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RSP 23 Sérgio Antonio Martins Carneiro Revista do Servio Pœblico Braslia 57 (1): 23-49 Jan/Mar 2006 Saúde do trabalhador público: questão para a gestão de pessoas – a experiência na Prefeitura de São Paulo SØrgio Antonio Martins Carneiro Introduªo Estudos sobre a relaªo saœde e trabalho na Ærea pœblica brasileira tŒm dado a conhecer as condiıes de vida e de trabalho a que estªo expostos os servidores pœblicos. Abrangendo diferentes categorias em diversos nveis da esfera pœblica, pesquisas tŒm apontado um sofrimento oriundo das condiıes ambientais, mas principalmente da organizaªo do trabalho; Ø o que revelam os trabalhos de Fernandes e outros (2002), que avaliaram o trabalho de agentes penitenciÆrios, de Carneiro (2002), que pesquisou as condiıes de trabalho nos agentes de saœde pœblica, de Tavares (2003), que estudou o sofrimento entre servidores do JudiciÆrio, e de Brant e Dias (2004), que estudaram o sofrimento de gestores em empresa pœblica. A administraªo pœblica, por outro lado, encontra dificuldades e/ou nªo se apropriou da problemÆtica para responder s demandas na Ærea de saœde do servidor, o que tem redundado em sua pouca intervenªo nessa Ærea, embora existam estudos como o de Gehring-Jr e outros (2003), que propuseram um

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Saúde do trabalhadorpúblico: questão para a

gestão de pessoas – aexperiência na Prefeitura

de São PauloSérgio Antonio Martins Carneiro

Introdução

Estudos sobre a relação saúde e trabalho na área pública brasileira têm dado a

conhecer as condições de vida e de trabalho a que estão expostos os servidores

públicos. Abrangendo diferentes categorias em diversos níveis da esfera pública,

pesquisas têm apontado um sofrimento oriundo das condições ambientais, mas

principalmente da organização do trabalho; é o que revelam os trabalhos de Fernandes

e outros (2002), que avaliaram o trabalho de agentes penitenciários, de Carneiro

(2002), que pesquisou as condições de trabalho nos agentes de saúde pública, de

Tavares (2003), que estudou o sofrimento entre servidores do Judiciário, e de Brant

e Dias (2004), que estudaram o sofrimento de gestores em empresa pública.

A administração pública, por outro lado, encontra dificuldades e/ou não se

apropriou da problemática para responder às demandas na área de saúde do

servidor, o que tem redundado em sua pouca intervenção nessa área, embora

existam estudos como o de Gehring-Jr e outros (2003), que propuseram um

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modelo de atenção à saúde do trabalhadornos moldes de co-gestão público-privada,para responder às demandas de assistênciamédica, prevenção de doenças e pro-moção da saúde do trabalhador da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp).Os autores, no mesmo estudo, denunciam:�Este modelo não esgota a discussão epesquisa sobre decorrências sociais assis-tenciais e políticas, já que saúde dotrabalhador, em espaços submetidos àgerência pública, não tem experiênciasanteriores no País�.

O fato é que existem poucos trabalhosque relatam experiências em desenvolvi-mento de ações de prevenção de doençase promoção à saúde dos servidores. Emgeral, a perícia médica, por obrigação legal,é a única atividade realizada, ou seja, a �açãono controle� da ausência ao trabalho.

As questões relacionadas à saúde, viade regra, não fazem parte da pauta dosprojetos de capacitação gerencial daadministração pública, que geralmenteopta por organizar serviços médicos quefuncionem de forma isolada das políticasde recursos humanos, contribuindo paraa construção de concepções e dinâmicasidiossincrásicas.

Este trabalho problematiza questõesda relação saúde e trabalho no serviçopúblico, discute a perícia médica e as difi-culdades encontradas por gestorespúblicos, levanta questões relacionadas àgestão dos serviços de saúde do servidorpúblico, à assistência médica e à promoçãoda saúde.

Por fim, apresenta-se o projeto desaúde do trabalhador público imple-mentado na Prefeitura de São Paulo, noperíodo de 2001 a 2004, que contemplouaspectos de humanização, transparência daatividade pericial, formação do servidorpúblico e promoção de sua saúde.

Doença: um incômodo para ogestor público

A elevação da ausência ao trabalho,mesmo circunstancial, localizada emdeterminadas unidades ou concentradaem determinadas categorias, é tida comofruto da �incapacidade� gerencial decontrolar. Perguntas como: o que, noambiente ou na organização do trabalho,está influenciando na ausência ao trabalho,ou por que os trabalhadores não estãomotivados para ir ao seu local de trabalho,raramente são feitas, fato que geraconsiderável estranhamento.

O gestor local, com encargos cada vezmais complexos, relacionados aos projetospolíticos e ao funcionamento adminis-trativo-financeiro, e com exigências eorientação voltadas para resultados, encon-tra dificuldades para gerenciar os assuntosrelacionados à saúde do trabalhador. Essasituação leva-o a declarar-se incompetentepara tal atividade e a optar por considerarsaúde como questão a ser resolvida econtrolada pela medicina. De preferência,a questão saúde é encaminhada a umserviço médico.

A dificuldade em gerenciar essa questãodeve-se também à compreensão de que aavaliação da capacidade laborativa é umconhecimento específico do profissional dasaúde, o que reduz os aspectos relacionadosà saúde do servidor público a umproblema de avaliação médica pericial efavorece os serviços autônomos.

Em contrapartida, a área administra-tiva responsável pela gestão dos recursoshumanos, a depender de políticas degoverno, sofre tentações para intervir noato técnico pericial, cria mecanismosadministrativo-burocráticos para dificultaro acesso à avaliação médica, exige maior�rigor� aos peritos, estabelece diversos

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procedimentos para dificultar a concessãode licenças médicas e aposentadorias, onexo de acidentes e doenças do trabalho.Iniciativas essas com o intuito de diminuiro absenteísmo, sem que isso possa significarmelhoria da saúde ou da qualidade de vidae trabalho do servidor público.

A idéia do servidor como fraudadorde licenças médicas é muito propagada naadministração pública e, facilmente, asexceções possibilitam a edição de regras enormas restritivas de direitos para todos. Aessa imagem soma-se a do inoperante,identificado por França (1994) como�trabalhadores detestados pela maioria eobjeto constante de piadas para muitos� epor Codo (2001), em seu artigo sobrepesquisa realizada pelo Laboratório dePsicologia da UnB em um órgão públicodo Distrito Federal, nos seguintes termos:�Todos nós temos certeza que o mundoseria melhor se as coisas simples fossemresolvidas de forma simples. Parece aocidadão comum que o servidor público éum �ser� dotado da misteriosa propriedadede tornar difícil o que seria fácil, de criardificuldades ao invés de resolver problemas;um carimbo, uma assinatura, adquiresurpreendentemente o dom de se transfor-mar em uma epopéia interminável�.

O servidor público brasileiro possui,portanto, uma imagem estereotipada, comforte apelo negativo, que vem ocasionandoperda de prestígio social e gerando baixaestima e conseqüente adoecimento.

Essa imagem é reforçada por umaconcepção existente na sociedade atual deque cada indivíduo pode e deve serresponsável pela sua saúde, já que é umproduto adquirível ao alcance de todos. Otrabalho de Nogueira (2001) critica ahigiomania � obsessão pela saúde ouadoração pelo corpo � e considera queexiste, na sociedade contemporânea, um

movimento autonomista de saúde quevende a idéia de saúde como bem alcan-çável, desde que o indivíduo adote certoshábitos, siga normas corretas de estilo devida e evite riscos advertidos. Essa impo-sição da sociedade de consumo, valeressaltar, limita a compreensão sobre asdiferenças entre os indivíduos, dado quenão reconhece o adoecer como condiçãoinerente ao ser humano.

As doenças, particularmente aquelasdesencadeadas ou agravadas pelo traba-lho, são comumente tidas como contro-láveis pelo próprio trabalhador. É comose a doença fosse, de alguma forma,voluntária e reveladora de indivíduopassivo, que tem de se desculpar pelo seuadoecer. Esse tipo de culpabilizaçãoestende-se ao acidentado quando se dá aanálise do acidente de trabalho pelo

“Setores responsáveispelas áreas de perícia,assistência médica,saúde e segurança(promoção à saúde)no setor público, emgeral, são separadosadministrativamente,o que dificulta aelaboração de políticasde saúde do servidormais amplas”.

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método do ato inseguro e da prevençãosustentada por equipamentos individuais.São por esses motivos que o trabalhador,em sua maioria, não quer falar do seuadoecer e cria mecanismos defensivospara mascarar e ocultar o seu sofrimento.Como afirma Dejours (1988), existe �Areticência maciça em falar da doença edo sofrimento. Quando se está doente,tenta-se esconder o fato dos outros, mastambém da família e dos vizinhos�.Aquele que reconhece a sua limitaçãopode ser considerado um fraco e tornar-se um incômodo, particularmente noserviço público.

