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Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado do Amapá- CEREST/AP
SUELI MARIA SARMENTO AVELAR
A LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA COMO PROBLEMA DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO AMAPÁ: UM
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO
MACAPÁ 2008
SUELI MARIA SARMENTO AVELAR
A LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA COMO PROBLEMA DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO AMAPÁ: UM PERFIL EPIDEMIOLÓGICO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana.
Orientadora: Ms. Belmira Silva Faria e Souza
Monografia aprovada em 08/ 05/ 2008 para a obtenção do título de especialista em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana.
MACAPÁ 2008
ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR E ECOLOGIA
HUMANA
Sueli Maria Sarmento Avelar
A LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA COMO PROBLEMA DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO AMAPÁ: UM PERFIL
EPIDEMIOLÓGICO
Monografia aprovada em 08 / 05 / 2008 para a obtenção do título de especialista em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana.
Banca Examinadora:
Ms. Belmira Silva Faria e Souza Professora Orientadora
Prof. Dr. José Augusto Pina Professor Avaliador
Profª Drª Rita de Cássia Oliveira da Costa Mattos Professora Avaliadora
AGRADECIMENTOS
Toda minha gratidão a Deus,
aos meus familiares,
em especial, Betânia e Alex, pelo apoio
e compreensão.
“Homens e mulheres desejam fazer um
bom trabalho. Se lhes for dado o
ambiente adequado, êles o farão”.
Bill Hewlett,
Fundador, Hewlett-Packard
RESUMO
Este estudo teve como objetivo conhecer o perfil epidemiológico da
Leishmaniose Tegumentar Americana como problema de saúde do trabalhador nos 16
municípios do Estado do Amapá, no período de 2002 a 2006. Encontrados 2.664 casos
autóctones de LTA no período estudado. Houve predomínio de pacientes do sexo masculino,
em plena fase produtiva, de 20 a 34 anos de idade. A forma clínica da leishmaniose cutânea é
a de maior relevância em toda a sua região. A LTA apresenta 100% de autoctonia no estado
do Amapá, com importante surto em 2004 e o município de Porto Grande é o que mais
contribui para a manutenção da endemia no Estado. As Ocupações com maior n° de casos
apresentados foram assim distribuídas: Estudantes (104); Do lar (150); Aposentados (205);
Autônomos (228); Trabalhadores não classificados segundo a ocupação (500). No ano de
2004 a Ocupação Estudantes apresentou 212 casos, o que sugere inconsistência das
informações contidas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN. A
Leishmaniose Tegumentar Americana no estado do Amapá ainda está restrita às áreas rurais.
Palavras–chave: Leishmaniose tegumentar americana; perfil epidemiológico; saúde do
trabalhador.
ABSTRACT
This study had as objective knows the epidemiologic profile of American
Tegumentary Leishmaniasis as problem of the worker's health in the 16 municipal districts of
the State of Amapá, in the period from 2002 to 2006. Found 2.664 autochthonous cases of
LTA in the studied period. There was patients' of the masculine sex prevalence, in the middle
of the productive phase, from 20 to 34 years of age. The clinical form of the cutaneous
leishmaniosis is the one of larger relevance in all your area. ATL presents 100% of autoctonia
in the state of Amapá, with important supply in 2004 and the municipal district of Porto
Grande is the one that more contributes to the maintenance of the edemia in the State. The
Occupations with larger n° of presented cases were distributed like this: Students (104); house
wife (150); Retired (205); Autonomous (228); Workers not classified according to the
occupation (500). In the year of 2004 the Students Occupation presented 212 cases, what
suggests inconsistency of the information contained in the System of Information of Offences
of Notification - SION. American Tegumentary Leishmaniasis in the state of Amapá is still
restricted to the rural areas.
Key - words: American tegumentary leishmaniasis; epidemiologic profile; worker health.
SUMÁRIO
RESUMO 1 ABSTRACT 2 LISTA DE QUADROS 4 LISTA DE TABELAS 5 LISTA DE FIGURAS 6 LISTA DE SIGLAS 7
1.
1.1
1.21.2.11.2.21.2.31.2.4
1.3
2.2.1
2.2
2.32.4
3.
3.13.2
3.3
INTRODUÇÃO..........................................................................................CAPITULO I ............................................................................................CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA..............................................................DISCUTINDO AS ORIGENS DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA .............................................................A Leishmaniose Tegumentar Americana no Brasil ..................................Leishmania (Viannia) braziliensis ............................................................ Leishmania (Viannia) guyanensis .............................................................. Leishmania (Leishmania) amazonensis...................... ............................... Leishmania (V.) shawi, L. (V.) lainsoni, L. (V.) naiffi e L. (V.) lindenbergi.................................................. ............................................... A Leishmaniose Tegumentar Americana: da Amazônia ao Amapá .........CAPITULO II ...........................................................................................A LEISHMANIOSE COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA ...AS POLÍTICAS DE CONTROLE DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA .......................................................Caracterização da população exposta ao risco de adquirir a LTA: Comportamento como Doença Ocupacional .............................................. A pesquisa sobre a Leishmaniose Tegumentar Americana ........................ Aspectos Epidemiológicos ......................................................................... CAPITULO III .........................................................................................O PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA NO AMAPÁ ......................................A formação territorial Amapaense .............................................................. Ocorrência de Leishmaniose Tegumentar Americana em trabalhadores no Estado do Amapá ........................................................................................ DISCUSSÃO ................................................................................. ............ CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................ANEXOS.....................................................................................................
811
11
1116202020
21212727
27
32343639
3939
42495254
4
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Leishmanioses do Novo Mundo e seus agentes etiológicos................................... 12
Quadro 2 Classificação clínica e respectivos agentes etiológicos da LTA no Brasil ............ 16
Quadro 3 Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo municípios, área de risco e
evolução dos casos, no estado do Amapá, no período de 2002 a 2006. ................ 48
5
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco e relação ao
trabalho, no estado do Amapá, de 2002 a 2006. .................................................... 46
Tabela 2 Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco e critério de
confirmação, no estado do Amapá, no período de 2002 a 2006............................. 47
Tabela 3 Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco e a forma
clínica, no estado do Amapá, no período de 2002 a 2006.............................. ....... 47
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Ciclo Evolutivo da Leishmania sp., mostrando a fase no flebotomíneo (forma
promastigota) e a fase no vertebrado (forma amastigota)....................................... 13
Figura 2 Forma clínica da Leishmaniose Tegumentar Americana ...................................... 15
Figura 3 Distribuição dos casos autóctones de Leishmaniose Tegumentar Americana na
região norte do Brasil, segundo a UF, de 1990 a 2004........................................... 23
Figura 4 Coeficiente de Prevalência da Leishmaniose Tegumentar Americana na região
Norte do Brasil, segundo cada UF, de 2000 a 2004............................................... 24
Figura 5 Série histórica da Leishmaniose Tegumentar Americana, no estado do Amapá,
no período de 1980 a 2001...................................................................................... 26
Figura 6 Mapa com a divisão geopolítica do estado do Amapá............................................ 41
Figura 7 Mapa do estado do Amapá estratificado em áreas de risco para a LTA, de 2002
a 2006...................................................................................................................... 44
Figura 8 Distribuição dos casos autóctones de LTA no estado do Amapá, segundo a área
de risco e ano da notificação, no período de 2002 a 2006...................................... 45
Figura 9 Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco, faixa etária e
sexo, de 2002 a 2006, no estado do Amapá............................................................ 45
7
LISTA DE SIGLAS
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AR Alto Risco
BR Baixo Risco
CD Coeficiente de Detecção
CP Coeficiente de Prevalência
CRDT Centro de Referência de Doenças Tropicais
CVS Coordenação de Vigilância em Saúde
DE Divisão de Epidemiologia
DNC Doença de Notificação Compulsória
FII Ficha de Investigação Individual
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
IFI Imunofluorescência indireta
IDRM Intradermorreação de Montenegro
LAD Leishmaniose Anérgica Difusa
LC Leishmaniose Cutânea
LCD Leishmaniose Cutânea Difusa
LCM Leishmaniose Cutâneo-mucosa
LM Leishmaniose Mucosa
LTA Leishmaniose Tegumentar Americana
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial da Saúde
PCR Reação em cadeia de polimerase
SEMSA Secretaria Municipal de Saúde de Macapá
SES Secretaria Estadual de Saúde
SESA Secretaria de Estado de Saúde do Amapá
SFM Sistema fagocítico mononuclear
SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SVS Secretaria de Vigilância em Saúde
UBS Unidade Básica de Saúde
UVE Unidade de Vigilância Epidemiológica
8
INTRODUÇÃO
As leishmanioses são zoonoses causadas por várias espécies de protozoários
pertencentes à ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae, do gênero Leishmania, que
acometem o homem e algumas espécies de mamíferos sinantrópicos, silvestres e domésticos,
dos quais alguns se constituem em hospedeiros reservatórios.
A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) é uma doença autóctone das
Américas que apresenta variável grau de comprometimento da saúde humana e se manifesta
por diferentes formas clínicas, incluindo as formas cutâneas únicas ou múltiplas (forma
disseminada), a forma cutâneo-difusa e a apresentação na forma mucosa (espúndia), com o
comprometimento do trato respiratório superior, particularmente o septo nasal,
caracterizando-se pelo aparecimento de edema, hiperemia, ulceração e necrose, com risco de
ocorrência de deformidades (SILVEIRA et al, 1997).
Nas Américas, a LTA é transmitida por insetos hematófagos fêmeas de
diversas espécies conhecidas genericamente como flebotomíneos, pertencentes à subfamília
Phlebotominae e ao gênero Lutzomya (MARZOCHI, 1992; SHAW & LAINSON, 1987;
YOUNG & DUNCAN, 1994).
O modo de transmissão é através da picada de fêmeas de Dípteros pertencentes
à família Psychodidae onde somente dois gêneros são realmente importantes para a
epidemiologia das leishmanioses no mundo Lutzomya que são os vetores das Américas; e
Phlebotomus, que são os transmissores de leishmaniose na África, na Europa e na Ásia. Nas
Américas, existem mais de vinte espécies de Lutzomya com comprovada capacidade de
transmitir Leishmania sp podendo existir mais espécies de vetores ainda não identificadas
(LAINSON & SHAW, 1998).
A doença humana pode ocorrer como lesão cutânea ulcerada, geralmente única.
Alguns indivíduos podem desenvolver um quadro clássico de leishmaniose cutânea difusa,
caracterizada por infiltrações, pápulas e tubérculos, envolvendo extensas áreas cutâneas. Esta
forma da doença, até o momento, é apenas controlável sem, entretanto, ocorrer a cura
(MS/SVS, 2007).
A doença humana é caracterizada por lesões únicas ou múltiplas. As lesões
múltiplas são conseqüências de picadas simultâneas do vetor Lutzomya umbratilis (principal
vetor) bastante antropofílico. No entanto, raramente ocorre comprometimento mucoso por
esta espécie (MS/SVS, 2007, p. 29).
9
A co-infecção LTA e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) têm
sido descrita ultimamente na literatura. Manifestações clínicas da LTA estão intimamente
relacionadas ao estado de imunidade celular do hospedeiro. Na infecção pelo Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV), observa-se progressiva desregulação do sistema
imunológico, favorecendo a replicação e disseminação de organismos intracelulares, como é o
caso da Leishmania. Bem como, nestes pacientes se pode observar uma importante
diversidade clínica, com quadros mais graves, disseminação e refratariedade ao tratamento
habitual, assim como maior taxa de complicações relacionadas ao tratamento.
No estado do Amapá, os estudos mais recentes são do ano de 2005, os quais
indicam a presença das espécies de flebotomíneos vetoras da leishmaniose tegumentar
americana: L. whitmani, L. flaviscutellata, L. wellcomei e L. umbratilis.
Atualmente, no Brasil, a LTA apresenta três padrões epidemiológicos
característicos: a) Silvestre; b) Ocupacional e Lazer e, c) Rural e periurbano em áreas de
colonização, sendo este relacionado ao processo migratório, ocupação de encostas e
aglomerados em centros urbanos associados a matas secundárias ou residuais.
O Amapá, por apresentar sua área de vegetação primária, a LTA é
fundamentalmente zoonose de animais silvestres, com ciclo de transmissão basicamente
silvestre e, ocupacional e de lazer, associada à exploração de madeiras, instalação de novos
povoados (assentamentos), caça, pesca e mineração.
A ausência de estudos epidemiológicos sobre a Leishmaniose Tegumentar
Americana presente nos 16 municípios do estado do Amapá e a escassez de órgãos oficiais de
pesquisa na área da saúde com enfoque em LTA, despertou a necessidade de suprir esta
deficiência com um estudo exploratório e analítico da real situação desta doença grave,
considerada ocupacional, que afeta principalmente o trabalhador da floresta, visando subsidiar
estudos posteriores e a adoção de políticas de saúde pública, voltadas para o controle da LTA
no estado do Amapá.
Ante tal realidade, este trabalho tem como objetivo geral conhecer o perfil
epidemiológico da Leishmaniose Tegumentar Americana como problema de saúde do
trabalhador no Estado do Amapá, no período de 2002 a 2006.
Para um estudo mais detalhado, serão abordados quatro itens como objetivos
específicos: a) descrever as informações encontradas nas publicações científicas pesquisadas
sobre a LTA no mundo, no Brasil, particularmente na Amazônia e no Amapá; b) levantar os
casos autóctones de LTA, notificados no SINAN do estado do Amapá; c) estudar o perfil
epidemiológico especificando os números de casos conforme: município de infecção, sexo,
10
idade, anos de estudo (escolaridade), ocupação, forma clínica e evolução do caso; e, d)
identificar quais as atividades ocupacionais e municípios de maior risco para a ocorrência da
LTA no estado do Amapá.
A metodologia aplicada na área de estudo: pacientes acometidos pelo agravo
de Leishmaniose Tegumentar Americana, nos municípios do estado do Amapá, no período de
2002 a 2006, notificados, investigados e lançados no Sistema de Informação de Agravos de
Notificação – SINAN; tipo de estudo: estudo de perfil epidemiológico, exploratório
retrospectivo; fonte dos dados: pesquisa no SINAN, junto à Unidade de Vigilância
Epidemiológica da Secretaria de Estado de Saúde do Amapá - UVE/SESA; pesquisa no
TABWIN/SINAN e pesquisa de artigos científicos na Internet (Scielo, Bireme, BVS). A
análise dos resultados: apresentados através de planilhas, gráficos e tabelas da Microsoft
Excel.
