – seja em livros, museus, rádio ou cinema – pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras (THOMPSON, 1998, p. 22).

Thompson (19998) contribui para a perspectiva de uma evidência oral que pode

conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história. Alega que “enquanto os

historiadores estudam os atores da história a distância, a caracterização que fazem de suas

vidas, opiniões e ações sempre estará sujeita a ser descrições defeituosas” (p.137). Isso se

deve ao fato de se pautarem em suas próprias experiências e imaginação, ou seja, uma

forma erudita de ficção.

Além de termos, por meio da história contada, uma representação dos

acontecimentos, da realidade, do espaço geográfico, como uma releitura do mundo, “a

evidência oral transforma os ‘objetos’ de estudo em ‘sujeitos’, contribui para uma história

que não só é mais rica, mais viva e mais comovente, mas também mais verdadeira”

(THOMPSON, 1998, p.137)”.

Sendo assim, as entrevistas, na forma de registro da voz, sem questões pré-

estabelecidas, se constitui em importante procedimento metodológico para conhecermos a

relação desses “velhos” atores sociais com a produção dos lugares.. Essa apreensão esta

ligada ao contexto e ambiente em que viveram e vivem, estando também relacionada às

memórias, que de certa forma, refletem relações de identidade.

Pollak (1992) contribui para o entendimento da identidade dizendo que esta é um

fenômeno que se produz em referência aos outros, em relação aos critérios de

aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação

direta com outros. A memória e a identidade, desta forma, são valores disputados em

conflitos sociais e intergrupais. Por exemplo, a memória e a identidade constituem um ponto

importante na disputa pelos valores familiares (POLLAK, 1992).

Loureiro & Príncipe (2002), por sua vez, trabalham com uma outra dimensão de

identidade: a identidade local. Essas autoras abordam a teoria do processo identitário de

Breakwell2 que propõe que a identidade pode ser conceituada como um organismo que se

desenvolve através dos processos de assimilação, acomodação e avaliação. Esse processo

identitário é regido por quatro princípios que definem a estrutura da identidade: auto-estima,

continuidade, distintividade e controlo.

A auto-estima esta relacionada com avaliação positiva que o sujeito faz do grupo ao

qual pertence e com o sentimento de valor e orgulho social. O sentimento de auto-estima

pode ser impulsionado pelas qualidades de um local. A continuidade está relacionada à

ligação no espaço e no tempo entre o passado e o presente. A distintividade revela-se no

2 BREAKWELL, G. M. Coping with threatened identities. London: Mhetuem & Co, 1986.

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CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares

654

desejo e necessidade de os indivíduos se sentirem únicos e especiais, podendo o fato de

habitar um determinado lugar servir para o sujeito se diferenciar dos outros. E o controlo ou

auto-eficácia é definido como a confiança que o individuo tem nas suas capacidades de

resolver as exigências do ambiente em que vive (LOUREIRO & PRÍNCIPE, 2002).

Haesbaert (1996) também discute sobre a questão da identidade, alegando que os

espaços expressam muito mais que a manifestação concreta de seus prédios, estradas e

montanhas. Há uma referência identitária nesses espaços, uma leitura simbólica que

emana, uma apropriação estética específica, capaz de fortalecer uma identidade coletiva

que é também uma identidade territorial. “Assim se formam ou se forjam identidade locais,

regionais, nacionais etc. fortalecidas não apenas pelos territórios ‘de naturalidade’, em seu

sentido concreto, mas também por territórios simbólicos” (HAESBAERT, p. 149, 1996).

Essas dimensões de identidade revelam que o processo de ocupação, apropriação e

produção do espaço geográfico, além de ser econômico, é também cultural. Esse último

está associado a um conjunto de elementos identitários. Conforme os grupos sociais se

deslocam, estabelecem novas relações com o território; incorporam costumes, valores e

expressões lingüísticas, estabelecendo novas territorialidades e relações de identidade.

Essas relações de identidade se expressam nos lugares por meio da dimensão simbólica e

do cotidiano dos atores sociais em seu meio de convívio.

Desta forma, pode-se mencionar que cada lugar possui seu “jeito”, que é singular e

sentido de forma diferenciada por cada indivíduo. Segundo Carlos (1996, p.20), “o lugar é a

porção do espaço apropriável para a vida – apropriada através do corpo – dos sentidos –

dos passos de seus moradores [...]”. Diante de tal assertiva, podemos entender o lugar

como “espaço vivido” ou como diz Tuan (1980, p.107), “[...] o lugar ou o meio ambiente é o

veículo de acontecimentos emocionalmente fortes ou é percebido como um símbolo”.

Desta forma, o lugar nos revela experiências do ser, flashes históricos e

transformações sociais, econômicas e culturais. Mas, qual porção do espaço pode ser

conceituada como lugar? Na perspectiva de Carlos (1996, p.20):

São os lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida [...] isto é, pelas formas através das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo seu uso.

Assim, o lugar na Ciência Geográfica pode ser entendido como a relação que se dá

entre o homem e seu meio vivido. É a partir desse entendimento que a investigação dos

“lugares” se faz importante, e a partir da história contada pelos idosos é possível identificar

os momentos e os diferentes usos do espaço cotidiano.

A dimensão lugar, como categoria de análise, nos faz pensar nas particularidades

do espaço vivido, que diante da tendência à mundialização, ou seja, um processo unificador

de valores, modos de vida e espaços, tem, cada vez mais, espaços homogêneos que

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

655

colocarão fim as particularidades dos lugares. Ferreira (1999, p.30) aponta que:

[...] o processo da mundialidade em constituição e da instantaneidade dos fluxos de comunicação que a sustentam, da dessimbolização do mundo em benefício dos signos, da ‘metáfora do globo terrestre’, difundido em larga medida pela profusão das mensagens publicitárias na atualidade, parecem contribuir de modo decisivo para um desenraizamento generalizado: das gentes, culturas, lugares, espaços.

Ferreira (1999) se refere aos desdobramentos de uma revolução científico-

tecnológica e nas comunicações que deu origem a uma concepção de tempo/espaço

hegemônicos e que se define por uma sociedade mundializada. Esse processo resulta no

enfraquecimento dos laços homem/lugar.

Não obstante, esse distanciamento homem-lugar é um, entre tantos processos de separação (homem-natureza, campo-cidade, trabalho-lazer, obra-produto, etc.) promovidos pelo capitalismo, que no seu curso, estende as relações de troca ao espaço inteiro, constituindo a ‘sociedade global’ tal como hoje a conhecemos (FERREIRA, 1999, p. 36).

Desta forma, é pensando na sociedade mundializada que tende a homogeneizar os

conteúdos sociais localizados e torná-los simples espaços de consumo, que esse trabalho

pretende analisar o registro da voz dos atores sociais que participaram do processo de

formação e consolidação dos lugares se faz importante. Isso porque, a partir das histórias

contatas, pode-se identificar o processo histórico, assim como o valor de uso, a apropriação

como prática social.

Como afirma Carlos (1996, p.15-16),

[...] o lugar se produz na articulação entre o mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular. Deste modo o lugar se apresentaria como o ponto de articulação entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento.

Portanto, conhecer a história dos lugares é um desafio em busca de elementos que

possam ser articulados de forma a nos mostrar um cenário geográfico em que as dimensões

culturais e sociais, além das políticas e econômicas, se constituem em “peças” de um

mosaico. Este, por sua vez, possibilita diferentes leituras do todo e das partes (“as peças”).

Bastos (1993, p. 55) ao fazer uma análise da literatura como forma de representação

do real, nos dá margem para pensar, no caso específico proposto neste trabalho sobre a

memória de idosos, que a história contada por estes também se constitui em uma forma de

representação do real, “uma forma específica de representação do espaço geográfico (...),

de acordo com a ótica e as vivências” do narrador.

Bosi (1994, p. 85) salienta que hoje a comunicabilidade da experiência diminuiu, “não

há mais conselhos, nem para nós nem para os outros. Na época da informação, a busca da

sabedoria perde as forças, foi substituída pela opinião”. Assim, este trabalho voltou-se para

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CURCINO, Deise C. História oral, memória e identidade: A formação dos lugares

656

a memória de idosos, de forma a valorizar a riqueza de acontecimentos históricos e

paisagens geográficas contadas a partir da lembrança dos mesmos. As lembranças podem

ser investigadas como “um meio de representação do real no qual os processos de

estruturação do simbólico estão presentes” (BASTOS, 1993, p.57).

Benjamin (1994, p.224) contribui para essa perspectiva ao destacar que:

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.

Deste modo, deve-se considerar como “peça” importante deste mosaico, as

reminiscências registradas pela voz dos entrevistados, no nosso caso, os idosos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo sobre a história oral como recurso metodológico para compreendermos a

formação dos lugares e a identidade dos atores sociais revelou nesse trabalho um conjunto

de elementos que nos permite pensar as particularidades dos lugares em relação à

tendência a homogeneização dos padrões de produção e das relações sociais.

Foi possível também estabelecer conexões entre o registro da voz e a memória a

partir da relação do homem com o espaço vivido. A memória nesse aspecto tem papel

importante, pois é a partir dela que se articulam os acontecimentos, os personagens e os

lugares vividos ou herdados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, Ana Regina Ribeiro. Espaço e Literatura: algumas reflexões teóricas. Espaço e Cultura, nº5, jan/jun de 1998, p. 55-66. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da História. In: BENJAMIN, Walter (org.). Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. SP: Brasiliense, 1994, p. 222-232. BERNARDO, Teresinha. Memória como Resistência: O migrante. Travessia, setembro-dezembro/1998, p. 44-45. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. SP: Companhia das Letras, 1994. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Lugar no/do Mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. FERREIRA, Genovan P. de Moraes. A Praça, A Rua... A TV de Rua: Usos do Espaço, Permanências do Lugar. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Programa de Pós-graduação em Geografia,

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

657

HAESBAERT, Rogério. Território e Identidade: raízes do gauchismo e da nordestinidade. In: Des-territorialização e identidade: a rede gaúcha no nordeste. RS: Ed. da Universidade Federal Fluminense, 1997. ___________Território, poesia e identidade. In: Territórios Alternativos. RJ: Espaço e Cultura, p.20 a 32, 1996. LOUREIRO, Ana; PRINCIPE, Ana Pilipa. Identidade local e Identidade social: estudo comparativo das populações de Ponta Delgada e Lisboa. 1º Colóquio Psicologia Espaço e Ambiente. Universidade de Évora 9-10 Maio, 2002. POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. RJ, vol.5, n.10, 1992, p. 200-212. THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. SP: Paz e Terra, 1998. TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. (Trad. Lívia de Oliveira) São Paulo: Difel, 1980. Associação Brasileira de História Oral. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/abho/>. Acesso em: 20 jan. de 2009.

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CIDADES MÉDIAS, CRESCIMENTO ECONÔMICO E EXPORTAÇÕES: UMA ANÁLISE DE PRESIDENTE PRUDENTE E SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP

Denise Marini Pereira [email protected]

Estudante de Graduação em Geografia Universidade Estadual Paulista – FCT Campus de Presidente Prudente

Bolsista FAPESP (Iniciação Científica)

Resumo: Este artigo é resultado de pesquisa de iniciação científica em desenvolvimento, sob orientação do Professor Doutor Arthur Magon Whitacker do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – campus de Presidente Prudente -, financiada pela FAPESP e vinculada ao Grupo de Pesquisa Produção do Espaço Urbano e Redefinições Regionais (GAsPERR) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente. O objetivo deste trabalho foi o de compreender a relação entre o crescimento econômico e o mercado de trabalho de cidades médias com a participação destas no comércio exterior. Este recorte analítico será desenvolvido tomando-se como recorte territorial os municípios de Presidente Prudente e São José do Rio Preto, respectivamente, na porção Oeste e Noroeste do Estado de São Paulo. Palavras-chave: Crescimento Econômico; Mercado de Trabalho; Comércio Exterior; Cidades Médias. INTRODUÇÃO

A acumulação flexível do capital tem provocado mudanças significativas no espaço

geográfico. O nível de intersecção das economias mundiais cresce constantemente e

provoca transformações nas lógicas de estruturação de países e regiões. No Brasil isto

também é verdadeiro, mas não ocorre de forma homogênea e apresenta particularidades

que não podem ser apreciadas genericamente.

Embora o Brasil esteja envolvido com o comércio internacional desde o início de sua

colonização, sua intensificação ocorreu tardiamente, no final do século XX com a

acumulação flexível do capital citada acima. Esta implica numa produção não mais em

massa, como no chamado período fordista, mas segmentada e definida a cada momento

pelas demandas do mercado. Devido às limitações estruturais e diferenças geográficas

existentes, tal flexibilização incrementou de forma desigual as relações econômicas entre

países.

Para tanto, governos de países e regiões, atrelados ao capital financeiro e industrial,

organizaram alianças estratégicas de caráter mundial, de forma que suas atividades

produtivas estivessem integradas e resultassem numa crescente interdependência entre os

sistemas produtivos nacionais e internacionais, por meio da intensificação de fluxos

financeiros (capital-dinheiro), fluxos comerciais (capital-mercadoria) e fluxos de inversão

direta (capital produtivo). Mediante essa estratégia, as produções são orientadas para

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PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...

660

consumo interno e também para exportar na busca de obter divisas1 que serão utilizadas,

dentre outras finalidades, para comprar aquilo que é necessário e não foi produzido.

A atual integração dos mercados financeiros mundiais e o crescimento do comércio

internacional foram possíveis e facilitados com o desenvolvimento acelerado das

telecomunicações, da informática e dos transportes. Tem-se o “meio técnico-científico e

informacional” (SANTOS, 2005) como expressão geográfica da globalização, reduzindo

distâncias e propiciando o crescimento econômico de países e regiões. Como contraponto,

deve-se reconhecer a fragilização de muitas economias nacionais, em decorrência de uma

grande dependência de capital externo, mercados globais e empresas transnacionais, numa

contramão das lógicas desenvolvimentistas de algumas décadas passadas que apregoavam

um modelo de fortalecimento de parques industriais e mercados nacionais.

No documento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior

denominado Balança Comercial Brasileira – Dados Consolidados 2006 há um

depoimento do Ministro Luis Fernando Furlan que afirma que o crescimento mais que

dobrado das exportações dos últimos quatro anos (anteriores a 2006) permitiu o saldo

acumulado, no mesmo período, de US$149,2 bilhões, contribuindo para a melhoria das

contas externas brasileiras e a estabilidade econômica. Em tal documento também é

possível averiguar a relevância do crescimento das exportações brasileiras expressa

não só no aumento de sua participação nas exportações mundiais, que vem superando

a marca de 1% (Gráfico 1), como também o seu crescimento na participação percentual

no PIB do Brasil ultrapassando os 14% (Gráfico 2).

Gráfico 1: Participação percentual das exportações brasileiras nas exportações mundiais. Fonte: Balança Comercial Brasileira – Dados Consolidados 2006.

1 Divisas são moedas fortes que os países precisam obter para pagar suas importações e outros compromissos internacionais.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

661

Gráfico 2: Participação percentual das exportações brasileiras no PIB do Brasil. Fonte: Balança Comercial Brasileira – Dados Consolidados 2006.

O setor que mais tem contribuído para este crescimento é o Agronegócio2, que

vem recebendo destaque mundial nas exportações. Segundo o Ministério da

Agricultura, Pecuária e do Abastecimento, na publicação AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

- Desempenho do Comércio Exterior referente ao ano de 2005, o agronegócio brasileiro foi

o maior detentor de saldo comercial agrícola do mundo em 2005, sendo responsável por

36,9% das exportações totais (Gráfico 3) e 27,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

0

20

40

60

80

100

120

140

160

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

U S

$

B i

l h õ

e s

EXP TOTAL IMP TOTAL EXP AGRONEGÓCIO IMP AGRONEGÓCIO

Fonte: AgroStat Brasil a partir de dados da SECEX/MDICElaboração: CGOE / DPIA / SRI / MAPA

Gráfico 3 – Desempenho da balança comercial brasileira e do agronegócio (em US$ bilhões), 1989 - 2006. Fonte: AgroStat Brasil a partir de dados da SECEX/MDIC.

As exportações em nível nacional, estadual e municipal, apresentam-se para os

governos como uma fonte de acúmulo de reservas para enfrentamento de possíveis crises

2 Cabe aqui a distinção entre agronegócio e agropecuária. Bacha (2007) define agronegócio como a tradução de agribusiness e se refere ao conjunto de atividades realizadas pela agropecuária e pelos setores a ela vinculadas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), envolve as atividades dos setores primário, secundário e terciário da economia. A agropecuária esta ligada ao setor primário da economia.

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PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...

662

em sua economia. Assim explicam-se os incentivos do governo nacional, através da

concessão de créditos e incentivos fiscais, para que as empresas brasileiras insiram-se no

comércio internacional e justifica-se o fato deste ser um importante motivador ao se

vislumbrar o desenvolvimento econômico.

Para a compreensão deste quadro, estabelecendo-se elementos que permitam

verificar a validade, ou não, destes argumentos para diferentes recortes regionais

brasileiros, é imprescindível considerar a importância dos diversos agentes econômicos no

desenvolvimento ou no crescimento econômico de países e regiões, compreendendo seus

papéis na consolidação de diferentes territórios e as modificações que eles exercem na

forma de organização das sociedades.

Segundo Whitacker:

[...] Territorialmente, passamos a ter uma maior mobilidade das indústrias, dos centros de pesquisa e de marketing, por exemplo, permanecendo, porém, centralizado o nível de gestão decisória. (WHITACKER, 2007, p.9).

Esta dinâmica, em relação ao Brasil, pode ser destacada ao se observar as recentes

mudanças na lógica de estruturação de sua rede urbana, ocasionadas pelas transformações

na divisão regional do trabalho do país e de seus novos papéis desempenhados na divisão

internacional do trabalho.

Os fluxos internos no território brasileiro ampliaram-se, de forma que as cidades se

tornaram mais integradas pelo seu modo de produção e, consequentemente, aumentaram

em número e importância. Ou seja, a dinâmica da globalização expressa nas novas formas

de internacionalização, implicou na desconcentração de parte das atividades industriais e de

outras correlatas e associadas, aumentando os papéis de cidades grandes e médias. Alguns

autores como Santos explicam esse processo da seguinte forma:

[...] A relação entre a internacionalização e as cidades ganha nova dimensão com o processo de globalização por que passa, hoje, todos os continentes. Pelos objetos em que se apóia e pelas relações que cria, a nova divisão do trabalho leva a uma verdadeira mundialização dos lugares. [...] Essa mundialização dos lugares permite a criação de lugares especializados e de lugares complexos. [...] No caso brasileiro, a região privilegiada é o Sudeste e os lugares privilegiados são as metrópoles, às quais recentemente também vem juntar-se um grande número de cidades médias, graças ao desenvolvimento agrícola e industrial. (SANTOS, 1994, p.17.19).

Em busca compreender a relação entre o crescimento econômico e o mercado de

trabalho de cidades médias com a participação destas no comércio exterior, a análise

proposta se faz sobre Presidente Prudente (situado na porção oeste do Estado de São

Paulo, com extensão territorial de 562 Km² e aproximadamente 203 mil habitantes) e São

José do Rio Preto (localizado na porção noroeste do Estado de São Paulo, com 431 Km² de

extensão territorial e aproximadamente 403 mil habitantes). A escolha deste recorte de

análise se justifica pelo interesse em compreender as diferentes formas de organização

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

663

territorial de duas cidades médias, sedes de Região Administrativas do Estado, que

desenvolveram diferentes importâncias econômicas locais, nacionais e internacionais com a

intensa participação no comércio internacional.

DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA

Nos últimos oito anos consecutivos Presidente Prudente mantêm-se entre os três

maiores exportadores de couro do país3. São José do Rio Preto, apesar de não apresentar

exportações tão expressivas quantitativamente, aderiu em 2003 á Rede Mercocidades4, o

que demonstra uma potencialização das atividades já produzidas e um forte atrativo para

investimentos públicos e privados, também expressos com a inclusão do município em 2008

no Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, organizado pela Secretaria de

Desenvolvimento que objetiva incentivar e promover o desenvolvimento econômico do

estado.

Sob uma análise histórica, de 1997 a 2006, da Balança Comercial dos dois

municípios, notável se faz os expressivos valores de Presidente Prudente com a exportação

total neste período de US$ 841.899.746 e os crescentes saldos positivos. Em São José do

Rio Preto, o mesmo não ocorre. Suas exportações são de baixo valor, totalizando no mesmo

período de análise US$ 110.680.664 e com saldos positivos somente a partir de 2003,

porém, sem apresentar crescimento regular. Se ainda as exportações dos dois municípios

forem comparadas com as do Estado de São Paulo e do país, é possível observar que

enquanto as exportações do Estado variaram 154% no período de análise, as de Presidente

Prudente variam 1.544% e as de São José do Rio Preto 296%.

TABELA 1 – Evolução e variação das exportações de Presidente Prudente, São José do Rio Preto, Estado de São Paulo e Brasil (US$F.B.O).

Ano P.PTE Var. (%) SJRP

Var.(%)

Estado de São Paulo

Var. (%) BRASIL

Var.(%)

1997 13.004.743 - 6.575.664 - 18.090.991.000 - 52.982.726.000 - 1998 22.351.192 72 5.234.973 -20 18.226.059.000 1 51.139.862.000 -3 1999 35.278.911 58 6.053.488 16 17.541.838.000 -4 48.011.444.000 -6 2000 32.130.155 -9 7.388.014 22 19.787.863.000 13 55.085.595.000 15 2001 62.743.437 95 6.654.405 -10 20.623.858.000 4 58.222.642.000 6

3 Com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil, a maior empresa exportadora de couro de Presidente Prudente, Vitapelli, recebeu nos últimos oito anos consecutivos a premiação da Feira Internacional de Couros, Produtos Químicos, Equipamentos e Máquinas para Calçados e Curtumes com o Troféu Desempenho Exportação, que lhe concede a classificação entre as maiores empresas exportadoras de couro do país. 4 De acordo com a Conjuntura Econômica 2006 de São José do Rio Preto, Mercocidades é uma rede de cooperação horizontal integrada atualmente por 140 cidades do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e de países associados (Bolívia, Chile e Peru), que proporciona a inserção de cidades no processo de integração regional do Mercosul. Os principais objetivos da Rede Mercocidades são fortalecer a participação dos Municípios no Mercosul e impulsionar, ao mesmo tempo, o intercâmbio e a cooperação entre os governos locais.

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PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...

664

2002 75.383.782 20 6.586.991 -1 20.105.998.000 -3 60.361.786.000 4 2003 83.819.242 11 11.857.546 80 23.074.439.000 15 73.084.140.000 21 2004 142.863.310 70 17.074.197 44 31.038.788.000 35 96.475.244.000 32 2005 160.519.961 12 17.188.633 1 38.007.693.000 22 118.308.387.000 23 2006 213.805.013 33 26.066.753 52 45.929.528.000 21 137.469.700.000 16 Total 841.899.746 1544 110.680.664 296 252.427.055.000 154 751.141.526.000 159

Fonte: SECEX/MIDIC – ALICE (www.desenvolvimento.gov.br - Acesso em maio de 2009). Organização: PEREIRA, Denise Marini.

Ao analisar as empresas que compõem o mercado internacional dos municípios,

seus ramos de atividades e a faixa de valor que exportam5, identificou-se que estas estão

concentradas majoritariamente no setor da Indústria de Transformação,

secundariamente no Comércio e de modo não muito significativo nos setores de

Construção e Agricultura. Tanto em Presidente Prudente, quanto em São José do Rio

Preto, as empresas de maior faixa de valor exportado pertencem ao setor do

agronegócio. Porém Rio Preto, além de possuir maior número de empresas

exportadoras também apresenta empresas do setor moveleiro e outros (confecções,

metalurgia, implementos rodoviários, equipamentos biomédicos, equipamentos

hidráulicos, máquinas etc.) que exportam significativos valores variando em quantidade

e setor conforme os anos, ou seja, há uma diversificação mesmo que pequena.

Para compreender os elevados valores das exportações de Presidente Prudente

e sua intensificação ao longo dos anos foram analisadas suas pautas de exportações

referentes aos anos de 2005 e 20066. Nelas foi identificada a constante liderança de

produtos semi-manufaturados do setor agrícola. No ano de 2006, o couro, foi

responsável por 80% das exportações, a carne por 8% e o açúcar 5%. Sendo assim, os

dados comprovam que, apesar do município possuir uma balança comercial expressiva,

favorável e em evolução, sua economia é bastante dependente de um único setor do

agronegócio.

São José do Rio Preto apresenta maior distribuição dos produtos na participação da

pauta de exportações, o que pode ser exemplificado na pauta referente ao ano de 2006,

onde segundo a tipologia da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) têm-

se: a) outras miudezas comestíveis de bovinos congeladas (23,36%); b) outros reboques e

semi-reboques para transporte de mercadorias (12,84%); c) painéis de madeira para

assoalho (11,18%). Tais dados sinalizam que São José do Rio Preto não é dependente de

apenas uma atividade produtiva, como a priori parece ser Presidente Prudente. Ou seja,

suas exportações não estão totalmente condicionadas a único tipo de demanda, o que pode

afirmar e justificar o potencial produtivo das atividades desenvolvidas no município e, de

modo parcial, sua relevância internacional. 5 Dados extraídos no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, disponibilizados e analisados anualmente no período de 2002 a 2008. 6 As pautas de exportações foram obtidas no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

665

Com relação à desenvoltura econômica dos municípios, foi utilizado como indicador

inicial seus respectivos PIBs7 e calculado a participação percentual de cada setor no PIB

total (Tabela 2 e 3).

Tabela 2: Valor adicionado total, por setores de atividade econômica, Produto Interno Bruto total, percentual e per capita a preços correntes – Presidente Prudente (SP).

Valor Adicionado Total, por Setores de Atividade Econômica, Produto Interno Bruto Total, percentual e per capita a Preços Correntes.

Município de Presidente Prudente (SP)

Ano Valor Adicionado (em milhões de reais) PIB (2) PIB per

Capita (reais) Agropecuária % Indústria % Serviços

(1) % Total

2002 19,74

1,17

333,74

19,71

1.339,61

79,12

1.693,09

1.920,75

9.800,10

2003 15,39

0,83

350,24

18,92

1.485,75

70,89

1.851,39

2.095,80

10.549,11

2004 17,00

0,85

381,51

19,06

1.603,56

80,10

2.002,06

2.258,98

11.219,34

2005 22,57

1,01

410,11

18,29

1.809,52

80,70

2.242,20

2.530,52

12.402,34

2006 28,28

1,15

457,04

18,50

1.984,71

80,35

2.470,04

2.796,17

13.527,40 (1) Inclui o VA da Administração Pública. (2) O PIB do Município é estimado somando os impostos ao VA total. Fonte: Fundação Seade; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Organização: PEREIRA, Denise Marini. Tabela 3: Valor Adicionado Total, por Setores de Atividade Econômica, Produto Interno Bruto Total, percentual e per capita a Preços Correntes – São José do Rio Preto (SP).

Valor Adicionado Total, por Setores de Atividade Econômica, Produto Interno Bruto Total, percentual e per capita a Preços Correntes.

Município de São José do Rio Preto (SP)

Ano Valor Adicionado (em milhões de reais) PIB (2) PIB per

Capita (reais) Agropecuária % Indústria % Serviços

(1) % Total

2002 18,88

0,54

543,62

15,67

2.906,58

83,79

3.469,07

3.908,05

10.266,33

2003 16,50

0,46

563,00

15,53

3.045,85

84,02

3.625,35

4.077,37

10.471,57

2004 17,68

0,44

656,46

16,40

3.329,74

83,16

4.003,88

4.482,52

11.260,37

2005 16,20

0,35

710,77

15,23

3.941,38

84,43

4.668,35

5.245,32

12.893,28

2006 17,41

0,34

722,62

14,16

4.362,88

85,50

5.102,91

5.732,01

13.795,18 (1) Inclui o VA da Administração Pública. (2) O PIB do Município é estimado somando os impostos ao VA total. Fonte: Fundação Seade; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Organização: PEREIRA, Denise Marini.

Quando comparados o PIBs totais dos municípios de 2002 a 2006, nota-se que São

José do Rio Preto possui um PIB equivalente a pouco mais que o dobro do de Presidente

Prudente em todos os anos. No entanto, os dados podem ser relativizados uma vez que os 7 Os PIBs apresentados seguem a periodicidade de 2002 a 2006 por serem referentes ao novo cálculo estabelecido pelo IBGE, sendo que os novos valores não estão disponibilizados para anos anteriores ou posteriores a este período.

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PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...

666

dois municípios se assemelham no PIB per capta, embora São José do Rio Preto tenha o

tamanho populacional quase que o dobro de Presidente Prudente.

Com os valores percentuais de cada setor é possível verificar, em ambas cidades, a

grande relevância do setor de Serviços na composição total do PIB, e a importância

secundária do setor da Indústria. Porém, se análises isoladas fossem feitas a tais variáveis

percentuais, seria possível supor um crescimento mais qualitativo do ponto de vista de

investimentos em infra-estruturas e desenvolvimento técnico-industrial de Presidente

Prudente em relação a São José do Rio Preto, pela Indústria apresentar percentuais

crescentes e superiores de participação no PIB. Mas esta não é a realidade quando se

verificam as atividades econômicas e os empregos desenvolvidos nos municípios.

Como já demonstrado, as exportações das cidades em estudo estão concentradas

no setor da Indústria de Transformação e seus PIBs Industriais apresentam relevante

importância na geração das riquezas municipais. Por tanto, para analisar o mercado de

trabalho deste setor, foram coletados dados8 dos empregos (Gráfico 4 e 5) apenas de 2006,

devido à extensa tipologia da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0):

Gráfico 4: Empregos da Indústria de Transformação (CNAE 2.0): Presidente Prudente, 2006. Fonte: RAIS/MTE – Ministério do Trabalho e do Emprego. Organização: PEREIRA, Denise Marini.

8 Os dados referentes aos empregos foram coletados no site do Ministério do Trabalho e do Emprego através da Relação Anual de Informações (RAIS).

EMPREGOS DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO (CNAE 2.0): PRESIDENTE PRUDENTE, 2006.

DI V I SAO 10 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS ALI M E NT Í CI OS ( 36%)

DI V I SAO 11 - FABRI CAÇÃO DE BE BI DAS ( 5%)

DI V I SAO 12 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DO FUM O ( 0%)

DI V I SAO 13 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS T Ê X T E I S ( 0 , 3%)

DI V I SAO 14 - CONFE CÇÃO DE ART I GOS DO V E ST UÁRI O E ACE SSÓRI OS ( 3%)

DI V I SAO 15 - P RE P ARAÇÃO DE COUROS E FABRI CAÇÃO DE ART E FAT OS DE COURO,ART I GOS P ARA V I AGE M E CALÇADOS ( 31%)DI V I SAO 16 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M ADE I RA ( 0, 1%)

DI V I SAO 17 - FABRI CAÇÃO DE CE LULOSE , P AP E L E P RODUT OS DE P AP E L ( 5%)

DI V I SAO 18 - I M P RE SSÃO E RE P RODUÇÃO DE GRAV AÇÕE S ( 2%)

DI V I SAO 19 - FABRI CAÇÃO DE COQUE , DE P RODUT OS DE RI V ADOS DO P E T RÓLE O EDE BI OCOM BUST Í V E I S ( 0%)DI V I SAO 20 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS QUÍ M I COS ( 0, 6%)

DI V I SAO 21 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS FARM OQUÍ M I COS EFARM ACÊ UT I COS( 0, 4%)DI V I SAO 22 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE BORRACHA E DE M AT E RI AL P LÁST I CO( 0, 2%)DI V I SAO 23 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M I NE RAI S NÃO M E T ÁLI COS ( 1%)

DI V I SAO 24 - M E T ALURGI A ( 2%)

DI V I SAO 25 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M E T AL, E X CE T O M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 2%)DI V I SAO 26 - FABRI CAÇÃO DE E QUI P AM E NT OS DE I NFORM ÁT I CA, P RODUT OSE LE T RÔNI COS E ÓP T I COS ( 2%)DI V I SAO 27 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS, AP ARE LHOS E M AT E RI AI S E LÉ T RI COS( 1%)DI V I SAO 28 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS E E QUI P AM E NT OS ( 2%)

DI V I SAO 29 - FABRI CAÇÃO DE V E Í CULOS AUT OM OT ORE S, RE BOQUE S ECARROCE RI AS ( 3%)DI V I SAO 30 - FABRI CAÇÃO DE OUT ROS E QUI P AM E NT OS DE T RANSP ORT E , E X CE T OV E Í CULOS AUT OM OT ORE S ( 0 , 1%)DI V I SAO 31 - FABRI CAÇÃO DE M ÓV E I S ( 1%)

DI V I SAO 32 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DI V E RSOS ( 0, 7%)

DI V I SAO 33 - M ANUT E NÇÃO, RE P ARAÇÃO E I NST ALAÇÃO DE M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 0, 2%)

Fabricação de Produtos Alimentícios

Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos para

Viagem e Calçados

31%

5%

Fabricação de Bebidas

Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel

5%

36%

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

667

Gráfico 5: Empregos da Indústrias de Transformação (CNAE 2.0): São José do Rio Preto, 2006. Fonte: RAIS/MTE – Ministério do Trabalho e do Emprego. Organização: PEREIRA, Denise Marini.

Em relação a Presidente Prudente, o gráfico deixa claro a desproporcionalidade da

distribuição dos empregos. Estão concentrados em apenas duas atividades, fabricação de

produtos alimentícios (36%) e preparação de couros e artigos para viagem e calçados

(31%), 67% dos empregos totais da Indústria de Transformação, o que é favorável para a

formação de monopólios e oligopólios das atividades desenvolvidas e, consequentemente,

para a fragilização da economia do município ao depender de demandas específicas.

No entanto, constata-se em São José do Rio Preto uma maior dispersão dos

empregos ao verificar que 15% estão na fabricação de móveis, 14% na fabricação de

produtos de metal (exceto máquinas e equipamentos), 13% na confecção de artigos do

vestuário e acessórios e o restante com percentuais inferiores a 10% nos demais setores da

Indústria de Transformação. Faz-se relevante observar que o setor que mais exporta no

município, fabricação de produtos alimentícios, não é o que mais emprega, ao contrário de

Presidente Prudente. Tal fato pode apontar para certa estabilidade da economia de Rio

Preto perante as crises internacionais por possuir uma produção mais diversificada e pode

indicar que seu potencial produtivo é o motivo de sua participação na Rede Mercocidades.

CONCLUSÃO

Sendo assim, com os dados e análises apresentadas até o presente momento, é

possível concluir que ambas as economias municipais ganharam importância internacional

com exportações de produtos pertencentes ao setor da Indústria de Transformação, porém,

EMPREGOS DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO (CNAE 2.0): SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, 2006.

DI V I SAO 10 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS ALI M E NT Í CI OS ( 9%)

DI V I SAO 11 - FABRI CAÇÃO DE BE BI DAS ( 1, 5%)

DI V I SAO 12 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DO FUM O ( 0%)

DI V I SAO 13 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS T Ê X T E I S ( 0 , 6%)

DI V I SAO 14 - CONFE CÇÃO DE ART I GOS DO V E ST UÁRI O E ACE SSÓRI OS ( 13%)

DI V I SAO 15 - P RE P ARAÇÃO DE COUROS E FABRI CAÇÃO DE ART E FAT OS DE COURO,ART I GOS P ARA V I AGE M E CALÇADOS ( 2%)DI V I SAO 16 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M ADE I RA ( 0 , 7%)

DI V I SAO 17 - FABRI CAÇÃO DE CE LULOSE , P AP E L E P RODUT OS DE P AP E L ( 1, 5%)

DI V I SAO 18 - I M P RE SSÃO E RE P RODUÇÃO DE GRAV AÇÕE S ( 2%)

DI V I SAO 19 - FABRI CAÇÃO DE COQUE , DE P RODUT OS DE RI V ADOS DO P E T RÓLE O EDE BI OCOM BUST Í V E I S ( 0%)DI V I SAO 20 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS QUÍ M I COS ( 2%)

DI V I SAO 21 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS FARM OQUÍ M I COS E FARM ACÊ UT I COS( 2%)

DI V I SAO 22 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE BORRACHA E DE M AT E RI AL P LÁST I CO( 3%)DI V I SAO 23 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M I NE RAI S NÃO M E T ÁLI COS ( 5%)

DI V I SAO 24 - M E T ALURGI A ( 2%)

DI V I SAO 25 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DE M E T AL, E X CE T O M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 14%)DI V I SAO 26 - FABRI CAÇÃO DE E QUI P AM E NT OS DE I NFORM ÁT I CA, P RODUT OSE LE T RÔNI COS E ÓP T I COS ( 0 , 5%)DI V I SAO 27 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS, AP ARE LHOS E M AT E RI AI S E LÉ T RI COS( 5%)DI V I SAO 28 - FABRI CAÇÃO DE M ÁQUI NAS E E QUI P AM E NT OS ( 3%)

DI V I SAO 29 - FABRI CAÇÃO DE V E Í CULOS AUT OM OT ORE S, RE BOQUE S ECARROCE RI AS ( 8%)DI V I SAO 30 - FABRI CAÇÃO DE OUT ROS E QUI P AM E NT OS DE T RANSP ORT E , E X CE T OV E Í CULOS AUT OM OT ORE S ( 0, 3%)DI V I SAO 31 - FABRI CAÇÃO DE M ÓV E I S ( 15%)

DI V I SAO 32 - FABRI CAÇÃO DE P RODUT OS DI V E RSOS ( 9%)

DI V I SAO 33 - M ANUT E NÇÃO, RE P ARAÇÃO E I NST ALAÇÃO DE M ÁQUI NAS EE QUI P AM E NT OS ( 0, 8%)

Fabricação de Móveis

15%

Fabricação de Produtos de Metal, Exceto Máquinas e Equipamentos

14%

Confecção de Artigos do Vestuário e

Acessórios

13%

Fabricação de Produtos Alimentícios9% Fabricação de

Produtos Diversos 9%

Fabricação de Veículos

Automotores, Reboques e Carrocerias

8%

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PEREIRA, Denise M. Cidades médias, crescimento econômico e exportações: uma análise ...

