Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

30
T identidade interrogada Neste  livro inspirador Judi th Butler  apresenta um a  crítica  contundente a um  do s  principais fundamentos do movimento femini sta:  a identidade. Para Butler n ão  é  possível  que exista apenas  um a identidade de ordem  metafísica mas  identidades pensadas  n o plural e  o  no singular.  Seria  necessário  promover  a subversão no campo da identidade   motivo  que explica  o subtítulo  deste livro  ser justamente Feminism© e  subversão  da identidade.  Ou  seja não  é possível  qu e  h aa a  libertação  da  m uher a  menos que primeiro  s e  subverta a identidade  de m uher. Para  tanto outro pon to  crucial  defendido pela filósofa  norte-americana é  o  questionamento da dimensão  natural da  diferença anatómica  entre os  sexos.  Pa rtindo de  Lévi-Strauss  e das categorias de natureza  e  de cultura  es tabeecidas po r  ele Bu tler se opõe  teoricamente ao estruturalismo probem atizando  a  oposição binária  entre  sexo  e género  vigente  n o movimento feminista:  a  ideia de  sexo  com o dado da  nat ureza e de  género  como registro da cultura e  da  sociedade.  Para a autora sexo  passa  a  ser também  uma categoria  e culturalmente

Transcript of Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

Page 1: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 1/30

T

identidade

interrogada

Neste

 livro inspirador Judi th Butler

 apresenta

uma  cr í t i ca contundente a um do s  principais

fundamentos do movimento feminista:

 a

identidade. Para Butler

n ão

 é

 possível

 que exista

apenas

 uma identidade de ordem

  m e t a f í s i ca

mas

  identidades pensadas no plural e

 nã o

 no

singular.

 Seria

 necessá r i o

 promover

  a subve r são

no campo da identidade

  —  motivo

 que explica o

subtítulo

 deste livro

 ser

justamente

Feminism©

e s u b v e r s ã o  da identidade.  Ou seja

não

 é

poss í ve l

 que

 haa

a

  libertação da

 muher

a menos

que primeiro

 s e

 subverta a identidade de muher.

Para

 tanto outro ponto

 crucial

 defendido pela

f i l ó so f a

 norte-americana é

 o

 questionamento da

d i m e n s ã o

 natural da

 d i f e r e n ç a a n a t ó m i c a

 entre

os

 sexos.

 Partindo de

 L é v i - S tr a u s s

 e das

categorias de natureza

 e

 de cultura

 estabeecidas

por

 ele

Butler se

opõe

 teoricamente ao

estruturalismo probematizando

  a

 oposição

b i ná r i a

 entre sexo

 e

g é n e r o

 vigente

 no

movimento feminista: a ideia de sexo como dado

da

 natureza e de

 g é n e r o

 como registro da cultura

e da sociedade. Para a autora sexo

 passa  a

 ser

t a m b é m

 uma categoria social e culturalmente

Page 2: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 2/30

Copyright

 ®

Routiedge, Champman  c Hall,

  Inc . ,

  1990

Copyright

 da t r a d u ç ã o  © C i v i h z a ç ã o Brasileira, 2003

E d i ç ã o  em  l íngu a  portuguesa  publicada mediante acordo

co m

  Routiedge, Inc.

T í t u l o original:

 G ende r T r ou b l e

 —

 F em i n i sm

 and

  h e

Subver s i on  of I d e n t i t y

C IPBRAS IL . C AT AL OG AÇ ÃO NA  FON T E

SINDICATO NACIONAL

  DOS

 E DiT ORBS DE UV ROS ,

 RJ

Butler, Judith P

B992p Problemas dc género: feminismo e subversão da identidade/

8' ed. Judith Butler;

 tradução,

 Renato Aguiar.

 -

 8' ed.

 -

Rio  de Janeiro: Civilização

 Brasileira,

 2013.

-

 (Sujeito e

 História

y if

ISBN 978-85-200-0611-5

1. Feminismo. 2. Teoria feminista. 3. Papel sexual. 4.

 Sexo

 -

Diferenças

  (Psicologia). 5. Identidade (Psicologia). I .

  Título.

*   s s n

  n. Título: Feminismo e subversão da identidade. 111. Série.

í i v r i v ^ r

  CDD-305.4

02-2104  CDU-396

C D I T O B n U l M

Todos os direitos reservados. É proibido reproduzit;

armazenar ou transmitir

 partes

 deste livro, a t r a v é s de

quaisquer meios, sem  p r é v i a a u t o r i z a ç ã o  por escrito.

Texto revisado segundo o Novo Acordo  O r t o g r á f i c o da

L í n g u a  Portuguesa.

Direitos

  exclusivos

 desta

  t r a d u ç ã o adquiridos pela

E D I T O R A C I V I L I Z A Ç Ã O B R A S I L E I R A

U m

  selo

 da

E D I T O R A J O S É O L Y M P I O L T D A .

Ru a

  Argentina, 171

 -

 Rio de Janeiro, RJ

 -

 20921 -380

 -

 Tel.:

(21)2585-2000

Seja um leitor preferencial Record.

Cadastre-se

 e

 receba

  i n f o r m a ç õ e s

 sobre nossos

  l a n ç a m e n t o s

e

 nossas

  p r o m o ç õ e s .

Atendimento e venda direta

 ao

 leitor: [email protected]

ou

  (21)2585-2002

Impresso no

 Brasil

  ;  > w  ,<. s...:. •

2015  5- - .

Sumário

Prefácio

  t •

  /1

C P Í T U L O

  1 Sujeitos do

  sexo/gênero/desejo

Mulheres

como sujeito do feminismo / rj

A  ordem

compulsória

  do

  sexo/gênero/desejo

Género:  as  ruínas circulares do debate  contemporâneo

Teorizando o

  binário,

 o

  unitário

  e

  além

Identidade sexo e a metafísica  da  substância

Linguagem poder e  estratégias  de deslocamento

C P Í T U L O 

Proibição, psicanálise  e a  produção

da  matriz heterossexual

A permuta crítica do estruturalismo

Lacan, Riviere e as  estratégias  da mascarada

Freud e a melancolia do  género

A complexidade do

 género

 e os limites da

  identificação

Reformulando a  proibição como poder

C P Í T U L O

  3 Atos corporais subversivos

corpo-política

  de Julia  Kristeva

Foucault,

  Herculine e a política  da descontinuidade

sexual

Monique

 Wittig:

  desintegração

  corporal e sexo

  fictício

Inscrições

 corporais

subversões

  performativas

onclusão

Notas

índice

Page 3: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 3/30

CAP I TU L S u j e i t o s

  do

  s e x o / g ê n e r o / d e s e j o

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.

Simone de eauvoir

Estritamente falando,  não se pode  dizer  que

existam mulheres .

Julia Kristeva

Mulher  não tem  sexo.

Luce

 Irigaray

A  manifestação  da sexualidade  [ ]

  estabeleceu

esta noção

  de

  sexo.

Michel Foucault

A

  categoria

  do

  sexo

  é a

  categoria política

  que

funda

  a

 sociedade

  heterossexual.

Monique Wittig

M u l h e r e s

como suje i to

 do

 f e mi n i smo

E m  su

e ssê n ci a ,

 

t e o r i a f e m i n i s t a

  tem

  p r e s u m i d o

 que

existe um a identidade definida, compreen dida pela categoria

de mul he re s,

 que não só

 deflagra

  os

  interesses

 e

  objetivos

feministas  n o  interior de seu próprio  d i s c u r s o , m a s con sti tui

o suje i to me smo e m n om e

 de

 q u e m

 

representação política

7

Page 4: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 4/30

PROBLEM S

  DE

  G É N E R O

é a l m e j a d a .  Ma s

  polític

e

  represent ção

  são  t e r m o s  po-

lé m ic o s.  Por um  l a d o ,  a

  represent ção

  se r v e c o m o t e r m o

o p e r a c i o n a l  no  se io  de um  p r o c e ss o p o l ít ic o  que  b u s c a

estender visibilidade  e  le g it im id a d e  às  m u l h e r e s c o m o su-

jeitos políticos;  por o ut r o la d o ,  a  representação  é a  fun ç ã o

n o r m a t i v a de um a l in g ua g e m que r e v e la r ia ou d ist o r c e r ia o

qu e  é  tid o c o m o v e r d a d e ir o so b r e a  categoria  das  m ulh e r e s.

Pa r a a teoria femin ista, o  desenvolvimento de uma linguagem

capaz de representá-las completa ou adequadamente pareceu

n e c e ssá r io , a fim d e p r o m o v e r  a v is ib i l id a d e p o l ític a d a s m u

lh e r e s. I sso p a r e c ia o b v ia m e n t e im p o r t a n t e , c o n sid e r a n d o  a

c o n d iç ã o c ult u r a l d i fusa n a qua l a v id a d a s m ulh e r e s e r a m a l

representada   ou s im p le sm e n t e não  representada.

Recentemente, essa concepção do mina nte da relação entre

teoria feminista e política pass ou a ser questionada a partir do

interior do discurso feminista. O próprio sujeito das mulheres

n ão

  é

 m a is c o m p r e e n d id o e m t e r m o s e stá v e is

  ou

 p e r m a n e n

tes.  É  significativa  a  qua n t id a d e  de  material ensaístico  que

n ão   só que st io n a a v ia b i l id a d e do  suj e i t o c o m o c a n d id a t o

últ im o à  representação, ou mesmo à l ib e r ta ç ã o , c o m o in d ic a

qu e é  m uit o p e que n a , a f in a l , a  c o n c o r d â n cia qua n t o ao que

c o n st it ui , o u d e v e r ia c o n st it uir , a  categoria das mulheres. O s

d o m ín io s  da  r e p r e se n t a ç ã o p o l ític a  e  linguística estabele

c e r a m

  priori

  o  critério segun do  o q u a l os próprios su jeitos

sã o fo r m a d o s,  com o  resultado  de a representação  só se es-

tender ao que pode ser reconhecido com o sujeito. E m ou tras

palav ras, as qualificações do ser sujeito tém que ser atendidas

p a r a  que a  representação possa ser expandida.

F o u c a u l t o b s e r v a  que os  s ist e m a s j ur íd ic o s  de  p o d e r

produzem

  os sujeitos que subsequentemente pass am a repre

sentar. ' As n o ç õ e s j ur íd ic a s d e p o d e r p a r e c e m r e g ula r a v id a

p o lít ic a e m t e r m o s p ur a m e n t e n e g a t iv o s  —  isto é, por m e io

SUJEITOS DO S E X O G Ê N E R O D E S E J O

d a l im it a ç ã o , p r o ib iç ã o , r e g ula m e n t a ç ã o , c o n t r o le  e m e s m o

p r o t e ç ã o dos  in d iv íd uo s r e la c io n a d o s à que la e st r u t ur a

p o lít ic a , m e d ia n t e  uma a ç ã o c o n t in g e n t e  e  retratável  de

e sc o lh a . Po r é m ,  em v ir t ud e  de a  e la s e st a r e m c o n d ic io n a

d o s , os  suj e ito s r e g ula d o s p o r t a is e st r ut ur a s sã o fo r m a d o s,

definidos e r e p r o d uz id o s d e a c o r d o c o m as exigências delas.

Se esta análise é correta, a  fo r m a ç ã o j ur íd ic a d a l in g ua g e m e

da política que representa as m u l h e r e s c o m o  o  suj e it o do

f e m i n i s m o é e m s i m e s m a u m a f o r m a ç ã o d i s c u r s i v a e  efeito

de   uma d a d a v e r sã o  da  p o l ít ic a r e p r e se n t a c io n a l . A ss im ,

o suj e it o fe m in ist a  se  r e v e la d isc ur siv a m e n t e c o n st it uíd o ,

e pelo próprio sistema político  que  sup o st a m e n t e d e v e r ia

fa c i l i t a r  sua  e m a n c ip a ç ã o ,  o que se  t o r n a r ia p o l it ic a m e n t e

p r o b le m á t ic o ,  se fo sse p o ssív e l d e m o n st r a r  que  esse siste

m a p r o d uz suj e it o s c o m t r a ç o s  de g é n e r o d e t e r m in a d o s em

c o n f o r m i d a d e  com um e ix o d ife r e n c ia l  de d o m i n a ç ã o ,  ou

o s p r o d uz p re sum iv e lm e n t e m a s c ul in o s. E m t a is c a so s,

 um

apelo acrítico  a  esse sistema em n o m e  da  e m a n c ip a ç ã o  das

m u lh e r e s e st a r ia in e lut a v e lm e n t e fa d a d o  ao  fracasso.

O   s u j e i t o é uma q u e s t ã o c r u c i a l p a r a  a  p o l ít ic a ,  e

p a r t i c u l a r m e n t e p a r a  a  p o l ít ic a fe m in ist a , p o is  os  sujeitos

j ur íd ic o s  são in v a r ia v e lm e n t e p r o d u z id o s  por via de  práti

ca s de e x c lusã o que n ã o a p a r e c e m , um a v e z e st a b e le c id a

a  e s t r u t u r a j u r í d i c a  da  p o l í t i c a .  E m  o u t r a s p a l a v r a s ,  a

c o n st r uç ã o p o l ít ic a  do  suj e ito p r o c e d e v in c ula d a  a  c e r t o s

o b j e t iv o s  de  le g it im a ç ã o  e de e x c l u s ã o ,  e  e ssa s o p e r a ç õ e s

p o lít ic a s sã o e fe tiv a m e n t e o c u lt a s

 e

 n a t u r a l i z a d a s

 por

 u m a

análise política  que t o m a  as e st r ut ur a s j ur íd ic a s c o m o se u

f u n d a m e n t o .  O  p o d e r j ur íd ic o p r o d uz in e v it a v e lm e n t e

o  que  a le g a m e r a m e n t e r e p r e se n t a r ; c o n se qu e n t e m e n t e ,

a  política  tem de se  p r e o c u p a r  com e ssa fun ç ã o d ua l  do

p o d e r : j ur íd ic a  e  p r o d u t i v a .  Com e fe it o ,  a lei p r o d u z  e

9

Page 5: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 5/30

PROBLEM S

  DE  G É N E R O

d e p ois oc ult a

  a

  n o ç ã o

  de

  suj e it o p e r a n t e

  a

  l e i ' V

  de

  m o d o

a  in v oc a r e ssa for m a ç ã o d isc ur siv a c om o p r e m issa b á sic a

n a t ur a l que le g it im a , sub se que n t e m e n t e ,  a p r óp r ia h e g e m o

n ia  r e g u l a d o r a

  da

 le i .

 Não

 b a st a  i nq u i r i r  c o m o

  as

 m ulh e r e s

p o d e m   se fa z e r r e p r e se n t a r m a is p le n a m e n t e n a l in g ua g e m

e na política.

  A

  c r ít ic a fe m in ist a t a m b é m  deve  c om p r e e n d e r

c o m o  a c a t e g or ia  das  m u l h e r e s , o  sujeito do  f e m i n i s m o ,

é p r o d u z i d a

 e

 r e p r i m i d a p e l as m e s m a s e s t r u t u r a s

 de

  p od e r

p or in t e r m é d io  das q u a i s  se b u s c a  a  e m a n c ip a ç ã o.

C e r t a m e n t e ,  a  que st ã o  das  m ulh e r e s c om o s uj e it o do

fe m in ism o susc it a

 a

  p ossib i l id a d e

 de não

 h a v e r

  um

 sujeito

qu e se s i tu e p e r a n t e a  le i , à  espera de representação  na  lei

ou p e la le i . T a lv e z

  o

  suj e it o ,

  bem

 c o m o

  a

  e v oc a ç ã o

  de um

a n t e s t e m p o r a l , se j a m c on st it uíd os p e la le i c om o fun d a

mento fictício  de sua p r óp r ia r e iv in d ic a ç ã o  de le g it im id a d e .

A hipótese prevalecente

 da

  integridade o ntológica

  do

 sujeito

p e r a n t e  a  lei pode ser vista como  o v e st íg io c on t e m p or â n e o

da hipótese

  do

  e sta d o n a t ur a l , e ssa fá b ula fun d a n t e

  que é

c on st it ut iv a d a s e st r ut ur a s j ur íd ic as  do  liberalismo clássico.

A in v oc a ç ã o p e r for m a t iv a  de um a n t e s n ã o h ist óric o tor

n a - se

 a

 p r e m issa b á sic a

  a

  g a r a n t ir um a on t olog ia p r é - soc ia l

d e p e ssoa s  que c on se n t e m l iv r e m e n t e em ser  g ov e r n a d a s,

c o n s t i t u i n d o a s s i m

 a

  le g it im id a d e

  do

  c on t r a t o soc ia l .

C on t ud o, a lé m d a s f ic çõe s fun d a c io n ist a s que sust e n

t a m

 a

 n o ç ã o

  de

 suj e it o ,

 há o

  p r ob le m a p ol ít ic o que

 o

  f e m i

n i s m o e n c o n t r a  na  s u p o s i ç ã o  de que o  t e r m o

  mulheres

d e n ot e um a id e n t id a d e c om um .

 Ao

 invés

 de

 um significante

e st á v e l

  a

  c o m a n d a r

  o

  c o n s e n t i m e n t o d a q u e l a s

  a

  q u e m

p r e t e n d e d e sc r e v e r  e  r e p r e se n t a r ,  mulheres  —  m e s m o  no

p l u r a l —

  t o r n o u - s e

  um

 t e r m o p r ob le m á t ic o,

  um

 p on t o

 de

c on t e st a ç ã o, um a c a usa d e a n sie d a d e . C om o sug e r e o título

d e D e n i s e R i l e y ,

  m I

  Thaí amef  [Sou eu  e st e n o m e ?] ,

2

SUJEITOS DO S E X O G Ê N E R O D E S E J O

trata-se  de um a p e r g un t a g e r a d a p e la p ossib i l id a d e m e s m a

d os m últ ip los s ig n if ic a d os

  do

  n om e . ^

  Se

  a lg ué m

  é uma

m ulh e r , isso c e r t a m e n t e  não é  t u d o  o que  e sse a lg u é m  é;

o t e r m o  não  l o g r a  ser e x a u s t i v o ,  não  p o r q u e  os  t r a ç os

p r e d e fin id os

  de

 g é n e r o

  da

  p e s s o a t r a n s c e n d a m

  a

  p a r a

fernália específica de seu géne ro, mas porqu e

 o

  g é n e r o n e m

se m p r e

  se

  c o n s t i t u i u

  de

  m a n e i r a c o e r e n t e

  ou

  c on sist e n t e

n os d ife r e n t e s c on t e x t os h ist ór ic os,  e p o r q u e  o  g é n e r o es-

tabelece interseções

  com

  m o d a l i d a d e s r a c i a i s , c l a s s i s ta s ,

é t n ic a s, se x ua is e r e g ion a is de id e n t id a d e s d isc ur siv a m e n t e

c on st it uíd a s. R e sult a que se  t or n ou im p ossív e l se p a r a r  a

n o ç ã o

  de

  g é n e r o

das

 interseções política s

  e

 c u l t u r a i s

 em

que in v a r ia v e lm e n t e ela é p r o d u z i d a  e  m a n t i d a .

A p r e sun ç ã o p ol ít ic a  de te r d e h a v e r um a b a se un iv e r sa l

p a r a

  o

  f e m i n i s m o ,

  a ser

 e n c o n t r a d a n u m a i d e n t i d a d e

 su-

p ost a m e n t e e x ist e n t e

  em

  d if e re n t es c u l t u r a s , a c o m p a n h a

frequentemente

  a

  ideia de que

 a

  op re ssã o d a s m u lh e r e s p os

su i  um a for m a sin g ula r , d isc e r n ív e l n a e st r ut ur a un iv e r sa l

ou h e g e m ón ic a

  da

 d o m i n a ç ã o p a t r i a r c a l

 ou

 m a s c u l i n a .

 A

n o ç ã o  de um  p a t ri a r c a d o u n i v e r s a l tem  s i d o a m p l a m e n t e

c r it ic a d a  em  a n os r e c e n t e s, por seu fr a c a sso  em e x p l i c a r

o s m e c a n i s m o s

  da

  op r e ssã o

  de

 g é n e r o

  nos

 c on t e x t os

  c u l

t ur a is c on c r e t os e m que e la e x ist e . Ex a t a m e n t e on d e e sse s

v á r i o s c o n t e x t o s f o r a m c o n s u l t a d o s

  por

  e s s a s t e o r i a s ,

eles o  f o r a m p a r a e n c o n t r a r e x e m p l o s ou  i l u s t r a ç õ e s

de

  um

 p r in c íp io un iv e r sa l p r e ssup ost o d e sd e

  o

  p o n t o

  de

p a r t i d a .

  E s t a f o r m a

  de

  t e or iz a ç ã o fe m in ist a

  foj

  c r it ic a d a

p or se us e sfor ç os  de  c o l o n i z a r  e se a p r o p r i a r  de  c u l t u r a s

n ã o o c i d e n t a i s , i n s t r u m e n t a l i z a n d o - a s p a r a c o n f i r m a r

n o ç õ e s m a r c a d a m e n t e o c i d e n t a i s  de o p r e s s ã o ,  e  t a m b é m

p or t e n d e r

  a

  c o n s t r u i r

  um

  T e r ce i r o M u n d o

ou

  m e s m o

u m O r i e n t e em que a  op r e ssã o  de g é n e r o  é  sut i lm e n t e

Page 6: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 6/30

PROBLEM S

  DE

  G É N E R O

e x p l i c a d a c o m o s i n t o m á t i ca  de um b a r b a r is m o in t r ín s e c o

e  não  o c i d e n t a l .  A  ur g ê n c ia  do  f e m i n i s m o  no  s e n t id o  de

c o n f e r i r  um st tus  u n i v e r s a l ao  p a t r i a r c a d o ,  com v is t a s a

for t a le c e r a p a r ê n c ia  de r e p r e s e n t a t iv id a d e  das r e i v i n d i c a

ç õ e s

  do

  f e m i n i s m o , m o t i v o u o c a s i o n a l m e n t e

  um

  a t a l h o

n a

  d i r e ç ã o

  de

 u m a u n i v e r s a l i d a d e c a t e g ó ri c a

  ou

  fictícia

 da

e s t r u t u r a  de d o m i n a ç ã o , t i d a c o m o r e s po n s á v el p e l a p r o

d u ç ã o  da e x p e r iê n c ia c om um d e s ub j ug a ç ã o d a s m ulh e r e s .

E m b o r a a f i rm a r  a  existência de um  p a t r ia r c a d o un iv e r

sa l  não  te n h a m a is a c r e d ib i l id a d e os t e n t a d a  no p a s s a d o ,  a

n oç ã o d e um a c on c e p ç ã o g e n e r ic a m e n t e c om p a r t i lh a d a das

m ulh e r e s , c or olá r io d e s s a p e r s p e c t iv a ,

  tem se

  m os t r a d o

muito mais difícil de superar. É v e r d a d e , h ouv e m uit os d e b a

t e s : e x is t ir i a m t r a ç os c om u n s e n t r e as  m u l h e r e s , p r e e x is

tentes  à s ua op r e s s ã o, ou e s t a r ia m as  m u l h e r e s l i ga d a s e m

virtude somente de sua opressão?  Há  uma especificidade das

c u l t u r a s  das  m ulh e r e s , in d e p e n d e n t e de sua  s ub or d in a ç ã o

p e la s c ult ur a s m a s c u lin is t a s h e g e m ón ic a s? C a r a c t e r iz a m - s e

s e m p r e a especificidade e a  integridade das práticas culturais

ou linguísticas

  das

 m u l h e r e s

 por

 op os iç ã o

  e

p o r t a n t o ,

 nos

t e r m o s   de  a l g u m a o u t r a fo r m a ç ã o c u l t u r a l d o m i n a n t e ?

E x i s t e u m a r e g iã o  do  e s p e c if ic a m e n t e fe m in in o , d i fe r e n

c i a d a  do  m a s c u l i n o c o m o  tal e  reconhecível  em sua  d ife

r e n ç a p or um a u n iv e r s a l id a d e  indistinta  e consequentemente

p r e s u m i d a d a s m u l h e r e s ? A  n oç ã o b in á r ia d e m a s c ulin o/

fe m in in o c on s t it ui n ã o só a e s t r ut ur a e x c lus iv a e m q ue e s s a

e s p e c if ic id a d e p od e

  ser

 r e c o n h e c i d a ,

 mas de

  to d o m o d o

  a

e s p e c i f i c i d a d e

do

  f e m i n i n o

  é

  m a i s

  uma vez

  t ot a lm e n t e

d e s c on t e x t ua l iz a d a , a n a l ít ic a  e  p ol it ic a m e n t e s e p a r a d a  da

c on s t it uiç ã o  de c la s s e , r a ç a , e t n ia e outro s eixos de relações

d e p od e r ,  os  q ua is t a n t o c on s t it ue m  a  i d e n t i d a d e c o m o

t o r n a m e q u í v o ca  a  n o ç ã o s i n g u l a r  de  identidade.'*

SUJEITOS DO S E X O G Ê N E R O D E S E J O

É m in h a s ug e s t ã o  que as  supostas universalidade e

  u n i

d a d e  do  sujeito  do  f e m i n i s m o  são de fato  m in a d a s p e la s

restrições   do d is c ur s o r e p r e s e n ta c ion a l em que f u n c i o n a m .

