STEWART JR., Donald. O que é o Liberalismo. Resenha.
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STEWART JR., Donald. O que é o Liberalismo. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1999.
Louise Akemi Souza1
Donald Stewart Jr., nascido em 1931, foi um dos maiores difusores do liberalismo no
Brasil. Motivado em disseminar a doutrina liberal, Stewart funda em 1983, o Instituto Liberal
no Brasil. A primeira sede foi instalada no Rio de Janeiro, e mais tarde, sete outras
instituições em outros estados. Através dos Institutos, Stewart tinha como objetivo que as
idéias liberais fossem publicadas e divulgadas para intelectuais, professores e escritores. Tal
modelo de divulgação do liberalismo foi criado por Anthony Fisher (à conselho do austríaco
Frederick August von Hayek), e seguido à risca por Stewart. Visando esse objetivo, Stewart
publica a obra “O que é o Liberalismo”, introduzindo o leitor ao pensamento liberal, com
ênfase às teorias da Escola Austríaca2.
Neste trabalho, nos propomos a expor obra de Stewart e fazer apontamentos sobre os
princípios propagados pelo autor. Que fique claro que sua obra é extremamente sintética, um
panorama sobre os fundamentos do liberalismo. O autor não tem a intenção de explicar
possíveis derivações teórica dentro do liberalismo. Stewart publica com o propósito de
reforçar as bases do liberalismo na sociedade. Sendo assim, nossa crítica é dirigida de maneira
a pensar sobre outras matrizes teóricas, os conceitos formados e as soluções apontadas pelo
pensamento liberal. Nossa proposta é que se faça uma análise a partir do materialismo
histórico para repensar os princípios liberais, uma vez que esses carecem de fundamentação
teórica para analisar a sociedade. Um trabalho que não parta do singular como parte de um
todo, de um universo, jamais conseguirá uma visão da totalidade do real.
O livro de Stewart relata as desvantagens de um modelo de Estado intervencionista3 na
sociedade do capital. Para o autor, a “mão-invisível” do mercado é a maior força humana
reunida, com o fim de satisfazer suas próprias necessidades, sendo por sua vez, regulada por
interesses humanos de maneira clara (p.50). Não há melhor modo de gerir as riquezas do
mundo que através do mercado. A sua existência como instituição é a prova de que as práticas
mais eficazes são progressivamente adotadas como universais, de maneira institucionalizada.
A justificativa do Estado de assegurar as mínimas condições de vida a seus cidadãos através
1 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de Maringá, realizou esta resenha com fins acadêmicos avaliativos pelo curso de Especialização em Teoria Histórico-Crítica do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. 2 Corrente liberal criada na Áustria por intelectuais como Carl Menger, Eugen von Böhm-Bawerk, Friedrich von Wieser, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. 3 Práticas adotadas por modelos políticos do comunismo e da social-democracia (p. 24-30).
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da intervenção, na visão do autor, não garante que as massas sejam satisfeitas com o que há de
melhor da produção humana: o fruto da livre concorrência.
Para contextualizar sua teoria, o autor ilustra a trajetória histórica do pensamento
liberal, do seu apogeu (com a Revolução Francesa) ao seu declínio (com o crescimento do
marxismo, dos regimes totalitários, da social-democracia, do Estado de Bem-Estar Social) e
seu renascimento no período pós-guerras da Europa. De acordo com Stewart, após a
Revolução Francesa, a sociedade viveu liberdade política e econômica que jamais sonhariam
durante os governos absolutistas, gozando da produção massiva de suas necessidades a preços
cada vez menores. O liberalismo entra em declínio quando, a riqueza sem precedentes gerada
pelas suas doutrinas, daria a impressão que privilégios adquiridos em tempos recentes,
passaram a ser universalizados como “direitos” (p.23). Isso se dá pela popularização do
marxismo na visão do autor: a idéia de que as pessoas tem direito àquilo que não possuem. A
crítica a Marx é feita no sentido que, os postulados marxistas eram deterministas e ilusórios4
(p.24). Determinista, pois exigia a existência do capitalismo para o nascimento do
comunismo. E ilusório, pois acreditavam que havia um “tom profético”, metafísico, no
discurso de Marx. A crítica à Marx não se estende em sua obra (pois não seu objetivo), mas é
evidente o diálogo que o autor faz com o marxismo (e outras teorias de Estado) durante sua
fala.