A compreensão de que os traba-lhadores podem ter domínio e controledo seu corpo e, principalmente, da menteé comum no mundo do trabalho. Insti-tuições como as policiais, que apresentamproblemas organizacionais complexos epersistentes, reagem de forma defensiva erepressora por ocasião do aparecimentodo adoecer. A pesquisa realizada entre ospoliciais civis do Rio de Janeiro (ASSIS,2003) revela aspectos da dinâmica deprodução do sofrimento mental relacio-nado ao trabalho hierarquizado.

A organização de serviços desaúde do servidor público

Comparativamente, o serviço públicoinveste mais no �controle individual� doabsenteísmo que nas ações coletivas desaúde, que aparecem como experiênciasisoladas, produzindo pouco impacto epadecendo da descontinuidade adminis-trativa, que caracteriza boa parte daspolíticas públicas. Os setores responsáveispelas áreas de perícia, assistência médica,saúde e segurança (promoção à saúde) nosetor público, em geral, são separadosadministrativamente, o que dificulta a

elaboração de políticas de saúde doservidor mais amplas.

A administração pública vive constan-temente a questão de onde localizar a árearesponsável pela perícia médica, pelaassistência e por ações de prevenção dedoenças e promoção à saúde do servidor,se no quadro da saúde ou no da gestão depessoas, razão pela qual é constante a movi-mentação da estrutura entre as secretariasde saúde e as de administração/gestão. NoEstado de São Paulo, por exemplo, oDepartamento de Perícias Médicas doestado é vinculado à Secretaria de Estadoda Saúde e, no município, o Departamentode Saúde do Servidor é da estrutura daSecretaria Municipal de Gestão, mas aassistência médica é prestada por umaautarquia hospitalar vinculada à SecretariaMunicipal de Saúde.

Vincular as ações de saúde do servidorpúblico, atividades tipicamente de gestãode pessoas, à área responsável pela assis-tência de saúde da população em geral temocasionado dificuldades suplementares e,constantemente, conflitos sobre compe-tências e uso de recursos financeiros doSistema Único de Saúde (SUS) na assis-tência ao servidor, situação problematizadapor Gehring-Jr e outros (2003). Vincularadministrativamente as ações de saúde dotrabalhador às secretarias de Saúde poderepresentar, portanto, apenas um repassede atribuições e uma incompreensão sobrea questão.

As questões relativas à saúde doservidor dizem respeito, fundamental-mente, à gestão de pessoas e devemincorporar práticas e concepções de saúdepública, principalmente de saúde do traba-lhador, seja na resposta institucional aoatendimento médico, seja na melhoria dosambientes de trabalho, seja na avaliaçãopericial para a capacidade laboral. Localizar

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essa área na gestão dos recursos humanospossibilita contato institucional mais amplocom o conjunto das unidades da esferaadministrativa, assim como o aporte derecursos específicos.

O distanciamento entre a área de gestãode pessoas e a de saúde do servidorobstaculiza a intervenção sobre o processosaúde-trabalho-adoecer. A perícia médica,como atividade isolada, não possui instru-mentos e recursos para intervir no ambientee nas relações de trabalho, de forma quepossa alterar o perfil de morbimortalidadeentre os trabalhadores públicos. A períciamédica tem uma indicação ética de preservaro distanciamento entre perito e periciadopara a necessária isenção técnica nomomento da avaliação, ou seja, ao avaliadorda capacidade laborativa não cabe a inter-venção no processo saúde-doença.

As questões de saúde do trabalhadorestão além das questões médicas, segundonos aponta Assunção (2003):

�As relações saúde e trabalho não sãoanalisadas baseando-se exclusivamentenos registros médicos, ou no perfil deadoecimento, ou nas taxas de absen-teísmo originadas pelas estatísticasoficiais. Embora os indicadores dêemuma idéia do problema, há o risco detornar tema médico uma questão socialque deriva das condições de trabalho, enão das características estritamentebiológicas dos indivíduos�.

Ações de saúde do trabalhador:uma realidade ainda distante noserviço público

Consideram-se ações de saúde dotrabalhador: medidas de prevenção dedoenças e promoção à saúde que visem àmelhoria da qualidade de vida e trabalho,

incluindo questões relacionadas ao ambientee à organização do trabalho; direito àinformação sobre os riscos e à participaçãodos trabalhadores nas ações de vigilânciaaos ambientes; assistência à saúde do traba-lhador; identificação e notificação dosacidentes e das doenças relacionadas como trabalho; formação e capacitação emsaúde do trabalhador e políticas deinformação para a construção do perfilepidemiológico de morbimortalidade dostrabalhadores.

Na área de saúde do trabalhador,como bem conceitua Dias (1994), parte-se da premissa de que �os trabalhadoresadoecem e morrem de uma formaigual, compartilhada com o conjunto dapopulação, e diferente, em decorrência desua inserção em processos de trabalhoparticulares no processo produtivo�. Talsituação exige, portanto, abordagemparticularizada para o serviço público, queé o que afirmam Gehring-Jr e outros(2003): �O espaço público precisa serreconhecido como um ambiente detrabalho que requer intervenções típicasem saúde�.

No serviço público, o acesso às infor-mações constitui a primeira grande dificul-dade para o desenvolvimento de ações desaúde do trabalhador, visto que não existemdados consolidados sobre a saúde dostrabalhadores públicos. As estatísticas oficiaisbrasileiras dos acidentes e das doençasrelacionadas ao trabalho fornecidas pelaPrevidência Social, e consideradas comelevada subnotificação (CARMO et al., 1995),excluem todos os funcionários públicosestatutários civis e militares vinculados àUnião, aos estados e aos municípios.

A inexistência de sistema nacional queconsolide informações sobre a saúde dotrabalhador público inviabiliza conhecer operfil epidemiológico dessa categoria, que

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congrega milhões de trabalhadores, fatoque dificulta a elaboração de projetos depromoção humana de maior alcance. Adificuldade, entretanto, não se prendeexclusivamente à falta de informações. Ofato de haver um vácuo de responsa-bilização legal pelo não-cumprimento dalegislação de saúde e segurança do trabalhofavorece um contínuo postergar nocumprimento de legislações trabalhistaspara os servidores estatutários, como arealização de exames periódicos.

A legislação atual de saúde do traba-lhador, seja ela do Ministério do Trabalhoe Emprego, da Previdência Social ou daSaúde, particularmente a da vigilânciasanitária, não faz diferença de direitos entreo trabalhador regido pela Consolidação dasLeis Trabalhistas (CLT) e o servidorestatutário, ao mesmo tempo que atribuipoder de fiscalização sobre as unidadespúblicas. Entretanto existe evidentedescompasso entre as iniciativas no setorprivado e as no setor público. O que oEstado exige em termos de saúde esegurança do trabalho não se cumpre emrelação aos servidores estatutários.

Os programas de Controle Médico eSaúde Ocupacional (PCMSO) e dePrevenção de Riscos Ambientais(PPRA) e os Serviços Especializados emEngenharia de Segurança (SESMT),criticados pelas suas limitações por váriosespecialistas da área (GEHRING-JR et al.,2003), ainda são uma realidade distante doserviço público e os órgãos de fiscalização,na prática, sentem dificuldade para obrigar as unidades públicas ao cumpri-mento da legislação ou para autuá-las peloseu descumprimento.

A descontinuidade de políticas públi-cas, o desconhecimento da legislação e apouca participação dos trabalhadoresconstituem outras dificuldades para a

implementação de ações de saúde dotrabalhador no serviço público.

Há de se ressaltar que as característicasentre os trabalhadores do serviço públicosão bastante distintas. Sobre isso nosalertam Durand e Beltrão (1994): �[...]compõe-se de integrantes de muitasocupações e profissões (regulamentadasou não), dos mais diversos níveis sociaisde educação e renda, mas que tem emcomum o fato de ter (pelo menos) umvínculo de trabalho (temporário oupermanente) com algum órgão dogoverno�. Esse vínculo, entretanto, não ésuficiente para o estabelecimento de umaidentidade ou de um sentimento de classe.

O sindicalismo que representa ascategorias do serviço público é relativa-mente recente na história brasileira, possuiuma base bem diversificada e disputadaentre um grande número de associações esindicatos. França, em seu livro publicadoem 1993, estimava que, nessa época, haviacerca de 400 organizações e com poucatradição de atuação na defesa da saúde doservidor. No setor público, o Estado(governo) é o próprio patrão, que tambémpossui pouca experiência em negociar comos servidores, resultando, por vezes, emrelações diretas e dificultosas.

A falta de reconhecimento do trabalhoaparece como uma das principais queixasdos trabalhadores públicos, sentimentocaptado por Tavares (2003) na sua pesquisafeita com servidores do Judiciário:

�A partir da análise das entrevistas,identifica-se que o não-reconhecimentopelo trabalho compõe-se da idéiasegundo a qual o desempenho profis-sional do servidor não é consideradoinstitucionalmente de forma suficiente,seja por não haver a prática cotidianado retorno da avaliação da qualidade

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do trabalho, seja pelo fato de a quali-dade do trabalho desenvolvido não sersistematicamente levada em conta parapromoções ou acréscimos salariais, emum plano de carreira. Tal aspecto é vistocomo algo que repercute no bem-estardas pessoas na medida em que frustra,em vários graus, o desenvolvimento depotencialidades profissionais individuaise as expectativas em longo prazo e quenão proporciona à pessoa a vivência deser valorizado por aquilo que faz�.