Çoin efeito,  a  insistência prematura num sujeito estável  do

í e m i n i s m o , c o m p r e e n d i d o c o m o

  uma

 c a t e g or ia

  una das

mulheres, gera, inevitavelmente, múltiplas recusas

  a

  a c e i

t a r e s s a c a t e g or ia . Es s e s d om ín ios  de  e x c lus ã o r e v e la m  as

consequências coercitivas  e  r e g ula d or a s d e s s a c on s t r uç ã o,

m e s m o q u a n d o  a  c on s t r uç ã o  é  e la b or a d a  com  propósitos

emancipatórios.   Não há d úv id a ,  a  fr a g m e n t a ç ã o n o in t e r ior

d o fe m in is m o  e a  op os iç ã o p a r a d ox a l  ao  fe m in is m o — por

p a r t e  de  m u l h e r e s que o  fe m in is m o a f ir m a r e p r e s e n t a r

— sugerem

  os

 limites necessários

  da

 política

  da

  identidade,

A sugestão

  de que o

  femin ismo pode busc ar representação

m a is a m p la p a r a  um sujeito que ele próprio co nstrói gera  a

consequência irónica  de q ue os  objetivos feministas correm

o r is c o  de  fracassar, justamente  em  fun ç ã o  de sua r e c us a

a  levar  em c on t a  os  poderes constitutivos  de  suas próprias

reivindicações representacionais . Fazer apelos à  categoria d as

m ulh e r e s ,

 em nome de propósitos meramente estratégico s ,

não resolve nada, pois

 as

 estratégias semp re têm significados

que extrapolam os propósitos  a q ue se d e s t in a m . N e s s e c a s o,

a  própria exclusão pode restringir como tal um  s ignificado

i ni ntenc i o nal , mas que  tem consequências.  Por s ua c on for

m a ç ã o  às  exigências  da  política representacional de que o

feminismo articule u m sujeito estável, o  feminismo abre assim

a

 g u a r d a

  a

  a c us a çõe s d e d e t ur p a ç ã o c a b a l

 da

  representação.

O b v i a m e n t e ,  a  tarefa política  não c  r e c u s a r  a  política

r e p r e s e n t a c ion a l   —  c o m o  se  p ud é s s e m os fa z é - lo .  As es-

t r ut ur a s j ur íd ic a s  da l i n g u a g e m  e da  p ol ít ic a c on s t it ue m o

c a m p o c o n t e m p o r â n e o  do  p od e r ; c on s e q ue n t e m e n t e , não

h á p os iç ã o for a d e ss e c a m p o, m a s s om e n t e um a g e n e a log ia

3

Page 7: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 7/30

PROBLEM S DE  G É N E R O

crítica   de  sua s p róp ri a s p rá ti ca s  de  l eg i t im a ç ã o . A s s i m , o

p o n t o

  de

  p a rti da crí t i co

  é o  presente histórico

c o m o

 de-

finiu

  M a r x .  E a  ta re f a  é j u s t a m e n t e f o r m u l a r ,  no i n te ri or

d es s a

  e strutura con sti tuí da ,

  uma

 crítica

  às

  ca te g ori a s

  de

i de n ti da de  que as  e s t r u t u r a s j u rí d i c a s c o n t e m p o r â n e a s

e n g e n d r a m ,  n a t u r a l i z a m

 e

  i m o b i l i z a m .

T a l v e z e xi sta ,

 na

 p re se n te con jun tura p ol í t i co- cul tura l ,

p e rí odo  que a l g u n s c h a m a r i a m  de  p ó s - f e m i n i s t a ,  uma

oportu nidade de refletir a partir de uma perspectiva feminis

ta

  sobre a exigência de se constru ir um sujeito do feminism o.

P a re ce n e ce ssá ri o re p e n sa r ra di ca l me n te  as  con struçõe s

on tol óg i ca s

  de

  identidade

 na

 prática política femin ista,

 de

m o d o  a  f o r m u l a r  uma  p o l ít i c a r e p r e s e n t a c i o n a l c a p a z

de re n ov a r

 o

  f e mi n i smo e m outros te rmos.

 Por

  outro l a do,

é te mp o  de  e mp re e n de r  uma crí t i ca ra di ca l , que  b usque

l i ber t a r

 a

 te ori a f e mi n i sta

 da

 n e ce ssida de de con strui r um a

base única e p e rm a n e n te , i n v a ri a v e l me n te con te sta da p e l a s

p osi çõe s de identidade ou anti-identidade que o  f e mi n i smo

i nva r i a velm ent e ex c l u i .

  Será que

 as

 práticas excludentes que

b a s e i a m

  a  te ori a f e mi n i sta n uma n oçã o  das  m u l h e r e s

como suje i to sol a p a m, p a ra doxa l me n te , os  objetivos femi

nistas

  de a mp l i a r sua s re i v in di ca çõe s  de  re p re se n ta çã o ?^

P ode  ser que o  problema seja ainda mais sério. Seria a

const rução d a categoria das mulheres como sujeito coerente

e estável um a regulação e reificação inconsciente das relações

de género?

  E não

  seria essa reificação precisam ente

 o

  c o n

trário dos  objetivos feministas? E m que me di da a categoria

da s  mulheres só alcança estabilidade e coerência no co ntexto

da

  ma tri z h e te rosse xua l?*

 Se a

  noção estável

  de

 género

 dá

mostra s de n ã o m a i s se rv i r como p re mi ssa b ási ca da política

feminista,

 talvez um novo tipo de política feminista seja

 ago-

ra

 desejável para con testar as próprias reificações  do género

4

SUJEITOS DO

  S E X O G Ê N E R O D E S E J O

e

 da

  identidade

 —

  isto

 é uma

 política fem inista

 que

 tome

a

  construção variável  da  identidade como  um pré-requisito

metodológico e norm ativo, senão com o u m objetivo político.

D e t e r m i n a r as

 operações políticas que produ zem

 e

 o c u l

ta m  o

 q ue

 se

 qualifica como sujeito jurídico

 do

 f e mi n i smo

 é

precisamente

 a

 tarefa

 da

 gene logi

feminista

  da

  categoria

da s mul h e re s. N o  de curso de sse e sf orço  de  que sti on a r a

n oçã o   de  m u l h e r e s c o m o su j ei to do  f e m i n i s m o , a  i n v o

c a ç ã o  não p rob l e ma ti za da de ssa ca te g ori a p ode  impedir  a

possibil idade  do f e mi n i smo com o p ol ít i ca re p re se n ta ci on a l .

Q u a l  o  sentido de estender a  representação  a  sujeitos cuja

constituição

 se dá

 me di a n te

 a

  exclusão daqueles que não

 se

c o n f o r m a m

  às

  e xi g ê n ci a s n orma ti v a s

  não

 e xp l i ci ta da s

 do

sujeito?

  Q ue re l açõe s de d o m i n a ç ã o  e e xcl usã o se a f i r m a m

n ã o i n te n ci on a l me n te qua n do   a  representação  se t o r n a  o

ún i co  foco  da  política?  A  identidade  do  sujeito feminista

n ão  deve s er o  f un da me n to da  política feminista, pois a  for

m a ç ã o do sujeito ocorre no interior de u m c a m p o  de  poder

sistematicamente

 encoberto pela afirmação desse fundam en

to. T a l v e z, p a ra doxa l me n te ,

 a

  ideia

 de

  re p re se n ta çã o

v e n h a

  re a l me n te

 a

  fazer sentido para

 o

  f e mi n i smo qua n do

o suje ito m ul h e re s não for p r e s u m i d o em p a rte a l g um a .

A orde m comp ul sóri a

  do

  se xo/ g ê n e ro/ de se jo

E m b o r a   a  u n i d a d e não p r o b l e m a t i z a d a da n o ç ã o  de  m u

l h e r e s se ja f re que n te me n te i n v oca da p a ra con strui r uma

s o l i d a r i ed a d e  da  i de n ti da de , uma di v i sã o  se  i n t r o d u z no

sujeito

 f e mi n i sta p or me i o

 da

 distinção entre sexo

 e

 género.

C o n c e b i d a

  ori g i n a l me n te p a ra que sti on a r a  f ormul a çã o de

qu e a  b i ol og i a é o d e s t i n o , a di sti n çã o e n tre se xo  e g é n e ro

S

Page 8: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 8/30

PROBLEM S DE

  G É N E R O

aten d e

 à

  tese

 de

 q u e ,

 por

 m a i s q u e

 o

 s exo pareç a i n tratável

c m   term o s bi o l ó g i co s ,

 o

  g én ero

  é

 c u l t u r a l m e n t e c o n s t r u í

d o : c o n s e q u e n t e m e n t e ,

 não é nem o

  r e s u l t a d o c a u s a l

 do

s e x o

  nem

  t a m p o u c o

  tão

  a p a r e n t e m e n t e f ix o q u a n t o

o s e x o . A s s i m ,

 a

  u n i d a d e

  do

  sujeito

 já é

  p o t e n c i a l m e n t e

co n tes tad a pel a d i s t i n ção que abre es paço ao g én e r o c o m o

i n terpretação m úl ti pl a

  do

  sexo.^

Se

 o

 g én ero s ão

 os

 s i g n if i cad o s cul tu rai s as s um i d o s pel o

c o r p o s e x u a d o ,

 não se

  p o d e d i z e r

 que ele

 d e c o r r a

  de um

s exo d es ta

 ou

 d a q u e la m a n e i r a . L e v a d a

 a

 s eu l i m i te l ó g i co ,

a

  distinção sexo/género sugere uma descontinuidade radical

entre

  c o r p o s s e x u a d o s

  e

  g én ero s cul tural m en te co n s truí

d o s . S u p o n d o

  por um

  m o m e n t o

  a

  e s t a b i l i d a d e

  do

  s exo

bi n ári o ,

  não

  d eco rre

 daí que a

  c o n s t r u ç ã o

  de

  h o m e n s

s e apl i que excl us i v am en te

 a

  c o r p o s m a s c u l i n o s ,

 ou que o

t e r m o m u l h e r e s i n t e rp r e t e s o m e n t e c o r p o s f e m i n in o s .

A l é m d i s s o , m e s m o

  que os

  s exo s pareçam

  não

 p r o b l e m a -

ti cam en te bi n ári o s

 em sua

  m o rf o l o g i a

  e

  co n s ti tui ção

  (ao

que s erá ques ti o n ad o ) ,

 não há

  r a z ã o p a r a s u p o r

  que os

g é n e r o s t a m b é m d e v a m p e r m a n e c e r em n ú m e r o  de dois.*

A hipótese

 de um

 s i s tem a b i n ári o

 dos

 g én ero s en cerra i m

pl i ci tam en te

 a

  cren ça n um a rel ação m i m éti ca en tre g én ero

e s e x o ,

 na

 q u a l

 o

 género reflete

 o

 s exo

 ou é por

 ele restrito.

Q u a n d o

  o

  status  co n s truí d o

  do

 g én ero

  é

  teo ri zad o co m o

rad i cal m en te i n d epen d en te

  do

  s e x o ,

  o

  pró pri o g én ero

 se

t o r n a  um

 artifício flutu ante,

 com a

  co n s equên ci a

  de que

homem

  e

 masculino

  po d em , co m i g ual f aci l i d ad e, s i g n if i car

t a n t o u m  c o r p o f e m i n i n o c o m o  um m a s c u l i n o , e

 mulher

  e

feminino

tan to

  um

  c o r p o m a s c u l i n o c o m o

  um

  f em i n i n o .

E s s a ci s ão r a di c a l do sujeito tomado em seu género levan

ta

  o utro co n jun to

 de

 pro bl em as . P o d em o s ref er i r -n o s

 a um

d a d o s exo o u um d a d o g én ero , s em pri m e i ro i n v es tig ar

6

SUJEITOS

  DO

  S E X O G É N E R O D E S E J O

c o m o

 são

 d a d o s

 o

  sexo e/ou

 o

 g én ero

 e por

 que m ei o s ?

 E o

que é, a f i n a l ,

 o

  s e x o ?

  É

 e le n a t u r a l ,  an ató m i co , cro m o s s ô -

m i c o

 ou

 h o r m o n a l ,

 e

  co m o d ev e

 a

 cr í t i ca f em i n i s ta av al i ar

os discursos científicos

  que

 al eg am es tabelecer tai s f ato s

para

  nós?^ T e r i a

 o

 s exo um a h i s tó ri a? * Pos s u i r i a  cad a s exo

u m a

  história

 ou

 histórias diferentes? Ha ver ia uma história

de como se estabeleceu a d ual i d ad e do s exo , um a g en eal o g ia

c a p a z

  de

 e x p o r

  as

  o pçõ es bi n ári as co m o

  uma

  co n s trução

v ari áv el ? S er i am

 os

  f atos o s ten s i v am en te n aturai s

 do

  s exo

pro d uzi d o s d i s curs i v am en te po r v ár i o s d i s curs o s ci en tí fi co s

a serviço de outros interesses políticos e sociais?

 Se o

 caráter

imutável

  do

 s exo

  é

  contestável, talvez

 o

  pró pri o co n s truto

ch am ad o s e xo s eja tão cul tural m e n te co n s truí d o quan to

o género;

 a

  rigor, talvez

 o

 s exo s em pre ten h a s i d o

 o

 g én ero ,

de  tal f o r m a  que a  distinção entre sexo  e  género revela-se

abs o l utam en te  n u l a .

Se

 o

  s exo

 é, ele

 p r ó p r i o , u m a c a t e g o r i a t o m a d a

  em

  seu

g én ero , não faz s en ti d o d ef i n i r o  g é n e r o c o m o  a i n t e r p r e

t a ç ã o  c u l t u r a l

 do

 s e x o .

 O

  g én ero

  não

 deve

  ser

 m e r a m e n t e

c o n c e b i d o c o m o

  a

  i n s cr i ção  c u l t u r a l

  de

 s i g n i f i cad o

 num

s exo prev i am en te d ad o (um a co n cepção jur í d i ca) ;

 tem de

d e s i g n a r t a m b é m

 o

  a p a r a t o m e s m o

 de

 pro d uç ão m ed i an te

o q u a l

  os

  pró pri o s s exo s

  são

  e s t a b e l e c i d o s . R e s u l t a

 daí

qu e

 o

  g én ero

  não

 es tá par a

  a

 c u l t u r a c o m o

  o

  s e x o p a r a

 a

n atureza;

 el e tam bém

 é o

 m ei o

  discursivo/cultural

 pel o qual

a  n a t u r e z a s e x u a d a ou um s e x o

  n a t u r a l

é  p r o d u z i d o

e e s t a b e le c i d o c o m o p r é - d i s c u r s i v o , a n t e r i o r

 à

 c u l t u r a ,

um a s uperfí ci e po l i t i cam en te n eutra

  sobre

  qu l

  age a

c u l t u r a . E s s a  c o n c e p ç ã o

  do

  s e x o c o m o r a d i c a l m e n t e

n ão co n s truí d o s erá n o v am en te o bjeto

  de

 n o s s o i n teres s e

n a  d i s c u s s ã o s o b r e L é v i - S t r a u s s

  e o

  e s t r u t u r a l i s m o ,

 no

capí tul o

 2. Na

  c o n j u n t u r a a t u a l ,

 já

 es tá cl aro que co l o ca r

 a

7

Page 9: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 9/30

PROBLEM S DE  G É N E R O

d u a l i d a d e do sexo n um d om í n i o p ré - d i scursi v o é u m a das

m a n e i r a s

  p el as quai s  a  estab i l i d ad e i n tern a e a e s t r u t u r a

b i n á ri a  do s e x o são e f i c az m e n t e a s s e g u r a d a s .

  E s s a

  p r o d u

ç ã o  do  sexo

  como

  p ré - d i scursi v o  deve  ser c o m p r e e n d i d a

como ef ei to

 do

 a p a r a t o

  de

 c o n s t r u ç ã o  c u l t u r a l

  que

 d esi g

n a m o s

  por

 género.

  A s s i m , c o m o

  deve

 a

  n o ç ã o

  de

 g é n ero

se r  r e f o r m u l a d a , p a r a a b r a n g e r

  as

  rel ações

  de

 p o d e r

 que

p r o d u z e m

  o  efeito de um  sexo p ré - d i scursi v o  e  o c u l t a m ,

d e s s e m o d o ,  a  p róp ri a op eraçã o  da  p rod uçã o d i scursi v a. '

G é n e r o :

 as

  ruínas circulares

 do

 d e b a t e c o n t e m p o r â n e o

H a v e r á u m g é ne r o q u e as p essoas

  possuem

con f orme se

d i z , ou é o género um atr i b uto essen ci al do q ue se diz que a

p essoa

 é

c o m o i m p l i c a

 a

  p erg un ta

  Q u a l

  é o

  seu g é n ero?

Q u a n d o  teóri cas f emi n i stas af i rmam

 que o

  género

  é uma

interpretação  c u lt u r a l do sexo, ou que

 o

 género é construído

c u lt u r a lm e nt e ,

  q u a l é o m o d o o u m e c a n i s m o d e s sa c o n s t r u

çã o? Se o género é construído, po deria sé-lo diferentemente,

o u sua característica de construção  implica  al g uma f orma de

de t e r m i ni s m o

 soci al que excl ui a possibilidade de agência ou

tran sf ormaçã o? Porv en tura

 a

 n oçã o d e con st ruçã o sug ere

que certas leis  geram diferenças de género em conformidade

c o m   ei xos un i v ersai s

 da

  d i f erença sexua l ? C om o

  e

  on d e

ocorre

  a

  con struçã o

  do

  género?

  Que

 juízo pode mos fazer

de   uma con struçã o  que não p od e p resum i r um  construtor

human o an teri or a ela mesma?  Em al g umas exp l i cações, a

ideia de que o género é construído sugere certo determ inismo

de significados do género, inscritos em corp os an atomi camen

te d i f eren ci ad os, send o esses corp os comp reen d i d os como

recipientes passivos de um a le i cultural i n exorá v el. Q uan d o

 a

«

SUJEITOS DO  S E X O G É N E R O D E S E J O

c u l t u r a rel evan te que con str ói

o

 g é n ero é comp reen d i d a

n os termos d essa l ei ou con jun to de

 leis,

  tem-se a  impressão

de  que o  g é n ero  é tão  d e t e r m i n a d o e tão  fixo quanto na

f ormul açã o  de que a  biologia é o  d esti n o. N esse caso, não

a

  b i ol og i a, mas a c u l t u r a se t o r n a o  destino.

P or

 outro l ad o, S i mon e

 de

 B eauv oi r sug ere, em

 O

  segun-

do sexo

que

  N i n g u é m n a s c e m u l h e r : t o r n a - se m u l h e r . ' ^

Pa r a

  B e a u v o i r , o g é n ero é  c o n s t r u í d o , m a s há um agente

i m p l i c a d o

  em sua  f o r m u l a ç ã o ,  um

  cogito

  que de  a l g u m

m o d o a s s u m e

 ou se

  ap rop ri a d esse g é n ero, p od en d o,

 em

p ri n cí p i o, assumi r al g um outro. É o g é n ero  tão  variável e

v ol i t i v o quan to p arece sug eri r

  a

  exp l i caçã o

  de

  B eauv oi r?

Pode, nesse caso, a n oçã o de  c o n s t r u ç ã o r e d u z i r - s e a u m a

f orma d e escol ha? B eauv o i r d i z cl aramen te que al g ué m  se

t o r n a

m u l h e r , mas semp re sob uma c o m p u l s ã o

  c u lt u r a l

a

  fazé-lo.

 E tal

 comp ul sã o cl aram en te

 não

 ve m

 do

  s e x o .

N ã o há n ad a em sua exp l i caçã o que g aran ta que

 o

  s e r

que

se torn a mul her seja n ecessari ame n te f ê mea. Se, como af i r

m a  e l a ,

  o

  c o r p o

 é

  u m a s i t u a ç ã o , ' -

  não há

  como recorrer

a

 um corp o que já não ten ha s i d o semp re i n terp retad o por

mei o  de  s i g n i f i cad os cul turai s ; con sequen temen te, o  sexo

n ã o p od eri a qual i f i car- se como um a f acti cid ad e a n atómi ca

p ré - d i scursi v a.  Sem  d úv i d a, será semp re ap resen tad o, por

definição, como tendo sido género desde

  o

  começo. ' ' '

A controvérsia sobre  o  s i g n i f i cad o  de

  construção

  pa-

rece b asear- se na p ol ari d ad e f il osóf ica con v e n ci on a l en tre

l i v re- arb í tr i o  e  d e t e r m i n i s m o . E m  c o n s e q u ê n c i a ,

  seria

r a z o á v e l s u s p e i t a r  que  a l g u m a s r e s t r i ç õ e s l i n g u í s t ic a s

c o m u n s  ao

  p e n s a m e n t o ta n t o f o r m a m c o m o  l i m i t a m

  os

termos  do  d eb ate.  Nos  l i mi tes d esses termos,  o  c o r p o

a p a r e ce c o m o

  um

 mei o p assi v o sob re

 o

  q u a l

 se

  i n s c r e v e m

si g n i f i cad os cul turai s , ou e n t ão c o m o  o  i n strumen to p el o

9

Page 10: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 10/30

PROBLEM S DE  G É N E R O

q u a l

  u m a v o n t a d e  de a p r o p r i a ç ã o  ou  i n terpretação d eter-

m i n a  o  s i g n i f i c a d o c u l t u r a l por si m e s m a .  E m a m b o s  os

c a s o s ,

 o

 c o r p o

 é

 r e p re s e n t a d o c o m o u m m e r o

  instrumento

o u  m io

  c o m

 o

  q u a l u m c o n j u n t o

 de

  s i g n i f i cad o s culturai s

é a p e n a s e x t e r n a m e n t e r e l a c i o n a d o . Mas o  c o r p o é em

si  m e s m o  uma c o n s t r u ç ã o , a s s i m c o m o  o é a  m i r í ad e  de

c o r p o s q u e c o n s t i t u i

 o

  d o m í n i o d o s s ujeito s co m m a rca s

d e g én ero . Não se  p o d e d i z e r que os  c o r p o s t e n h a m  uma

exi s tên ci a s i g n i f i cáv el an teri o r  à  m a r c a  do seu g én ero ;  e

em erg e en tão  a q u e s t ã o : em que m e d i d a p o d e  o c o r p o

  vir

a existir

  n a(s ) m arc a(s )

 do

 g én ero

 e por

 m e i o d e la s ? C o m o

c o n c e b e r n o v a m e n t e

 o

  c o r p o , n ã o m a i s c o m o u m m e i o

 ou

i n s trum en to pas s i v o  à  es pera  da  c a p a c i d a d e v i v i fi c a d o r a

de   uma v o n t a d e c a r a c t e r i st i c a m e n t e i m a t e r i a l ?

Se

  o

  g én ero

  ou o

  s exo

  são

  fixos

  ou

 l i v r e s ,

 é

 f u n ç ã o

  de

u m

  d i s c u r s o  que c o m o  se irá  s ug eri r , bus ca es tabelecer

c e r t o s l i m i t e s

 à

  an ál i s e

  ou

  s a l v a g u a r d a r c e r t o s

  dogmas

d o h u m a n i s m o c o m o  um  pres s upo s to  de  q u a l q u e r a n á l i -

se   do  g én ero .  O

  locus

  de i n t r a t a b i l i d a d e , ta n t o  na  n o ç ã o

d e s e x o c o m o  na de  g é n e r o ,  bem c o m o  no  pró pri o

s i g n i f i cad o  da n o ç ã o  de  co n s tru ção , f o rn ece i n d icaçõ es

s o bre

  as

 p o s s i b i l i d a d e s c u l t u r a i s

 que

 p o d e m

 e não

 p o d e m

se r

 m o b i l i z a d a s p o r m e i o

 de

 qua i s quer an ál i s es po s ter i o res .

O s  l i m i t e s da a n á l i s e d i s c u r s i v a do  g én ero pres s upõ em  e

definem   por a n t e c i p a ç ã o  as p o s s i b i l id a d e s das c o n f i g u r a -

çõ es i m ag i n áv ei s  e real i záv ei s  do  g én ero  na c u l t u r a . I s s o

n ão qu er d i zer que to d a

 e

 qualqu er po s s i bi l i d ad e d e g én ero

seja

  f a c u l t a d a , m a s q u e as f ro n tei ras an a l í t i cas s ug erem os

l i mi t e s

 de

 u m a e x p e r i ê n c ia d i s c u r s iv a m e n t e c o n d i c i o n a d a .

T a i s

  l i m i t e s

 se

  es tabelecem s em pre

 nos

 t e r m o s

 de um

  d i s -

c u r s o

 c u l t u r a l

 h eg em ó n i co , bas ead o em es truturas bi n ári as

q u e  se  a p r e s e n t a m c o m o  a  l i n g u a g e m  da  r a c i o n a l i d a d e

3

SUJEITOS DO

  S E X O G Ê N E R O D E S E J O

u n i v e r s a l .  A s s i m ,  a  c o e r ç ã o  é  i n t r o d u z i d a n a q u i l o que a

l i n g uag em co n s ti tui co m o

 o

 d o m í n i o i m ag i n áv el

 do

 género.

E m b o r a  os c i en ti s tas s o ci ai s se ref i ram ao g é n e ro c o m o um

f a t o r ou  d i m e n s ã o da  an ál i s e, e le tam bém  é a p l i c a d o

a  p e ss o a s r e a is c o m o u m a m a r c a de d if eren ça bi o ló g i ca,

l i n g uí s t i ca

  e/ou

 c u l t u r a l . N e s t e s ú l t im o s c a s o s ,

  o

  g én ero

po d e s er co m preen d i d o co m o um s i g n i f i cad o as s um i d o por

u m  co rpo ( já) d i f eren ci ad o s exualm en te; co n tud o , m es m o

a s s i m  es s e s i g n i f i cad o

  só

 exi s te

  m  relação  a

  o utro s i g n i -

f icad o o po s to . A lg um as teó ri cas f em i n i s ta s af i rm am

 ser

o g é n e r o u m a r e l a ç ã o , a l i á s  um c o n j u n t o de relaçõ es , e

n ã o u m a t r i b u t o  i n di v i du a l .  O u t r a s , na s e n d a de B e a u v o i r ,

a r g u m e n t a m  que s o m en te  o  g én ero f em i n i n o é m a r c a d o ,

q u e a p e s s o a u n i v e r s a l e o g é ne r o m a s c u l i n o se f u n d e m e m

u m   só  g én ero , d ef i n i n d o co m i s s o as  m ulh eres n o s term o s

d o s exo d eles

 e

  en altecen d o

  os

  h o m e n s c o m o p o r t a d o r e s

d e u m a p e s s o a l i d a d e u n i v e r s a l

 que

 t r a n s c e n d e

 o

  co rpo .