Para o autor, as práticas intervencionistas do Estado, no período mercantilista, tinham
como intenção manter o desenvolvimento e redistribuir a renda, porém intervindo com
impostos e taxas especiais no mercado. Dentro dessa lógica, o mercado é a melhor ferramenta
para a produção porque mantém a ótima qualidade e preço dos objetos de maneira constante,
através da competição. Obviamente que quando alguma parcela da sociedade é favorecida, a
qualidade de sua produção cai. O empresário que recebe benefícios não tem de arcar com
todos os custos de sua produção. O preço final pode então ser reduzido, sem que se altere a
margem de lucro do empresário. O consumidor, ente soberano na sociedade, não estaria
satisfeito. Dessa maneira, a social-democracia também não seria um modelo ideal de
sociedade, tanto quando o Estado de Bem-Estar Social de Keynes (p.27). A política social-
democrata também parte do princípio de que o Estado deve reger a economia, deformando os
preços e favorecendo o nepotismo e demagogia. Apenas o Estado mínimo seria capaz de
garantir a satisfação através da competição livre no mercado, economizando recursos públicos
com um aparato burocrático dispendioso e ineficaz.
4 Entretanto, adiante mostraremos como a teoria do autor é determinista no sentido de dogmatizar alguns conceitos, que ainda por cima são analisados superficialmente, sem compreender sua totalidade.
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Esboçada a teoria, vamos agora investigar como o autor constrói esses conceitos e
quais seus significados no processo de análise do real. O conceito-chave para compreensão
dos ideais liberais foi retirado por Stewart do livro “Human Action – a treatise on
Economics”, de Ludwig Von Mises, onde o conceito de “ação humana” é exposto como a
busca irrefreável dos seres humanos pelos meios que satisfazem melhor suas necessidades, “o
seu ajustamento ao universo que lhe determina a vida” (p. 41). Sendo essa afirmativa uma lei
universal do progresso humano (na nossa interpretação, determinada). Seria anti-natural, e
portanto uma intervenção, um autoritarismo, uma coerção, qualquer impedimento do
indivíduo de concretizar sua satisfação, de exercer sua liberdade (p.43).
No liberalismo não existe coletividade, há sim, a união de indivíduos livres para
alcançar um objetivo coincidentemente comum, a cooperação. Então a base da doutrina
liberal é a natureza humana como a de satisfazer-se individualmente: “O que cada um
considera um estado de coisas mais satisfatório depende de um julgamento de valor
individual e, portanto, subjetivo” (p. 42). É isso que nos difere dos animais (p. 44). Porém,
uma questão de natureza aparentemente individual (satisfazer-se) se realiza apenas no
convívio social: não há vida humana sem a interação com o meio ambiente, inclusive outros
seres humanos: “o seu [singular] ajustamento ao universo [universal] que lhe determina a
vida” (p. 41), diz Stewart em sua contradição. Há de haver interação e organização social para
a existência humana, isso é historicamente comprovado5, sendo então parte de sua essência.
Dessa forma, na nossa visão, o liberalismo não trabalha o ser humano enquanto composto de
coletividade e individualidade, para o liberal a individualidade existe autônoma da
coletividade, esta determinada apenas como instrumento de satisfação individual (troca). A
ação humana é um conceito que não tem relação com o real, pois ignora que o
desenvolvimento do ser humano passa antes pela sua contínua interação social, por um
complexo de condições que nos são também exteriores e objetivas (segurança, alimentação,
instrução, etc.). Essa idéia naturaliza as desigualdades sociais, quando responsabiliza o
indivíduo por não satisfazer-se prudentemente (varia de pessoa para pessoa), já que esta é a
única possibilidade de romper o “sucesso natural” da raça humana.