O pouco reconhecimento do trabalhodo servidor público, tanto por parte dousuário quanto pelo gestor, gera umasensação de desvalorização com sinais esintomas de falência. O mau funcio-namento da máquina estatal é sempreacompanhado do adoecimento dos seusoperadores, sujeitos a diversos e contra-ditórios comandos.

Responsabilizar os servidores pelasmazelas do serviço público e, ao mesmotempo, identificá-los como detentores deprivilégios é parte da estratégia construídapara fazer a máquina pública desacreditada,a fim de melhor viabilizá-la como adminis-tradora de serviços e garantidora da�liberdade do mercado� ou, melhordizendo, dos ganhos do capital.

Assistência médica ao traba-lhador público: uma questãoem aberto

Pouco se conhece sobre os agravosrelacionados ao trabalho que acometem ostrabalhadores públicos brasileiros, pois asestatísticas são consolidadas em cadainstituição. Dados de morbidade dosservidores do Município de São Paulo,consolidados pela Divisão de Epide-miologia do Departamento de Saúde do

Trabalhador (SÃO PAULO (Município).Boletim Epidemiológico, 2004a; 2004b; 2004c;2005), apontam os transtornos mentais eas doenças do sistema osteomuscularcomo os grandes problemas de licençasmédicas e readaptações funcionais. Notocante à aposentadoria por invalidez (SÃO

PAULO (Município). Boletim Epidemiológico,2004c), as principais causas são os distúr-bios mentais seguidos pelas neoplasias,com grande predominância para oscânceres de mama.

A inexistência de um sistema integradoentre as informações disponíveis nosdiversos municípios e estados impossibilitatraçar um perfil de morbidade do servidorpúblico brasileiro. A subnotificação dosacidentes e, principalmente, de doençasrelacionadas ao trabalho é ainda maior.Pode-se afirmar que não se conhece de queadoecem e morrem os trabalhadorespúblicos brasileiros.

A assistência médica ao servidoraparece como um problema a mais para aadministração, seja porque não dispõe denenhum recurso, seja porque tem deadministrar os poucos recursos disponíveis.

Vários órgãos públicos, ao longo dosanos, buscaram alternativas próprias pararesponder a essa demanda. Dados de 2002,colhidos pela Secretaria Municipal de GestãoPública nas capitais brasileiras, revelaramgrande diversidade de formas de respon-der aos problemas médico-assistenciais dosservidores na administração pública brasi-leira, com modelos que expressam, porvezes, concepções antagônicas.

As cidades de João Pessoa, Natal,Maceió e Aracaju informaram que nãopossuíam nenhum tipo de assistênciaprópria e que os servidores utilizavam-sedo Sistema Único de Saúde (SUS) ou, poriniciativa própria, de plano privado desaúde. A Prefeitura de Salvador confirmou

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possuir um plano de assistência médicacoberto integralmente pela administração,Florianópolis informou ter convênio comempresa privada e a Prefeitura de SãoPaulo possui hospital próprio. Os des-contos em folha realizados pelas prefeiturasque adotaram esse sistema variam de 2%a 3% sobre a remuneração, alguns dosquais são compulsórios, como em SãoPaulo, outros são por adesão, como emPorto Alegre. Não há, portanto ummodelo único.

A obrigatoriedade legal da assistênciamédica e o crescimento de servidoresregidos pela CLT têm obrigado osgestores a buscar alternativas para suprir ademanda de assistência e cumprir a legis-lação de saúde e segurança no trabalho. Isso,muitas vezes, estruturando serviços compouca eficácia, apenas para dar umaresposta legal.

O SUS considera que estabelecerqualquer diferenciação para atender aosservidores públicos contraria os seusprincípios. Cabe destacar que o SUSorientou, por meio de suas conferências,o fim dos hospitais de corporações.É fato que poucos seguiram essa orien-tação, porém alguns hospitais, como o doServidor Público de São Paulo, abriramsuas portas para atendimento à população� nesse caso, o pronto socorro. Entre-tanto, o SUS não se propõe a realizarqualquer atividade para os servidores, nemapoio aos hospitais dos servidores, nemexames periódicos. Ressalta-se que osservidores são os executores do atendi-mento à população.

A assistência médica constitui, com apromoção à saúde, os pilares de umapolítica de atenção à saúde do trabalhador.Em termos de promoção existe umagrande dívida da coisa pública para comos servidores, o que também ocorre com

a área assistencial. A administração públicacarece de avaliação dos diversos modelosde assistência existentes no serviço públicobrasileiro, que possibilite a proposição deprojetos para os diversos níveis daFederação e questione o envolvimento doSUS, de modo que se racionalizem oscustos e melhore a eficácia do atendimentoao servidor, que é um cidadão a serviçoda coisa pública.

Perícia médica: um olhar sobrea capacidade laboral

A administração pública, comoprivilegia a lógica do controle burocrá-tico da assiduidade, requisita muito a inter-venção da unidade de perícia médica para�resolver o problema� da ausência aotrabalho. A perícia médica, em geral, éuma atividade pouco compreendida, nãoincorporada às políticas de RH e temregulamentação baseada na exceção paraprever situações muito particulares e comprocedimentos que se tornam cumpri-mento de regras.

A perícia de avaliação da capacidadelaboral realizada nas instâncias do serviçopúblico é uma necessidade estritamenteadministrativa, obrigatória e de cunhoinvestigatório. Nesse tipo de perícia, cabeao perito a tarefa de examinar o periciadopara o estabelecimento de nexo entre umalimitação e a capacidade para o trabalho,em situação, por vezes, complexa e geral-mente limitada a uma única avaliação.

Na maioria dos órgãos públicos,existem juntas médicas ou serviçosexclusivos que funcionam em separado daárea assistencial e de promoção à saúde.Avaliam-se os impedimentos, as incapaci-dades e não existe olhar para as habilidadesou possibilidades. As opções restringem-se ao apto ou inapto, ao capaz ou incapaz,

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inválido ou não. A gama de situaçõesintermediárias possíveis que aparecem nomomento da avaliação da capacidade parao trabalho encontra dificuldades legais ouoperacionais para a sua implementação,como mudar de função ou de local detrabalho, restringir atividades, requalificarou colocar o servidor em atividade maiscondizente com a habilidade e não com alimitação.

A perícia médica, embora seja um atomédico, não pode ser considerada comoação de saúde. Esta consiste em inter-venção no processo saúde-doença, sejacomo assistência individual, para curar,reparar ou amenizar um sofrimento,incluindo os exames, o uso de medica-mentos e equipamentos e de todos os tiposde terapia ou reabilitação, seja comoprevenção coletiva de danos, incluindoatividades de educação e comunicação.

Na atividade pericial, não há o aspectofundamental da ação: a intervenção. Omédico, na função de perito, não aplica oseu saber para alterar a relação saúde-doençae auferir uma solução ao problema de saúde.Os seus conhecimentos estão a serviço deoutros interesses, como o de assegurar oexercício de um direito, de esclarecer algumaquestão legal ou de defender o interessepúblico (Estado).

Embora na perícia não exista a escolhado médico, o periciado cria a expectativade certo envolvimento. Como diz Lacaz(1997), �Todo aquele que procura omédico, busca também amparo e prote-ção�. É difícil para o doente, mesmo nacondição de periciado, compreender queo perito é um médico que não faz ação desaúde, que lhe vai examinar, porém semproximidade.

A relação perito-periciado é, em suaessência, de natureza conflituosa, porquehá direitos, deveres e interesses nem

sempre convergentes, situação que favo-rece certa frieza na relação, que, por vezes,torna-se desagregada, desconfiada eafetivamente alterada por uma imagementre o tirano e o simulador, num tipo desituação em que o periciado não entende afunção do perito e este não reconhece odireito do periciado.

Os serviços de perícia médica emque o conflito é a regra criam rotinasestafantes e estruturam espaços físicos com

barreiras. Cada caso de simulador desco-berto confirma generalizações e visõesparciais, que consolidam a concepção doservidor burlador. A administração, poroutro lado, espera da perícia certo controlesobre o corpo do trabalhador, de formaa não dificultar o funcionamento da orga-nização pela ausência ao trabalho.

Avaliar a capacidade para o trabalho éuma atividade complexa que, com

“A administraçãopública, comoprivilegia a lógicado controle burocráticoda assiduidade,requisita muito aintervenção daunidade de períciamédica para ‘resolvero problema’ daausência ao trabalho”

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freqüência, gera dúvidas e requer do peritohabilidades para abordagem particulari-zada, que relacione indivíduo, patologia eseu trabalho. O que separa um bom examepericial de um enquadramento adminis-trativo é quando o primeiro está funda-mentado numa interpretação ponderadada anamnese (história clínica), num exameclínico criterioso, em conhecimentostécnicos atualizados de clínica médica e deepidemiologia, para entender o perfil doadoecer na categoria do periciado, emparâmetros ou protocolos técnicos e eminformações, que preservem princípioséticos, do médico assistencialista, de espe-cialistas médicos, de outros profissionaisda área da saúde e do gerente. É esseconjunto que deve ajudar a formar oparecer do perito, pois o fato de o traba-lhador apresentar limitação ou doença nãoconstitui caso de incapacidade ou invalidez,assim como o bem-estar não significaausência de doença.