Para tal, foram coletados dados dos casos registrados no Sistema de
Informação Nacional de Agravos de Notificação – SINAN e classificados por município de
infecção, idade, sexo, escolaridade, ocupação, forma clínica e evolução do caso. Foram
encontrados 2.664 casos autóctones de LTA assim distribuidos: no ano de 2002 (353 casos);
2003 (481); 2004 (968), 2005 (422) e 2006 (440). Do total registrado, 653 (24,5%) casos
novos com origem da infecção no município de Porto Grande.
A média do coeficiente de prevalência do estado nos cinco anos estudados foi
de 95,51/100.000hab.
A Unidade de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado de Saúde do
Amapá apresentou um estudo no ano de 2007 (não publicado), em que os municípios do
Estado foram agrupados em áreas quanto ao grau de risco para a LTA: Baixo Risco (Macapá,
Cutias, Santana e Amapá); Médio Risco (Itaubal, Pracuúba, Vitória do Jari e Ferreira Gomes);
Alto Risco (Laranjal do Jari, Mazagão, Tartarugalzinho e Oiapoque) e Muito Alto Risco
(Calçoene, Porto Grande, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio).
O Amapá apresentou 72% dos casos no 1ºsemestre, com 16,6% dos casos no
mês de abril; 38,8% em pacientes com idade entre 20 a 34 anos, em plena fase produtiva, o
que sugere confirmação do caráter ocupacional da doença; 79,7% do sexo masculino; na área
de médio risco 83% e baixo risco 72%; em pacientes com escolaridade de 4 a 7 anos de
estudo 29%. Com 96,2% do Critério de Confirmação laboratorial na área de muito alto risco;
98,9% dos casos de Forma Clínica por Leishmaniose Cutânea e a Evolução do Caso com
apenas 42,9% de Cura confirmada; na área de alto risco ocorreram 65,3% de cura.
11
CAPÍTULO I
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA
1.1 DISCUTINDO AS ORIGENS DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA
A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) é uma doença que acompanha
o homem desde a antiguidade. Há relatos na literatura, de que exista desde o séc. I d.C.
Segundo PESSÔA; BARRETTO, 1948, a leishmaniose tegumentar já era
conhecida como um grupo de doenças dermatológicas, sendo sua apresentação clínica
associada a lesões cutâneas, ulcerosas e, às vezes, a mucosa oro-nasal também era
comprometida.
No Atlas de leishmaniose tegumentar americana, do Ministério da Saúde do
Brasil, 2006, p.9, consta sobre a leishmaniose tegumentar a seguinte informação:
Entende-se um conjunto de enfermidades causadas por várias espécies de protozoários digenéticos1 da ordem Kinetoplastida, da família Trypanosomatidae,do gênero Leishmania, que acometem a pele e/ou mucosas do homem, e de diferentes espécies de animais silvestres e domésticos das regiões tropicais e subtropicais do Velho e Novo Mundo. Nas Américas, são transmitidas entre os animais e o homem pela picada das fêmeas de diversas espécies de flebótomos (Díptera, Psychodidae, Phlebotominae) dos gêneros Lutzomyia e Psychodopygus. A infecção caracteriza-se pelo parasitismo das células do sistema fagocítico mononuclear (SFM) da derme e das mucosas do hospedeiro vertebrado (monócitos, histiócitos e macrófagos).
O conceito apresentado pelos autores SILVEIRA et al, (1997), informa que:
A leishmaniose tegumentar americana é doença infecciosa, crônica, não contagiosa, causada por diferentes espécies de protozoários do gênero Leishmania (Ross, 1903). Caracteriza-se, na maioria dos doentes, pelo comprometimento do tecido cutâneo, onde a úlcera leishmaniótica representa a manifestação mais comum da doença. Em um número menor de pacientes, as lesões cutâneas podem assumir aspectos morfológicos diversos, tais como: placa infiltrada, tubérculo, nódulo e lesão vegetante verrucosa. Quando a mucosa é lesada, o que pode ocorrer meses ou anos após a lesão da pele, pode se apresentar com aspecto eritemato-infiltrado, granuloso, ou ulcerado. Em ordem de freqüência, as lesões mucosas se manifestam, principalmente, no nariz, palato duro, faringe e laringe. Na leishmaniose tegumentar não existe comprometimento de órgãos internos.
As leishmanioses por serem doenças digenéticas, de transmissão vetorial
causadas por mais de vinte espécies de parasitos do gênero Leishmania sp., estão divididas
em dois grandes grupos: o grupo das LEISHMANIOSES DERMOTRÓPICAS ou
TEGUMENTARES e as LEISHMANIOSES VISCEROTRÓPICAS.
1 Parasitos com alternância de evolução entre hospedeiros vertebrados e invertebrados.
12
As dermotrópicas afetam a pele, e muito raramente de forma secundária podem
afetar as mucosas das vias superiores. Apresentam três formas clínicas: Leishmaniose
Cutânea (LC); Leishmaniose Mucosa (LM) ou Leishmaniose Cutâneo-mucosa (LCM) e a
Leishmaniose Cutânea Difusa (LCD) ou Leishmaniose Anérgica Difusa (LAD). A
leishmaniose cutânea pode apresentar as formas: única, múltipla, disseminada, recidiva cútis e
disseminada borderline. A leishmaniose mucosa pode ser: tardia, concomitante, contígua,
primária e indeterminada (Brasil\MS\SVS, 2007), (SILVEIRA et al., 2005).
As viscerotrópicas afetam órgãos internos como: baço, estômago, fígado e
pâncreas, e são conhecidas como “barriga d’água”, “kalazar”, e outros.
Na co-infecção com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), ocorrem
lesões cutâneas típicas e atípicas, raramente faz co-infecção com a leishmaniose visceral. Há
maior freqüência da forma mucosa e forma cutânea disseminada, com possibilidade de
visceralização de espécies dermotrópicas e maior freqüência de recidivas
(Brasil/MS/SVS/DVE, 2006).
Devido ao grande número, as espécies de Leishmania foram classificadas em
Complexos (Quadro 1), de acordo com os quadros clínicos que produzem, de modo que os
Complexos Mexicana e Braziliensis estão envolvidos nas Leishmanioses Tegumentares e o
Complexo Donovani na Leishmaniose Visceral.
Quadro 1 - Leishmanioses do Novo Mundo e seus agentes etiológicos.
Fonte: http:/www.ufrsg.br/para-site/imagensatlas:protozoa/leishmania.htm (adaptado).
Leishmaniose Tegumentar Americana Leishmaniose
Cutânea Cutâneo-mucosa Cutâneo-difusa Visceral
ComplexoBraziliensis
Complexo Braziliensis
Complexo Mexicana
Complexo Donovani
L.(V.) braziliensis L.(V.)braziliensis L. (L.) mexicana L.(L.) chagasi
L.(V.) peruviana L.(V.)guyanensis L. (L.) pifanoi
L.(V.) guyanensis L. (L.) amazonensis
L.(V.) panamensis L.(V.) shawi L.(V.) lainsoni L.(V.) naiffi L.(V.) lindenbergi ComplexoMexicana
L.(L.) mexicana L.(L.) pinafoi L.(L.) amazonensis L.(L.) venezuelensis
13
A etiologia das leishmânias apresenta duas formas evolutivas: amastigotas, que
medem de 2 a 6µm e habitam as células do sistema linfomonocitário, e promastigotas
(flagelados) com 15 a 20µm, encontradas nos insetos transmissores e em meios de cultura. O
ciclo evolutivo é do tipo heteroxênico, cujo processo ocorre parte no inseto vetor (fêmea do
gênero Lutzomyia) e parte no hospedeiro vertebrado. O inseto retira as formas amastigotas ao
picar o hospedeiro vertebrado que se transformam em promastigotas e sofrem divisão binária
no intestino anterior. As promastigotas, por sua vez, são inoculadas no hospedeiro vertebrado
durante o hematofagismo, indo parasitar os macrófagos, onde se transformam em amastigotas
(Brasil/MS/SVS/DVE, 2006).
As leishmânias apresentam ciclo evolutivo heteroxênico, processando-se parte
no hospedeiro vertebrado e parte no vetor (Figura 1).
LEGENDA: 1. Repasto sanguíneo; 2. Macrófagos fagocitam promastigotas; 3. Promastigotas transformam-se em
amastigotas; 4. Multiplicação das amastigotas; 5. Flebotomíneos ingerem macrófagos com amastigotas através de repasto sanguíneo; 6. Ingestão de células parasitadas; 7. Amastigotas transformam-se em promastigotas no estômago do vetor; 8. Multiplicação das promastigotas e migração para a proboscita do vetor. I) Estágio de infecção; d) Estágio diagnóstico.
Figura 1 - Ciclo Evolutivo da Leishmania sp., mostrando a fase no flebotomíneo (forma promastigota) e a fase no vertebrado
(forma amastigota).
Fonte: http://www.dpd.cdc.gov/dpdx
As formas amastigotas são ovóides ou esféricas, que medem entre 1,5 - 3,0 x
3,0 - 6,5µm, no citoplasma observam-se vacúolos, um único núcleo esférico ou ovóide, em
geral em um dos lados da célula, e um cinetoplasto em forma de pequeno bastão, próximo ao
núcleo (GENARO, 2003), habitam as células do sistema linfomonocitário do hospedeiro
vertebrado (SILVEIRA et al., 1997), e a forma promastigotas medem entre 16,0 - 40,0 x 1,5 -
3,0µm, apresentam um flagelo livre que emerge de um cinetoplasto ovóide da região anterior,
14
e um núcleo situado no centro da célula, esta forma é encontrada nos flebotomíneos
infectados e observada em culturas in vitro.
A fêmea do flebotomíneo (inseto vetor da LTA), conhecido vulgarmente como
“mosquito-palha”, “cangalinha”, “birigui” e outros, durante seu repasto sanguíneo, adquire a
forma amastigotas dos parasitos encontrados no interior das células do sistema fagocítico-
mononuclear principalmente macrófagos ao se alimentar em um animal mamífero silvestre
infectado (reservatório da LTA). Esses macrófagos infectados com formas amastigotas são
rompidos e as leishmânias ao atingirem o intestino do flebotomíneo, se aderem ao epitélio
intestinal, impedindo sua expulsão, externalizam o flagelo transformando-se em
promastigotas, se reproduzem por divisão binária, transformam-se em formas mais alongadas
e invadem as porções anteriores do estômago e do proventrículo do inseto (GENARO, 2003).
Acredita-se que os animais silvestres apresentem certa adaptação à infecção,
pois vêm de uma relação de convivência antiga e através da evolução tenham estabelecido
uma relação harmônica com as leishmânias, funcionando como excelente reservatório natural
da LTA (LAINSON & SHAW, apud COSTA, 1998).
A transmissão acontece quando o homem invade as matas (habitat natural do
vetor) e é picado acidentalmente por flebotomíneo. No momento em que o vetor infectado
inocula as formas promastigotas na pele do hospedeiro, estas são fagocitadas pelos
macrófagos teciduais, que levam parte da membrana formando vacúolos conhecidos como
fagossomos que se fundem aos lisossomos e formam fagolisossomos. É quando as formas
promastigotas se transformam em amastigotas onde passam a se multiplicar de forma binária
até que a célula do hospedeiro fique repleta de parasitos quando então se rompem e as formas
amastigotas são lançadas no meio extracelular e são novamente fagocitadas por novos
macrófagos mantendo a infecção (GENARO, 2003).
As formas clínicas da LTA estão ilustradas na Figura 2, com fotos de pacientes
acometidos de: a) leishmaniose cutânea: lesão ulcerada clássica, lesão disseminada em uma
criança (em crianças são mais comuns lesões localizadas no rosto) e lesão única localizada em
membro inferior de um adulto (em adultos a localização mais comum são os membros
superiores e inferiores); b) leishmaniose cutânea difusa: com alto grau de deformidade de
extremidades e; c) leishmaniose mucosa: um à nível de mucosa nasal com comprometimento
do septo nasal e o outro com septo nasal e mucosa bucal.
15
Figura 2 - Forma clínica da Leishmaniose Tegumentar Americana (Fonte: Atlas
de Leishmaniose Tegumentar Americana: diagnósticos clínico e Diferencial /MS/SVS/DVE/2006, p. 35 e 65).
Muitos pacientes com leishmaniose mucosa apresentam cicatriz antiga bem
característica de uma infecção cutânea anterior. O comprometimento mucoso está mais
associado a lesões cutâneas múltiplas ou extensas, de longa duração e localizadas na parte
superior do corpo, sendo mais comum no sexo masculino e raro na infância. A lesão,
usualmente, começa no septo nasal e em quase dois terços dos pacientes permanece restrita ao
nariz (SILVEIRA et al., 1997). A leishmaniose mucosa pode ser oriunda de uma leishmaniose
cutânea não tratada, em que, sua proporção de ocorrência é de 3% a 5% em relação à cutânea
(ENCISO et al., 2002).
A leishmaniose cutânea difusa no Brasil é rara e grave, está relacionada apenas
a L. (L.) amazonensis, ocorre em pacientes com anergia e deficiência na resposta imune
celular específica a este antígeno, quando submetido à Intradermorreação de Montenegro ou a
Leishmania geralmente respondem negativamente (Brasil/MS/SVS/DVE, 2007).
16
Segundo o MINISTÉRIO DA SAÚDE (2006), a classificação clínica com base
em estudos anteriores, considera as formas de resposta do hospedeiro, a partir do local da
picada do vetor, a localização das lesões e a evolução clínica, MARZOCHI & MARZOCHI
(1994) propõem, no quadro 2, uma classificação clínica da LTA, em que envolve as diferentes
formas e apresentações da doença e seus respectivos agentes etiológicos:
Quadro 2. Classificação clínica e respectivos agentes etiológicos da LTA no Brasil
Fonte: Atlas de Leishmaniose Tegumentar Americana: diagnósticos clínico e diferencial MS/SVS/DVE/2006, p. 26.
1.2 A Leishmaniose Tegumentar Americana no Brasil
A leishmaniose tegumentar tem ampla distribuição mundial, afetando países
tropicais e subtropicais (ENCISO et al, 2003). Está distribuída em oitenta e oito países e em
quatro continentes (América, Europa, Ásia e África), com registro anual de um a um e meio
milhões de casos. No Continente Americano há registros de casos desde o extremo sul dos
Estados Unidos até o norte da Argentina, com exceção do Chile e Uruguai.