668

ambas vem se desenvolvendo por caminhos opostos: Presidente Prudente pela

especialização e Rio Preto pela diversificação.

BIBLIOGRAFIA BACHA, Carlos José Caetano. Evolução da Agropecuária e do Agronegócio no Brasil. São Paulo, ESALQ, 2007 BOLÇONE, Orlando José. Conjuntura Econômica de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto, SP: Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica, 2006. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior. MDIC. – Aliceweb. Balança Comercial Brasileira. Disponível em: < http://www.desenvolvimento.gov.br/>. CICB - Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil. http://www.brazilianleather.com.br, acesso em 12.05.2009 CHENAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1ª ed. em português, 1996. MAPA, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Agronegócio Brasileiro: Desempenho do Comércio Exeterior. www.agricultura.gov.br. Acesso em 13.05.2009 MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior – Aliceweb. Balança Comercial Brasileira. http://www.desenvolvimento.gov.br/, acesso em SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 5ª ed., 2005. SANTOS, Milton. Por uma economia política da cidade. São Paulo: Hucitec, 1994

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669

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A CIDADE COMO UMA OBRA: PROPOSTA PARA A “CARTA DE PRESIDENTE PRUDENTE: POR UM URBANISMO MAIS HUMANO”

Fernando de Oliveira Amorim [email protected]

Mestrando em Geografia – Produção do Espaço Urbano Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista

Bolsista CAPES

Resumo: A imagem da cidade, seus marcos e sinais, exercem influência sobre o cotidiano, e este, influencia sua imagem. Contumaz, o imaginário constrói o retrato da cidade e o retrato de uma cidade é seu imaginário. Há uma dinâmica nas relações existentes entre a cidade e seus cidadãos que são seus contempladores e seus guardiões. Mas olhar a cidade nesta sociedade do instantâneo requer do indivíduo consciência de sua existência nesta mesma cidade. Ao refletir sobre o conceito de Cidade Educadora na Carta das Cidades Educadoras proposto pela Declaração de Barcelona, em 1990, busca-se apreender seu caráter inovador propondo a “Carta de Presidente Prudente: por um urbanismo mais humano” como possibilidade de interação e incentivo à observância dos princípios da Carta das Cidades Educadoras em busca de uma vida mais saudável. Palavras-chave: Urbanismo; Cidades Educadoras; Direito à Cidade.

INTRODUÇÃO

Almejar uma cidade educadora é almejar uma cidade onde seu espaço urbano atua

como uma escola. Rua, parque, rio, favela, shopping, escolas, universidades, i.é, tanto

espaços públicos quanto privados, são espaços para a educação formal e informal

difundindo todo tipo de conhecimento a todos os cidadãos.

A Carta das Cidades Educadoras foi uma iniciativa lançada na Espanha, em 1990,

durante o 1º Congresso Internacional de Cidades Educadoras. Deste congresso formou-se a

Associação Internacional de Cidades Educadoras, reunião de municípios que se

comprometeram a transformar locais públicos em espaços educativos para a população,

sem excluir faixa etária ou classe social.

A cidade educadora deve desenvolver esta função paralelamente às suas funções

tradicionais, como econômica, social, prestação de serviços, etc., tendo em vista a

formação, promoção e o desenvolvimento de seus habitantes. Deve observar

prioritariamente crianças e jovens, mas incorporando pessoas de todas as idades, numa

formação contínua ao longo da vida. Alvorada (RS), Belo Horizonte (MG), Campo Novo do

Parecis (MT), Caxias do Sul (RS), Cuiabá (MT), Dourados (MS), Gravataí (RS), Jequié (BA),

Montes Claros (MG), Pilar (PB), Piracicaba (SP), Porto Alegre (RS), Santo André (SP),

Santos (SP), São Bernardo do Campo (SP), São Carlos (SP), São Paulo (SP), Sorocaba

(SP), etc. são alguns exemplos de cidades brasileiras que pertencem à Associação

Internacional de Cidades Educadoras.

Em entrevista concedida a Küchler (2004), a educadora Alicia Cabezudo diz que

para ser uma cidade educadora, é preciso ter um governo eleito democraticamente e o

compromisso do prefeito e da Câmara Municipal de incentivar novos projetos em educação.

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AMORIM, Fernando O. A cidade como uma obra: Proposta para a “Carta de Presidente ...

672

Os experimentos mais bem-sucedidos são apresentados anualmente no Congresso

Internacional das Cidades Educadoras.

O DESENVOLVIMENTO LOCAL DO MUNICÍPIO: PLANEJAMENTO E POSSIBILIDADES DA CIDADE EDUCADORA

Conforme Romão (2004), a cidade (ainda que a trajetória da civilização tenha

iniciado no campo) fascina o humano. “As grandes transformações da vida coletiva somente

foram possíveis quando homens e mulheres concentraram-se em espaços contíguos,

trocando serviços e sentimentos”, por exemplo, a polis grega e a urbs (civitas) romana na

urbanização ocidental.

Ressalta-se que polis é idéia fundamental de cidade. A polis grega implica

naturalmente em política e, conseqüentemente, em comunidade. Para o filósofo Aristóteles

(384/383-322 a.C.), o mais alto bem alcançado por uma ação envolta em raciocínio é a

política. O objetivo da vida política é o melhor dos fins, pois permite aos homens se

tornarem capazes de nobres ações. O filósofo coloca as relações políticas como único meio

de alcançar a eudaimonia – suprema felicidade. Descarta a possibilidade de uma realização

puramente individual, pois a felicidade só é possível para os cidadãos no âmbito da polis: ou

o homem é capaz de viver socialmente ou é um deus ou um animal. A natureza o faz um ser

social por excelência. Aristóteles nega a possibilidade aos homens de serem felizes onde

impera o individualismo desregrado, pois a relação ética-justiça se desenvolve tendo como

paradigma o ideal do bem comum do cidadão.

A busca por cidades ideais como locais onde o humano possa desenvolver

atividades em comunidades é um ideal perseguido desde a Antiguidade Clássica e

acompanha as ações humanas. Na Renascença, por exemplo, os humanistas retomam as

idéias urbanísticas da Antiguidade Clássica ao pensar a cidade medieval renascentista.

Thomaz Morus (1478-1535), na obra Utopia, início do século XVI, arquiteta idealmente como

deve ser a cidade, onde a igualdade entre seus habitantes está presente em todos os

seguimentos da vida em sociedade:

As ruas e as praças são convenientemente dispostas, seja para o transporte, seja para abrigar-se do vento. Os edifícios são construídos confortavelmente; brilham de elegância e de conforto e formam duas fileiras contíguas, acompanhado de longo as ruas, cuja largura é de vinte pés. Atrás, e entre as casas, abrem-se vastos jardins. Em cada casa há uma porta que dá para a rua e outra para o jardim. [...] Os habitantes da Utopia aplicam aqui o princípio da posse comum. Para abolir a idéia da propriedade individual e absoluta, trocam de casa todos os dez anos e tiram a sorte da que lhes deve caber na partilha. [...] Os utopianos atribuem a Utopus o plano geral de suas cidades. Este grande legislador não teve tempo de concluir as construções e embelezamentos que tinha projetado; isso demandava o trabalho de muitas gerações. Assim, legou à posteridade o cuidado de continuar e aperfeiçoar sua obra (MORUS, ed. 1972, PP. 220-1).

Este ideal de cidade foi superada, “pelos que nela viviam, pelos que se instalavam

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

673

nos ‘bourgs’ e eram espoliados pelas elites rurais da nobreza feudal: a burguesia” (ROMÃO,

2004). Os habitantes dos aglomerados urbanos negaram a primazia deste aglomerado em

benefício de um Estado mais amplo dando lugar à Cidade-Estado. Para este autor,

a Cidade-Estado dará lugar ao Estado Nacional, como realização da utopia burguesa. Nos dias atuais, ele tem sido desgastado pelos seus próprios criadores, que tiram o tapete da governabilidade estatal nacional, especialmente nos países da periferia do Capitalismo. Como dizem os cientistas sociais da atualidade “desterritorializaram-se” as identidades específicas.

Neste contexto, Munford (1998) afirma que a cidade apresenta transformações e

desenvolvimentos paralelos às transformações e desenvolvimentos econômicos e políticos.

A cidade, desde o princípio do século XIX, apresenta um processo de desenvolvimento

comercial privado e deixa de ser tratada como uma instituição pública conforme os moldes

da Antigüidade Clássica e do humanismo renascentista. Passa a ser “afeiçoada de qualquer

modo que pudesse aumentar a rotatividade e fazer subirem mais ainda os valores dos

terrenos” (MUNFORD, 1998, p. 461), e mediante o crescimento urbano que apresenta,

proporciona uma densa e especulativa atividade imobiliária. Esse autor afirma que o

crescimento urbano, mediante a economia capitalista, significa a destruição de

características naturais que deleitam e fortificam a alma humana em suas atividades

cotidianas.

Os rios eram transformados em esgotos [...], árvores antigas podiam ser sacrificadas e edifícios veneráveis postos abaixo em favor da velocidade do tráfego [...] a rua ou avenida larga era estimada como um símbolo de progresso: a tal ponto que era traçada com uma amplitude que não tinha relação funcional com o seu uso presente ou potencial (MUNFORD, 1998, p. 462).

Neste contexto de profundas alterações no modo de vida urbano, as transformações

antrópicas na cidade passam a exigir cada vez mais uma nova vocação para si mesma, uma

“vocação de potencializadora de identidades”. Tendo em vista as prerrogativas da Carta das

Cidades Educadoras, defende-se que a cidade, mais precisamente o ente município, deve

tornar-se antes de tudo uma cidade educadora, dado que é, pelo projeto pedagógico que as

pessoas filiam-se, historicamente, a um projeto político e, portanto, a uma identidade; uma

identidade humana edificada e confirmada sobre uma cultura específica, mas aberta à

construção de uma cidadania planetária.

Para sua efetivação é necessário refletir acerca dos processos históricos que

modificam a cidade. Com a crise do padrão de acumulação fordista, dentre outros fatores, o

processo de reestruturação econômica rompe com as integrações regionais. Neste cenário,

o município passa a ter papel importante no plano do desenvolvimento econômico e a busca

por mecanismos de desenvolvimento extravasa a esfera federal e estadual. Nesta nova fase

de integração global, cabe aos municípios, construir redes de integração também local.

Deve ele, o município, ser útero fecundo da articulação local de fornecedores e de fluxo de

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AMORIM, Fernando O. A cidade como uma obra: Proposta para a “Carta de Presidente ...

674

informação, pois a abordagem regional e do planejamento desenvolve-se não mais sob a

ótica da integração territorial, mas da construção de redes entendida como “fluxos de

informação, logísticas técnico-científicas, a verticalização enxuta de setores industriais, que

nos levam à idéia do lugar como espaço autônomo capaz de se interligar a outros pontos no

espaço através de uma ação empreendedora de atores locais” (COELHO, 1996, pp. 09-10).

A descentralização, antes encarada como negação do local e do município, reafirma

o papel do município no processo de desenvolvimento fortalecendo o local como promotor e

facilitador da participação da comunidade. O desenvolvimento local é entendido como um

plano de ação coordenado, descentralizado e focalizado, e visa melhorar as condições de

vida dos habitantes de uma localidade.

Esta busca deve gerar e conceber uma nova visão de gestão municipal na qual o

prefeito, além de administrador, transforma-se em empreendedor capaz de gerar parcerias,

captar recursos e promover o desenvolvimento. Porém, este projeto de desenvolvimento

deve atentar para o risco da disputa por atratividades locacionais ou de marketing da cidade,

muitas vezes impulsionados pela onda neoliberal disfarçada de apelo ao desenvolvimento. É

extremamente importante ter em mente que essa busca em potencializar a economia local

deve partir da necessidade de resolver, principalmente, o problema da fragmentação e

exclusão social.

No entanto, o que se observa é uma guerra nefasta de atratividades ou marketing da

cidade compreendida como encontro glamoroso entre cultura (urbana ou não) e capital.

Observa-se uma revitalização e/ou recapitulação como presença contínua da isca cultural,

pois atualmente quando se fala de cidade, fala-se em requalificação e cada vez menos em

racionalidade, funcionalidade, zoneamento, plano diretor etc. Requalificação, “em termos

tais que a ênfase deixa de estar predominantemente na ordem técnica do Plano [...] para

cair no vasto domínio passe-partout [chave mestra, panacéia] do assim chamado ‘cultural’ e

sua imensa gama de produtos derivados” (ARANTES, 2000, p. 15 - grifo nosso).

O cenário econômico e financeiro tem como pano de fundo o debate do projeto

neoliberal para a construção de novas relações público-privadas no âmbito do processo de

descentralização e de reforma do Estado. Atenta-se para o fato de que estas ações nas

áreas de infra-estrutura e de políticas públicas, como saúde, habitação, educação,

transporte, cultura, orçamento não comprometa a garantia da dimensão pública dos

serviços, garantindo meios para seu desenvolvimento e constituição da cidade educadora.

A CIDADE COMO UMA OBRA

Como expressa a Carta das Cidades Educadoras, a cidade por si mesma possui

elementos para uma formação integral de seus habitantes. A cidade educadora possui uma

identidade própria, mas integrada no país onde se situa, ou melhor, integrada à situação

histórica, política, econômica e cultural da qual é parte integrante. A cidade educadora não

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está fechada sobre si mesma – está em constante evolução.

Esta cidade deve apresentar algumas prioridades, além das funções tradicionais,

como econômica, social, política, prestação de serviços, ou seja, deve priorizar o

investimento cultural e a formação permanente de sua população, a começar pelas crianças

e pelos jovens. Isto é necessário para desenvolver o potencial humano, pois as crianças, e

os jovens, ao deixarem uma condição de passividade protagonizarão papéis ativos de

atores na construção do perfil da cidade que busca ser educadora. Para que isso ocorra, a

cidade educadora deve oferecer instrumentos norteadores da educação de seus habitantes.

Deve deixar-se envolver por todos os habitantes, configurando assim o papel educador da

cidade como um todo.

Lefebvre (1991) acredita que a própria cidade é uma obra e contrasta com a

orientação diretiva do dinheiro, do comércio, das trocas, dos produtos. Argumenta que a

obra é valor de uso e o produto é valor de troca, e que a cidade e a realidade urbana

dependem do valor de uso. “O valor de troca e a generalização da mercadoria pela

industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana,

‘refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização do

uso’” (LEFEBVRE, 1991, p. 06).

Porém, o autor atesta que há ainda um caminho que se abre, “o da sociedade

urbana e do humano como obra nessa sociedade que seria obra e não produto”

(LEFEBVRE, 1991, p. 106). A cidade é uma obra de cidadãos. Para ele, quando se pensa

na cidade como uma obra, se pensa na insurreição do uso nesta era marcada pelo valor de

troca. Ao pensar na cidade como uma obra pensar-se-á também na cidade como ato

insurreto de apropriação desta mesma cidade. Não é só o capital que deve determinar o

desenvolvimento da cidade, seus habitantes encontrarão meios de sobreviver neste

ambiente, muitas vezes hostil, mesmo que não sejam detentores do capital. O que se

observa é que a idéia de cidade como produto social pauta-se sobre a esfera da produção e

do valor de troca mediado pelas regras do mercado (poder de compra). Porém, o que se

entende, e se busca, no tocante à cidade enquanto obra de cidadãos é uma verdadeira

insurreição – uma apropriação do uso frente ao mercado e sua lógica de valores de troca.

Logo, pensar a cidade como uma obra de cidadãos é pensar a cidade como um

sistema aberto, como desequilíbrio permanente que instaura o equilíbrio. Dito posto, vale a

pena retomar os fragmentos do filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso (aprox. 540a.C. -

470a.C.) ao afirmar que a verdade é universal e única, não existem duas verdades, mas a

verdade consistirá sempre no equilíbrio de opiniões contrárias. Na natureza o “não-ser” ou o

“ser” não é o mais importante; o importante é o “vir-a-ser”, o devir (HERÁCLITO DE ÉFESO,

1996, p. 97). Para o contexto urbano, este “devir” seria a cidade enquanto uma obra de

cidadãos.

Tudo está em mudança, em movimento, nada é sempre a mesma coisa, há um ciclo

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de mudanças onde tudo muda e isto é por toda a eternidade conforme atesta o fragmento

91 que “em rio não de pode entrar duas vezes no mesmo” (HERACLITO DE ÉFESO, 1996,

p. 97). Ora, o curso da água é o mesmo. A pessoa como um corpo, pode ser a mesma. Mas

o mesmo curso de água, naquele local em que entrou, já não possui as mesmas águas, elas

se foram com a correnteza do rio, pois, “aos que entram nos mesmos rios outras águas

afluem; almas exalam do úmido” (HERÁCLITO DE ÉFESO, 1996, fragm. 12, p. 88). Apesar

de ser o mesmo corpo, também passou por mudanças, pois só o fato de ter entrado e saído

do rio, já faz com que não seja o mesmo de antes; antes de ter entrado pela primeira vez no

rio. Portanto, tudo muda, a única coisa que não muda é a mudança. Tudo no universo está

em constante movimento dentro de um ciclo eterno englobando todos os seres que pode ser

representado por uma espiral, pelo infinito movimento. Esta espiral e sua lógica instauram

na cidade um sistema lúdico, um sistema aberto que permite a apropriação da cidade como

uma obra de cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: APONTAMENTOS PARA A “CARTA DE PRESIDENTE PRUDENTE: POR UM URBANISMO MAIS HUMANO”

Partindo do exposto, aponta-se reflexões sobre possíveis intervenções tendo em

vista o resgate e/ou construção de locais que possibilitem a interação dos habitantes e,

conseqüentemente, sua educação mediante o convívio dentro da cidade.

A cidade de Presidente Prudente origina-se de uma lógica de produção do espaço

urbano voltado à especulação de terras. Os loteadores, desde o surgimento da cidade,

deixam o mínimo exigido para o uso público, corriqueiramente muitas dessas áreas são as

mais desvalorizadas do loteamento, como fundo de vales – áreas protegidas por lei e que

não deveriam ser incluídas na porção destinada ao uso público. O mesmo se refere à

estrutura urbana como ruas, passeios públicos, canteiro central etc.

Devido esta estruturação urbana, o espaço de convivência e circulação não foi

concebido visando o fortalecimento da interação entre seus habitantes. Conforme Abreu

(1972), na gênese do sítio urbano, serviços de conservação de estradas, de ruas,

iluminação pública, água e outros melhoramentos eram realizados pelos próprios moradores

ou por Goulart ou Marcondes, responsáveis pela colonização. Deste modo, faz-se

necessário intervir para que os habitantes assimilem e participem nesta cidade para torná-la

uma cidade educadora.

Como proposta inicial, conforme o princípio 16, “o ordenamento do espaço físico

urbano deverá realçar o reconhecimento das necessidades de recreio e de lazer e propiciar

a abertura a outras cidades e à natureza, tendo em conta a interação entre elas e o resto do

território”. Este princípio resgata propostas do urbanismo romano. Conforme Harouel (1990),

os urbanistas romanos utilizam o conceito de orientatio ao planejar e fundar uma nova

cidade. Orientatio consiste em determinar os dois grandes eixos da cidade, suas duas ruas

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principais, que se cruza em ângulo reto: o decumanus (leste – oeste) e o cardo (norte – sul).

Para os romanos isso simboliza a integração da cidade à ordem geral do Universo.

A cidade típica dos romanos, resultante das numerosas fundações urbanas do final

do período republicano e do Alto Império, adquire a forma de um quadrado ou um retângulo

do qual o decumanus e o cardo constituem as medianas. As ruas secundárias, traçadas

paralelamente a esses dois eixos, cortam as ilhas quadradas ou retangulares. Essa

operação leva o nome de limitação interna, e os grandes tratados de agrimensura da época

imperial, tais como os de Frontino e Higino, consideram-na parte integrante do ritual de

fundação das cidades. Eles admitem, na verdade, a necessidade de se adaptar à natureza

do lugar (HAROUEL, 1990, p. 23).

Dito posto, em Presidente Prudente esta proposta inicial pauta-se sobre a ligação,

via resgate da linha férrea existente, utilizando o conceito do decumanus romano, ao

interligar as cidades de Martinópolis (leste) e Álvares Machado (oeste), e de cardo,

interligando as cidades de Pirapozinho (sul) com Floresta do Sul (norte). As vias deste trem

de superfície se cruzam na Praça das Bandeiras, na região central. Além da interação entre

as cidades, este traçado permitirá a revitalização da Praça das Bandeiras – marco histórico

e cultural da fundação da cidade. Quanto ao cruzamento da via férrea, a proposta é que no

cruzamento das vias se construa uma estação central de transporte público no subsolo da

praça com vias de acesso ao sistema rodoviário e férreo. Atualmente, a Praça das

Bandeiras serve como espaço de comércio ambulante e de vendedores informais – camelôs

(ressalta-se que refletir sobre a legitimidade, ou não, da presença de trabalhadores

informais em praças foge do escopo desta reflexão).

Na tentativa de restabelecer a praça aos fins primários e essenciais pela qual ela, a

praça, existe, propõe-se transferência destes trabalhadores informais para o espaço físico

dos depósitos e barracões não utilizados da desativada Estação Ferroviária. Propomos

instaurar neste local o “Mercado Municipal”, que não só acolherá os trabalhadores

realocados da praça, mas também oferecerá à população um mercado que ofereça diversos

gêneros, desde o alimentício até opções de criação de pequenos animais passando pela

jardinagem. Resgatar-se-á estes galpões, que pertencem à memória do município, com a

instauração deste “Mercado Municipal” que será dividido em seções múltiplas: alimentos,

produtos importados, artesanato, jardinagem, rações para pequenos animais domésticos,

etc.

Conforme Scocuglia (2004), nas duas últimas décadas do século XX, em várias

cidades do mundo, foram desencadeados processos de reutilização de áreas urbanas

degradadas promovendo a proteção do patrimônio cultural, bem como dos recursos

ambientais e paisagísticos. Para a autora,

nestas experiências recorrem aos símbolos representativos dos primórdios da formação das cidades ou de um saber fazer, de práticas ligadas à tradição e à memória

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coletiva. Destacam-se fábricas desativadas e centros históricos, bem como atuações no sentido da terceirização dos usos. Em geral, são processos que procuram atrair novos usos dos espaços na tentativa de viabilizar o sistema econômico utilizando como recurso o dinamismo cultural e turístico destes sítios históricos. [...] São intervenções urbanísticas que pressupõem um processo no qual ações integradas se desenvolvam mediante um planejamento estratégico entre poder público, iniciativa privada e usuários (SCOCUGLIA, 2003).

Vale ressaltar, o forte apelo comunitário que o patrimônio cultural apresenta quando

associado à identidade cultural das pessoas, aos direitos sociais e culturais reconhecidos

pela Constituição Federal de 1988 no Brasil, inseridos também no Estatuto da Cidade – Lei

nº 10.257, de 10 de julho de 20011. Busca-se com estas intervenções devolver à

comunidade dois espaços importantes e que compõem o patrimônio histórico cultural da

cidade em acordo com o princípio 16 da Carta das Cidades Educadoras ao expor que a

transformação/crescimento de uma cidade deverá ser harmônico entre novas necessidades

e perpetuação de construções e símbolos referentes ao seu passado e da sua existência. O

planejamento urbano deverá ter em conta o impacto das alterações no desenvolvimento de

todos os indivíduos, a integração das suas aspirações pessoais e sociais e deverá agir

contra a segregação de gerações.

Ainda na região central da cidade, a rua Tenente Nicolau Maffey, o “calçadão” é uma

rua que, por ser do primeiro traçado urbano – da década de 20, apresenta um casario

representativo da memória da cidade. No entanto, os comerciantes ocultam as fachadas das

edificações com placas publicitárias. Estas placas constituem verdadeiros ruídos aos olhos

de quem as observa. Os comerciantes primam pela disputa da atenção do passante

mediante o tamanho das placas e “impõem” uma lógica de que “quanto maior a placa, maior

as possibilidades de o indivíduo ver meu comércio”. Mas os comerciantes não conseguem

ver que quanto mais a região central se torna desagradável e não aprazível ao passante,

mais este tende a se distanciar.

A proposta é realizar uma “limpeza” das fachadas arquitetônicas e devolvê-las ao

público mediante uma reestruturação e reordenamento das dimensões das placas de

publicidades. Com esta “limpeza”, as fachadas dos casarios ficarão à mostra revelando

traços das construções históricas da gênese da cidade. Conseqüentemente, atuará como

atrativo aos passantes, intencionando que de passantes se tornem visitantes da região

central, pois conforme afirma Scocuglia (2004), há o forte apelo comunitário apresentado

1 CAPÍTULO I, DIRETRIZES GERAIS - Art. 1º - Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal [1988], será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único - Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Art. 2º - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] XII) proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

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pelo patrimônio cultural associado à identidade cultural das pessoas, aos direitos sociais e

culturais.

Ainda na região central, outra proposta é realizar um estudo de restauro pictográfico,

no interior da Catedral de São Sebastião, pois atualmente o interior da Catedral está coberto

por imagens que confundem o espectador. As pinturas são excessivas e se auto-anulam. E

“uma vez que o desenvolvimento da imagem é um processo interativo entre observador e

coisa observada, é possível reforçar a imagem tanto através de artifícios simbólicos e do

reaprendizado de quem a percebe como através da reformulação do seu entorno” (LYNCH,

1997, p. 12).

Retomando as intervenções na via férrea, paralela à integração proposta na Praça

da Bandeira e Mercado Municipal, esta via será restabelecida como uma via para condução

de “bondinhos” que percorrerão um itinerário cultural. Este itinerário passará ao lado da

praça da matriz – Igreja Nossa Senhora de Aparecida, na vila Marcondes. Defronte à praça

encontra-se uma edificação - a antiga sede da Dias Martins S/A, uma empresa paulista

sediada na cidade de Araraquara, importadora e distribuidora de gêneros alimentícios que

veio a se instalar em Presidente Prudente na década de 1940, interligando a parte oeste do

estado paulista com as grandes metrópoles da época.

A edificação situa-se à frente do primeiro viaduto que interliga a Vila Marcondes

(zona leste) com a Vila Goulart (centro). A antiga sede da empresa é um enorme barracão,

situado em uma topografia irregular. Sua monumentalidade confere grande amplitude ao

lugar. Uma típica edificação no molde da revolução industrial, com grandes vãos internos,

estruturas em tijolinhos e telhado do tipo Shed para facilitar a iluminação. Atualmente, o

barracão está abandonado, um enorme “fantasma” no centro da cidade. A proposta é

resgatar este espaço transformando-o no “Teatro Sorocabano” - um teatro e sala de

apresentações de danças de rua, rap, e tudo o mais que venha a ser manifestação cultural.

A linha do bondinho percorrerá um trajeto cultural com início no Parque Alexandrina

(norte), passando pelo “Mercado Municipal”, já proposto nos barracões da Estação

Ferroviária, para posteriormente, continuar seu trajeto passando pelo “Teatro Sorocabano”

chegando à Cidade da Criança, percorrendo assim um itinerário entre o norte (Parque

Alexandrina) ao Recinto de Exposições e à Vila Nova Prudente, no sudeste da cidade. Vale

ressaltar que, nos dias de espetáculos e/ou apresentações culturais, e também sábados,

domingos e feriados, o itinerário será gratuito proporcionando, aos moradores dos bairros,

acesso às atividades culturais em acordo com os princípios da Carta das Cidades

Educadoras, como, por exemplo, os princípios 1, 3 e 7, dentre outros:

Princípio 1. Todos os habitantes de uma cidade terão o direito de usufruir, em condições de liberdade e igualdade, dos meios e oportunidades de formação, desenvolvimento pessoal e entretenimento que a cidade oferece. Para que isso seja possível, devem ter-se em conta todas as categorias, cada uma delas com as suas necessidades particulares. No planejamento e governo da cidade tomar-se-ão todas as

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medidas necessárias para eliminar os obstáculos (incluindo as barreiras físicas) que impeçam o exercício do direito da igualdade. Serão responsáveis por este empreendimento, para além da administração municipal, outros organismos da administração que nela entrevêem. Os habitantes envolver-se-ão tanto pessoalmente como através dos vários tipos de associação a que pertençam. Princípio 3. A cidade deverá encarar as oportunidades de formação de modo global. O exercício das competências em matéria educativa será levado a cabo dentro de um contexto mais amplo de qualidade de vida, de justiça social e de promoção dos seus habitantes. Princípio 7. A satisfação das necessidades das crianças e dos jovens, no âmbito das competências do município, pressupõe uma oferta de espaços, equipamentos e serviços adequados ao desenvolvimento social, moral e cultural, a serem partilhados com outras gerações. O município, no processo de tomada de decisões, deverá ter em conta o impacto das mesmas.

No itinerário do bondinho cultural, defronte à Rodoviária, na Avenida Brasil, encontra-

se barracões do antigo entreposto de sementes – o Expurgo. Neste local, a proposta será

estudar a arquitetura da edificação, desmontá-la e reconstruí-la sobre pilotis para que se

possa visualizar o vale e os limites do urbano-rural até cidades vizinhas como Regente Feijó

e Martinópolis.

Esta intervenção ainda proporcionará melhorias no conforto térmico ao permitir

melhor fluxo de ar, já que Presidente Prudente-SP apresenta vento montante leste.

Conforme Monteiro (1976), a análise do sistema clima urbano é realizada a partir dos canais

de percepção humana, e os resultados visam principalmente o planejamento da cidade.

Para Conforme Frota e Schiffer (2000), nas regiões que apresentam clima quente e úmido,

como é o caso de Presidente Prudente. Dentre outras coisas, as edificações devem estar

dispostas perpendicularmente ao vento dominante, a largura das ruas deve apresentar

dimensões maiores e impedir que edificações em lados opostos funcionem como obstáculos

aos ventos.

Neste local será estruturado o NICE – Núcleo de Integração Cultural e Educacional,

espécie de “quartel general” para auxiliar na concepção e manutenção da Cidade

Educadora. Será um espaço para oferta de cursos e oficinas culturais, worshop diversos,

local de manifestações culturais populares, como dança de rua (street dance), forró, samba,

pagode, capoeira, e demais manifestações culturais e artísticas. Este espaço privilegiará as

crianças e os jovens – aspecto essencial das cidades educadoras. Desta forma,

presentifica-se o princípio 18, que diz que a cidade “favorecerá a liberdade e a diversidade

cultural. Acolherá tanto as iniciativas de vanguarda como a cultura popular. Contribuirá para

corrigir as desigualdades que surjam na promoção cultural, resultantes de critérios

exclusivamente comerciais”. Portanto, o NICE cumprirá um papel de propiciador de cultura e

integração social e, além de visualizar a planície verde nos limites da zona leste, mediante

os pilotis permitirá maior circulação de ar com benefícios para a saúde da população.

Concluindo, outra proposta se faz necessária. Em bairros distantes e que

apresentam maioria de habitantes de baixa renda: Ana Jacinta (sul), Morada do Sol (norte),

Chácara Mariza (leste) e Parque dos Pinheiros (oeste) serão instalados núcleos interligados

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ao NICE visando inclusão digital. Serão oferecidos cursos de informática para potencializar

a inclusão das crianças e dos jovens no mercado de trabalho, além de permitir acesso

responsável à Internet. De certa forma, seria uma expansão do eficiente serviço que a

Biblioteca Municipal de Presidente Prudente executa ao oferecer acesso gratuito à Internet à

população. Este sistema de inclusão social contará com terminais espalhados ao longo de

toda a cidade nos pontos de maior fluxo de pedestres. O habitante poderá acessar a

programação cultural, pauta das sessões da Câmara Municipal e demais assuntos de

interesse publico que estarão ocorrendo na cidade naquele dia e/ou semana. Porém,

conforme salienta Dimenstein (2004),

erguer uma cidade educadora implica, em poucas palavras, derrubar os muros das escolas e fazer da cidade um aglomerado de salas de aula, convidando o aluno a trilhar pelas mais diversas experiências. Teatros, cinemas, praças, parques de diversões, exposições, bibliotecas, concertos - empresas passam a compor roteiro permanente de aprendizado.

Portanto, o objetivo é apresentar propostas para que a “Carta de Presidente

Prudente: por um urbanismo mais humano” seja uma possibilidade de interação entre outras

cidades e cultivar o apreço pelos princípios da Carta das Cidades Educadoras

proporcionando aos seus habitantes uma vida mais saudável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SEGREGAÇÃO URBANA EM TRÊS LAGOAS-MS: A VILA ZUQUE NO CONTEXTO SOCIOAMBIENTAL URBANO

Greisse Quintino Leal Bolsista PET – Geografia

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas [email protected]

INTRODUÇÃO

Este trabalho está inserido em uma pesquisa maior intitulada “Tratamento e

destinação dos resíduos sólidos urbanos em Três Lagoas” promovida pelo Grupo PET-

Geografia, visando compreender como os moradores da Vila Zuque se relacionam com as

mazelas ambientais e sociais que lhes acometem.

O município de Três Lagoas desponta no Estado de Mato Grosso do Sul pelas suas

características de pólo industrial e pelo sistema de transporte multimodal que maximiza seu

potencial econômico.

A expansão da malha urbana se dá pelo considerável aumento demográfico

proveniente da migração de trabalhadores oriundos de outras regiões do país, fato este que

redefiniu e re-caracterizou a sociedade três-lagoense. Nesse ínterim, novos bairros e

conjuntos habitacionais – COHABs – foram criados para atender a essa demanda, assim

como requereu ampliação da infra-estrutura urbana. Porém a melhoria da infra-estrutura não

contemplou de modo igual todos os micro-espaços da cidade de Três Lagoas, resultando

assim na existência de bairros que permanecem no obscurantismo, de modo segregado. É

válido ressaltar que cada cidade possui uma ideologia e um conjunto de signos,

temporalidades e dimensões diferentes, que designarão o habitat de cada cidadão e a

representação simbólica que cada espaço habitado terá (LEFEBVRE, 1991),

Bairros mais empobrecidos e/ou de pouca expressão na economia continuam à

margem do processo de reestruturação urbana e do tão propalado crescimento econômico.

Nesse contexto destaca-se a Vila Zuque, criada em 1990 por um vereador e proprietário

fundiário que doou suas terras para algumas famílias sem casa própria e com baixa renda.

O então político e proprietário fundiário no ato da doação da terra impôs uma condição: de

que todos os agraciados com os lotes teriam que comprar o material da construção das

suas respectivas casas, como telhas e tijolos, na cerâmica da família.

O referido bairro apresenta as quadras irregulares, pois são menores do que as do

plano original da cidade, ou seja, medem 50mX100m, sendo que o padrão é de 100mx100m

(Ver Figura 01). Ainda hoje, o bairro apresenta deficiências estruturais e problemas sociais

que o caracteriza como um espaço segregado, opaco (SANTOS, 1996). Ademais, o Córrego

da Onça, que margeia o bairro, como mostra a Figura 01, corre a céu aberto a partir do

referido bairro e recebe parte do esgoto urbano, funcionando como uma vala negra que

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LEAL, Greisse Q. Segregação urbana em Três Lagoas - MS: A Vila Zuque ...

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exala mau cheiro, atraindo insetos e roedores, afetando, principalmente, os moradores do

seu entorno, os quais se tornam mais vulneráveis a doenças e risco de inundações no

período de chuvas.

Figura 01: Localização da Vila Zuque na cidade de Três Lagoas/MS

O BAIRRO

Localizado na porção sudeste da cidade, não possui pavimentação nas ruas nem

coleta de esgoto, utilizam-se as fossas do tipo sumidouros. Da mesma forma, ao contrário

do que ocorre em outros bairros, inexiste a presença de equipamentos urbanos estratégicos,

tais como unidade de saúde, farmácia e Centro de Educação Infantil. O pequeno comércio

no local dispõe apenas de bares que vendem desde bebidas alcoólicas a produtos

alimentícios e a preços sempre majorados.

Planejou-se e construiu-se uma escola municipal, com oferta de vagas apenas para

o ensino fundamental, na margem direita do córrego, o que suscita também a

vulnerabilidade da construção do prédio e a segurança das crianças, professores e demais

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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funcionários, pelos mesmos motivos que afetam os moradores da Vila Zuque. Na temporada

chuvosa o nível do córrego se eleva podendo causar danos à estrutura física da escola, pois

não há cobertura de vegetação para evitar e desagregação do solo e o transporte de

sedimentos pela água pluvial. Outro fator agravante é o fato do local onde a escola foi

edificada ter sido, há 10 anos, um lixão, conforme pode ser observado pela coloração

escura do solo com fragmentos residuais ainda não decompostos, ou seja, o local era

inadequado para se construir uma escola.

Desse modo, constata-se que os moradores como os usuários da escola sofrem

diretamente o impacto da proximidade do esgoto a céu aberto. Porém não há projeto e

nenhuma ação para tratar/recuperar o córrego e para melhorar as condições de vida neste

recorte espacial. Não há clareza na forma da gestão da cidade, pois não existem políticas

públicas com vistas a sanear o meio e melhorar a qualidade de vida dos moradores.

CORRÉGO DA ONÇA: SUA FUNCIONALIDADE

Três Lagoas possui corpos hídricos em abundância, tais como as lagoas que

originaram o nome do município, os rios Paraná e Sucuriú, e córregos próximos. O Córrego

da Onça é um recurso hídrico que “cortava” a cidade, mas a expansão urbana o suprimiu:

grande parte de sua extensão está canalizada subterraneamente, e quando ressurge, em

uma parte topograficamente mais rebaixada, o despejo do esgoto doméstico lhe acomete. O

descarte de resíduos sólidos pelos moradores urbanos, em específico os da Vila Zuque,

também o polui e o contamina.