A análise pericial tem de estar focadano estado geral de cada indivíduo, paraentender a repercussão da patologia noseu processo singular. Forattini (1996)conceitua de forma clara a relação parti-cular do ser humano e o seu adoecer, aodizer que

�[...] o desenvolvimento da perso-nalidade torna cada indivíduo único ou,se for preferido dizer, uma tentativanão repetida da biosfera. A noção deestado normal encontra-se claramentesujeita a características próprias doorganismo e que são essencialmentevariáveis. Dentro dessa gama devariações é que está incluída a norma-lidade, tanto física como fisiológica�.

A essas, pode-se acrescentar a norma-lidade psicológica, contemplando, assim,

um espectro ainda maior de problemaspara a avaliação pericial.

A perícia médica configura, de fato,uma relação diferenciada na saúde, atémesmo o sigilo médico constitui umaexceção quando se trata de perícia (Códigode Ética Médica, art. 102, e Código Penal,art. 19, inciso III). O perito, por dever deofício, responde à administração públicarevelando informações, porém não devesujeitar-se a demandas administrativas quese contraponham a seu parecer, até porqueo perito deve satisfação ao preceito jurídicoda autotutela, ou seja, o perito é umservidor com autoridade constituída parachamar a si a responsabilidade de corrigiro ato sob sua alçada.

A desobrigação do sigilo, entretanto,não significa permissão para fazer divulga-ção. O perito deve revelar à administraçãosomente dados estritamente necessários paragarantir o exercício de um direito dotrabalhador ou a defesa da coisa pública. Oprincípio é de que o perito age em defesada coisa pública e não contra o periciado.

Os peritos devem agir com isenção ecom base em parâmetros técnicos. Aparametrização da perícia médica, pormeio de protocolos técnicos, oferece aosperitos padrões científicos mais objetivosno momento da avaliação individual,diminuindo a influência dos aspectossubjetivos e pessoais no exame pericial,que comprometem a qualidade da ativi-dade. O exame médico fundamentadoem protocolos possibilita o uso pelosperitos dos mesmos critérios para todosos periciados, respondendo, assim, aoprincípio da eqüidade e oferecendotambém amparo técnico e legal para adefesa da decisão pericial.

Cabe destacar que os protocolostécnicos não constituem um código deposturas rígidas e devem fomentar um

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debate técnico permanente que contempleas atualizações e os avanços da medicina.Ao mesmo tempo, a publicidade dosparâmetros técnicos, com acesso igual atodos os interessados, proporcionatransparência saudável à atividade pericial,visto que o conhecimento prévio dosprocedimentos a que o periciado serásubmetido e dos critérios periciais utiliza-dos pelos médicos diminui conflitosatinentes ao resultado da perícia.

A gestão da atividade pericial devevalorizar aspectos relacionados aos parâ-metros técnicos, à humanização e às polí-ticas de informação, à capacitação doservidor público e à promoção à saúde, enão se deve confundir com a interferênciaburocrática que aparenta resultadosimediatos, porém causa problemas, comoreadaptações funcionais, incapacidadesprecoces e aumento do custo com aassistência.

A questão da promoção à saúdedo trabalhador público

Realizar ações de promoção à saúde,de forma contínua e sistemática, constituigrande desafio para o serviço público, queincorporou a questão da perícia médicacomo obrigação e da assistência médicacomo necessidade, porém não entende,não sabe como fazer ou não prioriza a pre-venção de doenças, reduzindo a inter-venção a mecanismos de controle aoabsenteísmo.

A promoção à saúde é definida pelaOrganização Mundial de Saúde como �[...]o processo de capacitação da comunidadepara atuar na melhoria de sua qualidadede vida e saúde, incluindo uma maiorparticipação no controle deste processo[...]. [...] para atingir um estado de completobem-estar físico, mental e social, os

indivíduos e grupos devem identificaraspirações, satisfazer necessidades emodificar favoravelmente o meio ambi-ente� (CARTA DE OTTAWA, 1986).

A promoção à saúde do trabalhadorconstitui-se de ações que visam a sensibilizaros trabalhadores para a adoção de práticassaudáveis, individuais e coletivas noambiente de trabalho. Inclui a busca ativade doenças1, a adoção de medidaspreventivas e a capacitação para quetrabalhadores possam atuar na melhoria dasua qualidade de vida e na do trabalho. Apromoção à saúde compreende organizarinformações, promover a formação e criarmecanismos de comunicação, pensando naintervenção.

Atuar em promoção à saúde dotrabalhador requer sair do foco da doençapara o da saúde, significa construir açõesque interfiram no ambiente e na organi-zação de trabalho. Importante ressaltar quepromoção à saúde não é um conjunto dereceitas que devem ser observadas pelotrabalhador. Ela exige envolvimento eresponsabilização de diversos atores:a administração, o gestor local, ocorpo técnico, os trabalhadores e seusrepresentantes.

Na área pública, a construção depolíticas demanda uma relação possível enecessária entre as áreas de perícia,assistência e promoção à saúde. Asinformações produzidas na atividadepericial e na assistência constituem instru-mentos privilegiados para o entendimentodo perfil de morbimortalidade dos traba-lhadores e para o desenvolvimento deações de promoção à saúde. Os bancosde dados periciais e assistenciais podemfornecer informações importantes sobreas patologias mais comuns, por categoria,ou seja, quem adoece e de que se adoece(GASPARINI et al., 2005). Por outro lado, a

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relação entre perícia e promoção à saúdepossibilita dar à atividade pericial umcaráter de movimento, de intervençãosobre o processo de adoecimento, tirando,assim, a perícia de lugar passivo, situação,muitas vezes, angustiante para o perito.

A existência de informações é aprimeira condição para a realização de açõesde promoção à saúde que possam intervirsobre o adoecer com eficácia. Identificartrabalhadores que necessitam de medidasde apoio e os locais de trabalho que precisamde mudanças ambientais e organizacionaise estabelecer programas para restituir,melhorar ou manter a capacidade para otrabalho constituem o objetivo da promo-ção à saúde do trabalhador.

Consideram-se, neste trabalho, comoações de promoção à saúde do trabalhador:a inspeção, os levantamentos e as avaliaçõesambientais; a implantação e o apoio àsComissões Internas de Prevenção deAcidentes (Cipa); a realização de examesperiódicos; as políticas de formação ecapacitação em saúde e segurança notrabalho; as ações de educação e prevençãoaos acidentes de trabalho; a criação deinstrumentos regulares de comunicação,como revistas, boletins, informativos comtemas relacionados à saúde e segurança notrabalho; as políticas de requalificaçãoprofissional para o servidor readaptado; ascampanhas ou os programas de prevençãoàs doenças ocupacionais de maior preva-lência, como as lesões por esforçosrepetitivos, os distúrbios da voz, as perdasauditivas induzidas por ruído; e a construçãode serviços e políticas de prevenção dosdistúrbios mentais e comportamentais.

Planejar e realizar ações de promoção àsaúde requer a participação dos atoresenvolvidos. O gestor local, embora tenharesponsabilidades legais pelo encami-nhamento das questões relacionadas às

condições do ambiente de trabalho, tem, namaioria dos casos, pouca autonomia pararesolver questões básicas de segurança,entretanto nas questões relativas à organizaçãodo trabalho ampliam-se as possibilidades.

O gestor que acompanha de perto otrabalho do servidor a ele subordinadoconsegue propor medidas negociadas demudanças no ambiente de trabalho e,principalmente, na organização do traba-lho diário, que valorizem o fazer de cadaum, aglutinem-se em torno de projetos eestabeleçam vínculos que reforcemcompromissos. Em contrapartida, ostrabalhadores reduzidos a operadores deprocedimentos simplificados incompatíveiscom os seus desejos e potencialidades esubmetidos a processos de trabalho quenão possibilitam vínculos ou que menos-prezam a importância do trabalho humano,sem espaço de participação, estão maissujeitos ao adoecimento. �Regras e ordenssem envolvimento não funcionam nem noexército�, como disse Christophe Dejoursno Seminário Internacional �O trabalho noséculo XXI�, realizado na Escola Politéc-nica/USP, em novembro de 2004.

A experiência da Prefeitura deSão Paulo2

A experiência na área de saúde doservidor apresentada a seguir foi imple-mentada na Prefeitura do Município de SãoPaulo, no período de janeiro de 2001 adezembro de 2004, e integrou um conjuntode inovações de gestão implementadas pelaSecretaria Municipal de Gestão Pública(SGP). Destacam-se dentre as iniciativas daSGP: a criação do Sistema de NegociaçãoPermanente (SINP); a construção da Escolade Formação do Servidor; a implantaçãode um Plano de Cargos, Carreiras e Salários,criando cargos largos; a descentralização da

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gestão de pessoas; o estabelecimento denovo sistema de avaliação de desempenho;e a realização de um censo que atingiu100.006 servidores.

