STJ - dosimetria - 1 - 6 de aumento para reincidência

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Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 200.900 - RJ (2011/0060117-9) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública em favor de J M da S, apontando como autoridade coatora a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 0006800-40.2004.8.19.0021). Depreende-se dos autos que o paciente cumpre pena de 18 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de dois crimes de estupro, um tentado e outro consumado (Processo n. 2004.021.006678-4, da 3ª Vara Criminal da comarca de Duque de Caxias/RJ). A impetrante sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal ao argumento de que não poderia ter sido reconhecida a agravante da reincidência em relação ao delito de estupro consumado, uma vez a condenação sopesada para fins de reincidência transitou em julgado em 22/1/2001 e o referido crime foi cometido no ano de 2001, mas em data não precisada. Assim, considera que, como não foi precisada a data do primeiro fato - apenas foi noticiado que o mesmo ocorreu no ano de 2001 -, não se pode atribuir o aumento pela reincidência no primeiro delito, pois não pode ser descartada a hipótese de que o crime ora em debate tenha ocorrido antes do dia do trânsito em julgado da primeira anotação (fl. 3). Defende, outrossim, que teria sido demasiadamente elevado o aumento de pena realizado na segunda fase da dosimetria em razão da reincidência, tanto em relação ao delito consumado quanto em relação ao tentado, sem que tenha havido qualquer argumentação concreta e idônea que o justificasse. Requer a concessão da ordem para que seja afastada a agravante Documento: 23553979 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 7

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HABEAS CORPUS Nº 200.900 - RJ (2011/0060117-9)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de

habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública em favor de J M da S,

apontando como autoridade coatora a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 0006800-40.2004.8.19.0021).

Depreende-se dos autos que o paciente cumpre pena de 18 anos e

4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de dois crimes

de estupro, um tentado e outro consumado (Processo n. 2004.021.006678-4,

da 3ª Vara Criminal da comarca de Duque de Caxias/RJ).

A impetrante sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal ao

argumento de que não poderia ter sido reconhecida a agravante da

reincidência em relação ao delito de estupro consumado, uma vez a

condenação sopesada para fins de reincidência transitou em julgado em

22/1/2001 e o referido crime foi cometido no ano de 2001, mas em data não

precisada.

Assim, considera que, como não foi precisada a data do primeiro

fato - apenas foi noticiado que o mesmo ocorreu no ano de 2001 -, não se

pode atribuir o aumento pela reincidência no primeiro delito, pois não pode ser

descartada a hipótese de que o crime ora em debate tenha ocorrido antes do

dia do trânsito em julgado da primeira anotação (fl. 3).

Defende, outrossim, que teria sido demasiadamente elevado o

aumento de pena realizado na segunda fase da dosimetria em razão da

reincidência, tanto em relação ao delito consumado quanto em relação ao

tentado, sem que tenha havido qualquer argumentação concreta e idônea que

o justificasse.

Requer a concessão da ordem para que seja afastada a agravante Documento: 23553979 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 7

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da reincidência em relação ao delito de estupro consumado, bem como seja

estabelecido um aumento mais próximo do patamar mínimo na segunda etapa

da dosimetria em razão da reincidência.

Informações prestadas.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão parcial

da ordem apenas para que fosse afastada a agravante da reincidência em

relação ao delito de estupro consumado.

É o relatório.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):

Da análise dos autos, verifica-se que o paciente foi condenado, em primeiro

grau, à pena de 10 anos e 6 meses, em regime inicial fechado, pela prática do

crime previsto no art. 213, na forma do então art. 224, a, ambos do Código

Penal, c/c o art. 9º da Lei n. 8.072/1990, narrado nos seguintes termos (fl. 31):

[...]No ano de 2001, em data e horário não precisados, [...], o denunciado,

consciente e voluntariamente, constrangeu F. A., então com 10 anos de idade, mediante violência presumida por sua idade, a com ele manter conjunção carnal. Posteriormente, no dia 19 de julho de 2002, no mesmo local, o denunciado, mais uma vez consciente e voluntariamente, constrangeu a vítima a com ele manter conjunção carnal, desta feita empregando violência real, consistente em infligir-lhe vários socos e cortes com faca [...]