No contexto atual, mudanças no padrão epidemiológico de transmissão das
leishmanioses, ocorrem em diversos países da América do Sul, com importante domiciliação
de vetores em países como a Venezuela, Peru, Bolívia e Brasil (SÍLANS et al, 2001). Por este
motivo, o pensamento de que a LTA na América do Sul desapareceria como simples
conseqüência da desflorestação tem sido revisto, uma vez que há evidências de que o aumento
da domiciliação da transmissão de leishmaniose cutânea, já bem caracterizada no Brasil, está
se expandindo na América Latina.
17
Estani et al., (2001), observaram os fatores como: construção de moradias
próximas aos rios com bosques secundários e a presença de animais domésticos, constituíam
riscos para LTA, em Salta na Argentina. Nesta região predominam os casos de leishmaniose
cutâneo-mucosa, com agente circulante da espécie Leishmania braziliensis e a espécie
Lutzomya intermedia como principal vetor. No mesmo estudo verificaram que os pacientes
apresentaram o seguinte perfil epidemiológico: do total dos casos 73,3% com idade acima de
20 anos; 63,3% do sexo masculino e 50% moravam em perímetros peri-urbanos. As principais
atividades relacionadas com a doença foram: pecuária e extrativismo.
Portanto, em todos os continentes, já foram encontradas transmissões dos
parasitas em ciclos silvestres entre animais, em ambientes quentes e úmidos das florestas
tropicais e subtropicais e até nas estepes e florestas temperadas do Mediterrâneo e da Rússia.
O contato do homem com esses ambientes proporcionaram a ocorrência da doença sob a
forma de zoonose2, às vezes dividindo com os animais o papel de reservatório (GRIMALDI Jr
et al, 1989).
A Organização Mundial da Saúde alerta para o aumento da ocorrência dos
casos de co-infecção (Leishmania-HIV), devido à superposição geográfica das duas infecções,
como conseqüência da urbanização das leishmanioses e interiorização da infecção pelo HIV.
A Europa, sul da Ásia, África e a América do Sul são apontados como regiões de maior
preocupação. Na América do Sul, o Brasil é o país que requer maior atenção devido ao maior
número de casos das duas infecções (Brasil/MS/SVS/PNDST-Aids, 2003).
A co-infecção LTA e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) têm
sido descrita ultimamente na literatura. Manifestações clínicas da LTA estão intimamente
relacionadas ao estado de imunidade celular do hospedeiro. Na infecção pelo Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV), observa-se progressiva desregulação do sistema
imunológico, favorecendo a replicação e disseminação de organismos intracelulares, como é o
caso da Leishmania. Tem-se observado nestes pacientes uma importante diversidade clínica,
com quadros mais graves, disseminação e refratariedade ao tratamento habitual, assim como
maior taxa de complicações relacionadas ao tratamento. Como já observado com a
leishmaniose visceral, relatos de casos de co-infecção entre LTA e AIDS alertam para a
importância da co-infecção, diversidade clínica e morbidade desta doença em pacientes com
AIDS (COURA et al., 1987; SAMPAIO et al., 2002, apud ANDRADE, 2004).
2 doença que pode ser transmitida aos seres humanos pelos animais. [Certas zoonoses podem ser transmitidas ao animal pelo homem.]
18
Atualmente, houve aumento no registro de casos da co-infecção Leishmania-
HIV, que passou a ser considerada como emergente e de alta gravidade. Dos 83 casos de co-
infecção Leishmania-HIV relatados no Brasil, 62,7% apresentavam LTA na sua forma
cutânea (21,8%) e mucosa (40,9%) (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE/MS,
2006, p.197).
Segundo os pesquisadores BASANO e CAMARGO (2004), no artigo
“Leishmaniose tegumentar americana: histórico, epidemiologia e perspectivas de controle”
relatam que:
A primeira referência de LTA no Brasil encontra-se no documento da Pastoral Religiosa Político-Geográfica de 1827, citado no livro de Tello intitulado “Antiguidad de la Syfilis en el Peru”, onde ele relata a viagem de Frei Dom Hipólito Sanches de Fayas y Quiros de Tabatinga (AM) até o Peru, percorrendo as regiões do vale amazônico.
Ainda estes mesmos autores, em seu artigo, descrevem que no Brasil, até a
década de setenta, todos os casos de LTA eram atribuídos a L. braziliensis. Com o
aprimoramento das técnicas de análise e a intensificação dos estudos ecológicos e
epidemiológicos, outras espécies foram descritas, sendo registradas até o momento seis
espécies causadoras da LTA (BASANO e CAMARGO, 2004), já mencionadas anteriormente.
Moreira, 1895, identificou no Brasil, pela primeira vez, a existência do botão
endêmico dos países quentes, chamando “Botão da Bahia” ou “Botão de Biskra”. Lindenberg
(1909) confirmou formas de leishmânias em úlceras cutâneas e nasobucofaríngeas, quando
encontrou o parasito em indivíduos que trabalhavam em áreas de desmatamentos, na
construção de rodovias no interior de São Paulo. SPLENDORE (1911) diagnosticou a forma
mucosa da doença e Gaspar Vianna deu ao parasito o nome de Leishmania braziliensis.
Aragão (1922), pela primeira vez, demonstrou o papel do flebotomíneo na transmissão da
leishmaniose tegumentar e Forattini (1958) encontrou roedores silvestres parasitados em áreas
florestais do Estado de São Paulo.
É necessário destacar a importante contribuição do médico brasileiro Gaspar
Vianna (1911), o qual deu ao parasito o nome de Leishmania brasiliensis, já citado
anteriormente, mas, por considerá-lo morfologicamente diferente da Leishmania tropica. A
partir de então, ficou caracterizada a etiologia da enfermidade citada como “úlcera de Bauru”,
“ferida brava”, “nariz de anta”. E ainda, no tratamento específico das leishmanioses,
empregou pela primeira vez o tartarato de potássio e antimônio – o tártaro emético, em 1912.
Houve uma verdadeira revolução, a partir de 1915, com sucesso, na terapêutica e prognóstico
19
da doença, especialmente no calazar (forma visceral), que vinha ceifando muitas vidas em
todo o mundo.
Segundo o Manual de Vigilância da LTA, no Brasil, a situação epidemiológica
desta doença é uma das afecções dermatológicas que precisa de mais atenção, devido à sua
magnitude e pelo risco de ocorrência de deformidades que podem produzir no ser humano, e
também pelo envolvimento psicológico, com reflexos tanto no campo social quanto no
econômico, uma vez que, na maioria dos casos, pode ser considerada uma doença
ocupacional. Em todas as regiões brasileiras há registros de casos com ampla distribuição
(Brasil/MS/SVS/DVE/2007).
Nesse contexto, observa-se que no Brasil, a LTA é uma doença com
diversidade de agentes, de reservatórios e de vetores que apresenta diferentes padrões de
transmissão e conhecimento ainda limitado sobre alguns aspectos, o que a torna de difícil
controle. Para tanto, o Ministério da Saúde propõe a vigilância e o monitoramento em
unidades territoriais, definidas como áreas de maior produção da doença, bem como, suas
características ambientais, sociais e econômicas, buscando um conhecimento amplo e
intersetorial. Propõe ainda, que as ações estejam voltadas para o diagnóstico precoce e
tratamento adequado dos casos detectados e estratégias de controle flexíveis, distintas e
adequadas a cada padrão de transmissão (Brasil/MS/SVS/DVE/2007).
Atualmente, no Brasil, são reconhecidas sete espécies de protozoários do
gênero Leishmania associadas à etiologia da leishmaniose tegumentar. Estas espécies, de
acordo com a classificação mais recente dos parasitos do gênero Leishmania (Lainson &
Shaw,1987), estão distribuídas em dois subgêneros: o subgênero Viannia (Lainson & Shaw,
1987) e o subgênero Leishmania (Saf' janova,1982). Assim temos:
-Leishmania (Viannia) braziliensis (Vianna, 1911).
-Leishmania (Viannia) guyanensis (Floch, 1954).
-Leishmania (Viannia) lainsoni (Silveira et al., 1987).
-Leishmania (Viannia) shawi (Lainson et al., 1989).
-Leishmania (Viannia) naiffi (Lainson & Shaw, 1989).
-Leishmania (Leishmania) amazonensis (Lainson & Shaw, 1972).
-Leishmania (Viannia) lindenbergi (Silveira et al., 2002).
As espécies mais importantes no Brasil são a Leishmania (V.) braziliensis,
Leishmania (L.) amazonensis e Leishmania (V.) guyanensis. A doença é adquirida através da
picada de insetos flebotomíneos fêmeas do gênero Lutzomya.
20
No Brasil os três agentes etiológicos de maior importância clínica com seus
vetores e reservatórios estão distribuídos, a seguir, de acordo com o Guia de Vigilância
Epidemiológica do Ministério da Saúde (Brasil/MS/SVS/DVE, 2007):
1.2.1 Leishmania (Viannia) braziliensis:
Tem ampla distribuição desde a América Central até o norte da Argentina. No
Brasil é amplamente distribuída. É freqüente o encontro de várias espécies domésticas
albergando o parasito como o cão (CE, BA, ES, RJ, e SP); eqüinos e mulas (CE, BA e RJ) e
roedores domésticos ou sinantrópicos (CE e MG). Os vetores de maior importância são:
Psychodopigus wellcomei no meio silvestre e Lutzomya whitmani, L. intermedia e L. migonei
em ambientes rurais modificados e peri-domiciliar.
Esta espécie até os anos 1970 era responsável pela maioria dos casos de LTA no
país (SILVEIRA et al., 1997). Causa as formas de leishmânia cutânea e mucocutânea
(LAINSON, 1997).
1.2.2 Leishmania (Viannia) guyanensis:
Em 1954, foi isolada a L. guyanensis, encontrada ao norte do rio amazonas, no
estado do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, e estendendo-se aos países vizinhos Guiana,
Suriname e Guiana Francesa. Os principais reservatórios são: a preguiça real (Choloepus
didactilus), o tamanduá (Tamanduá tetradactyla), marsupiais e roedores, que apresentam
infecção inaparente, com encontro de parasitos nas vísceras e pele. Os vetores mais comuns
são L. anduzei, L. whitmani e L. umbratilis, as fêmeas costumam repousar durante o dia em
troncos de árvores após o repasto e atacam o homem em grande quantidade, quando
perturbados caracterizando presença de múltiplas lesões em pacientes (SILVEIRA et al.,
1997). Casos de leishmaniose cutâneo-mucosa são extremamente raros (LAINSON, 1997).
1.2.3 Leishmania (Leishmania) amazonensis:
Identificada nos anos 70. Esta espécie causa a leishmaniose cutânea localizada e
disseminada e a leishmaniose cutânea difusa (LAINSON 1997, SILVEIRA et al., 2004). Está
distribuída pelas florestas primárias e secundárias da Amazônia (Amazonas, Pará, Rondônia,
Tocantins e sudeste do Maranhão), particularmente em áreas de Minas Gerais e São Paulo.
Apresenta como principais reservatórios vários roedores silvestres, marsupiais e raposa
(LAINSON, 1997), e como vetores Lutzomya flaviscutellata, L. reducta e L. olmeca, com
hábitos noturnos e são poucos antropofílicos.
21
1.2.4 Leishmania (V.) shawi, L. (V.) lainsoni, L. (V.) naiffi e L. (V.) lindenbergi:
São muito raramente envolvidas nos casos de LTA (Brasil/MS/SVS/DVE,
2007).
A ação do homem sobre o meio ambiente está alterando profundamente as
características epidemiológicas da doença, a qual é registrada em áreas próximas de grandes
centros urbanos. Em Minas Gerais, além de focos na periferia de Belo Horizonte existem
também importantes áreas endêmicas no Vale do Rio Doce. Em vários outros estados, a
leishmaniose assumiu características de transmissão domiciliar.
Das regiões norte e nordeste procedem cerca de 75% dos casos registrados no
país. Nos últimos 20 anos tem sido observado franco crescimento da endemia, tanto em
magnitude quanto em expansão geográfica, com surtos epidêmicos nas regiões Sul, Sudeste,
Centro-Oeste, Nordeste e, mais recentemente, na Região Norte (Brasil/MS/2000). Nas áreas de
colonização recente, a expansão está associada à derrubada de matas para construção de
estradas, novos núcleos populacionais e ampliação de atividades agrícolas, sendo mais comum
na Amazônia e Centro-Oeste, onde atinge principalmente a população migrante,
freqüentemente poupando os indígenas (FURTADO, 1994).
Na Região Nordeste, a LTA apresenta características eco-epidemiológicas
diversas, embora com alguma similaridade intra-regional. Estudos recentes em áreas da Zona
da Mata Atlântica, norte de Pernambuco, têm confirmado casos autóctones em militares
quando em realização de treinamentos nesta área, onde os flebotomíneos identificados como
Lutzomyia choti, com 89,9% têm predominância. Com a maior ocorrência da forma cutânea da
doença.
Os maiores coeficientes de detecção foram nas regiões Norte (92/100.000 habs)
e Centro-Oeste (50/100.000 habs), especialmente nos estados de Mato Grosso, Amapá,
Rondônia, Acre, Pará, Amazonas, Tocantins e Roraima, além de Maranhão, na região
Nordeste, segundo dados apresentados entre 1985 e 1999 quando foram registrados 388.155
casos da doença no país (Brasil/MS/FUNASA/2000).
A Região Sul apresenta o menor número de casos registrados, e a Região Norte
o maior, e, com taxas de incidência acima de 100,0 por 100 mil habitantes para esta última
região (LAINSON e SHAW, 1985).
1.3 A Leishmaniose Tegumentar Americana: da Amazônia ao Amapá
A Região Amazônica, a partir da década de 1970, recebeu um novo pulso de
conhecimento da LTA, quando LAINSON & SHAW (1972), com base em critérios clínicos,
22
epidemiológicos e biológicos, propuseram nova classificação das leishmânias do Novo
Mundo, sendo divididas em dois grandes grupos: o complexo Leishmania mexicana e o
Leishmania braziliensis.
Ainda na década de 1970, pesquisas realizadas no Instituto Evandro Chagas em
Belém do Pará, detectaram a presença de uma outra espécie de Leishmania, responsável pela
leishmaniose cutânea na Amazônia brasileira e por ter semelhança com a Leishmania
mexicana, das áreas da América Central, o parasito foi nomeado Leishmania mexicana
amazonensis (LAINSON & SHAW, in SILVEIRA, LAINSON, BRITO, OLIVEIRA, PAES,
SOUZA, et al, 1972).