Cabe ressaltar que a Prefeitura doMunicípio de São Paulo (PMSP) possui132.909 servidores ativos (SÃO PAULO

(Município). Boletim Epidemiológico, 2005),distribuídos por diversas funções,dispersos nos mais diferentes locais eexpostos a inúmeros riscos à saúde. Realiza,por ano, cerca de 83 mil exames paralicenças médicas e mais de 600 juntas deaposentadoria por invalidez. No períodode 2001 a 2004, realizou 43.200 examesadmissionais (SÃO PAULO (Município).Balanço 2001-2004).

A criação, no primeiro semestre de2001, do Departamento de Saúde doTrabalhador Municipal (Desat), oriundo daunificação do Departamento Médico, decunho basicamente pericial, com a Divisãode Engenharia e Segurança, que tinha comodemanda principal a concessão de adicio-nais de insalubridade, constituiu-se naprimeira iniciativa de integrar ações depromoção à perícia médica. Criou-se, aolado da Divisão de Perícias Médicas, umaDivisão de Promoção à Saúde e umade Epidemiologia e Informação.

A inauguração de unidades descen-tralizadas do Desat, em conjunto com oHospital do Servidor Público Municipal(HSPM), funcionando com atendimentoem clínica médica, ginecologia, pediatriae odontologia, ampliou a relação paraalém da perícia e da promoção à saúde,incluindo, assim, a área de assistênciamédica.

O projeto de mudanças contou como apoio de consultorias, de técnicas deplanejamento estratégico e de um portaleletrônico para acompanhamento dosprojetos.

Os quatro projetos que nortearam oDesat, no período de 2001 a 2004, foram:

1) Humanização, agilização e transpa-rência dos procedimentos;

2) Descentralização de atividadese serviços;

3) Implementação de ações de promo-ção à saúde do servidor municipal;

4) Formação e capacitação em saúdedo trabalhador.

HumanizaçãoA humanização do atendimento em

saúde na rede pública é sempre um desafioe, tratando-se de perícia médica, adquiredimensões maiores. A implantação desseprojeto requereu mudanças em práticasconsolidadas, o estabelecimento de novasrotinas, a movimentação de peritos, aimplementação de novas tecnologias e depolíticas de informação e comunicação, aconstituição de fóruns de decisão e,principalmente, a capacitação dos recursoshumanos do departamento.

Destacam-se as seguintes medidas:• Agendamento telefônico das perícias, que

eliminou deslocamentos desnecessários ea falta ao trabalho motivada por procedi-mentos administrativos.

• Serviço de Atendimento ao Usuário(SAU), que possibilitou o fornecimento deinformações seguras e rápidas dos proce-dimentos a serem observados pelasunidades de RH e pelos servidores.

• Acolhimento do ingressante, realizado emgrupo por equipe multiprofissional,fornecendo informações sobre examesmédicos de ingresso e atividades realizadaspelo Desat. Foram acolhidos 28.557ingressantes até dezembro de 2004.

• Melhoria das condições de trabalho, realizadapela instalação de unidades novas e refor-madas, com móveis novos e consultóriossegundo os padrões das normas sanitárias

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(pia, piso lavável e metragem parametrizada).A mudança da sede central, local de difícilacesso, para o centro da cidade constituiuum marco do novo departamento.

TransparênciaUma das principais queixas da admi-

nistração e dos servidores em relação aoantigo Departamento Médico referia-se afalta de transparência, expressa no desco-nhecimento quanto aos critérios utilizadosno momento da avaliação pericial, na faltade uniformidade da atividade técnica, nodesconhecimento de procedimentosinternos e na dificuldade de acesso àsinformações periciais.

As medidas tomadas foram:

Protocolos médicos de ingresso, licenças médicase aposentadoria por invalidez

Os protocolos foram construídos coma contribuição de diversos especialistas emdiversas áreas e foram consultadosdocumentos técnicos atualizados e normasde outros países, o que se somou àexperiência adquirida pelos peritos aolongo de vários anos no DepartamentoMédico pericial.

Foram publicados, no Diário Oficial doMunicípio (Protocolo Técnico..., 2002, 2003,2004), os parâmetros utilizados na avaliaçãoda perícia médica, explicitando quais os prin-cipais critérios de inaptidão nos examesadmissionais, nas concessões de licençasmédicas e nas aposentadorias por invalidez.

A inexistência de parâmetros técnicosfavorecia interpretações baseadas na expe-riência de cada médico perito, dificultandotratamento equânime e gerando insegu-rança e desconfiança. A elaboração dosprotocolos vem possibilitando a uniformi-zação de procedimentos ao se estabele-cerem critérios mais objetivos e técnicosna avaliação da capacidade laborativa.

Cabe ressaltar que a existência deprotocolos não é garantia de uniformizaçãode procedimentos. A implementação dosprotocolos no dia-a-dia é um processo querequer constante sensibilização dos peritos,para que, sem ferir a autonomia, sejamrespeitados os critérios coletivizados, assimcomo seja realizada uma constanteatualização.

Apoio de outros profissionais na avaliaçãomédico-pericial

As informações fornecidas por outrosprofissionais não médicos ajudaram aqualificar a perícia do Desat, com destaquepara a avaliação fonoaudiológica nosdistúrbios da voz dos educadores, a indi-cação do Centro de Orientação e ApoioProfissional (Coap), nos casos de readap-tação funcional, e as sugestões do Grupode Orientação Terapêutica em SaúdeMental, nos casos que envolvem distúrbiosmentais e comportamentais.

Manual de orientações em saúde dotrabalhador municipal

A publicação na internet desse manualcom informações sobre serviços, legislaçãoe procedimentos do Desat favoreceu avisibilidade dessas informações e agilizaçãodos serviços.

Divisão de epidemiologia e informaçãoA criação desse setor possibilitou a

edição de boletins epidemiológicos e aorganização de bancos de dados maisconfiáveis, resultando na melhoria daqualidade da informação fornecida para aadministração, para as unidades de recursoshumanos, para os sindicatos e para osservidores.. Destaca-se a criação do bancode dados da aposentadoria por invalideze o de promoção à saúde, além daqualificação do banco da readaptaçãofuncional.

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Agilização

Redução do tempo de tramitação dos proces-sos de aposentadoria e de readaptação funcional

Com o foco no resultado, em contra-posição ao foco no processo, diversasmedidas organizacionais foram tomadasno intuito de agilizar a realização de juntasmédicas. No período de janeiro de 2001 ajaneiro de 2004, a tramitação dos processosde aposentadoria reduziu-se de 120 diaspara 47 dias e os de readaptação, de 90para 47 dias (SÃO PAULO (Município).Balanço 2001-2004).

Mudanças na legislaçãoNo período de 2001 a 2004, na

Prefeitura do Município de São Paulo, ocor-reu profunda revisão e atualização da legis-lação pericial, que era baseada principalmentena exceção e na influência administrativa nasjuntas médicas. Dessa legislação, destacam-se os decretos de licença médica, ingresso einsalubridade (SÃO PAULO (Município).Decretos... 2001, 2002, 2003, 2004) e as leisde instituição da Cipa (Comissão Interna dePrevenção de Acidentes) e de aposentadoriapor invalidez (SÃO PAULO (Município) Lei...2001, 2002b), além de diversas portarias.

Revisão de processos de trabalho e de fluxosFoi feita ampla movimentação de

pessoal objetivando a introdução das novasdiretrizes e a instalação de novos serviços.Saíram do departamento 203 funcionáriose entraram 128 funcionários, principalmentede outras categorias da área da saúde paracontrabalançar o poder médico. O depar-tamento, que tinha, em janeiro de 2001, umtotal de 349 funcionários, passou a ter, emdezembro de 2004, 274 funcionários �redução de 22% (SÃO PAULO (Município).Balanço 2001-2004).

O Desat realizou também uma revisãonos fluxos de papéis e informações, que

resultou em racionalização de procedi-mentos, eliminação de retrabalhos edesativação dos serviços ociosos (RX,laboratório, EEG), com repasse dosaparelhos para a Secretaria Municipal deSaúde.

InformatizaçãoFoi instalada, nos diversos setores

do departamento, a rede eletrônica daprefeitura associada à aquisição de

equipamentos; a relação de um compu-tador para cada 16 servidores passou aser de 1 para cada 3 (SÃO PAULO (Muni-cípio). Balanço 2001-2004).

Melhoria no relacionamento com os usuáriosRealização de cursos na área de aten-

dimento ao público, eliminação de barreirasfísicas (balcões e guichês), ampliação dohorário de atendimento e melhoria da

“O acesso àsinformações constituia primeira grandedificuldade no serviçopúblico para odesenvolvimento deações de saúde dotrabalhador, visto quenão existem dadosconsolidados sobre asaúde dos trabalhadorespúblicos”.

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qualidade da informação e da orientaçãoprestada aos usuários foram algumas dasmedidas tomadas.