N u m m o v i m e n t o qu e c o m p l i c a a i n d a m a i s a  d i s cus s ão ,

L u c e I r i g a r a y a r g u m e n t a  que as m u l h e r e s c o n s t it u e m um

p a r a d o x o ,  se não uma  c o n t r a d i ç ã o ,  no  seio  do  pró pri o

d i s c u r s o da i d en ti d ad e. As m u l h e r e s sã o o  s e x o q u e não

é u n o . N u m a l i n g u a g e m d i f u sa m e n t e m a s c u l i n i s t a ,  u m a

l i n g u a g e m f a l o c é n tr i c a ,

  as

 m u l h e r e s c o n s t i t u e m

 o  irrepre

sentável.  E m

  o u t r a s p a l a v r a s ,

  as

 m u l h e r e s r e p r e s e n t a m

 o

s exo que n ão po d e s er pen s ad o , um a aus ên ci a  e o p a c i d a d e

l i n g u ís t i ca s . N u m a l i n g u a g e m q u e r e p o u s a

 na

  significação

u n í v o c a , o  s exo f em i n i n o co n s ti tu i aq ui lo que n ão s e po d e

res tr i n g i r  nem d es i g n ar . Nes s e s en ti d o ,  as  m u l h e r e s são

o s exo  que não é  u n o ,  mas  m últ i plo . '*  E m o p o s i ç ã o  a

B e a u v o i r , p a r a q u e m   as  m u l h e r e s  são  d e s i g n a d a s c o m o

o O u t r o , I r i g a r a y a r g u m e n t a

  que

 t a n t o

  o

  s ujei to co m o

  o

31

Page 11: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 11/30

PROBLEM S

  DE

  G Ê N E R O

O u t r o s ã o os esteios de um a e c on om i a s i gn i f i c a n t e fa loc é n

t r i c a e f e c h a d a ,  que  a t i n ge s e u ob j e t i v o t ot a l i z a n t e por via

da c om p le t a e x c lus ã o

  do

  f e m i n i n o . P a r a B e a u v o i r ,

 as

 m u

lheres são o

 negativo

  dos h om e n s , a  falt a e m c on fr on t o c om

a  q u a l a  i d e n t id a d e m a s c u l i n a se di fe r e n c i a ; p a r a I r i ga r a y ,

e s s a di a lé t i c a p a r t i c ula r c on s t i t ui  um  s i s t e m a  que  e x c lui

um a e c on om i a s i gn i f i c a n t e i n t e i r a m e n t e di fe r e n t e .

 Não só

a s m ulh e r e s  são fa ls a m e n t e r e p r e s e n t a da s  na  p e r s p e c t i v a

s a r t r i a n a  do  s uj e i t o-s i gn i f i c a dor  e do  O u t r o - s i g n i f i c a d o ,

c o m o  a  fa ls i da de  da  s i gn i f i c a ç ã o s a l i e n t a  a  i n a de q ua ç ã o

de t oda

  a

  e s t r u t u r a

  da

  r e p r e s e n t a ç ão. As s i m ,

  o  sexo que

n ã o é u n o p r o p i c i a  um  p on t o  de p a r t i d a p a r a  a crítica das

r e p r e s e n t a ç õe s oc i de n t a i s h e ge m ón i c a s  e da m e t a fí s i ca  da

s ub s t â n c i a  que e s t r u t u r a a  p r óp r i a n oç ã o  de sujeito.

O  qu e é a  metafísica  da s ub s t â n c i a ,  e c om o e la i n for m a

o p e n s a m e n t o s o b r e  as  c a t e gor i a s  de  s e x o ?  E m p r i m e i

r o luga r ,

  as

  c o n c e p ç õ e s h u m a n i s t a s

  do

  sujeito tendem

  a

p r e s u m i r  uma  p e s s o a s u b s t a n t i v a , p o r t a d o r a  de  v á r i os

a t r i b ut os e s s e n c i a i s e não e s s e n c i a i s . A  p os i ç ã o fe m i n i s t a

h u m a n i s t a c o m p r e e n d e r ia  o  gé n e r o c om o  um atributo  da

p e s s oa , c a r a c t e r i z a da e s s e n c i a lm e n t e c om o um a s ub s t â n ci a

o u

  um  n ú c l e o de  gé n e r o p r e e s t a b e le c i do, de n o m i n a d o

p e s s o a ,  que d e n o t a  uma c a p a c i d a d e u n i v e r s a l  de  r a z ã o,

m o r a l ,

  d e l i b e r a ç ã o m o r a l

  ou

  l i n g u a g e m . C o m o p o n t o

de p a r t i da  de uma t e or i a s oc i a l  do  gé n e r o, e n t r e t a n t o,  a

c o n c e p ç ã o u n i v e r s a l da p e s s oa  é  de s loc a da p e la s p os i ç õe s

históricas

  ou

  a n t r op ológi c a s

  que

 c o m p r e e n d e m

  o

  género

c o m o u m a   relação  entre sujeitos socialm ente constituíd os,

em contextos especificáveis. Es te ponto  de v i s t a r e la c i on a l

o u

  c on t e x t ua l s uge r e q ue o q ue a p e s s oa  é — e a r i gor , o

qu e o gé n e ro é —  refere-se sempre às relações construídas

em que ela

 é

 de t e r m i n a da . '^ C o m o fe n óm e n o i n c on s t a n t e

 e

SUJEITOS DO

S E X O / G Ê N E R O / D E S E J O

c o n t e x t u a l ,

 o

  gé n e r o

  não

 d e n o t a

  um ser

  s ub s t a n t i v o,

 mas

u m   ponto relativo de c on v e r gê n c i a e n t r e c on j un t os e s p e c í

f i c os de r e la ç õe s , c ult ur a l e h i s t or i c a m e n t e c on v e r ge n t e s .

I r i ga r a y a f i r m a r i a , no e n t a n t o, que o  s e x o f e m i n i n o é

um

  ponto de

 ausência

  linguística,  a i m p os s i b i l i da de de u m a

s ub s tâ n c ia gr a m a t i c a lm e n t e de n ot a da e,  consequentemente,

o ponto de vista que expõe essa substância como uma i lusão

p e r m a n e n t e

  e

 fun da n t e

  de um

 d i s cu r s o m a s c u l i n i s t a .

  E s s a

ausência não é  m a r c a d a c o m o t a l na e c on om i a s i gn i f i ca n t e

m a s c u l i n i s t a

 —  a f i r m a ç ã o q ue se c on t r a p õe  ao  a r g u m e n t o

de Beauvoir (e de Wittig) de que o sexo  fe m i n i n o é m a r c a d o ,

ao passo que o  m a s c u l in o não o é.  P a r a I r i ga r a y ,  o

  sexo

fe m i n i n o não é uma  f a l t a ou um  O u t r o que define  o

sujeito negativa  e im a n e n t e m e n t e e m s ua m a s c uli n i d a de . Ao

contrário,

 o sexo

 fe m i n i n o s e fur ta

 às

 próprias exigências

 da

representação, pois ela não é ne m o  O u t r o n e m a  f a l t a ,

categorias  que p e r m a n e c e m r e la t i va s  no  s uj ei t o s a r t r i a n o,

imanentes a  esse esquema falocêntrico. Assim, para Irigaray,

o fe m i n i n o j a m a i s p ode r i a s e r a m rc de um

  sujeito

c o m o

s uge r i r i a B e a uv oi r . Alé m di s s o, o  fe m i n i n o n ã o p ode r i a ser

t e or i z a do  em t e r m os de uma

 relação

  de t e r m i n a d a e n t r e  o

m a s c u l i n o

  e o  f e m i n i n o  em q ua lq ue r di s c ur s o d a do, p oi s

a  n oç ã o  de  di s c ur s o n ã o c  r e le va n t e a q ui . M e s m o t om a do s

em

  sua

 v a r i e d a d e ,

  os

  d i s c u r s o s c o n s t i t u e m m o d a l i d a d e s

da linguagem falocéntrica.  O

  sexo

  f e m i n i n o  é,  p or t a n t o,

t a m b é m  o

  sujeito

  que não é  u n o . A  r e la ç ã o e n t r e m a s c uli

no  e  fe m i n i n o  não

 pode

  ser r e p r e s e n t ada n u m a e c on om i a

significante em que

 o

  m a s c uli n o c on s t i t ua

 o

 círculo fechado

do significante e do s i gn i f i c ado. P a r a dox a lm e n t e , B e a uv oi r

p r e fi gur ou e s s a i m p os s i b i l i da de  em O  segundo

  sexo

ao

a r gum e n t a r q ue os  h om e n s n ã o p odi a m r e s olve r a  questão

da s m ulh e r e s p or q ue , n e s s e c a s o, e s t a r i a m a gi n do c om o

juízes

  e

 com o partes intere ssadas. '*

Page 12: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 12/30

PROBLEM S DE  G É N E R O

As di s t i n ç õe s e x i s t e n t es e n t r e a s p os i ç õe s a c i m a m e n c i o

nadas estão longe  de ser n í t i da s , p ode n do c a da  uma delas

s e r c om p r e e n di da c om o  a  p r ob le m a t i z a ç ã o  da  loc a l i z a ç ã o

e  do s i gn i f i c a do  do  s u j e i t o e do  g é n e r o no  c on t e x t o

de   uma a s s i m e t r i a  de  gé n e r o s oc i a lm e n t e i n s t i t u í da .  As

p os s i b i l i da de s i n t e r p r e t at i v a s  do c on c e i t o  de género  não se

e x a u r e m a b s olu t a m e n t e n a s a lt e r n a t i v a s a c i m a s u ge r i da s.

  A

circularidade problemática da investigação feminista sobre o

gé n e r o é s u b li n h a da p e la p r e se n ç a , p or u m la do, de p os i ç õe s

que pressupõem ser o gé n e r o u m a c a r ac t e r í s ti c a s e c u n dá r i a

da s p e s s oa s , e p or ou t r o , de p os i ç õe s q u e a r gu m e n t a m s e r a

p r óp r i a n oç ã o  de  p e s s oa , p os i c i on a da  na l i n g u a g e m c o m o

s u j e i t o , u m a c on s t r u ç ã o m a s c u li n i s t a e  u m a p r e r r oga t i v a

que exclui efetivamente

  a

 p os s i b i l i da de s e m â n t i c a

  e

  e s t r u t u

ra l

 de u m gé n e r o fe m i n i n o. E s s a s di s c or dâ n c i a s t ã o

 agudas

sobre o  significado  do géne ro (se

 género

  é de fato o t e r m o a

s e r di s c u t i do, ou se a c on s t r u ç ã o di s c u r s i v a do

 sexo

  é m a i s

f u n d a m e n t a l ,  ou  talvez  a  n o ç ã o  de

 mulheres

  ou mulh r  e/

o u

 de hom ns  ou

 homem

estabelecem   a  necessidade de re

pensar radicalmente as categorias da identidade no contexto

das relações  de  u m a a s s i m e t r i a r a di c a l do  género.

P a r a B e a u v o i r ,  o  s u j e i t o ,  na  a n a lí t i c a e x i s t e n c i a l da

m i s o g i n i a ,

 é sempre já  m a s c u li n o, fu n di do c om  o u n i v e r s a l ,

diferenciando-se  de um  O u t r o fe m i n i n o q u e e s tá for a das

n or m a s u n i v e r s a l i z a n t e s

 que

  constituem

 a

 c on di ç ã o

  de

 p e s

soa, inexoravelmente part icul ar , corporificado e condenado

^ T m à h é h c i a . E m b o r a  se  veja frequentemente  em B e a u v o i r

u m a de fe n s or a

  do

  di r e i t o

 de as

  m u l h e r e s

  se

 t o r n a r e m

 de

fato  s u j e i t os e x i s t e n c i a i s  e p o r t a n t o ,  de  serem incluídas

n os t e r m os  de uma u n i v e r s a l i da de a b s t r a t a ,  sua  p os i ç ã o

t a m b é m i m p li c a u m a c r í ti c a fu n da m e n t a l  à  p róp r i a de s c or -

p or i f i c a ç ã o  do s u j e it o e p i s t e m ológic o m a s c u li n o a b s t r a t o.

Esse sujeito é a b s t r a t o  na m e d i d a em q u e r e p u di a s u a c o r -

  4

SUJEITOS DO S E X O G É N E R O D E S E J O

p o r i f i c a ç ã o s o c i a l m e n t e m a r c a d a  e em que a lé m di s s o,

p r oj e t a e s s a c or p or i f i c a ç ã o r e n e ga da  e  de s a c r e di t a da  na

e s fe r a fe m i n i n a , r e n om e a n do e fe t i v a m e n t e  o  c o r p o c o m o

f e m i n i n o .

  E s s a

  a s s oc i a ç ã o

  do

 c o r p o

  com o

  f e m i n i n o f u n

c i o n a  por r e la ç õe s m á g i c a s  de  r e c i p r oc i da de , m e di a n t e as

q u a i s  o  s e x o f e m i n i n o  se  t or n a r e s t r i to  a seu c o r p o ,  e o

c o r p o m a s c u l i n o , p l e n a m e n t e r e n eg a d o , t o r n a - s e , p a r a

d o x a l m e n t e ,  o  i n s t r u m e n t o i n c o r p ó r e o  de uma l i b e r da de

o s t e n s i v a m e n t e r a d i c a l .  A  a n á li s e  de  B e a u v o i r l e v a n t a

i m p l i c i t a m e n t e  a  q u e s t ã o: m e d i a n t e  que ato de  n e ga ç ã o

e r e n e ga ç ã o p os a  o  m a s c u l i n o c o m o  uma  u n i v e r s a l i da de

de s c or p or i f i c a da  e é o  f e m i n i n o c o n s t ru í d o c o m o u m a c o r

p or a li da de r e n e ga da ?

  A

  di a lé t i c a

  do

 s e n h o r

  e do

  e s c r a v o,

a q u i p le n a m e n t e r e for m u la da  nos  t e r m os  não  r e c í p r oc os

da a s s i m e t r i a  do  gé n e r o, p r e fi gu r a  o que I r i ga r a y de s c r e

v e r i a m a i s t a r de c om o  a e c o n o m i a s i g n if i c an t e m a s c u l i n a ,

a  q u a l  i n cl u i  t a n t o  o  s u j e i t o e x i s t e n c i a l c om o  o  s e u O u t r o.

B e a u v oi r p r op õe q u e o  c o r p o f e m i n i n o  deve  se r a s i t u a

çã o

 e o

 i n s t r u m e n t o

 da

 l i b e r da de

 da

 m u l h e r ,

 e não

  u m a

 es-

sência definidora e l i m i t a d o r a .^ A  t e or i a da  c or p or i f i c a ç ã o

q u e i m p r e gn a  a a n á li s e  de B e a u v o i r  é c la r a m e n t e l i m i t a da

p e la r e p r odu ç ã o a c r í t i c a  da  d i s t in ç ã o c a r t e s i a n a e n t r e

l i b e r da de e  c o r p o . A p e s a r  de  m e u s p r óp r i os e s forç os a n t e

riores

 de  a r g u m e n t a r  o  c on t r á r i o, f i c a c la r o  que  B e a u v oi r

m a n t é m  o  du a li s m o m e n t e /c or p o, m e s m o q u a n do p r op õe

uma síntese desses termos.^'

 A

  p r e s e r v a ç ã o de s s a di s t i n ç ã o

p ode  ser l i d a  c om o s i n t om á t i c a  do  p r óp r i o fa loc e n t r i s m o

q u e B e a u v oi r s u b e s t i m a .

  Na

  tradição fi losófica

  que se

  i ni

ci a  em P la t ã o  e  c o n t i n u a  em  D e s c a r t e s ,  H u s s e r l  e  Sa r t r e ,

a  di s t i n ç ã o on t ológi c a e n t r e c or p o  e  a lm a ( c on s c i ê n c i a ,

mente) sustenta, invariavelmente, relações de subordinação

e h i e r a r q u i a p olí t i c a s  e p s í q u i c a s .  A  m e n t e não só  subjuga

o c o r p o ,  mas  n u t r e o c a s i o n a l m e n t e  a  fa n t a s i a  de  fugir

U

  • S

Page 13: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 13/30

PROBLEM S

  DE

  G É N E R O

c o m p l e t a m e n t e  à  c o r p o r if ic a ç ã o .  As  a sso c ia ç õ e s c u lt ur a is

entre mente e  m a s c u l i n i d a d e , p o r u m l a d o , e c o r p o  e f e m i

n i l id a d e ,

  p o r o ut r o , sã o b e m d o c um e n t a d a s n o s c a m p o s d a

filosofia e do f e m i n i s m o . R e s u l t a q u e q u a l q u e r r ep r o d u

ção acrítica

  da

 d ist in ç ã o c o r p o /m e n t e

  deve ser

 r e p e n sa d a

e m t e r m o s da h i e r a r q u i a de g é n e r o que e ssa d ist in ç ã o t e m

c o n v e n c i o n a l m e n t e p r o d u z i d o , m a n t i d o  e r a c i o n a l i z a d o .

A co n s t r u ç ã o d i s c u r s i v a d o c o r p o e  sua se p a r a ç ã o do

e st a d o  de  l i b e r d a d e , e m B e a u v o i r , n ã o co n s e g u e m a r c a r

n o e i x o  do  g é n e r o  a  p r ó p r ia d ist in ç ã o c o r p o /m e n t e que

d e v e r ia e sc la r e c e r a  p e rsist ê n cia d a a ssim e t r ia d o s g é n e r o s.

O f i c i a l m e n t e ,

  B e a uv o ir a sse v e r a

  que o

  c o r p o f e m i n i n o

  é

m a r c a d o n o in t e r io r do d i s c u r s o m a s c u l i n i s t a , pe l o q u a l o

c o r p o m a s c u l i n o , e m s u a f u s ão c o m  o u n i v e r s a l , p e r m a n e

ce   não m a r c a d o . I r ig a r a y sug e r e c la r a m e n t e  que t a n t o  o

m a r c a d o r c o m o o  m a r c a d o sã o m a n t id o s n o in t e r io r d e um

m o d o m a s c u l i n i s t a

 de

 s ig n if ic a ç ã o ,

  no

 q u a l

 o

  c o r p o f e m i

n i n o  é  c o m o  que  s e p a r a d o do d o m í n i o  do  significável.

E m  t e r m o s p ó s- h e g e l ia n o s,

  ela

 s e ri a a n u l a d a ,

  mas não

p r e se r v a d a . N a le it ur a d e I r ig a r a y , a a f ir m a ç ã o d e B e a uv o ir

de   que m u l h e r  é  se x o in v e r t e - se p a r a s ig n if ic a r  que ela

n ã o  é o  se x o que é  d e sig n a d a  a  se r , m a s, a n t e s, é a i n d a  —

en ore  (e en  corps *  — o  se x o m a sc ul in o , a p r e se n t a d o  à

m a n e i r a

  da alteridade. Para Irigaray, esse mo do falocêntrico

d e s ig n if ic a r  o  se x o fe m in in o r e p r o d uz p e r p e t ua m e n t e  as

f a n t a s i a s  de seu p r ó p r i o d e s e j o a u t o e n g r a n d e c e d o r .  Ao

invés  de um gesto  l in g uíst ic o a ut o l im it a t iv o  que  g a r a n t a

a  a l t e r id a d e ou a  diferença  das m u l h e r e s , o  fa lo c e n t r ism o

oferece um nome para eclipsar

 o

  feminino e tomar seu lugar.

•Ressalta-se o jogo de palavras, citadas em f r ancê s  no original, entre  e n o r t

ainda) e en

  o r p s

  no corpo),

  h om ó f o n a s

  em

f r a n c ê s

N. R T.)

C

SUJEITOS  DO  S E X O G É N E R O D E S E J O

T e o r i z a n d o O  binário,  O  unitário  e  a lé m

B e a uv o ir e  I r ig a r a y d ife r e m c la r a m e n t e so b r e  as e st r ut ur a s

f u n d a m e n t a i s   que r e p r o d u z e m  a  a s s i m e t r i a  do  g é n e r o ;

Beauvoir volta-se para  a  r e c ip r o c id a d e m a lo g r a d a  de  u m a

d ia lé t ic a a ssim é t r ic a ,  ao  p a s s o  que I r ig a r a y sug e r e  ser a

própria dialética a  ela b o r a ç ã o m o n o ló g ic a d e um a e c o n o m ia

significante

 m a sc ul in ist a .

 E m b o r a I r ig a r a y a m p lie cla r a m e n t e

o espectro da crítica feminista pela exposição das estruturas

ló g ic a s, o n t o ló g ic a s  e  e p ist e m o ló g ic a s  de uma e c o n o m i a

sig n if ic a n t e m a sc ul in ist a , o  p o d e r  de  sua análise  é  m i n a d o

precisamente por seu alcance globalizante. Será possível iden

tificar a e c o n o m ia m a sc ul in is t a m o n o lít ic a e t am b é m m o n o

lógica que atravessa toda a  c o le ç ã o d e c o n t e x to s c ult ur a is e

históricos em que ocorre a diferença s exua l. ' Será o  fr a c a sso

em

 r e c o n h e c e r

 as

 operaçõe s cultu rais específicas da própria

opressão

  do

  género uma espécie

  de

 im p e r ia l ism o e p ist e m o

ló g ic o , im p e r ia l ism o e sse que n ã o se a t e n ua p e la e la b o r a ç ã o

p ur a e s im p le s d a s d ife r e nç a s c ult ur a is c o m o e x e m p lo s do

m e sm íssim o fa lo c e n t r ism o . '  O  esforço  de incluir  O u t r a s

culturas como ampliações diversificadas de um falocentrismo

g lo b a l c o n st it ui um a t o de  a p r o p r ia ç ã o que c o r r e o r isc o de

repetir

 o

 gesto  a ut o e n g ra n d e c e d o r d o fa lo c e n t r ism o , c o lo n i

z a n d o so b

 o

 s ign o d o m e s m o d ife r e nç a s que , d e o ut r o m o d o ,

p o d e r ia m que st io n a r e sse c o n c e it o t o t a l iz a n t e .

A c r ít ic a fe m in ist a t e m d e e x p lo r a r a s a f ir m a ç õ e s t o t a l i -

z a n t e s d a e c o n o m ia s ig n if ic a n t e m a s c ul in ist a , m a s t a m b é m

deve  p e r m a n e c e r a ut o c r ít ic a e m r e la ç ã o  aos gestos  t o t a l i -

z a n t e s  do f e m i n i s m o .  O  e sfo r ç o  de  id e n t i f ic a r  o  i n i m i g o

c o m o s i n g u l a r e m s u a f o r m a  c  u m d i s c u r s o i n v e r t i d o que

m im e t iz a a c r it ic a m e n t e a estratégia d o opresso r, em vez de

oferecer um conjunto diferente de termos.

 O

 fato d e

 a

 tática

7

Page 14: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 14/30

PROBLEM S

  OE

  G Ê N E R O

p o d e r fun c io n a r ig ua lm e n t e e m c o n t e x t o s fe m in ist a s

 e

 a n -

t i fe m in ist a s sug e r e que

 o gesto

 c o l o n i z a d o r n ã o

 é

  p r im á r ia

o u i r r e d u t i v el m e n t e m a s c u l i n i s t a . E l e p o d e o p e r a r p a r a  le-

v a r a  c a b o o ut r a s r e la ç õ e s  de sub o r d in a ç ã o h e t e r o sse x ist a ,

r a c ia l

  e de  c l a s s e , p a r a c i t a r a p e n as a l g u m a s . C l a r o  que

a r r o l a r  as  v a r ie d a d e s  de  o p re s s ã o , c o m o c o m e c e i  a  fazer,

s u p õ e

  sua

 c o e x ist ê n c ia d e sc o n t ín ua

  e

 s e q u e n c i a l

 ao

  lo n g o

d e um e ix o h o r iz o n t a l que n ã o d e sc r e v e sua s c o n v e r g ê n c ia s

n o c a m p o s o c i a l .

  Um

  m o d e l o v e r t i c a l s e r i a i g u a l m e n t e

in sufic ie n t e ;  as  o p r e ssõ e s  não p o d e m  ser  s u m a r i a m e n t e

c l a s s i f i c a d a s , r e l a c i o n a d a s c a u s a l m e n t e ,  e  d i s t r i b u í d a s

e n t r e p l a n o s p r e t e n s a m e n t e c o r r e s p o n d e n t e s  ao que é

o r i g i n a l e ao que é  d e r i v a d o . C e r t a m e n t e ,  o  c a m p o

d e p o d e r e m p a r t e e st r ut ur a d o p e lo gesto  im p e r ia l iz a n t e de

a p r o p r ia ç ã o d ia lé t ic a e x c e d e

  e

 a b r a n g e

  o

 e i x o

 da

  diferença

s e x u a l ,

  o fe r e c e n d o

  um

  m a p a

  de

  in t e r se ç õ e s d i fe r e n c ia is

q ue

  não

  p o d e m

  ser

  s u m a r i a m e n t e h i e r a r q u i z a d a s ,

 nem

n o s t e r m o s  do  f a l o c e n t r is m o , n e m  nos de  q u a l q u e r o u t r o

c a n d i d a t o   à  p o siç ã o  de  c o n d i ç ã o p r i m á r i a  da  o p r e s s ã o .

E m  vez de tática exclusiva das economias significantes mas

c u l i n i s t a s , a  a p r o p r ia ç ã o  e a sup r e ssã o d ia lé t ic a s  do O u t r o

sã o  uma t á t ic a e n t r e m uit a s , c e n t r a lm e n t e e m p r e g a d a ,  c

fato,

  mas não

 e x c l u s i va m e n t e

  a

  se r v iç o

  da

  e x p a n s ã o

  c da

r a c io n a l iz a ç ã o

  do

 d o m í n i o m a s c u l i n i s t a .  í

O s

  d e b a t e s fe m in ist a s c o n t e m p o r â n e o s so b r e

  o

  e s s e n

c i a l i s m o c o l o c a m   de  o u t r a m a n e i r a  a  que st ã o  da  u n i v e r

s a l i d a d e

  da

 id e n t id a d e fe m in in a

 e da

  o p re s s ã o m a s c u l i n a .