Segundo estudos feitos sobre a ecologia e a epidemiologia das espécies L.
braziliensis e L. m. amazonensis, exames de grande número de pacientes portadores da
leishmaniose tegumentar, assim como de espécies diferentes de mamíferos selvagens e vetores
flebotomíneos (Psychodidae: Phlebotominae), resultaram na descoberta de multiplicidade de
espécies do gênero Leishmania, especialmente na Amazônia brasileira, uma vez que cada uma
dessas espécies apresenta aspectos eco-epidemiológicos singulares.
Na Amazônia, a leishmaniose tegumentar americana está agrupada sob três
diferentes formas clínicas: leishmaniose cutânea, leishmaniose cutânea difusa e leishmaniose
mucosa.
A distribuição geográfica da LTA na Amazônia ocorre, nos últimos vinte anos,
com crescimento da endemia, tanto em magnitude quanto em expansão geográfica. Todos os
estados da Região Norte do Brasil apresentam registros da doença. Nas àreas de colonização
recente, está associada à derrubada de matas para construção de estradas, novos núcleos
populacionais e ampliação de atividades agrícolas, no caso, dos Projetos de Assentamentos
para trabalhadores rurais, atingindo assim, a população migrante, ressalvado os indígenas.
Estudos apontam através de evidências recentes e baseadas em estudos
biológicos e etno-históricos de que a LTA era endêmica na região amazônica já no início do
século XIX, de onde se expandiu para o resto das regiões Norte e Nordeste do país, através da
migração humana, iniciada com o ciclo da borracha.
A região Norte do Brasil, segundo pesquisadores, apresenta grande problema da
doença nos últimos anos, pois, atualmente, contribui com o maior número de casos detectados
do total dos casos registrados no país, assim como os coeficientes mais elevados, havendo
ligeira queda dos casos, no ano de 1998, o que refletiu diretamente na redução do Coeficiente
de Detecção da região e conseqüentemente do Brasil (Secretaria de Vigilância em Saúde-
SVS/MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2004).
23
O risco da população da região Norte adoecer por LTA é cinco vezes superior à
média nacional, destacando o estado do Amapá que corresponde a onze vezes mais. Em 85%
dos municípios da região, houve registro de casos autóctones, sendo que 100% dos municípios
dos estados do Amapá, Rondônia e Roraima apresentaram autoctonia (SVS/MSBrasil, 2004).
A Figura 3 apresenta a distribuição dos casos de LTA nas Unidades Federadas
que compõem a região Norte do país, com o objetivo de demonstrar como a doença se
apresentou nesses estados desde a década de 1990 até o ano 2004, em que se destaca o estado
do Pará, com maior número de casos da doença nesta região.
Figura 3 - Distribuição dos casos autóctones de Leishmaniose Tegumentar
Americana na região norte do Brasil, segundo a UF, de 1990 a 2004. Fonte: Gerência das Leishmanioses/Ministério da Saúde
A figura 4 demonstra os estados da região Norte por Coeficiente de Prevalência
(CP) no período de 2000 a 2004, permitindo a comparação entre a proporção de casos e a
população de cada UF. Desta forma, é possível observar o estado do Acre com a maior
relevância em todos os anos da análise.
No que diz respeito ao estado do Amapá, verifica-se que no ano 2000, apresenta
o segundo maior CP da região e, nos três anos seguintes (2001, 2002 e 2003) fica abaixo de
100, porém, em 2004 apresenta um coeficiente de 216,17/100.000 hab. em decorrência de um
surto epidêmico sofrido no estado, confirmando a magnitude que esta endemia apresenta no
Amapá.
24
Figura 4 – Coeficiente de Prevalência da Leishmaniose Tegumentar Americana na região Norte do Brasil, segundo cada UF, de 2000 a 2004 (Fonte: Gerência das Leishmanioses / Ministério da Saúde).
A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), no estado do Amapá,
apresenta autoctonia em 100% de seus municípios. Os dezesseis municípios que compõem o
Estado são considerados endêmicos para LTA, pois, de acordo com o Ministério da Saúde, o
registro de pelo menos um caso autóctone da doença em dez anos, é o suficiente para que o
município seja considerado endêmico (Brasil/MS/FUNASA, 2002).
Quanto a Leishmaniose Visceral, o estado do Amapá não apresenta autoctonia,
não existe registro de caso da doença com origem no estado, e de acordo com levantamentos
entomológicos realizados nos municípios, nunca foram identificados a presença do
flebotomíneo da espécie Lutzomya longipalpis, vetor responsável pela transmissão desta
doença, informações estas, coletadas junto a Unidade de Vigilância Epidemiológica da
Secretaria de Estado de Saúde do Amapá – UVE/SESA.
Fatores ambientais como diversidade da fauna flebotomínica de importância
vetorial para Leishmania sp. e de mamíferos silvestres que atuam como reservatórios naturais
da doença, aliados a manutenção de florestas densas e baixa ação antrópica, são de grande
relevância na manutenção da transmissão da LTA.
No Amapá, a LTA apresenta o ciclo de transmissão basicamente silvestre, pois
os susceptíveis são infectados quando adentram a mata de áreas endêmicas, em sua maioria,
extrativistas e assim se expõem ao vetor. Pacientes acometidos por esta doença, em grande
parte extrativistas oriundos de áreas rurais endêmicas do estado, durante a investigação
epidemiológica relatam que a doença é conhecida entre eles como “leshe” ou “lecho”, ou
ainda, “ferida brava”.
25
Estudos feitos pelo pesquisador do Instituto Evandro Chagas, de Belém do
Pará, SOUZA et al., como contribuição à fauna de flebotomíneos (Díptera: Psychodidae), no
município de Serra do Navio - AP, no período de 1996 a 1997, confirmam a presença de
vetores na floresta amapaense, local em que foram capturados 6.324 flebotomíneos, sendo:
(80,5 %) do gênero Lutzomya; no total foram identificadas 54 espécies diferentes: L.
umbratilis (57,3%); L. ubiquitalis (8,8%); L. anduzei (8,4%); L. ypajoti (7,25%); L.
tuberculata (3,5%); e outras (14,8%). Dos vetores infectados foi identificada apenas a L. (V.)
guyanensis (SOUZA et al., 2001). Em outro estudo, os flebótomos identificados de maior
importância como vetores de Leishmania, foram: L. whitmani, L. flaviscutellata, L.
wellcomei, L. umbratilis, sendo relatada a identificação da espécie L. (V.) braziliensis, além
da L. (V.) guyanensis (Brasil/MS/SVS/DVE, 2007).
Nos levantamentos feitos nos anos de 2002 a 2006 no Estado do Amapá, a
forma clínica da leishmaniose cutânea é a de maior predomínio, em toda a sua região
(SINAN/UVE/CVS/SESA).
No período entre 1994 e 1995, durante a construção de uma hidrelétrica na
Guiana Francesa em uma grande área de floresta primária, foram capturadas entre outras, 40
espécies diferentes de animais mamíferos silvestre, entre esses, várias espécies de marsupiais,
carnívoros, roedores, preguiças e tamanduás (RICHARD-HANSEN et al., in CHAVES,
1999). Este estudo é bastante relevante quanto à diversidade de animais silvestres com
importância epidemiológica na transmissão da LTA e a localização geográfica, uma vez que,
a região pesquisada faz fronteira com o município de Oiapoque, estado do Amapá.
O grande potencial de reservatório de LTA é confirmado com o elevado
número de pacientes oriundos da Guiana Francesa, com entrada clandestina pela mata deste
país em busca de atividades em áreas de garimpo da região e ao serem infectados, buscam
atendimento ambulatorial no Centro de Referência de Doenças Tropicais, em Macapá - AP.
Informações estas, obtidas através de relatos de pacientes submetidos à investigação
epidemiológica durante o atendimento.
Em uma série histórica da LTA no Estado do Amapá (Figura 5) é possível
visualizar o comportamento da doença por vinte e dois anos. Na década de 1980, os casos de
leishmaniose desenham uma curva bastante acidentada com números variando de 100 a 700
casos até o ano de 1985, porém, na década de 1990 a curva toma outro formato com uma
ascendência progressiva até 1995 quando são registrados 895 casos. De 1997 a 1999 a doença
se mantém em um padrão elevado acima de 880 casos.
26
Figura 5 - Série histórica da Leishmaniose Tegumentar Americana, no estado do Amapá, no período de 1980 a 2001 (Fonte: Gerência das Leishmanioses/ MS e UVE/SESA).
Anteriormente, todo processo de registro dos casos era feito pela Fundação
Nacional de Saúde - FUNASA, em boletins mensais com poucas informações a respeito dos
casos. Em 2001 foi incluída a investigação epidemiológica dos casos de LTA por instrumento
padronizado pelo Ministério da Saúde, a Ficha de Investigação Individual da LTA –
SINANWindows (FII-LTA/SINAN), a qual, após ser preenchida através da investigação do
caso, é alimentada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), para
posterior análise de dados (Anexo).
27
CAPÍTULO II
A LEISHMANIOSE COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA
2.1 AS POLÍTICAS DE CONTROLE DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA
Dentre as doenças transmitidas por vetores as leishmanioses representam hoje
um dos mais sérios problemas de saúde pública no mundo, estando em plena expansão em
suas áreas de ocorrência, em geral associada às modificações ambientais provocadas pelo
homem e aos deslocamentos populacionais originados de áreas endêmicas, representando um
complexo de doenças com importante espectro clínico e diversidade epidemiológica.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima-se que trezentos e
cinqüenta milhões de pessoas estejam expostas ao risco, com registro aproximado de dois
milhões de novos casos das diferentes formas clínicas ao ano, sendo ainda considerada como
uma das seis doenças infecto-parasitárias endêmicas de maior relevância
(Brasil/MS/SVS/2007).
O fato de ser uma doença essencialmente de transmissão florestal em matas
primárias e de terra firme e associada ao extrativismo tanto mineral quanto florestal, causa
lesões dérmicas que podem incapacitar o indivíduo para o trabalho, e que, em casos graves,
chega a causar mutilações ou até mesmo a morte. A incidência aumentou tanto que dentro de
quinze anos (1985 – 2000), passou de 10,45 para 18,63 casos por 100.000 habitantes, com
isso, tornando-se problema de saúde pública crescente no Brasil.
Sendo assim, a Organização Mundial de Saúde (1990), definiu que a luta
contra a leishmaniose deve ser parte da atenção primária à saúde; destacando as
responsabilidades de esferas locais (municipal e estadual) e federais, e da população em geral,
para o combate da expansão da doença e o controle da mesma.
O Ministério da Saúde através da Portaria n° 2.325/GM, de 8 de dezembro de
2003, Anexo 1, define a relação de doenças de notificação compulsória para todo o território
nacional, conforme anexo. Nesta relação, que contém trinta e seis agravos em sua lista
original, e já acrescidos de novos agravos posteriormente, contempla a Leishmaniose
tegumentar americana como um dos agravos que merece de atenção primária à saúde.
Ressalta-se, no entanto que, sendo a LTA doença de notificação compulsória;
então, todo caso confirmado no Brasil deve ser notificado pelos serviços de saúde públicos,
privados e filantrópicos, utilizando-se a ficha de investigação epidemiológica padronizada no
Sinan. As Vigilâncias Epidemiológicas de cada município investigam os casos notificados
através do preenchimento da Ficha de Investigação Individual da Leishmaniose Tegumentar
28
Americana que posteriormente é alimentada no Sistema de Informação de Agravos de
Notificação - SINAN. De 2000 a 2006, o programa de informática que alimentava as Doenças
de Notificação Compulsória - DNCs era o Sistema SINAN Windows, cujos dados eram
limitados aos níveis municipal (SMS), estadual (SES) e federal (MS); atualmente o programa
em utilização é o SINAN Net, podendo ser consultado por qualquer pessoa ou entidade
pública, por estar disponível no sítio eletrônico do Ministério da Saúde, na Internet.
Os objetivos da Vigilância epidemiológica, segundo o Ministério da Saúde
(SVS/MS, 2006, p. 456), para tratar da LTA são: “Diagnosticar e tratar precocemente os casos,
com vistas a reduzir as deformidades provocadas pela doença. Em áreas de transmissão
domiciliar, reduzir a incidência da doença adotando medidas de controle pertinentes, após
investigação dos casos”.
E ainda, com relação à assistência ao paciente o Ministério da Saúde (SVS/MS,
2006, p. 457) preconiza que:
Todo caso suspeito deve ser submetido às investigações clínica e epidemiológica e aos métodos auxiliares de diagnóstico. Caso seja confirmado, inicia-se o tratamento segundo normas técnicas e acompanha-se mensalmente (para avaliação da cura clínica) pelos três primeiros meses e, uma vez curado, bimensalmente, até completar 12 meses após o término do tratamento.
A investigação epidemiológica, após a detecção de casos, faz-se necessária para
identificar se a área suspeita da infecção é endêmica ou se é um novo foco; se o caso é
autóctone ou importado (no segundo, informar ao serviço de saúde do local de origem); as
características do caso que são a forma clínica, idade e sexo; novos casos e caracterizá-los
clínica e laboratorialmente (SVS/MS, 2006, p. 458).
No encerramento dos casos, preconizado pelo MS (SVS/MS, 2006, p. 459), a
ficha epidemiológica de cada caso deve ser analisada visando definir qual o critério utilizado
para o diagnóstico, considerando as seguintes alternativas:
Confirmado por critério clínico-laboratorial – encontro do parasito nos exames parasitológicos diretos e/ou indiretos ou intradermorreação de Montenegro positiva ou outros métodos diagnósticos positivo. Confirmado por critério clínico-epidemiológico – verificar se a suspeita clínica está associada à residência, procedência ou ao deslocamento em área com confirmação de transmissão.
A evolução do caso, para a vigilância da LTA é de extrema importância tratar e
acompanhar os casos confirmados e conhecer a evolução clínica dos mesmos, conforme
normas técnicas do MS, visando reduzir a forma grave da doença (forma mucosa) e evitar
deformidades.
29
O diagnóstico laboratorial da LTA - A confirmação dos casos, na rede básica de
saúde, nos diversos municípios do Brasil baseia-se principalmente em exame de pesquisa do
parasito por esfregaço da lesão e pesquisa de anticorpos com a Intradermorreação de
Montenegro (IDRM), podendo proceder em laboratórios de referência outros exames de maior
complexidade como: Histopatológico; Cultura; Inoculação em animais experimentais;
Imunofluorescência indireta (IFI); Elisa; Anticorpos monoclonais e PCR (SVS/MS, 2006,
p.447).