A redução de chefias intermediárias ea constituição de assessorias (jurídica, deRH e de projetos) favoreceram a aproxi-mação dos usuários com o nível decisórioe facilitou a negociação de conflitos. Aomesmo tempo implantaram-se medidas deapuração e punição de fraudes; anulou-selegalmente, por exemplo, o ingresso deservidores porque foi constatada omissãoou falseamento de informação médica.

Relação com outros órgãosAdotou-se uma política de aproxi-

mação com as unidades de RH, com osgestores locais e com as entidadessindicais, favorecendo a troca de infor-mações e a redução de conflitos. Várioseventos, como oficinas e reuniões, foramrealizados.

Descentralização de atividades eserviços

O projeto de descentralização do Desatintegrou o projeto de descentralização daSecretaria de Gestão Pública e da prefei-tura, que culminou com a criação de 31subprefeituras. O departamento ofereceuaos gestores a opção de gerenciarem aslicenças médicas de curta duração (Decretono 42.756/02, alterado posteriormente, emjulho de 2005) e repassou a concessão dosadicionais de insalubridade e periculosidade,ficando para o departamento o caráter deinstância recursal e normatizadora.

Foi instalado um posto do Desat noHospital do Servidor Público Municipal(HSPM) para regularizar prontamente asituação funcional dos usuários dessehospital. Foram criadas três unidadespróprias nas regiões sul (Santo Amaro),leste (São Miguel Paulista) e norte (Santana),

todas integradas com HSPM, responsávelpela assistência médica.

Implementação de ações de promo-ção à saúde do servidor municipal

Realizar ações de promoção à saúde doservidor na rede municipal constituiu-se nomaior desafio do Desat, principalmente pelofato de a rede pública não possuir umacultura de saúde do trabalhador.

Dentre as ações desenvolvidas na áreade promoção à saúde, destacam-se: acriação do Centro de Orientação e ApoioProfissional (Coap), os projetos deintervenção nos ambientes de trabalho, acampanha de sensibilização vocal �A vozé meu instrumento�, destinada aos pro-fessores, a criação do Grupo de Orienta-ção Terapêutica em Saúde Mental (GOT),a realização de exames periódicos, asanálises dos acidentes graves e fatais, asações de formação e capacitação em saúdedo trabalhador e a assessoria às Cipas.

Centro de Orientação e Apoio ProfissionalO Centro de Orientação e Apoio

Profissional (Coap) foi criado para atenderprincipalmente aos readaptados porproblemas de saúde, que somavam, naPrefeitura do Município de São Paulo, 5.993servidores (SÃO PAULO (Município). BoletimEpidemiológico, 2005). As ações dirigiram-seprincipalmente aos portadores de distúrbiososteomusculares, transtornos mentais edistúrbios relacionados à voz, que se encon-travam subaproveitados e estigmatizados.O Coap foi constituído com uma equipetécnica multidisciplinar para prestar apoiotambém às unidades locais, aos recursoshumanos e à perícia médica do Desat.

O Coap foi estruturado para orientare apoiar servidores por meio de aten-dimento individual e grupal. Organizaram-se grupos de acolhimento, de orientação

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inicial, de orientação vocal e postural como objetivo de esclarecer o processo dereadaptação, acompanhar o retorno doservidor para sua unidade, propiciar a trocade experiências, orientá-los quanto aoscuidados para a manutenção da saúde vocale cuidados posturais nas atividades da vidadiária e no trabalho. Os casos de saúdemental foram encaminhados para o GOT.

Ao Coap coube orientar e apoiar asunidades de recursos humanos e osgerentes, fornecendo informações sobreo processo de readaptação, formandointerlocutores e visitando os locais detrabalho para assessorar na avaliação daatividade laboral e da adequação da rela-ção trabalho�incapacidade.

Ao Coap coube orientar e apoiartambém a perícia médica, oferecendoinformações sobre o relacionamento dosservidores na unidade de trabalho efornecendo subsídios para a avaliação e arevisão dos laudos médicos, visando aadequações.

Destaca-se que o Coap criou umarede de 163 interlocutores, distribuídospelas 31 subprefeituras existentes à épocade sua criação e, no período, realizou3.787 atendimentos (SÃO PAULO (Municí-pio). Balanço 2001-2004).

Projetos de intervenção nos ambientes detrabalho

Os projetos foram elaborados com osobjetivos de:

• conhecer os ambientes e as situaçõesde trabalho e identificar os riscos à saúde;

• avaliar a saúde e propor medidas deprevenção individuais e coletivas;

• implantar as Comissões Internas dePrevenção de Acidentes;

• sensibilizar gerentes e trabalhadorespara a prevenção de acidentes e doençasrelacionados com o trabalho.

A metodologia baseou-se em: levan-tamento epidemiológico e bibliográfico,reuniões com trabalhadores e gerentes,visitas aos locais de trabalho, análise dasatividades desenvolvidas e dos riscos(quantitativa e qualitativa), realização deexames médicos periódicos, aplicação dequestionários, palestras e sensibilização paraa Cipa, elaboração de um relatório finalpara os gerentes e representantes dosservidores e uma devolutiva, por meio dereunião, para os trabalhadores.

Os projetos foram desenvolvidos emdiversos locais da prefeitura, priorizando-se os processos de trabalho com maioresriscos à saúde dos trabalhadores e aquelesque, por demanda espontânea, solicitaramintervenção do Desat. Destaca-se a reali-zação dos projetos envolvendo traba-lhadores da Usina de Asfalto, da GuardaCivil Metropolitana, da Educação, doServiço de Atendimento Médico deUrgência (Samu), do Centro de Zoonosese de várias subprefeituras, atingindo umtotal de 6.468 servidores.

Os relatórios3 (SÃO PAULO (Município).Relatórios...) revelaram diversas situações derisco e apontaram sugestões. Na usina deasfalto, por exemplo, 43% dos examesaudiométricos estavam alterados. NoSamu, entre os 715 trabalhadores querealizaram exames periódicos, foramencontradas 370 alterações de saúde, comdestaque para 139 alterações auditivas, oque redundou na emissão de 62 Comuni-cações de Acidentes de Trabalho (CAT),principalmente nos motoristas e auxiliaresde enfermagem que trabalhavam nasambulâncias.

O projeto da Guarda Civil Metropo-litana (GCM) atingiu 1.381 servidores em10 unidades, de um total de 5.722servidores. A categoria da GCM é a commaior índice de acidente de trabalho da

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prefeitura (SÃO PAULO (Município). BoletimEpidemiológico, 2004a). O relatório final e osdados epidemiológicos sinalizaram agravosimportantes à saúde física e mental. Esserelatório apresentou propostas de curto,médio e longo prazo, com destaque para:o revezamento nos locais mais penosos, aprogramação de atividades físicas e de lazer,o apoio psicológico nos casos pós-traumáticos, a necessidade de apoio insti-tucional e jurídico aos guardas e familiares,a revisão do trabalho hierarquizado, entreoutras. Cabe destacar que foi criada naGCM uma Divisão de Saúde, com equipemultiprofissional, para desenvolver açõesno campo da saúde mental e da readap-tação funcional. Realizou-se a compra deequipamentos de proteção individual, dearmas e de viaturas equipadas, medidasessas sugeridas no relatório final.

Campanha de prevençãoA campanha �A voz é meu instru-

mento� foi dirigida aos educadores da redemunicipal de ensino, numa parceria doDesat, da Sociedade Brasileira de Fono-audiologia e do Conselho Regional deFonoaudiologia/SP. Contou com aparticipação de 52 fonoaudiólogas e osdados registraram o envolvimento de 17subprefeituras, 51 pólos de educação, 282encontros, 5.045 participações de edu-cadores e 6.723 questionários de pesquisarespondidos (MANZONI; SOUZA 2004).

A campanha, realizada em 2003 e 2004,teve como estratégia a formação de gruposde educadores em três encontros de 90minutos cada. Realizada de forma regiona-lizada, teve como conteúdo temas relacio-nados à saúde vocal (produção vocal,cuidados com a voz e exercícios) e à saúde dotrabalhador (fatores de risco e prevenção).

O material educativo produzido ajudouna promoção de discussões sobre os

ambientes e as condições de trabalho nasescolas. Os resultados avaliados pelosquestionários foram publicados e reve-laram, segundo Manzoni e Souza (2004),que �A campanha foi avaliada com satis-fação e despertou um forte sentimento devalorização profissional entre os mesmos[...] 67% tem ou já tiveram alteração nasua voz�. Nesse sentido, Souza e outros(2004) ilustram: �os professores relatammaior conscientização quanto ao signifi-cado e importância da voz em suas vidas,especialmente na profissão�.

Constatou-se, de modo geral, que esseseducadores tinham pouca informação sobreas questões relativas à saúde do trabalhadore muitas queixas sobre as condições detrabalho e a saúde vocal. Segundo Manzonie Souza (2004), �70% nunca recebeu orien-tação sobre cuidados com a voz�.

Grupo de Orientação Terapêutica em SaúdeMental

Os distúrbios mentais e comporta-mentais vêm-se constituindo como umdos principais problemas de saúde dotrabalhador (SILVA, 2000). Na Prefeiturade São Paulo, excetuando-se as licençasmédicas por motivos cirúrgicos, osdistúrbios mentais constituem a principalcausa de afastamento do trabalho (SÃO

PAULO (Município). Boletim Epidemiológico,2004a).

