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898 SUBDESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: A CONTRIBUIÇÃO DE JOSUÉ DE CASTRO Aurora Maria de Morais Unimontes – [email protected] Gilberto Florêncio Faria Unimontes – gilbertofl[email protected] RESUMO No final da primeira metade do século XX economistas tentaram compreender, a partir de uma visão estruturalista, a questão do subdesenvolvimento na periferia do sistema capitalista. No Brasil, Celso Furtado, que teorizou sobre o subdesenvolvimento, foi um de seus expoen- tes. Já o último terço do mesmo século foi o momento em que a questão ambiental, marcada por posições antagônicas, ganhou dimensão mundial tendo, em Ignacy Sachs, um dos idea- lizadores do chamado “caminho do meio”. Josué de Castro, intelectual brasileiro que viveu esses dois momentos, contribuiu de forma singular e visionária sobre essas duas questões. Nesse sentido, são objetivos do presente texto realçar a importância de Josué de Castro como intelectual brasileiro e relacionar sua contribuição intelectual, presente no texto “Subdesen- volvimento: causa primeira da poluição”, com o pensamento de Furtado e Sachs. Trata-se o presente estudo de uma pesquisa de caráter exploratório, realizada através da leitura e inter- pretação de fontes bibliográficas. Conforme restou demonstrado, Josué de Castro tanto adian- tou concepções relativas à questão ambiental como também apresentou críticas aos conceitos de desenvolvimento/subdesenvolvimento. Palavras-Chave: Subdesenvolvimento – Meio Ambiente – Josué de Castro. INTRODUÇÃO “Ô Josué nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça” Chico Science No final da primeira metade do século XX a Organização das Nações Unidas criou a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. Os estudos econômicos, liderados por

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SUBDESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: A CONTRIBUIÇÃO DE JOSUÉ DE CASTRO

Aurora Maria de MoraisUnimontes – [email protected]

Gilberto Florêncio FariaUnimontes – gilbertofl [email protected]

RESUMONo fi nal da primeira metade do século XX economistas tentaram compreender, a partir de uma visão estruturalista, a questão do subdesenvolvimento na periferia do sistema capitalista. No Brasil, Celso Furtado, que teorizou sobre o subdesenvolvimento, foi um de seus expoen-tes. Já o último terço do mesmo século foi o momento em que a questão ambiental, marcada por posições antagônicas, ganhou dimensão mundial tendo, em Ignacy Sachs, um dos idea-lizadores do chamado “caminho do meio”. Josué de Castro, intelectual brasileiro que viveu esses dois momentos, contribuiu de forma singular e visionária sobre essas duas questões. Nesse sentido, são objetivos do presente texto realçar a importância de Josué de Castro como intelectual brasileiro e relacionar sua contribuição intelectual, presente no texto “Subdesen-volvimento: causa primeira da poluição”, com o pensamento de Furtado e Sachs. Trata-se o presente estudo de uma pesquisa de caráter exploratório, realizada através da leitura e inter-pretação de fontes bibliográfi cas. Conforme restou demonstrado, Josué de Castro tanto adian-tou concepções relativas à questão ambiental como também apresentou críticas aos conceitos de desenvolvimento/subdesenvolvimento.

Palavras-Chave: Subdesenvolvimento – Meio Ambiente – Josué de Castro.

INTRODUÇÃO

“Ô Josué nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”Chico Science

No fi nal da primeira metade do século XX a Organização das Nações Unidas criou a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. Os estudos econômicos, liderados por

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Raúl Prebish, tiveram por objetivo compreender, a partir de uma visão estruturalista, a questão do subdesenvolvimento na periferia do sistema capitalista. As conclusões apontavam a neces-sidade de industrialização dos países latino-americanos. No Brasil, Celso Furtado, membro da primeira geração cepalina, também teorizou sobre o subdesenvolvimento, sendo um de seus expoentes (PREBISH, 2011).

