STJ 09-11-2007 União de Contratos

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07A2104 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: AZEVEDO RAMOS Descritores: UNIÃO DE CONTRATOS CONTRATO DE COMPRA E VENDA CONEXÃO COM CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO EFEITOS DA REVOGAÇÃO DE COMPRA E VENDA RESTITUIÇÃO DO MÚTUO Nº do Documento: SJ200709110021046 Data do Acordão: 09/11/2007 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA. Decisão: CONCEDIDA A REVISTA. Sumário : 1- Na união de contratos há dois contratos autónomos e distintos, que mantém uma relação de interdependência, embora não percam a sua individualidade . II - A revogação, por mútuo acordo, do contrato de compra e venda de um tractor, celebrado entre A e B, determina a extinção do contrato de mútuo bancário outorgado entre C e D, para o fim da aquisição do tractor . III – Mas a extinção do contrato de mútuo, na sequência da revogação do contrato de compra e venda, não determina a desvinculação da mutuária em reembolsar a quantia que lhe foi emprestada pela mutuante, para financiar aquela aquisição . IV – Os termos do acordo de revogação da compra e venda são inoponíveis à mutuante, cuja mutuária mantém a obrigação de pagar à mutuante as prestações em dívida do crédito concedido . Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 12 de Setembro de 2003, Empresa-A., com a actual denominação de ...Sociedade Financeira, S.A., instaurou execução ordinária contra Empresa-B, AA e BB, pedindo a citação dos executados para pagar à exequente a quantia de 24.092,04 euros, acrescida de juros moratórios à taxa de 12% ao ano, vencidos, na importância de 3.089,06 euros, e vincendos, até integral pagamento, bem como do montante de 1.029,69 euros, relativo à cláusula penal correspondente à taxa de 4% ao ano, ao qual acresce o valor que a esse título se vencer até integral pagamento, o que na data da propositura da execução somava a quantia de 28.210,79 euros . Por apenso à referida execução ordinária, veio o indicado AA deduzir embargos de executado contra a exequente Empresa-A, alegando, em síntese, o seguinte : - o tractor adquirido com o financiamento da exequente foi entregue ao stand vendedor Auto Empresa-C, passados cerca de seis meses sobre a data da sua aquisição, entregando-lhe a Page 1 of 6 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 16-04-2015 mhtml:https://elearn1314.uportu.pt/pluginfile.php/91802/mod_resource/content/1/Uni...

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  • Acrdos STJ Acrdo do Supremo Tribunal de JustiaProcesso: 07A2104N Convencional: JSTJ000Relator: AZEVEDO RAMOSDescritores: UNIO DE CONTRATOS

    CONTRATO DE COMPRA E VENDACONEXO COM CONTRATO DE MTUO BANCRIOEFEITOS DA REVOGAO DE COMPRA E VENDARESTITUIO DO MTUO

    N do Documento: SJ200709110021046Data do Acordo: 09/11/2007Votao: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTA.Deciso: CONCEDIDA A REVISTA.Sumrio : 1- Na unio de contratos h dois contratos autnomos e distintos,

    que mantm uma relao de interdependncia, embora no percam a sua individualidade .

    II - A revogao, por mtuo acordo, do contrato de compra e venda de um tractor, celebrado entre A e B, determina a extino do contrato de mtuo bancrio outorgado entre C e D, para o fim da aquisio do tractor .

    III Mas a extino do contrato de mtuo, na sequncia da revogao do contrato de compra e venda, no determina a desvinculao da muturia em reembolsar a quantia que lhe foi emprestada pela mutuante, para financiar aquela aquisio .

    IV Os termos do acordo de revogao da compra e venda so inoponveis mutuante, cuja muturia mantm a obrigao de pagar mutuante as prestaes em dvida do crdito concedido .