A criação do Grupo de OrientaçãoTerapêutica em Saúde Mental (GOT) foiuma iniciativa no sentido de intervir noprocesso de agravamento dos transtornosmentais e na prevenção dos transtornospós-traumáticos. Com base em uma escutaqualificada, realizada por uma equipemultiprofissional, buscou-se sensibilizar oservidor para a importância de ele se tornarsujeito do seu tratamento, apropriando-sedos recursos disponíveis para a recuperação

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de sua saúde, o que possibilitou a recon-figuração de sua relação com o trabalho.

O GOT foi criado para atenderprioritariamente os servidores sem assis-tência terapêutica, os que estavam emprimeira licença por problemas psiquiá-tricos, os que foram vítimas de algum tipode violência, como assalto, estupro, assédioou presenciaram atos de violência e desen-volveram algum tipo de distúrbio pós-trauma. Foi estruturado o atendimentoindividual e em grupo, sem assistênciamedicamentosa. As visitas aos locais detrabalho e aos serviços de assistênciapsiquiátrica integraram o conjunto deatividades. O grupo contou com umasupervisão clínica na tentativa de aprimoraro atendimento e reduzir o sofrimento daequipe técnica.

O GOT realizou, no período, 1.670atendimentos (SÃO PAULO (Município).Balanço 2001-2004). A observação dostécnicos do GOT e do Coap é que osservidores que tiveram o apoio do grupopossuíam mais recursos para retorno maisrápido às suas funções.

Exames médicos periódicosO Desat, no período de 2001 a 2004,

realizou ou supervisionou 11.138 examesperiódicos (SÃO PAULO (Município). Balanço2001-2004). A avaliação foi baseada emprotocolos previamente elaborados, deacordo com as funções exercidas e os riscosaos quais estão expostas as populaçõesestudadas. Constaram dos exames avalia-ção clínica, exames de acuidade visual,audiometria (nos casos expostos ao ruído),vacinação e outros exames laboratoriais,variando conforme a categoria examinadaou a critério médico.

Todos os casos sugestivos de acidentede trabalho e/ou doença profissionalforam orientados para a abertura de

Comunicação de Acidente de Trabalho(CAT) e avaliados pelo referido setor doDesat. Os pacientes que apresentaramalterações por ocasião da avaliação foramencaminhados para tratamento no HSPM,em hospitais do SUS ou de convênios, etc.Nos casos de inaptidão do servidor, foramconcedidos a licença médica, o agenda-mento para readaptação funcional ou aaposentadoria, conforme o caso.

Ao final da avaliação, foi emitido oAtestado de Saúde Ocupacional (ASO) efornecida a análise dos dados obtidospara a implantação de programas depromoção, de acordo com o perfilepidemiológico encontrado.

A realização de exames periódicosajudou a identificar, precocemente,inúmeras alterações de saúde e confirmoua importância dessa atividade de prevenção,porém o número de servidores atingidosainda é muito baixo e não respeita aperiodicidade necessária.

Investigação dos acidentes graves e fataisCom o objetivo de atuar na prevenção

dos acidentes de trabalho, o Desat montouum grupo multiprofissional para atenderos casos de acidentes graves e fatais. Ogrupo atendeu aos chamados fazendovisita aos locais onde haviam ocorrido osacidentes e, através do método deinvestigação da árvore de causas, montourelatórios identificando fatores relacionadosaos acidentes e indicando medidas deprevenção a novos acidentes.

Formação e capacitação em saúdedo trabalhador

Concretizou-se um grande investi-mento na área de formação e capacitaçãoem saúde do trabalhador, tanto para ostrabalhadores da prefeitura em geral quantopara os servidores do próprio Desat.

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A capacitação e o aprimoramentotécnico foi um pilar na estratégia do Desat.Criou-se uma equipe multiprofissionalresponsável para elaborar ações emeducação e uma assessoria de recursoshumanos, porém estabeleceu-se que aformação é uma responsabilidade de todosos setores do departamento.

Dentre as diversas ações de formaçãorealizadas no período de 2001 a 2004,destacam-se a capacitação de 1.027�cipeiros�, de 41 turmas do Curso deFormação de Cipa, e a organização de trêsSeminários de Saúde do TrabalhadorMunicipal (Sesat), com palestrantes de váriosestados brasileiros e a participação de 1.282participantes. A capacitação foi propor-cionada por meio de seminários, cursos,oficinas e ciclos de palestras e atingiu 5.984trabalhadores (SÃO PAULO (Município).Balanço 2001-2004).

Somam-se a essas iniciativas asoficinas de readaptação funcional e demetodologia em saúde do trabalhador, osciclos de palestras sobre qualidadede vida, os cursos do Programa dePreparação para a Aposentadoria (PPA) eos Encontros de Cipas.

A programação de palestras, semi-nários e oficinas exclusivamente para osservidores do Desat, assim como a gestãocompartilhada por meio de um conselhoe de um colegiado fizeram parte das inicia-tivas de criação de identidade conceitual eenvolvimento dos servidores nos projetospor eles executados. Estimulou-se otrabalho em equipe como estratégia paraa divisão de responsabilidades.

O investimento maciço em infor-mática, com a montagem de sala de aulaequipada com computadores, no própriodepartamento, com cursos ministradospela Prodam, empresa responsável pelagestão de serviços de informática na

prefeitura e que atingiu 442 participações,ajudou na modernização do departamentocontra o modelo normativo e serviu comoestratégia para a integração entre osdiferentes níveis funcionais.

Os servidores do Desat foramconstantemente estimulados e liberadospara participar das atividades de forma-ção, além de convidados a integrar oplanejamento das ações cotidianas, desen-volvendo-se, assim, um processo de edu-cação permanente com temas técnicos econceituais em saúde do trabalhador.

Desat � uma observação, umaanálise

As ações implementadas no Desat daPrefeitura do Município de São Paulo, noperíodo de 2001 a 2004, foram de caráterestrutural e constituíram outro paradigma.O departamento deixou de ser um órgãopericial com foco na seleção e controle,para se tornar um órgão pericial comparâmetros técnicos, realizador de açõesde promoção à saúde e gerenciador deinformações epidemiológicas dos fatorescausadores de adoecimento. Um órgãomodernizado e com relações com outrosórgãos da prefeitura, principalmente comas unidades de Recursos Humanos e como Hospital do Servidor Público Municipal,responsável pela assistência médica.

Dados coletados no Serviço de Aten-dimento ao Usuário (SAU), na caixa desugestões e na pesquisa de opinião realizadaem 2003 revelaram que houve sensívelmelhora nas relações interpessoais entrefuncionários e usuários, especialmente entremédicos e usuários, apesar da naturezaessencialmente conflituosa da perícia médica(SÃO PAULO (Município). Balanço 2001-2004).

A descentralização facilitou o acessodos servidores, agilizou a concessão dedireitos e possibilitou a atuação sobre

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ambientes e condições de trabalho, aomesmo tempo que ajudou no redesenhodo papel do nível central.

As ações de prevenção e promoção àsaúde foram importantes no diagnósticoda situação de trabalho de diversos locaise de algumas categorias, assim como nasensibilização e no envolvimento deservidores. Privilegiou-se uma intervençãoparticipativa, estimulou-se um olhar paraa proteção coletiva e investiu-se emações educativas e em parcerias com asunidades de recursos humanos, com oHSPM e com os Centros de Referênciaem Saúde do Trabalhador.

As ações de promoção à saúde tiverambom conteúdo, entretanto abrangeram umnúmero insuficiente de servidores, com-parando-se com o número total da prefei-tura. A morosidade administrativa e aincompreensão de alguns gestores consti-tuíram outros fatores limitantes à imple-mentação de mudanças na organização dotrabalho e implantação de medidascoletivas de proteção à saúde dos ser-vidores. Evidenciou-se que promover asaúde no serviço público requer amplaparceria entre gestores e servidores, que,no caso da Prefeitura do Município de SãoPaulo, são o Departamento de Saúde, assubprefeituras, as secretarias, os gestores,os servidores e os sindicatos.

As iniciativas implementadas pelo Coapna área de readaptação funcional foramimportantes e ajudaram servidores, períciae gestores. Ficou o desafio da implantaçãode um projeto de requalificação profissionale a alteração na legislação para regularizar oexercício de outras atividades por servidorescom limitações de saúde.

As principais questões que merecemtratamento mais adiante referem-se aomodelo de assistência médica, aindacentrada no HSPM e à implantação depolítica de atenção à saúde do trabalhador,

consubstanciada em um projeto comatribuições definidas entre o Desat, osgestores, os servidores e suas representações.

Por fim, cabe ressaltar que as mudançasnão ocorreram sem reações de parte dosfuncionários do departamento, em especialde alguns setores da perícia, e de algunsgestores em diversos níveis. O envolvimentodo corpo gerencial e de boa parte dosservidores do Desat com o projeto, o esta-belecimento de regras negociadas e o apoioda administração da Secretaria de GestãoPública foram decisivos para as realizaçõesprevistas no projeto e a sua conseqüenteexeqüibilidade.