A s a l e g a ç õ e s u n i v e r s a l i s t a s s ão b a se a d a s  em um p o n t o dc

v i s t a e p i s t e m o l ó g i c o c o m u m   ou c o m p a r t i l h a d o , c o m p r e

e n d i d o c o m o c o n s c i ên c i a a r t i c u l a d a , ou  c o m o e s t r u t u r a s

c o m p a r t i l h a d a s

  de

  o p r e s s ã o ,

  ou

  c o m o e s t r u t u r a s o s t e n

s i v a m e n t e t r a n s c u l t u r a i s

  da

  f e m i n i l i d a d e , m a t e r n i d a d e .

SUJEITOS

  DO

S E X O G Ê N E R O O E S E J O

s e x u a l i d a d e  e/ou da

  écriture  feminine

A  d i s c u s s ã o  que

a b r e e st e c a p ít ulo a r g um e n t a  que esse  gesto  g lo b a l iz a n t e

g e r o u c e r t o n úm e r o   de críticas  da p a r t e  das m u l h e r e s que

a f i r m a m

  ser a

  c a t e g o r ia

  das

  m u l h e r e s n o r m a t i v a

  e ex-

c l u d e n te , i n v o c a d a e n q u a n t o

  as

 d i m e n s õ e s

  não

  m a r c a d a s

d o p r iv i lé g io

  de

 c la sse

 e de

 ra ç a p e r m a n e c e m i n t a c t a s .

 Em

o u t r as p a l a v r a s ,

  a

  insistência so bre

  a

 c o e r ê n c ia

  e

  u n i d a d e

d a c a t e g o r ia d a s m ulh e r e s r e j e it o u efe t iv am e n t e  a

 m u l t i p l i

c id a d e  das in t e r se ç õ e s c ult u r a is , so c ia is e p o l ít ica s e m que

é c o n st r uíd o  o  e sp e c t r o c o n c r e t o  das  m u l h e r e s .

A lg un s e sfo r ço s fo r a m r e a l iz a d o s p a r a fo r m ula r p o l ít ic a s

d e c o a l iz ã o que n ã o p r e ssup o n h a m q ua l se r ia o c o n t e úd o da

n o ç ã o  de  m u l h e r e s . E l e s p r o p õ e m , e m v ez d i s s o , u m c o n

junto de encontros dialógicos mediante

 o

 qua l m u lh e r e s d i fe

rentemente posicionadas articulem identidades separadas na

e st r ut ur a de

 um a c o a l iz ã o e m e r g e n te .

  E

  c la r o , n ã o d e v e m o s

sub e st im a r

  o

  v a l o r

  de uma

 política

  de

 c o a l iz ã o ; p o r é m ,

  a

f o r m a m e s m a  da  c o a l iz ã o ,  de um a m o n t a g e m e m e r g e nt e  e

imprevisível de posições, não pode ser antecipada. Apesar do

im p ulso c la r a m e n t e d e m o c r a t iz a n t e  que m o t i v a  a  c o n s t r u

ç ã o d e c o a l iz õ e s, a t e ó ric a a l ia n c ist a p o d e in a d v e r t id a m e n t e

reinserir-se

 c o m o so b e r a n a d o p r o c e sso ,

 ao buscât ntecip r

u m a

  fo r m a id e a l p a r a

 as

 e st r ut ur a s

 da

 c o a l iz ã o , v a le d iz e r ,

a que la  que gara nta efetivamente  a  u n i d a d e  do  r e sult a d o .

Esfo r ç o s c o r r e la t o s p a r a d e t e r m in a r qua l  é e q u a l não é a

v e r d a d e ir a fo r m a  do d iá lo g o , a q uilo que c o n st it ui a  p o siç ã o

do sujeito

  — e o

  m a i s i m p o r t a n t e , q u a n d o

  a

  u n i d a d e

fo i  ou não a l c a n ç a d a  — p o d e m i m p e d i r  a  d i n â m i c a  de

a ut o fo r m a ç ã o

  e

 a ut o l im it a ç ã o

  da

  c o a l iz ã o .

I ns i s t i r

  a

  priori

  no  objetivo  de  u n i d a d e da  c o a l iz ã o

supõe que a so l id a r ie d a d e , qua lque r que se j a se u p r e ç o , é u m

pré-requisito  da  a ç ã o p o l ít ic a.  Mas que espécie  de  política

Page 15: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 15/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

exige

  esse  t ipo

  de

 busca prév ia

  da

  u n id a d e ? T a l v e z

 as

  c o a

l i z õ e s d e v a m r e c o n h e c e r s u a s c o n t r a d i ç õ e s

 e

 a g i r d e i x a n d o

essas

 c o n t r a d i ç õ e s i n t a c t a s . T a l v e z

 o

 entendimen to dia lóg ico

' t a m b é m en c e r re e m p a r t e

 a

 a cei ta çã o de div ergên c ia s , r u p t u

r a s ,  d i s s e n s õ e s

 e

 f r a g m e n t a ç õ e s , c o m o p a r c e l a

  do

 process o

o f r e q u e n te m e n t e t o r t u o s o

  de

 d e m o c r a t i z a çã o .

 A

  p r ó p r i a n o -

*í ç ã o d e d i á l o g o

é

 cul tu ra lme nte espec í f ica

 e

 h i s t o r i c a m e n t e

t'

  d e l i m i t a d a ,

 e

 mes mo q ue u ma da s pa rtes este ja certa de q ue

a  c o n v e r s a ç ã o e s t á o c o r r e n d o ,

  a

  o u t r a

  pode

  esta r certa

 de

q u e n ã o . E m p r i m e i r o lu g a r ,

 devemos

 q u e s t i o n a r

 as

 re la ções

  de

 poder  q u e c o n d i c i o n a m

 e

  fimitam

  as

 p o s s i b il i d a d e s d i a -

l ó g i c a s .

  De

 o u t r o m o d o ,

  o

  m o d e l o d i a l ó g i c o c o r r e

  o

  r i sco

  de

 degenerar

  num l ibera l i smo q ue pressupõe q ue os d iv ersos

'

  agentes

  do discurso ocupa m igua is pos ições de

 poder

 e

 fa la m

apoiados

  n a s m e s m a s p r e s s u p o s i ç õ e s

  sobre o

 q u e c o n s t i t u i

a c o r d o

e

  u n i d a d e ,

  que

  s e r i a m c e r t a m e n t e

  os

  ob jet iv os

a  serem perseguidos . Ser ia erra do supor

  de

 a n t e m ã o

 a

 e x i s

t ê n c i a

  de

  u m a c a t e g o r i a

  de

  m u l h e r e s

que

 apenas  neces

s i ta sse

  ser

  p r e e n c h i d a c o m

  os

 v á r i o s c o m p o n e n t e s

  de

 r a ç a ,

Ci  c l a s s e , i d a d e , e t n i a

 e

  s e x u a l i d a d e p a r a t o r n a r - s e c o m p l e t a .

Of

  A

  h i p ó t e s e

 de

 s u a i n c o m p l e t u d e e s s e n c i al p e r m i t e

 à

 catego

n

r ia

 s e r v i r p e r m a n e n t e m e n t e c o m o e s p a ç o d i s p o n í v e l p a r a

os s ign i f ica dos contesta dos .

  A

  i n c o m p l e t u d e

  por

  def in içã o

d e s s a c a t e g o r i a p o d e r á , a s s i m ,

 v ir a

  s e r v i r c o m o

  um

 idea l

n o r m a t i v o ,   l i v r e de

 q ua lq u er força coer c i t iv a .

3 i  A

  u n i d a d e

é

  n e c e s s á r i a p a r a

  a

  a çã o pol í t ica e fet iv a ?

W i

  Nã o

 s e r á , p r e c i s a m e n t e ,

  a

  i n s i s t ê n c i a p r e m a t u r a

  no

  o b j e -

t i v o

  de

 u n i d a d e

  a

  c a u s a

  da

  f r a g m e n t a ç ã o c a d a

  ve z

  m a i o r

Si

  e

  m a i s a c i r r a d a

  das

  f i l e i r a s ? C e r t a s f o r m a s a c e i t a s

  de

f r a g m e n t a ç ã o p o d e m f a c i l i t a r

  a

  a ç ã o ,

  e

  i s s o e x a t a m e n t e

í i ) p o r q u e

  a

  u n i d a d e

da

 c a t e g o r i a

  das

 m u l h e r e s n ã o

  é

 n e m

p r e s s u p o s t a n e m d e s e j a d a . N ã o  i m p l i c a

  a

  u n i d a d e u m a

4

SUJEITOS

 DO SEXO GÊNERO DESEJO

n o r m a

  e x c l u d e n t e

  de

 s o l i d a r i e d a d e n o â m b i t o

 da

 i d e n t i d a

d e , e x c l u i n d o

 a

 p o s s i b i l i d a d e

  de

 u m c o n j u n t o

 de

 a ç õ e s q u e

rompa m a s própria s f rontei ra s dos concei tos de ident ida de,

ou

  que

 b u s q u e m p r e c i s a m e n t e e f e t u a r e s s a r u p t u r a c o m o

u m  o b j e t i v o p o l í t i c o e x p l í c i t o ?

  Sem a

 p r e s s u p o s i ç ã o

  ou o

objet iv o

  da

  u n i d a d e , s e m p r e i n s t it u í d o

  no

 n ív el conc ei

t u a i ,

  u n i d a d e s p r o v i s ó r i a s p o d e m e m e r g i r

  no

 c o n t e x t o

 de

a ç õ e s c o n c r e t a s

  que

 t e n h a m o u t r a s  propostas

  que não a

a r t i c u l a ç ã o

 da

  i d e n t i d a d e . S e m

 a

 e x p e c t a t i v a c o m p u l s ó r i a

de

  que as

  a ç õ e s f e m i n i s t a s d e v a m i n s t i t u i r - s e

 a

  p a r t i r

 de

um

  a cordo está v el

 e

 u n i t á r i o

 sobre

 a

 i d e n t i d a d e ,

 essas

  a ç õ e s

b e m p o d e r ã o

  desencadear se

  m a i s r a p i d a m e n t e

  e

  p a r e c e r

m a i s

  adequadas ao grande

  n ú m e r o

  de

  m u l h e r e s p a r a

 as

q ua is

 o

  s ign i f ica do da ca tegoria está em perma nente

  debate.

E s s a

  abordagem

  a n t i f u n d a c i o n is t a

  da

 pol í t ica

  de

  c o a l i

z õ e s n ã o s u p õ e q u e

 a

  i d e n t i d a d e s e j a u m a p r e m i s s a , n e m

qu e

  a

  f o r m a

  ou

 s ign i f ica do

  da

 a s s e m b l e i a c o a l i z a d a p o s s a

s er c o n h e c i d a a n t e s d e r e a l i z a r - s e n a p r á t i ca . C o n s i d e r a n d o

qu e

  a

 a r t i c u l a ç ã o

  de

 u m a i d e n t i d a d e n o s t e r m o s c u l t u r a i s

d i s p o n í v e i s i n s t a u r a u m a d e f i n i ç ã o q u e

  e x c l u i

  p r e v i a m e n t e

o s u r g i m e n t o

  de

  nov os c oncei tos

  de

  ident ida de

  nas

 a ç õ e s

p o l i t i c a m e n t e

  engajadas e por

  m e i o d e l a s ,

  a

  t át i c a f u n d a -

c i o n i s t a

  n ã o

  é

 c a p a z

  de

 t o m a r c o m o o b j e t i v o n o r m a t i v o

  a

t r a n s f o r m a ç ã o

  ou

  e x p a n s ã o

  dos

 c o n c e i t o s

  de

  i d e n t i d a d e

e x i s t e n t e s . A l é m d i s s o , q u a n d o

  as

  ident ida des

  ou as

 e s t r u

t u r a s

  d i a l ó g i c a s c o n s e n s u a i s , p e l a s q u a i s

  as

  ident ida des

  já

e s t a b e le c i d a s s ã o c o m u n i c a d a s , n ã o c o n s t i t u e m

 o

  t e m a

 ou

o

 objeto

 da

 pol í t ic a , i sso s ign i f ica q ue

 as

 id e n t i d a d e s p o d e m

g a n h a r v i d a

 e se

 d i s s o l v e r ,

  dependendo

 d a s p r á t i c a s c o n c r e

ta s

  que as

 c o n s t i t u a m . C e r t a s p r á t i c a s p o l í t ic a s i n s t i t u e m

i d e n t i d a d e s

  em bases

  c o n t i n g e n t e s ,

  de modo  a

  a t i n g i r

  os

objet iv os

  em

 v i s t a .

  A

  p o l í t i c a

  de

 c o a l i z õ e s n ã o

  exige

  u m a

4

Page 16: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 16/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

c a t e g o r i a a m p l i a d a

 de

  m u l h e r e s n e m u m

  u

  i n t e r n a m e n t e

m ú l t i p l o

 a

 d e s v e l a r

  de

 c h o f r e s u a c o m p l e x i d a d e .

O   g é n e r o

  é

  u m a c o m p l e x i d a d e c u j a t o t a l i d a d e

  é

  p e r

m a n e n t e m e n t e p r o t e l a d a , j a m a i s p l e n a m e n t e e x i b i d a

 em

q u a l q u e r c o n j u n t u r a c o n s i d e r a d a . U m a c o a l i z ã o a b e r t a ,

po rtanto , a f i rmar ia ident idades a l t ernat ivamente ins t i tu ídas

e a b a n d o n a d a s ,

  segundo

 as

 propostas

  e m c u r s o ; t r a t a r - s e - á

de uma assemble ia que permi ta múl t iplas co nvergências

 e

 d i

v e r g ê n c i a s , s e m o b e d i ê n c i a

 a

 u m telos  n o r m a t i v o

 e

 de f inido r .

I d e n t i d a d e ,  sexo

 e a

  m e t a f í s i c a

  da

  s u b s t â n c i a

que pode  e n t ã o s i g n i f i c a r i d e n t i d a d e ,  e o que a l i c e r

ç a

  a

  p r e s s u p o s i ç ã o

  de que as

  i d e n t i d a d e s

  são

 i d ê n t i c a s

  a

si

  m e s m a s , p e r s i s t e n t e s

  ao longo  do

  t e m p o , u n i f i c a d a s

  e

i n t e r n a m e n t e c o e r e n t e s? M a i s i m p o r t a n t e , c o m o

  essas

s u p o s i ç õ e s i m p r e g n a m

 o

 d i s c u r s o  sobre

 as

  i d e n t i d a d e s

 de

g é n e r o ? S e r i a e r r a d o s u p o r q u e

 a

 d i s c u s s ã o sobre

 a

  i d e n

t i d a d e d e v a

  ser

 a n t e r i o r

  à

  d i s c u s s ã o  sobre

  a

  i d e n t i d a d e

d e g é n e r o , p e l a s i m p l e s r a z ã o   de que as  pessoas só se

t o r n a m i n t e li g í v ei s

 ao

 a d q u i r i r se u g é n e r o e m c o n f o r m i d a d e

c o m p a d r õ e s r e c o n h e c í v e i s

  de

  i n t e l i g i b i l id a d e

  do

  g é n e r o .

C o n v e n c i o n a l m e n t e ,

  a

  d i s c u s s ã o s o c i o l ó g i c a t e m

  buscado

c o m p r e e n d e r

  a

  n o ç ã o

  de

 pessoa  c o m o u m a a g ê n c i a

 que

r e i v i n d i c a

  p r i o r i d a d e o n t o l ó g i c a a o s v á r i o s p a p é i s

 e

  f u n ç õ e s

pelos  q u a i s a s s u m e v i a b i l i d a d e

  e

  s i g n i f i c a d o s o c i a i s .

  No

pró pr i o d i sc urso f ilo só f ico ,

  a

  n o ç ã o

  de

  pessoa t em s ido

a n a l i t i c a m e n t e e l a b o r a d a c o m  base  na s u p o s i ç ã o  de que,

q u a l q u e r

  que

 se ja

  o

  c o n t e x t o s o c i a l

 em que

  e s t á ,

  a

  p e s

s o a p e r m a n e c e

  de

 a l g u m

  modo

  e x t e r n a m e n t e r e l a c i o n a d a

e s t r u t u r a d e f i n i d o r a

  da

  c o n d i ç ã o

  de

 pessoa,  se ja es ta

  a

4

SUJEITOS

 DO SEXO GÊNERO DESEJO

c o n s c i ê n c i a ,

  a

  c a p a c i d a d e

  de

 l i n g u a g e m

  ou a

  d e l i b e r a ç ã o

m o r a l .

  E m b o r a

  não

 es te ja a qu i

  em

 e x a m e e s s a

  l i t e r a t u r a ,

u m a d a s p r e m i s s a s

 dessas

 i n d a g a ç õ e s

 é o foco

  d e e x p l o r a ç ã o

e i n v e r s ã o c r í t i c a s . E n q u a n t o

  a

  ind ag aç ão f ilo só f ica  quase

s e m p r e c e n t r a

  a

  q u e s t ã o

  do que

 c o n s t i t u i

  a

  i d e n t i d a d e

p e s s o a l

nas

 c a r a c t e r í s t i c a s i n t e r n a s

  da

 pessoa,  n a q u i l o

que es tabe lecer ia

  su a

 c o n t i n u i d a d e

  ou

 a u t o i d e n t i d a d e

  no

d e c o r r e r

  do

  t e m p o ,

  a

  q u e s t ã o a q u i s e r i a :

  em que

  m e d i d a

as   prátic s regul dor s

  de

  f o r m a ç ã o

  e

  d i v i s ã o

  do

  g é n e r o

c o n s t i t u e m

  a

  i d e n t i d a d e ,

  a

 c o e r ê n c i a i n t e r n a

 do

 su je i to ,

 e,

a  r i g o r ,

  o  st tus

  a u t o i d ê n t i c o

  da pessoa?  E m que

 m e d i d a

é

 a

  i d e n t i d a d e u m i d e a l n o r m a t i v o ,

 ao

 i n v é s

 de

 u m a c a

r a c t e r í s t i c a d e s c r i t i v a

  da

 e x p e r i ê n c i a ?

  E

  c o m o

  as

  p r á t i c a s

r e g u l a d o r a s q u e g o v e r n a m

  o

 g é n e r o t a m b é m g o v e r n a m

  as

n o ç õ e s c u l t u r a l m e n t e i n t e l ig í v e i s de i d e n t id a d e ? E m o u t r a s

p a l a v r a s ,

  a

  c o e r ê n c i a

e a

  c o n t i n u i d a d e

da  pessoa

n ã o

  são

 c a r a c t e r í s t i c a s l ó g i c a s

  ou

 a n a l í t i c a s

  da

  c o n d i ç ã o

de   pessoa,  m a s ,

  ,ao

 c o n t r á r i o , n o r m a s

  de

  i n t e l i g i b i l id a d e

s o c i a l m e n t e i n s t i t u í d a s

  e

  m a n t i d a s .

  E m

 sendo

  a

  i d e n t i

dade assegurada

  por

 c o n c e i t o s e s t a b i l i z a d o r e s

  de

  s e x o ,

g é n e r o

 e

 s e x u a l i d a d e ,

  a

 p r ó p r i a n o ç ã o

 de

  pessoa se ver ia

q u e s t i o n a d a p e l a e m e r g ê n c i a  c u l t u r a l  daqueles seres  c u j o

g é n e r o

 é

  i n c o e r e n t e

ou

  d e s c o n t í n u o ,

 os

 q u a i s p a r e c e m

se r

 pessoas,

  m a s n ã o s e c o n f o r m a m

  às

 n o r m a s d e g é n e r o

 da

inte l ig ib i l idade

 c u l t u r a l

  pe las qua i s as

 pessoas

  são de f inidas .

G é n e r o s i n t e l i g í v e i s s ã o aqueles  que , em cer to sent ido ,

i ns t i tue m e mantém re laçõ es de co erência e co nt inu idade ent re

s e x o , g é n e r o , p r á ti c a s e x u a l

 e

 desejo.  E m o u t r a s p a l a v r a s ,

 os

espect ro s  de desco nt inu idade  e i n c o e r ê n c i a , eles p r ó p r i o s só

co ncebíve i s em re lação

 a

 no rm as ex i s tentes de co nt inu idad e

e c o e r ê n c i a ,

  são

 c o n s t a n t e m e n t e p r o i b i d o s

  e

  p r o d u z i d o s

pe las pró pr ias l e i s que buscam   estabelecer  l inhas causa i s

 ou

43

Page 17: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 17/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

express iv as de l ig ação entre o s e x o b i o l ó g i c o , o g é n e r o  c u l t u

ra lmente const i tu ído e a  e x p r e s s ã o ou  e f e i t o de  a m b o s

n a

  m a n i f e s t a ç ã o d o

 desejo

 s e x u a l p o r m e i o d a p r á t i c a s e x u a l .

A   n o ç ã o de que

 pode

  h a v e r u m a v e r d a d e do  s e x o ,

c o m o F o u c a u l t a d e n o m i n a i r o n i c a m e n t e , é p r o d u z i d a p r e

c i samente pelas prát icas reg u ladoras q ue g eram ident idades

c o e r e n t e s p o r v i a de u m a m a t r i z de n o r m a s d e g é n e r o c o e

r e n t e s . A  h e t e r o s s e x u a l i z a ç ã o do desejo  r e q u e r e  i n s t i t u i a

p r o d u ç ã o

 de

 o p o s i ç õ e s d i s c r i m i n a d a s

 e

 a s s i m é t r i c a s e n t r e

f e m i n i n o e

  m a s c u l i n o , e m q u e

  estes

  s ã o c o m p r e e n d i

d o s c o m o a t r i b u t o s e x p r e s s i v o s

 de

  m a c h o

e de

  f ê m e a .

A   m a t r i z

 c u l t u r a l

  p o r m e i o da q u a l a i d e n t i d a d e de g é n e r o

se torna in tel ig ív el exig e q ue certos t ipos de  i d e n t i d a d e

n ã o p o s s a m   e x i s t i r —  isto é aq ueles em q ue o  gé n e r o n ã o

d e c o r r e  do  s e x o  e  a q u e l e s  em que as  p r á t i c a s  do desejo

n ã o d e c o r r e m n e m

 do

  s e x o n e m

 do

  g é n e r o .

  Nesse

c o n t e x t o , d e c o r r e r s e r i a u m a r e l a ç ã o p o l í ti c a

 de

 d i r e i t o

i n s t i t u í d o p e l a s l e i s c u h u r a i s

 que

 e s t a b e l e c e m

  e

  r e g u l a m

a  f o r m a

  e o

 s i g n i f i c a d o

  da

 s e x u a l id a d e . O r a ,

 do

 p o n t o

 de

v i s t a

 desse

  c a m p o , c e r t o s t i p o s de  i d e n t i d a d e de g é n e r o

p a r e c e m  ser m e r a s f a l h a s  do  d e s e n v o l v i m e n t o  ou  i m p o s

s i b i l i d a d e s l ó g i c a s , p r e c i s a m e n t e p o r n ã o  se c o n f o r m a r e m

à s n o r m a s  da  i n t e l i g i b i l i d a d e  c u l t u r a l .  E n t r e t a n t o , sua

p e r s i s t ê n c i a

 e

 p r o l i f e r a ç ã o

  c r i a m

  o p o r t u n i d a d e s c r í t i c a s

 de

e x p o r

  os

 l i m i t e s

 e os

  ob jet iv os reg u ladores

  desse

  c a m p o

 de

i n t e l i g i b i l i d a d e  e

c o n s e q u e n t e m e n t e ,

  de

 d i s s e m i n a r ,

 nos

p r ó p r i o s t e r m o s d e s s a m a t r i z

 de

 i n t e l i g i b i l i d a d e , m a t r i z e s

r i v a i s  e  s u b v e r s i v a s  de d e s o r d e m  do g é n e r o .

C o n t u d o , a n te s d e c o n s i d e r a r

 essas

  p r á t i c a s p e r t u r b a d o

r a s ,

 parece

  c r u c i a l

 compreender

 a

  ma tr iz de in tel ig ib i l idade .

É e la s ing u lar? De q ue se compõe? Que a l iança pecu l iar exi s

te ,

 presum iv elmente, entre u m s i s tema de h eterossexu al idade

SUJEITOS

 DO SEXO GÊNERO DESEJO

c o m p u l s ó r i a e as c a te g o r i a s d i s c u r s i v a s q u e e s t a b e l e c e m  os

concei tos   de i d e n t i d a d e  do  s e x o ?  Se a  i d e n t i d a d e é um

efeito  de

 p r á t i c a s d i s c u r s i v a s ,

 em que

  m e d i d a

  a

  ident idade

d e g é n e r o

 —

  e n t e n d id a c o m o u m a r e l a ç ã o e n t r e s e x o , g é n e

r o ,  p r á t i c a s e x u a l

 e desejo —

  s e r i a

 o

  efeito

  de

 u m a p r á t i c a

reg u ladora q ue se

 pode

  i d e n t i fi c a r c o m o h e t e r o s s e x u a l i d a d e

c o m p u l s ó r i a ? T a l e x p l i c a ç ã o n ã o n o s

  f a r i a

  r e t o r n a r

 a

  m a i s

u m a  e s t r u t u r a t o t a l i z a n t e  em que a  h e t e r o s s e x u a l i d a d e

c o m p u l s ó r i a t o m a r i a m e r a m e n t e  o  l u g a r do  f a l o c e n t r i s m o

c o m o c a u s a m o n o l í t i c a da o p r e s s ã o de g é n e r o ?

N o e s p e c t r o  da  t e o r i a f e m i n i s t a  e  p ó s - e s t r u t u r a l i s t a

f r a n c e s a , c o m p r e e n d e - s e q u e r e g i m e s m u i t o s d i f e r e n t e s  de

p o d e r p r o d u z e m  os c o n c e i t o s de id e n t i d a d e s e x u a l .  C o n s i

d e r e m o s  a  d i v e r g ê n c i a q u e e x i s t e e n t r e p o s i ç õ e s c o m o a de

I r i g a r a y , que

 a f i r m a

  só

 h a v e r

  um

 s e x o ,

  o

  m a s c u l i n o ,

 que

e l a b o r a

 a

 s i m e s m o n a

 e

 a t r a v é s

 da

 p r o d u ç ã o

 do

  O u t r o ,

 e

p o s i ç õ e s c o m o

 a de

 F o u c a u l t , p o r e x e m p l o , q u e p r e s u m e m

qu e a c a t e g o r i a  do s e x o , t a n t o m a s c u l i n o c o m o f e m i n i n o ,

é p r o d u t o  de u m a e c o n o m i a r e g u l a d o r a d i f u s a  da  s e x u a

l i d a d e . C o n s i d e r e m o s i g u a l m e n t e  o a r g u m e n t o  de  W i t t i g

de q ue a  c a t e g o r i a  do s e x o é sob as c o n d i ç õ e s de  h e t e r o s

s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a , s e m p r e f e m i n i n a ( m a n t e n d o - s e

o m a s c u l i n o n ã o m a r c a d o

 e

c o n s e q u e n t em e n t e , s i n ó n i m o

d o  u n i v e r s a l ) .