    Deciso Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justia :

    Em 12 de Setembro de 2003, Empresa-A., com a actual denominao de ...Sociedade Financeira, S.A., instaurou execuo ordinria contra Empresa-B, AA e BB, pedindo a citao dos executados para pagar exequente a quantia de 24.092,04 euros, acrescida de juros moratrios taxa de 12% ao ano, vencidos, na importncia de 3.089,06 euros, e vincendos, at integral pagamento, bem como do montante de 1.029,69 euros, relativo clusula penal correspondente taxa de 4% ao ano, ao qual acresce o valor que a esse ttulo se vencer at integral pagamento, o que na data da propositura da execuo somava a quantia de 28.210,79 euros .

    Por apenso referida execuo ordinria, veio o indicado AAdeduzir embargos de executado contra a exequente Empresa-A, alegando, em sntese, o seguinte :- o tractor adquirido com o financiamento da exequente foi entregue ao stand vendedor Auto Empresa-C, passados cerca de seis meses sobre a data da sua aquisio, entregando-lhe a

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  • declarao de venda devidamente assinada, o qual veio posteriormente a ser alienado a outra firma, tendo a embargada sido informada de tal facto pelo embargante, pelo telefone ; - o contrato nulo por falta de forma e a taxa de juros usurria ;- nunca foi dada ao embargante cpia do contrato de mtuo, nem lhe foi explicado que o embargante estava a assumir uma fiana ;- h incerteza da obrigao exequenda, pois chegaram a ser pagas 16 prestaes, num total de 18.355,84 euros e faltariam pagar 20 prestaes, num total de 22.944,80 euros .

    A embargada contestou, dizendo que todas as clusulas do contrato foram explicadas ao embargante e que a executada Empresa-B lhe deve a quantia de 24.092,94 euros e respectivos juros .Acrescenta que o embargante responsvel pela dvida, por se ter constitudo fiador da executada Empresa-B e ter renunciado ao benefcio da excusso prvia .

    No despacho saneador, o contrato foi considerado vlido .

    Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentena que julgou os embargos procedentes e extinta a execuo, por ter sido entendido que, tendo-se extinto o contrato de mtuo, por fora da revogao do contrato de compra e venda, sobre a sociedade vendedora do veculo que recai a obrigao de reembolsar a exequente-embargada do capital mutuado .

    Apelou a embargada, mas sem xito, pois a Relao de Lisboa, atravs do seu Acrdo de 11-1-07, negou provimento apelao e confirmou a sentena recorrida.

    Continuando inconformada, a embargada pede revista, onde muito resumidamente conclui:1- O Acrdo recorrido viola frontalmente o art. 406, n1, do C.C., uma vez que o princpio da eficcia relativa dos contratos consagrado no art. 406, n1, do C.C., traduz-se na restrio dos efeitos do contrato apenas s partes, e, consequentemente, impe que seja a muturia, extinto o contrato de mtuo, por fora da revogao do contrato financiado ( contrato de compra e venda) que reembolsa a mutuante do capital mutuado . 2 Ao considerar que no deve ser a muturia a restituir recorrente a quantia mutuada, o Acrdo recorrido tambm ofende o art. 1142 do C.C.3 Sendo a exequente-mutuante, credora da executada-muturia e dos seus fiadores que garantiram a satisfao do crdito da recorrente, no lhe assiste qualquer direito de demandar a sociedade vendedora do tractor, para recuperar o capital mutuado . 4 Assim sendo, o fiador, aqui recorrido, mantm a obrigao de liquidar o crdito de que titular a recorrente sobre a muturia .

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  • 5 O Acrdo recorrido deve ser revogado e os embargos julgados improcedentes .

    No houve contra-alegaes .

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    Esto provados os factos seguintes :

    1 - Em Junho de 2000, a sociedade executada Empresa-B celebrou com a exequente um contrato, consubstanciado no escrito de fls 6 dos autos de execuo, cujo teor aqui se d por reproduzido. pelo qual foi emprestada por esta quela a quantia de 7.033.128$00 (35.081.09), para a aquisio a crdito de um tractor, sendo o emprstimo pagvel em 36 prestaes mensais de 230.000$00.

    2 O embargante, AA, subscreveu o mencionado contrato, na qualidade de terceiro outorgante, juntamente com BB, figurando no mesmo contrato, como primeiro outorgante ( mutuante ), o Banco Empresa-A, e como segundo outorgante (parte devedora ) a executada Empresa-B .