Em um estudo comparativo entre abordagem molecular e os demais exames
laboratoriais para LTA, utilizando o subgênero Viannia, os percentuais de positividade foram:
pesquisa direta (68%); exame histopatológico (89%); isolamento por cultura (44%) e a
imunofluorescência indireta (81,3%). A PCR apresentou 100% de especificidade. O autor
sugere que a simplificação dos procedimentos de coleta, processamento das amostras, e a
preparação dos reagentes em laboratórios de referência, podem transformar a PCR em uma
tecnologia de custo aceitável para regiões subdesenvolvidas, fornecendo informações
epidemiológicas relacionadas à identificação do parasito, que é uma informação relevante para
o planejamento das medidas de controle (RODRIGUES, in CHAVES, 2000).
O tratamento da LTA é um desafio, uma vez que as drogas disponíveis são de
elevada toxicidade, e nenhuma bastante eficaz. A recidiva, a falha terapêutica em pacientes
imunodeprimidos e a resistência ao tratamento são fatores que motivam a busca de uma droga
ideal (LIMA et al., 2007).
Visando padronizar o tratamento das leishmanioses, o Ministério da Saúde de
acordo com o que determina a Organização Mundial de Saúde preconiza as drogas e as doses
para o tratamento da LTA, determinando como droga de primeira escolha o antimônio N-metil
glucamina (Sb+5), conhecida comercialmente como glucantime, na dose de 10 a 20mg/Sb+5/
Kg/dia, administrada por 20 a 30 dias seguidos, dependendo da forma clínica. Em caso de
falha terapêutica as drogas de segunda escolha são a anfotericina B e o isotionato de
pentamidina (SVS/MS, 2006, p. 448).
Um estudo com paciente de 89 anos, diabética, cardíaca, com lesão mucosa,
com tratamento por apenas três dias com antimonial, e apresentou regressão total das lesões.
(AMATO et al., in CHAVES,1998). Todavia, um paciente de 45 anos foi a óbito por parada
cardíaca súbita, dez dias após o tratamento com antimonial, na dose preconizada pelo
Ministério da Saúde (OLIVEIRA et al., in CHAVES, 2005).
30
Mulheres em tratamento com antimonial relataram sofrimento em razão a várias
aplicações endovenosas e se queixaram de dores nos braços e nas articulações o que as levam
ao abandono do tratamento (SILVA & LOPES, in CHAVES, 2004).
Paula et al., 2003, compararam a eficácia e efeitos adversos das drogas:
pentamidina e N-metil-glucamina, no tratamento da leishmaniose cutânea causada
principalmente por L.(V.) brasiliensis, em pacientes de vários estados brasileiros. A das duas
drogas com eficácia igual, a pentamidina (71%) e o glucantime (73,2%) de cura. As reações
adversas da pentamidina foram: tontura, lipotímia e dor local e os tratados com glucantime
foram artralgia e mialgia. Os exames de eletrocardiograma de 30% dos pacientes com uso do
glucantime apresentaram alteração em períodos diferentes da terapia.
Segundo FIGARELLA et al., (2003), o fato da Leishmânia possuir mecanismos
de adaptação como: consegue se transformar da forma amastigota para promastigota em
condições de laboratório, quando se modifica o ph do meio, e de se internalizar em células do
sistema fagocitário na infecção natural, sugere duas características importantes que podem
estar associadas à resistência do parasita às drogas utilizadas no tratamento da LTA.
Fatores como presença de três ou mais lesões; tratamento anterior; pacientes
com peso acima de 68 kg e tratamento irregular, devem ser levados em consideração na
identificação de pacientes com maior risco de insucesso no tratamento com antimoniato
(RODRIGUES et al., 2006).
A compreensão global do processo saúde/doença, no qual intervêm fatores
sociais, econômicos, políticos e culturais juntamente com medidas educativas são as mais
eficazes como forma de prevenção da LTA (SVS/MS, 2006, p.461).
“Alternativas para o controle da LTA passam pela estruturação dos serviços de
saúde, com respeito ao diagnóstico, desenvolvimento de drogas de aplicação tópica ou por via
oral, no desenvolvimento de vacinas, no controle diferenciado de vetores e no aprofundamento
de estudos relacionados à biologia celular do parasito” (BASANO e CAMARGO, 2004).
A Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências.
Em seu Art. 1° declara que: “Esta Lei regula, em todo o território nacional, as
ações e serviços de saúde, executados, isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou
eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado”.
Mais adiante, em seu Art. 2°, fundamenta que:
31
A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. §1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
O Art. 3º garante que:
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.
Em seu Título II que dispõe do Sistema Único de Saúde, um dos objetivos, no
“Art. 5º, II – a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e
social, a observância do disposto no §1° do artigo 2° desta Lei”.
Esta lei, em alguns artigos, dá destaque especial à saúde do trabalhador, assim
citados:
Art. 6° Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde – SUS: I – a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; §3° Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa a recuperação e a reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho: I – assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; entre outros.
A Norma Operacional de Saúde do Trabalhador (NOST) – Portaria n.
3.908/1998 tem como objetivo orientar os estados e os municípios na implantação das ações
de saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde, em busca de melhores condições de
saúde dos trabalhadores.
Sendo assim, esta NOST em seu intróito faz saber que:
A saúde tem o trabalho como um dos fatores determinantes/condicionantes, tal como reconhecido pelo artigo 3° da Lei n.° 8.080/90. A expressiva maioria de usuários do SUS é constituída de trabalhadores e trabalhadoras urbanos e rurais, constituindo a População Economicamente Ativa (PEA), que totaliza cerca de 60% da população brasileira, de acordo com dados do IBGE, 1995. À população brasileira é assegurada, nos termos do artigo 7.°, inciso II, dessa Lei, a “integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema”. Esses dispositivos são, por si só, explicativos para as exigências legais de incorporação das ações de saúde do trabalhador entre o elenco de ações do SUS, como estabelece o art. 200, inciso
32
II, da Constituição Federal, em todas as esferas de governo e em todas as unidades prestadoras de serviços de saúde.
A Portaria n.° 1339/GM de 18 de novembro de 1999, institui a Lista de
Doenças Relacionadas ao Trabalho, a qual foi elaborada em cumprimento à Lei 8.080/90-
inciso VII, parágrafo 3° do artigo 6° - disposta segundo a taxonomia, nomenclatura
codificação da CID-10. Esta Portaria delega que:
O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, e considerando o artigo 6°, parágrafo 3° inciso VII da Lei 8.080/90, que delega ao Sistema Único de Saúde – SUS a revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho; a Resolução do Conselho Nacional de Saúde, n.° 220, de 05 de maio de 1997, que recomenda ao Ministério da Saúde a publicação da Lista de Doenças relacionadas ao Trabalho; a importância da definição do perfil nosológico da população trabalhadora para o estabelecimento de políticas públicas no campo da saúde do trabalhador. Resolve: Art. 1° Instituir a Lista de Doenças relacionadas ao Trabalho, a ser adotada como referência dos agravos originados no processo de trabalho do Sistema Único de Saúde, para uso clínico e epidemiológico, constante no Anexo I desta portaria.
Na Lista das Doenças Relacionadas ao Trabalho, a Leishmaniose Tegumentar
Americana é codificada segundo a CID-10 como Leishmaniose Cutânea (B55.1) e tem como
agente etiológico ou fatores de risco de natureza ocupacional Microorganismos e parasitas
infecciosos vivos e seus produtos tóxicos (Exposição ocupacional ao agente e/ou transmissor
da doença, em profissões e/ou condições de trabalho especificadas), (Anexo 1, Portaria
n.1339/1999).
2.2 Caracterização da população exposta ao risco de adquirir a LTA:
Comportamento como Doença Ocupacional
A leishmaniose além de ser um problema de saúde pública no Brasil e no
mundo, comporta-se geralmente como doença profissional, uma vez que a ocorrência se dá
em áreas em que se processam desmatamentos para a colonização de novas terras, construção
de estradas e instalação de frentes de trabalho para garimpos, mineração, extração de madeira
e carvão vegetal. Além de que estão expostos os profissionais que trabalham sob as matas nas
plantações de cacau, extração do látex da seringueira e coleta de chicle, daí o nome regional
de úlcera dos chicleiros, no México. Outras atividades de risco são os treinamentos militares
nas, as expedições científicas e incursões de caçadores em áreas florestais (MENDES, 2007).
33
Ainda MENDES, (2007), considera que:
Em determinados trabalhadores, a Leishmaniose Cutânea ou a Cutâneomucosa pode ser considerada como “doença relacionada com o trabalho”, do Grupo II da Classificação de Schilling, posto que as circunstâncias ocupacionais da exposição ao mosquito transmissor podem ser consideradas como fatores de risco, no conjunto de fatores de risco associados com a etiologia desta grave doença infecciosa.
O pesquisador COSTA, (2005), em seu estudo “Leishmaniose: Situação
Epidemiológica Atual no Brasil” descreve assim o comportamento da LTA como doença
ocupacional:
No Brasil, desde o início da colonização, o processo de povoamento foi feito visando a produzir mercadorias para serem exportadas e, entre essas, a de maior demanda no mercado internacional. O país integrou-se, deste modo, ao circuito do capital comercial europeu logo após a sua ocupação pelos portugueses, a título de “colônia de exploração”, como fornecedor de alguns bens primários extrativos. A partir do século XVI, o Brasil amplia a sua integração a esse circuito por meio de exportação de produtos agrícolas tropicais, iniciando com a cana de açúcar, seguida do café, cacau, dentre outros, passando a desenvolver um sistema monocultor de forma altamente ligada às grandes propriedades, às custas do desmatamento, da introdução de plantas exóticas e de formação de pastagens.
Ainda COSTA, (2005), afirma que isto criou condições sociais adversas, como
a exploração do trabalhador rural, principalmente dos chamados “sem terra”. Estes enfrentam
dois problemas fundamentais: o primeiro, a modernização da produção que, em determinadas
fases do cultivo, substitui o trabalhador pela máquina, enquanto, em outras, necessita do uso
intensivo de mão-de-obra - por exemplo, na fase de desflorestamento, capina ou de colheita.
Essa situação de intermitência no uso da força de trabalho incentiva a proliferação da forma
de trabalho volante. O segundo problema refere-se à substituição de culturas de uso intensivo
de mão-de-obra por pastagens ou lavouras mecanizadas. Assim, fazendas que ofereciam
trabalho durante o ano inteiro para grande número de famílias passam a expulsá-las de suas
terras por não necessitarem mais de sua mão-de-obra, fazendo com que as mesmas se
desloquem para as pequenas e médias cidades.
E declara ainda que:
Esses trabalhadores compõem, historicamente, a população de maior incidência de LTA. Esta doença, que ocorre na faixa etária mais produtiva (entre 20 e 50 anos), causa sérios prejuízos à economia do país pela perda temporária ou mesmo permanente de mão-de-obra. Porém, causa prejuízos mais sérios ainda ao trabalhador que, ao pertencer a uma classe sócio-econômica menos favorecida, tem chances reduzidas de prevenção ou de tratamento, devido à escassa oportunidade de
34
obter um diagnóstico rápido (antes da evolução da doença para formas desfigurantes e crônicas) e menores condições de se submeter ao tratamento, que é dispendioso e freqüentemente obriga o indivíduo a suspender o próprio emprego por várias semanas.
Outra situação desconfortável são os indivíduos que desenvolvem atividades
dentro das florestas e delas extraem matéria-prima, como os extratores de látex de borracha da
região amazônica. Observa-se, nesta região, um processo de desenvolvimento rápido,
acarretando a exploração e clareamento de imensas áreas florestais virgens para a instalação
de projetos agropecuários, construção de estradas e mineração.
Em estudos feitos em uma vila de exploração de minérios – Vila Pitinga, no
município de Presidente Figueiredo, estado do Amazonas, Brasil, área de mineração de
cassiterita e outros minérios e endêmica para LTA; a maior proporção dos casos detectados no
período ocorreu no gênero masculino, com atividades laborais de contato direto com a floresta
tais como: prospectores, motoristas, pedreiros, roçadores e auxiliares de saneamento,
apresentaram maior número de casos. Também foram registrados casos em indivíduos que
não tinham atividades laborais em contato direto com a floresta, tais como dependentes de
funcionários, estudantes e donas de casa, que ocasionalmente adentravam na floresta para
passeios e balneários; essas notificações de pessoas com contágio de LTA devido às
atividades de lazer também ocorrem em outras regiões do Brasil (CHAGAS et al, 2006).
2.3 A pesquisa sobre a Leishmaniose Tegumentar Americana
Pesquisas em torno da LTA indicam que o meio ambiente exerce um papel
importante no aparecimento e caracterização das leishmanioses, e como parte de um grupo de
doenças, são usadas como modelo para estudos sobre ecologia das doenças, enfatizando o
fator ambiente dentro da tríade epidemiológica (agente - meio ambiente - hospedeiro). Assim,
foram descritas como passíveis de ocorrerem em circuitos limitados por fatores ambientais
como micro-clima, relevo geográfico, espécies de animais reservatórios e fauna
flebotomínica. Posteriormente, situada num contexto mais amplo, o conceito de
multicausalidade das doenças foi explicado, como a “teia” de causalidade da leishmaniose
cutânea na Etiópia descrita por Bray, na qual enfatiza as formas de interação do homem com o
meio ambiente como elemento importante na aquisição da infecção (Bray, 1980).
Vários estudos têm sido realizados relacionados à epidemiologia da
leishmaniose, tanto em associações de vilas, assentamentos com áreas florestais e
35
periflorestais, áreas de mineração em nossa Amazônia brasileira, ou mesmo em áreas de
treinamento militar, e os casos humanos de LTA são sempre confirmados nesses locais e bem
recentemente.
Consideráveis avanços têm ocorrido no conhecimento das leishmanioses,
sobretudo a biologia das leishmânias e a imunologia da doença. Os métodos diagnósticos
foram aprimorados e melhorados os recursos terapêuticos, mas, já são passados 80 anos desde
que Rabello em 1925 fez sua brilhante revisão histórica e a situação da doença pouco se
alterou, continuando presente na nosologia3 atual em diversas regiões do mundo.
O controle das leishmanioses é prioridade da Organização Mundial de Saúde
(OMS) e medidas como eliminação de vetores com inseticidas no domicílio, peridomicílio e
colares impregnados para prevenir a infecção canina, além do sacrifício de cães infectados,
não causaram o impacto esperado (SHAW et al., 2002; CAMPBELL-LENDRUM et al., 2001,
apud NUNES et al., 2006).