  A i n d a

  q u e p a r a d o x a l m e n t e ,

  W i t t i g

  c o n c o r d a

c o m F o u c a u l t

 ao

  a f i r m a r q u e

  a

  p r ó p r i a c a t e g o r i a

  do

  s e x o

d e s a p a r e c e r i a  e a r i g o r

 s

dissip ri n o

 caso

 d e u m a r u p t u r a

e d e s l o c a m e n t o

  da

 h e g e m o n i a h e t e r o s s e x u a l .

O s  v á r i o s m o d e l o s e x p l i c a t i v o s o f e r e ci d o s a q u i s u g e r e m

o s c a m i n h o s m u i t o d i f e r e n t e s p e l o s q u a i s  a  c a t e g o r i a  do

s e x o  é  c o m p r e e n d i d a , d e p e n d e n d o  de c o m o  se  a r t i c u l a  o

c a m p o  do p o d e r .  É  p o s s í v e l p r e s e r v a r a  c o m p l e x i d a d e d e s

s e s c a m p o s d e p o d e r e p e n s a r s u a s c a p a c i d a d e s p r o d u t i v a s

5

Page 18: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 18/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

a o m e s m o t e m p o ? P o r u m la d o ,

 a

  t e o r i a d a d i f e r e n ç a s e x u a l

d e I r i g a r a y

  sugere  que as

  m u l h e r e s j a m a i s p o d e r ã o

  ser

c o m p r e e n d i d a s  segundo

 o

 m o d e l o

  do

  s u j e i t o

nos

 s i s te

m a s r e p r e s e n t a c i o n a i s c o n v e n c i o n a i s d a   c u l t u r a  o c i d e n t a l ,

e x a t a m e n t e p o r q u e c o n s t i tu e m

 o

 fet ich e

 da

 r e p r e s e n t a ç ã o

e,

  por

 c o n s e g u i n t e ,

  o

  i r r e p r e s e n t á v e l c o m o t a l .

  Segundo

e s s a o n t o l o g i a d a s s u b s t â n c i a s ,

 as

 m u l h e r e s n u n c a p o d e m

s e r , p r e c i s a m e n t e p o r q u e c o n s t i t u e m

 a

  r e l a ç ã o

 da

  d i f e

r e n ç a ,

  e x c l u í d o  pelo  q u a l

  esse

  d o m í n i o

  se

 d i s t i n g u e .

 A s

m u l h e r e s t a m b é m s ã o u m a d i f e r e n ç a

que

  n ã o

 pode ser

c o m p r e e n d i d a c o m o s i m p l e s n e g a ç ã o o u c o m o

 o

  O u t r o

d o i u j e i t o desde  s e m p re m a s c u l i n o . C o m o d i s c u t i d o a n t e

r i o r m e n t e , e l a s n ã o s ã o n e m

 o

 su je i to nem

 o

 s e u  O u t r o ,  m a s

u m a

  d i f e r e n ç a d a e c o n o m i a d a o p o s i ç ã o b i n á r i a , u m

  a r d i l ,

e la

  m e s m a , p a r a

  a

  e l a b o r a ç ã o m o n o l ó g i c a

  do

  m a s c u l i n o .

Á n o ç ã o

 de

 q u e

 o

 sexo aparece

 n a

 l i n g u a ge m h e g e m ó

n i c a

  c o m o

  substância

o u , f a l a n d o m e t a í i s i c a m e n t e , c o m o

s e r i d ê n t i c o

  a s i

 m e s m o ,

  é

  c e n t r a l p a r a c a d a u m a

  dessas

c o n c e p ç õ e s .

  E s s a a p a r ê n c ia

 se

 r e a l i z a m e d i a n t e u m t r u q u e

p e r f o r m a t i v o

  da

 l ing ua g em e/ou

 do

 d i s c u r s o , q ue o c u l t a

 o

fato

 de que

  s e r

u m

 sexo

  ou um

 g é n e r o

 é

  f u n d a m e n t a l

m e n t e i m p o s s í v e l . P a r a I r i g a r a y ,

 a

 g r a m á t i c a j a m a i s p o d e r á

s e r u m í n d i c e  seguro  d a s r e l a ç õ e s

 de

 g é n e r o , p r e c i s a m e n t e

p o r q u e s u s t e n t a

  o

  m o d e l o s u b s t a n c i a l

  do

  g é n e r o c o m o

sendo  uma

  r e l a ç ã o b i n á r i a e n t r e d o i s t e r m o s p o s i t i v o s

  e

r e p r e s e n t á v e i s .

Na

 o p i n i ã o

 de

 I r i g a r a y ,

 a

 g r a m á t i c a s u b s

t a n t i v a  do

  g é n e r o ,

  que

  s u p õ e h o m e n s

  e

  m u l h e r e s a s s i m

c o m o seus a t r i b u t o s d e m a s c u l i n o

 e

 f e m i n i n o ,

 é

 u m e x e m p l o

d e s i s t e m a b i n á r i o

 a

 m a s c a r a r

  de

 fato

  o

 d i s c u r s o u n í v o c o

e h e g e m ó n i c o

 do

  m a s c u l i n o ,

 o

  fa l o c e n t r i s m o , s i l e n c i a n d o

o f e m i n i n o c o m o l u g a r

  de

 u m a m u l t i p l i c i d a d e s u b v e r s i v a .

P a r a  F o u c a u l t ,

 a

 g r a m á t i c a s u b s t a n t i v a d o sexo  i m p õ e u m a

fi

SUJEITOS

 00 SEXO GÊNERO DESEJO

r e l a ç ã o b i n á r i a

  a r t i f i c i a l

  e n t r e

  os

  s e x o s ,

  bem

  c o m o

 u ma

c o e r ê n c i a i n t e r n a

  a r t i f i c i a l  em

 c a d a t e r m o

  desse

  s i s t e m a

b i n á r i o .  A

  r e g u l a ç ã o b i n á r i a

  da

  s e x u a l i d a d e s u p r i m e

  a

m u l t i p l i c i d a d e s u b v e r s i v a

 de

 u m a s e x u a l i d a d e q u e r o m p e

 as

h e g e m o n i a s h e t e r o s s e x u a l , r e p r o d u t i v a

 e

 m é d i c o - j u r í d i c a .

P a r a  W i t t i g ,  a

  r e s t r i ç ã o b i n á r i a q u e p e s a

  sobre o  sexo

atende

  aos

 o b j e t i v o s r e p r o d u t i v o s

  de um

 s i s t e m a

  de

 h e t e

r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a ;

  el a

 a f i r m a , o c a s i o n a l m e n t e ,

qu e

  a

  d e r r u b a d a

  da

  h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a

 irá

i n a u g u r a r

  u m

  ve r d a d e ir o h u m a n i s m o

  da

  pessoa ,

  l i v r e

d o s g r i l h õ e s

  do

  s e x o .

  E m

 o u t r o s c o n t e x t o s ,

  el a

 sugere

qu e

  a

  p r o f u s ã o

  e

  d i f u s ã o

  de uma

  e c o n o m i a e r ó t i c a

 não

f a l o c é n t r i c a

  irá

 b a n i r

  as

 i l u s õ e s

  do

  s e x o ,

  do

 g é n e r o

  e da

i d e n t id a d e . E m m a i s o u t r a s

  passagens de

 s e u t e x t o , p a r e c e

qu e

  a

  l é s b i c a

emerge

  c o m o

  u m

 t e r c e i r o g é n e r o , p r o m e

t e n d o t r a n s c e n d e r

  a

  r e s t r i ç ã o b i n á r i a

  ao

  s e x o , i m p o s t a

pelo

  s i s t e m a

  da

 h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a . E m

 sua

defesa

  do

  s u j e i t o c o g n i t i v o ,  W i t t i g  p a r e c e

  não

 e n t r a r

e m   d i s p u t a s m e t a f í s i c a s

  co m os

 modos  h e g e m ó n i c o s

 de

s i g n i f i c a ç ã o

  ou

 r e p r e s e n t a ç ã o ;

 de

 f a t o ,

  o

  s u j e i t o , c o m

 seu

a t r i b u t o

 de

 a u t o d e t e r m i n a ç ã o , p a re c e s e r

 a

 r e a b i l i t a ç ã o

 do

agente  da

 e s c o l h a e x i s t e n c i a l ,

 s ob o

  n o m e

  de

  l é s b i c a :

  o

a d v e n t o

  de

 s u j e i t o s i n d i v i d u a i s e x i g e ,

  em

 p r i m e i r o l u g a r ,

q u e

  se

  d e s t r u a m

  as

  c a t e g o r i a s

  de

 sexo

  [...] a

  l é s b i c a

  é o

ú n i c o c o n c e i t o

  que

 c o n h e ç o

  que

 e s t á a l é m

  das

 c a t e g o r i a s

d e s e x o . E l a n ã o

  c r i t i c a o

  s u j e i t o c o m o i n v a r i a v e l m e n t e

m a s c u l i n o , segundo

 as

 r e g r a s

  de

 u m S i m b ó l i c o i n e v i t a v e l

m e n t e p a t r i a r c a l , m a s p r o p õ e

  em seu

 l u g a r

  o

  e q u i v a l e n t e

d e u m s u j e i t o l é s b i c o c o m o u s u á r i o

 da

  l i n g u a g e m .

P a r a

  B e a u v o i r

 —

  c o m o p a r a

  W i t t i g —, a

  i d e n t i f i c a ç ã o

d a s m u l h e r e s c o m

  o

  s e x o

é

  u m a f u s ã o

  da

 c a t e g o r i a

 das

m u l h e r e s

  com as

  c a r a c t e r í s t i c a s o s te n s i v a m e n t e s e x u a l i -

  7

Page 19: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 19/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

z a d a s d o s  seus  c o r p o s  e, p o r t a n t o , u m a r e c u s a  a  c o n c e d e r

l i b e r d a d e  e  a u t o n o m i a  às m u l h e r e s ,  ta c o m o  as  p r e t e n

s a m e n t e d e s f r u t a d a s  pelos  h o m e n s .

  A s s i m ,

  a  d e s t r u i ç ã o

d a c a t e g o r i a

  do

  sexo  r e p r e s e n t a r i a

  a

  d e s t r u i ç ã o

  de u m

atributo

o s e x o , o  q u a l , p o r m e i o  de u m gesto m i s ó g i n o de

s i n é d o q u e , t o m o u  o l u g a r  da

 pessoa,

 do cogito  a u t o d e t e r -

m i n a d o r . E m o u t r a s p a l a v r a s , s ó o s h o m e n s s ã o

  "pessoas"

e n ã o e x i s t e o u t r o g é n e r o s e n ã o  o  f e m i n i n o :

O   género é o índice l inguíst ico da op osiçã o pol ít ica entre

os sexos.

  E

 género é usado  aqui no s ingular porque sem

d ú vi d a não há d oi s géneros . H á s omente u m : o f emi ni no,

o " m a s c u l i n o " n ã o  sendo  u m género. Poi s  o  mas cu l i no

n ão  é o m a s c u l i n o , m a s  o geral.^*

C o n s e q u e n t e m e n t e ,   W i t t i g  c l a m a p e i a d e s t r u i ç ã o  do

" s e x o " , p a r a

  que as

 m u l h e r e s p o s s a m a s s u m i r

  o

  status  d

s u j e it o u n i v e r s a l . E m b u s c a d e s s a d e s t r u i ç ã o ,

 as

  " m u l h e r e s "

d e v e m a s s u m i r u m p o n t o

  de

 v i s t a t a n t o p a r t i c u l a r q u a n t o

u n i v e r s a l . ^ ' C o m o s u j ei t o q ue  pode  r e a l i z a r a  u n i v e r s a l id a d e

concre t a por me i o d a l i berd ad e , a  lésbica de W i t t i g  c o n f i r m a ,

ao i nvés  de c o n t e s t a r ,  as  p ro m e s s a s n o r m a t i v a s  dos  i d ea i s

h u m a n i s t a s c u j a p r e m i s s a  é a  m e t a f í s i c a  da  s u b s t â n c i a .

Nesse  a s p e c t o ,  W i t t i g  se d i f e r e n c i a  de I r i g a r a y , n ã o  só nos

t e r m o s d a s o p o s i ç õ e s h o j e c o n h e c i d a s e n t r e e s s e n c i a l i s m o

 

mat er i a l i s mo, ^ " mas naqu e l es d a ad es ão

 a

 u m a m e t a f í s ic a

 da

s u b s t â n c i a q u e c o n f i r m a

  o

  m o d e lo n o r m a t i v o

  do

 h u m a n i s

m o c o m o  o  a r c a b o u ç o  do f e m i n i s m o . O n d e  W i t t i g  parece

s u b s c r e v e r  u m p r o j e t o r a d i c a l  de  e m a n c i p a ç ã o l é s b ic a 

i m p o r u m a d i s t i n ç ã o e n t r e " l é s b i c a "  e  " m u l h e r " ,  el a o faz

por v i a da defesa  de u m a  "pessoa"  c u j o g é n e r o é  prees t abe

l e c i d o , c a r a c t e r i z a d a c o m o l i b e r d a d e . E s s e s e u m o v i m e n t o

8

SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO

n ã o  só c o n f i r m a  o  status  p r é - s o c i a da  li b e rd a d e h u m a n a ,

mas s u bs creve  a m e t a f í s i c a  da s u b s t â n c i a , r e s p o n s á v e l p e i a

p r o d u ç ã o  e n a t u r a l i z a ç ã o  da p r ó p r i a c a t e g o r i a  de  s exo.

A

  metafísica

  d

substância

  é

 u m a e x p r e s s ã o a s s o c i ad a  a

N i e t z s c h e n a c rí t ic a c o n t e m p o r â n e a   do d i s c u r s o f i l o s ó f ic o .

N u m c o m e n t á r i o

  sobre

  N i e t z s c h e , M i c h e l H a a r a r g u m e n t a

q u e d i v e r s a s o n t o l o g i a s f i l o s ó f i c a s c a í r a m n a a r m a d i l h a das

i l u s ões  do "Ser " e da  " S u b s t â n c i a "  que são  p r o m o v i d a s

p e l a c r e n ç a  em que a  f o r m u l a ç ã o g r a m a t i c a l  de  s u je i t o  e

p r e d i c a d o r e f l e t e

  u ma

 r e a l i d a d e o n t o l ó g i c a a n t e r i o r ,

  de

s u b s t â n c i a

  e

 a t r i b u t o . E s s e s c o n s t r u t o s , a r g u m e n t a H a a r ,

c o n s t i t u e m  os  m e i o s f i l o s ó f i c o s a r t i f i c i a i s

  pelos

  q u a i s  a

s i m p l i c i d a d e ,  a  o r d e m  a  i d e n t i d a d e  são  e f i c a z m e n t e

i n s t it u í d a s . E m n e n h u m s e n t i d o , t o d a v i a ,  eles  r e v e l a m o u

r e p r e s e n t a m u m a o r d e m v e r d a d e i r a d a s c o i s a s . P a r a  nossos

p r o p ó s i t o s , e s s a c r í t i c a n i e t z s c h i a n a t o r n a - s e

  i n s t r u t i v a

q u a n d o a p l i c a d a  às  c a t e g o r i a s f i l o s ó f i c a s  que  g o v e r n a r a

u m a

  p a r t e a p r e c i á v e l

  do

  p e n s a m e n t o t e ó r i c o

  e

  p o p u l a r

sobre

  a

  i d e n t i d a d e

  de

 g é n e r o .  Segundo  H a a r ,

  a

  c r í t i c a

  à

m e t a f í s i c a  da  s u b s tâ n c i a i m p l i c a  u ma  c r í t i c a  da  p r ó p r i a

n o ç ã o  de

 pessoa

  p s i c o l ó g i c a c o m o c o i s a s u b s t a n t i v a :

A

  d es t ru i ção d a l óg i ca por i nt e rméd i o d e s u a genealogia

t raz

 consigo

 a

 ru í na d as ca t egor i as ps i col óg i cas fu nd a

ment ad as nes s a l óg i ca . Tod as as ca tegor i as ps i col óg i cas

( eu ,

  i n d i v í d u o ,  pessoa)  d er i vam d a i l u s ão d a i d ent i d ad e

s u b s t a n c i a l .

  Mas

 e s s a i l u s ão rem ont a b as i cament e

  a

u m a

  s u p e r s t i ç ã o

  que

 e n g a n a

  não só o

  senso  c o m u m

m a s t a m b é m

 o s

 f i lósofos

  — a

 s aber ,

  a

 c rença n a l i ngu a

ge m

  c,

  m a i s p r e c i s a m e n t e ,

  na

 ve rd ad e

  das

  ca t egor i as

g r a m a t i c a i s .

  Foi a

  g r a m á t i c a

  (a

 e s t ru t u ra

  de

  sujeito

 

pred i cad o)

  que

 i n s p i r o u

 a

  ce r t eza

  de

 D e s c a r t e s

  de que

9

Page 20: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 20/30

fdOBLEM S

  DE  G Ê N R O

e u

é o s u j e i t o dc  p e n s o , e n q u a n t o , n a v e r d a d e , são

, os pensame ntos que vêm  a  m i m :  n o f u n d o , a fé na gra

mát i ca s i mpl e s me nt e t rad uz a  vont ad e d e s e r a  c a u s a

d os pe ns ame nt os d e a l guém. O s u j e i t o , o e u , o  i nd i v í d uo,

s ão ape nas conce i t os f a l s os , v i s t o que t rans formam e m

s ubs t ânc i as f i c t í c i a s un i d ad e s que i n i c i a l me nt e  só  têm

re a l i d ad e l i ngu í s t i ca . ^ '

W i t t i g  f o r n e c e u m a c r í t i c a a l t e r n a t i v a  ao m o s t r a r que

n ã o

  é

  p o s s í v e l s i g n i f i c a r

  as

  pessoas

  na

 l i n g u a g e m

  sem a

m a r c a  do  g é n e r o . E l a a p r e s e n t a  uma  a n á l i s e p o l í t i c a  da

g r a m á t i c a d o g é n e r o e m f r a n c ê s . Segundo  W i t t i g , o g é n e r o

n ã o s o m e n t e d e s i g n a  as pessoas, as  q u a l i f i c a , p o r a s s i m

d i z e r , m a s c o n s t i t u i u m a e p i st e m e c o n c e i t u a i m e d i a n t e   a

q u a l  o  g é n e r o b i n á r i o  é  u n i v e r s a li z a d o . E m b o r a  a  l í n g u a

f r a n c e s a a t r i b u a u m g é n e r o  a  t o d o s  os t i p o s  de  s u b s t a n t i

v o s a l é m

  das

 pessoas,

  W i t t i g

  a r g u m e n t a

  que sua

  a n á l i s e

' t e m c o n s e q u ê n c i a s i g u a l m e n t e p a r a  o  i n g l ê s . No  p r i n c í p i o

de  he Mark  of  ender  [ A m a r c a   do g é n e r o ] e l a e s c r e v e :

^  Segundo  os g r a m á t i c o s ,  a  m a r c a  do  g é n e r o a r c t a os

' substantivos. É cm termos dc função que e les faiam sobre

i s s o .

  Sc

 que s t i onam s e u s i gn i f i cad o,

  às

 ve ze s br i n cam ,

c h a m a n d o

  o

 géne ro

  dc

  s e xo f i c t í c i o

[...] no

  qu e c o n

ce rne

  às

 categorias

  dc

 pe s s oa , ambas

  as

  l íngu as [inglês

as c

 francês] são igualm ente p ortadora s

  do

  géne ro . Ambas

í l s s f e íM í i i í :  K i a b r e m c a m i n h o a  um conce i t o ont ol óg i co pr i mi t i vo que

' i mpõe , na l i nguage m, um a d i v i s ão d os s e re s cm s e xos

 [...]

Como conce i t o ont ol óg i co   que  l ida  co m  a  n a t u r e z a do

« 1

  i;>;r;

  Sgj ^  j unt ame nt e com t od a um a névoa d e out ros conce i t os

í f i t > 5 . :;   í:fcL  pr i mi t i vos pe r t e nce nte s  à m e s m a  l in h a  d e pe ns ame nt o,

•  • o géne ro pare ce pe r t e nce r pr i mar i am e nt e  à filosofia.^^

50

SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO

W i t t i g  n o s d i z q u e p e r t e n c e r  à  fi losofia s ig nif ica , pa ra

o g é n e r o , p e r t e n c e r à q u e l e c o r p o   de  c o n c e i t o s e v i d e n t e s

s e m os qua i s

 os

  f il ósofos acha m que não pod e m d e s e nvol ve r

u m a

  l i n h a  s e q u e r  de r a c i o c í n i o , e q u e s ã o ó b v i o s p a r a e l e s ,

p o i s e x i s t e m n a n a t u r e z a a n t e s de t o d o p e n s a m e n t o , d e t o d a

o r de m s o c i a l . A  o p i n i ã o  de  W i t t i g  é  c o r r o b o r a d a p e l o

d i s c u r s o p o p u l a r s o b r e

 a

 i d e n t i d a d e d e g é n e r o , q u e e m p r e g a

a c r i t i c a m e n t e a a t r i b u i ç ã o i n f í e x i o n a l  de  s e r p a r a g é n e r o s

e s e x u a l i d a d e s . Q u a n d o n ã o p r o b l e m a t i z a d a s , as a f i r m a

ç õ e s s e r m u l h e r  e  s e r h e t e r o s s e x u a l s e r i a m s i n t o m á t i c a s

d e s s a me t a f í s i ca

  das

 s u b s t â n c i as

  do

 g é n e r o . T a n t o

 no  caso

d e h o m e n s c o m o  no de  m u l h e r e s , t a l a f i r m a ç ã o t e n de

a

  s u b o r d i n a r  a  n o ç ã o  de g é n e r o à q u e l a  de  i d e n t i d a d e ,  e a

l e v a r à c o n c l u s ã o de q u e u m a p e s s o a  é  u m g é n e r o e o é  e m

v i r t u d e d o s e u s e x o , d e s e u s e n t i m e n t o p s í q u i c o d o e u ,  e  d as

d i f e r e n t e s e x p r e s s õ e s desse  e u p s í q u i c o , a ma i s not áve l d e l as

s e nd o

  a do

 desejo

  s e x u a l . E m t a l c o n t e x t o p r é - f e m i n i s ta ,

  o

g é n e r o , in g e n u a m e n t e ( a o i n v é s d e c r i ti c a m e n t e ) c o n f u n d i d o

c o m

 o

  s e x o , se r v e c o m o p r i n d p i o u n i f ic a d o r

 do

 e u c o r p o r i

f icad o e ma nt é m e s s a uni d ad e por s obre  e c o n t r a u m s e x o

o p o s t o , c u j a e s t r u t u r a m a n t é m , p r e s u m i v e l m e n t e ,  uma

c o e r ê n c i a i n t e r n a p a r a l e l a m a s o p o s t a e n t r e s e x o , g é n e r o  e

d e s e jo .  O  e n u n c i a d o e u  me  s i n t o u m a m u l h e r , p r o f e r i d o

p o r u m a m u l h e r , o u e u m e s in t o u m h o m e m , d i t o p o r u m

h o m e m , s u p õ e   que em n e n h u m  dos c a s o s e s s a a f i r m a ç ã o

é a b s u r d a m e n t e r e d u n d a n t e . E m b o r a p o s s a p a r e c e r

 não

p r o b l e m á t i c o

 ser

 d e u m a d a d a a n a t o m i a ( a p e s a r d e t e r m o s

d e c o n s i d e r a r a d i a n t e  as m u i t a s d i f i c u l d a d e s d e s s a p r o p o s

ta) ,

  c o n s i d e r a - s e  a e x p e r i ê n c ia  de u m a d i s p o s i ç ã o p s í q u i c a

ou

  i d e n t i d a d e  c u l t u r a l  de g é n e r o c o m o u m a r e a l i z a ç ã o ou

c o n q u i s t a .

  A s s i m ,

  e u m e s in t o u m a m u l h e r é v e r d a d e na

m e s m a m e d i d a e m q u e   é p r e s u m i d a  a  e v o c a ç ã o  de A r e t h a

51

Page 21: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 21/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

F r a n k l i n do

 O u t r o d e f i n i d o r:

  YOM

  make  me feel like  n -

tural  woman. ^*  E s s a c o n q u i s t a ex i g e u m a d i f e r e n c i a ç ã o em

r e l a ç ã o ao g é n e r o o p o s t o . C o n s e q u e n t e m e n t e ,

  uma

  p essoa

é

  o seu

 g é n e r o

  na

  m e d i d a

  em que não é o

  o u t r o g é n e r o ,

f o r m u l a ç ã o  que p r e s s u p õ e  e  i m p õ e  a  r e s t r i ç ã o  do  g é n e r o

d e n t r o

 desse

 par b i n á r i o .

O  g é n e r o só

 pode

  d e n o t a r u m a  unidade  de  e x p e r i ê n c i a ,

d e s e x o , g é n e r o

 e

 d e se j o , q u a n d o  se e n t e n d e que

 o

 s e x o , em

a l g u m s e n t i d o , e x i g e

  um

 g é n e r o

 —

  s e n d o

  o

  g é n e r o

 uma

d e s i g n a ç ã o p s í q u i c a

 e/ou

 c u l t u r a l  do

 eu

 — e

 um

 desejo —

s e n d o o desejo h e t e r o s s e x u a l e , p o r t a n t o , d i f e r e n c i a n d o - s e

m e d i a n t e  uma  r e l a ç ã o  de  o p o s i ç ã o  ao  o u t r o g é n e r o que

e l e d e s e j a .