A falta de tratamento e de cuidado com este córrego é preocupante, pois não há

conscientização dos moradores e o poder público demonstra inépcia quanto ao saneamento

ambiental. Faz-se necessário a sensibilização da população, pois se entende que a

educação ambiental, assim como a educação, é um instrumento ideológico de reprodução

social, é um veículo por onde atravessa a disputa pela conservação ou transformação das

condições sociais (LOUREIRO; LAYRARGUES; CASTRO, 2006). A mudança ambiental

está intrinsecamente relacionada com a mudança cultural e social e com a forma de

perceber a natureza.

DEPAUPERAÇÃO SOCIAL E MEDO DA PAISAGEM

Na sociedade capitalista estratificada, caracterizada pela diferenciação econômica

e social, as parcelas menos favorecidas apropriam-se dos recortes territoriais mais

segregados e sem infra-estrutura e ali se reproduzem em quanto indivíduo e no coletivo -

socialmente, sujeitando-se a uma forma de morar e viver improvisada.

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LEAL, Greisse Q. Segregação urbana em Três Lagoas - MS: A Vila Zuque ...

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A maior parte dos moradores da Vila Zuque é empobrecida, desempregada ou sub-

empregada. A pobreza do lugar se materializa nas moradias, nas ruas e no esgoto que o

avizinha. Esses moradores corporificam o que Santos (2006) denomina nação passiva:

(...) é constituída pela grossa maior parte da população e economia, aqueles que apenas participam de modo residual do mercado global ou cujas atividades conseguem sobreviver à sua margem, sem, todavia, entrar cabalmente na contabilidade pública ou nas estatísticas oficiais (p. 157).

A condição social dos moradores e o aspecto empobrecido da vila a torna

paisagisticamente aversiva, e este repúdio se agudiza mediante os elevados índices de

delitos existentes na vila. Muitos destes moradores praticam atos politicamente incorretos,

todavia não os efetuam porque são pobres, mas sim por uma questão cultural. A maioria

dos praticantes de ações ilícitas está habituada a violência e a reproduz com normalidade.

Ao Estado cabe o papel de mantê-los na escola, qualificá-los para o trabalho e promover

sua inclusão social. Há que resgatar sua identidade pessoal, que segundo Pereira (2008,

p.213) “A construção da identidade é relacional, contrastiva, dialética, ou seja, ter uma

identidade pressupõe não apenas o conhecimento próprio, mas também o reconhecimento

alheio”. Essa precariedade estrutural, a agudeza da pobreza e a recorrência da violência

geram o medo, o temor de muitos moradores dos não residentes no bairro. Desperta-se o

sentimento de topofobia (TUAN, 2005).

A violência e a paisagem urbana quebradiça e embrutecida criam o medo no restante

da sociedade, homogeneízam o território e condenam seus moradores á pobreza

econômica e territorial (SANTOS, 1987), resultando, inevitavelmente, em preconceito e

desprezo para com aqueles menos afortunados e que vivem socioespacialmente

segregados nas periferias das cidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo apresentado da Vila Zuque, bairro da cidade de Três Lagoas-MS, cuja

estrutura física e conteúdo social se apresentam esgarçados, que se reflete na forma como

moram e vivem, e com agravos da falta de saneamento ambiental. Constatou-se a

fragilidade econômica e social que esses moradores estão submetidos assim como a

violência urbana sofrida e reproduzida pelos mesmos.

De um lado há o crescimento econômico que cria oportunidades de melhoria de vida

para alguns e de outro, a insalubridade do meio e a pobreza visual/econômica associadas

aos pré-conceitos estabelecidos pela sociedade três-lagoense que tornam a vila

assustadora e repulsiva, aprofundando ainda mais as desigualdades socioespaciais

urbanas.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS LEFEBVRE, H. O direito à cidade. Trad. Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Moraes, 1991. LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. (Org.). Pensamento complexo, dialética e Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2006. PEREIRA, J. H. do V. Educação e diversidade cultural: indagações sob re identidade e a memória de sujeitos do campo. IN: PEREIRA, J. H. DO V.; ALMEIDA, R. A. de. (Org.). Educação no/do campo em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Editora UFMS, 2008. p. 211-227. SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. ______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. ______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. – 13ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. TUAN, Y. Paisagens do medo. Trad. Lívia de Oliveira. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.

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OS LIMITES E AS POTENCIALIDADES DO ESTATUTO DA CIDADE: UM OLHAR SOBRE O IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO

Jovelino José da Silva Junior [email protected]

Resumo: Este artigo visa apresentar algumas reflexões sobre as potencialidades e os obstáculos que se apresentam na utilização do Imposto Predial e Territorial Urbano Progressivo no Tempo como instrumento da política urbana municipal para contribuir com a almejada Reforma Urbana. As reflexões se originaram da experiência que tivemos compondo a equipe de planejamento da prefeitura do município de Álvares Machado - SP, a qual teve como uma de suas principais atribuições nos anos de 2005 e 2006 a elaboração do Plano Diretor. O amadurecimento de tais reflexões nos motivou a escrever este artigo com o propósito de compartilhar tais reflexões sobre esse instrumento da política urbana. No sentido de contribuir com a discussão, abordamos o planejamento urbano por meio de uma perspectiva geográfica, ou seja, resolvemos tratar do instrumento não apenas a partir de suas potencialidades urbanísticas e características jurídicas, mas levando em consideração alguns aspectos relativos à lógica de produção do espaço urbano que permitem a compreensão da urbanização imprescindível para intervenção pública.

INTRODUÇÃO Este artigo visa apresentar algumas reflexões sobre as potencialidades e os

obstáculos que se apresentam na utilização do Imposto Predial e Territorial Urbano

Progressivo no Tempo1 como instrumento da política urbana municipal para contribuir com a

almejada Reforma Urbana.

As reflexões se originaram da experiência que tivemos compondo a equipe de

planejamento da prefeitura do município de Álvares Machado, a qual teve como uma de

suas principais atribuições nos anos de 2005 e 2006 a elaboração do Plano Diretor -

contudo, este artigo não se constitui no relato de uma experiência nem mesmo num estudo

de caso, mas sim numa discussão teórica sobre a aplicação desse instrumento.

O amadurecimento de tais reflexões nos motivou a escrever este artigo com o

propósito de compartilhar tais reflexões e questionamentos sobre esse importante

instrumento da política urbana, o qual se apresenta como um dos instrumentos legais

disponíveis para o poder público não se limitar à apenas planejar e estabelecer normas

sobre o espaço urbano, mas para nele intervir inclusive sobre a propriedade privada por

meio de sanções para que esta cumpra com sua função social.

Com isso, nos propomos a discutir Geografia a partir da interface que esta

estabelece com o Planejamento Urbano, se constituindo dessa forma numa ciência que tem

uma contribuição científica, técnica e política a ser explorada ainda mais profundamente na

concepção e implementação de políticas de planejamento urbano territorial – em especial

por meio da compreensão do processo sócio-espacial de urbanização do território.

1 Instrumento previsto na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade - Lei Federal nº. 10.257 de julho de 2001 que define a política nacional de Desenvolvimento Urbano.

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O texto está estruturado a seguir em três partes, conforme segue: (1ª) O desafio

urbano, tratando da questão urbana que se faz presente de forma desafiadora tanto para

compreensão como para intervenção; (2ª) A construção de uma política nacional de

desenvolvimento urbano, que surge com o objetivo de fornecer meios para a reforma

urbana; e, (3ª) O IPTU Progressivo no Tempo, sobre o qual voltamos nossa atenção

apresentando alguns aspectos e tecendo algumas considerações para basear nossas

reflexões sobre as potencialidades e os obstáculos relativos à utilização desse instrumento

na política urbana.

Por fim, encerramos este artigo com as Considerações Finais, as quais antes de

encerrar o assunto iniciam a discussão.

O DESAFIO URBANO

O processo de urbanização no Brasil ocorrido no século XX certamente é uma das

marcas imprescindíveis para a compreensão de diversas questões de cunho sócio-espacial

que nos afligem diariamente, seja na condição de pesquisadores, agentes públicos ou

simplesmente na condição de cidadão que usufrui a cidade.

Essa urbanização foi presidida pelo desenvolvimento do modo capitalista de

produção e caracterizada por ter sido acelerada (no tempo) e desigual (no espaço) - a

aceleração ocorreu a partir da década de 1930 e em poucas décadas significou uma

inversão dos percentuais de população residente no campo e na cidade, algo que ocorreu

sincronicamente com o crescimento populacional; já a desigualdade no espaço ocorreu em

suas diversas escalas, desde a macro-regional até a intra-urbana, afetando diretamente

algumas áreas e indiretamente outras, positivamente algumas e negativamente outras.

Essas características explicitaram a lógica predatória e excludente subjacente ao

processo, ou seja, tornaram evidentes a voracidade do processo de degradação do meio

ambiente e a intensificação dos processos de exclusão social, os quais foram refletidos na

dimensão espacial e concomitantemente reforçados por ela.

A conotação negativa atribuído ao processo de urbanização deriva desse processo

que, antes de ser uma característica exclusiva do período de urbanização acelerada e

desigual, é inerente a lógica que ainda preside a produção do espaço (urbano).

A voracidade do processo de degradação do meio ambiente e a intensificação dos

processos de exclusão social levaram as cidades a uma situação na qual o discurso

ideológico pró desenvolvimentismo já não se faz suficiente para legitimar a continuidade do

processo submetido a tal lógica, fazendo-se necessário pensar e repensar as práticas a

serem adotadas no sentido de restabelecer o equilíbrio ambiental e garantir a inclusão

sócio-espacial no espaço urbano.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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A compreensão desse processo, antes de ser de cunho meramente especulativo

para desvendar as origens do fenômeno urbano, é acima de tudo questão crucial colocada

pelo desafio de compreensão do espaço urbano, o qual é imprescindível para uma

intervenção consciente no espaço urbano que, antes de corroborar com os processos

excludentes e de degradação possam ao menos amenizar tais situações.

Cabe salientar que o insurgimento de tais questões não é ‘privilégio’ exclusivo das

grandes cidades como comumente apregoado pelo senso comum e reforçado pela mídia.

As diversas escalas na quais os processos de urbanização se manifestam nos chama a

atenção para a presença de uma série de problemas “urbanos”2 em cidades de diferentes

portes, desde as pequenas cidades dos rincões do Brasil até os ‘monstros urbanos’ das

nossas regiões metropolitanas.

A distinção relativa ao porte populacional das aglomerações urbanas reside na

intensidade e visibilidade dos problemas, uma vez que os fluxos e os processos

socioeconômicos tendem a ser mais acentuados conforme o porte e a centralidade dessas

aglomerações.

Por esse motivo, os malefícios relativos à especulação imobiliária no espaço urbano,

como a precariedade de infra-estrutura em algumas áreas se comparado às outras,

degradação do meio ambiente em detrimento da qualidade de vida e o acesso restrito a

bens e serviços por parte significativa da população, dentre outros, são alguns dos

problemas que assombram nossas cidades como um todo e, mais exatamente, alguns dos

grupos sociais que dela fazem parte.

Neste sentido, há de se ressaltar que temos tanto uma apropriação desigual da

riqueza produzida coletivamente no espaço urbano, quanto uma incidência diferenciada do

ônus decorrente da voracidade do processo de urbanização, recaindo de forma mais incisiva

sobre alguns grupos sociais específicos os encargos sociais decorrentes da lógica que

preside o processo de urbanização e de atuação dos agentes sociais.

Essa presença de vários grupos sociais na cidade motivados por interesses diversos

e distintamente afetados, explica a existência dos conflitos que se apresentam e aqueles

que se mantêm latentes – tanto na sociedade quanto no espaço urbano. Diante dessa

realidade, aparentemente caótica, se apresentam o planejamento e a gestão urbana como

“antídotos” para a “crônica” situação vivenciada nas cidades brasileiras.

Cabe apontar que muitas vezes a dissociação entre aquilo que é planejado é a

gestão propriamente dita tem comprometido a eficácia dos planos. Contudo, se faz

necessário dizer que isso não significa que uma gestão articulada com planejamento é

significado de uma efetiva reforma das cidades, isso ocorre por que a situação das cidades

2 Conforme Souza (2003a) é mais coerente tratarmos de problemas que se manifestam no espaço urbano ao invés dos problemas como se fossem urbanos propriamente ditos.

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não decorre sempre da ‘falta de planejamento’, mas sim em muitos casos das opções

políticas em prol do avanço das relações capitalistas de mercado sobre o espaço urbano.

Neste sentido, a falta de legislação urbanística como instrumento de planejamento

pode contribuir com a compreensão da (caótica) realidade urbana, no entanto a existência

de leis não significa o seu cumprimento e o seu cumprimento não significa a prática de

ações reformadoras3.

Com isso chegamos ao ponto de partida para a análise e compreensão da complexa

e problemática realidade urbana – a produção do espaço urbano se dá pela ação de

múltiplos agentes sociais, os quais agem de acordo com interesses próprios, no qual a

compreensão do posicionamento e das práticas do Estado se constitui em elemento

essencial.

A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO

A Constituição Federal de 1988 (CF 1988) inaugurou um capítulo ímpar no âmbito do

direito urbanístico brasileiro, uma vez que pela primeira vez foi incluído um capítulo

específico que trata da política urbana – Cap. II do Tit. VI – assegurando um sólido amparo

constitucional para a efetiva ação do Estado.

Os artigos relativos à Política Urbana (182 e 183) expressavam uma demanda social

dos movimentos sociais, demanda essa que estava presente nas cidades brasileiras

clamando pela Reforma Urbana, isto é, por uma intervenção nas cidades que revertesse o

quadro “caótico” do qual tratamos anteriormente, de forma que as tornassem socialmente

justas e ambientalmente saudáveis.

Para tanto, foi definido que a propriedade urbana deveria cumprir com sua função

social estabelecida no Plano Diretor (municipal), ou seja, a propriedade urbana não

possuiria um status absoluto para atendimento exclusivo dos interesses de seu proprietário,

devendo atender também aos interesses coletivos na construção das cidades justas e

saudáveis.

No entanto, a competência da União, conforme previsto no inciso IV do art. 3º do

Estatuto da Cidade (EC - Lei Federal 10.257/01) é relativa à legislação de diretrizes gerais,

neste caso estabelecendo normas gerais passiveis de suplementação por parte dos

Estados, sem, contudo contrariar ou flexibilizar as normas gerais.

Essas normas gerais da política urbana foram definidas no Estatuto da Cidade, o

qual se constituiu num importante avanço tanto por regulamentar os instrumentos

urbanísticos previstos na Constituição Federal quanto por obrigar um conjunto de

municípios4 a elaborarem seus planos diretores em prazo5 definido em lei.

3 Referência, Marisco, 2003. 4 Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil

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Com isso, o Estatuto da Cidade regulamentou uma série de instrumentos jurídicos

que poderão a critério dos municípios serem utilizados para coibir o desenvolvimento

desigual e corrigir as distorções do passado que se constituíram num legado para as nossas

cidades.

No entanto, cabe frisar que a aplicabilidade desses instrumentos carece em grande

medida primeiramente da aprovação do Plano Diretor municipal, ou seja, a intervenção

propriamente dita para efetivar a ainda necessária reforma urbana foi remetida aos

municípios, os quais devem inclusive definir os preceitos para que a propriedade urbana

cumpra com a função social conforme previsto na Constituição Federal e no Estatuto da

Cidade.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

(art. 182º da Constituição Federal de 1988)

Essa atitude permitiu maior liberdade aos municípios para eles adequarem tais

instrumentos à sua realidade urbana, ou seja, a União limita-se a sua prerrogativa de legislar

diretrizes para a política urbana, cabendo aos municípios a sua execução de acordo com

suas peculiaridades.

No entanto, a definição legal de função social da propriedade urbana se manteve

restrita ao “cumprimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas

no Plano Diretor”, a qual ficou dependente dos municípios que aguardavam o esgotamento

dos prazos legais para definir as exigências fundamentais e fazer valer suas obrigações.

Com isso, a Nova República se constitui num marco não somente da

redemocratização política do Brasil, mas também da construção de uma política nacional de

desenvolvimento urbano e da reedição dos Planos Diretores como instrumento da política

urbana.

O IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO Um dos instrumentos previstos no capítulo da Política Urbana da Constituição

Federal e regulamentados pelo Estatuto da Cidade é o Imposto Predial e Territorial Urbano

habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

5 Cinco anos contados a partir de outubro de 2001 prorrogado em maio de 2008 para junho desse mesmo ano.

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Progressivo no Tempo (IPTU-PT), o qual é facultativo aos municípios adotarem para orientar

o crescimento e a ocupação, e coibir a especulação imobiliária no espaço urbano.

O IPTU-PT se constitui num instrumento de natureza urbanística e não tributário,

uma vez que o seu objetivo não deve ser a ampliação da arrecadação de tributos, mas sim a

ordenação da ocupação e do uso, podendo ser utilizado como sanção6 subseqüente ao

descumprimento das obrigações previstas em lei específica de parcelamento, ocupação e

utilização do solo urbano de área definida no Plano Diretor.

A previsão da utilização do IPTU-PT no Plano Diretor não reserva o direito aos

municípios de cobrá-lo indiscriminadamente, uma vez que o Estatuto da Cidade estabelece

normas gerais para sua regulamentação e posterior aplicação.

Porém, conforme já esclarecido anteriormente, a adoção do IPTU-PT é uma

prerrogativa dos municípios que, para ter aplicabilidade, deve ser previsto no Plano Diretor.

Com isso, a decisão por utilizar esse instrumento é uma decisão local que transpassa tanto

pela dimensão técnica quanto pela dimensão política.

A dimensão técnica diz respeito à conveniência de sua utilização frente à realidade

urbana local e as estratégias de intervenção definidas no Plano Diretor, enquanto que a

dimensão política é relativa à correlação de forças políticas para legitimar ou depreciar o

IPTU-PT como importante instrumento da política urbana municipal.

Com isso, uma vez decidido pela pertinência da utilização do IPTU-PT legitimada

pelas forçar políticas, cabe o atendimentos dos requisitos para sua aplicação, sendo o

primeiro deles a delimitação no Plano Diretor da área urbana na qual o mesmo poderá ser

aplicado.

O segundo requisito para a aplicação do IPTU-PT é a prévia determinação do

parcelamento, edificação ou utilização compulsórios por meio de medidas administrativas

exigidas nos termos da lei, ou seja, antes de punir deve-se dar ciência e impor os prazos

para o proprietário cumprir com suas obrigações inerentes a propriedade do imóvel urbano.

Dito isso, que nos fornece uma visão geral sobre esse instrumento, seguimos com

uma análise que visa explicitar algumas das potencialidades e dos obstáculos para a

aplicação desse instrumento, tomando como referência tanto a dimensão técnica quanto

política que são intrínsecas à reforma urbana.

AS POTENCIALIDADES

A previsão do IPTU-PT no Plano Diretor é de fundamental importância para garantir

a implementação de uma política urbana coerente com a realidade das cidades brasileiras e

com o propósito de reforma urbana. 6 A desapropriação fundiária é uma outra sanção facultativa aos municípios de impor sobre os

imóveis urbanos que descumprirem com a função social, a qual poderá ser aplicada cinco anos após a cobrança do IPTU-PT nos termos da lei.

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A inclusão desse instrumento e a regulamentação de sua aplicação é a primeira

potencialidade a ser explorada, ou seja, a sua previsão se constitui em reserva de direito e

criação de meios para que o poder público possa intervir na propriedade urbana de forma

que esta cumpra com sua função social7 - tornando o Plano Diretor um instrumento que

tenha eficácia e não se reduza a um simples conjunto de princípios norteadores de objetivos

sem meios para alcançá-los.

A previsão de sua aplicação subseqüente ao descumprimento do parcelamento,

edificação e utilização compulsórios atribuem credibilidade a esta determinação, ou seja,

não incorre no erro clássico de prever a obrigação sem prever a sanção – tornando-se

assim uma medida administrativa coercitiva a ser seguida para induzir uma determinada

prática social no espaço urbano.

Dessa forma, reforça-se a coerção para induzir a ocupação de parcelas territoriais da

cidade e garantir um aumento da densidade e, com isso o melhor aproveitamento da infra-

estrutura urbana e dos equipamentos públicos. Além desse objetivo urbanístico temos o

objetivo de ordem econômica e social de contenção das práticas de especulação imobiliária.

Por meio da utilização do IPTU-PT a prática de especulação imobiliária via retenção

da propriedade urbana como ativo de valor tende a ser economicamente desestimulada,

uma vez que há um ônus econômico maior sobre a propriedade que não cumpre função

social alguma, ou seja, fica retido ociosamente para fins de valorização decorrente dos

investimentos públicos e privados.

Com isso, o beneficio decorrente da contenção da especulação imobiliária é a

desmobilização do capital (terra urbana) improdutivo e a ampliação dos bens imóveis no

mercado imobiliário com sua tendenciosa redução de valores - algo que deve contribuir para

a facilitação do acesso à terra urbana (em especial para fins de moradia).

Por fim, somados a esses dois objetivos e potenciais benefícios visados comumente,

apontamos a possibilidade de, mesmo cientes do seu caráter extra-fiscal citado

anteriormente, criar-se um fundo municipal com fins urbanísticos específicos para captar e

direcionar esses recursos.

Neste caso, nos atrevemos a ir mais além e propor que tais fundos se relacionem

com outros princípios norteadores da política de desenvolvimento urbano presente no

Estatuto da Cidade e seja gerido por meio da participação da população e direcionado para

as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social).

Com isso, fortalece-se a ainda precária gestão participativa, experimenta-se o ainda

desconhecido ‘orçamento participativo’ e garante um mínimo de recursos para viabilizar os

projetos de intervenção para recuperação das ZEIS – integrando-o a aplicação desse

7 Neste caso usamos o conceito de função social nos referindo ao intrínseco valor de uso da

propriedade urbana para a coletividade, seja por acesso livre seja por uso particular para fins, em especial, de moradia – divergindo da definição formal apregoada pelo Estatuto da Cidade que a reduz ao cumprimento das determinações estabelecidas no Plano Diretor.

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instrumento com outros instrumentos que possuem princípios e objetivos comuns conforme

definido pelo Plano Diretor.

OS OBSTÁCULOS As potencialidades são poucas em número, mas expressivas em termos de

benefícios que podem gerar. Por outro lado alguns obstáculos podem impossibilitar a

utilização do IPTU-PT, comprometer a sua eficácia ou se constituírem apenas em questões

merecedoras de maior atenção, tais como: os entraves políticos, a delimitação das áreas e a

definição de alíquotas.

O início do processo e as forças política contrárias:

A lógica de produção do espaço urbano não se constitui num processo desordenado,

mas sim num jogo de interesses sobre a captação da renda fundiária e de incorporação das

áreas, muitas vezes por meio de práticas especulativas.

Com isso, a simples previsão e, ainda mais a regulamentação e cobrança do IPTU-

PT, esbarram em obstáculos políticos característicos do nosso sistema político, as quais se

manifestam de antemão frente a decisão política de prever e implementar tal instrumento na

política urbana.

Dentre esses obstáculos, que comumente se manifestam presentes na decisão do

prefeito e no processo de aprovação dos projetos de lei na câmara dos vereadores,

apontamos: (1) os interesses conservadores dos proprietários fundiários; (2) a

‘representação sem representatividade’; e (3) a defesa dos direitos difusos – os quais na

prática se mesclam.

A necessária coerção do poder público sobre o proprietário do imóvel urbano para

que este garanta o cumprimento da função social do imóvel urbano é considerado pelos

conservadores proprietários fundiária como uma afronta ao direito de propriedade. Tal

concepção é pautada pelo direito absoluto sobre a propriedade, negando deliberadamente a

mudança de concepção no direito que instituiu que o imóvel urbano possui uma função

social a ser cumprida.

Somando-se a isso, na maioria das vezes no sistema político brasileiro os

representantes ocupam os cargos de representantes, mas não representam os interesses

“públicos”, da maioria da população ou das parcelas mais carentes. O que ocorre

comumente é a representação daqueles que mesmo não dispondo do poder político, por

conta do poder econômico que possuem, fazem valer seus direitos – neste caso me refiro

aos proprietários fundiários, incorporadores e corretores imobiliários.

Com isso há uma representação sem representatividade em termos, uma vez que

esta se faz, contudo, em beneficio de um grupo politicamente influente. Essa situação expõe

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a precariedade da suposta neutralidade do Estado na produção do espaço urbano, o qual se

constitui numa estrutura política movida pela disputa de distintas forças políticas no seu

interior – onde comumente se sobressai o interesse particular em prejuízo do interesse

“público”.

Por fim, com relação aos obstáculos políticos que se formam para impedir ou ao

menos dificultar a utilização do IPTU-PT, temos que o direito às cidades socialmente justa e

ambientalmente saudáveis se constitui num direito difuso, ou seja, por ser de natureza

indivisível não afeta á um grupo de pessoas facilmente identificadas.

Neste caso há uma proteção legal, contudo a correlação de forças se torna precária

caso não haja a atuação de movimentos sociais e organizações não governamentais no

sentido de efetivar uma gestão mais justa do espaço urbano e transpor esse obstáculo

político – assumindo a responsabilidade de lutar pela reforma urbana.

O passo seguinte: a delimitação da área no Plano Diretor:

A delimitação no Plano Diretor de área passível de aplicação do instrumento é etapa

sincrônica a tomada da decisão política. Esse procedimento de delimitar a área no Plano

Diretor se constitui no primeiro requisito legal (no âmbito municipal) para aplicação do IPTU-

PT – eis onde residem outros obstáculos:

As terras devolutas:

A instituição da Lei de Terras de 1850 marca o início de um capítulo de conflitos e

litígios fundiários no Brasil que ainda não chegou ao fim, isso tem suas maiores implicações

sobre os imóveis rurais, no entanto os imóveis urbanos não estão isentos de tais

complicações.

As terras devolutas que antes se constituíam em áreas não apropriadas pelos

aventureiros e colonizadores foram griladas pelos especuladores e sobre elas cidades foram

edificadas8 e se consolidaram frente à omissão do Estado.

A atualidade dessa questão diz respeito as suas diversas implicações, dentre elas (e

do nosso interesse neste momento) temos a aplicabilidade do IPTU-PT nessas áreas.

Considerando os objetivos urbanísticos do IPTU-PT se faz coerente a sua aplicação, no

entanto, se considerarmos a base legal que autoriza tal prática temos que:

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

8 Esta situação esteve presente da elaboração do Plano Diretor de Álvares Machado, a qual possui uma área urbana expressiva em terras devolutas.

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III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

(Art. 182 da Constituição Federal) Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação. § 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.

(Estatuto da Cidade)

Nesses termos, o IPTU-PT poderá ser aplicado em áreas que descumprirem a

determinação de parcelamento ou edificação no solo urbano não edificado, subutilizado ou

não utilizado, no entanto diz que a notificação se dará ao proprietário.

Neste caso, a terminologia traz implicações significativas, uma vez que as terras

devolutas, sejam elas de domínio estadual ou municipal, se constituem em ‘propriedade’ do

Estado - conforme sua própria definição.

O IPTU convencional é previsto no art. 156 da Constituição Federal e regulamentado

pelo Código Tributário Nacional (CTN - Lei Federal 5.172/66), o qual diz que:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

(Código Tributário Nacional)

Dessa forma, diferentemente do IPTU com fins fiscais, a Constituição Federal e a lei

federal que institui a política nacional de desenvolvimento urbano não trataram como

deveriam da questão sobre quem deveria recair a responsabilidade sobre o cumprimento

das normas urbanísticas - algo que desconhecemos se ocorreu por omissão ou

deliberadamente, mas que independente disso nos legou questionamentos tais como: e nas

terras devolutas, não podemos notificar ninguém?

No nosso entendimento, tomando o IPTU-PT no tempo como espécie do IPTU, o

possuidor do solo urbano a qualquer título deve ser responsabilizado pelas implicações

legais do solo urbano naquelas condições, haja vista que isso diz respeito ao uso do imóvel

urbano - contudo, a lei não diz isso expressamente, logo, não autoriza tal medida que pode

impedir o uso de tal instrumento em muitas cidades de suas parcelas julgadas devolutas.

A área de ocupação prioritária:

A delimitação da área passível de aplicação do IPTU-PT no Plano Diretor, a qual

denominamos aqui de ‘Área de Ocupação Prioritária’, deve ter em vista os objetivos relativos

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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à aplicação do IPTU-PT, ou seja, a ocupação adequada e a contenção da especulação

imobiliária.

Com relação ao primeiro objetivo, o caminho a seguir é relacionar espacialmente as

áreas que acumulam em maior quantidade e intensidade infra-estrutura de equipamentos

ociosos ou sub-utilizados, baixa densidade de ocupação construtiva (se se tratar de área

urbanizada), e proximidade física e acessibilidade às áreas centrais ou urbanizadas (se se

tratar de área urbanizável) – não havendo maiores problemas de ordem teórica.

Já com relação ao segundo, comumente os urbanistas cometem o equivoco de

equiparar propriedade urbana ociosa com especulação imobiliária, sendo que a ociosidade é

na verdade um indicador e não a constatação por si só – haja vista que tais áreas, sejam

lotes ou glebas, podem se encontrar nessa situação em razão da condição socioeconômica

de seus proprietários ou conjuntura do mercado imobiliário local.

Nesse mesmo sentido, a especulação imobiliária pode estar presente em áreas

pouco valorizadas, as quais se encontram retidas na expectativa de investimentos públicos

que as valorizem em proveito de seus proprietários – nesse aspecto a concentração

fundiária passa a ser um outro indicador importante de especulação.

Dessa forma, o primeiro passo para posterior utilização do IPTU-PT deve ser

cauteloso para evitar o equivoco de se tentar coibir um comportamento social e, na verdade,

punir os sujeitos sociais injustamente.

Para exemplificar o que estamos tentando expressar, basta citar uma hipotética

aplicação do instrumento em área onde uma família numerosa havia adquirido um segundo

e necessário lote, com o passar dos anos a área se desenvolveu e se valorizou9, mas a

família não teve condições econômicas de ocupá-lo.

Essa situação, antes de ser uma hipótese irreal, expõe uma situação comum que é a

limitação das políticas habitacionais que muitas vezes se limitam à construção de conjuntos

habitacionais e relega a um segundo plano o apoio financeiro na construção nos lotes

desocupados.

Portanto, a definição da área passível de aplicação do IPTU-PT se constitui numa

tarefa complexa que requer uma reflexão teórica antes da aplicação de procedimentos

técnicos de técnicas que comumente ignoram tal complexidade - para não transformá-lo em

mais um instrumento de promoção da segregação social.

A regulamentação do instrumento:

Neste momento de regulamentação do instrumento, ou seja, de proposição da lei

específica para aplicação do instrumento, algumas das indagações presentes anteriormente

9 Valorização e especulação imobiliária são dois conceitos distintos, o primeiro diz respeito à

incorporação de valor de troca devido a realização de investimentos, enquanto que o segundo se refere à uma estratégia dos agentes privados de maximizarem seus ganhos imobiliários, seja antecipando valorizações reais seja supervalorizando os valores existentes.

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700

durante a fase inicial do processo e da delimitação da área de ocupação prioritária no Plano

Diretor podem ressurgir, dentre outras que se não surgirão de imediato na fase de

elaboração do Plano Diretor, certamente surgirão neste momento.

A principal indagação diz respeito às implicações negativas de se formar maiores

densidades construtivas no espaço urbano. Essa questão, por um lado, mantém uma

interface com o necessário aproveitamento da infra-estrutura e dos equipamentos públicos,

por outro lado, contudo, resta a indagação se a médio e longo prazo não irá implicar num

engessamento das redefinições de formas e usos.

Por esse motivo, é fundamental que as alíquotas sejam indutoras - seja para a

ampliação da densidade construtiva seja para a comercialização de tais áreas – e não

caracterize a imposição de um ideal urbanístico de ocupação ótima do espaço urbano.

Faz-se tão importante que a lei específica seja referendada por uma base cadastral

consistente e atualizada, contendo os indicadores que eventualmente determinarão a

cessão de tal imposição sobre a área, de forma que isto não implique no engessamento que

nos referimos anteriormente caso surta um efeito expressivo e nem fique a mercê de

interesses políticos presentes na obrigatória revisão do Plano Diretor.

No seguir dessa orientação que reside o obstáculo relativo à definição das alíquotas,

as prefeituras municipais na maioria dos casos não possuem informações consistentes e

atuais sobre o mercado imobiliário e isso gera uma complicação para nele intervir com

propriedade.

Dessa forma, cabe salientar que as diretrizes fixadas pelo Estatuto da Cidade

relativas à majoração do IPTU-PT e o limite estabelecido se constituem somente em limites

legais, sendo que a aplicação em condições idênticas pode não surtir efeito algum em razão

da defasagem dos valores venais dos imóveis ou pode significar uma expropriação dos

imóveis – cabendo aos técnicos e legisladores arbitrar sobre isso caso a caso com base nas

informações disponíveis para que possa cumprir com o importante objetivo proposto.

CONCLUSÃO

A geografia possui uma importante função no âmbito do planejamento urbano de

estabelecer um diálogo entre a compreensão da lógica de produção do espaço urbano e a

lógica de intervenção pública e seus instrumentos.

Esse diálogo passa necessariamente por uma discussão interdisciplinar que envolve

a construção política e jurídica da política nacional de desenvolvimento urbano e a execução

da política urbana no âmbito municipal.

A construção da política nacional de desenvolvimento urbano trouxe importante

contribuição que amplia o campo de ação dos municípios, tendo o IPTU-PT como um

importante instrumento sobre o qual procuramos discorrer neste trabalho.

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Contudo, a efetividade desse instrumento transpassa necessariamente por uma série

de obstáculos de diversas ordens, os quais devem ser superados em prol dos potenciais

benefícios de sua utilização.

De qualquer maneira, é fundamental ter consciência desses obstáculos derivados da

complexidade social para que evitemos um fracasso na sua utilização, ou que tal fato venha

a ser atribuído ao instrumento em si – sendo fundamental a sua articulação com outros

objetivos e instrumentos disponíveis.

Com isso, concluímos que apesar dos obstáculos, se faz necessário abrir mão de tal

instrumento para que possamos ampliar a discussão e construir (não apenas a política

nacional de desenvolvimento urbano, mas) o próprio desenvolvimento urbano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTILHO, José Roberto Fernandes, MANCINI, Marcelo Tadeu (org). Coletânea de Legislação Urbanística Básica. Presidente Prudente, 2008. GARCIA, Paulo Sérgio. Por que tributar as áreas urbanas edificáveis ociosas progressivamente? : algumas considerações sobre a realidade urbana de Presidente Prudente. Trabalho de conclusão (especialização - Planejamento e Gestão Municipal) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. Presidente Prudente: [s.n.], 1999. INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília, 2005. MARISCO, Luciane Maranha de Oliveira. A Norma e o fato: abordagem analítica da segregação sócioespacial e exclusão social a partir dos instrumentos urbanísticos. Presidente Prudente: [s.n.], 2003 MELAZZO, Everaldo Santos. Mercado imobiliário, expansão territorial e transformações intra-urbanas: o caso de Presidente Prudente – SP. 1993. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Presidente Prudente, 1993. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993. SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do Desenvolvimento Urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003a. __________. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao Planejamento e à Gestão Urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003b. VILLAÇA, Flavio. As ilusões do Plano Diretor. São Paulo, 2005.

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O PAPEL DO SHOPPING CENTER NA REDEFINIÇÃO DA CENTRALIDADE URBANA. CATUAÍ SHOPPING E ROYAL PLAZA SHOPPING – LONDRINA (PR)1

Autor: Luis Eduardo Devai Email: [email protected]

Aluno de Graduação Universidade Estadual Paulista

Bolsista de Iniciação Cientifica – FAPESP Geografia Urbana

Resumo: A atuação do shopping center, resultado do encontro de interesses dos agentes comerciais e imobiliários, torna uma cidade mais complexa no que diz respeito à estruturação urbana e nas diferentes expressões de centralidades. A inauguração de dois shopping centers em Londrina (PR) – Catuaí Shopping e Royal Plaza Shopping - redefiniu a expressão da centralidade urbana e interurbana, reforçando seu papel centralizador na rede urbana. Através da literatura, de dados recolhidos em campo e de levantamentos históricos, pretendemos comprovar o papel centralizador do shopping center em uma cidade média como Londrina (PR). Palavras-chave: Produção do espaço; cidades médias; centralidade; shopping center.

INTRODUÇÃO

A modernização do capitalismo, no sentido que Santos (1979) atribui para esse

conceito, tem criado um novo espaço para o consumo de bens e serviços. O shopping

center se apresentou como um espaço não só de consumo, mas onde se consome o

espaço. Resultado da aliança entre diferentes agentes produtores do espaço urbano o

shopping center representa um papel de expressividade de nova centralidade e/ou de

refuncionalização de Áreas Centrais onde participa decisivamente da produção do espaço

urbano em uma cidade média.

Com base na literatura sobre o espaço urbano e sobre o fenômeno de centralidade

os estudos abordam as mais diferentes áreas de pesquisa devido à complexidade das

relações que ocorrem dentro da cidade. Assim como a cidade, o shopping center é um

objeto de estudo que permite as mais diferentes abordagens metodológicas e os objetivos

mais variados.