Inconformadas, ambas as partes interpuseram apelação no Tribunal

de origem, que negou provimento ao recurso defensivo e deu provimento ao

apelo ministerial a fim de majorar a pena imposta em relação ao delito de

estupro consumado e de condenar o paciente também pela prática do crime

de estupro tentado, elevando, por conseguinte, a sua reprimenda para 18

anos e 4 meses de reclusão.

No que tange à alegação de que não poderia ter sido reconhecida a

incidência da agravante da reincidência em relação ao delito de estupro

consumado, uma vez que não haveria nos autos a data precisa em que

ocorreu esse evento delituoso, entendo que assiste razão à impetrante.

Dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que a denúncia

não estabeleceu a data exata da prática do fato delituoso objeto do presente

writ, tendo apenas afirmado que o evento teria ocorrido no ano de 2001, razão

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pela qual não há como precisar se a condenação sopesada para fins de

reincidência, cujo trânsito em julgado é datado de 22/1/2001, teria transitado

em julgado antes ou depois do cometimento do delito ora analisado.

Confira-se, a propósito, o seguinte trecho da exordial acusatória (fl.

13 – grifo nosso):

[...]No ano de 2001, em data e horário não precisados, na residência

situada na Rua [...], o denunciado, consciente e voluntariamente, constrangeu F. A., então com 10 anos de idade, mediante violência presumida por sua idade, a com ele manter conjunção carnal.

[...]

Dessa forma, não tendo o órgão ministerial declinado na denúncia a

data em que o paciente praticou o crime de estupro consumado, afirmando

apenas que constrangeu a vítima a com ele manter conjunção carnal no ano

de 2001, há de ser dada a interpretação mais favorável ao acusado, em

homenagem ao princípio do in dubio pro reo, o que leva à conclusão de que

não se poderia presumir que o trânsito em julgado da condenação sopesada

para fins de reincidência necessariamente ocorreu antes do cometimento do

delito que ora se analisa.

Em casos semelhantes, este Superior Tribunal tem decidido que, se

a denúncia não estabelece a data precisa da consumação dos fatos,

compreendendo-o em um determinado lapso de tempo, há de se considerada

a data mais benéfica ao acusado para fins de cômputo do lapso prescricional,

em homenagem ao princípio do 'in dubio pro reo' (HC n. 52.329/RS, Ministra

Maria Thereza de Assis Moura, DJe 15/12/2008), entendimento esse que aqui

aplico por analogia.

No mesmo sentido, confira-se o seguinte julgado, mutatis mutandis :

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HABEAS CORPUS . VÍCIO. OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE EXAME POR ESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. NÃO INDICAÇÃO DA DATA EXATA DOS FATOS NA

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DENÚNCIA. FATOS QUE TERIAM OCORRIDO DENTRO DE UM LAPSO TEMPORAL. CONSIDERAÇÃO DA DATA MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. OCORRÊNCIA. ACOLHIMENTO DOS ACLARATÓRIOS.

[...]2. Nos casos em que o Ministério Público não declina na denúncia

o(s) dia(s) preciso(s) dos fatos, indicando apenas um período de tempo dentro do qual a conduta teria sido praticada, esta Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, diante da inexistência de regra específica na legislação penal acerca da matéria, e em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, tem reputado a data mais benéfica ao acusado como sendo aquela a ser tida em conta para o cômputo do lapso prescricional.

3. Na hipótese em apreço, não tendo o órgão ministerial indicado as datas em que o recorrente teria praticado o ilícito disposto no artigo 1º, incisos I e II, do Decreto-lei 201/1967, afirmando somente que os fatos teriam ocorrido "nos anos de 1995 e 1996, em dias e horários incertos", impõe-se a consideração da data mais benéfica ao acusado que, in casu, é o dia 1.1.1995.

4. Entre 1.1.1995 e 31.10.2003, data em que recebida a denúncia e primeiro marco interruptivo previsto no artigo 117 do Código Penal, transcorreram mais de 8 (oito) anos, razão pela qual deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva em sua modalidade retroativa (artigo 110, §§ 1º e 2º, do Código Penal, na redação anterior à Lei 12.034/2010).

5. Embargos de declaração acolhidos para declarar a extinção da punibilidade do recorrente, com base na prescrição da pretensão punitiva, em sua modalidade retroativa.

(EDcl no HC n. 143.883/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, Quinta Turma, DJe 19/12/2011 – grifo nosso)

Por essas razões, resta evidenciado o alegado constrangimento

ilegal de que estaria sendo vítima o paciente nesse ponto, razão pela qual

deve ser afastada a agravante da reincidência em relação ao delito de estupro

consumado.