  A

  c o e r ê n c i a

  ou a

  u n i d a d e i n t e r n a s

  de

  q u a l

q u e r

  dos

 g é n e r o s , h o m e m

  ou

 m u l h e r , e x i g e m a s s i m uma

h e t e r o s s e x u a l i d a d e e s t á v e l

  e

  o p o s i c i o n a l . E s s a h e t e ro s s e

x u a l i d a d e i n s t i t u c i o n a l e x i g e

  e

  p r o d u z ,

 a

 u m

 só

 t e m p o ,

 a

u n i v o c i d a d e

 de

 c a d a

 um dos

  te r m o s m a r c a d o s p e l o g é n e r o

q u e c o n s t i t u e m  o  l i m i t e  das p o s s i b i l i d a d e s  de g é n e r o no

i n t e r i o r  do  s i s t e m a  de  g é n e r o b i n á r i o o p o s i c i o n a l . E s s a

c o n c e p ç ã o

 do

 g é n e r o n ã o só  p r e s s u p õ e u m a r e l a ç ã o c a u s a l

e n t r e s e x o , g é n e r o

 e

 d e s e j o ,  mas

 sugere

  i g u a l m e n t e

  que o

desejo

  reflete

  ou

 e x p r i m e

  o

 g é n e r o ,

 e que o

  g é n e r o r e f le t e

o u e x p r i m e

  o

  d e s e j o . S u p õ e - s e

  que a

  u n i d a d e m e t a f í s i c a

d o s t r ê s s e j a v e r d a d e i r a m e n t e c o n h e c i d a

  e

  e x p r e s s a num

desejo  d i f e r e n c i a d o r p e l o g é n e r o  oposto

 —

  i s t o

  é,

  n u m a

f o r m a de h e t e r o s s e x u a l i d a d e o p o s i c i o n a l . O  v e l h o s o n h o

d a s i m e t r i a , c o m o

 o

 c h a m o u I r i g a r a y ,

 é

 a q u i p r e s s u p o s t o ,

r e i f i c a d o

 e

 r a c i o n a l i z a d o , s e j a c o m o p a r a d i g m a n a t u r a l i s t a

q u e e s t a b e l e c e u m a c o n t i n u i d a d e c a u s a l e n t r e s e x o , g é n e r o

e d e s e j o , s e j a c o m o u m p a r a d i g m a e x p r e s s i v o a u t ê n t i c o ,

 no

q u a l

  se

 diz

 que um eu

 v e r d a d e i r o

  é

  s i m u l t â n e a

  ou

  s u c e s

s i v a m e n t e r e v e l a d o

  no

 s e x o ,

  no

 g é n e r o

 e no

  dese jo .

5

SUJ TOS

  DO

 SEXO GÊNERO DESEJO

E s s e e s b o ç o

 um

  t a n t o t o s c o

  nos

 dá

 uma

 i n d i c a ç ã o p a r a

c o m p r e e n d e r m o s

  as

  r a z õ e s p o l í t i c a s

  da

  v i s ã o

  do

  g é n e r o

c o m o s u b s t â n c i a .

 A

 i n s t i t u i ç ã o

 de

 u m a h e t e r o s se x u a l i d a d e

c o m p u l s ó r i a

  e

 n a t u r a l i z a d a e x i ge

  e

  r e g u l a

  o

  g é n e r o c o m o

u m a r e l a ç ã o b i n á r i a e m q u e

 o

 t e r m o m a s c u l i n o d i f e r e n c i a - se

d o t e r m o f e m i n i n o , r e a l i z a n d o - s e e s s a d i f e r e n c i a ç ã o

 por

m eio  das p r á t i c a s  do desejo  h e t e r o s s e x u a l .  O ato de  d i f e

r e n c i a r

 os d oi s m o m e n t o s o p o s i c i o n a i s

 da

 e s t r u t u r a b i n á r i a

r e su l ta n u m a c o n s o l i d a ç ã o

 de

 c a d a  um

 de

  se u s t e r m o s ,

 da

c o e r ê n c i a i n t e r n a r e s p e c t i v a

 do

 s e x o , do g é n e r o

 e

 do  dese jo .

O  d e s l o c a m e n t o e s t r a t é g i c o d e ss a r e l a ç ã o b i n á r i a  e da

m eta f í s ic a

 da

 s u b s t â n c i a

 e m que

 e la se b a s e i a p r e s s u p õ e

 que

a p r o d u ç ã o

 das

 c a tegor ia s

 de

 f e m i n i n o e m a s c u l i n o , m u l h e r e

h o m e m , o c o r r a i g u a l m e n t e no i n t e r i o r da e s t r u t u r a b i n á r i a .

F o u c a u l t a b r a ç a i m p l i c i t a m e n t e e s s a e x p l i c a ç ã o . No c a p í t u l o

final  de  História  d sexualidade  J ,

 e

 e m s u a b r e ve m a s s i g n i

f i c a t iva in t roduç ão

 a

  Herculine Barbin, Being  the  Recently

Discovered Journals  of Nineteenth-Century Hermaphro-

dite  [ H e r c u l i n e  B a r b i n , ou os  r e c é m - d e s c o b e r t o s d i á r i o s

de  um h e r m a f r o d i t a  do  s é c u l o

  X I X ] ,

F o u c a u l t  sugere

qu e

 a

 c a t e g o r i a

  de

 s e x o , a n t e r i o r

 a

  q u a l q u e r c a r a c t e r i z a ç ã o

d a d i f e r e n ç a s e x u a l ,

 é

 ela p r ó p r i a c o n s t r u í d a por v i a

 de

 um

m o d o de sexualidade  h i s t o r i c a m e n t e e s p e c í fi c o . Ao p o s t u l a r

o s e x o c o m o c a u s a

da

 e x p e r i ê n c i a s e x u a l ,

 do

 c o m p o r

t a m e n t o

  e do

 d e s e j o ,

  a

  p r o d u ç ã o t á t i c a

  da

  c a t e g o r i z a ç ã o

d e s c o n t í n u a

 e

 b i n á r i a

 do

 s e x o o c u l t a

 os

 ob jet ivos es t ra tégic os

d o p r ó p r i o a p a r a t o

  de

 p r o d u ç ã o .

 A

  p e s q u i s a g e n e a l ó g i c a

 de

F o u c a u l t

  e x p õ e e s sa c a u s a o s t e n s i va c o m o  um  e f e i t o ,

c o m o

  a

  p r o d u ç ã o

 de um dado

  r e g i m e

  de

 s e x u a l i d a d e

 que

b u s c a r e g u l a r

 a

 e x p e r i ê n c i a s e x u a l i n s t i t u i n d o

 as

 c a t e g o r i a s

d i s t i n t a s

 do

 s e x o c o m o f u n ç õ e s  fundacionais

  e

 c a u s a i s , em

t o d o

  e

  q u a l q u er t r a t a m e n t o d i s c u r s i v o

 da

  s e x u a l i d a d e .

5

Page 22: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 22/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

A

  i n t r o d u ç ã o  de F o u c a u l t  aos d i á r i o s  do  h e r m a f r o d i t a

H e r c u l i n e B a r b i n

  sugere que a  c r ít i c a g e n e a l ó g i c a  das ca-

t egor i as re i f i cad as  do sexo é  u m a c o n s e q u ê n c i a i n o p i n a d a

d e p r á t i c a s s e x u a i s  que não p o d e m  ser e x p l i c a d a s

  pelo

d i s c u r s o m é d i c o - l e g a l

 da

 h e t e r o s s e x u a l i d a d e n a t u r a l i z a d a .

H e r c u l i n e n ã o

 é

 u m a i d e n t i d a d e , m a s

  a

  i m p o s s i b i l i d a d e

s e x u a l

  de

 u m a i d e n ti d a d e . E m b o r a e l em e n t o s a n a t ó m i c o s

m a s c u l i n o s  e  f e m i n i n o s  se  d i s t r i b u a m c o n j u n t a m e n t e por

s e u c o r p o ,  e  d e n t r o d e l e , n ã o e s t á  aí a  v e r d a d e i r a o r i g e m

d o e s c â n d a l o .  s  c o n v e n ç õ e s l i n g u í st i c a s  que  p r o d u z e m

e u s c o m c a r a c t e r í s t i c a s d e g é n e r o i n t e l i g ív e i s e n c o n t r a m s e u

l i m i t e

  e m

  H e r c u l i n e ,

  prec i s am ent e porqu e e la/ e l e oc as i o na

u m a c o n v e r g ê n c i a

  e

  d e s o r g a n i z a ç ã o

  das

 regras qu e  gover-

n a m s e x o / g ê n e r o / d e s ej o . H e r c u l i n e d e s d o b r a

  e

 r e d i s t r i b u i

 os

t e r m o s

  do

 s i s t e m a b i n á r i o , m a s e s sa m e s m a r e d i s t r i b u i ç ã o

o s r o m p e  e os faz p r o l i f e r a r f o r a  desse  s i s t e m a .  Segundo

F o u c a u l t , H e r c u l i n e n ã o é  c a t e g o r i z á v e l  no g é n e r o b i n á r i o

c o m o t a l ; a  d e s c o n c e r t a n t e c o n v e r g ê n c i a  de  h e t e r o s s e x u a

l i d a d e e h o m o s s e x u a l i d a d e e m s u a pessoa só é  o c a s i o n a d a ,

m a s n u n c a c a u s a d a ,  por sua d e s c o n t in u i d a d e a n a t ó m i c a .

A

  a p r o p r i a ç ã o

  de

 H e r c u l i n e

  por

 F o u c a u l t

  é

  d u v i d o s a , ^ *

m a s

  sua

 a n á l i s e i m p l i c a

  a

  in t e r e s s a n t e c r e n ç a

  em que a

heterogeneidade  s e x u a l ( p a r a d o x a l m e n t e e x c l u í d a p o r u m a

h é t e r o - s e x u a l i d a d e n a t u r a l i z a d a )

  i m p l i c a

  u m a c r í t i c a da

m e t a f í s i c a d a s u b s t â n c i a , t a l c o m o e s t a i n f o r m a a s c a r a c t e

r í s t i cas i d ent i t á r i a s do s e x o . F o u c a u l t i m a g i n a a  e x p e r i ê n c i a

d e H e r c u l i n e c o m o u m m u n d o

  de

 p r a z e r e s

  em que h á

s o r r i s o s p a i r a n d o

  à

  t o a . ^ ^ S o r r i s o s , f e l i c i d a d e , p r a z e r e s

e  desejos

  são

 a q u i r e p r e s e n t a d o s c o m o q u a l i d a d e s ,

  sem a

s u b s t â n c i a p e r m a n e n t e

  à

 q u a l s u p o s t a m e n t e e s t ã o l i g a d o s .

C o m o a t r i b u t o s f l u t u a n t e s , eles  s u gerem  a  p o s s i b i l i d a d e de

u m a e x p e r i ê n c i a  de g é n e r o  que não pode  ser  a p r e e n d i d a

5

SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO

p e la g r a m á t i c a s u b s t a n c i a l i z a n t e  e  h i e r a r q u i z a n t e  dos

s u bs t ant i vos   {res extensa e  a d j e t i v o s ( a t r i b u t o s , e s s e n c i a i s

e ac i d ent a i s ) . Pe l a

  l e i t u r a

  c u r s i v a  de

 H e r c u l i n e ,

  F o u c a u l t

p r o p õ e u m a o n t o l o g i a d o s a t r i b u t o s a c i d e n t a i s q u e e x p õ e

 a

p o s t u l a ç ã o d a i d e n t i d a d e c o m o u m p r i n c í p i o c u l t u r a l m e n t e

restrito

 de

 o r d e m

  e

 h i e r a r q u i a , u m a f ic çã o r e g u l a d o r a .

Se   é  p o s s í v e l f a l a r  de u m  h o m e m com u m  a t r i b u t o

m a s c u l i n o

 e

 c o m p r e e n d e r  esse  a t r i b u t o c o m o u m t r a ç o f e l i z

m a s a c i d e n t a l desse  h o m e m , t a m b é m

 é

 pos s í ve l f a l a r d e u m

h o m e m com u m a t r i b u t o f e m i n i n o , q u a l q u e r  que  s e ja ,

m a s c o n t i n u a r a p r e s e r v a r  a  i n t e g r i d a d e  do g é n e r o . P o r é m ,

s e d i s pens armos  a p r i o ri d a d e d e h o m e m e  m u l h e r c o m o

s u b s t â n c i a s p e r m a n e n t e s , n ã o s e r á m a i s p o s s í v el s u b o r d i n a r

t r a ç o s d i s s o n a n t e s d o g é n e r o c o m o c a r a c t e r í s t i c a s s e c u n d á

r i as o u a c i d e n t a i s d e u m a o n t o l o g i a d o g é n e r o q u e p e r m a n e

c e f u n d a m e n t a l m e n t e i n t a t a .

 Se a

 n o ç ã o

 de

 u m a s u b s t â n c i a

p e r m a n e n t e

  é

  u m a con s t ru ção f ic t íc i a, pr od u z i d a pe l a

 or-

d e n a ç ã o c o m p u l s ó r i a  de a t r i b u t o s e m s e q u ê n c i a s d e g é n e r o

coerent es , ent ão  o  g é n e ro c o m o s u b s t â n c i a ,  a  v i a b i l i d a d e

de   homem  e mulher  c o m o s u b s t a n t i v o s,  se vê  q u e s t i o n a d o

pelo jogo

  d i s s o n a n t e d e a tr i b u t o s q u e n ã o se c o n f o r m a m a o s

mod e l os s equ enci a i s  ou c a u s a i s  de  i n t e l i g i b i l i d a d e .

D e s se m o d o , a a p a r ê n c i a de u m a s u b s t â n c i a p e r m a n e n t e

o u  de um eu  c o m t r a ç o s  de  g é n e r o ,  ao  q u a l  o  p s i q u i a t r a

R o b e r t S t o l l e r  se  r e f e r e c o m o  o  n ú c l e o  do  género ,^** é

p r o d u z i d a p e l a r e g u l a ç ã o  dos  a t r i b u t o s  segundo  l i n h a s

d e c o e r ê n c i a c u l t u r a l m e n t e e s t a b e l e c id a s .

  E

  r e s u l t a

 que

a  d e n ú n c i a d e s s a p r o d u ç ã o f ic tí ci a

  é

  c o n d i c i o n a d a p e l a

i n t e r a ç ã o d e s r e g u l a d a

  de

 a t r i b u t o s q u e r e s i s t e m

 à

  s u a a s s i

m i l a ç ã o n u m a e s t r u t u r a p r o n t a d e s u b s t a n t i v o s p r i m á r i o s

 e

a d j e t iv o s s u b o r d i n a d o s . C l a r o q u e é s e m p r e p o s s í v e l a r g u

m e n t a r q u e os a d j e ti v o s d i s s o n a n t e s  agemr e t r o a t i v a m e n t e .

Page 23: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 23/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

r e d e f i n i n d o as  id e n t i d a d e s s u b s t a n t i v a s que  s u p o s t a m e n t e

m o d i f i c a m , e

 e x p a n d i n d o c o n s e qu e n t e m e nt e

  as

 c a t e g o r i a s

s u b s t a n t i v a s do g é n e r o , p a r a

  i n c l u i r

  p o s s i b i l i d a d e s que e la s

a n t es e x c l u í a m .

 M as se

 essas  s u b s t â n c i a s n a d a m a i s s ã o

 do

q u e c o e r ê n c i a s c o n t i n g e n t e m e n t e c r i a d a s p e l a r e g u l a ç ã o  de

a t r i b u t o s ,  a

  p r ó p r i a o n t o l o g i a

  das

 s u b s t â n c i a s a f i g u r a - s e

n ã o

  só um

 efe i to

  a r t i f i c i a l ,  mas

 e s s e n c i a l m e n t e s u p é r f l u a .

Nesse

  s e n t i d o ,

 o género

  n ã o

 é

 u m s u b s t a n t i v o , m a s

  t a m

pouco

  é um c o n j u n t o de a tr ibu tos f lutua ntes , p ois v im os

q ue seu efe ito subs ta nt iv o

 é performativamente

  p r o d u z i d o

 e

i m p o s t o p e l a s p r á t i c a s r e g u l a d o r a s  da c o e r ê n c i a do g é n e r o .

C o n s e q u e n t e m e n t e ,

  o

  g é n e r o m o s t r a

  ser  performativo  no

i n t e r i o r  do

  d i s c u r s o h e r d a d o

  da

 m e t a f í s i c a

  da

  s u b s t â n c i a

— isto

  é,

  c o n s t i t u i n t e

 da

 i d e n t i d a d e

  que

 s u p o s t a m e n t e

  é.

Nesse

  s e n t i d o ,

 o

 g é n e r o

 é

 s e m p r e

  um

 f e it o , a i n d a

 que não

se ja obra de um s u je i t o t i d o c o m o p r e e x i s t e n t e  à o b r a . N o

desafio

  de

 r e p e n s a r

  as

 c a t e g o r i a s

  do

  g é n e r o f o r a

  da

 m e t a

f í s ica  da  s u b s t â n c i a ,  é  m i s t e r c o n s i d e r a r  a  r e l e v â n c i a da

a f i r m a ç ã o

  de

 N i e t z s c h e ,

 em  enealogia

  da

  moral de que

n ã o há ' s e r ' p or t r á s do fa z er , do r e a l i z a r e do t o r n a r - s e ; o

' f a z e d o r '

  é

 um a me ra f icçã o a crescen ta da

 à

 o b r a

 — a

 o b r a

 é

t u d o . ^ ' N u m a a p l i c a ç ã o q u e

 o

  p r ó p r i o N i e t z s c h e n ã o

  teria

a n t e c i p a d o ou a p r o v a d o , n ó s a f i r m a r í a m o s c o m o c o r o l á r i o :

n ã o

  há

  i d e n t i d a d e

  de

  g é n e r o

  por

 t r á s

  das

  e x p r e s s õ e s

 do

g é n e r o ;

  essa ident ida de  é performativamente  c o n s t i t u í d a ,

p e l a s p r ó p r i a s e x p r e s s õ e s t i d a s c o m o

  seus

  r e s u l t a d o s .

Linguagem poder e estr tégi s de deslocamento

G r a n d e p a r t e

  da

 t e o r i a

  e da

  l i t e r a t u r a f e m i n i s t a s s u p õ e ,

t o d a v i a ,

  a

  e x i s t ê n c i a

 de um

  f a z e d o r

po r

 t r á s

  da

  o b r a .

A r g u m e n t a - s e

  que sem um

 agente

 não

 pode  h a v e r a ç ã o

 e.

6

SUJEITOS DO SEXO/GÊNERO/DESEJO

p o r t a n t o , p o t e n c i a l p a r a

  i n i c i a r

  q u a l q u e r t r a n s f o r m a ç ã o

d a s r e l a ç õ e s

 de

 d o m i n a ç ã o

  no

 seio

 da

 s o c i e d a d e .

  A

  t e o r i a

f emini s ta

  r a d i c a l

 de W i t t ig

  o c u p a u m a p o s i ç ão a m b í g u a

 no

continuum  das t e o r i a s

  sobre

 a q u e s t ã o do s u j e i t o . Por um

l a d o ,  W i t t i g  p a r e c e c o n t e s t a r  a  m e t a f í s i c a  da s u b s t â n c i a ,

m a s , por o u t r o , e l a m a n t é m o s u j ei t o h u m a n o , o  i n d i v í d u o ,

c o m o

  locus

  m e t a f í s i c o

  da

  a ç ão . E m b o r a

 o

 h u m a n i s m o

 de

W i t t i g

  p r e s s u p o n h a c l a r a m e n t e

 a

 e x i s t ê n c i a

 de um agente

por t rá s

 da

 o b r a ,

 sua

 t e o r i a d e l i n e i a

 a

 c o n s t r u ç ã o

  perfor-

mativa

  do

 g é n e r o

 nas

 p r á t ic a s m a t e r i a i s

 da

 c u l t u r a ,  c o n

testa ndo

 a

 t e m p o r a l i d a d e  das e x p l i c a ç õ e s que  c o n f u n d e m

c a u s a e  r e s u l t a d o . N u m a f r a se  que sugere  o  e s p a ç o

i n t e r t e x t u a l  que l i g a  W i t t i g  a  F o u c a u l t  (e r e v e l a t r a ç o s

d a i d e i a m a r x i s t a

  de

  r e i f i c a ç ã o

  nas

 t e o r i a s

  de ambos os

p e n s a d o r e s ) ,

  ela

  escrev e:

U m a

 abordagem

 fem inista ma ter ia l i s ta mostra que a q ui

lo

 que

 toma mos

  por

  ca usa

  ou

 origem

 da

 opressã o

 é na

verdade

 a marca

  imposta

 pelo

 opressor ;

 o

  m i t o

 da

 m u

l h e r ,  somado a seus

  efeitos

  e

  ma ni festa ções m a ter ia i s

na

  consciência

 e nos

  corpos a propria dos

  das

 mulheres .

A s s i m ,

 essa ma rca nã o preex iste

 à

 opressã o

  [...] o sexo é

toma do como um  dado  i m e d i a t o , u m  dado sensív el ,

como ca ra cter í s t ica s f í s ica s pertencentes

 a

 uma ordem

natura l .

 M a s

 o

 que acreditamo s ser uma perce pção física

e d i reta

 é

 somente um a constru çã o sof i s t ica da

  e

 mít ica ,

um a

  forma çã o ima g iná r ia .

P o r e s s a p r o d u ç ã o

 de

  n a t u r e z a o p e r a r

 de

 a c o r d o c o m

os di ta mes

 da

 h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a ,

 o

 s u r g i m e n

to

 do

 desejo  h o m o s s e x u a l t r a n s c e n d e ,

 na

 o p i n i ã o d e l a ,

 as

ca tegoria s  do s e x o :  se o desejo

 pudesse

  l i b e r t a r a si m e s m o ,

n a d a  t e r i a a v e r c o m a m a r c a ç ã o p r e l i m i n a r

 pelos

  sex os .

U  7

M M

Page 24: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 24/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

W i t t i g

  re fere-se

  ao

  s e x o c o m o

  uma

 m a r c a

  que de

a l g u m  modo

  é

  a p l i c a d a p e l a h e t e r o s s e x u a l i d a d e

  i n s t i t u

c i o n a l i z a d a ,

  m a r c a e s t a  que pode ser apagada  ou  o b s c u

r e c i d a

  por m e i o  de p r á t i c a s  que e f e t i v a m e n t e c o n t e s t e m

e s s a i n s t i t u i ç ã o . Su a o p i n i ã o ,

 é

 c l a r o , d i f e r e r a d i c a l m e n t e

d a q u e l a d e I r i g a r a y .  E s t a  ú l t i m a c o m p r e e n d e r i a

  a

  m a r c a

d e g é n e r o c o m o p a r t e d a e c o n o m i a s i g n i f i c a n t e h e g e m ó n i c a

d o m a s c u l i n o ,

 que

 o p e r a m e d i a n t e

  a

 a u t o e l a b o r a ç ã o

 dos

m e c a n i s m o s e s p e cu l a r e s q u e v i r t u a l m e n t e d e t e r m i n a r a m

o c a m p o  da  o n t o l o g i a  na  t r a d i ç ã o f i l o s ó fi c a o c i d e n t a l .

P a r a  W i t t i g ,  a  l i n g u a g e m  é um i n s t r u m e n t o ou  u t e n s í l i o

q u e a b s o l u t a m e n t e  não é  m i s ó g i n o  em s u a s e s t r u t u r a s ,

m a s s o m e n t e e m s u a s a p l i ca ç õ e s . ' '̂ P a r a I r i g a r a y ,

 a

  p o s s i

b i l i d a d e

  de

 o u t r a l i n g u a g e m

  ou

 e c o n o m i a s i g n i f i c a n t e

  é a

ú n i c a c h a n c e

  de

 f u g i r

  da

  m a r c a

do

 g é n e r o , q u e , p a r a

  o

f e m i n i n o , n a d a m a i s

  é do que a

  o b li t e r a ç ã o m i s ó g i n a

 do

sexo

  f e m i n i n o . E n q u a n t o I r i g a r a y b u s c a e x p o r

  a

  r e l a ç ã o

o s t e n s i v a m e n t e b i n á r i a e n t r e  os sexos  c o m o  um  a r d i l

m a s c u l i n i s t a

  que  e x c l u i  por c o m p l e t o  o  f e m i n i n o ,  W i t t i g

a r g u m e n t a q u e p o s i ç õ e s c o m o

  a de

 I r i g a r a y r e c o n s o l i d a m

a  l ó g i c a b i n á r i a e x i s t e n t e e n t r e

 o

  m a s c u l i n o

 e o

  f e m i n i n o ,

e r e a t u a l i z a m u m a i d e i a m ít i c a

 do

 fe m i n i n o . I n s p i r a n d o - s c

c l a r a m e n t e

  na

 c r í t i c a

  de

  B e a u v o i r

  em O

  segundo sexo

W i t t i g

  a f i r m a q u e n ã o

  há

  ' e s c r i t a f e m i n i n a ' . ' ' ^

W i t t i g

  a c a t a c l a r a m e n t e

  a

  i d e i a

 de um poder  da

  l i n

guagem de

 s u b o r d i n a r

  e

 e x c l u i r

 as

 m u l h e r e s . C o m o m a

t e r i a l i s t a ,

  c o n t u d o , e l a c o n s i d e r a

 a

  l i n g u a g e m c o m o u m a

o u t r a o r d e m

  de

  m a t e r i a l i d a d e , ' ' ''

  uma

 i n s t i t u i ç ã o

 que

pode

 ser

 r a d i c a l m e n t e t r a n s f o r m a d a .

 

l inguagem f igura

r i a  e n t r e as p r á t i c a s e  i n s t i t u i ç õ e s c o n c r e t a s e  c o n t i n g e n t e s

m a n t i d a s p e l a s e s c o l h a s i n d i v i d u a i s , e  c o n s e q u e n t e m e n t e ,

en fraquec idas p elas aç ões c o let ivas de se lec ionar ind iv íduos .