Em Londrina (PR) existem dois shopping centers que expressam uma centralidade

múltipla e complexa (Lefebvre,1999) onde o Catuaí Shopping Center representa um centro

regional por si só e o Royal Plaza Shopping apresentou na Área Central a revitalização de

uma área degrada e reestruturou os fluxos do Centro Principal. Atualmente existem outros

dois shopping centers, o Planet Shopping – da Metacon Construtora - e o Londrina Norte

1 Este trabalho está vinculado ao projeto maior “Cidades médias brasileiras: agentes econômicos, reestruturação urbana e regional”, com financiamento do Ministério da Ciência e Tecnologia - CNPq, conforme o Edital Casadinho. Nossa pesquisa, em estágio final, com pedido de renovação, é orientada pelos Profs. Maria Encarnação Beltrão Sposito e William Ribeiro da Silva e financiada pela FAPESP, através de Bolsa de Iniciação Científica.

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DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...

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Shopping - da Construtora Khouri – atualmente implantado e em construção,

respectivamente, que serão analisados em nossa pesquisa mais adiante.

DESENVOLVIMENTO

A base teórica da Geografia urbana é bem ampla e trata de diversos aspectos

assumidos pela cidade e pela rede urbana. Para a elaboração desta pesquisa trabalhamos,

principalmente, com os textos de Bienenstein (2001), Castells (1975), Corrêa (1995, 2000),

Garrefa (2002), Haesbaert (2004), Lefebvre (1999; 1991), Padilha (2006), Pintaudi (1989),

Ribeiro (2006; 2005) e Sposito (2001; 1999). Esses autores tratam especialmente das

relações urbanas, dos shopping centers e das expressões da centralidade urbana e da rede

urbana. A produção do espaço urbano vai se basear nas relações entre os fluxos que

trafegam e os fixos que compõe o urbano. Essas relações criam espaços da cidade que

recebem uma maior confluência de fluxos e constroem fixos especializados para atender

essa demanda. Esses espaços são denominados de centros. Um centro pode assumir

diferentes características, como tratadas por Castells (1975), mas é uma área que possui

uma oferta de bens e serviços heterogênea para uma demanda igualmente heterogênea.[...]

o centro é um lugar multifuncional, cujas funções são, em comparação com as de outros

lugares, muito mais amplas (CASTELLS, 1975, p. 189).

Quando essa centralidade assume um caráter inter-regional, recorremos ao conceito

de multi(poli)centralidade, tratado pro Lefebvre (1991) e rediscutido por Sposito (1991).

Dentro dos elementos responsáveis pela evolução de novas centralidades está a difusão do

automóvel, das comunicações que permitiram a descentralização produtiva e o interesse

das classes econômicas mais altas em morar nas periferias (Ribeiro, 2006). No caso de

Londrina (PR), temos ambos os casos já que a cidade apresenta diferentes centralidades,

discutidas por Ribeiro (2006), e o papel inter-regional que essas centralidades têm. Um

equipamento de forte importância para a expressão de centralidade é o shopping center.

Equipamento comercial e imobiliário que resulta da aliança entre os comerciantes, os

incorporadores imobiliários e os proprietários fundiários. Foi definido por diversos autores

segundo a orientação de suas áreas e pesquisas. Adotamos a definição de Grassiotto

(2005), que incorpora as definições de diversos autores, entre eles, Pintaudi (1987):

[...] um empreendimento planejado, multifacetado espaço comercial de serviços e entretenimento, com administração única e centralizada, contendo características de marketing, propaganda e de distribuição varejista especiais, localização espacial privilegiada, estacionamento, cenário arquitetônico de indução ao consumo e a socialização. (GRASSIOTTO, 2005, p. 26).

A partir dessa definição identificamos como objetos de estudo, dois shopping centers

– o Catuaí Shopping Center e o Royal Plaza Shopping. Temos como objetivo avaliar o papel

centralizador que esses equipamentos expressam na cidade e na região e refletir sobre os

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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arredores e as respectivas interações espaciais. Os shopping centers, são resultado das

alianças entre os produtores do espaço urbano – alianças essas citadas por Corrêa (2005).

Assim o shopping center é uma ferramenta dos produtores do espaço urbano que tem uma

atuação significativa na produção do espaço urbano por meio das estratégias adotadas

pelos produtores do espaço urbano. Adotamos como metodologia, inicialmente, uma abordagem histórica dos processos

de produção do espaço urbano, um levantamento dos equipamentos ao redor do shopping

center e, finalmente, um levantamento em campo de dados sobre os shopping centers,

dados do município e atividades econômicas e entrevistas com freqüentadores e

levantamento dos veículos encontrados no Catuaí Shopping, segundo sua procedência.

Um estudo histórico da evolução dos fixos e fluxos em uma cidade permite

compreender o papel de equipamentos na estruturação de um município e a sua influência

em uma rede urbana.

Londrina (PR) foi fundada em 1934 e a partir dessa data consolidou sua área central

já definida na planta original da cidade. Até a década de 50 o município tinha um caráter

agrícola, representado pelo plantio do café pelos imigrantes, mas também, e despontava

como importante comercializadora do café regionalmente produzido. Um conjunto de fatores

– climáticos, econômicos e políticos – fizeram com que a cidade aumentasse o ritmo da sua

urbanização e industrialização, ampliando sua população, expandindo sua mancha urbana e

cristalizando o centro principal dentro da dinâmica da cidade e consolidando a influência da

cidade na sua região. Em 1980 a inauguração do Calçadão da Rua Paraná fortaleceu o

papel da Área Central e a característica comercial e financeira desse centro, atendendo as

diferentes classes sociais e pessoas oriundas de todo o município e região. Em novembro

de 1990 é inaugurado na borda sul da mancha urbana, às margens da PR-445, o Catuaí

Shopping Center e nove anos depois, em novembro de 1999, é inaugurado no lote da antiga

garagem da Viação Garcia o Royal Plaza Shopping.

CATUAÍ SHOPPING CENTER

Com um investimento de 55 milhões de Reais de diversos fundos, públicos e

privados, o Catuaí Shopping possui a maior ABL (Área Bruta Locável) da região sul do Brasil

- 85 mil metros quadrados com um estacionamento com mais de 5000 vagas. Atrai

aproximadamente 800 mil pessoas por mês que gastam, em média, R$ 90,00. Trata-se de

um shopping center que tem uma orientação explícita de atrair um público das classes A e

B. Assim sendo, sua arquitetura reflete um padrão que se encontra em diversos shopping

centers do Brasil – iluminação natural e diversos elementos naturais como plantas, cascatas

e árvores – segmento do shopping center que tem sido constantemente revitalizado. Os

corredores amplos diminuem a velocidade dos fluxos internos tornando a estadia no

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DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...

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shopping center mais longa, o que gera mais consumo (seja nas lojas ou no

estacionamento). Seu mix também reflete um padrão elitizado, com lojas de grife e produtos

especializados e sofisticados.

Sua construção, realizada pela Construtora Khouri e Construtora Catuaí, incluiu uma

importante participação do poder público. O acesso ao shopping center só poderia ser feito

através de uma prolongação da Av. Madre Leonina Milito que cruza a PR-445, e para isso,

foram utilizados fundos municipais e estaduais, confirmando o texto de Corrêa (2005), sobre

a participação do Estado como intermediário dos interesses privados em contrapartida aos

interesses públicos. Seus arredores, que compreendem a Gleba Palhano e a Gleba Cafezal,

foram intensamente ocupados por diferentes estabelecimentos especialmente depois do ano

de 2000. Isso devido ao fato do Catuaí Shopping ter passado por algumas dificuldades

administrativas nos primeiros dez anos. Encontramos duas universidades – UNOPAR e

Pitágoras – que oferecem aproximadamente dez mil vagas por ano; dois hotéis – Comfort

Suítes e Villalba Hotel – com mais de 200 suítes; posto de gasolina da bandeira Texaco, um

bar universitário; uma casa noturna sofisticada; e trinta e quatro loteamentos fechados de

alto padrão cujas datas de aprovação se iniciam em 1992 e se intensificam a partir de 2001.

Verificamos o papel do shopping center na expressão de uma nova centralidade pela

sua polarização de pessoas através do transporte coletivo. Obtivemos os dados junto a

CMTU – Companhia Municipal e Transportes Urbanos verificamos um aumento significante

do fluxo em janeiro de 2009, época referente á expansão interna ocorrida no Catuaí

Shopping Center (Gráfico 1).

Gráfico 1: Passageiros no Terminal Catuaí - 2006 – 2009

Org.: Luis Eduardo Devai, 2009

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Com forte influência da ampliação da complexidade de ações do Catuaí Shopping

Center, a Gleba Palhano apresentou nos últimos 10 anos uma intensificação do processo de

verticalização pela atuação das empresas incorporadoras, como Plaenge e A. Yoshi, ambas

londrinenses. Através de uma série de mapeamentos da oferta de bens e serviços na cidade

de Londrina (PR) – empreendimentos imobiliários, magazines, lotéricas e um mapa extraído

de Ribeiro (2006), que fez um mapeamento geral de todo a cidade, pudemos notar uma

concentração evidente na Área Central e o surgimento de uma centralidade múltipla e

complexa no setor sudoeste, onde se localiza o Catuaí Shopping (Mapa 1).

Mapa 1: Distribuição dos empreendimentos na Gleba Palhano e Cafezal.

Org: Luis Eduardo Devai, 2009.

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DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...

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Regionalmente, o Catuaí Shopping exerce uma influência sobre diversos municípios, em

diferentes escalas urbanas. Essa influência é também efeito do papel de Londrina (PR)

como cidade de grande especialização no agronegócio e na oferta regional de bens e

serviços especializados. Através de um levantamento da procedência dos veículos no

estacionamento do Catuaí Shopping pudemos elaborar um mapa que mostra a intensidade

e distância desses fluxos (Mapa 2). Notamos a intensa relação existente entre o norte do

Paraná e o Estado e São Paulo.

Mapa 2: Procedência dos veículos encontrados no Catuaí Shopping.

Org: Luis Eduardo Devai

ROYAL PLAZA SHOPPING

Inaugurado em 1999, o Royal Plaza Shopping é um empreendimento realizado pela

construtora Metacon, de Londrina, e teve um investimento total de 22 milhões de reais, onde

30% pertenciam à Viação Garcia, proprietária do lote na Área Central de Londrina (PR).

Com uma ABL de nove mil metros quadrados atrai um fluxo mensal de 500 mil pessoas,

com um ticket médio de R$ 60.00. Em trabalho de campo, aplicamos um questionário com

os freqüentadores do Royal obtivemos os seguintes resultados referentes ao gasto médio,

idade, renda, sexo, escolaridade, procedência, meio de transporte, gasto médio por visita e

a preferência entre o centro e o shopping center. Notamos que há um predomínio de

pessoas entre 20 e 29 anos que são em geral indivíduos que trabalham nas redondezas,

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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enquanto que a faixa de segunda maior expressividade, indivíduos de até 19 anos, reflete os

estudantes que freqüentam o shopping center nos períodos de folga. São jovens que

consomem freneticamente e são facilmente influenciados por estratégias mercadológicas,

sendo assim, alvos das campanhas publicitárias das lojas. A renda da maioria dos

consumidores do Royal Plaza fica entre R$ 479,00 e R$ 1.035,00, o que representa a

parcela “D” da sociedade, seguida pela parcela “C”, o que significa ser esse o perfil

socioeconômico do consumidor. Um pouco diferente da proposta da administração do

shopping center que almeja atrair indivíduos da classe B e C.

Na sua maioria, o público do Royal Plaza é feminino, o que se relaciona ao mix do

Royal Plaza, que possui grande número de lojas de vestuário feminino. O público é bem

variado quanto à sua escolaridade devido a vasta gama de indivíduos que freqüentam o

centro principal com diferentes finalidades. Pessoas de baixa escolaridade procuram a Área

Central em busca de empregos, em função do número de ofertas. As pessoas com o ensino

fundamental e médio encontram no Centro Principal emprego no setor de comércio e

serviços, enquanto que os formados no ensino superior são absorvidos pelas empresas de

alto nível de especialização que se encontram na Área Central – bancos, assessorias,

advocacias etc. A grande maioria dos entrevistados reside em Londrina (PR), o que

descarta o papel regional exercido pelo Royal Plaza, sendo sua influência mais notável

dentro da Área Central da cidade. A procedência do indivíduo está relacionada ao fato deste

possuir ou não um veiculo e como este vem ao shopping center. Muitos indivíduos sem

veículo próprio são forçados à utilizar o transporte coletivo. O fato de todos shopping centers

possuírem estacionamentos faz com que os freqüentadores que são donos de carros se

sintam seguros em freqüentar um shopping center localizado no Centro Principal, marcado

pelo congestionamento, falta de vagas e insegurança. Podemos inferir que a maioria dos

indivíduos que freqüentam o Royal Plaza utiliza seus próprios veículos. No caso daqueles

que utilizam o serviço de transporte coletivo existe uma divisão sobre onde estes

desembarcam. Isso se deve ao fato de existirem linhas que passam fora do Terminal

Central, vindas de municípios vizinhos – Cambé, por exemplo - que fazem com que os

passageiros desçam na Rua Sergipe e não no Terminal Central.

O usuário do Royal Plaza tem uma oferta de bens e serviços variada segundo seu

mix o que permite uma diversidade de propósitos para os freqüentadores. Assim, eles

utilizam o shopping center como um local de consumo e lazer reforçando a noção de espaço

de consumo e consumo do espaço. Usuários mais novos freqüentam o shopping center com

mais freqüência enquanto que usuários mais velhos ou mais distantes tendem a ir com

menos periodicidade ao Royal Plaza. No entanto, o intervalo entre uma visita e outra, em

poucas vezes ultrapassa trinta dias. Em muitos dos casos, as pessoas acabam

freqüentando o shopping center durantes os finais de semana, o que faz com que o período

de visita seja, em sua maioria, de uma vez por semana.

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DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...

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Esse público consumidor gasta, segundo a administração do Royal Plaza, um ticket

médio de R$ 60,00. Por ser um valor médio ele está sujeito à discrepâncias onde alguns

usuários freqüentem o shopping center sem gastar mais de R$ 5,00 como existem usuários

que gastem valor acima dos R$ 300,00. Podemos notar que o gasto médio dos

consumidores está bem abaixo do ticket médio comprovando que este possui dados

discrepantes que não condizem com a realidade. Também notamos para o alto volume de

indivíduos que não souberam responder sobre seu gasto, o que levanta a questão de como

o planejamento do shopping center está voltado para que o consumidor gaste sem ter

consciência do seu gasto e continue a consumir. Lembramos que a estrutura dos corredores

– estreitos que aceleram o fluxo dentro do shopping center – também atua sobre os

consumidores diminuindo o tempo que eles tem de processar os estímulos publicitários

garantindo assim um alto volume de vendas de impacto. Ainda referente à estrutura física de

um shopping Center, sabemos que um dos principais atrativos utilizados para o publico é a

sensação de segurança e de isolamento com o mundo externo. No caso do Royal Plaza

oferta-se um ambiente climatizado e com segurança, que se diferencia da Área Central,

conhecida pela sua ordem supostamente “caótica”, conforme senso comum.

No que diz respeito à estrutura física do shopping center, este apresenta sete

andares, sendo que em quatro deles estão as lojas. Possui corredores estreitos que

aumentam a velocidade dos fluxos internos tornando o consumo algo pontual, ou seja, as

pessoas entram no shopping center sabendo o que vão comprar, ou já programando passar

pouco tempo dentro do shopping center. O Royal Plaza, segundo a administração, tem sua

principal âncora na praça de alimentação e no último ano de pesquisa pudemos notar que

este foi o espaço que recebeu maior investimento. O perfil do freqüentador do shopping

center é bem variado e inclui indivíduos das mais diversas faixas etárias, renda e

escolaridade. A variável que apresentou a maior homogeneidade foi a procedência dos

indivíduos – 84% são de Londrina (PR).

Sua participação no entorno foi fundamental no que diz respeito à revalorização do

Centro Principal. Localizado próximo ao Terminal de Transportes Urbanos Municipal e de

uma área com concentração do comércio informal, o Royal Plaza Shopping tem um papel

centralizador na escala interna da cidade, atuando também sobre a expansão dos fluxos do

Calçadão da Rua Paraná. Em conversa com os lojistas foi levantada a questão do mercado

consumidor específico do shopping center e do mercado informal. Grande parte dos

freqüentadores do Centro, segundo questionário aplicado, prefere o shopping center ao

Centro Principal. Isso se deve à sensação de segurança que é passada dentro desse

espaço – segurança antes de tudo social, segurança de ser abordado por moradores de rua

que são, muitas vezes, violentamente afastados das imediações do shopping center. A sua

localização em relação ao Terminal Municipal e ao Camelódromo atraem para o shopping

center uma clientela diferenciada daquela que freqüentaria o Catuaí Shopping Center. O

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consumo de pessoas socialmente menos privilegiadas é favorecido pelo tenant mix do

shopping center, pelos preços oferecidos e pela própria estratégia do Royal Plaza Shopping

de atrair essa população que freqüenta o Centro Principal – conforme nos foi informado pelo

diretor de Marketing do shopping center.

A área ocupada hoje pelo Royal Plaza Shopping esteve até 1999 em uma situação

de degradação do seu espaço. Essa degradação é resultado da falta de uma

refuncionalização da Área Central em função das modificações do uso do solo. O Centro

Principal de uma cidade está em constante transformação já que é a máxima expressão das

relações que ocorrem no seu interior. Espaços que não acompanham essa mudança não

recebem investimentos e tendem a se deteriorar pelo desgaste físico e pelo desgaste social

resultado da ocupação desses espaços pela criminalidade e outras atividade. Assim a (re)

territorialização desse espaço permite ao comercio retomar áreas de interesse. O papel

expresso por estes dois shopping centers permite compreender o processo de

especialização dos setores comerciais e imobiliários e verificar a sua atuação em um espaço

urbano. Essa degradação é resultado da visão ideológica da sociedade capitalista que

marginaliza aqueles que não estão em condições de serem inseridos no modelo de

sociedade consumida retirando estes do espaço para dar lugar aos mecanismos de

reprodução do capital. A degradação social é então transportada para outros espaços onde

não se tem o interesse de revitalizar.

CONCLUSÕES

Concluímos que o shopping center se apresenta como um elemento do espaço

urbano que, fruto de uma aliança entre os capitais público e privado, com benefícios apenas

para o último, altera toda a morfologia urbana e, em cidades médias, provoca alterações

tanto urbanas como interurbanas. Assim, aceitamos que um estudo desses espaços

contraditórios permite compreender melhor as dinâmicas capitalistas nas suas mais diversas

atuações.

Com base na literatura discutida e nos resultados obtidos e apresentados verificamos

o papel centralizador que é expresso pelo Catuaí Shopping Center em sua escala regional

devido á concentração de bens e serviços, seu alcance interurbano e urbano e sua

capacidade de alteração do espaço no seu entorno. O Royal Plaza Shopping apresentou

uma forte influência centralizadora na Área Central de Londrina (PR) revitalizando uma

região degradada e desvalorizada desse espaço e modificando significantemente os fluxos

internos desse espaço.

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DEVAI, Luis Eduardo. O papel do Shopping Center na redefinição da centralidade urbana ...

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A presença de novos empreendimentos desse tipo foi verificada em Londrina (PR)2 e

permite a continuação desse estudo e a integração da pesquisa sobre centralidades internas

das cidades com um estudo da rede urbana ao qual Londrina está integrada em uma escala

regional.

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2 Desde 2008 foram verificados 2 empreendimentos de shopping centers – Planet Shopping e Londrina Norte Shopping – e o projeto de outro shopping center ainda sem nome.

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RIBEIRO, William da Silva. Centralidade e produção de loteamentos fechados na cidade de Londrina-PR. In: Cidades médias: dinâmica econômica e produção do espaço. 1ª. ed.São Paulo : Expressão Popular, 2006, v.1, p. 215-234. SANTOS, Milton. O espaço Dividido. Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Tradução de Myrna T. Rego Viana. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. As Cidades Médias e os contextos econômicos contemporâneos. In: ___. (Org.) Urbanização e Cidades: Perspectivas geográficas. Presidente Prudente: UNESP/GAsPERR, 2001. ________. Centro e as formas de expressão da centralidade urbana. Revista de Geografia. Universidade Estadual Paulista/UNESP. São Paulo, 1991 v.10.

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REGIÃO METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS: O TRANSPORTE COLETIVO INTRAMETROPOLITANO: ANÁLISE E DISCUSSÕES E O

TRATAMENTO DA TEMÁTICA SOBRE O TRANSPORTE MARÍTIMO

Rafael Gotardi Brússolo

[email protected] Aluno do terceiro ano do curso de

Geografia. UNESP – FCT campus de Presidente

Prudente. Resumo: O estudo de caso focaliza o município de Florianópolis, abrangendo sua Região Metropolitana, criada pela lei complementar estadual n° 162 de 1998. Será dada ênfase à categoria transporte coletivo intrametropolitano, citando os principais meios deste tipo de transporte (Sistema Integrado de Transportes [SIT], Transporte Executivo e Transporte Marítimo) e destacando os problemas em relação ao planejamento, á gestão e á prestação do serviço do SIT. A má espacialização dos terminias, as zonas de baldeação pouco estruturadas, a ausência do cartão de integração, o que proporciona a cobrança de mais de uma tarifa, deixando o transporte mais caro, propiciam a baixa qualidade na prestação do serviço. Associa-se a isto o fato da excessiva demanda por este serviço.Entrelaçando esses argumentos com a peculiaridade geográfica de Florianópolis, que està localizada em grande parte numa ilha, e onde as vias de acesso se dão por duas pontes, nota-se um grande problema em se tratando da mobilidade espacial urbana. Para dar maiores subsídios para a discussão, será tratado a temática sobre o transporte marítimo, como meio de “amenização” do problema do “estrangulamento” das vias. Palavras-chave: rede urbana; região metropolitana; transporte coletivo; mobilidade espacial urbana. INTRODUÇÃO

Realizando uma abordagem analítica sobre o processo de urbanização brasileira, é

perceptível a prevalência da metropolização e o crescimento das grandes cidades. O

suposto rompimento das fronteiras com o advento da mundialização da economia, a

globalização e a constituição de uma sociedade em rede favorece o engrandecimento deste

processo. A divisão internacional do trabalho, com a consequente especialização produtiva

proporciona a diferenciação da organização espacial, sendo a força motriz a circulação

(bens, serviços, pessoas, etc).

Em se tratando de uma interação urbana (relações), a tendência crescente à

diferenciação e à especialização, associado ao advento da urbanização, acompanhada da

divisão interurbana do trabalho, é vinculada diretamente ás possibilidades de articulação

que a dinâmica da circulação promove.

Este texto exploratório focará o município de Florianópolis, mas precisamente a sua

região metropolitana. Será dada ênfase à categoria transporte coletivo (Sistema Integrado

de Transporte Rodoviário Intermunicipal), penetrando na discussão sobre o transporte

hidroviário, sendo este uma das vias de solução da grande demanda de transporte.

Florianópolis é a capital do estado de Santa Catarina e uma das três ilhas-capitais do

Brasil. Destaca-se por ser a capital brasileira com o melhor índice de desenvolvimento

humano (IDH), da ordem de 0,875, segundo relatório divulgado pela ONU em 2000. Esse

índice também a torna a quarta cidade brasileira com a melhor qualidade de vida, atrás

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apenas de São Caetano do Sul e Águas de São Pedro, no estado de São Paulo e Niterói, no

estado do Rio de Janeiro. Possui, segundo o IBGE, no ano de 2008, uma população de

402.346 habitantes, sendo o segundo município mais populoso do estado, atrás apenas do

município de Joinville.

A Região Metropolitana de Florianópolis (RMF) é uma região metropolitana brasileira,

criada pela lei complementar estadual n° 162 de 1998 e extinta pela lei complementar

estadual n° 381 de 2007. Era constituída por um único município que possuía continuidade

de mancha urbana, que no caso é o município de São José, e mais outros do entorno. As

cidades que apresentam maior interação espacial, ou seja, tem maior número de relações,

são Biguaçu, Palhoça e São José. Águas Mornas, Gov. Celso Ramos, Antonio Carlos, Santo

Amaro da Imperatriz e São Pedro de Alcântara, formam a Região Metropolitana. A

população desta Região Metropolitana apresenta elevada concentração no município sede,

onde a população de desta corresponde à cerca de 48% do montante populacional da

região. Agregando-se os municípios que apresentam maior interatividade, pode-se observar

a concentração de 46% da população da RMF nos municípios de São José, Palhoça e

Biguaçu. Estes dados são importantes indicativos do grau de polarização exercido por este

conjunto de quatro municípios na dinâmica deste circuito da rede urbana catarinense. Segue

o mapa repesentando a RMF, para facilitar a visualização e interpretação.

Figura 1 – Municípios que compõem a RMF. Fonte: Alves e Baeninger s/d.

A partir da base cartográfica IBGE 2001.

A Região Metropolitana de Florianópolis se caracteriza como um conjunto urbano

polarizado, onde esta aglomeração de municípios apresenta elevado grau de dependência

econômica do entorno em relação ao município sede. Como agravante este município

apresenta a peculiaridade geográfica de que a maior porção de seu território está localizada

em uma ilha, cujas únicas ligações rodoviárias, em funcionamento, são duas pontes.

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O transporte coletivo na Grande Florianópolis, assim denominada, é composto

basicamente por ônibus, sendo utilizado largamente para deslocamento da população

residente nos municípios de Florianópolis, São José, Palhoça, Biguaçu, Santo Amaro da

Imperatriz e São Pedro de Alcântara, que integram a região metropolitana.

O crescimento da RMF, relacionado com as alternativas de soluções físico-

rodoviárias se esgotando, e o elevado custo de implantação de outras alternativas de

transporte de massa de tecnologia avançada, proporcionam a carência deste serviço e o

questionamento sobre a implantação de sistemas alternativos de transportes de massa de

baixo custo, como é o caso do sistema marítimo. A tabela a seguir representa a população e

taxa de crescimento geométrico anual dos municípios que compõe a RMF.

Tabela 1 – População e Taxa de Crescimento Geométrico Anual, Região

Metropolitana de Florianópolis, 1980, 1990 e 2000.

Fonte: Alves e Baeninger s/d. FIBGE, Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000.

Sendo assim, esse texto exploratório visa ao estudo do transporte coletivo

intrametropolitano na Grande Florianópolis, dando ênfase para a atual “crise” do sistema,

proporcionando indagações e questionamentos sobre o tema, e colocando em pauta de

discussões a problemática da instalação do sistema de transporte hidroviário. Deste modo, é

necessário, primeiramente, realizar uma abordagem analítica sobre o conceito de rede

urbana, sendo este elemento preponderante para se compreender as interações espaciais

da atualidade.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA

Para se abarcar as contemporâneas interações espaciais, é imprescindível o

entendimento da rede urbana. Em princípios geográficos, para interpretar a rede urbana é

fundamental ter em mente as categorias de análise, como espaço, território, região, escala,

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lugar, paisagem, etc. Partindo desse pressuposto, a rede urbana é entendida sobre duas

constituintes, a material (concretas) e a social (abstratas).

Segundo Sposito (2008) a divisão do trabalho é um dos principais elementos para a

compreensão da rede urbana. É essa separação de atividades que proporciona a

especialização da produção, originando os papéis que cada localidade desempenha na

rede. Neste sentido, Siebert (1997, p.15) afirma:

“É sabido que as cidades não existem de forma isolada. Elas se articulam entre si, formando redes urbanas organizadas hierarquicamente em função da divisão territorial do trabalho, e se articulam também com sua região, o espaço rural que as circunda e alimenta”.

Em se tratando da especialização da produção, “(...) haverá, assim, tipos de cidades

correspondentes às economias agrícolas e tipos de cidades correspondentes às economias

industriais” (Geiger, 1963, p. 13).

No Brasil, nota-se que São Paulo e sua região metropolitana concentram grande

parte das atividades econômico-financeiro do país, sendo acompanhada pela região

metropolitana do Rio de Janeiro, que não reune metade das funções paulistanas.

Entretanto, com a dinamização do capital e a maior mobilidade e flexibilidade de

bens, serviços, etc, a rede urbana adquire novos (re) arranjos, o que concretiza o alto grau

de complexidade do tema.

O foco da discussão é a Região Metropolitana de Florianópolis, que segundo a

REGIC é caracterizada como capital – regional nível A. Para se entender as interações

espaciais na (RMF), é de suma importância analisar brevemente como se deu a formação

da rede urbana de Santa Catarina. Esta articulou-se no sentido leste-oste, porque as

primeiras cidades surgiram no litoral, desdobrando-se para o interior, avançando para a

fronteiras agrícola do Oeste do estado. O que desperta atenção para a rede urbana

catarinense é a ausência da denominada macrocefalia urbana (concentração de papéis

numa única cidade), verificando-se uma distribuição multipolarizada de núcleos urbanos de

médio porte. A capital estadual não é a mais populosa, fugindo à regra das demais capitais.

Um outro elemento que propicia o destaque da capital é sua posição geográfica, estando o

sítio urbano localizado numa ilha, onde a acessibilidade se dá por duas pontes ou balsa.

As cidades de Joinville (mais populosa), Blumenau, Itajaí, Criciúma, Lages e

Chapecó, localizadas no interior do estado, dividem a prioridade urbana com Florianópolis,

porém caracterizadas por níveis de dominância diferenciados.

Em se tratando de transporte coletivo, a cidade de Florianópolis apresenta três tipos

de transporte urbano: o Sistema Integrado de Transporte, o Transporte Executivo e o

Transporte Marítimo. O Sistema Integrado de Transporte é formado pelos nove Terminais de

Integração da cidade e pelas linhas de ônibus convencionais. Porém muitos problemas já

foram identificados neste sistema, inclusive evidenciados em manifestações populares

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ocorridas no ano de 2004, devido ao descontentamento dos cidadãos em relação à

prestação desse serviço.

A proximidade entre os terminais associados à ausência de atrelamento imediato

torna o sistema mais lento e menos confiável. A má localização de alguns terminais acaba

tornando-os pouco utilizados, demonstrando a falta de planejamento e o gasto equivocado

do dinheiro público. A baldeação, quando ocorre a troca de zona tarifária, não é direta,

sendo muitas vezes necessária a passagem por diversas vezes em “catracas”, tornando o

sistema lento e dificultoso. Outro elemento importante é a ausência do cartão integração

desenvolvido para o novo sistema, o que faz necessário o pagamento de duas passagens.

O mapa que segue demonstra a espacialização dos terminais de integração no município de

Florianópolis.

Figura 2 – Localização dos Terminais de Iintegração. Fonte: Neto, 1998. Núcleo de

Transportes da PMF, 1996. LEGENDA

. Terminal de Integração de Canasvieiras - TICAN

. Terminal de Integração de Capoeiras - TICAP

. Terminal de Integração do Centro - TICEN

. Terminal de Integração do Jardim Atlântico - TIJAR

. Terminal de Integração da Lagoa - TILAG

. Terminal de Integração do Rio Tavares - TIRIO

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. Terminal de Integração do Saco dos Limões - TISAC

. Terminal de Integração de Santo Antônio - TISAN

O Transporte Executivo é realizado por micro-ônibus com ar-condicionado que

param em qualquer ponto do percurso que o passageiro escolher. Entretanto, a tarifa não é

acessível para grande parte da população, sendo um serviço de caráter segregador. Foi

criado com o objetivo de diminuir o número de veículos nas ruas, tentando viabilizar o

mesmo, ou quase o mesmo, conforto de utilizar um automóvel.

O Transporte Marítimo é realizado por balsas. Entretanto é desenvolvido em uma

escala muito reduzida em relação às características que as Baías, Lagoas, Rios e regiões

marítimas navegáveis proporcionam.

Os problemas verificados no setor de transporte coletivo, resultado de mudanças

realizadas no sistema em 2004, levaram a Prefeitura de Florianópolis a criar a Secretaria

Municipal de Transportes e Terminais, específica para tratar desse assunto, de forma a

propor soluções para as dificuldades verificadas após a adoção do Sistema Integrado de

Transportes, que resultou na criação de seis terminais de integração. Em 2005, foram feitos

354 ajustes de horário-241 inclusões e 74 exclusões-, de forma a dar mais racionalidade ao

sistema (Secretaria Municipal de transporte e Terminais, 2007).

O transporte coletivo urbano, da forma como é hoje planejado e produzido, funciona como indutor, nem sempre involuntário, da ocupação desordenada das cidades. Isso porque não prevê acessibilidade aos que habitam longe dos centros urbanos. “Independente das causas do crescimento descontrolado das cidades brasileiras, nelas se instalou uma crise de mobilidade sem precedentes; somando-se a isso temos ainda hoje desenvolvido projetos com conceitos ultrapassados, nada inteligentes de transporte público (Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável – Princípios e Diretrizes).

É perceptível que o Sistema Integrado de Transportes apresenta muitos problemas

em relação à estrutura e ao planejamento. O transporte Executivo é acessível para pequena

parcela mais favorecida da população, sendo que a grande maioria depende do Sistema

Integrado de Transportes. Agravando esse fato, vale destacar os movimentos de caráter

quotidiano, que propiciam o aumento da demanda desses serviços. A seguir virá uma

sequência de tabelas que ajudará a relacionar o fluxo migratório dentro da RMF, com os

movimentos pendulares e o intenso “vai e vem” de veículos particulares.

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Tabela 2 – Proporção da População Economicamente Ativa de Migrantes Intrametropolitanos, que Emigram de Florianópolis para o entorno metropolitano, segundo

Classes de Renda, Municípios da RMF, Censo 2000.

Fonte: Alves e Baeninger s/d. A partir de dados da FIBGE. Microdados Censo Demográfico 2000.

Tabela 3 – Proporção de População Economicamente Ativa de Migrantes Intrametropolitanos, que emigram do entorno metropolitano para o município de

Florianópolis, segundo Classes de Renda, Municípios da RMF, Censo 2000.

Fonte: Alves e Baeninger s/d. A partir de dados da FIBGE. Microdados Censo Demográfico 2000.

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Tabela 4 – Proporção de Movimentos Pendulares da População em Idade Ativa (maior de 14 anos) segundo Classes de Rendimento. RMF, Censo Demográfico 2000.

Fonte: Alves e Baeninger s/d. A partir de dados da FIBGE. Microdados Censo Demográfico 2000.

Tabela 5 – Habitantes x Veículos na Região da Grande Florianópolis.

Fonte: Lima, 2004. IBGE

Sendo breve na análise, verifica-se que há um grande fluxo de pessoas do entorno

metropolitano em direção ao município sede, e que recebem de 2 à 5 salários,

acrescentando que grande parte dessa população não possuem transporte individual,

dependendo assim do transporte coletivo. É perceptível que há uma dinâmica muito

complexa em relação ao fluxo de pessoas e à prestação de serviço relacionado ao

transporte. Cabe destacar que a posição geográfica de Florianópolis proporciona um caráter

de análise específico, porque está inserida, em grande parte, numa ilha, onde a maioria das

vias de acesso são por duas pontes. Destaca-se também o relevo que impossibilita a

materialização de obras direcionadas às vias.

A má situação estrutural em que se encontra o Sistema Integrado de Transportes,

associado ao estrangulamento das vias de circulação intrametropolitana, que dizem respeito

à posição, em termos geográficos, do município sede e ao intenso fluxo de veículos

particulares, proporcionam a grande problermática dos fluxos pendulares na RMF.

Como “amenizar” esse problema?

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Transporte alternativo sustentável, dando ênfase para o transporte marítimo.

Especificar exatamente qual seriam os tipos de veículos e meios de transporte mais adequados à situação de Florianópolis seria tarefa de uma equipe de profissionais de diversas áreas, que com suas devidas qualificações técnicas decidiriam em equipe, segundo premissas como a sustentabilidade, na mais vasta significação possível da palavra, que inclui durabilidade, relações de custo-benefício, utilização de combustíveis renováveis, atendimento à demanda de cada região da cidade (Lima, 2004, p. 15).

Primeiramente é necessário ressaltar os fatores que favorecem esse tipo de

transporte:

1. A explosão do crescimento populacional impulsionado pelo turismo;

2. a Interdição da Ponte Hercílio Luz em 22/01/1982, pela primeira vez, e definitivamente em 04/07/1991;

3. o retardamento da construção da terceira ligação ( Ponte Pedro Ivo Campos);

4. o retardamento da duplicação da BR-101;

5. os elevados índices de automóveis percapita;

6. o potencial das vias naturais de navegação.

A considerar:

1. A terceira ponte e a duplicação da BR-101 foram concluídas e já está em curso a

duplicação da Br-101 Sul;

2. os elevados do CIC e do Rita Maria estão em plena operação;

3. a Av. Beira-Mar Sul de São José estão operação;

4. a Avenida das Torres em São José já é uma realidade;

5. o Transporte Integrado de Florianópolis está implantado.

A análise do que vem ocorrendo ao longo do tempo revela que o crescimento da

RMF sempre ocorre à frente das soluções; as alternativas de soluções para o

estabelecimento das vias estão se esgotando; elevado custo de implantação de alternativas

de transporte de massa de tecnologia avançada. Sendo assim, é necessária a implantação

de um sistema alternativo de transporte de massa de baixo custo, que no caso seria o

transporte marítimo.

Para a implantação desse sistema é fundamental um estudo de viabilidade técnica e

econômico-financeira. Neste sentido, a Secretaria de Estado de Infra-Estrutura –

Departamento de Transportes e Terminais elaborou uma pesquisa para averiguar o possível

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projeto. Nessa pesquisa foi dada ênfase para os gastos para a implantação do projeto, o

número de usuários, viagens, relação custo-benefício, etc. As tabelas 6 e 7 ajudam a

compreender a relação custo/ rentabilidade

Tabela 6 – Custo de implantação do sistema.

Fonte: Secretária de Estado de Infra-Estrutura – Departamento de Transportes e Terminais.

Tabela 7 – Pesquisa de Preferência Declarada – Resultado.

Fonte: Secretária de Estado de Infra-Estrutura – Departamento de Transportes e Terminais.