    3 Da clusula terceira do aludido contrato de mtuo, consta que os terceiros outorgantes, por si e solidariamente, constituem-se e confessam-se fiadores e principais pagadores da dvida que, para a parte devedora, do presente contrato emergem, renunciando expressamente ao benefcio da excusso prvia .

    4 - O aludido tractor foi adquirido pela executada Empresa-B sociedade Auto Empresa-C.

    5 - ordem de quem a executada Empresa-B procedeu entrega de cheques pr-datados, destinados a serem endossados exequente .

    6 - Cerca de seis meses aps a aquisio do tractor, os executados acordaram com a Auto Empresa-C, devolver-lhe o mesmo, por este apresentar problemas mecnicos, entregando-lhe a declarao de venda, devidamente assinada .

    7 - A embargado foi informada deste facto pelo telefone .

    8 - Foram pagas 15 das prestaes do contrato, sendo que, pelo menos dez delas, foram pagas pela Auto Empresa-C.

    9 - Entretanto, o tractor veio a ser vendido empresa Empresa-D, com reserva de propriedade a favor da Auto Empresa-C.

    10 - Os executados AA e BB so os nicos scios da sociedade Empresa-B .

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  • 11 - O executado-embargante, AA, j no gerente da sociedade Empresa-B desde 21 de Maio de 2001.

    A questo a decidir consiste em saber se, tendo-se extinto o contrato de mtuo, por fora da revogao do contrato de compra e venda do tractor, sobre quem recai a obrigao de restituio da quantia mutuada em dvida : sobre a vendedora do tractor, Auto Empresa-C, ou antes sobre a executada muturia, Empresa-B .

    O Acrdo recorrido, na esteira do decidido na sentena da 1instncia, considerou que, revogado, por mtuo acordo, o contrato de compra e venda do tractor, a responsabilidade pelo pagamento das prestaes vincendas relativas ao mtuo passa a recair sobre a vendedora, Auto Empresa-C, restando exequente-embargada recuperar o seu crdito junto daquela sociedade .

    Mas no pode ser assim.

    O contrato de mtuo celebrado entre o Banco Empresa-A e a executada Empresa-B no pode ser qualificado como um contrato de crdito ao consumo . Tudo isto, por duas ordens de razes . Em primeiro lugar, porque o art. 2, n1, al. b), do dec-lei 359/91, de 21 de Setembro (diploma que regula o regime jurdico do crdito ao consumo), define consumidor como a pessoa singular que, nos negcios jurdicos abrangidos pelo presente diploma actua com objectivos alheios sua actividade comercial ou profissional . Ora, a muturia Empresa-B no uma pessoa singular, mas uma sociedade . Em segundo lugar, o ajuizado contrato tambm est excludo do mbito do mesmo dec-lei 359/91, uma vez que, de harmonia com o seu art. 3, al. c) , este diploma no se aplica aos contratos em que o montante do crdito concedido seja superior a 6.000.000$00 ( 29.927,87 euros), como acontece no caso vertente . Assim, quer pelo facto da muturia ser uma sociedade comercial, quer por o valor do crdito ser superior a 6.000.000$00, lcito concluir que o questionado contrato de mtuo no pode ser qualificado como crdito ao consumo e que, por isso, no lhe pode ser aplicado o respectivo regime jurdico, previsto naquele dec-lei 359/91. Tal contrato configura antes um mtuo bancrio, regulado pelo artigo nico do decreto-lei 32.765, de 29 de Abril de 1943. O mtuo bancrio o contrato em que uma instituio de crdito empresta a um seu cliente um montante em dinheiro, assumindo o muturio a obrigao de devolver outro tanto, do mesmo gnero e qualidade .Sobre esta modalidade, observa Menezes Cordeiro ( Manual de Direito Bancrio, 3 ed, pg. 538), que o mtuo bancrio pode