O último terço do mesmo século foi o momento no qual a questão ambiental, mar-cada por posições antagônicas, ganhou dimensão mundial tendo, em Ignacy Sachs, um dos idealizadores do chamado “caminho do meio”. O caminho do meio foi uma opção intermediária entre duas posições que encontravam-se diametralmente opostas: de um lado os que previam a abundância, the cornucopians, e de outros os catastrofi stas, dommsayers. Conforme esclarece Sachs, os primeiros consideravam que as preocupações com o meio ambiente eram descabidas, pois atrasariam os esforços dos países em desenvolvimento rumo à industrialização, ao passo que os segundos anunciavam o apocalipse para o dia seguinte, caso o crescimento demográfi co e econômico não fossem imediatamente estagnados (SACHS, 2000).

Josué de Castro, intelectual brasileiro que viveu esses dois momentos, contribuiu de forma singular e visionária sobre as refl exões relativas a essas duas questões. Nesse sentido, são objetivos deste estudo realçar a importância de Josué de Castro como intelectual brasileiro e relacionar sua contribuição intelectual presente no texto Subdesenvolvimento: causa primeira da poluição com o pensamento de Furtado e Sachs. Trata-se o presente estudo de uma pesquisa de caráter exploratório, realizada através da leitura e interpretação de fontes bibliográfi cas.

A partir desta introdução, este trabalho está divido em mais duas seções. A próxima seção apresentará informações sobre a biografi a de Josué de Castro e a seção seguinte tentará a partir de uma análise sobre a ideia de subdesenvolvimento e meio ambiente em José de Castro, uma aproximação com Furtado e Sachs.

SOBRE JOSUÉ DE CASTRO E SUA OBRA

O pernambucano Josué Apolônio de Castro, é personagem de uma trajetória pessoal surpreendente. Nasceu na cidade de Recife, no dia 5 de setembro de 1908. Filho de Manoel Apolônio de Castro, proprietário de terras e de Josepha Carneiro de Castro, professora, de fa-mília de classe média nascida no sertão do Estado. Fez seus primeiros estudos em casa, com sua mãe, mas deu continuidade à sua formação como aluno do Colégio Carneiro Leão e depois no Ginásio Pernambucano. Estudou medicina no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Medi-cina do Brasil (NASCIMENTO, 2006).

Ao retornar para Recife em 1929, já formado, logo no início de sua atuação como médico entrou em contato como a precária condição de saúde da população da capital e perce-be-se com clareza que seus primeiros estudos científi cos determinaram a escolha do problema da fome como seu objeto de pesquisa, que mais tarde se desdobrou para outros temas interde-pendentes, incluindo os estudos sobre o meio ambiente.

Na década de 30 produziu signifi cativas obras em torno do tema da fome, como professor de Fisiologia na faculdade de Medicina do Recife publicou, em 1932, o seu primeiro

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livro O Problema Fisiológico da Alimentação no Brasil, que deveria servir de base para o traba-lho dos médico, higienistas e sociólogos sobre a prescrição e crítica alimentar, pois sua temática aborda a questão da alimentação como um processo fi siológico. Suas próximas obras passaram a ter um enfoque mais humanistas: O Problema da Alimentação no Brasil, de 1933, Condições de Vida das Classes Operárias do Recife e Alimentação e Raça, ambos de 1935, assinalaram a incursão do pensamento de Castro nas veredas sócio-políticas. Castro empenha-se em realizar uma análise do contexto da fome no Brasil extrapolando às questões alimentares, em direção à busca de um entendimento dos problemas de saúde do país, bem como das causas sociais e econômicas da má alimentação (MAGALHAES, 1997).

Sua carreira manteve-se em ascendência. Em 1939 já começava a se projetar mun-dialmente e foi convidado pelo governo italiano para discorrer sobre os problemas de aclima-tação humana nos trópicos, cujas palestras foram proferidas nas universidades das cidades de Roma e Nápoles. A partir de 1940 passou a atuar no Serviço de Alimentação e de Previdência Social, fundou a Sociedade Brasileira de Alimentação e em 1942 até 1947 esteve em vários países das Américas e da Europa, sempre palestrando e fazendo estudos sobre a temática da fome e alimentação.

Continuando suas pesquisas e publicações consolidou sua reputação com os respei-tados livros Geografi a da fome e Geopolítica da Fome, traduzidos para vários idiomas, obras que lhe conferiram ainda mais respeito como intelectual e contribuíram para sua eleição como Presidente da Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), por 2 man-datos consecutivos, entre 1951 e 1955 (BIZZO, 2009).