8

SUJEITOS

 DO SEXO GÊNERO DESEJO

A

  f i c ç ão l inguís t ic a  do  s e x o , a r g u m e n t a e l a , é  u m a ca-

t e g o r i a p r o d u z i d a

  e

 d i s s e m i n a d a

  pelo

  s i s t e m a

  da

  h e t e r o s

s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a , n u m e s f o r ç o p a r a r e s t r i n g i r

 a

p r o d u ç ã o

 de

  id e n t i d a d es e m c o n f o r m i d a d e c o m

 o

  e i x o

 do

desejo  h e t e r o s s e x u a l . E m a l g u n s

  de

 seus  t r a b a l h o s , t a n t o

a  h o m o s s e x u a l i d a d e m a s c u l i n a c o m o

  a

  f e m i n i n a , a s s i m

c o m o o u t r a s p o s i ç õ e s i n d e p e n d e n t e s

  do

 c o n t r a t o h e t e r o s

s e x u a l ,

  f a c u l t a m t a n t o a s u b v e r s ã o c o m o a p r o l i f e r a ç ã o da

c a t e g o r i a

 do

 se x o . E m

 The

 Lesbian

  ody

  [ O c o r p o l é s b i c o ] ,

c o m o e m o u t r o s e s c r i t o s ,

  W i t t i g

  p a r e c e d i s c o r d a r c o n t u d o

d e u m a s e x u a l i d a d e g e n i t a l m e n t e o r g a n i z a d a

 per

 se   e evoc ar

u m a e c o n o m i a a l t e r n a t i v a d o s p r a z e r e s ,

 a

 q u a l c o n t e s t a r i a

 a

c o n s t r u ç ã o d a s u b je t i v i d a d e f e m i n i n a , m a r c a d a p e l a f u n ç ã o

rep rodut iva que sup ostam ente d i s t ingue as m ulh eres . ' '^  A q u i

a  p r o l i f e r a ç ã o  de  p r a z e r e s f o r a  da  e c o n o m i a r e p r o d u t i v a

sugere  uma f o r m a e s p e c i f i c a m e n t e f e m i n i n a  de  d i f u s ã o

e r ó t i c a , c o m p r e e n d i d a c o m o c o n t r a e s t r a t é g i a e m r e l a ç ã o

 à

c o n s t r u ç ã o r e p r o d u t i v a

 da

 g e n i t a l i d a d e . E m c e r t o s e n t i d o ,

p a r a

  W i t t i g ,  The

  Lesbian  ody

  pode ser

 e n t e n d i d o c o m o

u m a  l e i t u r a  i n v e r t i d a

dos

 Três ensaios sobre

  a

  teoria

  da

sexualidade

de

 F r e u d ,  em que e le defende

 a

  s u p e r i o r i d a d e

d a s e x u a l i d a d e g e n i t a l e m t e r m o s do d e s e n v o l v i m e n t o , so-

br e a s e x u a l i d a d e  i n f a n t i l ,  m a i s r e s t ri t a e d i f u s a . S o m e n t e  o

i n v e r t i d o ,

  c l a s s i f i c a ç ã o m é d i c a i n v o c a d a p o r F r e u d p a r a

o h o m o s s e x u a l , d e i x a

 de

  a t i n g i r

a

  n o r m a g e n i t a l .

  o

e m p r e e n d e r

  uma

  c r í t i c a p o l í t i c a

  da

  g e n i t a l i d a d e ,

  W i t t i g

p a r e c e d e s d o b r a r

  a

  i n v e r s ã o c o m o p r á t i c a

 de

 l e i t u r a  c r í

t i c a ,  v a l o r i z a n d o p r e ci s a m e n t e

 os

 aspectos

 da

  s e x u a l i d a d e

n ã o d e s e n v o l v i d a d e s i g n a d a p o r   F r e u d ,

 e

 i n a u g u r a n d o  efe-

t i v a m e n t e u m a p o l í t i c a p ó s - g e n i t a l . ' ' * A l i á s , a  n o ç ã o de

d e s e n v o l v i m e n t o s ó pode  se r  l i d a  c o m o u m a n o r m a l i z a ç ã o

d e n t r o

 da

 m a t r i z h e t e r o s s e x u a l . T o d a v i a , s e r á e ss a

  a

  ú n i c a

9

Page 25: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 25/30

PROBLEMAS  DE  G Ê N R O

l e i t u r a p o s s í v e l  de  F r e u d ?  E em que m e d i d a  a  p r á t i c a  de

i n v e r s ã o de W i t t i g  e s t a r á c o m p r o m e t i d a c o m  o  m o d e l o

d e n o r m a l i z a ç ã o

  que ela

 m e s m a b u s c a d e s m a n t e l a r ?

 E m

o u t r a s p a l a v r a s , s e

 o

 m o d e l o d e u m a s e x u a l i d a d e a n t i g e n i t a l

e m a i s d i f u s a s e r v e c o m o a l t e r n a t i v a s i n g u l a r e d e o p o s i ç ã o

à e s t r u t u r a h e g e m ó n i c a  da  s e x u a l i d a d e ,  em que m e d i d a

n ã o e s t a r á e s s a r e l a ç ã o b i n á r i a f a d a d a

  a

  r e p r o d u z i r - s e i n

t e r m i n a v e l m e n t e ? Q u e p o s s i b i li d a d e s e x i s t e m  de  r u p t u r a

d o p r ó p r i o b i n á r i o o p o s i c i o n a l ?

A

  o p o s i ç ã o  de  W i t t i g  à  p s i c a n á l i s e p r o d u z u m a c o n

s e q u ê n c i a i n e s p e r a d a .  Sua t e o r i a p r e s u m e j u s t a m e n t e  a

t e o r i a p s i c a n a l í t i c a

  do

 d e s e n v o l v i m e n t o , n e l a p l e n a m e n t e

i n v e r t i d a ,

  q u e e l a b u s c a s u b v e r t e r .

  A

  p e r v e r s ã o p o l i m ó r -

f i c a ,  q u e s u p o s t a m e n t e  e x i s t i r i a  a n t e s

 da

 m a r c a

 do

 s e x o ,

 é

v a l o r i z a d a c o m o u m

  telos  da

 s e x u a l i d a d e h u m a n a . ' ' ^ U m a

r e s p o s t a p s i c a n a l í t i c a f e m i n i s t a p o s s ív e l  às c o l o c a ç õ e s de

W i t t i g

  s e r i a a r g u m e n t a r

  que ela

 t a n t o s u b t e o r i z a c o m o

s u b e s t i m a  o  s i g n i f i c a d o  e a  f u n ç ã o  da  lingu gem  em que

o c o r r e  a m a r c a  do g é n e r o . E l a c o m p r e e n d e e s s a p r á t i c a

d e m a r c a ç ã o c o m o c o n t i n g e n t e , r a d i c a l m e n t e v a r i á v e l

  e

m e s m o d i s p e n s á v e l .

  O

st tus

  de proibição

  p r i m á r i a ,

 na

t e o r i a l a c a n i a n a , o p e r a m a i s e f i c a z m e n t e

  e

  m e n o s c o n

t i n g e n t e m e n t e

  do que a

  n o ç ã o

  dc prátic regul dor em

F o u c a u l t ,  ou e do que a  d e s c r i ç ã o m a t e r i a l i s t a  de um

s i s t e m a  de  o p r e s s ã o h e t e r o s s e x i s t a  emW i t t i g .

E m  L a c a n , c o m o n a r e f o r m u l a ç ã o p ó s - l a c a n i a n a d e F r e u d

p o r I r i g a r a y ,

 a

  d i fe r e n ç a s e x u a l n ã o é u m b i n á r i o s i m p l e s q u e

r e t é m a m e t a f í s i c a d a s u b s t â n c i a c o m o s u a f u n d a ç ã o . O  s u

j e i t o m a s c u l i n o  u m a c o n s t r u ç ã o f i c t í c i a , p r o d u z i d a p e l a

le i  q u e p r o í b e

 o

  i n c e st o e i m p õ e u m d e s l o c a m e n t o

  in f in i to do

desejo  h e t e r o s s e x u a l i z a n t c .

  O

  f e m i n i n o n u n c a  u m a m a r

c a  do

 s u j e i t o ;

 o

  f e m i n i n o n ã o  pode

 ser o

  a t r i b u t o

de um

6

SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO

g é n e r o . Ao i n v é s d i s s o , o  f e m i n i n o é a s i g n i f i c a ç ã o d a f a l t a ,

s ig n i f icad a   pelo  S i m b ó l i c o , u m c o n j u n t o  de r e g r a s l i n g u í s

t i c a s d i f e r e n c i a i s q u e e f e t i v a m e n t e  c r i a  a  d i f e r e n ç a s e x u a l .

A

  p o s i ç ã o l i n g u í s t i c a m a s c u l i n a p a s s a p e l a i n d i v i d u a ç ã o

 e

h e t e r o s s e x u a l i z a ç ã o e x i g i d a s p e l a s p r o i b i ç õ e s f u n d a d o r a s

 da

le i

  S i m b ó l i c a ,

 a

  le i

 do

 P a i .

 O

  i n c e s t o , q u e s e p a r a

  o

  f i lho

 da

m ã e

 e,

 p o r t a n t o , i n s t a l a

 a

  r e l a ç ã o

 de

 paren tes co entre e les ,

é u m a l e i d e c r e t a d a e m n o m e do P a i . S e m e l h a n t e m e n t e , a

lei   q u e p r o í b e o desejo da m e n i n a t a n t o p o r s u a m ã e c o m o

por s eu pa i exige  q u e e l a a s s u m a  o  e m b l e m a  da m a t e r n i d a

de

 e

  p e r p e t u e

  as

 r e g r a s

  de

 p a r e n t e s c o . A m b a s

  as

  p o s i ç õ e s ,

m a s c u l i n a

 e

 f e m i n i n a , s ã o a s s i m i n s t i t u í d a s p o r m e i o d e l e i s

p r o i b i t i v a s q u e p r o d u z e m g é n e r o s c u l t u r a l m e n t e i n t e l i g í v e i s ,

m a s s o m e n t e m e d i a n t e

  a

  p r o d u ç ã o

  de

 u m a s e x u a l i d a d e i n

c o n s c i e n t e , q u e r e s s u r g e  no d o m í n i o  do  i m a g i n á r i o . '

A

  a p r o p r i a ç ã o f e m i n i s t a da d i f e r e n ç a s e x u a l , e s c r i t a e m

o p o s i ç ã o

  ao

  f a l o c e n t r i s m o

  de

  L a c a n ( I r ig a r a y )

  ou

  c o m o

s u a r e e l a b o r a ç ã o c r í t i c a , t e n t a t e o r i z a r  o  f e m i n i n o , não

c o m o  uma e x p r e s s ã o  da  m e t a f í s i c a  da  s u b s t â n c i a , mas

c o m o u m a a u s ê n c i a n ã o r e p r e s e n t á v e l , p r o d u z i d a p e l a

 ne-

g a ç ã o ( m a s c u l i n a )

 que

 estabelece

  a

  e c o n o m i a s i g n i f i c a n t e

p o r

  via da

  e x c l u s ã o . C o m o r e p u d i a d o / e x c l u í d o d e n t r o

 do

s i s t e m a ,

 o

  f e m i n i n o c o n s t i t u i u m a p o s s i b il i d a d e

  de

  c r í t ica

e de r u p t u r a c o m esse  e s q u e m a c o n c e i t u a i h e g e m ó n i c o . Os

t r a b a l h o s  de J a c q u e l i n e R o s e '  e Jane  G a l l o p ' ' ° s u b l i n h a m

d e d i f e r e n te s m a n e i r a s  o  st tus  c o n s t r u í d o  da  d i f e r e n ç a

s e x u a l ,

 a

  i n s t a b i l id a d e i n e r e n te d e s s a c o n s t r u ç ã o ,

 e a

  l in h a

d e c o n s e q u ê n c i a s d u a i s

  de uma

 p r o i b i ç ã o

  que a um só

t e m p o  i n s t i t u i

  a

  id e n t i d a d e s e x u a l

  e

  p o s s i b i l i t a

 a

  d e n ú n c i a

d a s t é n u e s bases  d e s u a c o n s t r u ç ã o . E m b o r a  W i t t i g  e o u t r a s

f e m i n i s t a s m a t e r i a l i s t a s

  do

  c o n t e x t o f r a n c ê s a r g u m e n t e m

qu e  a  d i fe r e n ç a s e x u a l  é  u m a r e p l i c a ç ã o i r r e f l e t id a  dc um

6

Page 26: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 26/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

c o n j u n t o r e i f i c a d o  de p o l a r i d a d e s s e x u a d a s , s u a s r e f l e x õ e s

n e g l i g e n c i a m  a  d i m e n s ã o c r í t i c a  do  i n c o n s c i e n t e , o  q u a l ,

c o m o

  sede

 da s e x u a l i d a d e r e c a l c a d a , r e s su r g e  no  d i s c u r s o

d o s u je i t o como a  p r ó p r i a i m p o s s i b i l i d a d e d e s u a c o e r ê n c i a .

C o m o d e s ta c a R o s e m u i t o c l a r a m e n t e , a c o n s t r u ç ã o d e u m a

i d e n t i d a d e s e x u a l c o e r e n t e ,  em c o n f o r m i d a d e c o m  o  e i x o

d i s j u n t i v o d o f e m i n i n o / m a s c u l i n o , e s tá f a d a d a

  ao

  fracasso;^ '

a s r u p t u r a s d e s s a c o e r ê n c i a  por  m e i o  do  r e s s u r g i m e n t o

i n o p i n a d o

 do

 r e c a l c a d o r e v e l a m n ã o

 s ó

 qu e

 a

  i d e n t i d a d e

é c o n s t r u í d a , m a s q u e a  p r o i b i ç ã o q u e c o n s t r ó i a  i d ent i d ad e

é i ne f i caz  (a l e i p a t e r n a n ã o

  deve

 ser  en t e n d i d a c o m o u m a

v o n t a d e

  d i v i n a

  d e t e r m i n i s t a , m a s c o m o u m

 passo

  em fa l s o

p e r p é t u o a p r e p a r a r o  t e r re n o p a r a i n s u r r e i ç õ e s c o n t r a e l a ) .

A s d i f e renças ent re as p o s i ç õ e s m a t e r i a l i s t a e  l a c a n i a n a

( e p ó s - l a c a n i a n a ) e m e r g e m  na d i s p u t a n o r m a t i v a s o b r e  se

h á u m a s e x u a l i d a d e r e s g a t á v e l a n t e s ou  f o r a da l e i , na

m o d a l i d a d e d o i n c o n s c i e n t e , o u d e p o i s da l e i , c o m o s e x u

a l i d a d e p ó s - g e n i t a l . P a r a d o x a l m e n t e ,

 o

 t r o p o n o r m a t i v o d a

p e r v e r s ã o p o l i m ó r f i c a é c o m p r e e n d i d o c o m o c a r a c t e r i z a d o r

d e a m b a s

  as

  v i s õ e s

  de

  s e x u a l id a d e a l t e r n a t i v a . C o n t u d o ,

n ã o  há  a c o r d o s o b r e  a  m a n e i r a  de  d e l i m i t a r e s sa l e i

o u c o n j u n t o  de  l e i s .  A  c r í t i c a p s i c a n a l í t i c a  dá  c o n t a da

c o n s t r u ç ã o  do  s u j e i t o — e  t a l v e z t a m b é m  da  i l u s ão da

s u b s t â n c i a — n a m a t r i z d a s r e l a ç õ e s n o r m a t i v a s d e g é n e r o .

E m

  s e u m o d o e x i s t e n c i a l - m a t e r i a l i s t a , W i t t i g  p r e s u m e q u e o

s u j e i t o , a  p e s s o a , t e m u m a i n t e g r i d a d e p r é - s o c i a l e a n t e r i o r

a

  s eu s t raços

 de

 g é n e r o . P o r o u t r o l a d o ,

  a

  le i p a t e r n a , c m

L a c a n ,  a s s i m c o m o

 a

 p r i m a z i a m o n o l ó g i c a d o f a l o c e n t r i s m o

e m I r i g a r a y , l e v a m  a  m a r c a  de  u m a s i n g u l a r id a d e m o n o -

t e í s t i ca t a l vez menos u ni t á r i a e c u l t u r a l m e n t e u n i v e r s a l do

q u e p r e s u m e m  as  su p o s i ç õ e s e s t r u t u r a l i s t a s .

A

  d i s p u t a , p o r é m , t a m b é m p a r e c e g i r a r

  em

 t o r n o

 d a

a r t i c u l a ç ã o  de um t r o p o t e m p o r a l  de uma  s e x u a l i d a d e

6

SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO

s u bvers i va , qu e f l ores ce  ntes  d a i m p o s i ç ã o d a

  l e i ,

  pó s  s u a

d e r r u b a d a o u d u r a n t e s u a v i g ê n c i a , c o m o d e s a f io c o n s t a n t e

à s u a a u t o r i d a d e .

  A q u i

  p a r e c e s e n s a t o e v o c a r n o v a m e n t e

F o u c a u l t , q u e , ao a f i r m a r q u e s e x u a l i d a d e  e p o d e r s ã o c o -

e x t e n s i v o s , r e f u t a i m p l i c i t a m e n t e a p o s t u l a ç ã o de u m a se-

x u a l i d a d e s u b v e r s i v a o u e m a n c i p a t ó r i a q u e p o s s a s e r

  l i v r e

d a l e i . P o d e m o s

  i n s i s t i r

  n e s s e a r g u m e n t o , s a l i e n t a n d o

 que

o a n t e s

e o

 d e p o i s

da

  le i s ã o m o d o s

  de

  t e m p o r a l i d a d e

d i s c u r s i v a  e  perform tiv mente  i n s t i t u í d o s , i n v o c a d o s

n o s t e r m o s  de u m a e s t r u t u r a n o r m a t i v a q u e a f i r m a q u e a

s u b v e r s ã o ,  a  d e s e s t a b i l i z a ç ã o  ou o  d e s l o c a m e n t o e x i g e m

u m a s e x u a l i d a d e q u e d e a l g u m m o d o  escape  d a s p r o i b i ç õ e s

h e g e m ó n i c a s a p e s a r e m s o b r e  o  s e xo . P a r a F o u c a u l t , essas

p r o i b i ç õ e s

  são

  i n v a r i á v e l

  e

  i n o p i n a d a m e n t e p r o d u t i v a s ,

no s ent i d o  de que o  s u j e i t o que s u p o s t a m e n t e  é  f u n d a

d o  e  p r o d u z i d o n e l a s e por m e i o d e l a s  não te m

  acesso

 a

u m a s e x u a l i d a d e  que e s t e j a ,  em a l g u m s e n t i d o , f o r a ,

a n t e s ou  d e p o i s do  p r ó p r i o p o d e r .  O  p o d e r ,  ao  i nvés

d a l e i , a b r a n g e t a n t o  as  f u n ç õ e s  ou  r e l a ç õ e s d i f e r e n c i a i s

j u r í d i c a s ( p r o i b i t i v a s

  e

  r e g u l a d o r a s ) c o m o

  as

  p r o d u t i v a s

( i n i n t e n c i o n a l m e n t e g e n e r a t i v a s ) . C o n s e q u e n t e m e n t e ,

  a

s e x u a l i d a d e  que

 emerge

 na m a t r i z das r e l a ç õ e s  de  p o d e r

n ã o é  u m a s i m p l e s d u p l i c a ç ã o  ou c ó p i a  da l e i e l a m e s m a ,

u m a r e p e t i ç ã o u n i f o r m e de uma  e c o n o m i a m a s c u l i n i s t a

d a i d e n t i d a d e . As p r o d u ç õ e s se d e s v i a m de  se u s p r o p ó s i t o s

o r i g i n a i s  e  m o b i l i z a m i n a d v e r t i d a m e n t e p o s s i b il i d a d e s

d e s u j e i t o s

que não

 a p e n a s u l t r a p a s s a m

  os

  l i m i t e s

 da

i n t e l i g i b i h d a d e

  c u l t u r a l

  c o m o e f e t iv a m e n t e e x p a n d e m

  as

f r o n t e i r a s  do que é de  f a to c u l t u r a l m e n t e i n t e l i g í v e l .

A

  n o r m a f e m i n i s t a da s e x u a l i d a d e p ó s - g e n i t a l t o r n o u - s e

o b j e t o  de  u m a c r í t i c a s i g n i f i c a t i v a  da  p a r t e  das  t e ó r i c a s

f e m i n i s t a s  da  s e x u a l i d a d e , a l g u m a s  das  q u a i s b u s c a r a m

u m a

  a p r o p r i a ç ã o e s p e c i f i c a m e n t e f e m i n i s t a e / o u l é s b i c a

 de

63

Page 27: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 27/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

F o u c a u l t . C o n t u d o ,

  a

  n o ç ã o u t ó p i c a

  de

  u m a s e x u a l i d a d e

l i v r e  d o s c o n s t r u t o s h e t e r o s s e x u a i s , u m a s e x u a l i d a d e a l é m

d o s e x o , n ã o c o n s e g u i u r e c o n h e c e r

  as

  m a n e i r a s c o m o

 as

r e l a ç õ e s d e

 poder

  c o n t i n u a m c o n s t r u i n d o a s e x u a l i d a d e d a s

m u l h e r e s , m e s m o n o s t e r m o s de u m a h o m o s s e x u a l i d a d e o u

l e s b ia n i s m o l i b e r a d o s . A  m e s m a c r í t i c a é  f e it a c o n t r a a

n o ç ã o

 de

 u m p r a z e r s e x u a l e s p e c if i c am e n t e f e m i n i n o ,  r a d i

ca l me nt e d i f e renc i a d o d a s exua l i d a d e f á l i ca . Os e s forços oca

s i o n a i s

 de

 I r i g a r a y p a r a d e d u z i r u m a s e x u a l i d a d e f e m i n i n a

es pec í f i ca

  de

 u m a a n a t o m i a f e m i n i n a e s p e c íf i c a f o r a m ,

 por

a l g u m t e m p o ,

 o

 cent r o d os a rgum ent os a nt i e s s enc i a l i s t a s . ^ ' '

O  r e t o r n o  à  b i o l o g i a c o m o  base de uma s e x u a l i d a d e  ou

s i g n i f i c a ç ã o e s p e c í f i c a s f e m i n i n a s p a r e c e d e s b a n c a r   a  p r e

m i s s a f e m i n i s t a  de que a  b i o l o g ia n ã o  é o  d e s t in o . P o r é m ,

q u e r

  a

  s e x u a l i d a d e f e m i n i n a

  se

 a r t i c u l e a q u i n u m d i s c u r s o

d a b i o l og i a po r mot i v os pura m ent e e s t ra t ég i cos ,^^ quer s e ja

d e f a t o u m r e t o r n o f e m i n i s t a

  ao

 e s s e n c i a li s m o b i o l ó g i c o ,

 a

c a r a c t e r i z a ç ã o d a s e x u a l i d a d e f e m i n i n a c o m o r a d i c a l m e n t e

d i s t i n t a da

 o r g a n i z a ç ã o f á li c a d a s e x u a l i d a d e c o n t i n u a p r o

b l emát i ca . As mul heres que não reconhecem es s a s exua l i d a d e

c o m o s u a , ou não c o m p r e e n d e m  sua s e x u a l i d a d e c o m o

p a r c i a l m e n t e c o n s t r u í d a n o s t e r m o s d a e c o n o m i a f á l i c a s ã o

p o t e n c i a l m e n t e d e s c a r t a d a s

  po r

 e s s a t e o r i a , a c u s a d a s

  de

i d e n t i f i c a ç ã o c o m

  o

  m a s c u l i n o

ou de

  o b s c u r a n t i s m o .

N a v e r d a d e ,

  o

  t e x t o

 de

 I r i g a r a y

 é

  f r e q u e n te m e n t e o b s c u r o

sobre

 a

  q u e s t ã o

  de

 saber

 se a

  s e x u a l i d a d e

  é

  c u l t u r a l m e n t e

c o n s t r u í d a ,

 ou se só é

 c u l t u r a l m e n t e c o n s t r u í d a n o s t e r m o s

d o f a l o . E m o u t r a s p a l a v r a s , e s t a r i a o pra zer e s pec i f i ca ment e

f e m i n i n o f o r a da  c u l t u r a , c o m o  sua p r é - h i s t ó r i a  ou seu

f u t u r o u t ó p i c o ?

  Se

  a s s i m

 for de que

 s e rve e s s a n oçã o

 nas

n e g o c i a ç õ e s

  das

 d is p u t a s c o n t e m p o r â n e a s

  sobre a

  s e x u a l i

dade

  e m t e r m o s

 de

 s u a c o n s t r u ç ã o ?

6

SUJEITOS DO SEXO GÊNERO DESEJO

O  m o v i m e n t o p r ó - s e x u a l i d a d e  no â m b i t o  da  t e o r i a  e

d a p r á t i c a f e m i n i s t a s t e m e f e t i v a m e n t e a r g u m e n t a d o q u e

 a

s e x u a l i d a d e s e m p r e  é  c o n s t r u í d a n o s t e r m o s do d i s c u r s o e

d o

  poder sendo

 o poder

  e m p a r t e e n t e n d i d o e m t e r m o s d a s

c o n v e n ç õ e s c u l t u r a i s h e t e r o s s e x u a is

  e

  f á l i ca s .

 A

  e m e r g ê n c i a

d e u m a s e x u a l i d a d e c o n s t r u í d a ( n ã o d e t e r m i n a d a )

  nesses

t e r m o s ,

  nos

 c o n t e x t o s l é s b i c o , b i s s e x u a l

  e

  h e t e r o s s e x u a l ,

ã c o n s t i t u i , p o r t a n t o , u m

  s i n a l

  d e i d e n t i fi c a ç ã o m a s c u l i n a

n u m

  s e n t i d o r e d u c i o n i s t a . N ã o

  se

 t r a t a

 de

 n e n h u m p r o j e t o

f r a c a s s a d o  de  c r i t i c a r  o  f a l o c e n t r i s m o  ou a  h e g e m o n i a

h e t e r o s s e x u a l , c o m o

  se

  c r í t i c a s p o l í t i c a s t i v e s s e m

  o poder

d e d es fa zer e fe t i va m ent e

  a

  c o n s t r u ç ã o  c u l t u r a l

 da

  s e x u a l i

dade das

 c r í t i c a s f e m i n i s t a s .