No que tange à alegação de que teria sido demasiadamente

excessivo o aumento de pena efetivado na segunda fase da dosimetria do

acusado, em razão do reconhecimento da reincidência, colhe-se do acórdão

impugnado o trecho a seguir descrito, no que interessa (fl. 80):

[...]Para o segundo crime de estupro (tentado), em observância ao art. 59

do Código Penal, fixo a pena-base do réu em 08 anos de reclusão, que,

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na segunda fase, aumento de 03 anos, em razão da reincidência (fls. 275/277), o que resulta na pena intermediária de 11 anos de reclusão [...]

Sobre essa questão, leciona a doutrina que:

Ponto relevante, que merece abordagem preliminar, refere-se ao quantum das agravantes e atenuantes. A norma do art. 61 limitou-se a estipular que as circunstâncias ali previstas sempre agravam a pena, embora não tenha fornecido, como ocorre em outros Códigos estrangeiros, qualquer valor. O mesmo ocorre com o disposto no art. 65, que determina dever ser a pena atenuada, porém sem qualquer menção ao montante.

(NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 3ª ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2009, pág. 212)

Embora a lei não preveja percentuais mínimo e máximo de

majoração da pena pela reincidência, a jurisprudência desta Corte tem-se

inclinado no sentido de que, em observância aos princípios da

proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência à reprovação e à

prevenção do crime, o incremento da pena em fração superior a 1/6, pela

aplicação da agravante genérica em questão, deve ser devida e

concretamente fundamentado, o que não se verifica na hipótese dos autos.

Com efeito, o Juiz sentenciante elevou a reprimenda do paciente

pela reincidência em 3 anos, o que equivale a um aumento de mais de 1/3,

evidenciando, dessa forma, o alegado constrangimento ilegal de que estaria

sendo vítima o paciente também nesse ponto, tendo em vista que não foram

apontados elementos concretos que justificassem o porquê de tamanha

exasperação.

Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS . PENAL. CRIMES DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ATENUANTE OBRIGATÓRIA. CONCURSO ENTRE REINCIDÊNCIA E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PREPONDERÂNCIA DA AGRAVANTE. AUMENTO SUPERIOR AO MÍNIMO. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO.

[...]4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a aplicação de fração

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Liandro Cavalcante
Realce
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superior a 1/6 pela reincidência exige motivação idônea.5. Ordem concedida para, mantida a condenação do Paciente,

reformar a sentença de primeiro grau e o acórdão impugnados, no que diz respeito à dosimetria da pena, nos termos explicitados.

(HC n. 126.126/SP, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 7/6/2011 – grifo nosso)

Ainda, mencione-se: HC n. 158.848/DF, Ministro Og Fernandes,

Sexta Turma, DJe 10/5/2010.

Dessa forma, impõe-se a concessão da ordem também nesse

ponto, para reduzir a majoração da pena pela reincidência de 3 anos para 1/6.

Procedendo-se, pois, à nova dosimetria da pena do paciente,

tem-se que, em relação ao primeiro delito de estupro (consumado), a sua

reprimenda-base restou fixada em 8 anos de reclusão. Na segunda fase,

ausente qualquer agravante ou atenuante. Na terceira etapa, não há causa

alguma de aumento ou de diminuição, razão pela qual fica a reprimenda do

paciente, para esse delito, definitiva em 8 anos de reclusão.

Quanto ao segundo crime de estupro (tentado), tem-se que a

pena-base do paciente restou fixada em 8 anos de reclusão. Na segunda

etapa, eleva-se a sanção em 1/6, tendo em vista a agravante da reincidência.

Na terceira fase, reduz-se a pena em 1/3, tal como procedido pelo Tribunal

impetrado, em decorrência da causa geral de diminuição prevista no inciso II

do art. 14 do Código Penal (tentativa), ficando a reprimenda do paciente, para

esse ilícito, definitiva em 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão.

Por fim, somam-se as penas, ficando a sanção do paciente

definitivamente estabelecida em 14 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão.

Ante o exposto, concedo a ordem para afastar a agravante da

reincidência em relação ao delito de estupro consumado e, quanto ao crime

de estupro tentado, diminuir a exasperação da pena pela reincidência à fração

de 1/6, tornando a reprimenda do paciente definitiva em 14 anos, 2 meses e

20 dias de reclusão.

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