Em relação à avaliação financeira, num primeiro momento o poder público não

participaria, sendo que o operador assumiria todos os custos do problema. Num segundo

momento, o poder público assume a implantação da infra-estrutura (vias e terminais) e o

operador assumiria a aquisição das embarcações e os custos do sistema Em se tratando da

embarcação, poderia ser utilizado o HoverCraft, uma embarcação que se desloca em meios

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aquáticos, mas também faz pequenos deslocamentos em meios terrestres, o que facilitaria

sua adaptação á um sistema multi-modal com terminais de integração entre os meios.

Atualmente o que se verifica é a contratação de empresa de consultoria para o

desenvolvimento dos projetos das ligações piloto (São José e Biguaçu), sem o que a

licitação do sistema não é possível. A acrescentar que a contratação será realizada

conforme os seguintes grupos de desenvolvimento: Projeto Ambiental, que avaliaria os

possíveis impactos ambientais; Infra-Estrutura terrestre, que projetaria os terminais de

passageiros, incluindo os estacionamentos e sistemas viários; Infra-Estrutura Marítima, que

viabilizaria os atracadores, molhes de abrigo e sinalização marítima.

Para concluir, é imperativo a instituição de um fórum permanente de discussão em

que participem todos os agentes envolvidos. Devido ao estágio da situação, não haverá

solução sem investimento pesado dos Governos (Políticas Públicas). O problema é a

continuidade territorial urbana, a centralização das áreas de interesse. É preciso trabalhar

uma melhor distribuição das atividades.

CONCLUSÃO

O Sistema Integrado de Transportes passa por uma crise no que se refere à

prestação do serviço. A espacialização dos terminais, as baldeações mal planejadas, a

ausência do cartão de integração, acarretando o pagamento de duas ou mais passagens,

associado aos problemas de estrutura urbana (poucas vias de acesso, aumento de

transporte individual, carência de planejamento de tráfico, etc.), propiciam grandes

problemas à qualidade de vida urbana. O trânsito, o estresse, a demora para deslocar-se,

estão presentes no quotidiano do morador da RMF.

O transporte sustentável marítimo seria um meio de desafogar as vias de circulação

e proporcionar melhorias na qualidade de vida na cidade, porque diminuiria a emissão de

poluentes, melhoraria o trânsito, aceleraria e facilitaria a mobilidade espacial urbana, etc.

Para concretizar esse projeto é imprescindível a união dos agentes envolvidos,

principalmente o poder público e o privado. Nesse sentido “(...) valoriza-se a construção de um

capital social que permita o estabelecimento de uma governança urbana, esta última entendida como

um processo de gestão que supera o âmbito restrito ao poder público e que envolve os diversos

atores de forma compartilhada”. (Rolnik, Somech, s/d). Em se tratando da “sustentabilidade”,

Lima (2004, p. 01) afirma que:

Falar de transporte Sustentável é uma tarefa complicada, inicialmente talvez o termo ‘sustentabilidade’ tenha vindo, como em muitos casos de projetos que se dizem Sustentáveis, no intuito de legitimá-lo, mas após leituras para aprofundar toda a base teórica da idéia vimos a complexidade da temática.

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BRÚSSOLO, Rafael G. Região Metropolitana de Florianópolis: O transporte coletivo...

726

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves, P. Assumpção, Baeninger, R. Aparecida. Região Metropolitana de Florianópolis: migração e dinâmica da expansão urbana. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. CECCA - Centro de Estudos Cultura e Cidadania (SC), Uma cidade numa ilha: relatório sobre os problemas sócio-ambientais da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular,1996.

CDROM Bacias Hidrográficas do Estado de Santa Catarina - Diagnóstico Geral. SDM (Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente). Governo de Santa Catarina. CORREA, R. L. Rede Urbana. São Paulo: Àtica, 1989. CRUZ, Jorge A. (coord.). Sistema integrado de transporte coletivo de Florianópolis. Florianópolis, 1997. Pedido de financiamento ao BNDES. NT/IPUF/STO/SF - Prefeitura Municipal de Florianópolis. GEIGER, P. Pinchas. Evolução da rêde urbana brasileira. Rio de Janeiro, 1963. (p. 13-31). LIMA, Maria, R,T,R. TRANSPORTE SUSTENTÁVEL PARA A FLORIANÓPOLIS DO FUTURO. UFSC. 2004. (p. 2-17). NETO, Arnoldo Debatin. Política de Planejamento de Transportes e Desenvolvimento Urbano: Considerações para a Cidade de Florianópolis, UFSC, Florianópolis, 1998. Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável – Texto Base para discussão - Princípios e Diretrizes – Ministério das Cidades. REGIC (Regiões de Influência das Cidades). ROLNIK, Raquel; SOMEKH,N. Governar as metrópoles: dilemas da recentralização. SIEBERT, C. Freitas. Rede Urbana do Vale do Itajaí. Editora da Furb, Blumenau, 1997.(p. 15-21).

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CONDOMÍNIOS EMPRESARIAIS EM ÁREAS METROPOLITANAS DO ESTADO DE SÃO PAULO: UMA NOVA ESTRATÉGIA IMOBILIÁRIA

Rodolfo Finatti [email protected]

Programa de pós-graduação em Geografia Humana Universidade de São Paulo (USP)

Auxílio financeiro: FAPESP INTRODUÇÃO Este trabalho examina os recentes condomínios empresariais instalados nas áreas

metropolitanas do Estado de São Paulo, que começaram a surgir a partir da metade da

década de 1990. Este tipo de empreendimento é promovido por agentes imobiliários que

visam a mercantilização do espaço urbano, e já é possível identificar 60 condomínios em

funcionamento.

Trata-se de uma atuação do mercado imobiliário para obtenção da renda da terra,

dessa vez junto a outro grupo de possíveis negociadores, em que há promoção de uma

lógica comum e bem definida: configuram-se como condomínios horizontais para o

funcionamento empresarial. A instalação das mais diversas infra-estruturas nesses espaços,

bem como a tendência de localização próxima a importantes eixos rodoviários expressam a

estratégia dos incorporadores imobiliários para a diferenciação de seu produto. Dessa

maneira, podemos ressaltar que, diferentemente dos tradicionais e já consolidados

condomínios residenciais (SPOSITO, 2006), estamos diante de espaços que são

preparados pelo mercado imobiliário para receber empresas.

Para a consecução deste trabalho, investigamos agências que oferecem esses

espaços e também importantes incorporadores imobiliários que atuam nas áreas

metropolitanas de São Paulo. Concomitantemente foram consideradas matérias de jornal,

revista e consultas na Internet para composição dos dados aqui apresentados.

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, CIRCULAÇÃO E PRODUÇÃO DE LOCALIZAÇÕES

Um aspecto que nos parece relevante sobre os condomínios empresariais é que

supõem a produção de localizações para a atividade econômica e, assim, podem ser vistos

como resultado do processo de preparação do território metropolitano para que seja

escolhido como ponto de atuação das empresas para uso industrial ou de serviços.

Isso expressa uma associação de novas tendências decorrentes da reestruturação

produtiva com a maneira de atuação dos agentes imobiliários. A partir da década de 1970,

alterações significativas acontecem na organização produtiva e também na maneira como

esta se manifesta geograficamente. Ao considerar o chamado sistema flexível de produção

(HARVEY, 1992; BENKO, 1996), os diferentes processos do circuito produtivo continuam

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FINATTI, Rodolfo. Condomínios empresariais em áreas metropolitanas do Estado de São Paulo...

728

articulados, mas suas unidades passam a estar geograficamente dispersas, o que engendra

diferentes relações entre as empresas e os territórios nos quais optam por instalarem-se.

A inserção nessa lógica pós-fordista não é, evidentemente, um dado absoluto nem

uma tendência única, mas parece ser uma compreensão válida se realizamos uma análise

para diferentes etapas segmentadas de um circuito maior. Como a produção dos

condomínios empresariais é resultado da estratégia dos agentes imobiliários que ponderam

as nuances resultantes da reestruturação produtiva, são preparados para tipos específicos

de empresas, que compram ou alugam os espaços destes condomínios. Isso se dá

conforme o processo descrito por Singer:

O uso do solo na economia capitalista é regulado pelo mecanismo de mercado, no qual se forma o preço desta mercadoria “sui-generis” que é o acesso à utilização do espaço. Este acesso pode ser ganho mediante a compra de um direito de propriedade ou mediante o pagamento de um aluguel periódico (1980, p.78).

Há condomínios onde a empresa pode adquirir uma porção do espaço interno a

partir da compra de seu direito de propriedade, mas há também condomínios que

disponibilizam estruturas prontas – como escritórios ou galpões modulares – e que podem

ser ocupados por meio do aluguel. A idéia de uma produção de localizações é assim

justificada se pensarmos na preparação de um espaço cujas características deverão

influenciá-las. Isso é expresso pelos diferentes tipos de condomínios empresariais que

surgem para atender essa demanda (Quadro 1).

Quadro 1.

Classificação dos condomínios e área total 2009 Classificação Ocorrências m2

Condomínios Empresariais

Mistos 12 10.236.412

Condomínios de Escritórios 12 770.983 Condomínios Logísticos 36 2.470.348

Fonte: Pesquisa Direta

Foram encontrados nas áreas metropolitanas do Estado de São Paulo, conforme

demonstra o quadro 1, condomínios empresariais preparados para receber escritórios e

também para receber operadores logísticos – estes dois tipos possuem menor área

construída –, e também condomínios empresariais aos quais chamamos “mistos”, e que são

convenientes a escritórios, operadores logísticos e até mesmo unidades de transformação,

tradicionais ou sofisticadas (como pesquisa e desenvolvimento). Apesar do número reduzido

de ocorrências em relação aos demais, os condomínios empresariais mistos possuem a

maior metragem construída, o que pode ser um argumento inicial para apontá-los como os

mais complexos e relevantes.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

729

Para analisar a ocupação desses condomínios estaremos nos pautando em

informações secundárias para apontar uma procura que é significativa: segundo pesquisa

realizada em 2007, pela CB Richard Ellis, há uma taxa de vacância na ordem de 12% na

Grande São Paulo, 9% no município de Campinas e ainda 8% ao considerarmos os

condomínios empresariais apenas na região de Barueri (GAZETA MERCANTIL, 2008).

Apesar destes dados não levarem em conta possíveis efeitos da crise financeira

decorrida por influência do mercado imobiliário no final de 2008, há notícia recente que

afirma o seguinte:

Que a crise atingiu em cheio o setor imobiliário é sabido e já reflete nos resultados de muitas empresas. Mas um segmento está conseguindo sentir menos os efeitos da turbulência: os condomínios logísticos. A escassa infraestrutura do país, o transporte ainda muito concentrado nas rodovias e as novas necessidades das empresas [...] garantem procura por esse tipo de empreendimento em plena crise [...] as empresas de consultoria consultadas pelo Valor confirmam que é o único setor onde a demanda ainda supera a oferta (VALOR ECONÔMICO, 2009).

Segundo a notícia é possível aferir a elevada procura por esse tipo de

empreendimento. Isso é reforçado justamente pela demanda crescente apesar da crise

econômica e, também por isso, podemos afirmar que esses empreendimentos promovem a

produção de novas localizações.

Outro aspecto destacado na matéria jornalística, e diretamente relacionado à opção

das empresas instalarem-se nos condomínios refere-se ao papel que os eixos de circulação

desempenham na instalação desses empreendimentos. Uma vez que o transporte no Brasil

está muito articulado ao modal rodoviário e, como os agentes que os promovem objetivam

satisfazer os principais requerimentos da atividade produtiva moderna, sua associação com

as rodovias, no momento da incorporação imobiliária, é muito forte. Estamos aqui afirmando

que a grande maioria dos condomínios empresariais, já investigados, localiza-se de maneira

muito expressiva – isso quando não já os margeia – em proximidade aos eixos rodoviários

estaduais mais importantes, como as Rodovias Anhanguera, Bandeirantes e Castello

Branco no sentido interior e também Presidente Dutra no sentido litoral.

Nesse âmbito, lembramos justamente que é por meio dos elementos fixos que se

realizam os fluxos (SANTOS, 1988), e o estabelecimento de fluidez territorial é exatamente

um parâmetro indispensável para a atividade produtiva. É muito importante a idéia de que

“Hoje, vivemos um mundo da rapidez e da fluidez” (SANTOS, 2002, p.83) mas cuja condição

é, em verdade, um privilégio de poucos:

A fluidez potencial aparece no imaginário e na ideologia como se fosse um bem comum, uma fluidez para todos, quando, na verdade, apenas alguns agentes têm a possibilidade de utilizá-la, tornando-se, desse modo, os detentores efetivos da velocidade (SANTOS, 2002, p.83).

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FINATTI, Rodolfo. Condomínios empresariais em áreas metropolitanas do Estado de São Paulo...

730

Se restringirmos este pensamento apenas aos agentes produtivos, é provável que a

lógica mantenha-se, uma vez que os mais poderosos e irão buscar para si as melhores

localizações, e isso ocorre porque, entre outras coisas, “a eficácia das ações está

estreitamente relacionada com a sua localização” (SANTOS, 2002, p.79).

A localização sempre foi importante e, no período atual, parece associar-se de

maneira mais forte com a lógica dos fluxos de longo alcance, pois se antes importava

estabelecer uma relação com a região mais próxima, com fluxos restritos ao âmbito local,

atualmente os agentes operam em múltiplas escalas. Para esses, o deslocamento cada vez

mais veloz das mercadorias torna-se imprescindível, mas também o rápido deslocamento

das informações para redefinirem sua estratégia a cada momento e realizarem suas ordens.

Nesse sentido, é também um dado bastante explícito a preocupação dos

condomínios adequarem, em sua infra-estrutura, equipamentos que disponibilizem a

realização de telecomunicações; os agentes que os produzem também os adequam para a

rápida circulação de informações por meio da construção de centrais telefônicas e de

Internet com servidores locais e também a presença de fibra ótica já instalada junto à rede

de fiação do empreendimento.

Outros elementos foram identificados como constituintes dos condomínios

empresariais em termos de infra-estrutura, conforme demonstra o quadro 2, os quais

acreditamos que possam fornecer uma visão geral sobre o fenômeno.

Quadro 2. Principais elementos de infra-estrutura nos condomínios empresariais 2009

Elemento da infra-estrutura Ocorrências %

Segurança 52 88 Restaurante 33 56

Central telefônica 27 46 Internet 16 27

Ambulatório 11 19 Auditório 11 19

Fibra ótica 9 15

Fonte: Pesquisa Direta

A segurança foi revelada como aspecto de maior ênfase na constituição dos

condomínios, seguido por facilidades de serviços como restaurante, ambulatório e auditório

e pelo conjunto de parâmetros que facilitam as telecomunicações: centrais telefônicas

próprias, Internet com servidores locais e também a instalação de fibra ótica já articulada às

dependências. Entre os aparatos de segurança, que são os mais enfáticos nesse tipo de

empreendimento, foram encontrados alguns bastante sofisticados como câmeras térmicas,

leitoras de íris e também scanner biométrico.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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Em certa medida, podemos afirmar que essas adequações configuram os

condomínios empresariais como parte do meio técnico-científico-informacional, no qual “a

ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria base da produção, da

utilização e do funcionamento do espaço” (SANTOS, 2004, p.238).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da tentativa de estabelecer uma visão geral sobre esse tipo de

empreendimentos imobiliários, uma constatação interessante é a de que produzem

localizações no sentido de serem espaços adequados para a atividade produtiva, mesmo

para diferentes ramos de atuação. O fato de possibilitar a fluidez territorial é um aspecto

proeminente que direciona a instalação desses empreendimentos, e para isso são

produzidos com as exigências que o meio técnico-científico-informacional expressa. Além

disso, a adaptação segundo outros requisitos modernos da atividade industrial pode ser

considerada como uma estratégia de mercado, e assim servem também como atração para

as empresas.

Na realização de tais estratégias, os agentes imobiliários envolvidos produzem

também espaço urbano, o que ressalta mais uma vez o vínculo urbanização-industrialização

segundo nosso objeto de atenção, e permite questionar se tais agentes imobiliários

poderiam influenciar objetivamente na localização industrial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENKO, G. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. São Paulo: Hucitec, 1996. GAZETA MERCANTIL. Imóvel industrial seduz investidor. São Paulo: 18, 19 e 20 de janeiro de 2008. HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: Hucitec, 1988. __________. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2004. __________. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2002. SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, AGB, n. 57, 1980, p.77-92 SPOSITO, M. E. B. “Loteamentos fechados em cidades médias paulistas”, in: Sposito E., Sposito M. E. B e Sobarzo, O. (orgs.). Cidades médias: produção do espaço urbano e regional, São Paulo: Expressão Popular, 2006, p.175-197. VALOR ECONÔMICO. Condomínios logísticos driblam a crise. São Paulo: 16 de março de 2009.

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CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA TEMPERATURA E DA UMIDADE RELATIVA DO AR NA CIDADE DE TEODORO SAMPAIO/SP

Simone Scatolon Menotti Viana [email protected]

Aluna do curso de pós-graduação Doutorado em Geografia Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente

Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim

[email protected] Professora Doutora do Departamento de Geografia

Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Presidente Prudente

Resumo: Este estudo teve como objetivo principal investigar as características da temperatura e umidade relativa da cidade de Teodoro Sampaio/SP e da zona rural próxima. A cidade de Teodoro Sampaio é considerada de pequeno porte e está localizada a 22° 53' 25" S e 52° 16' 75" W, no extremo Oeste do Estado de São Paulo/Brasil. Para a coleta de dados foram utilizados miniabrigos meteorológicos e transectos móveis. Os miniabrigos meteorológicos foram equipados com psicrômetros e distribuídos em sete pontos, sendo seis na área urbana e um na área rural e as coletas de dados foram realizadas às 21h. Com relação ao transecto móvel foi utilizado um termômetro digital, com o sensor preso a uma haste de madeira e acoplado na lateral de um veículo, totalizando 16 pontos de coleta entre as 20h30min e 21h. As coletas de dados aconteceram em dias representativos de janeiro de 2005 – verão; e em julho de 2005 – inverno. Esse estudo concluiu que Teodoro Sampaio, cidade de pequeno porte com aproximadamente 16.000 habitantes, já possui um clima urbano específico, consequência da ocupação do solo e das funcionalidades urbanas, o que acabou gerando para a cidade ilhas de calor e de frescor. Palavras chaves: Clima urbano, ilhas de calor, ilhas de frescor, Teodoro Sampaio. INTRODUÇÃO

No Brasil, o processo de urbanização se tornou mais acelerado a partir da década

de 1960, a partir de um intenso êxodo rural, ocasionado por mudanças no meio rural e pela

busca de melhores condições de vida no meio urbano. Entretanto, o processo de

urbanização, sem um planejamento adequado começou a provocar modificações profundas

na qualidade do ambiente e, principalmente, às que se referem à qualidade de vida das

pessoas.

A cidade de Teodoro Sampaio, como muitas no Brasil, também se expandiu sem

levar em consideração o contexto ambiental e as condições necessárias para uma boa

qualidade de vida das pessoas.

Assim, ao se desenvolver, a cidade de Teodoro Sampaio não levou em

consideração as mudanças que o seu crescimento poderia ocasionar nas condições

climáticas locais. As mudanças climáticas locais estão relacionadas a alterações de

temperatura e umidade no interior da cidade, que são ocasionadas pelo aumento do

processo de urbanização.

Teodoro Sampaio está localizado a 22° 53’ 25’’ S e a 52°16’75’’W, distante 112 km

de Presidente Prudente e 672 km da capital São Paulo. O município de Teodoro Sampaio

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VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...

734

encontra-se no extremo oeste do Estado de São Paulo (Figura 1). Teodoro Sampaio é

considerada cidade de pequeno porte com aproximadamente 16000 habitantes.

Sede do MunicípioTeodoro Sampaio

Figura 1 – Localização do Município de Teodoro Sampaio/SP

As modificações ocorridas nos elementos climáticos fazem com que a cidade gere

um clima próprio, resultante da interferência das indústrias, circulação de veículos, retirada

da vegetação, pavimentação asfáltica e concreto, que agem de maneira direta alterando o

clima em escala local. Seus efeitos são sentidos pela população através do conforto térmico,

qualidade do ar, alterações nos impactos pluviais (MONTEIRO, 1976).

O clima próprio gerado pelo meio urbano é fruto das modificações no balanço de

energia, que acabam por gerar as “ilhas de calor”. A ilha de calor representa o fenômeno

mais significativo do clima urbano e sua intensidade depende das condições micro e

mesoclimáticas locais de cada cidade. (BRANDÃO, 2003).

Nesse sentido, este estudo teve como objetivo principal investigar as características

térmicas e higrométricas da cidade de Teodoro Sampaio e da zona rural próxima, a fim de

identificar a geração de diferenças térmicas e higrométricas no período noturno, em dias

representativos das duas estações extremas, o verão e o inverno.

Para tal, o trabalho foi realizado a partir de coletas de dados de temperatura do ar,

umidade relativa do ar, direção e velocidade do vento em pontos fixos e móveis. Os pontos

fixos e móveis foram selecionados a partir da análise conjunta das características do relevo,

declividade e hidrologia associados ao uso e ocupação do solo.

Para as coletas de dados fixos foi utilizada a proposta de Monteiro 1990c, que

consiste na utilização de miniabrigos meteorológicos. Os miniabrigos meteorológicos foram

constituídos de psicrômetros, ou seja, pares de termômetros (bulbo seco e bulbo úmido)

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

735

para medidas de temperatura e estimativas de umidade relativa do ar e fita de cetim fixada

na parte inferior do miniabrigo utilizada para indicar a direção do vento. A velocidade do

vento foi estimada a partir da “Escala de Beaufort”, o que possibilitou que a velocidade do

vento fosse avaliada sem auxílio instrumental. Os miniabrigos foram construídos de madeira

com paredes duplas perfuradas para permitir a livre circulação do ar, foram encaixados em

uma haste com 1,50m do solo para que os termômetros não sofressem influência direta da

radiação terrestre e suporte de madeira para encaixar os termômetros no interior do

miniabrigo. Essa metodologia foi utilizada por Sezerino e Monteiro (1990).

O transecto móvel foi realizado a partir da escolha de um itinerário urbano. Esse

itinerário atravessou a malha urbana em 30 minutos e o carro se deslocou com velocidade

aproximada de 30 km/h. O transecto foi realizado entre as 20h30min e 21h, juntamente com

a leitura noturna dos pontos fixos. Esse método permitiu traçar perfis noturnos de

temperatura. Para o transecto móvel foram escolhidos 14 pontos no meio urbano e dois no

meio rural para a coleta dos dados de temperatura do ar.

Nos pontos fixos foram feitas observações - mensurações simultâneas da

temperatura, umidade relativa e direção do vento – em sete pontos, sendo seis urbanos e

um rural às 21h, por 13 dias de janeiro de 2005 (17/01 a 29/01), dias representativos do

verão – quente e chuvoso - e por oito dias de julho de 2005 (06/07 a 13/07), dias

representativos do inverno – com temperatura mais baixa e seco.

DESENVOLVIMENTO

Caracterização dos elementos climáticos às 21h no verão

Às 21h, as áreas que apresentaram temperaturas mais altas são representadas

pelos pontos Odilon Ferreira e Prefeitura. O ponto que apresentou as maiores temperaturas

(Odilon Ferreira), possui alta densidade de construções, as ruas são pavimentadas e as

árvores são de grande porte com copas que impedem a visão do céu e dificultam a

dispersão do calor. O outro ponto (Prefeitura), também com temperaturas elevadas, é

densamente construído, com menor densidade de arborização e mesmo ausência de

vegetação (Figuras 2 e 3).

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VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...

736

378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

Vila São Paulo

Odilon Ferreira

Rio Paranapanema

Vila Minas Gerais

Vila Furlan Prefeitura

Estação

378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)

TEMPERATURA DO AR - 17/01/05 - 21H00

7506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

UTM

(m)

22.5°C22.7°C22.9°C23.1°C23.3°C23.5°C23.7°C23.9°C24.1°C24.3°C24.5°C24.7°C24.9°C25.1°C25.3°C25.5°C25.7°C25.9°C26.1°C26.3°C26.5°C26.7°C26.9°C27.1°C27.3°C27.5°C27.7°C27.9°C

0 500 1000 1500 2000

Figura 2 – Isotermas representativas – verão

378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

Vila São Paulo

Odilon Ferreira

Rio Paranapanema

Vila Minas Gerais

Vila Furlan Prefeitura

Estação

378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)

UMIDADE RELATIVA DO AR - 17/01/05 - 21H00

7506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

UTM

(m)

78%

80%

82%

84%

86%

88%

90%

0 500 1000 1500 2000

Figura 3 – Isoígras representativas– verão

Cabe salientar que em alguns dias em específico 17, 21, 24 e 25 o ponto Vila São

Paulo apresentou elevadas temperaturas, embora apresente construções esparsas,

gramados e vegetação de grande porte em abundância. Essa elevação na temperatura

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

737

pode ser atribuída à presença da Cerâmica Vera Cruz que nesses dias estava com as suas

fornalhas acessas, desde o entardecer.

O maior gradiente térmico entre os pontos foi encontrado no dia 17 de janeiro,

sendo de 4°C (Tabela 1). O ponto mais quente foi a Vila São Paulo. A temperatura do ar

observada foi de 28°C, com 90% de umidade relativa, vento de leste com velocidade de 3,4

a 5,2 m/s e céu totalmente coberto por nuvens. Nesse dia houve a entrada de uma frente

fria, o que provocou muitas nuvens e chuva.

Tabela 1 – Gradientes térmicos e higrométricos das 21h associados à velocidade do vento e sistemas atmosféricos atuantes em janeiro de 2005

Dias Gradiente térmico

Gradiente higrométrico

Velocidade do vento1

Sistemas atmosféricos

17/01 4°C 12,2% 0,6 - 1,7 m/s Frente Fria 18/01 1,6°C 17,9% 0 - 1,7 m/s (ZCAS)2 19/01 2°C 9,2% 1,8 - 5,2 m/s (ZCAS) 20/01 1,8°C 12,4% 0 - 0,5 m/s (ZCAS) 21/01 1,5°C 15,1% 0 - 1,7 m/s (ZCAS) 22/01 1°C 6,8% 1,8 - 3,3 m/s Sistema de baixa pressão 23/01 1,7°C 8,4% 0 - 0,5 m/s Sistema de baixa pressão 24/01 1,6°C 13,8% 0,6 - 3,3 m/s Sistema de baixa pressão 25/01 1,8°C 18,0% 1,8 - 3,3 m/s Frente Fria 26/01 0,5°C 8,1% 3,4 - 5,2 m/s Frente Fria 27/01 2,8°C 15,6% 7,5 - 9,8 m/s Polar Atlântica 28/01 1,6°C 10,9% 0,6 - 1,7 m/s Polar Atlântica 29/01 1,4°C 12,2% 0 - 0,5 m/s Polar Atlântica

Fonte: pesquisa de campo: 17 a 29 de janeiro de 2005. Imagens de satélite Goes.

No geral, no restante dos dias pesquisados, os gradientes térmicos entre os pontos

ficaram entre 1,5°C e 2°C. Os gradientes higrométricos ficaram entre 10% a 20% (Tabela 1),

e os pontos Odilon Ferreira e Prefeitura apresentaram as maiores temperaturas e menores

taxas de umidade relativa. As magnitudes encontradas podem ser classificadas como sendo

de fraca a moderada intensidade.

As menores temperaturas, na maioria dos dias pesquisados, foram observadas nos

pontos Estação e Vila São Paulo, sendo que possuem em comum, menor densidade de

construções. Cabe salientar que na Estação, as menores temperaturas podem ser

atribuídas à inexistência de pavimentação nas ruas associada à presença de vegetação e

na Vila São Paulo, à grande presença de vegetação, já que as ruas são pavimentadas.

No ambiente rural, as temperaturas mostraram-se em condições intermediárias

(entre os pontos mais quentes e mais frios), devido à proximidade com o Rio

Paranapanema. A umidade presente no ar permitiu situações de “abafamento”, comuns em

noites de verão com umidade do ar relativamente elevada, em torno dos 90%. 1 Valor observado no Rio Paranapanema local desprovido de construções e obstáculos. Alguns dias o vento se apresentou em rajadas. 2 ZCAS – Zona de Convergência do Atlântico Sul.

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VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...

738

As condições térmicas e higrométricas encontradas às 21h são frutos das

modificações no balanço energético entre a cidade e o campo, ou seja, o armazenamento

de calor pelos materiais utilizados nas construções (concreto e asfalto) que após o anoitecer

continuam emitindo calor para atmosfera, ao passo que nas áreas com menor número de

construções e presença de vegetação há um resfriamento mais rápido.

E ainda, consequência do calor antropogênico, que foi gerado pela influência do

calor das fornalhas da Cerâmica Vera Cruz num dos bairros mais planejados na cidade

(construções bem espaçadas, arborização, gramados e áreas livres) e do intenso tráfego de

veículos na área central, maximizando o calor que está sendo devolvido pelos materiais

utilizados nas construções (concreto e asfalto) para a atmosfera urbana.

No verão, o transecto móvel comprovou a caracterização apresentado pelos pontos

fixos durante a noite, embora em algumas noites, devido à precipitação, houve

homogeneização da temperatura, principalmente entre os pontos móveis, como pode ser

observado na tabela 2.

Tabela 2 – Transecto móvel: gradientes térmicos às 20h30min associados aos sistemas atmosféricos atuantes em janeiro de 2005.

Dias Gradiente térmico °C

Sistemas atmosféricos

17/01 1,4 Frente Fria 18/01 0,8 (ZCAS) 19/01 0,8 (ZCAS) 21/01 0,6 (ZCAS) 22/01 1,8 Sistema de baixa pressão 23/01 1,2 Sistema de baixa pressão 24/01 1,1 Sistema de baixa pressão 25/01 0,8 Frente Fria 26/01 0,6 Frente Fria 27/01 0,8 Polar Atlântica 28/01 0,9 Polar Atlântica 29/01 1,3 Polar Atlântica

Fonte: pesquisa de campo: 17 a 29 de janeiro de 2005. Imagens de satélite Goes.

O perfil noturno de temperatura demonstrou que as áreas centrais da cidade mais

edificadas, ruas asfaltadas e intenso tráfego de veículos e com menor quantidade de

vegetação apresentaram maior elevação na temperatura. Assim se comprovou que os

materiais constituintes do meio urbano como concreto e asfalto têm a capacidade de

conservar energia, que é liberada para a atmosfera na forma de calor sensível depois do

pôr-do-sol, dificultando o resfriamento noturno (Figura 4). As áreas com menor densidade de

construções, com vegetação arbórea e gramados, ruas parcialmente ou sem pavimentação

apresentaram diminuição na temperatura do ar (Figura 4).

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739

26

26,5

27

27,5

28

28,5

29

29,5

Valo

res

em °C

Temperatura do ar

Figura 4 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 22/01/2005 –

20h30min. Fonte: pesquisa de campo

24,4

24,6

24,8

25

25,2

25,4

25,6

25,8

26

26,2

26,4

Valo

res

em °C

Temperatura do ar

Figura 5 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 17/01/2005 –

20h30min. Fonte: pesquisa de campo

Em alguns dias, em especial o ponto rural (Rio Paranapanema) apresentou ligeira

elevação na temperatura, principalmente em dias de perturbações frontais, associadas à

precipitação que provocou homogeneização entre a temperatura urbana e a rural (Figura 5).

Nos dias em que houve a atuação da massa de ar Polar, esse comportamento se desfez e a

área rural passou a apresentar a menor temperatura do perfil noturno, como ocorreu no

inverno.

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VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...

740

Caracterização dos elementos climáticos às 21h no inverno

No inverno as áreas urbanas densamente construídas, ruas pavimentadas e com

vegetação apresentaram-se mais aquecidas e com menor índice de umidade relativa. As

áreas urbanas mais adjacentes, com menor densidade de construções, ruas parcialmente

e/ou sem pavimentação e vegetação significativa, e a área rural mostraram-se mais frescas

e úmidas (Figuras 6 e 7).

378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

13.4°C13.6°C13.8°C14°C14.2°C14.4°C14.6°C14.8°C15°C15.2°C15.4°C15.6°C15.8°C16°C16.2°C16.4°C16.6°C16.8°C

Vila São Paulo

Odilon Ferreira

Rio Paranapanema

Vila Minas Gerais

Vila Furlan Prefeitura

Estação

378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)

TEMPERATURA DO AR - 10/07/05 - 21H00

7506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

UTM

(m)

0 500 1000 1500 2000Figura 6 – Isotermas representativas – inverno.

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378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 3820007506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

Vila São Paulo

Odilon Ferreira

Rio Paranapanema

Vila Minas Gerais

Vila Furlan Prefeitura

Estação

378000 378500 379000 379500 380000 380500 381000 381500 382000UTM (m)

UMIDADE RELATIVA DO AR - 10/07/05 - 21H00

7506000

7506500

7507000

7507500

7508000

7508500

7509000

UTM

(m)

66%

68%

70%

72%

74%

76%

78%

80%

82%

84%

86%

88%

90%

92%

0 500 1000 1500 2000Figura 7 – Isoígras representativas – inverno.

O eixo que se estende da Vila Furlan, passando pela Prefeitura até a Vila São

Paulo se mostrou com as maiores temperaturas. Ele compreende as áreas mais

densamente construídas e com ruas pavimentadas da cidade, e ainda, principalmente na

prefeitura, intenso tráfego de veículos - caminhões depois do anoitecer. Esse

comportamento ficou evidenciado nos dias 7, 8, 9, 10, 11 e 13 de julho. As maiores

magnitudes foram observadas nos dias 9 (3,4°C) e 10 de julho (3,5°C) (Figura 6). Nos

demais dias de pesquisa, as magnitudes foram de 2°C entre os pontos. (Tabela 3).

No dia 9 de julho, o gradiente térmico entre os pontos foi de 3,4°C; o mais aquecido

foi a Vila furlan. Este ponto tem como características alta densidade de construções, embora

apresente alguns terrenos baldios e casas de madeira e vegetação arbórea de médio porte,

esparsa e alguns gramados nos quintais das casas. Neste dia as condições dos elementos

climáticos foram as seguintes: 16,7°C de temperatura do ar, com 77,9% de umidade relativa,

em situação de calmaria e céu sem nebulosidade (Tabela 3).

Tabela 3 – Gradientes térmicos e higrométricos das 21h associados à velocidade do vento e sistemas atmosféricos atuantes em julho de 2005.

Dias Gradiente térmico

Gradiente higrométrico

Velocidade do vento3

Sistemas atmosféricos

06/07 1,8°C 9,0% 0 - 0,5 m/s Frente Fria 07/07 1,7°C 18,3% 1,8 - 3,3 m/s MPA4

3 Valor observado no Rio Paranapanema local desprovido de construções e obstáculos. (*) rajadas de vento mais fortes. 4 MPA – Massa Polar Atlântica.

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VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...

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08/07 1,5°C 21,3% 1,8 - 3,3 m/s MPA 09/07 3,4°C 23,1% Calmaria MPV5 10/07 3,5°C 26,2% Calmaria MPV 11/07 2°C 15,3% 2 - 1,7 m/s Sistema de Baixa Pressão6 12/07 2,1°C 11,6% Calmaria Sistema de Baixa Pressão 13/07 2,1°C 48,3% Calmaria Sistema de Baixa Pressão

Fonte: Pesquisa de campo: 06 a 13 de julho de 2005 Imagens de satélite Goes.

No dia 10 de julho foi observado o maior gradiente térmico (3,5°C) para o horário

(Figura 6). A ilha de calor abrangeu os três pontos: Vila São Paulo, Prefeitura e Vila Furlan

que apresentaram 17°C de temperatura do ar, com 72,4 % de umidade relativa do ar na Vila

Furlan e Prefeitura e 68,7% da Vila São Paulo. Com relação ao vento havia um pouco na

Prefeitura, sem direção definida com velocidade de 3,4 a 5,2 m/s; nos demais pontos,

calmaria. O céu estava totalmente limpo.

Nos dois dias, 9 e 10 de julho, os pontos apresentaram condições ideais para a

configuração de ilhas de calor, ou seja, baixa velocidade dos ventos ou calmaria com céu

sem nebulosidade.

A ilha de frescor se formou no eixo Vila Minas Gerais, Estação e Rio

Paranapanema. A maior intensidade foi observada na Estação, a temperatura do ar esteve

entre 13°C e 20°C (em ascensão durante os dias da pesquisa), com umidade relativa entre

80% e 90%, vento predominante do quadrante Oeste com velocidade 5,3 a 7,2 m/s, o que

favoreceu a dispersão do calor para a atmosfera e pouca nebulosidade. Assim, a Estação

apresentou condições climáticas inversas aos pontos Vila São Paulo, Prefeitura e Vila

Furlan, que apresentaram elevação na temperatura do ar e queda na umidade relativa.

Os gradientes higrométricos também foram significativos, variando entre 20 a 40%.

Os maiores gradientes foram observados nos dias 8 (21,3%), 9 (23,1%), 10 (26,2%) e 13 de

julho (48,3%).

As ilhas secas formaram-se na Vila São Paulo (6, 11 e 12), Odilon Ferreira (7, 9 e

10) e Prefeitura (8 e 13), evidenciando assim, o comportamento inversamente proporcional

da umidade relativa em relação à temperatura do ar, com ressalvas para Odilon Ferreira que

apresentou temperaturas intermediárias - entre o ponto mais quente e o mais fresco - e

baixa umidade relativa do ar.

As ilhas de umidade configuram-se no eixo Vila Minas Gerais, Estação e Rio

Paranapanema. A Estação apresentou-se mais úmida nos dias (7, 8, 10, 11 e 13). O Rio

Paranapanema nos dias (6 e 11) e a Vila Minas Gerais no dia 12. As ilhas de umidade

desses pontos são consequência da presença de vegetação que favoreceu a umidade e da

velocidade do vento auxiliando na dispersão do calor.