Se Geografi a da fome chamou atenção, sobretudo dos grupos que procuravam es-conder as reais dimensões da miséria no país, por fazer um mapa fi el e reafi rmar o Brasil como um país impregnado pela fome, seja ela ostensiva, em decorrência da falta de alimentos, ou oculta, por defi ciências de nutrientes, muito maior foi o impacto gerado por Geopolítica da fome, que procurou demarcar as áreas de fome endêmicas no mundo e os efeitos provocados pelas condições geográfi cas naturais, climáticas e pela organização sócio-política. Denunciou a dimensão mundial e a complexidade da problemática da fome de todos os continentes, con-frontando os costumes e até os aspectos religiosos que associados às tradições dos hábitos ali-mentares consagrados, geravam hábitos alimentares equivocados. Alardeou a subalimentação, sobretudo no Sul, onde se localizavam os países então classifi cados como subdesenvolvidos.

Não se acomodou em apenas oferecer um diagnóstico da fome mundial, buscou apresentar um caminho para combater tamanho fl agelo mostrando suas origens. O último ca-pítulo do livro Geopolítica da fome analisa historicamente os processos civilizatórios e suas ardilosas políticas de destruição do local, demonstrando como a organização dos territórios mundiais são estratagemas para atender a expansão da civilização europeia no mundo tropical. Recomendou o desenvolvimento de uma política mundial de correção dos impactos negativos e alardeou a necessidade de uma ação conjunta na esfera política, envolvendo a sociedade civil, empresariado, cientistas e Estado para o estudo, o embate e a erradicação da fome (NASCI-MENTO, 2006; ANDRADE,1997).

Josué de Castro também teve uma carreira parlamentar valorosa, foi deputado federal pelo estado de Pernambuco, pelo PTB, de 1954 até 1962 em dois mandatos. (CAMPOS,2004).

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Em seu primeiro mandato, por sua plataforma política vinculada às classes operárias, elege-se com apoio de 51 sindicatos, em seu segundo mandato foi o deputado mais votado no Nordeste. Sua atuação como parlamentar foi coerente com suas publicações e fi cou marcada pelo com-prometimento e defesa das causas populares e operarias. Seu trabalho como deputado também se ampliou em defesa da reforma agrária (MELO E NEVES, 2007).

Ele ansiava por uma reforma agrária que não fosse apenas distributiva, mas uma reforma agrária moderna, racional, que levasse à agricultura familiar à organização fi nal que permitisse mais que a subsistência. Desejava uma sociedade agrária em que o produtor des-frutasse de melhorias de qualidade de vida. Seus vários projetos de leis para a reforma agrária apresentam uma ampla e irrestrita reforma, com indenização histórica e não venal para as de-sapropriações e manifestava-se favorável ao intervencionismo Estatal em caso de justifi cativa pela alimentação nacional, entretanto nunca obteve aprovação, possivelmente porque suas pro-postas amedrontavam as elites (ANDRADE,1997).

Após a renúncia de Jânio Quadro, quando líderes militares e políticos conserva-dores impuseram o sistema do parlamentarismo para impedir que João Goulart conduzisse às reformas, Josué de Castro, como parlamentar, lutou pela volta do sistema presidencialista.

Fez parte do governo de João Goulart, renunciando ao mandato de deputado fede-ral para aceitar a missão de embaixador na Suíça. No exercício de sua função, testemunhou o golpe de 1964 e assim como outros destacados brasileiros teve seus direitos políticos cassados, foi destituído do cargo de embaixador do Brasil na Suíça e junto aos organismos internacionais ligados à ONU que eram sediados em Genebra. Impedido de retornar ao país natal foi acolhi-do pelo governo francês, estabeleceu-se em Paris como professor da Universidade de Paris. Não fraquejou em sua luta pelo desenvolvimento, pela erradicação da fome e da miséria em qualquer continente, mas quase dez anos de exílio cobraram o seu preço. Faleceu em 1973, seu corpo foi trazido para o Brasil e está sepultado na cidade do Rio de Janeiro (MELO E NEVES, 2007; ANDRADE, 1997).

Um dos seus últimos trabalhos publicados, Subdesenvolvimento: causa primeira da poluição, no mesmo ano de sua morte, traz uma consciente refl exão sobre a destruição do meio ambiente.