No liberalismo, seres humanos precisam satisfazer-se e, para isso, nada mais lógico
que a troca. A troca é a interação espontânea entre indivíduos, onde o resultado é a satisfação
5 Para que existam símbolos (pinturas, grafias, etc.,desde o período Rupestre) é necessária a existência de um significado, um conceito, uma idéia que represente o real. A manifestação lingüística e simbólica humana nada mais é que a busca pela interação, a necessidade de se comunicar com o exterior. A existência social precede a satisfação humana, pois a segunda não existe sem a primeira.( VYGOSKY, Lev Semenovich. Pensamento e Linguagem (1896-1934). Edição Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org), 2001).
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de ambas as partes. Assim, a troca é o método que historicamente foi selecionado para suprir
as necessidades humanas, pois permite que indivíduos se satisfaçam mesmo que com
objetivos e visões de mundo diferentes6. Para Stewart, é a troca (cooperação entre indivíduos),
que substitui o conceito de sociedade enquanto coletividade. E no liberalismo, a troca faz
parte da essência humana, pois é fundamental para a aumentar a liberdade, já que satisfaz
ambos indivíduos, sem perdas (p 46). Fator que geraria uma automática igualdade entre os
indivíduos. Ora, no liberalismo o indivíduo age para satisfazer-se, e apenas interage para a
troca, que satisfaz ambos. Nessa lógica hermética do liberalismo, acrescentaremos agora o
elemento que regula a igualdade da troca: o mercado.
O mercado vai transmitir as informações do custo da produção até o consumidor
através do preço. É através do preço que identificamos a igualdade na troca. E os preços
determinam então o lucro: a parte que coube ao empresário pela satisfação gerada na
sociedade. O empresário é gerador mágico de um valor monetário, que representa a maior
oferta da satisfação alheia, ante uma pequena oferta de seu produto. O empresário é a fonte da
riqueza humana. A possibilidade de lucro estimula a produção, que por sua vez massifica o
preço dos produtos, aumentando a satisfação geral, elevando o patamar de desenvolvimento
da humanidade (p. 51). Autoregulando-se, o mercado mantém um instrumento que garante
uma verdadeira corrida ao “desenvolvimento”: a competição, vence aquele que oferecer um
produto mais barato com maior qualidade. A mão-de-obra é um produto, e é trocada pelo
valor de mercado o desemprego no capitalismo é estrutural, faz parte da sociedade7. Sem o
desemprego não há como abaixar os preço para que o capital lucre cada vez mais com a
redução dos custos de mão-de-obra.
De acordo com o liberalismo, a intervenção do Estado na economia (através de
benefícios fiscais, protecionismos, reservas de mercado, etc.), é maléfica para a satisfação
humana, pois não ofertam o que há de mais desenvolvido na humanidade. A concorrência
desleal deforma os preços do mercado, fazendo a empresa favorecida lucrar mais, mesmo
quando seu produto é mais caro e de menor qualidade (p.53). A satisfação geral caí, a
exemplo da baixa expectativa de vida anterior à Revolução Francesa na Europa.
Dessa maneira um mundo contraditório é narrado: projeta-se uma sociedade igualitária
(através das trocas e dos direitos) mas que mantém uma desigualdade em sua essência quando
define o direito individual “ao que se tem”. Essa é uma desigualdade de ordem material. A
6 É neste momento que convém ao liberalismo a democracia: o pós-modernismo aplicado à política democrática, garante uma aparente igualdade civil, mesmo quando as disparidades materiais e sociais são gritantes; 7 MARX, K. O capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
Volume III, Tomo 1. (Coleção Os Economistas)
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burguesia que derrubou a Bastilha, usou de força criminosa, ilegítima, e chegou a combater as
idéias do absolutismo com as idéias liberais, uma excluíu a outra. Resultou disso a
decapitação do rei Luis XVI, sobre a Praça da Revolução – antiga Praça Luís XV,
transformada em 1795 na atual Praça da Concórdia .