Uma vacina eficaz é outra alternativa, e diversos candidatos estão em fase de
pesquisa clínica (ARMIJOS et al., 2001, apud NUNES et al., 2006; HANDMAN, 2001, apud
NUNES et al., 2006).
Estudo realizado no Brejo do Mutambal, distrito rural do município de
Varzelândia, nordeste de Minas Gerais, Brasil. A população foi cadastrada, registrados dados
demográficos e epidemiológicos e realizada avaliação clínica orientada para detecção de
lesões ativas e cicatriciais, sugestivas de LTA.
Com o objetivo de caracterizar, epidemiologicamente, uma área de transmissão
de leishmaniose tegumentar americana, na tentativa de testar candidatos à vacina anti-
leishmania.
Os resultados, das 1.253 pessoas cadastradas, 50,6% masculinos. A idade
variou de um a 84 anos, com média de 20 anos. Quanto à ocupação, 455 (39%) eram
estudantes e 305 (26%) lavradores.
De início, foram diagnosticados pacientes com LTA cutânea e mucosa,
acompanhados por um ano e outros novos casos da doença foram registrados. Foram
excluídas do inquérito crianças com menos de dois anos de idade e gestantes. O projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(NUNES et al., 2006).
3 ramo da medicina que estuda e classifica as doenças.
36
2.4 Aspectos epidemiológicos
Nas últimas décadas, a transmissão da doença está descrita em vários
municípios de todas as unidades federadas (UF). As análises epidemiológicas da leishmaniose
tegumentar americana têm sugerido mudanças no padrão de transmissão da doença,
inicialmente considerada zoonoses de animais silvestres, que acometia ocasionalmente
pessoas em contato com as florestas.
Atualmente, a doença começou a ocorrer em zonas rurais, já praticamente
desmatadas, e em regiões periurbanas. Os perfis epidemiológicos são três: a) Silvestre – a
transmissão ocorre em áreas de vegetação primária (zoonose de animais silvestres); b)
Ocupacional ou lazer – a transmissão está associada à exploração desordenada da floresta e
derrubada de matas para construção de estradas, extração de madeira, desenvolvimento de
atividades agro-pecuárias, ecoturismo (antropozoonose) e c) Rural ou periurbana – áreas de
colonização (zoonose de matas residuais) ou periurbana, em que houve adaptação do vetor ao
peridomicílio (zoonose de matas residuais e/ou antropozoonose).
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, a partir da década de 1980, verifica-
se aumento no número de casos registrados, variando de 3.000 (1980) a 37.710 (2001). Com
picos de transmissão a cada cinco anos e tendência de aumento do número de casos, a partir
do ano de 1985, quando se solidifica a implantação das ações de vigilância e controle da LTA
no país. No período de 1985 a 2005, verifica-se uma média anual de 28.568 casos autóctones4
registrados e coeficiente de detecção médio de 18,5 casos/100.000 habitantes, e coeficientes
mais elevados nos anos de 1994 e 1995, quando atingiram níveis de 22,83 e 22,94 por
100.000 habitantes, respectivamente.
Na situação em que todos os estados brasileiros registraram autoctonia da
doença, o Ministério da Saúde relata dos aspectos epidemiológicos (SVS/MS, 2006, p.455)
que:
A região Nordeste vem contribuindo com o maior número de casos (cerca de 37,2% do total registrado no período) e a região Norte com os coeficientes mais elevados (93,84 por 100 mil habitantes), seguidas pelas regiões Centro-Oeste (42,70 por 100 mil habitantes) e Nordeste (26,50 por 100 mil habitantes).
Como o perfil da leishmaniose no Brasil está mudando, causado pela expansão
humana a áreas endêmicas florestais, de zoonose transmitida ao homem passa a ser doença de
4 que se origina da região onde é encontrado, onde se manifesta.
37
interface rural-urbana, pela intensa urbanização que ocorre em todas as Unidades Federadas,
devido à expansão ou criação de cidades em áreas de exploração de madeira e minério,
aumentaram os registros de casos de LTA nos últimos anos.
Na Região Amazônica, os aspectos epidemiológicos da leishmaniose
tegumentar americana, são expressos por SALGADO (1982), assim:
A leishmaniose tegumentar americana se constitui numa das mais importantes afecções dermatológicas da Região Amazônica, não só pelas deformidades que pode produzir, atingindo o homem no seu aspecto psíquico, mas especialmente pelas influências econômicas que dela poderão advir, impedindo o homem de realizar plenamente o seu trabalho, onerando-lhe as finanças, mas também, em virtude de poder aparecer como verdadeiras epidemias, atingindo grupos socialmente importantes. Claro está que é de nosso interesse conhecer esta afecção sob seus vários ângulos. No tocante aos aspectos epidemiológicos da LTA na Região Amazônica, esbarramos em algumas dificuldades, especialmente aquelas de ordem estatística e de registro, já que em várias entidades os casos não são registrados ou mesmo não são notificados, além da possibilidade, que existe, de algumas dúvidas em relação a diagnósticos.
Ainda nesses aspectos epidemiológicos da LTA, SALGADO (1982) observa em
seu estudo, a distribuição por grupo etário: “as faixas etárias mais atingidas, obviamente, são
aquelas sujeitas, por força de ocupação, à maior exposição e contágio, ou seja, de 20 a 40
anos”. Em sua estatística, o caso registrado com menor idade foi de dois anos e o de maior, de
70 anos.
Na distribuição por sexo, pela natureza da ocupação, predomínio absoluto do
sexo masculino. A distribuição por ocupação, SALGADO (1982) relata:
Nos dados referidos, as mais diversas ocupações individuais atingidas pela doença, havendo predomínio nítido daqueles indivíduos rotulados como lavradores, que exercem atividades diversas, no interior das matas, podendo ainda aqui acrescentar rótulos profissionais outros, mas que, no final, estão em contacto com as matas, em especial na derrubada das mesmas (mateiros, tratoristas, lenhadores, seringueiros, técnicos de mineração, etc.) ou mesmo aqueles ocasionais (estudantes, marítimos, militares, industriários, agrimensores, cartógrafos, etc.) que ocasionalmente possam ter entrado em contacto com os vetores.
A Região Amazônica toda se constitui em uma zona endêmica, com surtos
epidêmicos. SALGADO (1982), conclui em seus estudos da necessidade de um melhor
controle da doença, com informações seguras e, registros dos casos através da notificação
compulsória da doença às Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde da Região.
SALGADO (1982), observa ainda que, na Região Amazônica existem grandes
projetos implantados em áreas de florestas, como exemplo, cita o Projeto Jari no estado do
Pará, entre outros, e que teve dificuldades em obtenção de dados, pela insuficiente coleta de
38
dados, na sonegação consciente ou não de informações, desinteresse ou alheamento às leis
existentes, pois estes projetos têm seus serviços médicos auto-suficientes, mas, alienados do
fornecimento essencial dos dados estatísticos, para o benefício geral, o que poderia melhorar
ainda mais na qualidade do fornecimento de dados para uma amostragem significativa do
problema existente na região.
Ao analisar os dados da LTA no período de 2002 a 2006, no Estado do Amapá,
apresenta ampla distribuição geográfica. No ano de 2004 foram registrados 968 casos,
chamando a atenção para este resultado que dobrou o número de casos novos dos anos
anteriores, resultado de um surto epidêmico. Casos autóctones da doença são notificados em
todos os municípios, com maior incidência nos municípios de Mazagão, Serra do Navio,
Oiapoque, Pedra Branca do Amapari, Laranjal do Jari e Porto Grande, com destaque para este
último município que apresentou um total de 734 casos novos nos cinco anos pesquisados
(fonte de análise: SINAN/UVE/SESA).
Os dados levantados referentes à Ocupação e ano da notificação nos últimos
cinco anos podem ser observados na Tabela 4, que demonstra os números de casos novos por
ocupação. Foi feito um apanhado só das Ocupações com maior número de casos. As
Ocupações com n°s de casos acima de 100: Estudantes (104); Do lar (150); Aposentados
(205); Autônomos (228); Trabalhadores não classificados segundo a ocupação (500). No ano
de 2004 a Ocupação Estudantes apresentou 212 casos.
É interessante serem observados estes dados, uma vez que no estado do Amapá
que apresenta o ciclo de transmissão basicamente silvestre e, ocupacional e de lazer,
associado à exploração de madeiras, instalação de novos povoados (assentamentos), caça,
pesca e mineração; sendo todo o Estado do Amapá considerado área endêmica para a LTA,
não condiz com este quadro, o que se deve concluir mais uma vez de que pode estar
ocorrendo sub-notificação ou inconsistência no preenchimento dos dados corretamente na
Ficha de Investigação Individual do SINAN, sem ser dado a menor importância para o critério
Ocupação dos pacientes acometidos por esta doença.
39
CAPÍTULO III
O PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA NO AMAPÁ
3.1 A FORMAÇÃO TERRITORIAL AMAPAENSE
O Estado do Amapá possui uma população de 587.311 habitantes (Fonte:
IBGE-2007, Contagem da População 2007, inclusive a população estimada nos domicílios
fechados-2007) e uma superfície de 143.453,7 km2, está localizado na parte setentrional do
Brasil, na encosta leste do Maciço das Guianas, é banhado pelo Oceano Atlântico e pelo
estuário do Rio Amazonas.
Segundo SANTOS, (2008), a história de criação do Território Federal do
Amapá, o processo de ocupação territorial, os grandes projetos aqui instalados, espaço
geopolítico, a promulgação do Estado do Amapá, entre outros fatos são relatados como
principais ações para ocupação do Amapá. A década de 1940 assinala alterações na dinâmica
do espaço amapaense: a criação do Território Federal do Amapá através de decreto em 1943
define novas intervenções do Governo Federal em sua escalada modernizante e centralizadora.
A política central que norteou o governo federal, através do presidente Getúlio
Vargas, na criação dos Territórios Federais brasileiros, foi a de ocupação espacial da
Amazônia e do Centro-Oeste, com a ideologia da “segurança nacional”.
A partir dessa criação, o espaço amapaense conhece um novo processo de
apropriação de seus recursos naturais (principalmente minerais) por grandes grupos
econômicos que foram favorecidos através das políticas de valorização e desenvolvimento da
Amazônia.
Em 1943 acontece a criação dos Territórios Federais, com o objetivo de ocupar
as regiões das áreas fronteiriças e de baixa densidade demográfica. Ocorre em 1944 a
transferência da capital amapaense do município do Amapá para Macapá, com o objetivo de
dotar o T. F. do Amapá de uma capital com melhores condições infra-estruturais.
Com a criação do Território Federal do Amapá, o município de Amapá, através
do Decreto-Lei nº 5.839, passa a ser a nova capital do Território. Mas, a distância geográfica
fez com que o primeiro governador, Janary Nunes, trocasse a capital do Amapá para Macapá,
em razão do grande desenvolvimento na cidade e da proximidade estratégica com Belém,
estado do Pará, considerada, já nesse tempo, a porta de entrada da Amazônia. O decreto
presidencial nº 6.550 veio confirmar Macapá como capital do então Território Federal do
Amapá.
40
Em 1945, a descoberta de ricas jazidas de manganês na Serra do Navio,
revolucionou a economia local.
Em 1955 é divulgado o Plano de Industrialização do TFA, com o objetivo de
criar um pólo minero-metalúrgico aproveitando o potencial hidráulico e madeireiro
amapaense.
A partir de 1957 inicia-se a produtividade da Indústria e Comércio de Minérios
S/A - ICOMI, com o objetivo de produção, escoamento e comercialização do manganês
explorado das jazidas em Serra do Navio e transportado, por via férrea, até o Porto de Santana,
e ser exportado para fora do país, através de navios estrangeiros.
Outros grandes projetos foram implantados no decorrer dos anos, contribuindo
para o desenvolvimento econômico, enquanto Território Federal do Amapá, no qual se
destacaram: o Projeto Jari, instalado nos municípios de Almerim-PA e Mazagão-AP, com a
fabricação de celulose e beneficiamento do caulim (Almerim-PA) e a extração do caulim
(Mazagão-AP); a instalação da Bruynzeel Madeireira S/A – BRUMASA, em Santana, com a
exploração da Virola Surinamensis, no ano de 1968; a instalação da Amapá Celulose S/A-
AMCEL, em Porto Grande-AP, com o cultivo de pinhos destinada à fabrica de celulose do
Projeto Jari, em 1976.
A criação do Distrito Industrial de Macapá em 1980 tem como objetivo
estabelecer na área destinada ao processo industrial de Macapá empresas que se beneficiem
dos recursos naturais existentes no Amapá, estimulando a entrada de novos investidores
empresariais no mercado local.
Em 1981 se instala a Companhia de Dendê do Amapá – CODEPA, em Porto
Grande - AP., cuja produção é o cultivo de dendê. Nova empresa se instala no Amapá, a
Companhia Ferro Liga do Amapá - CFA, em Santana, em 1986 com o objetivo do
beneficiamento do manganês pela sua pelotização.
A reorganização administrativa nacional acontece em 1988, com a
transformação dos Territórios Federais em Estados.
Com a promulgação da Constituição de 05 de outubro de 1988, o Amapá é
elevado à categoria de Estado. No entanto, processos de fragmentação do espaço já eram
notórios como estratégia de poder. Assim, em 1987 foram criados os municípios de Santana,
Tartarugalzinho, Ferreira Gomes e Laranjal do Jari.
Com a promulgação da Constituição Estadual, em 1992 através de plebiscito,
foram criados os municípios de Pedra Branca do Amapari, Serra do Navio, Cutias do Araguari,
Porto Grande, Itaubal do Piriri e Pracuúba.
41
Vale ressaltar que anterior à criação desses municípios, Macapá foi fundada em
1758; Oiapoque em 1945; Calçoene em 1956; a Nova Mazagão em 1915 e o Amapá em 1943.
A mais recente reorganização territorial do estado do Amapá ocorre com a criação do
município de Vitória do Jari, sul do Estado, no ano de 1994.
Atualmente, o estado do Amapá está distribuído geograficamente em 16
municípios, com aproximadamente 60% da população concentrada na capital do estado,
Macapá.
O estado do Amapá (Figura 6) faz parte da região Amazônica, está localizado
no extremo norte do Brasil. A linha do Equador passa ao sul do Estado, na cidade de Macapá,
e é a única cidade brasileira cortada pela linha imaginária do equador.
Figura 6 – Mapa com a divisão geopolítica do estado do Amapá Fonte: (http://www.al.ap.gov/mapaap.htm)
O Amapá faz limite ao norte com a Baía do Oiapoque; ao sul com a foz do rio
Jari, a leste com o Oceano Atlântico; a oeste com a nascente do rio Jari; ao sudoeste com o
canal norte do rio Amazonas; a noroeste com a Guiana Francesa, separada pelo rio Oiapoque
e ao sudeste com o rio Jari.