JOSUÉ DE CASTRO, CELSO FURTADO E IGNACY SACHS: APROXIMAÇÕES A PARTIR DO TEXTO SUBDESEVOLVIMENTO, CAUSA PRIMEIRA DA POLUIÇÃO

O texto Subdesenvolvimento, causa primeira da poluição foi publicado na revista Correio da Unesco, em março de 1973, seis meses antes de seu falecimento. Castro inicia o texto levantando a questão de quem deve se preocupar com os problemas relativos ao meio am-biente. Expõe que, à primeira vista, tal preocupação poderia ser, em maior medida, dos países industrializados por conta dos efeitos danosos da poluição. Em seguida o próprio autor alega ser esta uma análise errônea e apresenta a seguinte concepção de meio ambiente:

Considerado globalmente, o meio tanto compreende fatores de ordem física ou mate-rial quanto fatores de ordem econômica e cultural.

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Uma análise correta do meio deve abarcar o impacto total do homem e de sua cultura sobre os elementos restantes do contorno, e o impacto dos fatores ambientais sobre a vida do grupo humano considerado como uma totalidade. Desse ponto de vista o meio abrange aspectos biológicos, fi siológicos, econômicos e culturais, todos combinados na mesma trama de uma dinâmica ecológica em transformação permanente (CAS-TRO, 1973, s/n).

Destacando que o texto foi escrito em 1973, impressiona como o autor, oito anos antes, adianta as bases do que viria a ser o conceito normativo de meio ambiente no Brasil, vi-gente desde a promulgação da Lei 6938/81. Para possibilitar a comparação, o artigo 3º, I da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente defi ne meio ambiente como o conjunto de condições, leis, infl uências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Para Castro (1973, s/n) o desenvolvimento equilibrado implicaria em mudanças sociais sucessivas e profundas, que acompanham inevitavelmente as transformações tecnoló-gicas do entorno social. Nesse ponto, Castro aproxima-se da concepção de desenvolvimento equilibrado de Sachs, construída a partir de dimensões.

Para Sachs (2000) desenvolvimento (associado ao qualitativo sustentável) possui oito dimensões: a (i) social, consubstanciada no alcance de um patamar razoável de homogenei-dade social, distribuição de renda justa, emprego pleno com qualidade de vida descente e igual-dade no acesso aos recursos e serviços sociais, a (ii) cultural, através da mudança no interior da comunidade, com equilíbrio entre respeito à tradição e inovação, capacidade de autonomia para a elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno e autoconfi ança combinada com a abertura para o mundo, a (iii) ecológica através da preservação do potencial de capital da na-tureza e na produção de recursos renováveis e na limitação dos recursos não renováveis, a (iv) ambiental, através do respeito e realce da capacidade de autodepuração dos sistemas naturais; a (v) territorial, através da confi guração urbana e rural balanceada, da melhoria do ambiente urbano, da superação das disparidades inter-regionais e pelas estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguras para as áreas ecologicamente frágeis, a (vi) a econômica, através do desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, da segurança alimentar, da capacidade de modernização contínua de produção, razoável nível de autonomia na pesquisa científi ca e tecnológica, a (vii) política nacional, através da democracia defi nida em termos de apropriação universal dos direitos humanos, do desenvolvimento da capacidade do Estado para implemen-tar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores e um nível razoável de coesão social e a (viii) política internacional, através do sistema de efi cácia de prevenção de guerras da ONU, de um pacote Norte-Sul de co-desenvolvimento, de um controle institucional efetivo do sistema internacional fi nanceiro de negócios e do controle do princípio da precaução na gestão do meio ambiente.

Outro ponto abordado por Castro (1973) é a afi rmação que se faz de que nas regi-ões mais ricas é que se apresentam os primeiros efeitos da poluição e da degradação do meio ambiente por causa do crescimento econômico. Para o referido autor é o subdesenvolvimento o primeiro produto do desenvolvimento desequilibrado. Sendo assim, o subdesenvolvimento representa um tipo de poluição humana localizado em alguns setores abusivamente explorados

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pelas grandes potenciais industriais do mundo (CASTRO, 1973, s/n). E aqui nova aproximação de Sachs (1969, p. 24):