Se o liberalismo precisa de competição entre a iniciativa privada para garantir a
satisfação humana, nada mais lógico do que universalizar as desigualdades como : a)
biológicas e também como b) hereditárias (p. 60 e 61).
a) as desigualdades biológicas são dadas: uns são mais belos, outros têm mais
talentos;
b) aqueles que tem uma desigualdade fnanceira inicial, a herança, a desfrutam porque
ela é a somatória da satisfação humana produzida por sua família, e deve ser
usufruída particularmente para não intervir no mercado (público).
De acordo com o autor o único papel do Estado é garantir os direitos individuais, sem
intervir no mercado. É clara a manutenção da desigualdade material da sociedade capitalista,
quando o autor dita os direitos individuais, invioláveis: vida, liberdade, saúde e propriedade.
Mas os indivíduos só tem direito ao que já possuem, não podendo possuir o alheio (p. 49),
alerta o autor. E se não se tem propriedade, ou saúde, que se pode fazer? É o que te pertence.
É dever do Estado então, manter a propriedade privada mesmo que com coerção, mesmo que
o povo se mate por necessidade. O Estado pode tirar vidas e roubar propriedades, uma vez
que a nação concordou com seus princípios numa carta magna. Se a sociedade não agir
através do Estado, a morte e o roubo são criminalizados. No Estado liberal a desigualdade é
legitimada: o indivíduo é responsável pelo seu sucesso, pela realização de seus direitos,
apenas. Porém ignora que no âmbito social, a propriedade vem sendo acumulada e
concentrada por uma minoria8 de maneira histórica, a Revolução Francesa não destituiu
direito de herança.
No liberalismo a propriedade enquanto essência humana não se sustenta atualmente9,
pois a base material levada em consideração como fundamento para o mercado capitalista é
infinita, quando na realidade, temos recursos finitos, que não podem ser desperdiçados. Prova
tal que em seus 40 mil anos de existência, a raça humana fala do fim dos recursos naturais nos
seus últimos 300 anos, quando as medidas de produção em massa e consumo desenfreado
8 Marx, Karl e Engels, Friedrich. Marx a Paul V. Annenkov. 28 de dezembro de 1846. In: Cartas Filosóficas e
outros Ensaios. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977 (P. 178). 9 ANDRIOLI, Antônio Inácio. A atualidade do marxismo para o debate ambiental. In: Revista Espaço Acadêmico, n. 98, julho de 2009
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iniciaram10. Portanto, não há recurso material suficiente para todos possuírem igualdade
material. Porém, aqueles Estados que têm reservas de capital acumulado (um mérito do
mercantilismo), se dão ao luxo de tomarem medidas protecionistas, para manter através do
Estado uma economia interna falsamente positiva. Para o autor, apenas o acúmulo de capital
prévio garante essa “regalia” ao Estados.
Encerramos aqui a exposição da doutrina liberal na sintética obra de Stewart, onde o
autor defende a não intervenção do Estado no mercado, tendo como princípio maior a “ação
humana”, que busca a satisfação individual. Na nossa visão, a consequência da essência única
(e portanto reduzida) do que é ser livre, e o que é ser humano (satisfazer-se), na doutrina
liberal, é a concentração de capital (maior poder de troca), em detrimento de uma coletividade
(que se abdica do direito à propriedade, para garantir a própria sobrevivência pelo preço de
seu corpo, vulgo salário). O lucro é a descoberta de mais mecanismos para redução do preço
do “estoque humano”, com o progressivo aumento de sua qualificação. Aliás, quanto mais
qualificado o estoque humano, maior a competição entre seus indivíduos e consequentemente,
maior produção e redução de salários, preços, e maior o lucro do capitalista. Aqui procuramos
questionar até que medida a força humana e recursos mobilizados pelo capital, podem ser
responsabilizados pelo progresso humano, quando esse progresso é consumido por uma
parcela cada vez mais concentrada nas sociedades.
10 “O debade da sustentabilidade na sociedade insustentável”. LIMA, Gustado F. da Costa. Revista Eletrônica "Política e Trabalho"- Setembro 1997 / p. 201-202