O Desat mudou de nome e de direçãono primeiro semestre de 2005 e chama-seatualmente Departamento de Saúde doServidor (DSS). Várias iniciativas permane-ceram como: o Centro de Orientação eApoio Profissional, o Grupo de OrientaçãoTerapêutica em Saúde Mental, as unidadesdescentralizadas, alguns projetos depromoção à saúde, os protocolos técnicospericiais, a campanha �A voz é meu instru-mento�, entre outras, o que pode geraroutros impactos em médio prazo.

Cabe ressaltar que a mudança registradana legislação de licença médica de curtaduração, em julho de 2005, voltando acentralizar no departamento todo equalquer tipo de licença, possibilita umretrocesso ao controle burocrático,desqualifica a atividade pericial médica,reforça preconceitos, retira do gestor apossibilidade de intervir na ausência aotrabalho e produz efeitos mediatos nareadaptação funcional e nos afastamentosprolongados.

Considerações finais

A saúde e o adoecer são resultantesde um complexo processo de fatoresindividuais (genética, hábitos e estilos de

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vida) e coletivos (família, sociedade etrabalho), assim como do acesso aosserviços e recursos tecnológicos de saúde.No âmbito do trabalho, os aspectos rela-cionados às políticas de gestão (ritmo,intensidade, jornada, valorização, estilogerencial, entre outros) estão-se tornandomais determinantes para a saúde que ascondições físicas ambientais em que atarefa se desenvolve.

Na sociedade atual, a vida do homemestá cada vez mais presa, pelo corpo e,principalmente, pela mente, ao trabalho,com sensações que variam da satisfaçãoao ódio, do vício ao desprezo. O sentidodo trabalho para cada trabalhador estárelacionado a aspectos da subjetividade,não é, portanto, um valor inerente a cadafunção, é uma construção que acaba porconferir um significado simbólico. O fatode o trabalho ser público ou privado,criativo ou alienado, de ter umagestão participativa ou autoritária podeinfluenciar no adoecimento.

Sobre a relação do homem com seutrabalho, Carneiro (2000) afirma:

�O que possibilita uma relaçãocomplementar do homem com o seutrabalho é o fato de este poder ter umsentido individual e social, que trans-cenda a produção do objeto em si ouo seu valor de uso ou de troca. Énecessário, portanto, que o trabalhoatenda às necessidades subjetivas doindivíduo e responda aos princípioséticos do coletivo�.

Patologias como as lesões por esforçosrepetitivos, as alterações da voz, os distúr-bios mentais e comportamentais, asdisfunções gástricas e cardiovasculares emesmo os cânceres relacionam-se cada vezmais a fatores organizacionais. Os efeitos

da organização do trabalho sobre a saúdedo trabalhador no mundo globalizadoainda estão por ser devidamente pesqui-sados. Sobre isso alerta-nos Assunção(2003): �A organização do trabalho, aoatingir o indivíduo, modifica a sua maneirade enfrentar os riscos e traz efeitos sobre asaúde ainda não perfeitamente conhecidosou dimensionados�.

Numa sociedade em que as pessoasnão podem adoecer e os servidores sãotidos como favorecidos, a ausência aotrabalho, mesmo por motivo de doença,assume uma conotação de privilégio. Maso grande incômodo com a doença é que,na verdade, ela é reveladora da limitaçãoe da finitude humana e, portanto, deveser negada para que a instituição apareçacomo saudável, saneada, bem adminis-trada e com baixo índice de ausência aotrabalho.

A gestão de equipamentos públicosrequer qualidades no trato com o outro,exige capacidade para negociação perma-nente e uma disposição constante paramudanças. A apropriação pelo gestor dotema saúde do trabalhador pode-se tornarimportante estratégia, pois possibilita umaintervenção qualificada no absenteísmo, namotivação e no envolvimento dos traba-lhadores com o seu fazer e na diminuiçãodos impactos do adoecer na vida doservidor e da instituição.

O trabalho em que o trabalhador sereconhece como criador ou como parteintegrante produz menos adoecimento. Asinstituições rígidas, com processos criativosreprimidos e baseados na obediência, sãofreqüentemente geradoras de sofrimentosdecorrentes de exigências maiores que osinstrumentos pessoais de adaptação edefesa. Espaços coletivos de participação,comunicação e escuta entre chefias, entrechefias e funcionários e entre o serviço e

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seus usuários possibilitam a formação devínculos que geramresponsabilização apartir de significados.

Gerenciar ações de saúde do traba-lhador público pode constituir-se em apoiopara a política de recursos humanos, aopropiciar uma aproximação entre gestor e

servidores que possibilite um melhorconhecimento dos principais riscos à saúde,uma discussão sobre as prioridades deinvestimentos e a implementação de açõesde promoção à saúde.

(Artigo recebido em dezembro de 2005. Versãofinal em março de 2006)

Notas

1 A busca ativa de doenças requer a investigação de sinais e sintomas precoces, assim como,diagnosticar doença em seu estágio inicial para fins de prevenção de agravamentos ou reparação.

2 A maior parte das informações consta do Balanço 2001-2004 do Desat. Os dados colhidos nosboletins epidemiológicos do Desat, as pesquisas diretas nos bancos periciais e no Cubo Fopag (folhade pagamento) e as informações do Serviço de Atendimento ao Usuário (SAU) completaram asinformações.

3 O projeto específico resultou num relatório elaborado pela equipe da Divisão de Promoção,mimeografado, que foi entregue ao gestor e aos trabalhadores.

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Resumo � Resumen � Abstract

Saúde do trabalhador público: questão para a gestão de pessoas � a experiência naPrefeitura de São PauloSérgio Antonio Martins CarneiroO artigo trata de questões da saúde do servidor público nos aspectos relacionados à perícia médica,

à assistência e à promoção da saúde. Discute-se a saúde do servidor como um problema da área degestão de pessoas e fazem-se considerações sobre o papel e a gestão da perícia médica realizada nosórgãos públicos, responsável por avaliar nexo entre patologia e capacidade laboral para fins de admis-são, licença médica, aposentadoria por invalidez, readaptação funcional, acidente e doenças relacionadasao trabalho. Ressalta-se a importância da relação entre os serviços de perícia, a assistência médica e apromoção à saúde. Apresenta-se, por fim, a experiência de saúde do trabalhador público realizada naPrefeitura do Município de São Paulo, que trabalhou com os projetos de humanização, agilização etransparência da atividade pericial, de descentralização de atividades e processos, de formação e capacitaçãoem saúde do trabalhador e de implementação de atividades de promoção à saúde.

Palavras-chave: saúde do servidor público, promoção à saúde, perícia médica, gestão pública.

Salud del trabajador público: una cuestión para la gerencia de la gente � la experienciade la Prefectura de São PauloSérgio Antonio Martins CarneiroEl artículo trata de la salud del servidor público brasileño en los aspectos relacionados con la

pericia médica, la asistencia y promoción de la salud. La salud del servidor se discute como problemade la área de gestión de personas. Son hechas consideraciones sobre el rol y la gerencia de la periciamédica desarrollada en los órganos públicos, responsable por evaluar el nexo entre la patología y lacapacidad laboral para uso en la admisión, licencia médica, el retiro por invalidez, el reajuste funcional,el accidente y las enfermedades relacionadas con el trabajo. Se destaca, además, la importancia de larelación entre los servicios de pericia, de ayuda médica y de promoción a la salud. Por último, sepresenta la experiencia de la salud del trabajador público que se ha realizado en la ciudad de São Paulo� Brasil, que ha trabajado con proyectos de humanización, de agilizacióny transparencia de laactividad pericial, de descentralización de actividades y de procesos, de formación y calificación en lasalud del trabajador y de implementación de las actividades de la promoción a la salud.

Palabras-clave: salud del trabajador público, promoción a la salud, pericia médica, gestiónpública.

Public workers health: an issue for the personnel management � the experience of themunicipality of São PauloSérgio Antonio Martins Carneiro

The present article deals with Brazilian public workers� health focusing the aspects related tomedical evaluation, medical assistance and health promotion. Public workers� health is discussed asa problem related to the Personnel Management area. It analyzes the role played by the medicalevaluation departments of public institutions , since they are in charge of evaluating the nexusbetween disease and labor capacity for the purposes of admission, days-off due to illness, retirementdue to illness and work related accidents and diseases. It then highlights the importance of theinteraction among the medical evaluation service, the medical assistance and the health promotion.

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It also presents the public workers� health experience in the municipality of São Paulo, which carriedout projects to enhance humanization, swiftness and transparency of the medical evaluation activities,to decentralize functions and processes, to build capacity in public workers� health issues, as well toimplement health promotion activities.

Keywords: public workers� health, health promotion, medical evaluation, public management.

Sérgio Antonio Martins CarneiroMédico Sanitarista e do Trabalho. Mestre em Saúde Pública pela USP. Foi diretor do Departamento de Saúde doTrabalhador da Prefeitura de São Paulo.Contato: <[email protected]>/<sergio_ carneiro@ ibest.com.br>