O Estado é dividido em duas grandes regiões; uma interna, de relevo
suavemente ondulado, com altura média de 100 a 200 metros, constituída por rochas
cristalinas metamórficas e coberta de floresta densa e outra região costeira de planície, que se
estende até o Atlântico, ao leste e até o Rio Amazonas, ao sul. A cobertura vegetal apresenta-
se em dois aspectos as formações florestadas, com florestas densas e terras firmes, florestas de
várzea e manguezais e as formações campestres, com cerrados e campos de várzeas
inundáveis ou aluviais.
42
A floresta de terra firme é o ecossistema de maior representatividade ocupado
um pouco mais de 70% da superfície do estado. É o ambiente com maior biodiversidade e
biomassa, abrigando essências de grande valor madeireiro, oleaginoso, resinífero,
aromatizante, corante, frutífero e medicinal. A floresta de várzea caracteriza toda a área de
influência fluvial, representando o ambiente típico da Bacia Amazônica, onde predominam
algumas espécies de alto valor produtivo e socioeconômico como o açaizeiro, andiroba,
seringueira, virola, pau-mulato, macacaúba entre outros.
Os manguezais formam um ecossistema ao longo da região costeira,
influenciado pela hidrodinâmica do rio Amazonas, apresenta alta produtividade primária e
significativa riqueza. O cerrado ocupa a faixa de domínio geológico da formação barreira, que
biogeograficamente representa um enclave do ambiente típico do Brasil Central, apresentando
espécies endêmicas e grande intervenção antrópica por estarem localizadas nesses
ecossistemas os principais cultivos florestais homogêneos.
O campo de várzea é um ambiente largamente distribuído em todo o Estado, de
natureza aluvial e submetidos a regimes flúvio-pluviais ligados a um complexo sistema de
drenagem que envolve cursos d’águas, lagos temporários e permanentes (Santos, 2003).
O clima dominante é tropical úmido, com poucas variações de temperatura
anual, as chuvas se estendem por um longo período, de dezembro a junho, com altos índices
pluviométricos, que podem chegar a 600mm³ por mês, o período seco corresponde, entre
julho e novembro, tendo a precipitação pluviométrica diminuída para menos de 50mm³ por
mês.
3.2 Ocorrência de Leishmaniose Tegumentar Americana em trabalhadores no
Estado do Amapá
As leishmanioses estão em expansão devido às graves modificações nos
ecossistemas, sobretudo o desflorestamento para assentamentos populacionais, abertura de
estradas, projetos de irrigação, construção de usinas hidrelétricas e urbanização desmedida,
entre outros. Além da desnutrição, susceptibilidade genética, síndrome da imunodeficiência
adquirida e resistência do parasita aos antimoniais pentavalentes em vários países, agravam a
situação (NUNES et al., 2006).
É fato dizer que a urbanização das leishmanioses no país é um problema de
saúde pública e, nas últimas décadas, ocorreram surtos em várias capitais. A incidência da
43
doença aumentou substancialmente e o sub-registro de casos impede conhecer a magnitude do
problema.
No estado do Amapá, a LTA apresenta ampla distribuição e 100% de
autoctonia em seus 16 municípios, sendo registrados no período de cinco anos de estudos,
2.664 casos autóctones da doença. Os casos notificados apresentaram maior incidência nos
municípios de Mazagão, Serra do Navio, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari, Laranjal do
Jari e Porto Grande.
Para efeito de análise dos casos de LTA do estado do Amapá, só foram
considerados os casos oficiais confirmados e notificados no Sistema Nacional de Agravos de
Notificação - SINAN (Brasil/MS/SVS, 2005). Assim como, as informações pertinentes as
variáveis selecionadas para o estudo, conforme preenchimento da Ficha de Investigação da
LTA (FII-LTA), com a qual o Sistema é alimentado pela Unidade de Vigilância
Epidemiológica da Divisão de Epidemiologia da Secretaria de Estado da Saúde do Amapá
(UVE/DE/SESA).
Um estudo foi apresentado pelo Programa de Controle da LTA, da Unidade de
Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde do Amapá – UVE/SESA, com o
objetivo de determinar a distribuição espacial da LTA no estado do Amapá e estratificar em
regiões de risco no período de 2002 a 2006, e especificamente as áreas de maior transmissão e
características eco-ambientais.
Os resultados foram consolidados em tabelas e gráficos, e analisados em
função dos indicadores propostos. Para se estudar o perfil epidemiológico dos trabalhadores
acometidos pelo agravo de LTA em áreas de risco, foi calculado os coeficientes de
prevalência anual, distribuídos por municípios do Estado, nos anos de 2002 a 2006.
Algumas destas variáveis foram selecionadas para o presente estudo, como:
ano da notificação, mês da notificação, idade e sexo, escolaridade; forma clínica (cutânea,
mucosa ou difusa), e outros.
No mapa do estado do Amapá demonstrado na figura 7, os municípios estão
divididos em graus de risco, assim distribuídos: Baixo Risco: Macapá, Cutias, Santana e
Amapá; Médio Risco: Itaubal, Pracuúba, Vitória do Jari e Ferreira Gomes; Alto Risco:
Laranjal do Jari, Mazagão, Tartarugalzinho e Oiapoque e, Muito Alto Risco: Calçoene, Porto
Grande, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio.
O que se deve levar em consideração para justificar essa distribuição entre o
Baixo Risco (BR) e o Altíssimo Risco (AR) é a cobertura vegetal, ou seja, o tipo de
vegetação, uma vez que os municípios que fazem parte da área de (BR) são de vegetação de
44
formações campestres, com cerrados e campos de várzeas inundáveis ou aluviais. A
vegetação da qual fazem parte os municípios de (AR) são de formações florestadas, com
florestas densas e terras firmes, florestas de várzeas e manguezais; além de terem em comum
a aproximação geográfica, atividades de exploração de minérios e a mesma via de acesso à
capital, o eixo da Rodovia Perimetral Norte ou AP-210, que liga Porto Grande, Pedra Branca
do Amapari e Serra do Navio.
Figura 7- Mapa do estado do Amapá estratificado em áreas de risco para a LTA, de 2002 a 2006. (Fonte: SINAN/UVE/SESA).
Outro aspecto a ser observado na Figura 8, da LTA por área de risco e ano das
notificações, demonstra que as curvas de cada área de risco para LTA no estado do Amapá,
apresentam praticamente o mesmo traçado nos anos estudados, obedecendo à magnitude da
doença em cada área. Evidência também que em todas as áreas de risco ocorreram acréscimos
dos casos autóctones no ano de 2004.
45
Figura 8 - Distribuição dos casos autóctones de LTA no estado do Amapá, segundo a área de risco e ano da notificação, no período de 2002 a 2006 (Fonte:SINAN/UVE/SESA).
Uma análise segundo a distribuição dos casos por faixa etária, pode ser
observada na figura 9, referente à LTA por área de risco, faixa etária e sexo. Confirma que
indivíduos entre 20 a 34 anos apresentam a maior freqüência em todas as áreas, fato este que
sugere uma forte associação com a atividade laboral. No total de casos estudados no período,
80% são do sexo masculino e 20% do sexo feminino. A faixa etária de 20 a 34 anos
representa 39 % dos casos infectados pela LTA e de 15 a 49 anos são 73%, o que caracteriza
como uma doença ocupacional de grande preocupação para a saúde pública.
Figura 9 - Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco, faixa etária e sexo, de 2002 a 2006, no estado do Amapá (Fonte: SINAN/UVE/SESA).
0
100
200
300
400
500
600
baixo risco 1 8 17 16 16 37 21 8 1 0
medio risco 2 0 3 2 9 34 15 6 1 0
alto risco 9 24 51 82 158 410 224 56 7 2
muito alto risco 10 43 90 150 197 552 268 106 21 1
<1 Ano 1-4 5-9 10-14 15-19 20-34 35-49 50-64 65-79 80 e+
20%
80%
Masculino
Feminino
46
O conjunto de fatores de risco associados com a etiologia desta doença
infecciosa grave, é considerada como doença ocupacional por afetar indivíduos com faixa
etária em plena atividade laboral, conforme figura 9, anteriormente relatada. A LTA e a
associação ao trabalho podem ser evidenciadas na Tabela 1, foram distribuídos os casos
segundo a área de risco e a associação dos casos da doença com a atividade laboral, com a
impossibilidade de uma melhor análise por falta de preenchimento adequado da ficha de
investigação.
O percentual de associação com o trabalho na área de baixo risco é de 36,8%
(não associação ao trabalho), no entanto, o total de casos com o campo preenchido como
ignorado ou em branco apresentou um percentual muito alto (52%) dos casos, o que
caracteriza “inconsistência” na informação (Tabela 1).
Tabela 1 - Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco e relação ao trabalho, no estado do Amapá, de 2002 a 2006.
Fonte: SINAN/UVE/SESA.
O diagnóstico de confirmação dos casos, nesse período estudado, em todas as
áreas de risco apresentou um percentual superior a 90% de diagnóstico laboratorial, para
confirmação dos casos de LTA. A área de muito alto risco foi a que mais utilizou este critério
de confirmação, com 96,2%, conforme mostra a Tabela 2.
47
Tabela 2 – Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco e critério de confirmação, no estado do Amapá, no período de 2002 a 2006.
A forma clínica da LTA confirma o que já foi relatado anteriormente, de que a
leishmaniose cutânea é a de maior predomínio no estado do Amapá. A Tabela 3 mostra como
as formas clínicas estão distribuídas no estado, com ocorrência de Leishmaniose Difusa: 0
(zero) caso; a Leishmaniose Mucosa com 33 casos (1,2%), e a predominância de 98,8% de
Leishmaniose Cutânea. O mais alto percentual de leishmaniose Cutânea (99,2%) ocorreu na
Área de Baixo Risco, enquanto o mais alto percentual de Leishmaniose Mucosa ocorreu na
área de Médio Risco (2,8%).
Tabela 3 - Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo área de risco e a forma clínica, no estado do Amapá, no período de 2002 a 2006.
Fonte:SINAN/UVE/SESA.
A Evolução dos Casos finaliza o período do estudo. Consolidados no Quadro 3,
onde se verifica que o maior percentual de fichas em branco ou com o preenchimento
“ignorado” ocorreu na Área de Médio Risco com 55,6% dos casos, enquanto que o maior
percentual de cura ocorreu na Área de Alto Risco com 65,3%; a Área de Baixo Risco
registrou a maior ocorrência de “abandono” com 42,4%.
48
Quadro 3 – Distribuição dos casos autóctones de LTA, segundo municípios, área de risco e evolução dos casos, no estado do Amapá, no período de 2002 a 2006.
Fonte:SINAN/UVE/SESA.
No estudo ora apresentado, em que há o maior índice de Ign/Branco na área de
que foi utilizado o critério de estudo por municípios segundo o risco, o que pode estar
ocorrendo para que estas informações apresentem “inconsistência”: 1. O desconhecimento por
parte dos colaboradores do serviço de saúde da necessidade de um “acompanhamento” dessa
Evolução de Caso: se recebeu alta por cura, abandono ou transferência do paciente, para
poder ser alimentado no Sistema (SINAN), que por sua vez tem um prazo de 180 dias após a
data do diagnóstico para inclusão no sistema e mais 180 dias após a data de notificação para o
encerramento oportuno da investigação do caso. É sabido de que o tratamento para LTA é
bastante demorado, dependendo de cada caso, sendo no mínino três meses. Outro fator que
pode contribuir para este percentual ser alto: é a rotatividade de pessoal no setor saúde, em
alguns casos os colaboradores são do quadro funcional “Contrato Administrativo” ou alguma
prestadora de serviço temporário.
As variáveis selecionadas para o estudo apresentado, algumas foram utilizadas
no sentido de contribuir para embasar o que se propôs, ou seja, conhecer o perfil
epidemiológico do paciente acometido da doença de leishmaniose tegumentar americana.
49
É necessário que se faça uma reavaliação nos procedimentos que são
executados tanto pela esfera municipal (SMS) quanto na estadual (SESA), para que este
paciente possa chegar até a alta por cura e o encerramento do caso não fique no esquecimento
causando dados inconsistentes no Sistema de Informações.
3.3 DISCUSSÃO
As informações pertinentes a Leishmaniose Tegumentar Americana no estado
do Amapá passaram a ter maior consistência, a partir do ano de 2002, quando os casos da
doença começaram a ser digitados no SINAN, definidas através da Portaria MG/MS n° 1.399
(BRASIL, 1999), porém, permanecem as inconsistências como sub-notificação,
preenchimento incompleto e campos em branco de informações necessárias para o completo
diagnóstico da doença. No momento do atendimento ao paciente é preenchida a Ficha de
Investigação Individual da LTA (Anexo), que contém várias informações sobre o caso
atendido para posterior lançamento no Sistema de Informação Nacional de Agravos de
Notificação (SINAN), quando então são consolidadas a nível municipal, posteriormente a
nível estadual e finalmente a nível nacional.
O estado do Amapá entre os anos de 2002 e 2006, notificou 3.860 casos de
LTA referente aos pacientes atendidos nas diversas Unidades Básicas de Saúde, distribuídas
pelos Municípios do Estado e no Centro de Referência de Doenças Tropicais, localizado na
capital Macapá; esta última foi responsável por 38% das notificações do período. Do total de
3.860 notificações feitas, 2.664 casos são autóctones do estado do Amapá, com a origem da
infecção distribuída nos 16 municípios. Os demais, 1.196 casos de LTA são considerados
importados, principalmente oriundos da Guiana Francesa e do estado do Pará.
O Estado do Amapá apresenta autoctonia para a LTA em todos os seus
municípios durante os cinco anos do estudo; o município de Porto Grande nos anos de 2004 e
2006 com os números absolutos da doença. A redução abrupta observada nos anos de 2002 e
2003, pode ter ocorrido por uma possível sub-notificação para justificar, quando comparada
com registros dos anos anteriores, possivelmente em conseqüência do processo de
Municipalização das Ações de Saúde ocorridas no Município, em que o mesmo sofreu uma
queda na qualidade dos serviços por perda principalmente de pessoal.
O surto epidêmico no ano de 2004, em que o município de Mazagão sofreu um
acréscimo de casos de aproximadamente 900%, possivelmente relacionado com a liberação de
novas áreas de exploração de minérios e instalação de madeireiras no município vizinho,
Porto Grande, que também sofreu no mesmo período um acréscimo de casos superior a 200%.