5 MPV – Massa Polar Velha ou enfraquecida. 6 O sistema de baixa pressão que atuou no continente estava associado a uma Frente Fria que se deslocou pelo Oceano Atlântico.

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743

No inverno, o comportamento apresentado pelos pontos fixos durante a noite foi

comprovado pelo transecto móvel.

Conforme a tabela 4 o maior gradiente térmico foi observado no dia 10 de julho,

com 4,8°C de diferença entre o ponto mais aquecido na área central da cidade e o de menor

valor de temperatura no ponto rural, próximo ao Rio Paranapanema. Como se observa na

Tabela 4, o maior gradiente térmico aconteceu sob a atuação de Massa de ar Polar Velha,

que tem como característica principal elevação na temperatura do ar. Nesse dia, também,

foi observado o maior gradiente térmico (3,5°C) entre os pontos fixos.

Os demais gradientes térmicos encontradas pelo transecto móvel podem ser

observados na tabela 4.

Tabela 4 – Transecto móvel: gradientes térmicos das 20h30min associados aos sistemas atmosféricos atuantes em julho de 2005.

Dias Gradiente térmico °C

Sistemas atmosféricos

06/07 1,2°C Frente Fria 07/07 1,8°C MPA 08/07 0,6°C MPA 09/07 1,8°C MPV 10/07 4,8°C MPV 11/07 2,4°C Sistema de Baixa Pressão 12/07 2,7°C Sistema de Baixa Pressão 13/07 2°C Sistema de Baixa Pressão

Fonte: Pesquisa de campo: 06 a 13 de julho de 2005 Imagens de satélite Goes.

O perfil térmico (Figuras 8 e 9) demonstrou que as áreas com menor densidade

de construções com vegetação arbórea e gramados presentes apresentaram as menores

temperaturas, enquanto que, na área central, densamente construída, ruas pavimentadas e

intenso tráfego de veículos, principalmente no início da noite, a temperatura do ar

apresentou elevação.

O transecto evidenciou o papel importante da vegetação no interior da malha

urbana (árvores e gramados) na diminuição da temperatura do ar. E ainda, demonstrou a

capacidade que o asfalto tem em armazenar calor, pois nas áreas onde as ruas não

possuem pavimentação a temperatura foi menor.

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VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...

744

10

10,5

11

11,5

12

12,5

13

13,5

14

14,5

15

15,5

16

16,5

17

17,5

18

18,5

Valo

res

em °C

Temperatura do ar

Figura 8 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 10/07/2005 –

20h30min.

15,5

16

16,5

17

17,5

18

18,5

19

19,5

20

Valo

res

em °C

Temperatura do ar

Figura 9 - Teodoro Sampaio: Temperatura do ar a partir de transecto móvel – 12/07/2005 –

20h30min.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

As observações - mensurações atmosféricas nos pontos fixos e móveis, com

levantamentos noturnos dos elementos climáticos, permitiram detectar algumas anomalias

térmicas e higrométricas, em dias representativos das duas estações extremas, verão e

inverno, numa cidade de pequeno porte.

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A ocupação do solo associada à presença de vegetação foram decisivas na

geração e identificação das anomalias térmicas e higrométricas encontradas na cidade de

Teodoro Sampaio. A altitude e exposição de vertentes se mostraram com pouca ou

nenhuma influência, devido à pequena diferença altimétrica entre os pontos e a cidade estar

praticamente implantada na mesma vertente.

Às 21h, no verão, em muitos dias, houve homogeneização nos valores de

temperatura entre os pontos e diminuição da magnitude da ilha de calor, consequência da

precipitação dos fins de tarde ou mesmo durante o horário da coleta dos dados. No inverno,

sem a presença da precipitação, não houve homogeneização da temperatura e as áreas

urbanas continuaram devolvendo calor para a atmosfera e as áreas menos urbanizadas

juntamente com o ponto rural apresentaram diminuição na temperatura.

Com o pôr-do-sol, há o início do resfriamento noturno, nas duas estações

estudadas e as áreas mais urbanizadas, com muitas construções, ruas pavimentadas e com

vegetação apresentaram-se mais aquecidas e com menor índice de umidade relativa. As

áreas urbanas mais adjacentes, com menor densidade de construções, ruas parcialmente

e/ou sem pavimentação e vegetação significativa, e a área rural mostraram-se mais frescas

e úmidas.

Nesse horário 21h, durante o verão, a ilha de calor se formou no ponto Odilon

Ferreira e, em alguns dias, em específico na Vila São Paulo. A maior magnitude foi

observada na Vila São Paulo e pode ser classificada como de forte intensidade. No inverno,

a ilha de calor não se configurou em uma área e sim em um eixo. A ilha de calor abrangeu

os três pontos, Vila São Paulo, Prefeitura e Vila Furlan. A magnitude observada pode ser

classificada como sendo de moderada intensidade. (Tabela 5)

Tabela 5 - Magnitudes máximas das ilhas de calor às 21h VERÃO INVERNO

Dia Magnitude Sistema atmosférico Dia Magnitude Sistema atmosférico

17/jan 4°C Frente Fria 10/jul 3,5°C MPV

A ilha de calor formada durante o verão, às 21h, nas imediações da Rua Odilon

Ferreira evidenciou a capacidade da conservação de energia depois do pôr-do-sol nas áreas

mais edificadas, principalmente no centro da cidade. As propriedades térmicas do meio

urbano, com capacidade calorífica e condutividade dos materiais de construção,

possibilitaram uma grande estocagem de energia que, liberadas para a atmosfera urbana

sob a forma de calor sensível, impedem seu rápido resfriamento noturno. Associado a este

fator está o calor antropogênico, gerado pelo intenso tráfego de veículos (caminhões) na

área central, principalmente à noite, assim maximizando o calor que está sendo devolvido

pelos materiais utilizados nas construções (concreto e asfalto) para a atmosfera urbana.

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VIANA, Simone S. M.; AMORIM, Margarete C. C. T. Contribuição para o estudo da temperatura ...

746

No caso da Vila São Paulo, a formação da ilha de calor está vinculada ao

funcionamento de uma cerâmica, que nos dias em que a ilha de delineou estava com suas

fornalhas acessas, desde o entardecer.

Às 21h, as ilhas de frescor formaram-se na Vila São Paulo e no Bairro da Estação

com mais persistência. Na Vila São Paulo o que auxiliou na formação da ilha de frescor foi a

ocupação do solo, vegetação arbórea e rasteira em quantidade significativa associada ao

sistema atmosférico atuante que favoreceu o aumento da temperatura nas demais áreas da

cidade. Na Estação, a ocupação do solo foi a principal responsável pela ilha de frescor.

Cabe salientar que, em muitos dias, houve chuva ou garoa no final da tarde e antes

das leituras noturnas, fato que contribuiu para a homogeneização e ou diminuição da

temperatura, principalmente nos primeiros dias do experimento que estavam sob a atuação

de uma Frente Fria estacionária associada à Zona de Convergência do Atlântico Sul.

As ilhas de umidade se formaram nas proximidades do Rio Paranapanema e no

Bairro da Estação. E as ilhas secas se formaram nas imediações da Rua Odilon Ferreira e

em dias específicos na Vila São Paulo associada à ilha de calor.

No inverno, houve uma mudança na definição da área central da ilha de calor. No

verão, as ilhas de calor se formaram nas proximidades de Odilon Ferreira e na Vila São

Paulo. No inverno, as ilhas se delinearam na Prefeitura e Vila Furlan; em muitos dias, ambos

os pontos apresentaram os mesmos valores de temperatura.

A ilha de calor formada na área central da cidade (Prefeitura) evidencia a

capacidade dos materiais tipicamente do meio urbano (concreto e asfalto) de armazenarem

e devolverem radiação por mais tempo.

A grande evidência nesse horário, com certeza, é a formação da ilha de calor na

Vila Furlan, local com menor densidade de construções, ruas sem pavimentação e

vegetação arbórea e rasteira (gramados e jardins), demonstrando que durante o inverno a

vegetação rasteira estando seca e sem umidade não contribuiu para a diminuição da ilha de

calor e configuração da ilhas de frescor e umidade.

A ilha de frescor se formou na Estação, como no verão. As ilhas de umidade

estiveram mais presentes na Estação e no Rio Paranapanema com pequeno aparecimento

durante as perturbações frontais que elevaram os índices de nebulosidade. As ilhas secas

se formaram na Vila São Paulo e Odilon Ferreira e as ilhas de calor se delinearam na

Prefeitura e Vila Furlan.

No verão, os fatores que favoreceram as diferenças térmicas e higrométricas foram:

a precipitação abundante, a densidade de construções e os índices de vegetação arbórea e

rasteira. A chuva proporcionou dois padrões de distribuição da temperatura e umidade, ou

seja, em dias de precipitação mais abundante havia homogeneização dos elementos

climáticos entre os pontos, e em dias com ausência de precipitação aparecia à diferença

entre os pontos. A densidade de construções favoreceu na determinação das magnitudes

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747

térmicas e higrométricas, entre os pontos. A vegetação rasteira (gramados e jardins)

associada ao orvalho e à chuva foi um fator decisivo no comportamento térmico e

higrométrico, principalmente, no início da noite.

No inverno, os fatores que influenciaram na distribuição térmica e higrométrica

foram: densidade de construções, os índices de vegetação arbórea (grande porte) e a baixa

velocidade do vento associada à pouca nebulosidade. Cabe dizer que, durante o inverno,

não houve precipitação e a vegetação rasteira não apresentou a mesma contribuição na

diminuição térmica e elevação da umidade relativa, como no verão. E ainda, as formações

das ilhas de calor tiveram contribuição mais evidente dos sistemas atmosféricos que

proporcionaram céu limpo com baixa velocidade do vento.

Assim, o estudo demonstrou que a inércia calórica dos materiais constituintes do

meio urbano (asfalto, concreto), a vegetação (arbórea e rasteira), o calor antropogênico, os

sistemas atmosféricos atuantes foram fatores decisivos para a configuração das diferenças

térmica e higrométrica intra-urbana em Teodoro Sampaio.

A caracterização climática associada aos elementos relevo, hidrografia, uso e

ocupação do solo demonstraram que Teodoro Sampaio, cidade de pequeno porte, já possui

um clima urbano específico. Assim, evidenciou-se que as condições climáticas intra-urbanas

geradas na cidade estão ligadas diretamente à heterogeneidade da ocupação do solo e das

funcionalidades urbanas, o que acabou gerando para a cidade ilhas de calor e de frescor,

bem como as ilhas úmidas e secas.

Nesse sentido, a cidade cresceu sem levar em consideração um planejamento

adequado, o que acarretou prejuízos ambientais e de qualidade de vida para a população. É

necessário, portanto, um planejamento ambiental que leve em consideração as condições

climáticas apresentadas pela cidade.

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ANÁLISE DA PAISAGEM: UMA VISÃO INTEGRADA DOS ELEMENTOS DA “CIDADE DA CRIANÇA” – PRESIDENTE PRUDENTE/SP

Tais Scheel Rodrigues [email protected]

Aluna de graduação de Bacharelado em Geografia Faculdade de Ciências e Tecnolgia – Unesp de Presidente Prudente

Maria Clara Piai da Silva [email protected]

Aluna de graduação de Bacharelado em Geografia Faculdade de Ciências e Tecnolgia – Unesp de Presidente Prudente

Resumo: Este trabalho tem por objetivo realizar um estudo do Parque Ecológico Cidade da Criança com base na análise da paisagem, enquanto categoria geográfica. Considerou-se para esta abordagem a paisagem como resultante das relações entre os elementos naturais e a atuação antrópica. Nesse sentido, foi realizada revisão bibliográfica para fundamentar a concepção de paisagem utilizada para o desenvolvimento da análise, embasada principalmente na abordagem geossistêmica. A seguir, resgatamos os elementos naturais constituintes (Geologia, Geomorgologia, Pedologia, Hidrografia, Vegetação, Fauna e Flora) e integramos a análise de transformação da área em questão. Além disso, identificamos questões referentes à Legislação Ambiental no que tange a formação e preservação da área. Palavras-chave: Paisagem, abordagem geossistêmica, Parque Ecológico Cidade da Criança. INTRODUÇÃO

A ação humana sobre os elementos que compõem a paisagem tem transformado de

diversas maneiras seus componentes, modificando, muitas vezes, sua estrutura, função e

forma. Assim, torna-se imprescindível que sejam realizadas análises que possam

caracterizar a paisagem como um todo, verificando seus vários aspectos e as modificações

que ocorreram ao longo do tempo, que podem ser mais ou menos intensas, dependendo do

grau da ação antrópica sobre a paisagem e dos seus aspectos naturais, que interagem e

reagem de distintas formas.

A paisagem é um instrumento de análise de significativa importância, pois apresenta

distintas características, naturais ou artificiais, que lhe são impostas, tanto pela ação

antrópica como pelos elementos naturais, podendo apresentar a junção destes. Entretanto,

sua constituição ocorre de acordo com o movimento da sociedade, sendo que cada cultura

tem a sua visão de mundo e se expressa de diferentes maneiras na transformação da

paisagem.

Sendo assim, a paisagem não é dada para todo o sempre, é objeto de mudança. É um resultado de adições e subtrações sucessivas. É uma espécie de marca da história do trabalho, das técnicas. Por isto, ela própria é parcialmente trabalho morto, já que é formada de elementos naturais e artificiais (SANTOS, 1996 apud ROSS, 2006).

Isso se deve também ao fato de que ao longo da história humana, principalmente

nos últimos dois séculos, a relação sociedade-natureza tem intensificado a exploração dos

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recursos naturais, em decorrência do avanço tecnológico e do desenvolvimento econômico

das sociedades. Em função disso, há um grande desperdício dos recursos naturais e uma

degradação ambiental cada vez maior, o que requer a implementação de planejamentos

integrados que contemplem tanto perspectivas econômicas e sociais, como ambientais.

Para tanto, é necessário que se realizem estudos que compreendam a paisagem

como um todo indissociado, pois “os estudos integrados de um determinado território

pressupõem o entendimento da dinâmica de funcionamento do ambiente natural, com ou

sem intervenções humanas” (ROSS, 2006, p. 53), abarcando as distinções existentes entre

os ambientes naturais que decorrem das relações de trocas de energia e matéria entre os

componentes.

O conhecimento sobre determinados locais da superfície terrestre tem sido adquirido

por meio dos estudos relacionados à paisagem, que permite a compreensão da conexão

existente entre as esferas da sociedade e da natureza numa perspectiva dinâmica,

integrando diversos fatores, como o físico, o biológico e o antrópico.

Essa visão dinâmica faz parte de uma nova era dos estudos da paisagem, que até

então eram meramente descritivos, herança dos geógrafos naturalistas do século XIX.

Nessa nova perspectiva, busca-se a relação entre todos os elementos da paisagem,

colocando a natureza e a sociedade como componentes fundamentais para a compreensão

da dinâmica espacial que se dá em determinadas porções do espaço geográfico, pois,

segundo Leme (1999, p.23), “a paisagem pressupõe a interferência humana ao longo do

tempo, ou seja, uma construção social que vai adaptar a base natural às necessidades da

sociedade”. Isto porque, o homem ao longo de sua existência tem usufruído a natureza de

diversas maneiras, apropriando-se desta e modificando-a conforme o aumento do seu

conhecimento e do desenvolvimento de técnicas. Sendo o modo como o homem se

relaciona com a natureza, de acordo com Casseti (1991a), dependente do modo como os

homens se relacionam entre si, em um determinado sistema social, as culturas

desempenham um papel fundamental na determinação do comportamento das pessoas em

relação ao ambiente.

Diante disso, a abordagem da paisagem é feita com base no tempo humano, ou seja,

histórico, porque por mais que o tempo geológico seja essencial para entender o espaço

geográfico, para o homem ele é praticamente imperceptível, pois sua ação ocorre numa

escala de tempo muito longa para o tempo humano, sendo a ação antrópica preponderante

na transformação do espaço e, conseqüentemente, da paisagem. Porém, segundo Faria

A paisagem é concretização da ação social que, uma vez estabelecida, comanda a dinâmica dos processos naturais. Contudo, a constituição da paisagem não está somente vinculada e passível à ação humana, ela está intimamente relacionada à estrutura natural já estabelecida no local (FARIA, 2001, p.12).

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Assim, “todo conjunto pertence a um sistema, cujas ações e reações estão

condicionadas pela matéria (em seus três estados) e pelas fontes energéticas (internas e

externas)” (CASSETI, 1991b, p. 20). Deste modo, a apropriação da natureza pelo homem

responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira significativa a atividade do

sistema, podendo surgir conseqüências ambientais.

Isto demonstra que o conceito de paisagem se distingue enormemente do de

natureza, sendo que muitas vezes são usados como sinônimos. No entanto, a natureza é

algo maior, que existe independentemente da interferência do homem em sua constituição,

pois segundo Leme,

A natureza é compreendida como o conjunto de elementos que possuem um comportamento regido por leis próprias e que correspondem dialeticamente às atividades exercidas pela sociedade, quando esta busca a satisfação de suas necessidades materiais. Portanto, a natureza pode ser entendida como um conjunto de elementos com uma dinâmica muito particular e atuante, desenvolvendo-se, adaptando-se ou impondo o seu ritmo à sociedade nela estabelecida (LEME, 1999, p.23).

Assim, a interferência humana pode afetar a dinâmica da natureza de diversas

maneiras, causando “danos” muitas vezes irreversíveis, sendo que os impactos provocados

podem intensificar os processos naturais. Além disso, o caráter de “dominação” é

disperdiçante, tirando da natureza os recursos indispensáveis à manutenção do capitalismo

global, mesmo num tempo em que as questões ambientais passaram a ser foco de

discussão numa escala mundial.

Contudo,

O equilíbrio de um sistema representa o ajustamento completo das suas variáveis internas às condições externas. Isso significa que as formas e os seus atributos apresentam valores dimensionais de acordo com as influências exercidas pelo ambiente, que controla a qualidade e a quantidade de matéria e energia a fluir pelo sistema (ALMEIDA e TERTULIANO, 2000, p. 116).

Neste caso, o homem ao modificar diretamente a natureza desvirtua as

características naturais do sistema, alterando o padrão e qualidade de entrada recebida e o

padrão de qualidade de saída. Isto porque,

Ao contrário do que foi considerado por vários anos, a natureza como um todo funciona como um organismo vivo, onde todos os elementos e partes possuem uma função bastante definida e importante para o equilíbrio geral. Esta analogia conduz à percepção que, se ocorre uma alteração em um elemento natural, todo o conjunto é transformado, surtindo efeitos que repercutem – na grande maioria das vezes de forma negativa – também para o homem, muitas vezes penalizando-o (LEME, 1999, p. 16).

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Na verdade, o homem está na natureza, assim como a natureza está no homem, o

que faz com que a existência humana dependa da natureza e de seus recursos, pois esta

lhe proporciona a matéria destinada a ser convertida em riqueza pelo trabalho. No entanto,

As inserções humanas, por mais tecnificadas que possam ser, não criam natureza, não modificam as leis da natureza, apenas interferem nos fluxos de energia e matéria alterando suas intensidades, forçando a natureza a encontrar novos pontos de equilíbrio funcional (ROSS, 2006, p. 56).

Sendo assim, segundo Sotchava (1977), os estudos da Geografia Física visam não

só os componentes da natureza em si, mas também as conexões a eles inerentes.

Nesta perspectiva, entender a complexidade dos sistemas dinâmicos que compõem a natureza ou, melhor, a paisagem, com toda a sua dinâmica de evolução e transformação imposta pela sociedade ao longo dos anos, constitui-se em um grande desafio (GUERRA e MARÇAL, 2006, p. 100).

Além disso, as alterações realizadas pelo homem nos sistemas naturais ocorrem de

distintas maneiras, dependendo das atividades econômicas que prevalecem nos locais,

constituindo-se assim, em reflexos de produção agrícola, urbano-industrial, de mineração

etc. A evolução da sociedade e o desenvolvimento socioeconômico apresentam

características marcantes no que tange ao estabelecimento da paisagem atual, o que varia

de acordo com as etapas de desenvolvimento, ou ainda, da influência que recebe de

padrões de exploração externos.

Porém, “a hostilidade atribuída à natureza com o intuito de permitir a ‘dominação’ é

convertida em virtuosidade, não só como forma de se instigar a ocupação de novos

espaços, como o de procurar, através da aparência, resgatar o significado político da

natureza” (CASSETI, 1993, p. 6). Isto faz parte de uma herança de séculos atrás, em que a

exploração dos recursos naturais de forma predatória foi essencial para o desenvolvimento

de técnicas e tecnologias, que surtiram efeitos para o que temos na atualidade. Entretanto,

segundo Bastos e Freitas (2000, p. 18),

Desde os primórdios de sua existência, o homem, como qualquer outra espécie habitante do planeta, interage com o ambiente à sua volta, modificando-o e transformando-o de acordo com as suas necessidades. Os resultados são todos perceptíveis ao longo de toda a biosfera. Esta interferência, que se dá em diversos níveis, age de diferentes maneiras sobre os componentes do meio: ar, solo, água e seres vivos. (...) As interferências, suas causas e conseqüências, trazem uma série de relações entre si. (...) De uma maneira ou de outra, o homem está sempre aumentando a sua influência sobre o ambiente.

Com o aumento de tecnologias e do conhecimento humano sobre a natureza e seus

sistemas, ciclos e funcionamento, o homem passa a possuir instrumentos para que a

degradação e deterioração do ambiente sejam evitadas ou ocorra em proporções menores e

sejam de seu conhecimento (imagens de satélite, fotografias aéreas, geração dos mapas,

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etc.), podendo utilizar os recursos naturais de forma racional e manter resquícios de áreas

naturais em meio à urbanização, por exemplo, para que os recursos possam ser

preservados e haja uma manutenção da vida com qualidade.

Em função disso, o estudo das paisagens é fundamental para o conhecimento das

mudanças ocorridas ao longo do tempo na natureza, compreendendo vários aspectos

significativos para o entendimento da dinâmica dos sistemas e como os diversos fatores,

geológicos, pedológicos, geomorfológicos, climáticos, hidrológicos e hidrográficos, são

afetados e se relacionam numa unidade de paisagem. Sendo assim, conforme Guerra e

Marçal (p. 2006, 101),

A identificação de uma unidade ambiental, ou unidade de paisagem, com suas respectivas intervenções sofridas ao longo dos anos pela sociedade, permite a aplicação de métodos e técnicas, necessários à sua análise, proporcionando a sua identificação, classificação, diagnóstico da paisagem.

Isso tem um significado especial para os estudos geográficos físicos, pois estes

procuram entender a relação sociedade-natureza para alcançar seus objetivos no que tange

à caracterização do espaço geográfico, que compreende a sociedade e a natureza como

integrantes do espaço.

Nesta perspectiva, realizamos uma análise da paisagem da Cidade da Criança, um “Parque

Ecológico” localizado no município de Presidente Prudente. Esse local possui mata nativa,

cursos d’água e espaços construídos, que foram obra da Prefeitura Municipal. Para que

estas obras se tornassem possíveis foram necessárias desapropriações, mudanças na

paisagem natural etc., configurando aspectos normativos, paisagísticos e culturais. Em face

disso, buscamos caracterizar os seus aspectos naturais e as modificações realizadas para a

implantação do parque, considerando a paisagem como instrumento de análise geográfica.

CIDADE DA CRIANÇA: ANÁLISE INTEGRADA DOS ELEMETOS DA PAISAGEM

A Cidade da Criança está localizada nas margens da rodovia SP 270 no Km 561,5

do município de Presidente Prudente/SP e foi planejada no início da década de 1990, tendo

como principal objetivo a implementação de uma área verde e de lazer para a população

prudentina, devido as poucas opções existentes, principalmente no que tange às classes

sociais de mais baixa renda, que não têm a opção dos clubes privados. A sua localização e

seus aspectos naturais contribuíram para a sua projeção, pois a área é próxima ao

perímetro urbano e possui mancha de vegetação natural e presença de cursos d’água.

Na execução do Projeto Cidade da Criança, a Prefeitura Municipal de Presidente

Prudente elaborou um documento estabelecendo a “Caracterização do Empreendimento”,

com o intuito de demonstrar os vários aspectos da área em questão e as medidas que

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seriam tomadas para a minimização dos impactos ambientais. A Prefeitura começou a

solicitar as autorizações necessárias junto aos diferentes órgãos responsáveis em novembro

de 1993.

A Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, através do Parecer Técnico

CPLA/DAIA1 nº 121/94, dispensou a realização do EIA – RIMA (Estudo de Impacto

Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental). Porém, até então, não faziam parte do projeto

as obras do kartódromo, planetário, teleférico, parque aquático, aquário e restaurante.

Para o projeto aprovado pela SMA estava previsto um grande número de

equipamentos: hotel; centro cultural; hospital; prefeitura (para as crianças); igreja e coreto;

estação ferroviária (cópia da estação original do município); museu histórico e científico;

praça de alimentação; lagos de souvenires; espaço cultural (dividido em circo, concha

acústica, teatro de arena, vilas estrangeiras); esportes; estação ciência; parque; sistema

viário; esgoto doméstico; abastecimento interno; infra-estrutura; acantonamento (Sales,

1999). Parte desses equipamentos não foi construído, entretanto, outros que não estavam

previstos foram, provocando grande polêmica. No caso do kartódromo, por exemplo, seria

necessário se fazer um estudo de EIA – RIMA, devido aos efeitos sonoros que causa,

prejudicando os animais da mata.

Outros aspectos relevantes foram as desapropriações feitas para a implementação

do parque, tanto da Escola Técnica Agrícola Estadual de 2º Grau “Professor Dr. Antonio

Eufrásio de Toledo”, como numa área da Fazenda Monte Alto, propriedade da Família Rosa.

Ambas possuíam mata nativa.

Entretanto, já no início das obras foram encontradas muitas irregularidades, tornando

necessário se fazer uma vistoria da área, em decorrência da denúncia feita pela família

desapropriada. A Prefeitura alegou que a finalidade do projeto era a preservação ambiental,

ou seja, manter inalterado o ecossistema original, preservando uma mostra significativa do

ambiente típico da região, proteger os mananciais, conservar a fauna e a flora como banco

genético para fins científicos e, que o projeto foi precedido de levantamentos técnicos

(Sales, 1999).

Mas com a execução da vistoria foi verificada diversas irregularidades, que, para a

Prefeitura de Presidente Prudente continuar as obras, se tornou necessário suspender

algumas e tomar medidas para que alguns danos que estavam sendo causados fossem

sanados.

As obras continuaram para garantir infra-estrutura, facilidade de acesso e atrativos

para os visitantes, que atualmente são numerosos. O Parque oferece trenzinho com passeio

panorâmico, kartódromo, zoológico, pesca (destinada a 3ª idade), quadras poliesportivas,

áreas de descanso, teleférico, campo de futebol, gramado e areia, planetário, aviário,

1 Coordenadoria de Planejamento Ambiental e Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental.

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parque de diversões, praça de alimentação e o Centro de Educação Alberico Marques

Caiado.

Embora o trânsito de pessoas e veículos seja agressivo ao estado natural desses

ecossistemas, os defensores de sua prática argumentam que, complementarmente, o

ecoturismo contribui para a preservação dos mesmos e para o desenvolvimento sustentável

das populações locais, melhorando a qualidade de vida das mesmas. Isto porque a Cidade

da Criança é um parque ecológico que busca um turismo sustentável, preocupando-se com

a preservação do meio ambiente, patrimônio natural e cultural diferenciando-se do turismo

predatório.

A Cidade da Criança é um complexo paisagístico composto por matas, lagos,

bosques e demais elementos naturais ou construídos destinados ao lazer, recreação,

atividades científicas e educativas. São 127 hectares, dos quais 46 são do tipo mata

Atlântica do interior, remanescentes do ecossistema original que recobria a região oeste do

Estado de São Paulo. A Figura 1 apresenta a localização e as características gerais da área

em questão.

Assim, constitui-se em uma área de Proteção Ambiental, ou seja, um Parque Ecológico

Municipal, possibilitando a preservação da área, com proibição de utilzação de recursos sem

devida autorização. Isto porque, de acordo com o IBAMA (Decreto 99.574),

Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, constituída por áreas públicas e/ou privadas, tem como objetivo disciplinar o processo de ocupação das terras e promover a proteção dos recursos abióticos e bióticos dentro de seus limites, de modo a assegurar o bem-estar das populações humanas que aí vivem; resguardar e conciliar ações humanas com a preservação da vida silvestre, proteção dos recursos naturais e melhoria da qualidade de vida da população. Nas Áreas de Proteção Ambiental, a atividade humana pode e deve existir, desde que orientada e regulada de forma a evitar a degradação ambiental e permitir o uso racional e sustentado do patrimônio natural.

Para tanto, a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, que diz respeito às APAs, proibe o

funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais; a

realização de obras de terraplanagem e a altura de canais, quando essas iniciativas

importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais; o exercício de atividades

capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento

das coleções hídricas; o exercício de atividade que ameacem extinguir na área protegida as

espécies raras da biota original.

Sendo assim, o objetivo principal desse meio de proteção é preservar tanto o

ambiente como a ocupação existente, sendo que é possível o início de um trabalho visando

o planejamento que contemple a possibilidade de se utilizar de forma adequada os recursos

naturais existentes na área.

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RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...

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A Cidade da Criança desempenha então um papel importante com relação à

preservação ambiental, pois por mais que apresente alguns espaços construídos, procura-

se preservar o que restou das riquezas natrurais da área em que está situada. Além disso, a

área tem sido utilizada para fins de educação ambiental, já que o complexo é sede de

visitas, excursões, encontros, eventos e passeios, orientados por guias com algum tipo de

especialização, apresentando maneiras de como se comportar em ambientes naturais e

promovendo atividades de divulgação para a preservação do meio ambiente.

Figura1: Parque Ecológico Cidade da Criança (2008).

Fonte: Rodrigues, 2008

O conhecimento dos elementos da paisagem, ou seja, as características físicas e

naturais da Cidade da Criança, se faz necessário para compreender a interação existente

entre estes. Isto porque,

O ambiente é constituído de um conjunto de elementos que tendem para um estado de equilíbrio, sendo que, alteração em qualquer um desses elementos reflete-se em todo o conjunto, denunciando sua fragilidade. O rompimento de equilíbrio dos ecossistemas ocorre, principalmente, devido a natureza do solo, condições litológicas, estruturais, pode ocorrer, também devido a outras alterações de suas condições naturais tais como: contruções de aterros, barragens, estradas e expansão urbana, dentre outros (BORDIGNON, 2004, p. 21).

Dessa forma, temos que a princípio caracterizar os elementos da paisagem in loco,

para assim traçar as relações que permeiam esta paisagem.

Quanto a aspectos referentes a Geologia e Pedologia, a Cidade da Criança

encontra-se numa área em que as formações rochosas são pertencentes ao Grupo Bauru

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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(Cretácio Superior), e mais especificamente na Formação Adamantina. Ainda na área em

questão, há o afloramento do arenito Bauru, o que caracteriza os solos existentes na área.

O estudo dos solos é fundamental, visto que “o solo é o meio natural para o

crescimento e desenvolvimento dos vegetais na superfície da terra e, assim, constitui um

elemento do ambiente de maior importância” (BORDIGNON, 2004, p. 21).

A Cidade da Criança apresenta, de modo geral, baixa saturação de bases e alta

saturação de alumínio, com características nítidas de latossolização. Há predominância dos

argissolos existindo uma grande ocorrência de neossolos do Arenito Bauru, com grande

limitação, em relação à profundidade. Ainda há a ocorrência, em menor proporção, de solos

hidromórficos.

Existem, segundo Silva (1999), quatro unidades de solos na área da Cidade da Criança:

• Unidade Flamboyant: Argissolo Vermelho Eutrófico, textura arenosa, fase de relevo

ondulado; • Unidade Biológico: Argissolo Vermelho-Amarelo Eutrófico, textura arenosa, fase

relevo ondulado; • Unidade Pirapozinho: Neossolos Eutróficos, textura arenosa, fase relevo ondulado

substrato arenito, com alta suscetibilidade à erosão laminar e ravinas rasas; • Afloramento Bauru: afloramento de arenito formação Adamantina.

Em relação a Geomorfolgia, a área em questão possui apenas dois compartimentos

de relevo, de topo suavemente ondulado de Colinas Convexizadas e de Domínio das

Vertentes Côncavo-Convexo.

A declividade do local varia de 6 a 12%, caracterizando, segundo o EMBRAPA

(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), as fases do relevo da área como:

(...) suave ondulado – superfície de topografia pouco movimentada, constituída por conjunto de colinas ou outeiros (elevações de altitudes relativa até 50m e de 50 a 100m), apresentando declives suaves, predominantemente variáveis de 3 a 8%. Ondulado - superfície de topografia pouco movimentada, constituída por conjunto de colinas ou outeiros, apresentando declives moderados, predominantemente variáveis de 8 a 20% (EMBRAPA, 1999 p.307).

Quanto a Hidrografia, a área de estudo possui nascentes do Córrego da Pindaíba

que é afluente da bacia do Rio Santo Anastácio. O córrego encontra-se à montante da área

de captação da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo),

destinado para o abastecimento de uma paralela do município de Presidente Prudente. À jusante das nascentes (aproximadamente 100 m) existem duas barragens (lagos),

sendo a que se encontra mais à montante construída em 1965, e a outra foi construída

devido ao Parque. A represa mais antiga drena o córrego da Pindaíba e seu excedente

hídrico é canalizado para a outra represa, que drena também uma nascente do córrego

Pindaíba. Esta área situa-se dentro do perímetro da área de manancial (Lei 1.172 de

17/11/76).

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RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...

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A vegetação da área é caracterizada como resquício de Mata Atlântica, classificada

como estacionária semi-decidual. A mata abrange cerca de 23,5 alqueires (56,9 hectares),

sendo que ocupa 44,5% da área total do parque.

Em relação às unidades fisionômicas de vegetação foram identificadas quatro, com

base em seu porte, densidade e estado de conservação:

• Unidade 1: vegetação herbácea – graminóide, arbustos esparsos, com degradação

acentuada; • Unidade 2: vegetação arbórea, de porte médio, contínua, conservada; • Unidade 3: vegetação arbustiva, com árvores esparsas e sinais de degradação evidentes; • Unidade 4: vegetação exuberante, conservada, apesar de sinais de degradação, alta

densidade, com árvores de até 20 metros de altura, formando um estrato contínuo, com sub- bosque arbustivo (SALES, 1999, p.20)

A vegetação encontra-se protegida legalmente, através do Decreto 99.574 do IBAMA e

do Decreto Federal nº 750 d 10/02/93.

A fauna local é característica de todo oeste paulista, sendo os principais exemplares

de espécies a siriema, cutia, tatu, quati, codorna, perdiz, caxinguelê, lontra, capivara, jacaré,

preguiça, veado, cateto e macaco-prego.

A flora é constituída por algumas espécies comuns de árvores para a região, como

peroba-rosa, cedro, ipê, angico, figueira, pau d’alho, guarucaia etc.

Esta breve caracterização da área é necessária para a compreensão da

transformação da paisagem, posto que

Toda paisagem é composta de elementos geográficos que se articulam uns em relação aos outros, sendo que alguns pertencem ao domínio natural abiótico, como substrato geológico, clima e as águas e outros ao domínio vivo, a biosfera formada pelo conjunto de comunidades vegetais e animais que utilizam-se do domínio natural abiótico e os grupos humanos, que instalados no domínio natural, transformam o domínio vivo e modelam partes da paisagem terrestre (PASSOS, 2003 apud BORDIGNOM, 2004, p. 34).

Dessa maneira, a paisagem local já vinha sofrendo alterações antes da criação do

parque, visto que a represa mais próxima às nascentes existe desde meados da década de

1960. Além disto, quando a área foi apropriada pela Prefeitura Municipal vários conflitos de

interesse ocorreram, no local havia extração de palmito e caça de alguns animais, conforme

nos afirmou o funcionário da Cidade da Criança, Olivar Momentel Filho.

De acordo com Torres, o Projeto de Recuperação e Conservação do Solo e da Água

da Microbacia da Cidade da Criança (1997), detectou vários pontos críticos:

- as águas das represas apresentam-se turvas e na cabeceira da primeira represa há acúmulo de areia e processo de assoreamento; - erosões nas áreas adjacentes a estrada que circunda a mata suprimida para a construção da mesma; - erosões em sulcos nos pontos de convergência das águas, e nas trilhas dentro da mata;

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- diversos aterros, principalmente do Planetário e da segunda represa, com problemas de contenção, riscos de perda total; - terraceamentos deficientes e quebrados na área pertencente ao Colégio Agrícola de Presidente Prudente, causando erosões e assoreamento, além de ruptura dos terrenos das represas de contenção desta área; - erosão laminar e em sulcos em áreas sem cobertura vegetal pertencentes à microbacia (TORRES, 1998, p. 34-36).

Ao analisar esse excerto, concluímos que as principais fisionomias da paisagem que

sofreram os maiores impactos com a criação do Parque foram: o solo, a hidrografia e a

vegetação.

Os solos que formam a microbacia do rio Pindaíba, neossolos e argissolos vermelho-

amarelo, possuem dificuldade em infiltrar a água para os horizontes abaixo da superfície

(Torres, 1998). Desse modo, o escoamento superficial nos períodos de chuvas intensas leva

a formação de erosões em diversos graus, principalmente nas cotas entre 425 e 450 metros.

Os terraços têm a função de reduzir a velocidade e a quantidade de água que escoa

superficialmente, pois áreas que apresentam grande suscetibilidade à erosão, necessitam

desse recurso, como o caso Cidade da Criança, que precisa de medidas mitigadoras que

reduzam os impactos sobre sua unidade de conservação.