  Se a

 s e x u a l i d a d e

  é

  c o n s t r u í d a

c u l t u r a l m e n t e

 no

 i n t e r i o r d a s r e l a ç õ e s

 de poder

  e x i s t e n t e s ,

e n t ã o a p o s t u l a ç ã o d e u m a s e x u a l i d a d e n o r m a t i v a q u e e s te j a

a n t e s , f o r a

ou

  a l é m

do poder

  c o n s t i t u i u m a i m p o s

s i b i l i d a d e

  c u l t u r a l

 e

  u m s o n h o p o l i t i c a m e n t e i m p r a t i c á v e l ,

q u e a d i a

 a

  t ar e f a c o n c r e t a

 e

 c o n t e m p o r â n e a

  de

 r e p e n s a r

 as

p o s s i b i l i d a d e s s u b v e r s i v a s  da  s e x u a l i d a d e  e da  i d e n t i d a d e

n o s p r ó p r i o s t e r m o s

 do

 poder.

  C l a r o q u e e s s a t a r e f a c r í t i c a

s u p õ e

  que

 o p e r a r

  no

  i n t e r i o r

 da

  m a t r i z

 de poder

  n ã o

  é o

m e s m o q u e r e p r o d u z i r a c r i t i c a m e n t e

 as

 r e l a ç õ e s d e d o m i n a

ç ã o . E l a

 oferece a

  p o s s i b i l i d a d e

  de

 u m a r e p e t i ç ã o

 da

 l e i que

n ã o r e p r e s e n t a s u a c o n s o l i d a ç ã o , m a s s e u d e s l o c a m e n t o . N o

l u g a r

 de

 u m a se x u a l i d a d e c o m i d e n t i d a d e m a s c u l i n a , e m

q u e  o  m a s c u l i n o a t u a c o m o c a u s a  e  s i gn i f i ca d o i r red ut í ve l

d e s s a s e x u a l i d a d e ,

  nós podemos

  d e s e n v o l v e r

  uma

 n o ç ã o

d e s e x u a l i d a d e c o n s t r u í d a

  em

  t e r m o s

  das

 re l a çõ es f á l i ca s

de

  poder

as

  q u a i s r e e s t r u t u r a r i a m

  e

  r e d i s t r i b u i r i a m

 as

p o s s i b i l i d a d e s

  desse

  f a l i c i s m o

  por

 m e i o , p r e c i s a m e n t e ,

 da

o p e r a ç ã o s u b v e r s i v a d a s i d e n t i f i c a ç õ e s q u e s ã o i n e v i t á v e i s

n o c a m p o d e

 poder

  d a s e x u a l i d a d e . S e , c o m o d i z J a c q u e l i n e

R o s e ,  as  id e n t i f i c a ç õ e s p o d e m  ser d e n u n c i a d a s c o m o

6

Page 28: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 28/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

f a n t a s i a s , e n t ã o  deve

 ser

 p o s s í v e l r e p r e s e n t a r u m a  iden t i f i

c a ç ã o q u e e x i b a s u a e s t r u t u r a f a n t á s t i c a . E m n ã o h a v e n d o

u m r e p ú d i o r a d i c a l  de uma s e x u a l i d a d e c u l t u r a l m e n t e

c o n s t r u í d a , o que  res t a  é saber  c o m o r e c o n h e c e r  e  f a z e r

a  c o n s t r u ç ã o  e m que  i n v a r i a v e l m e n t e e s ta m o s . H a v e r á

f o r m a s

  de

 r e p e t i ç ã o

  que

  n ã o c o n s t i t u a m s i m p l e s i m i t a ç ã o ,

r e p r o d u ç ã o

  e,

  c o n s e q u e n t e m e n te , c o n s o l i d a ç ã o

  da lei a

n o ç ã o a n a c r ó n i c a

  de

  i d e n t i f i ca ç ã o m a s c u l i n a q u e deve  ser

d e s c a r t a d a  do  v o c a b u l á r i o f e m . in i s ta ) ? Q u e p o s s i b i l i d a d e s

e x i s t e m d e c o n f i g u r a ç õ e s

  de

  género ent re

 as

 v á r i a s m a t r i z e s

emergentes — e às vezes conv ergent es  — d a i n t e l i g i b i l i d ad e

c u l t u r a l

  que rege a  v i d a m a r c a d a

  pelo

  g é n e r o ?

N o s t e r m o s  da  t e o r i a s e x u a l f e m i n i s t a ,  é  c l a r o  que a

p r e s e n ç a  da  d i n â m i c a  do

 poder

  na s e x u a l i d a d e n ã o  é, em

n e n h u m s e n t i d o ,

  a

  m e s m a c o i s a

  que a

  c o n s o l i d a ç ã o

  ou o

a u m e n t o p u r o  e  s i m p l e s  de um r e g i m e  de poder  het eros

s e x i s t a

  ou

 f a l o c ê n t r i c o .

  A

  p r e s e n ç a

das

 a s s i m c h a m a d a s

c o n v e n ç õ e s h e t e r o s s e x u a i s  nos c o n t e x t o s h o m o s s e x u a i s ,

b e m c o m o

  a

 p r o l i f e r a ç ã o

  de

 d i s cu rs o s e s pec i f i cament e

  gays

d a d i f e re n ç a s e x u a l , c o m o n o caso de

 butch

  e

 femme

c o m o

i d ent i d ad es h i s t ór i cas d e e s t i l o s exu a l , não pode  s e r expl i cad a

c o m o

  a

 repres ent ação qu i m ér i ca d e id ent i d ad es or i g i na l m ent e

h e t e r o s s e x u a i s .  E  t a m p o u c o e l a s p o d e m s e r c o m p r e e n d i d a s

c o m o

  a

  i ns is t ênc i a perni c i os a d e cons t ru t os he t eros s ex is t as na

s e x u a l i d a d e  e na i d ent i d ad e  gays. A  repet i ção  de  cons t ru t os

h e t e r o s s e x u a is n a s c u l t u r a s s e x u a i s

  gay e

  hét ero bem

  pode

repres ent ar  o  l u gar i nev i t áve l  da d e s n a t u r a l i z a ç ã o  e

  m o b i l i

z a ç ã o

  das

 ca t egor i as

  de

 g é n e r o .

  A

  r e p l i c a ç ã o

  de

  cons t ru t os

h e t e r o s s e x u a i s  em e s t ru t u ras não het ero s s exu a i s s a l i ent a  o

status  c a b a l m e n t e c o n s t r u í d o  do a s s i m c h a m a d o h e t e ro s s e -

•O s  termos

  utch

  e

 femme

  designam os  p a p é i s masculino e feminino eventual-

mente assumidos nos relacionamentos l é s b i c o s N. T.)

66

SUJEITOS

 DO SEXO GÉNERO DESEJO

x u a l  o r i g i n a l .

  A s s i m ,

  o gay é  p a r a  o  h é t e r o n ã o  o  q u e u m a

c ó p i a

 é

 p a r a  o  o r i g i n a l , m a s , e m v e z d i s so ,  o qu e u ma cópi a

é p a r a u m a c ó p i a . A r e p e t i ç ã o

  i m i t a t i v a

  do  o r i g i n a l ,

  d i s c u

t ida nas partes f inais  do c a p í t u l o  3

  deste

  l i v r o ,  reve l a qu e  o

o r i g i n a l n a d a m a i s é

 do

 q u e u m a p a r ó d i a d a

 idei do

  n a t u r a l

e d o or i g i na l . ^ ' ' M e s m o qu e cons t ru t os h e t eros s ex i s t as  c i r c u

le m

  com o l u gares pra t i cáve i s

  de

  pod er/ d i s cu rs o

  a

  p a r t i r

 dos

q u a i s  se faz o  género, pers i s t e  a perg u nt a : qu e po s s i b i l i d ad es

ex i s t em d e rec i rcu l ação? Qu e pos s i b i l i d ad es d e f azer

 o

 g é n e r o

repet em  e d e s l o c a m ,  por m e i o  da h i p é r b o l e  da  d i s s o n â n c i a ,

d a c o n f u s ã o i n t e r n a e d a p r o l i f e r a ç ã o , o s p r ó p r i o s c o n s t r u t o s

pelos  q u a i s

  os

 g é n e r o s s ã o m o b i l i z a d o s ?

O b s e r v e - s e n ã o  só que as  a m b i g u i d a d e s  e i n c o e r ê n c i a s nas

p r á t i c a s h e t e r o s s e x u a l , h o m o s s e x u a l  e  b i s s e x u a l  — e  ent re

elas —  s ã o s u p r i m i d a s  e  red es cr i t as  no i nt e r i or d a e s t r u t u r a

re i f i cad a

  do

  b i n á r i o d i s j u n t i v o

  e

 a s s i m é t r i c o

  do

  m a s c u h n o /

femi ni no, mas qu e  essas  c o n f i g u r a ç õ e s c u l t u r a i s de c o n f u s ã o

d o g é n e r o o p e r a m c o m o l u g a r e s

  de

  i n t e r v e n ç ã o , d e n ú n c i a

e d e s l o c a m e n t o

  dessas

  r e i f i c a ç õ e s .  E m o u t r a s p a l a v r a s ,  a

u n i d a d e

do

 g é n e r o

  é o

  efeito

  de

  u m a p r á t i c a r e g u l a d o r a

q u e b u s c a u n i f o r m i z a r  a  i d e n t i d a d e  do  g é n e r o  p or v ia d a

h e t e r o s s e x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a .  A  força d es s a prá t i ca  é,

m e d i a n t e u m a p a r e l h o d e p r o d u ç ã o e x c l u d e n t e , r e s t ri n g i r

 os

s i gni f icad os re l a t i vos d e he t ero s s exu a l i d ad e , hom os s ex u a

l i d a d e

e

  b i s s e x u a l i d a d e , b e m c o m o

  os

 l u gares s u bvers i vos

d e s u a convergênc i a  e r e s s i g n i f i c a ç ã o .  O  fato  de os  reg i mes

de

  poder

  do

  h e t e r o s s e x i s m o

  e do

  f a l o c e n t r i s m o b u s c a r e m

i ncrement ar - s e pe l a repet i ção cons t ant e  de sua l ó g i c a , sua

met a f í s i ca  e  su a s o n t o l o g ia s n a t u r a l i z a d a s n ã o i m p l i c a q u e a

p r ó p r i a r e p e t i ç ã o d e v a s e r in t e r r o m p i d a —  como s e is s o

  fosse

pos s í ve l . E se a  repet i ção es t á f ad ad a  a  p e r s is t i r c o m o m e c a

n i s m o

  da

  r e p r o d u ç ã o  c u l t u r a l

  das

 i d e n t i d a d e s ,

  daí emerge

67

Page 29: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 29/30

PROBLEMAS DE GÊNERO

a

  q u e s t ã o  c r u c i a l :

  que

 t ip o

 de

 r e p e t i ç ã o s u b v e r s i v a p o d e r i a

q u e s t i o n a r

  a

  p r ó p r i a p r á t i c a r e g u l a d o r a

  da

  iden t idade?

S e n ã o

 pode

  h a v e r r e c u r s o

 a

  u m a  pessoa ,  u m s e x o

o u

  u m a s e x u a l i d a d e q u e  escape à  m a t r i z de poder e às

r e l a ç õ e s d i s c u r s i v a s q u e e f e ti v a m e n t e p r o d u z e m

 e

 r e g u l a m

a  i n t e l i g i b i l i d a d e desses c o n c e i t o s p a r a n ó s , o q u e c o n s t i t u i

r ia  a

 p o s s i b i l i d a d e d e i n v e r s ã o , s u b v e r s ã o o u d e s l o c a m e n t o

e f e t i v o s

  nos

 t e r m o s

  de uma

 i d e n t id a d e c o n s t r u í d a ?

 Que

p o s s i b i l i d a d e s e x i s t e m

  m

 virtude  d o c a r á t e r c o n s t r u í d o

 do

sexo e do

 g é n e r o ? E m b o r a F o u c a u l t se ja a m b í g u o

  sobre o

c a r á t e r p r e c i s o d a s p r á t i c a s r e g u l a d o r a s q u e p r o d u z e m  a

c a t e g o r i a

  do

 sexo

 e W i t t ig

  p a r e ç a i n v e s t i r t o d a

  a

  r e s p o n s a

b i l i d a d e da c o n s t r u ç ã o na r e p r o d u ç ã o s e x u a l e s eu

  i n s t r u

m e n t o ,

 a

 h e t e r o s se x u a l i d a d e c o m p u l s ó r i a , o u tr o s d i s c u r s o s

c o n v e r g e m  no s e n t i d o  de p r o d u z i r e s s a f i c çã o c a t e g ó r i c a ,

p o r m o t i v o s n e m s e m p r e c l a r o s

  ou

 c o e r e n t e s e n t r e s i .

 As

r e l a ç õ e s d e

 poder

  q u e p e r m e i a m

 as

 c iê n c i a s b i o l ó g i c a s n ã o

s ã o f a c i l m e n t e r e d u t í v e i s ,

  e a

  a l i a n ç a m é d i c o - l e g a l

 que

e m e r g i u n a E u r o p a d o s é c u l o X I X g e r o u f i cç õe s c a t e g ó r i c a s

q u e n ã o p o d e r i a m s e r a n t e c i p a d a s . A  p r ó p r ia c o m p l e x i d a d e

d o m a p a d i s c u r s i v o q u e c o n s t r ó i

 o

 g é n e r o p a r e c e s u s t e n t a r

a  p r o m e s s a  de  u m a c o n v e r g ê nc i a i n o p i n a d a  e  g e n e r a t i v a

dessas  e s t r u t u r a s d i s c u r s i v a s

  e

  r e g u l a d o r a s .

  Se as

  ficções

r e g u l a d o r a s   do sexo e d o g é n e r o s ã o , e l a s p r ó p r i a s , l u g a r e s

d e s i g n i fi c a d o m u l t i p l a m e n t e c o n t e s t a d o , e n t ã o

 a

  p r ó p r i a

m u l t i p l i c i d a d e

 de sua

 c o n s t r u ç ã o

  oferece  a

  p o s s i b i l i d a d e

d e u m a r u p t u r a

 de

 s u a p o s t u l a ç ã o u n í v o c a .

C l a r a m e n t e ,

 esse

 p r o j e t o n ã o p r o p õ e d e s e n h a r u m a

 on-

tologia

  do

 g é n e r o

 em

 t e r m o s f il os óf ic o s t r a d i c i o n a i s , p e l a

q u a l

 o

 s i g n i f i c a d o

  de s r

  m u l h e r o u h o m e m s e j a e l u c i d a d o

e m t e r m o s f e n o m e n o l ó g i c o s .

  A

  p r e s u n ç ã o a q u i

  é que o

s e r de u m g é n e r o é um efeito objeto  d e u m a i n v e s t i g a ç ã o

g e n e a l ó g i c a

  que

 m a p e i a

  os

  p a r â m e t r o s p o l í t ic o s

  de sua

8

SUJEITOS

 DO SEXO GÊNERO DESEJO

c o n s t r u ç ã o

 no

 modo

 da

 o n t o l o g i a . D e c l a r a r q u e

 o

  g é n e r o

é c o n s t r u í d o n ã o

 é

 a f i r m a r s u a i l u s ã o o u a r t i f i c i a l i d a d e , e m

qu e  se c o m p r e e n d e  que esses  t e r m o s r e s i d a m  no  i n t e r i o r

de

  um

 b i n á r i o

  que

 c o n t r a p õ e c o m o

  opostos  o

  r e a l

e o

a u t ê n t i c o .

  C o m o  genealogia  da  o n t o l o g i a  do g é n e r o , a

p r e s e n t e i n v e s t i g a ç ã o b u s c a c o m p r e e n d e r

  a

  p r o d u ç ã o d i s

c u r s i v a  da

  p l a u s i b i l i d a d e d e s sa r e l a ç ã o b i n á r i a ,

  e

  s u g e r i r

q u e c e r t a s c o n f i g u r a ç õ e s c u l t u r a i s

 do

  g é n e r o a s s u m e m

  o

l u g a r d o  r e a l

e

 c o n s o l i d a m

 e

 i n c r e m e n t a m s u a h e g e m o n ia

p o r m e i o de  u m a a u t o n a t u r a l i z a ç ã o a p t a  e  b e m - s u c e d i d a .

Se   há algo  de  c e r t o  na a f i r m a ç ã o  de B e a u v o i r  de que

n i n g u é m n a s c e

  e

  s i m  torna-se  m u l h e r d e c o r r e

  que

  mulher

é

  um

 t e r m o

  em

  p r o c e s s o ,

  um

 d e v i r ,

  um

  c o n s t r u i r

 de que

n ã o

 se

 pode  d i z e r c o m a c e r t o q u e t e n h a u m a o r i g e m o u u m

fim.

  C o m o u m a p r á t i c a d i s c u r s i v a c o n t í n u a ,

 o

  t e r m o e s t á

a b e r t o  a  i n t e r v e n ç õ e s e  r e ss i g n i f i c a ç õ e s. M e s m o q u a n d o  o

g é n e r o p a r e c e c r i s t a l i z a r - s e e m s u a s f o r m a s m a i s r e i f i c a d a s ,

a  p r ó p r i a c r i s t a l i z a ç ã o é u m a p r á t i c a i n s is t e nt e e i n s i d i o s a ,

s u s t e n t a d a

  e

 r e g u l a d a p o r v á r i o s m e i o s s o c i a i s . P a r a B e a u

v o i r , n u n c a

  se pode

  t o r n a r - s e m u l h e r e m d e f i n i t i v o , c o m o

se h ouvesse um   telos

  a

  g o v e r n a r

  o

 processo

 de

  a c u l t u r a ç ã o

e c o n s t r u ç ã o .

  O

 g é n e r o

 é a

  e s t i l i z a ç ã o r e p e t i d a

  do

  c o r p o ,

u m  c o n j u n t o de atos  r e p e t i d o s n o i n t e r i o r d e u m a e s t r u t u r a

r e g u l a d o r a a l t a m e n t e r í g i d a ,

 a

  q u a l

  se

  c r i s t a l i z a

  no

  t e m p o

p a r a p r o d u z i r a a p a r ê n c i a de u m a s u b s t â n c i a , de u m a c l a s

s e n a t u r a l

 de

 ser .

  A

 genealogia  p o l í t i c a

  das

 o n t o l o g i a s

  do

g é n e r o ,

  em sendo  b e m - s u c e d i d a , d e s c o n s t r u i r i a a  a p a r ê n

c i a  s u b s t a n t i v a

  do

  g é n e r o , d e s m e m b r a n d o - a

  em

 seus atos

c o n s t i t u t i v o s ,

 e

 e x p l i c a r i a

 e

 l o c a l i z a r i a

 esses atos

 n o i n t e r i o r

d a s e s t r u t u r a s c o m p u l s ó r i a s c r i a d a s p e la s v á r i a s f o r ç a s q u e

p o l i c i a m

 a

 a p a r ê n c i a s o c i a l d o g é n e r o . E x p o r o s atos

 c o n t i n

gentes  q u e  c r i a m  a a p a r ê n c i a  de u m a n e c e s s i d a d e  n a t u r a l ,

t e n t a t i v a q u e t e m f e i t o p a r t e

 da

 c r í t i c a  c u l t u r a l pelo  m e n o s

9

Page 30: Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

7/26/2019 Sujeitos Do Sexo Gênero Judith Butler001

http://slidepdf.com/reader/full/sujeitos-do-sexo-genero-judith-butler001 30/30

PROBLEM S DE GÊNERO

desde  M a r x , é ta refa q ue a ss ume

 agora

 a  r e s p o n s a b i l i d a d e

a c r e s c i d a

  de

  m o s t r a r c o m o

  a

  p r ó p r i a n o ç ã o

  de

  suje i to ,

 só

i n t e l i g í v e l  po r m e i o de sua a p a r ê n c i a  de  g é n e r o , a d m i t e

p o s s i b i l i d a d e s e x c l u í d a s

 à

  força pela s v á r ia s re i f ica çõe s

 d o

g é n e r o c o n s t i t u t i v a s

 de

 sua s ontolog ia s cont ingen tes .

O

  ca p í tulo seguinte inv est iga a lguns

  aspectos da

  a b o r

dagem

  p s i c a n a l í t i c a e s t r u t u r a l i s t a

 da

 d i f e r e n ç a s e x u a l

 e da

c o n s t r u ç ã o  da  s e x u a l i d a d e r e l a t i v a m e n t e  a seu

 poder

 de

c o n t e s t a r

 os

  r e g im e s r e g u l a d o r e s a q u i e s b o ç a d o s ,

 e

 t a m b é m

a  s e u p a p e l n a r e p r o d u ç ã o a c r í t ic a desses r e g i m e s . A  u n i v o

c i d a d e

 do

 s e x o ,

 a

  c o e r ê n c i a i n t e r n a

 do

 g é n e r o

 e a

  e s t r u t u r a

b i n á r i a p a r a  o

  sexo

  e o  g é n e r o  são s e m p r e c o n s i d e r a d a s

c o m o f i c ç õ e s r e g u l a d o r a s

  que

 c o n s o l i d a m

 

n a t u r a l i z a m

r e g i m e s

  de

 poder

  c o n v e r g e n t e s

  de

  o p r e s s ã o m a s c u l i n a

 

h e t e r o s s e x i s t a .

 O

 c a p í t u l o

  f i n a l

 c o n s i d e r a

 a

 p r ó p r i a n o ç ã o

 de

c o r p o , n ã o c o m o u m a s u p e r f í c i e p r o n t a

 à

  espera de s ign i

f ica çã o , ma s como um conjunto

 de

 f r o n t e i r a s , i n d i v i d u a i s

 

s o c i a i s , p o li t i c a m e n t e s ig n i f ic a d a s e m a n t i d a s . M o s t r a r e m o s

qu e  o  s e x o ,  não m a i s v i s t o c o m o u m a v e r d a d e i n t e r i o r

d a s p r e d i s p o s i ç õ e s

  da

  i d e n t i d a d e ,

  é uma

  s i g n i f i c a ç ã o

performativamente  o r d e n a d a  (e p o r t a n t o  não é p u r a 

s impl esmente) ,

 um a s ign i f ica çã o q ue, Hberta da inter ior ida d e

d a s u p e r f íc i e n a t u r a l i z a d a s ,

 pode

  o c a s i o n a r

 a

 p r o l i f e r a ç ã o

p a r o d í s t i c a

 e o

 jogo  subv ers iv o dos s ign i f ica dos

  do

 g é n e r o .

t e x t o c o n t i n u a r á , e n t ã o , c o m o

  um

 e s f o r ç o

  de

 ref let i r

  a

p o s s i b i l i d a d e  de  s u b v e r t e r  e  d e s l o c a r  as n o ç õ e s

  n a t u r a l i

z a d a s

  e

  re i f ica da s

  do

 g é n e r o q u e d ã o s u p o r t e

  à

  h e g e m o n i a

m a s c u l i n a  ao

 poder

  h e t e r o s s e x i s t a , p a r a  c r i a r  p r o b l e m a s

d e g é n e r o n ã o p o r m e i o

 de

 est ra tég ia s q ue representem um

a l é m u t ó p i c o , m a s da m o b i l i z a ç ã o , da c o n f u s ã o s u b v e r s i v a

da

  p r o l i fe r a ç ã o p r e c i s a m e n t e d a q u e l a s c a t e g o r i a s c o n s t i

t u t i v a s

  q u e b u s c a m m a n t e r

 o

  g é n e r o e m s e u l u g a r ,

 a posar

c o m o i l u s õ e s f u n d a d o r a s  da i d e n t i d a d e ,  v

  uiami

7

CAP ÍTULO 

P r o i b i ç ã o , p s i c a n á li s e

  e a

  p r o d u ç ã o

 d a

m a t r i z

  h e t e r o s s e x u al

  • • .

. . • . .. q

A

  mentalidade hétero continua

 

afirmar que 

incesto

e nã o  homossexualidade representa sua

maior interdição.  Assim quando

  pens d pel

mente hétero homossexualidade não passa de

heterossexualidade.

Monique Witt ig The Straight Mind

í í - i í

  . .-s. [A  mentalidade hétero]

H o u v e o c a s i õ e s e m q u e a  t e o r i a f e m i n i s t a se s e n t i u a t r a í d a

pelo

  p e n s a m e n t o

  de

  u m a o r i g e m ,

 de um

 t e m p o a n t e r i o r

ao   que a l gu n s c h a m a r i a m  de  p a t r i a r c a d o , c a p a z  dc

o f e r e c e r

  um a

 p e r s p e c t i v a i m a g i n á r i a

  a

  p a r t i r

  da

  q u a l

estabelecer a

 c o n t i n g ê n c i a

 d a

 h i s t ó r i a

 d a

 o p r e s s ã o d as m u

l h e r e s .  S u r g i r a m debates  p a r a

  saber

  se e x i s t i r a m c u l t u r a s

p r é - p a t r i a r c a i s ;  se

  e r a m m a t r i a r c a i s

 ou

 m a t r i l i n e a r e s

 em

s u a

  e s t r u t u r a ; e se o  p a t r i a r c a d o t e v e  um c o m e ç o  e  e s t á ,

c o n s e q u e n t e m e n t e , s u j e i to

 a

 u m

 fim.

  C o m p r e e n s i v e l m e n t e ,

o í m p e t o c r í t i c o

  po r

 t r á s  desse  t i p o

  de

 p e s q u i s a b u s c a v a

m o s t r a r q u e o  a r gu m e n t o a n t i f e m i n i s t a da i n e v i t a b i l i d a d e

d o p a t r i a r c a d o c o n s t i t u í a u m a r e i f i c a ç ã o

  e

 u m a

  n a t u r a l i

z a ç ã o de u m f e n ó m e n o  histórico  e  c o n t i n g e n t e .

E m b o r a se pretendesse

  qu e

 o

 r e t o r n o

 ao

 estado

  c u l t u r a l

p r é - p a t r i a r c a l

 expusesse

 a a u t o r r e i f i c a ç ã o d o p a t r i a r c a d o .