50
O coeficiente de prevalência de LTA no estado do Amapá é de 95,51/100.000 hab., conforme
demonstrado anteriormente, considerado muito alto para o Ministério da Saúde que classifica
como “muito alto” o coeficiente estadual acima de 71,00/100.000 hab.
A distribuição dos municípios agrupados pela sua importância epidemiológica
para a LTA na análise acima descrita, pode servir para avaliação de políticas públicas de
saúde, pois possibilita priorizar as medidas de controle para alcançar metas estabelecidas.
Para a discussão, os municípios foram agrupados em áreas de baixo, médio,
alto e muito alto risco para LTA.
A área de “muito alto risco” para LTA foi responsável por 54,4% de todos os
casos registrados no estado no período do estudo, alocados em quatro municípios (Serra do
Navio, Pedra Branca do Amapari, Porto Grande e Calçoene), os quais formam uma área
contínua, localizada na região central do estado com grande exploração mineral, com
populações rurais, principalmente do sexo masculino com dupla exposição ao flebotomíneo,
no trabalho ou em alojamentos, sem nenhuma proteção dentro das matas. O susceptível se
expõe principalmente quando adentra às matas em busca de extração mineral, madeira, cipó,
caça e outros.
Esta doença, no estado do Amapá, também apresenta grande ocorrência em
militares quando em manobras, nas áreas de risco. Fatores ambientais como: umidade,
temperatura, luminosidade e altitude, em conseqüência de vegetação muito densa e com baixa
alteração antrópica aliado à presença do homem com proximidade até 200 metros destas
áreas, são condições favoráveis para a transmissão da LTA (APARÍCIO & BITENCOURT, in
CHAVES, 2004). FREITAS et al. (2002), encontraram alta infestação de flebotomíneos da
espécie Lutzomya umbratilis e L. whitmani infectados com Leishmania guyanensis em áreas
de plantio de Caribbean pine no município de Porto Grande, confirmando a alta transmissão
da LTA neste município.
A área de alto risco para LTA é a mais extensa do estado, onde estão alocados
dois municípios fronteiriços que são: Oiapoque que faz fronteira com a Guiana Francesa, de
onde importamos um razoável número de pacientes de LTA, oriundos de áreas de garimpos, e
o município de Laranjal do Jari que faz fronteira com o estado do Pará e também recebe casos
importados da doença.
Segundo VASAPOLLO, (2005), relata sobre o trabalho atípico e a
precariedade como elemento estratégico determinante:
A exigência de uma diversa e profunda análise – investigação de classe trabalhadora, baseada na composição da subjetividade do trabalho e do não-trabalho com perfil
51
territorial -, vem da constatação de que o desenvolvimento sócio-econômico está se caracterizando por uma dinâmica específica das formas de acumulação de capital, determinada por processos de reestruturação e posicionamento internacional do capitalismo, na era da competição global. O aspecto territorial – setorial tem um papel sempre mais forte em um cenário de produção flexibilizada e difusa, baseada, ao mesmo tempo na mobilidade, na flexibilização e na precarização da força de trabalho. Somente dessa maneira poderemos ter uma correta interpretação da evolução das forças produtivas, das mudanças das relações de força entre capital e trabalho e da evolução da composição de classes, relativamente a um determinado nível de desenvolvimento.
Portanto, neste estudo foi possível identificar a provável existência de
dois padrões epidemiológicos de transmissão da LTA no estado do Amapá. O padrão clássico,
com o acometimento principalmente de adultos, de homens (80%), em plena fase produtiva
(20 a 34 anos), com a escolaridade de 4 a 7 anos de estudos e concentrados na área de muito
alto risco (Calçoene, Porto Grande, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio), mas
relacionado ao trabalho, a ocupação identificada com maior número de casos não é a de
lavradores ou extrativistas, e sim o de aposentados (205) casos, seguido de autônomos (228) e
outros trabalhadores não classificados segundo a ocupação (500), o que pode indicar
inconsistências nas informações apresentadas no SINAN, pela falta de comprometimento
sério de certos profissionais, contribuindo para a descontinuidade das fontes de dados
confiáveis. Um novo padrão vem ocorrendo, com o aumento também do acometimento de
mulheres, de profissões não relacionadas com atividades na mata, é a ocupação Do lar com
150 casos registrados, na sua maioria.
52
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O perfil da LTA no estado é caracterizado por apresentar seu pico
epidemiológico entre os meses de dezembro do ano anterior a maio do ano seguinte,
coincidindo com o período chuvoso do estado; a doença ocorre aproximadamente em 87% dos
casos no sexo masculino; 35% dos casos anuais são em pacientes na faixa etária de 20 a 34
anos; e aproximadamente 99% dos casos da doença são lesões da forma cutânea, porém 20%
dos pacientes atendidos no estado abandonam o acompanhamento médico até a cura clínica, o
que dificulta uma avaliação da evolução dos casos de LTA após o tratamento no estado do
Amapá, conforme dados coletados do SINAN, junto a UVE/SESA.
Várias são as limitações no acompanhamento de pacientes de LTA até a cura
clínica na rotina ambulatorial, onde os principais entraves são: o fato do tratamento com
utilização de drogas injetáveis por um período de no mínimo vinte dias, e na maioria das vezes
os pacientes moram em localidades de difícil acesso; ausência de profissional capacitado para
administrar o medicamento; pacientes que consomem bebidas alcoólicas e optam por
interromper o tratamento; é comum o paciente receber o atendimento na Unidade Básica de
Saúde (UBS) conforme preconiza o Ministério da Saúde, recebe de uma só vez, na totalidade,
as 20 ampolas para vinte dias de tratamento e não retorna mais para o controle necessário na
UBS, ficando assim a Vigilância Epidemiológica sem informação sobre a evolução do caso.
Um outro fator que dificulta o acompanhamento desses pacientes é quanto às
reações adversas causadas pelas drogas, como a artralgia, mialgia, inapetência, náuseas,
vômitos, plenitude gástrica, epigastralgia, pirose, dor abdominal, prurido, febre, fraqueza,
cefaléia, tontura, palpitação, insônia, nervosismo, choque pirogênico, edema e insuficiência
renal aguda (Brasil/MS/SVS, 2007), fator este que também é responsável por grande parte do
abandono do tratamento.
O Centro de Referência de Doenças Tropicais (CRDT) é a referência do estado
do Amapá para a entrada destes pacientes, acometidos pelo agravo da LTA, os quais têm um
atendimento médico diferenciado, uma vez que confirmado o diagnóstico laboratorial ou
clínico - epidemiológico, é necessário que haja um acompanhamento do tratamento com
drogas injetáveis, por um período de vinte dias consecutivos com a droga de primeira escolha
o “glucantime”; são agendadas três consultas de retorno com 30 dias de intervalos para a
avaliação médica até a cura (Brasil/CVS/DVE, 2007).
53
Na prática esta rotina não funciona, pois o paciente de LTA geralmente mora
longe do Centro de Referência ou em outra localidade distante e de difícil acesso, o que
contribui para a dificuldade desses retornos aos postos de saúde para a confirmação da cura.
Caso o paciente não tenha curado com o primeiro esquema da droga, necessita retornar para
receber um outro esquema de medicamento para mais trinta dias de tratamento.
As dificuldades que podem ser abordadas, as quais foram percebidas durante
este trabalho de levantamentos bibliográficos e dados explorados do SINAN, podem ser
concluídos e apontados: 1. Alta inconsistência de dados no SINAN; 2. A rotatividade de
colaboradores causa a “quebra” da rotina dos serviços de notificação, investigação e
alimentação (digitação) no SINAN; 3. A necessidade constante de treinamentos e atualizações
quanto à rotina dos serviços.
As propostas para melhorar a qualidade do Programa de Controle da LTA no
estado do Amapá: Vigilância Epidemiológica – Colocar pessoas no setor que tenham afinidade
com as atividades exigidas pelo Programa; dar subsídios para o acompanhamento do paciente
até a cura; manter os dados no SINAN sempre atualizados com a verificação das
inconsistências das informações; capacitação continuada às pessoas envolvidas com o
Programa, buscando sempre socializar as mudanças ocorridas no setor. Melhorar as
notificações: atentar ao preenchimento de todos os campos da ficha de investigação; digitar no
SINAN corretamente e em tempo hábil as fichas investigadas; buscar encerrar as fichas no
tempo hábil (cura/abandono/transferência).
54
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ANEXOS
| | | | | | | | |
NºRepública Federativa do Brasil
Ministério da SaúdeSINAN
Dados Complementares do Caso
|
32
| | |31 Data da Investigação
| | | |Ant
ec.
Epi
dem
.
FICHA DE INVESTIGAÇÃO LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANAD
ados
Clín
icos 33 Presença de Lesão
1 - Sim 2 - Não
Dad
osLa
bor. 36 Parasitológico Direto
1 - Positivo 2 - Negativo 3 - Não Realizado
37 IRM
Tat
amen
to
Droga Inicial Administrada421 - Antimonial Pentavalente 2 - Anfotericina b 3 - Pentamidina 4 - Outras 5 - Não Utilizada
Peso43
Outra Droga Utilizada, na Falência do Tratamento Inicial461 - Anfotericina b 2 - Pentamidina 3 - Outros 4 - Não Se Aplica
SVS 27/09/2005
1 - Encontro do Parasita 2 - Compatível3 - Não Compatível 4 - Não Realizado
Leishmaniose Tegumentar Americana
Em Caso de Presença de Lesão Mucosa,Há Presença de Cicatrizes Cutâneas
1 - Sim 2 - Não
38 Histopatologia
Cla
s.C
aso 39 Tipo de Entrada
1 - Caso Novo 2 - Recidiva 3-Transferência 9- Ignorado
40 Forma Clínica1 - Cutânea 2 - Mucosa 9- Ignorado
Ocupação
| | Kg
44 Dose Prescrita em mg/kg/dia Sb+5
1 - Menor que 10 2 - Maior ou igual a 10 e menor que 15 3 - igual a 154 -Maior que 15 e menor que 20 5 - Maior ou igual a 20
45 Nº Total de Ampolas Prescritas
| | Ampolas
1 - Positivo 2 - Negativo 3 - Não Realizado
| | | | | | |41 Data do Início do Tratamento
SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE AGRAVOS DE NOTIFICAÇÃO
34 Co-infecção HIV
1 - Sim 2 - Não
Cutânea
Mucosa
35
9 - Ignorado
CASO CONFIRMADO:Leishmainiose cutânea: todo indivíduo com presença de úlcera cutânea, com fundo granuloso e bordas infiltradas em moldura,com confirmação por diagnóstico laboratorial ou clínico epidemiológico.Leishmaniose mucosa: todo indivíduo com presença de úlcera na mucosa nasal, com ou sem perfuração ou perda do septonasal, podendo atingir lábios e boca (palato e nasofaringe), com confirmação por diagnóstico laboratorial ou clínico epidemiológico.
Dad
osde
Res
idên
cia
Not
ifica
ção
Indi
vidu
al
Unidade de Saúde (ou outra fonte notificadora)
Nome do Paciente
Tipo de Notificação
Município de Notificação
Data do Diagnóstico
| | | | |
1
5
6
8
| |7
Data de Nascimento
| | | | |9
| |
2 - Individual
Dad
osG
erai
s
Nome da mãe16
11 M - MasculinoF - FemininoI - Ignorado | |
Número do Cartão SUS
| | | | | | | | | | | | | | |
15
1-1ºTrimestre 2-2ºTrimestre 3-3ºTrimestre10 (ou) Idade Sexo4- Idade gestacional Ignorada 5-Não 6- Não se aplica9-Ignorado
Raça/Cor13Gestante12
14 Escolaridade
1 - Hora2 - Dia3 - Mês4 - Ano
0-Analfabeto 1-1ª a 4ª série incompleta do EF (antigo primário ou 1º grau) 2-4ª série completa do EF (antigo primário ou 1º grau)3-5ª à 8ª série incompleta do EF (antigo ginásio ou 1º grau) 4-Ensino fundamental completo (antigo ginásio ou 1º grau) 5-Ensino médio incompleto (antigo colegial ou 2º grau )6-Ensino médio completo (antigo colegial ou 2º grau ) 7-Educação superior incompleta 8-Educação superior completa 9-Ignorado 10- Não se aplica
|UF4
| | | | | |
Código
Data da NotificaçãoAgravo/doença
| | | | |32
| |Código (CID10)
LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA B 5 5. 1
| | | | |
Código (IBGE)
1-Branca 2-Preta 3-Amarela4-Parda 5-Indígena 9- Ignorado
CEP
Bairro
Complemento (apto., casa, ...)
| | | | - | |Ponto de Referência
País (se residente fora do Brasil)
23
26
20
28 30Zona29
22 Número
1 - Urbana 2 - Rural3 - Periurbana 9 - Ignorado
(DDD) Telefone
27
Município de Residência
|UF17 Distrito19
Geo campo 124
Geo campo 225
| | | | |
Código (IBGE)
Logradouro (rua, avenida,...)
Município de Residência18
| | | | |
Código (IBGE)
2121
| | | | | | | | | |
Código
Sinan NET
| | | | | | |57 Data do Óbito
Con
clus
ão
| | | | | | |58 Data do Encerramento
Local Provável de Fonte de Infecção
Doença Relacionada ao Trabalho
1 - Sim 2 - Não 9 - Ignorado55 Evolução do Caso
1-Cura 2-Abandono 3-Óbito por LTA4-Óbito por outras causas 5-Transferência 6-Mudança de diagnóstico
56
1 - Autóctone 2 - Importado 3 - Indeterminado
48 Classificação EpidemiológicaCriterio de Confirmação47
1 - Laboratorial 2 -Clinico-Epidemiologico
Anotar todas as informações consideradas importantes e que não estão na ficha (ex: outros dados clínicos, dadoslaboratoriais, laudos de outros exames e necrópsia, etc.)
Inve
stig
ador
Município/Unidade de Saúde
| | | | | |
Código da Unid. de Saúde
Nome Função Assinatura
Leishmaniose Tegumentar Americana SVS 27/09/2005
Deslocamento (datas e locais frequentados no período de seis meses anterior ao início dos sinais e sintomas)
Informações complementares e observações
Data UF MUNICÍPIO País
50
Distrito 54
UF
|Bairro53
O caso é autóctone do município de residência?
1-Sim 2-Não 3-Indeterminado
49 51 País
52 Município
| | | | |
Código (IBGE)
Sinan NET