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  • ter uma particularidade importante de ser um mtuo de escopo, isto : um mtuo no qual, contratualmente, o muturio fica adstrito a dar um determinado destino importncia recebida . No caso concreto, a quantia emprestada destinou-se aquisio, pela muturia Empresa-B, de um tractor .A muturia compradora e a vendedora revogaram o dito contrato de compra e venda que anteriormente tinham celebrado e que foi financiado pela exequente . No restam dvidas de que estamos perante dois contratos autnomos e distintos :- por um lado, o contrato de compra e venda do tractor celebrado entre a Empresa-B e a Auto Empresa-C ;- por outro, o contrato de mtuo outorgado entre o ento Banco Empresa-A (ora recorrente ) e a mesma sociedade Empresa-B . Apesar de serem dois contratos autnomos e distintos, eles mantm uma relao de interdependncia, embora no percam a sua individualidade .Por isso, a revogao do contrato principal de compra e venda determina a extino do contrato de mtuo que financiou aquela aquisio .Todavia, a extino do contrato de mtuo, na sequncia da revogao do contrato de compra e venda, no determina a desvinculao da muturia em reembolsar a quantia que lhe foi emprestada pela recorrente .Como escreve Fernando de Gravato Morais ( Unio de Contratos de Crdito e de Venda para o Consumo, Almedina, 2004, pg. 215) as obrigaes restitutrias devem-se processar entre as partes dos respectivos negcios jurdicos celebrados . Assim, na sequncia da resoluo do contrato de compra e venda, o vendedor deve restituir o preo recebido ao consumidor, encontrando-se este obrigado a restituir a coisa entregue .Por sua vez, no mbito da resoluo do contrato de crdito, o consumidor encontra-se obrigado a reembolsar o credor do montante mutuado, devendo este devolver as prestaes entretanto recebidas . A opo tomada pela muturia de chegar a acordo com a vendedora do tractor e de revogarem o mencionado contrato de compra e venda no pode afectar a mutuante .Muito menos os termos desse acordo so oponveis mutuante, aqui recorrente. O princpio da eficcia relativa dos contratos, consagrado no art. 406, n1, do C.C. , assim o exige .Tal princpio traduz-se na restrio dos efeitos do contrato apenas s partes e, consequentemente, impe que seja a muturia, extinto o contrato de mtuo, em resultado da revogao do contrato de compra e venda financiado, a ter de reembolsar a mutuante do capital que lhe foi emprestado .Soluo que tambm decorre do preceituado no art. 1142 do C.C.,

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  • ao dispor que o mtuo o contrato pelo qual uma das partes empresta a outra dinheiro ou outra coisa fungvel, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo gnero e qualidade . Tal como noutros contratos, a obrigao de restituir consequncia da cessao do vnculo, correspondendo a um dever ps contratual que decorre da extino do negcio. Sendo a mutuante credora da muturia e dos seus fiadores, que garantiram a satisfao do crdito da recorrente, no assiste a esta qualquer direito de demandar a Auto Empresa-C, vendedora do tractor, para recuperar o capital emprestado compradora Empresa-B, por no ser parte no contrato de compra e venda do tractor, nem ter qualquer relao jurdica com a vendedora. Da que o embargante, aqui recorrido, como fiador da muturia, com renncia ao benefcio da excusso, mantenha a obrigao que sobre ele recai de pagar recorrente as prestaes em dvida do crdito de que esta titular, com os respectivos juros - art. 627, n1 e 640, al. a), do C.C. Os juros de mora e respectiva clusula penal, nos contratos de mtuo bancrio, obedecem ao regime especfico previsto no art. 7, ns 1 e 2 do dec-lei 344/78, de 17 de Novembro, alterado pelo dec-lei 83/86, de 6 de Maio . Procedem, pois, as concluses do recurso, impondo-se a revogao do Acrdo impugnado .

    Termos em que, concedendo a revista, revogam o Acrdo recorrido e, com ele, a sentena da 1 instncia, julgando improcedentes os embargos de executado .

    Custas pelo recorrido, quer no Supremo, quer nas instncias .

    Lisboa, 11 de Setembro de 2007

    Azevedo RamosSilva SalazarAfonso Correia

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