A construção da estrada causou inúmeras discussões, pois desmataram uma área

da mata de extensão de 7 metros de largura por 72 metros de comprimento, sem a

autorização do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais) ou

IBAMA. Além disso, ela corta toda a microbacia do córrego da Pindaíba, acarretando no

assoreamento deste, mesmo com a construção de bacias de contenções, outros materiais

como solo, asfalto e concreto. As bacias de contenção apenas trocam o lugar da erosão.

Devido a fragilidade dos solos em erodir, as lagoas, assim como a microbacia do

córrego da Pindaíba, ficam suscetível ao assoreamento, comprometendo o grau de volume

e escoamento deste. Com prejuízo na disponibilidade hídrica à jusante da área.

A mata também sofreu impactos, pois para a abertura da estrada alguns exemplares

de espécies de árvores foram retiradas, além da paralela considerável de mata que foi

derrubada para a construção da segunda represa (Figuras 2 e 3). A área em que está

situada apresenta baixa altitude, ficando entre 425 e 400 metros, o que possibilitou sua

execução.

Algumas trilhas para visitação foram abertas na mata, retirando algumas árvores, no

entanto, técnicos do IBAMA embargaram a utilização dessas trilhas. No local onde os

picadões foram abertos se deu a ação de processos erosivos e atualmente as trilhas não

são mais usadas como meio de regeneração da vegetação nativa.

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RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...

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Figuras 2 e 3: Parque Ecológico Cidade da Criança: Antes e após a construção da segunda

lagoa

Constatamos através de trabalhos, depoimentos e das figuras acima, que dentre as

várias modificações da paisagem da Cidade da Criança, a principal foi a construção da

segunda lagoa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se implantar algum tipo de empreendimento em determinada área natural, mesmo

com vista à sua preservação, provoca-se algum tipo de alteração ou impacto, pois requer

modificações para a implementação de alguns instrumentos. Por meio de dados técnicos,

fotografias, mapas, cartas e imagens de satélite, isso pode ser demonstrado, colocando em

questão até que ponto torna-se interessante e viáveis tais transformações.

Assim, o estudo da paisagem passa a ser um método de grande utilidade para a

caracterização e verificação das modificações e dos impactos causados em decorrência da

ação antrópica, tornando interessante se fazer um EIA-RIMA para a implantação de

qualquer empreendimento que possa afetar ou degradar áreas de preservação. Sendo que

impacto ambiental é, segundo a Resolução CONAMA 001, de 23/01/1986,

Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas, a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; qualidade dos recursos ambientais.

Neste sentido, a elaboração de EIA-RIMA, regulamentada pela referida resolução,

avaliam as condições da área projetada para o empreendimento e tomam decisões sobre o

que se pode realizar nesta, já que, segundo Bastos e Almeida (2000, p.81),

A avaliação de impactos ambientais é um instrumento de política ambiental formado por um conjunto de procedimentos capaz de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta

Fonte: Sales, 1999. Fonte: Sales, 1993.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

761

(projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, que os resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada de decisão, por eles devidamente considerados.

No entanto, na projeção da Cidade da Criança houve dispensa de tal estudo por

parte da Secretaria do Meio Ambiente, sendo posteriormente verificados alguns impactos

que poderiam ser previstos em uma análise mais detalhada da área, colocando em

desvantagem a preservação de alguns pontos danificados ou erodidos em decorrência das

alterações realizadas. Sendo assim, é imprescindível que estudos sejam elaborados e que o

plano seja executado seguindo as normas de preservação das características naturais da

área para que o empreendimento não venha a causar danos irreversíveis.

Atualmente a Cidade da Criança, considerada uma Área de Preservação Ambiental,

tem tido um tratamento mais adequado para evitar os impactos ambientais, sendo a trilha,

por exemplo, deixada de ser usada pelos visitantes do parque. Dessa forma, os danos

causados no início da obra foram amenizados e o parque tem preservado suas matas,

fauna, hidrografia etc., sendo uma área importante para Presidente Prudente e sua

população, devido às características que apresenta e ao contato com a vegetação

remanescente do tipo mata atlântica do oeste paulista.

Assim, as decisões tomadas por parte do poder público tiveram algumas

conseqüências negativas e positivas, pois a área da Cidade da Criança proporciona lazer e

área verde para a população, ao mesmo tempo em que causou alguns impactos ambientais.

No entanto, o seu empreendimento é fundamental para a preservação da flora e da fauna,

exercendo papel fundamental para a compreensão sobre o meio ambiente e importância de

preservá-lo.

Neste sentido, sempre há que se tomar decisões com relação ao que fazer para a

preservação de áreas naturais e que apresentam algum tipo de riqueza ambiental. Por isso,

alternativas como a implementação de um parque ecológico, que não danifique as

características físicas e naturais podem ser viáveis do ponto de vista ecológico e ambiental,

principalmente no que diz respeito ao risco de serem destruídas quando não se tem uma

fiscalização adequada ou suficiente para a preservação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Josimar Ribeiro de Almeida; TERTULIANO, Marcos Faria. Diagnose dos sistemas ambientais: métodos e indicadores. In: CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira (org). Avaliação e perícia ambiental. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000. BASTOS, Anna Christina Saramago; FREITAS, Antonio Carlos de. Agentes e processos de interferência, degradação e dano ambiental. In: CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira (orgs.). Avaliação e perícia ambiental. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000.

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RODRIGUES, Tais S.; SILVA, Maria C. P. Análise da paisagem: Uma visão integrada dos ...

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BRASIL, Resolução CONAMA 001 de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html. Data do acesso: 28 de outubro de 2008. CASSETI, Valter. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991a.

CASSETI, Valter. A essência da questão ambiental. Boletim Goiano de Geografia, v.11, n.1, 1991b. CASSETI, Valter. Ciência e ambiente. Boletim Goiano de Geografia, v.13, n.1, 1993. DREW, David. Processos interativos homem-meio ambiente. São Paulo: DIFEL, 1986. FARIA, Gislaine Garcia de. Transformações históricas e a dinâmica atual da paisagem na microbacia hidrgráfica do Ribeirão Cambé – Londrina – PR. 2001. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. GUERRA, Antonio José Teixeira; MARÇAL, Mônica dos Santos. Geomorfologia ambiental. São Paulo: Bertrand, 2006. LEME, Rosana Cristina Biral. Transformações históricas da paisagem na microbacia hidrgráfica do Ribeirão dos Guachos – Oeste Paulista. 2001. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Faculdade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. ROSS, Jurandir Luciando Sanches. Ecogeografia do Brasil: subsídios para planejamento ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2006. SALES, Vivian Renata. Impactos ambientais na Cidade da Criança – Presidente Prudente/SP. 1999. 78f. Trabalho de conclusão de curso – Faculadade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. SILVA, Lucimara Ribas de Souza. A Cidade da Criança (Presidente Prudente, SP) e meio ambiente: do projeto à realidade. 1998. 56f. Trabalho de conclusão de curso – Faculdade de Ciencias e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. SOTCHAVA, V. B. O estudo de geossistemas. Métodos em Questão, n.16, São Paulo: Instituto de Geografia, 1977.

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GEOPROCESSAMENTO E EXPANSÃO URBANA: UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO

Thais Helena dos Santos

[email protected] 4° ano de Geografia

FCT/UNESP Campus Presidente Prudente

O presente trabalho pretende relatar a experiência de estágio, ainda em curso, na

Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – EMPLASA. Essa atividade se faz

possível em decorrência de nosso aceite à vaga disponibilizada por meio do concurso de

Programa de Estágios promovido pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo –

FUNDAP.

SOBRE O ESTÁGIO

Integrando a equipe de estagiários da Unidade de Instrumentos para o Planejamento

– UIP/EMPLASA, desde janeiro deste ano, exercemos a função básica de alimentação do

banco de dados cartográficos através da vetorização de polígonos, assim como a análise de

imagens e ortofotos para diversos trabalhos em andamento com enfoque nas Regiões

Metropolitanas do Estado de SP.

Para tanto, recebemos treinamento sobre funcionamento do software utilizado pela

empresa, o Geomedia Professional.

Apesar de ser a EMPLASA um órgão vinculado à Secretaria de Economia e

Planejamento do Estado de São Paulo – SEP; Informamos que é detentora dos direitos de

seus produtos cartográficos e, em decorrência deste fato, não será possível a

exemplificação das situações discorridas neste texto através de cartas ou mapas prontos,

uma vez que, a obtenção dos mesmos requer sua compra.

SOBRE A ATIVIDADE DE ESTÁGIO

Podemos dizer que não é de longa data a incorporação de técnicas de

Geoprocessamento como recurso principal para o mapeamento. Essa adesão remonta um

período de 10 ou 15 anos aproximadamente.

A EMPLASA é ainda hoje a unidade de referência cartográfica do Estado de São

Paulo para a elaboração e confecção de mapas que visem, sobretudo, compreender a

dinâmica de uso e ocupação do solo no território estadual, mas, em maior intensidade, nas

áreas que compõem as Regiões Metropolitanas – RM’s – de São Paulo, Campinas e

Baixada Santista. Tal ênfase se deve ao fato de que, entre outras características, essas

regiões compõem extensas áreas dentro do território estadual e, consequentemente, um

adensamento populacional, conforme tabela abaixo:

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SANTOS, Thais H. Geoprocessamento e expansão urbana: Uma experiência de estágio

764

Regiões Metropolitanas e Estado de São Paulo

Área e População: 2006

Área (248.209) População 2006

Local Km2 Estado (%) Habitantes Estado (%)Regiões Metropolitanas 14.097 5,68 24.031.058 58,54

São Paulo 8.051 3,24 19.677.506 47,93 Baixada Santista 2.373 0,96 1.666.453 4,06

Campinas 3.673 1,48 2.687.099 6,55 Fonte: Emplasa, 2007

Organização: Thais Helena dos Santos, 2009

A atividade de produção mais contínua nesta unidade é a vetorização das áreas de

expansão urbana da RMSP, prática essa, pelo trabalho de outras equipes de estagiários,

obteve como produto o mapa de uso e ocupação do solo da RMSP de 2002. Este por sua

vez, subsidiará como base à atual confecção do mapa da de uso e ocupação do solo da

RMSP 2007.

Os polígonos de vetorização componentes de tais produtos são: áreas de vegetação

(matas, capoeiras e campos), áreas industriais, áreas urbanizadas (de alto ou baixo padrão),

áreas de favelas, equipamentos urbanos (redes de distribuição de águas, áreas de lazer,

etc.).

Outras atividades, que não a vetorização para o mapeamento da expansão urbana,

esporadicamente nos são solicitadas. Citamos como exemplo dessa migração funcional, a

análise de imagens de satélites com o objetivo de verificarmos a quantidade de nuvens

presentes em suas composições e a análise de ortofotos, tendo como objetivo verificar se as

mesmas apresentam distorções, manchas ou diferenças de tonalidades, fatores esses que

são determinantes (caso sejam muito grosseiros) para a vetorização de polígonos que serão

utilizados para a representação de novos mapas.

SOBRE A METODOLOGIA

Para a confecção dos mapas são utilizadas bases cartográficas de anos anteriores,

porém, a comparação visual para identificarmos o uso atual da área em questão é efetuada

através de uma carta ortorretificada, ou seja, uma ortofoto. Trata-se de uma imagem a qual

tem sua área o mais plana possível, eliminando as diferenças angulares que uma fotografia

aérea, por registrar as ondas e gerar um produto com base no elipsóide, ainda armazena.

O traçado dos vetores é feito com a escala padrão de 1: 1000, sob o sistema de

coordenadas geográficas UTM, latitude 23° Sul, utilizando na maioria dos casos o DATUM

SAD 69 e em alguns mapas específicos o DATUM Córrego Alegre.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

765

FUNCIONALIDADE DOS PRODUTOS É sabido que a cartografia desde o período das grandes navegações é um meio

muito utilizado para orientação em relação a algum ponto do globo ou a busca de

determinado local ou objeto. Durante o desenvolvimento das técnicas da humanidade ela

veio sofrendo diversas modificações. Entre tais podemos destacar a utilização de satélites

para captar ondas e registrar imagens e equipamentos e ferramentas computacionais para a

representação de pequenas ou extensas áreas que compõem o planeta Terra.

O Geoprocessamento é justamente a ferramenta síntese entre as diretrizes

cartográficas clássicas como latitude e longitude com a junção de dados proporcionados por

meio de órbitas de satélites (FITZ, 2008).

Atualmente, os produtos cartográficos desenvolvidos pela EMPLASA têm como base

informações e imagens produzidas por satélite como, por exemplo, a imagem Ikonos –

imagens do satélite lançado em 1999 pela empresa norte-americana Space Imaging. Assim

como a interpretação de áreas através de ortofotos e sua vetorização em imagens de

satélites.

É através destes resultados cartográficos que os poderes públicos que constituem as

RM’s do Estado de São Paulo organizam o planejamento urbano de seus territórios.

É de praxe que, mensalmente, seja promovida nas intermediações da EMPLASA

entre esses representantes municipais, uma reunião para troca de informações das

respectivas gestões, assim como um debate acerca dos produtos desenvolvidos pela

empresa e que servem como auxiliares a essas práticas. Tal evento é denominado

Encontros Metropolitanos, e tem como objetivo promover a interlocução a respeito de

problemas urbanos e possíveis soluções e também a troca de informações e metodologias

as quais os municípios lançam mão para melhor gerenciar e planejar as áreas que os

compõem.

A TEORIA E A PRÁTICA A possibilidade de verificar a prática que algumas teorias explicitam é muito

interessante. É comum, por exemplo, nos depararmos e, necessariamente vetorizar, áreas

de favelas ao lado de grandes condomínios de luxo. O nada mais é que produção e

manutenção da pobreza em detrimento da ostentação de poucos, claro que condições

possíveis em decorrência do atual modelo de sociedade por nós vivenciado.

Possível é também, observarmos áreas de mananciais enforcadas pelo

adensamento populacional presente em seus limites ou então áreas de matas densas

prestes a serem derrubadas em decorrência de áreas industriais em expansão.

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SANTOS, Thais H. Geoprocessamento e expansão urbana: Uma experiência de estágio

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Até o presente momento, podemos avaliar a experiência por nos vivenciada como

uma ótima oportunidade de aprendizado auxiliar à nossa formação acadêmica, pois,

conseguimos associar alguns conceitos teóricos por nós aprendidos com uma

funcionalidade.

Cremos, portanto, que a Geografia encontra-se justamente neste limiar entre a

interpretação de imagens resultantes de ondas sensoriadas e espectros de coloração e a

realidade concreta das áreas observadas, cabendo aos pesquisadores envolvidos, um maior

atentamento às possíveis soluções dos problemas posto.

BIBLIOGRAFIA FITZ, Paulo Roberto. Geoprocessamento sem complicação. São Paulo: Oficina de

Textos, 2008.

www.emplasa.sp.gov.br

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DINÂMICAS ESPACIAIS URBANAS A PARTIR DA GLOBALIZAÇÃO: O CASO DE MOGI-GUAÇU – SP1

Ulysses Melo Carvalho [email protected] Graduado em Geografia

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Resumo: O trabalho teve por objetivo discutir brevemente o objeto sujeito cidade, que é o espaço da realização humana através da técnica, ou seja, uma totalidade. A partir desta compreensão, a discussão se dá a partir da hierarquia urbana com um enfoque para as cidades médias, que apresentam uma complexidade conceitual e vem adquirindo maior relevância e se tornando alvo de estudos de geógrafos e cientistas nos últimos anos. Esta complexidade é resultado das características singulares que elas vêm apresentando, destacando-se um salto econômico e social, além da melhoria da qualidade de vida dos citadinos. Assim, a área objeto necessária para a realização deste estudo foi o município paulista de Mogi-Guaçu, partindo de dados censitários e estudos de campo para compreender sua dinâmica, o que tornou possível inseri-lo nesta nova ótica de cidades médias, que está muito além de quantidade populacional, mas relevando a fluidez e a técnica neste período técnico-científico e informacional. Palavras-chave: cidade; cidade média; Mogi-Guaçu; dinâmica espacial; fluidez. INTRODUÇÃO

Há cidades de diferentes dimensões, funções e articulações com os conjuntos ou

sistemas urbanos que fazem parte. Abordar este movimento complexo de materialidade e

condições locais e, ao mesmo tempo, de expressão de dinâmicas do mundo é um desafio

para a análise geográfica, ou seja, como este objeto de estudo é intenso e determinante na

sociedade. É algo que diante da história do homem, obteve sua importância em um passado

não muito distante, porém a partir de seu surgimento e até hoje, foram sendo inseridas

características que a tornaram um objeto relevante e intrigante.

Mas qual o significado das cidades?

[...] será necessário considerar a cidade não como uma entidade fixa propriamente dita, mas como um instrumento que conserva e propaga determinada forma de civilização, caracterizada por um conjunto de traços possíveis de difusão mais ou menos global, mais ou menos perfeita?” (BEUJEU-GARNIER. 1997, p. 6)

Esta pergunta introdutória nos remete a refletir o significado e o advento das cidades

na atualidade. O surgimento delas é compreendido por Rolnik (1995) como “A origem da

cidade se confunde, portanto com a origem do binômio diferenciação social/centralização do

poder” (p. 07). Com o advento da globalização, a cidade torna-se ainda mais intricada,

resguardando a maioria da população mundial e que, por conseqüência, constrói e

reconstrói o seu espaço de acordo com sua lógica econômica, social e política. Jacqueline

Beaujeu-Garnier destaca a complexidade conceitual da cidade “[...] o importante é

1 Artigo feito à partir do trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas no final de 2008 sob a orientação da Profa. Dra. Juleusa Maria Theodoro Turra. [email protected].

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CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...

768

considerar que a cidade, concentração de homens, de necessidades, de possibilidades de

toda a espécie (trabalho, informação ...), com uma capacidade de organização e

transmissão, e ao mesmo tempo sujeito e objecto” (1997, p. 11).

A partir dos estudos de geógrafos e urbanistas, que tanto contribuem para desvendar

a urbe, é que nos voltamos ao sujeito e objeto cidade, que desafia cada vez mais a

geografia e outras ciências urbanas. Porém, este desafio torna-se imprescindível para a sua

compreensão neste novo tempo em que as transformações espaciais evidenciam-se cada

vez mais rápidas, devido principalmente à globalização que se impõe sobre o espaço de

diferentes maneiras, a partir das exigências do lugar. (SANTOS, 2006)

Além desta complexidade que permeia o conceito cidade, há outros que a seguem,

como entender as redes urbanas, cada vez mais atreladas umas as outras e a hierarquia

que se constrói a partir delas, destacando as cidades globais, as metrópoles nacionais e

regionais tão estudadas atualmente e as pequenas médias cidades; estas últimas,

atualmente têm sido mais discutidas. Destacando-se o RECIME (Rede de Pesquisadores

sobre Cidades Médias), composto por pesquisadores da América Latina, do GAsPER

(Grupo de pesquisa: Produção do Espaço e Redefinições Regionais), da Universidade

Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Campus de Presidente Prudente e pelos últimos

estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do governo federal.

Em um conceito clássico, as cidades médias são caracterizadas por possuírem uma

população entre 100 e 500 mil habitantes. Analisando a rede urbana, com toda a sua

hierarquização, observa-se o papel fundamental destas cidades neste contexto, ou seja, a

importância que desempenham como articuladoras das grandes e pequenas cidades, isto é,

apresentam um atributo intermediário na rede urbana e/ou também exercem um papel

regional, dependendo de sua localização. No entanto, não se pode elucidar apenas esta

intermediação hierárquica como arcabouço para inseri-la neste conceito, diante do período

globalizado do século XXI; esta inserção ocorre porque elas apresentam muitas outras

características em suas funções.

A compreensão desta dinâmica urbana, focada principalmente no valor que estas

cidades médias passam a deter, ressalta a importância à geografia, que vem aprimorando o

seu estudo e desvendando a sua importância.

Para uma melhor compreensão destas novas relações e dinâmicas urbanas, a área

objeto da análise foi o município brasileiro de Mogi-Guaçu, localizado na porção leste do

estado de São Paulo, com a proposta de observar os principais indicadores econômicos e

sociais e as estruturas do município.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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O MUNICÍPIO DE MOGI-GUAÇU

Mogi-Guaçu (mapa 1 e 2) está situada na Depressão Periférica Paulista2, com alturas

médias de 500 a 700 metros de altitude, entre as terras altas do leste pertencentes ao

Planalto Cristalino Atlântico e ao Planalto Arenito-Basáltico, a oeste. O relevo plano é o traço

dominante da topografia da área, exceto em suas extremidades onde há traços da Serra da

Mantiqueira. Na composição do solo, é encontrada uma quantidade elevada de argila,

podendo se compreender a instalação de indústrias cerâmicas na região.

MAPA 1 – Mogi-Guaçu no estado de São Paulo Fonte: IBGE, elaboração: o autor.

2 De acordo com o Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo.

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CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...

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Mapa 2 – Municípios circunvizinhos de Mogi-guaçu Fonte: IBGE, elaboração: o autor.

Na há a presença de recursos minerais consideráveis na Depressão Periférica

Paulista, assim o povoamento da área se deu pela passagem de bandeirantes em direção à

região das minas, de Goiás e Cuiabá, o que propiciou uma pequena fixação de pessoas,

inicialmente. Assim3, ao longo da passagem foram surgindo povoados, tanto para a

fiscalização das riquezas retiradas de outras regiões, como também de beneficiários das

passagens dos rios. Nela, existe a presença de um rio de mesmo nome, que foi o principal

ensejo da povoação.

3 Trecho elaborado a partir de dados do Museu Histórico de Mogi-Guaçu e Mogi-Mirim.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

771

No século XIX, com o surgimento do café e o seu avanço no estado de São

Paulo, esta antiga vila, agora município, acaba obtendo vantagens, mesmo não produzindo

o produto, pois com a necessidade de escoação da produção, a elite cafeeira vê a

necessidade da implantação de ramais ferroviários; deste modo, a ferrovia corta o

município, incluindo a construção de uma ponte ligando as margens. E, posteriormente,

inicia-se a fabricação de telhas4 para as novas estações ferroviárias que foram sendo

construídas ao longo do interior paulista. Negri afirma:

A expansão e reprodução do ‘complexo cafeeiro’ não significou apenas o aumento físico da produção de café, mas sobretudo um processo de criação de novos ‘espaços’ para a acumulação, que se fez acompanhar de efeitos multiplicadores ao nível da urbanização. (1996, p. 34)

A partir de meados do século XX, após a abertura econômica promovida pelo

presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, instalam-se no município grandes indústrias

como a International Paper5 e a Corns do Brasil6; posteriormente a Maizena7 e a Mahle8.

Esta implantação de indústrias merece destaque: afinal, embora tenha havido esta abertura,

a maioria das indústrias de grande porte se instalaram em grandes cidades e só após o

início da desconcentração da cidade de São Paulo, é que elas foram se interiorizando;

porém, este município contrasta com isto e começa a se industrializar anteriormente, uma

característica muito atípica.

Outro segmento importante da economia guaçuana é a agricultura, com uma

produção muito significativa no estado, destacando-se como lavoura permanente a laranja,

com cerca de 413,317 toneladas por ano, uma das maiores produções do estado; e a cana-

de-açúcar como lavoura temporária, cerca de 640,000 toneladas por ano (IBGE, 2006).

O município está localizado na microrregião de Mogi-Mirim e na mesorregião de

Campinas pela classificação do IBGE no estado de São Paulo. Apresenta características

diferenciadas de outros municípios de mesmo porte; por possuir um terreno basicamente

plano, a cidade se expandiu horizontalmente e construções verticais são presenças

pontuais. Sua população é de 131.870 habitantes, de acordo com o IBGE (2006), com um

crescimento geométrico populacional elevado em relação a outros locais (observar figura 1).

4 Estas cerâmicas surgem com o estabelecimento de imigrantes, principalmente italianos, vindos com o fim da escravidão. 5 Antiga Champion Papel e Celulose. 6 Comprada pela Bunge. Esta indústria processa a matéria-prima, o milho, para a obtenção do amido que será vendido a Unilever onde é embalado e vendido. 7 Marca do amido de milho embalado pela Unilever. 8 Indústria automotiva alemã.

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CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...

772

Taxa geométrica de crescimento anual da população 2000 - 2008 (% a. a.)

0

0,5

1

1,5

2

2,5

Estado de São Paulo Região de governo deCampinas

Mogi-Guaçu

Figura 1 - Taxa geométrica de crescimento anual da população 2000 – 2008

Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.

De acordo com o site do município e com o Atlas do Mercado Brasileiro da Gazeta

Mercantil9, Mogi-Guaçu é considerado um dos 300 municípios brasileiros mais dinâmicos e

seu potencial de consumo é inclusive superior à sua população.

Os incentivos10 para a implantação de indústrias vão desde a isenção de IPTU por

dez anos, isenção de ISS (Imposto sobre Serviços) em sua totalidade, na construção de

unidade territorial, além da doação de bens imóveis municipais para a implantação de novas

indústrias.

A seguir, apresentar-se-ão dados comparando certos aspectos econômicos do

município com a região de governo de Campinas e o estado de São Paulo (Figuras 2, 3, 4 e

5).

Partipação nas exportações do estado de São Paulo (%) - 2007

100

11,4346780,967106

0

20

40

60

80

100

120

Estado de São Paulo Região de governo deCampinas

Mogi-Guaçu

Figura 2 - Participação nas exportações do Estado de São Paulo

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Fundação SEADE. Elaboração: o autor.

9 Atlas do Mercado Brasileiro, Gazeta Mercantil – Edição maio de 2007. 10 Lei Nº 3.493 de 28 de outubro de 1997 de Incentivo ao Desenvolvimento Industrial.

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

773

Participação da Agropecuária no total do valor adicionado (%) - 2005

1,84

5,04

0

1

2

3

4

5

6

Estado de São Paulo Mogi-Guaçu

Figura 3 – Participação da agropecuária no total do valor adicionado

Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.

Participação da Indústria no total do valor adicionado (%) - 2005

31,7

39,57

05

1015202530354045

Estado de São Paulo Mogi-Guaçu

Figura 4 - Participação da indústria no total do valor adicionado

Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.

Participação dso Serviços no total do valor adicionado (%) - 2005

66,46

55,39

4850525456586062646668

Estado de São Paulo Mogi-Guaçu

Figura 5 – Participação dos serviços no total do valor adicionado

Fonte: IBGE e Fundação SEADE. Elaboração: o autor.

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CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...

774

A partir destes gráficos, fica visível a participação do município nas exportações do

estado e no total de valor adicionado na agropecuária11, no total do valor adicionado na

indústria12 e finalmente, o total de valor adicionado nos serviços13. Assim, é possível

compreender que Mogi-Guaçu possui uma relevância econômica no estado de São Paulo e

estes gráficos comprovam, mais uma vez, a dinamização de sua economia e o papel que

desempenha como município intermediário.

AS CIDADES MÉDIAS

As cidades médias podem ser introduzidas num plano superior em relação às

cidades pequenas e num nível inferior em relação às grandes cidades e metrópoles, pelos

fluxos “materiais e imateriais, de transportes e telecomunicações – uma vez que eles não

estão justapostos nem apenas sobrepostos, mas articulados entre si” (SPOSITO. et al.

2007, p. 38). Como a própria autora afirma, é uma relação de “contigüidade como

conectividade” (Ibdem. p. 38) na rede urbana, juntamente com os fluxos já mencionados.

Embora não haja um consenso de conceituação sobre cidades médias, Sposito

(2006) diz:

O que se denomina como ‘cidades de porte médio’ são aquelas que têm entre 50 mil e 500 mil habitantes. Entretanto, nem todas as ‘cidades de porte médio’ são, de fato, cidades médias, pois para serem assim conceituadas há que se verificar mais elementos que os indicadores demográficos e se analisar a magnitude e diversidade dos papéis desempenhados por uma cidade no conjunto da rede urbana. Assim, atribui-se a denominação “cidades médias” àquelas que desempenham papéis regionais ou de intermediação no âmbito de uma rede urbana, considerando-se, no período atual, as relações internacionais e nacionais que têm influência no conformação de um sistema urbano. (2006, p. 175)

Assim, há a tentativa de compreensão das dinâmicas de produção e reprodução do

espaço urbano, de modo geral, entre as hierarquias urbanas e se há especificidades nessas

cidades, diante desse novo olhar que as cidades médias adquiriram.

Atualmente, as metrópoles ainda concentram as principais atividades econômicas e

também os nós das redes urbanas, entretanto as cidades médias estão adquirindo uma

11 Percentual do valor adicionado do setor agropecuário no total do valor adicionado da agregação geográfica. Valor adicionado do setor agropecuário é o valor que a atividade agropecuária agrega aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo. Fonte: Fundação SEADE/ Perfil Municipal 12 Percentual do valor adicionado do setor industrial no total do valor adicionado da agregação geográfica. Valor adicionado do setor industrial é o valor que a atividade das indústrias agrega aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo. Fonte: Fundação SEADE/ Perfil Municipal 13 Percentual do valor adicionado do setor serviços no total do valor adicionado da agregação geográfica. Valor adicionado do setor serviços é o valor que a atividade das empresas de serviços agregam aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo. Fonte: Fundação SEADE/ Perfil Municipal.

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775

importância significativa, podendo ser representada inclusive pelo seu aumento populacional

nos últimos tempos. Egler (2001) afirma:

[...] o processo de concentração populacional nos grandes centros urbanos é mais relevante que o fenômeno de difusão espacial da urbanização. Mas, ao mesmo tempo, a relação entre crescimento populacional/crescimento do número de cidades é bem mais importante para as cidades intermediárias, o que demonstra o dinamismo desta categoria de centros urbanos. (p. 11)

Este dinamismo entre as diferentes formas de cidade aparece com o próprio

surgimento de um mercado nacional, e conseqüentemente, da rede urbana,

[...] a formação desse mercado que fortaleceu as relações entre as cidades brasileiras, possibilitando que se vislumbrasse um sistema urbano, conformando, de fato, uma rede urbana, processo que não havia ainda se completado desde que se iniciara a passagem do Brasil agrário-exportador para o Brasil urbano-industrial, já na década de 1930. (SPOSITO, M. E. B. et al. 2007, p. 39).

Nesta alteração da economia global, com sistema fordista sendo alterado para outro

modo de produção, o toyotismo, distinguido por uma estrutura flexível, toda a economia do

planeta e logicamente a brasileira se transformam também, “[...] e mudou, simultaneamente,

a participação do país na divisão internacional do trabalho e a divisão regional do trabalho,

em termos técnico-econômicos e territoriais”. (SPOSITO, M. E. B.. et al. 2007, p. 39)

Diante destas mudanças, as cidades médias surgem e adquirem uma relevância

maior, desde então. Os grandes centros urbanos e metrópoles começam a sofrer um

decréscimo de sua população (observar figura 6), além da descentralização industrial que

também vai ocorrendo.

População Total Brasileira

Municípios de Regiões Metropolitanas

Aglomerações Urbanas

Centros Urbanos (inseridas as Cidades Médias)

1,63

1,99

2

2

Crescimento Populacional entre 1980 a 2000 (%)

Figura 6 – Crescimento Populacional entre 1980 a 2000. Fonte: BOENINGER (2003) apud SPOSITO, M. E. B. et al. (2007, p. 40).

Elaboração: o autor.

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CARVALHO, Ulysses M. Dinâmicas espaciais urbanas a partir da globalização ...

776

Estas cidades, de acordo com Diana Motta e Daniel da Mata (IPEA, 200814),

apresentam:

a importância das cidades médias reside no fato de que elas possuem uma dinâmica econômica e demográfica próprias, permitindo atender às expectativas de empreendedores e cidadãos, manifestadas na qualidade de equipamentos urbanos e na prestação de serviços públicos, evitando as deseconomias das grandes cidades e metrópoles. Dessa forma, as cidades médias se revelam como locais privilegiados pela oferta de serviços qualificados e bem-estar.

É necessário compreender a rede urbana, num conceito geral, como as relações

entre o fixo e o fluxo. O fixo é o espaço objeto, as formas, e os fluxos são toda a dinâmica

espacial, material ou virtual, ou seja, espaço ação. Se há uma relação de fluxos entre as

cidades, há uma rede urbana. Assim, a rede urbana são as ligações entre as cidades

(SANTOS, 2006). Pensando as cidades a partir das redes, podemos pensar na grande

cidade ou metrópole como o lócus da inovação e da globalização, onde a velocidade dos

fluxos é intensa, sendo o exemplo mais claro do período técnico científico e informacional.

Contrariando estes locais, existe a pequena cidade, caracterizada pela lentidão dos fluxos e

pela presença pontual da globalização sobre o espaço. Por fim, as cidades médias, que são

o local intermediário entre esses dois lócus já mencionados, apresentando tanto

características da pequena, como da grande cidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir destas concepções apresentadas anteriormente e considerando a cidade

como um lugar singular, ou como diz Santos, a respeito de lugar, “Quanto mais os lugares

se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, ‘únicos”. (1997, p. 32), a

cidade, desde a sua formação, vai se afeiçoando de uma maneira única e com o decorrer do

seu desenvolvimento e com a ação do tempo, esta unicidade vai aumentando e fortalecendo

o desafio do geógrafo em compreendê-la. Doreen Massey (2008) afirma que

O espaço é tão desafiador quanto o tempo. Nem o espaço nem o lugar podem fornecer podem fornecer um refúgio em relação ao mundo. Se o tempo nos apresenta as oportunidade de mudança [...], então o espaço nos apresenta o social em seu mais amplo sentido: o desafio de nossa inter-relacionalidade constitutiva – e, assim, a nossa implicação coletiva nos resultados dessa interrelacionalidade, a contemporaneidade radical de uma multiplicidade de outros, humanos e não humanos, em processo, e o projeto sempre específico e em processo das prática e em processo das práticas através das quais essa sociabilidade está sendo configurada. (2008, p. 274)

Nesta heterogeneidade que o espaço apresenta, principalmente devido a sua

relação com o tempo e inserindo a urbe nesta complexidade, podemos compreendê-la como

“elemento fundamental da organização do espaço” (BEAUJEU-GARNIER, 1995 p. 07).

14 Texto retirado do site do IPEA, sem paginação. (Observar bibliografia)

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777

O município estudado vem apresentando um processo de evolução de suas

características urbanas, destacando-se o nível elevado dos serviços urbanos básicos (coleta

de lixo, água tratada, luz elétrica, esgoto e pavimentação de ruas) atingindo todas as regiões

da cidade, inclusive áreas mais desprovidas. Além disso, ainda possui uma grande

porcentagem de tratamento de esgoto, o que é algo relevante para uma cidade que é

cortada por um rio. Além destas características, vem atraindo investimentos por parte de

indústrias, afinal possui distritos industriais capazes de atender à demanda.

Diante destas características apresentadas, além da observação feita em campo,

percebe-se a presença de uma melhor estrutura urbana, novas instalações industriais e a

fixação de representantes do setor de serviços, característicos da nova economia

globalizada, principalmente bancos e grandes franquias. Também a busca de informações

nos órgãos públicos é possível incluir Mogi-Guaçu neste novo conceito de categoria de

cidades médias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUJEU-GUARNIER, Jacqueline. Geografia Urbana. 2. Edição. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. EGLER, Cláudio Antonio Gonçalves. Subsídios à caracterização e tendências da rede urbana do Brasil. Configuração e dinâmica da rede urbana. Disponível em http:// http://www.laget.igeo.ufrj.br/egler/pdf/Redeur.pdf - Acesso em 12 de janeiro de 2008. IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em http:// http://www.ipea.gov.br/default.jsp - Acesso em 30/07/2008. NEGRI, Barjas, Concentração e Desconcentração Industrial em São Paulo (1880-1990). Campinas: Editora da Unicamp, 1996. MASSEY, Doreen B. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1989. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo: HUCITEC. 1997. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. Brasil Território e Sociedade no início do século 21. São Paulo, Record, 2003. SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 4. Edição. 2006. SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, Maria Encarnação; SOBARZO, Oscar.(Orgs). Cidades médias: produção do espaço. São Paulo: Expressão popular, 2006. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org). Cidades Médias: Espaços em transição. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

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A REDE URBANA E A TEORIA DAS LOCALIDADES CENTRAIS: CONTRIBUIÇÕES PARA ANÁLISE

Wagner Vinicius Amorim [email protected]

Aluno do Programa de Pós-Graduação em Geografia - Mestrado UNESP – FCT – Presidente Prudente – SP

Bolsista CNPq Resumo: O presente estudo objetiva concatenar leituras e discussões de alguns autores que contribuíram ao estudo da rede urbana, sobretudo, daqueles que, de uma forma ou de outra, fizeram uso da teoria das localidades centrais formulada pelo geógrafo alemão Walter Christaller em 1933, e desenvolvida por tantos outros geógrafos sucessivamente, demonstrando potencialidades, mas também limitações e restrições ao uso do que se pretendia uma teoria de equilíbrio geral. Num primeiro momento discorrer-se-á a respeito da rede e da rede urbana. Na seqüência, a partir de um referencial teórico eclético, a análise será desenvolvida em torno das potencialidades, da relativa validade da teoria e de seus limites e restrições impostas pela própria complexificação do objeto. Por fim, uma breve consideração a respeito da rede urbana norte-paranaense, geneticamente reconhecida nos moldes christallerianos, com base em alguns autores que contribuíram a partir de estudos neste sentido. Palavras-chave: Rede; rede urbana; teoria das localidades centrais; rede urbana norte-paranaense.