Desde que os obstáculos institucionais e organizacionais desempenham um papel re-tardatário no subdesenvolvimento econômico, a questão deve ser abordada do ângulo histórico, questionando-se por que o impacto de tais obstáculos faz-se sentir forte-mente na Ásia, África e América Latina, em contraste com alguns países da Europa Ocidental e América do Norte. A maneira correta de colocar o problema já sugere onde se deve buscar a resposta. Historicamente falando, o problema do subdesenvol-vimento econômico está intimamente ligado à emergência do sistema colonial, num estágio típico do desenvolvimento do capitalismo e com a manutenção de uma ordem social anacrônica nos países coloniais. E quanto ao problema do progresso econômico e do desenvolvimento dos países atrasados, vemos que constitui parte muito impor-tante do problema mais amplo de liquidação do sistema colonial, o que se sucede nos nossos dias.

Nesse sentido, Furtado (1994, p. 38) em estudo que objetivou diferenciar os proces-sos de modernização e de desenvolvimento também se aproxima de Castro ao considerar que a formulação da teoria do subdesenvolvimento constitui, por si mesma, uma manifestação da tomada de consciência das limitações impostas ao mundo periférico pela divisão internacional do trabalho que se estabelece com a difusão da civilização industrial. Ainda nesse movimento de aproximação mister cotejarmos a seguinte proposição de Castro (1973, s/n) “o subdesenvol-vimento como produto de desenvolvimento” com outra preposição, de Furtado (1974, p. 87) “toda economia subdesenvolvida é necessariamente dependente, pois o subdesenvolvimento é uma criação da situação de dependência”.

Finalizando o tópico, transcrevemos trecho do texto que deixa explícita a clareza com que Josué de Castro relacionava a questão do subdesenvolvimento com a questão ambien-tal

É preciso considerar a degradação da economia dos países subdesenvolvidos como uma poluição do seu meio humano, causada pelos abusos econômicos das zonas de domínio da economia mundial; a fome, a miséria, os altos índices de frequência de enfermidades evitáveis com um mínimo de higiene, a curta duração da vida, tudo isso é produto da ação destruidora da exploração do mundo segundo o modelo da economia de domínio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se pela leitura das breves referências feitas à biografi a de Josué de Castro que sua graduação em medicina propiciou contato com a pobreza de Recife. Foi o contato com as precárias condições de saúde da população da capital pernambucana que possibilitou a ele es-colher o problema da fome como seu principal objeto de pesquisa. Conforme se viu, mais tarde vai chamar essas precárias condições de vida, causadas pelo desenvolvimento desequilibrado, de poluição.

Nesse sentido, sua atuação profi ssional, a partir do conhecimento da realidade, con-jugada com suas pesquisas e produção intelectual, resultaram nas obras Geografi a da Fome e

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Geografi a da Fome, que denunciavam os efeitos do colonialismo no processo civilizatório da humanidade.

Com foco no texto escolhido para análise, percebe-se que Josué de Castro, ao cri-ticar o modelo de desenvolvimento baseado no domínio econômico dos países centrais sobre os países periféricos, tendo como resultado, segundo ele, o subdesenvolvimento, adiantou con-cepções fundamentais como a complexidade do conceito de meio ambiente, que viria a ser tornar normativo no Brasil a partir do início da década seguinte, e a necessidade de um desen-volvimento equilibrado, que nas décadas seguintes seria conhecida como desenvolvimento sustentável.

Por fi m, foi possível perceber aproximações entre Josué de Castro, Celso Furtado e Ignacy Sachs. Ao analisar a degradação da economia dos países subdesenvolvidos causada pelo abuso econômico dos países centrais Josué de Castro aponta a fome, a miséria e os altos índices de enfermidades evitáveis como uma espécie de poluição, posto afetar o meio ambiente no sentido ampliado, que é composto, sobretudo pelas pessoas. Críticas a essa ação destruido-ra da exploração do mundo segundo o modelo da economia de domínio ressoa, conforme foi apontado, tanto nos estudos sobre subdesenvolvimento de Furtado como nos estudos sobre sustentabilidade de Ignacy Sachs.

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FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1974.

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MELO, M. M.; NEVES, T. C. W. (Orgs.). Perfi s Parlamentares 52: Josué de Castro. Brasília: Plenarium, 2007.

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PREBISH, Raul. O manifesto latino-americano e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2011.