INTRODUÇÃO

O conteúdo de um conceito é a sua história. A apreensão do conteúdo do conceito

exige o acompanhamento de seu desenrolar e de seu movimento. É histórico e evidente o

papel da rede na organização do território, seja de um ponto de vista econômico, técnico,

cultural e/ou político ou de todos indissociavelmente. Tamanha importância atribui-se ao

papel desempenhado pela rede que é possível encontrá-la associada à produção do

espaço, pois, como bem reconheceu Lefebvre (1991, p. 5):

[…] a sociedade no seu conjunto, compreendendo a cidade, o campo e as instituições que regulamentam suas relações, tende a se constituir em rede de cidades, com uma certa divisão do trabalho (tecnicamente, socialmente, politicamente) feita entre essas cidades ligadas por estradas, por vias fluviais e marítimas, por relações comerciais e bancárias.

Os fluxos, conexões e interações de todos os tipos pressupõem a existência das

redes. Por meio das redes, mecanismos econômicos, sociais e políticos tanto incluem como

excluem qualquer outro ponto da mesma. Portanto, a rede nunca é neutra, porque seu

sujeito não o é (DIAS, 1995, p. 148). Nesse sentido, afirma Dias (1995, p. 148), que “[...]

nunca lidamos com uma rede máxima, definida pela totalidade de relações mais diretas,

mas com a rede resultante da manifestação das coações técnicas, econômicas, políticas e

sociais.”. A seletividade espacial como lógica estratégica de localização geográfica pode ser

ampliada por meio do uso que se faz das redes num determinado território. É assim que os

principais centros de gestão e controle da economia e da produção nacional ou mesmo

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AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...

780

internacional comandam suas ações por diferentes territórios ou sobre o globo, mesmo que

atualmente a produção stricto senso se dê da maneira mais desconcentrada possível.

Toma-se como exemplo a questão do setor financeiro, que, de acordo com Dias (1995, p.

151), no quadro de uma economia global e informatizada põe em curso estratégias de

seletividade espacial em amplitudes jamais cogitadas anteriormente.

Dias (1995, p. 154), coloca que múltiplos conflitos e desigualdades sócioespaciais

vem sendo ampliados, em função da divisão territorial do trabalho e da diferenciação da

localização, a partir da mobilidade crescente dos capitais, que reorganizam o sistema

urbano e favorecem a concentração espacialmente seletiva dos potenciais de crescimento.

Nesse contexto, as redes podem tanto ser viabilizadoras da ordem quanto da desordem, a

primeira condição em relação aos interesses das grandes corporações, e a segunda em

relação a escala local, engendrando processos de exclusão social ao marginalizar centros

urbanos ao alterar seu mercado de trabalho, destituindo-os dos benefícios da proximidade

geográfica da qual antes tiravam suas forças.

Em trabalho recente a mesma autora (DIAS, 2005, p. 21) exemplifica o uso da rede

no sentido exposto anteriormente ao descrever como que a política espacial implementada

no Brasil na década de 1990 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, por meio da

concepção subjacente à proposta dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento

(ENID), levou à cabo a constituição de uma eficiente rede logística para o escoamento da

produção agrícola ao integrar cada eixo aos mercados internacionais de commodities.

Assim, como coloca a autora, a rede faz jus à sua etimologia, ao servir para capturar

pequenos espaços nas tramas das redes financeiras do sistema capitalista global (DIAS,

2005, p. 23).

Na acepção de Haesbaert (2006, p. 114), nenhum espaço regional ou nacional é

estanque, muito menos se dispõe numa hierarquia perfeita, ao contrário, muitos dos

fenômenos que os acometem participam de redes locais ou regionais, outros de redes

nacionais e/ou mundiais e não são poucas as descontinuidades e os entrelaçamentos. É

nesse sentido que a sociedade moderna foi se tornando, ao contrário da tradicional, cada

vez mais reticulada, transformada por fluxos cada vez mais dinâmicos e velozes,

globalizados e extrovertidos (HAESBAERT, 2006, p. 122). Contudo, não se pode perder de

vista que, “[...] como uma das características das redes é que elas formam apenas linhas

(fluxos) que ligam pontos (pólos), jamais preenchendo o espaço no seu conjunto, muitos são

os interstícios que se oferecem para outras formas de organização do espaço”, por vezes,

alternativas à hegemônica (HAESBAERT, 2006, p. 123).

A despeito da gigantesca massa de excluídos e de marginalidade em relação às

redes dominantes, é fato que “[...] o mundo hoje é marcado por processos de globalização,

onde quem comanda são as redes construídas pelas grandes corporações financeiras e do

comércio transnacional.” (HAESBAERT, 2006, p. 124). Numa proposta didática e não

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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simplificadora, Haesbaert (2006, p. 126) afirma que atualmente, numa escala planetária,

convivem duas lógicas, uma mais tradicional calcada no domínio territorial dos Estados-

Nações, e uma lógica das redes, a principal delas assumindo um caráter de “oligopólio

mundial”, fundando pela tríade Japão – Estados Unidos – União Européia, cada um desses

núcleos estendendo suas redes prioritariamente sobre determinados espaços do planeta.

A proposta desse texto é discutir e analisar a rede urbana de um ponto de vista

puramente teórico, a partir de algumas contribuições ao conceito. Corrêa (1989, p. 87 e 89),

em um de seus célebres estudos da rede urbana, explica que ela consiste num

[...] conjunto funcionalmente articulado de centros, que se constituem na estrutura territorial onde se verifica a criação, apropriação e circulação do valor excedente. A compreensão da singularidade de cada uma das redes urbanas – comandada pelas metrópoles ou capitais regionais, no processo de criação, apropriação e circulação do valor excedente – deve ser o objetivo mais geral dos estudos de casos: tais estudos não são senão a procura do entendimento de uma singularidade enquanto especificação da totalidade, e uma fonte de compreensão desta mesma totalidade social.

Tais redes urbanas, comandadas tanto por metrópoles como por capitais regionais,

“são indicadas com base nas características internas de cada uma em termos de épocas e

processos distintos de valorização econômica. Admite-se que expressem diferentes padrões

de participação no processo de criação, apropriação e circulação do valor excedente”

(CORRÊA, 1989, p. 89). Por essa razão, o presente estudo se propõe a discutir a rede

urbana em sua multidimensionalidade, seja no que se refere ao seu caráter dinâmico e

processual; estático, inerte e cristalizado; condição e reflexo da divisão territorial e

internacional do trabalho, e articuladora de funções de circulação e de fluxos entre cidades,

regiões e países.

A REDE URBANA: UM OLHAR MULTIDIMENSIONAL A PARTIR DA TEORIA DAS LOCALIDADES CENTRAIS

O objetivo central deste texto consiste num esforço de síntese a respeito da rede

urbana a partir dos desdobramentos da proposta de Walter Christaller e a evolução desses

estudos para além da proposição christalleriana, sem por isso, prescindir de algumas de

suas premissas e sua relativa vitalidade que persiste até hoje e que vem sendo debatida por

determinadas áreas da pesquisa urbana e regional. Camagni1 (2005, p. 97 e 98), afirma

que a observação da realidade empírica nos ajuda a perguntar-nos se dita realidade

nos mostra de fato não só a coexistência de diversas dimensões urbanas, mas também

como a estas últimas correspondem funções econômicas, diferentes e como existem

distâncias geográficas diferentes entre cidades de diferentes dimensões. Neste sentido,

1 A tradução para o português das citações extraídas de Camagni (2005), publicado em idioma espanhol, é de inteira responsabilidade do autor.

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AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...

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mutatis mutandis, acredita-se reforçada a tese de que com uma limitada quantidade de

suposições, o modelo de Christaller, prevalecentemente qualitativo e não formalizado, com

poucas hipóteses explicitamente formuladas, pôde explicar o papel, a dimensão e

distribuição espacial dos centros urbanos numa hierarquia ordenada e coerente, daí sua

relevante coerência interna historicamente datada2 (CAMAGNI, 2005, p. 100 e 101).

De acordo com Corrêa (1997, p. 17), a recuperação da teoria das localidades

centrais de Christaller é importante, porque ela “[...] trata de um tema relevante que é o da

organização espacial da distribuição de bens e serviços, portanto, de um aspecto da

produção e de sua projeção espacial, sendo assim, uma faceta da totalidade social”. Trata-

se de uma forma de organização espacial vinculada ao capitalismo, de natureza histórica,

materialmente cristalizada no espaço por meio de processos de distribuição varejista e de

serviços, articulando, predominantemente a produção e o consumo, portanto, uma estrutura

territorial necessária ao processo de acumulação capitalista (CORRÊA, 1997, p. 20).

No processo de organização espacial engendrado a partir da integração dos

processos de produção, consumo e distribuição capitalista, fundamentado na divisão

territorial e social do trabalho, com evidências factíveis na articulação entre diferentes áreas

produtoras, interligadas por meio do comércio varejista e dos serviços, a articulação e a

integração crescentemente diversificada confirmam a existência de mecanismos

econômicos de alcance espacial máximo e mínimo e de economias de aglomeração, e

adquirem um significado novo que é o da própria acumulação capitalista, gerando uma

diferenciação hierárquica entre todos os centros de uma rede de distribuição (CORRÊA,

1997, p. 19).

O arranjo estrutural e espacial da rede de localidades centrais é influenciado pela

herança do passado no sentido de ser reestruturado a partir de uma base já implantada

parcialmente ou totalmente recuperada, isto é, a partir da necessidade de se reestruturar

progressivamente, à medida que a ocupação do espaço progredisse, corroborando na

conformação de uma rede urbana a partir de pontos estrategicamente localizados em face

de necessidades diversas (CORRÊA, 1997, p. 28).

Tal como propôs Rochefort (1998, p. 20), pode-se chamar de rede urbana a

organização dos centros urbanos – complexos e múltiplos – e de suas zonas de influência

no interior de uma região controlada por um centro regional. Essa organização, bem como

essa influência, se exercem por meio das atividades e dos serviços, constituem, assim, a

rede urbana. O autor (ROCHEFORT, 1998, p. 22), atenta para o fato de que as redes

urbanas se configuraram, grosso modo, a partir do momento em que os transportes

modernos facilitaram os deslocamentos de relações, sofrendo uma evolução complexa

2 “[...] o domínio das localizações centrais no século XIX [e início do XX] pode ser explicado pelo fato de que era muito mais caro transportar mercadorias do que pessoas, especialmente a uma certa distância das facilidades centrais do comércio.” (RICHARDSON, H.W. Economia Urbana. São Paulo: Interciência, 1978, p. 23).

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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desde a sua criação: “[...] tiveram de registrar a própria evolução das atividades de serviços

de que as cidades são o suporte: modificação das estruturas administrativas, concentração

financeira das atividades econômicas, desenvolvimento das necessidades em serviços [...]”.

Em suma, “os aspectos atuais das redes traduzem não apenas as necessidades presentes,

variadas, das regiões e dos países, mas também fenômenos de sobrevivência das fases

anteriores da implantação das cidades.” (ROCHEFORT, 1998, p. 23).

É tão certa a realidade – de estrutura e organização espacial – da noção de rede

urbana, contanto que se tenha em conta de que as redes e as estruturas são sempre

afetadas por fenômenos de sobrevivência devido à permanência de qualquer cidade,

mesmo depois de terem desaparecidos os fatores que estiveram presentes na formação

dessas cidades (ROCHEFORT, 1998, p. 27).

Neste sentido, acredita-se válido um retorno às idéias de Christaller, todavia é mister

acrescentar que ele partiu “[...] da hipótese de um espaço isotrópico, homogêneo em todas

as direções [...], afirma Camagni (2005, p. 98), “[...] tanto em termos de densidade

demográfica como de características físicas e de infra-estrutura, afirmando a valorização

sobre a eficiência espacial de estrutura de concentrações produtivas eqüidistantes e de

áreas de mercado hexagonais para cada bem”, propondo-se a examinar como “[...] produtos

e funções diferentes, em particulares funções de serviços, se articulam no território dando

origem a uma hierarquia urbana.” (CAMAGNI, 2005, p. 98 e 99).

Segundo Corrêa (1997, p. 31), nos desdobramentos da perspectiva christalleriana:

[...] a correlação locacional hierárquica deriva da coesão de interesses, ainda que possa haver certos conflitos internos, da classe dominante ou de suas diversas frações [...] bem como de interesses do capital estrangeiro, que encontram na centralidade diferencial das localidades centrais, uma diferenciação proporcional para melhor realizar sua continuidade, quer dizer, realizar-se e reproduzir-se, bem como, por meio da acumulação de recursos, poder e controle sobre a sociedade, poder reproduzi-la.

Assim, a rede de localidades centrais constitui-se em uma verdadeira cristalização

material necessária a limitada produção industrial – no caso de países em vias de

industrialização, ou onde ela se verifica espacialmente concentrada –, “[...] para onde

convergem fluxos vinculados a excedentes diversos que alimentam o processo produtivo

global, onde se concretiza parcela ponderável do consumo final, e de onde se exerce o

controle da sociedade.” (CORRÊA, 1997, p. 32).

Corrêa (1997, p. 34 e 35), argumenta que a teoria das localidades centrais,

historicamente concebida numa fase concorrencial do capitalismo encontrou limitações na

ascensão e predomínio das formas monopolísticas do capitalismo, porém,

contraditoriamente, verifica-se, sobretudo, no caso da realidade brasileira em meados da

década de 1960, que, arranjos estruturais e espaciais provenientes de uma fase

concorrencial do capitalismo puderam emergir sob as condições de capitalismo

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monopolístico, ao reproduzir a forma básica da rede de localidades centrais, a despeito das

mudanças atinentes às novas demandas.

Na proposição de Christaller, a diferenciação entre as localidades centrais traduz-se

em uma região economicamente homogênea e desenvolvida, e numa nítida hierarquia

espacial definida simultaneamente pelo conjunto de bens e serviços oferecidos pelos

estabelecimentos do setor terciário. Essa hierarquia caracteriza-se pela existência de níveis

estratificados de localidades centrais, nos quais os centros de um mesmo nível hierárquico

oferecem um conjunto semelhante de bens e serviços e atuam sobre áreas semelhantes no

que diz respeito à dimensão territorial e ao contingente de população. Os mecanismos

fundamentais que atuam gerando essa hierarquia de centros são, de um lado, o alcance

espacial máximo e, de outro, o alcance espacial mínimo (CORRÊA, 1997, p. 41).

Segundo o modelo de Christaller, bem adaptado para descrever e interpretar uma

estrutura de centros baseadas na produção de serviços, os centros maiores desenvolvem

todas as funções inferiores além das superiores, nas quais são especializados, nesse

aspecto encontra grande respaldo empírico (CAMAGNI, 2005, p. 107). Para o caso do setor

de serviços, a diferenciação por produtos em mercados mutuamente excludentes, como é o

caso na produção industrial, sucede com menor freqüência;

[...] neste caso, a diferenciação relevante do produto ou bem deriva da presença do espaço físico que torna diferente dois serviços fornecidos em duas localizações diferentes [...] ou a bem das características ‘qualitativas’ dos produtos [...] e isto o modelo pode ter em conta considerando como serviços distintos os serviços diferenciados no sentido qualitativo e distintas as respectivas áreas de mercado (CAMAGNI, 2005, p. 107).

Na presença de uma restrição superior na adição de novas funções e de novos

postos de trabalho – imposta por centros hierarquicamente superiores –, restrição dada pela

escassa flexibilidade da taxa de atividade da população, cada cidade busca uma

especialização nos setores nos quais se manifesta uma vantagem comparativa (CAMAGNI,

2005, p. 108). Assim, seu modelo está construído sobre a hipótese da otimização:

minimização dos custos de transportes, minimização dos custos de centros para alcançar

economias de aglomeração e reduzir os investimentos em redes de transporte, e maximizar

os benefícios para os produtores. Deste modo, as soluções espaciais que se podem obter

respondem, em tom normativo, pois, a critérios de racionalidade. Dada a coerência entre os

níveis teórico e empírico, o lado normativo do modelo foi amplamente utilizado com fins de

planificação territorial na França, com a política das metrópoles de equilíbrio e cidades

médias; na Suécia, com a criação de novas regiões administrativas e a planificação

interurbana de muitos serviços públicos; e no Brasil, para localização das novas cidades

(CAMAGNI, 2005, p. 108).

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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O modelo de Christaller se coloca como um modelo de equilíbrio geral, no entanto,

afirma Camagni (2005, p. 109), os resultados a que chega não permitem considerá-lo

satisfatoriamente como tal, sendo assim, a necessidade de alguns limites ao modelo impõe-

se:

Falta-lhe uma análise do lado da demanda do consumidor, que segue sendo

em grande medida exógena e não vinculada particularmente a renda e a densidade

residencial. Assim, o modelo é, eminentemente, um modelo de produção;

A função de custos é independente da localização e, portanto, não leva em

consideração a variabilidade espacial do preço e da produtividade dos fatores de

produção. Esta variabilidade é, todavia, mais evidente, para uma teoria da

localização, na – não – consideração da variabilidade do custo do solo urbano nas

distintas classes de cidade em função de sua dimensão e das possíveis economias

de aglomeração;

“As distintas produções estão simplesmente justapostas e agregadas sobre o

território, mas não existe nenhum mecanismo de interdependência, nem pelo que

faz referência aos possíveis efeitos de complementaridade/substituição na

demanda, nem pelo que faz referência aos possíveis vínculos input/output na

oferta; principalmente estes últimos, que através da redução dos custos de

transporte, podem ter um impacto importante sobre as localizações.” (CAMAGNI,

2005, p. 109).

Outras limitações impostas à teoria dos lugares centrais, para além dessas três

considerações anteriores, esclarecem o caminho de uma crítica ao modelo em si ao se

colocar em evidência algumas contradições presentes na sua lógica interna. Essas

contradições se evidenciam nas amplitudes tendenciais na demanda que podem induzir a

um estado não homogêneo de distribuição da população sobre um determinado território e

vice-versa, desconsiderando-se, portanto, o resultado do modelo que indica uma

concentração tendencial de atividades nos centros urbanos de crescente nível hierárquico.

Em conseqüência dessa fragilidade, “[...] as mais modernas contribuições a teoria do lugar

central tomam diretamente em consideração a distinta dimensão dos centros, ainda que seja

perdendo a possibilidade de apresentar uma representação geométrica dos

correspondentes modelos analíticos.” (CAMAGNI, 2005, p. 110). Outro problema consiste na

não consideração da concentração residencial somada a inexistência, no modelo, de

qualquer tipo de economia de localização e de urbanização, ou seja, de vantagem

aglomerativa para produtores pertencentes ao mesmo setor. Em suma, poder-se-ía dizer

que o modelo indica a presença/ausência das distintas funções nos distintos centros, mas

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não a dimensão econômica de ditas funções nos centros de distintas dimensões

(CAMAGNI, 2005, p. 111).

Em síntese, o modelo somente considera as forças mais simples e originais da

aglomeração. Se isto, de um lado, limita a complexidade analítica do modelo, de outro,

aumenta sua elegância e sua força explicativa. Porém, estas forças por si só não estariam

em condições de criar uma hierarquia de centros operantes numa pluralidade de setores,

sem o aporte de ulteriores hipóteses, as quais, não obstante, seriam estranhas a lógica

estrita do modelo, também porque sua consideração destruiria os simples supostos iniciais.

Nesse sentido, nas palavras de Camagni (2005, p. 111):

Se a cidade é uma concentração de atividades residenciais, um grande mercado de trabalho e um modo eficiente de organização da produção social, o modelo de lugar central na formulação de seus fundadores cria, desde um ponto de vista analítico, uma hierarquia de cidades sem cidades.

Mas, de qualquer forma, “[...] o fato de que o modelo constitua a primeira e, em

muitos sentidos, todavia, não superada formulação, econômica e territorial ao mesmo

tempo, do princípio de hierarquia, lhe garantiria uma posição central na história do

pensamento economicoespacial.” (CAMAGNI, 2005, p. 112).

A VALIDADE HISTÓRICA: DA INERTE E ESTÁTICA À DINÂMICA E ECLÉTICA REDE URBANA

Rochefort (1998, p. 22), atenta para o fato de que as redes urbanas se configuraram,

grosso modo, a partir do momento em que os transportes modernos facilitaram os

deslocamentos de relações, sofrendo uma evolução complexa desde a sua criação: “[...]

tiveram de registrar a própria evolução das atividades de serviços de que as cidades são o

suporte: modificação das estruturas administrativas, concentração financeira das atividades

econômicas, desenvolvimento das necessidades em serviços [...]”, etc. Em suma, “os

aspectos atuais das redes traduzem não apenas as necessidades presentes, variadas, das

regiões e dos países, mas, também fenômenos de sobrevivência das fases anteriores da

implantação das cidades.” (ROCHEFORT, 1998, p. 23).

É tão certa a realidade – de estrutura e organização espacial – da noção de rede

urbana, contanto que se tenha em conta de que as redes e as estruturas são sempre

afetadas por fenômenos de sobrevivência devido à permanência de qualquer cidade,

mesmo depois de terem desaparecidos os fatores que estiveram presentes na formação

dessas cidades (ROCHEFORT, 1998, p. 27).

Nos últimos 20 anos tem se verificado, de acordo com Camagni (2005, p. 121), o

forte desenvolvimento relativo de cidades de dimensão intermediária (cidades de porte

médio e/ou cidades médias, com população entre 40.000 a 200.000 habitantes), vinculando

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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ao fenômeno uma mudança qualitativa nas relações hierárquicas urbanas, formando uma

rede estreitamente interconexa de centros intermediários. Dentre outros, os seguintes

elementos são explicadores deste fenômeno:

A aparição prepotente de uma propensão localizativa não metropolitana da

indústria, a partir de finais dos anos 1950, criando uma estrutura territorial de

centros tendencialmente especializada e menos hierárquica em comparação com o

que ocorre nos serviços (CAMAGNI, 2005, p. 122);

O abandono do princípio “areal” e a menor importância dos custos de

transportes, a consolidação de relações em rede: redes de informação, redes de

relações de sub-fornecimento, redes financeiras, redes multiescalares, etc.

(CAMAGNI, 2005, p. 123);

A interpretação dessa nova tendência exposta anteriormente deixa claro que a

tradicional estrutura urbana herdada da sociedade agrícola precedente, caracterizada por

uma hierarquia christalleriana estreitamente alinhada de centros, organizados diretamente a

partir da estrutura hierárquica dos mercados agrícolas e da estrutura, também estreitamente

hierarquizada, das funções burocráticas e administrativas públicas, vem sendo substituídas

por uma estrutura híbrida christalleriana-loschiana de diferentes variáveis caracterizada por

(CAMAGNI, 2005, p. 123 e 124):

Permanência de relações hierárquicas nos níveis elevados da estrutura

urbana, organizadas ao redor dos mercados das funções terciárias avançadas e de

controle e gestão;

A permanência em alguns territórios de uma estrutura hierárquica de tipo

“areal” organizada em termos de áreas de mercado para os inputs de produção,

tendo sua explicação consolidada na relativa imobilidade dos ditos inputs e no

relevante custo de transporte que os caracteriza;

“A presença de centros especializados, pertencentes aos níveis médio-alto e

médio-baixo da estrutura urbana, caracterizados por uma densa rede de relações

horizontais e organizados sobre a base de “vocações” de tipo industrial, as mais

freqüentes, mas também do tipo terciário [...]” (CAMAGNI, 2005, p. 124).

Camagni (2005, p. 124 a 126) põe acento na dimensão da organização em redes de

cidades, que, ao estabelecerem entre si um conjunto de relações, do tipo horizontais e não

hierárquicas, de complementaridade, tendo seus centros dotados de vantagens advindas da

especialização e da divisão territorial do trabalho, realizáveis mediante economias de

integração horizontal e vertical. Além das redes de complementaridade, destaca-se mais

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atualmente a atuação de redes de sinergia, que promovem e se promovem por meio de

redes de inovação e de inovações territoriais. São aquelas “[...] redes de centros financeiros

internacionais na qual, graças a integração telemática, é possível, de qualquer centro,

operar diretamente no mais vasto mercado internacional, desfrutando das correspondentes

economias de escala.” (CAMAGNI, 2005, p. 125). O modelo em rede não é um modelo de

integração total do território, mas tal modelo se adapta bem para representar o

comportamento espacial da indústria e do terciário superior, ainda que outros setores atuem

de acordo com o modelo tradicional, a saber, no comércio e em geral no setor terciário. Não

obstante, o modelo hierárquico “[...] persiste fortemente como uma “memória territorial” dos

tempos nos quais estes últimos setores representavam a quase totalidade da economia e

organizavam, em conseqüência, a paisagem urbana nas formas que sucessivamente temos

herdado”. O modelo global que emerge atualmente é, pois, necessariamente um modelo

eclético (CAMAGNI, 2005, p. 125).

Uma hierarquia de redes pode ser percebida, porém partindo-se de outros vieses

analíticos, são as redes de “cidades mundiais”, caracterizadas por processos sinérgicos na

gestão das relações financeiras, diplomáticas, de informação e de controle. Num outro nível,

tem-se cidades especializadas de caráter nacional atuantes de um ponto de vista da

especialização por setores e das relações de complementaridade; e em nível mais baixo, as

cidades especializadas de caráter regional atuantes de acordo com a mesma lógica anterior

(CAMAGNI, 2005, p. 125 e 126). Desse modo, é lícito falar que as redes de cidades

constituem-se num conjunto de relações horizontais e não hierárquicas que se estabelecem

entre centros complementares ou similares, relações que realizam a formação de

economias ou externalidades de, respectivamente, especialização/divisão do trabalho e de

sinergia/cooperação/inovação (CAMAGNI, 2005, p. 126).

Este modelo exposto assume, pois, que a força criadora que organiza a evolução

histórica da estrutura urbana é a constituição de ”postos avançados” em novos territórios

sob o empuxe de interesses comerciais, sinalizando um modelo histórico de

desenvolvimento por etapas e de um modelo geográfico de organização por “alinhamentos

territoriais”. A lógica implícita no modelo merece ser recordada pelo fato de por o acento

sobre um elemento relevante da natureza da cidade: o de ser a cidade um nó de relações

de longa distância na rede, além de ser um elemento organizador do espaço geográfico que

a circunda (CAMAGNI, 2005, p. 127 e 128).

De fato, as funções estratégicas, mais elevadas, da hierarquia urbana se relacionam

diretamente com as atividades diretivas e gerenciais indo mais além das puras relações

econômicas incorporando elementos de controle financeiro, organizativo e liderança política

(CAMAGNI, 2005, p. 132).

Camagni (2005, p. 132) propõe a questão da dominação do grande centro sobre o

centro menor, numa interação hierárquica que vai além da relação econômicofuncional de

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assimilação ótima dos recursos territoriais. A partir da recuperação do enfoque clássico da

economia política, Camagni (2005, p. 132), traz para o bojo da discussão a análise dos

preços relativos dos produtos/funções e daqueles elementos que permitem ao produtor

apropriar-se da mais-valia; evoca ainda a teoria da distribuição da renda, a qual incorpora as

divergências, isto é, as remunerações diferenciais dos fatores produtivos urbanos. Por fim,

mostrando as formas através das quais as classes que tomam as decisões estratégicas de

inversão de capital, escolha das técnicas, das localizações e, em geral, as decisões de

utilização econômica e territorial dos recursos, contribui a orientar a distribuição funcional e

territorial da renda (CAMAGNI, 2005, p. 132 e 133). A análise da teoria econômica a

respeito do último ponto ainda é muito pouco satisfatória, afirma Camagni (2005, p. 133),

mas, permite a reflexão a respeito da tendência imposta de se otimizar trabalho (labour

saving) levada a termo pelo progresso tecnológico; da tendência a hipersofisticação

tecnológica do conteúdo e design/marketing dos produtos; da proposição dos modelos de

vida e de consumo tipicamente metropolitanos, os quais impõem de forma cumulativa um

processo de utilização cada vez maior de fatores produtivos urbanos (trabalho qualificado,

informação e, portanto, solo central) e penalizam a demanda de fatores mais abundantes

nas áreas periféricas (CAMAGNI, 2005, p. 133).

A reflexão a cerca da teoria econômica das relações de domínio no interior da

hierarquia urbana está baseada sobre elementos que remetem a alguns aspectos, dentre

eles: a dependência comercial christalleriana de áreas de mercado, entre as quais as

funções inferiores estão inscritas, ainda que parcialmente, no interior das áreas das funções

superiores e na qual os centros de ranque mais elevado desenvolvem suas funções

inferiores. Neste caso, “[...] as relações de intercâmbio ou de transação são unidirecionais

ao longo da hierarquia: a grande cidade vende produtos e serviços a cidade média, e esta a

pequena, sem adquirir nada em troca [...]”, fazendo, pois, com surja entre as cidades de

distinta dimensão uma relação desequilibrada de dependência comercial (CAMAGNI, 2005,

p. 133).

Ainda, de acordo com a reflexão anterior, Camagni (2005, p. 133 e 134) argumenta

que os bens e serviços sofisticados, produzidos num ambiente urbano de nível elevado,

incorporam em cascata os sobrepreços dos inputs intermédios e dos fatores produtivos que

nascem das imperfeições dos respectivos mercados. Essas imperfeições são engendradas

pelo crescimento do nível das funções desenvolvidas e dos serviços produzidos, que

reduzem a elasticidade-preço, posto que elas implicam uma menor sensibilidade da

demanda face ao preço em relação aos bens e serviços de uso comum. Em síntese, esses

mercados são os da formação superior, do trabalho qualificado, da informação, da direção e

gestão, sendo cada mercado distinto o produtor do input estratégico do mercado sucessivo.

No caso da liderança político/governamental se trata do nível mais elevado da

hierarquia das funções, que estão desenvolvidas pelas elites do poder econômico, mas,

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AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...

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sobretudo, do poder político. Essas “[...] relações hierárquicas se fundamentam e tem sua

legitimação em relações de tipo funcional, isto é, na eficiência dos processos produtivos e

da conseguinte divisão do trabalho, das quais representam a necessária e ineliminável

contraparte distributiva.” (CAMAGNI, 2005, p. 135). Neste caso, a hierarquia dos centros

urbanos impõe-se com vital validade, estruturada sobre a base de princípios tipicamente

funcionais de otimização no uso do espaço físico, e, sobretudo, estabelecida na divisão

territorial do trabalho, da qual emergem elementos de domínio geopolítico, econômico,

institucional, e de poder territorial.

PARA NÃO CONCLUIR: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS: O EXEMPLO DO NORTE DO PARANÁ

A rede urbana é um produto social, historicamente situado, cujo papel principal é o

de, por meio de interações sócioespaciais, articular toda a sociedade numa dada porção do

espaço, garantindo a sua existência e reprodução (CORRÊA, 1997, p. 93).

Em cada uma das inúmeras redes urbanas os centros urbanos a ela

correspondentes desempenham um poderoso papel em sua (re)definição funcional e na

natureza e intensidade da integração de cada rede na economia na global que possui

poucos centros de gestão do território, isto é, cabeças de redes urbanas de abrangência

mundial (CORRÊA, 1997, p. 95).

A integração da rede urbana brasileira se deu, sobretudo, em meados da década de

1950, por meio da crescente divisão territorial do trabalho, da industrialização e da

necessária ampliação das articulações inter-regionais. Essa integração é complexa e

intensa, não mais limitada exclusivamente por interações do tipo descrito pela teoria das

localidades centrais, mas inclui relações de complementaridade em meio a especializações

funcionais que definem inúmeros centros urbanos (CORRÊA, 1997, p. 101 e 102).

Muitos estudos se debruçaram sobre a formação da rede urbana no Norte do Estado

do Paraná, chegaram a resultados conclusivos de que a gênese desta rede remete ao

padrão christalleriano. Essa rede urbana, resultante das estratégias da Companhia de

Terras Norte do Paraná (CTNP) – subsidiária da firma inglesa Paraná Plantations Company

–, além da disposição dos núcleos urbanos, planejou um comportamento espacial das

relações sociais interurbanas e entre campo-cidade, conforme se encontra registrado nos

documentos da empresa sucessora, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná

(CMNP):

A Companhia de Terras Norte do Paraná adotou diretrizes bem definidas. As cidades destinadas a se tornarem núcleos econômicos de maior importância seriam demarcados de cem em cem quilômetros, aproximadamente. Entre estas, distanciados de 10 a 15 quilômetros um do outro, seriam fundados os patrimônios, centros comerciais e abastecedores intermediários. Tanto nas cidades como nos patrimônios a área urbana apresentaria uma divisão em datas residenciais e comerciais. Ao redor das

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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áreas urbanas se situariam cinturões verdes, isto é, uma faixa dividida em chácaras que pudessem servir para a produção de gêneros alimentícios de consumo local, como aves, ovos, frutas, hortaliças e legumes. A área rural seria cortada de estradas vicinais, abertas de preferência ao longo dos espigões, de maneira a permitir a divisão da terra da seguinte maneira: pequenos lotes de 10, 15 ou 20 alqueires, com frente para a estrada [...]. Esse pequeno proprietário não agiria como o grande fazendeiro de café, que produzia grandes safras e as comercializava nos grandes centros, diretamente em São Paulo ou em Santos. Ele venderia seu pequeno lote de sacas de café nos patrimônios, aos pequenos maquinistas, que por sua vez comercializavam a sua produção nas cidades maiores, já com representantes das casas exportadoras. Por outro lado, esse pequeno proprietário não gastaria o dinheiro recebido como o grande fazendeiro, nas grandes cidades. Ele o gastaria ali mesmo, no comércio estabelecido nos patrimônios, gerando assim uma distribuição de interesses e uma circulação local de dinheiro que constituíram um salutar fator de progresso local e regional. (CMNP, 1977 apud ENDLICH, 2006, p. 80)

Deste modo, a fundação das pequenas localidades explica a origem da rede urbana

local e regional e suas respectivas relações interurbanas primordiais, sua função de fornecer

à população rural e a sua produção agrícola, a base material a uma necessária trama de

relações sociais, econômicas e políticas, sobretudo, presentes no período da economia

cafeeira. “Enfim, produziu-se, em poucas décadas, uma ampla rede urbana, com diversas

localidades centrais nos padrões christallerianos. Entre as diversas localidades criadas

algumas cresceram, enquanto outras praticamente desapareceram.” (ENDLICH, 2006, p.

80).

A teoria das localidades centrais desenvolvida por Walter Christaller, explicativa da

rede urbana, resultou da procura de uma teoria do equilíbrio geral para o número, tamanho

e distribuição das cidades, a partir de suas funções terciárias, principalmente comércio e

serviços. No entanto, novos elementos tornaram-se obrigatórios para se compreender a

complexificação e a estruturação dessas redes, tendo em vista que nas cidades a produção,

e não apenas o consumo, impunha-se também como um elemento estruturador. Daí, a

insuficiência da teoria ao tratar da rede urbana atual, a qual não se explica somente pelas

alterações no papel das necessidades e na racionalidade do suprimento da demanda, mas

também na injunção de inserir novos elementos na análise, como a distribuição das

atividades industriais, e suas interações resultantes (ENDLICH, 2006, p. 175). Deste modo,

de acordo com a análise de Endlich (2006, p. 175), “observa-se tanto na literatura como na

realidade analisada que a redefinição da rede urbana não está restrita ao seu

funcionamento como um conjunto articulado de localidades centrais, como centros de

comércio e de serviços [...]”, mesmo que as transformações nesse âmbito também tenham

sido substanciais e historicamente fundamentais para o entendimento dessa estrutura até os

dias de hoje. A importância histórica do uso da teoria no caso aqui analisado é reconhecida

também por Fresca (2007, p. 2), ao colocar que:

De uma maneira geral a compreensão da rede urbana em 1960 pode ser pautada nas formulações gerais de Christaller e nas contribuições a ela efetuadas por Corrêa (1982). O uso deste referencial se tornou possível tendo em vista que a rede urbana

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AMORIM, Wagner V. A rede urbana e a teoria das localidades centrais: Contribuições para ...

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apresentava-se naquele momento como sendo do tipo Christalleriano, significando que a inserção da rede junto à divisão territorial do trabalho apresentava relativa fraca heterogeneidade produtiva, caracterizada fundamentalmente pela produção agrícola destinada ao mercado externo e interno. Com tal inserção, as cidades apresentavam-se como localidades centrais cuja essência era a distribuição de bens e serviços – correlacionadas à produção, circulação e consumo – além daquelas funções como coleta, transformação, comercialização e transporte da produção agrícola. Do desempenho destas funções emergia uma diferenciação hierárquica entre as cidades muito mais pautada na quantidade do que na qualidade das funções desempenhadas.

Na esteira de novos elementos necessários à análise e ao entendimento da

estruturação atual da rede urbana brasileira, sobretudo, no caso específico do Norte do

Paraná, Fresca (2007 e 2008) traz importantes contribuições à análise, ao afirmar que um

dos aspectos da complexidade funcional dos centros urbanos é o fato de cada um situar-se

em pelo menos duas redes, sendo que uma destas redes é aquela das localidades centrais.

“Evidentemente que esta ampliação se faz em outros patamares quantitativos e qualitativos,

correlacionados às transformações nas estruturas de consumo e com níveis de demanda

mais diferenciados, já que vinculada à maior estratificação social”. (FRESCA, 2007, p. 5).

Por isso, tal como propôs Fresca (2007, p. 5), “uma segunda rede de inserção dos

centros é menos sistemática e irregular porque envolve inúmeras relações de integração

interna e externa e ao mesmo tempo manifesta novos padrões de desigualdade vinculada

aos processos sociais”. Neste aspecto, as diferentes participações na divisão territorial do

trabalho; a dimensão produtiva das cidades da rede; a diversidade de processos de

expansão da produção industrial – gerando inclusive especializações produtivas em

determinados ramos para várias cidades –, para além da distribuição de bens e serviços,

sobretudo, no caso paranaense, resulta aos núcleos urbanos interações espaciais bastante

complexas que os inserem em redes diversas, cujas escalas alcançam o mercado nacional

e por vezes o internacional, inserido-os assim numa multifacetada rede muito mais ampla e

complexa (FRESCA, 2007, p. 5 a 10).

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Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia - “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”

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