SP_EM_FILOSOF_AP1_09.pdf

30
Prof.: Índice-controle de Estudo Unidade I Introdução à Filosofia Aula 1 O que é Filosofia? Aula 2 Mito e Filosofia Aula 3 Sócrates e o nascimento da Filosofia Unidade II Teoria do Conhecimento Aula 4 Platão e o mundo das Idéias Aula 5 Aristóteles e o mundo sensível Aula 6 As ciências Filosofia Código: 82707118

Transcript of SP_EM_FILOSOF_AP1_09.pdf

  • Prof.:

    ndice-controle de Estudo

    Unidade I Introduo Filosofia

    Aula 1 O que Filosofia?

    Aula 2 Mito e Filosofia

    Aula 3 Scrates e o nascimento da Filosofia

    Unidade II Teoria do Conhecimento

    Aula 4 Plato e o mundo das Idias

    Aula 5 Aristteles e o mundo sensvel

    Aula 6 As cincias

    Filosofia

    Cd

    igo:

    827

    0711

    8

  • angloSISTEMA DE ENSINO

    CONSELHO EDITORIALGuilherme Faiguenboim

    Nicolau Marmo

    COORDENAO EDITORIALAssaf Faiguenboim

    EDIOMaria Ilda Trigo

    ASSISTNCIA EDITORIALCreonice de Jesus S. Figueiredo

    Ktia A. Rugel VazMaria A. Augusta de Barros

    Paula P. O. C. KusznirSilene Neres Teixeira Paes

    ARTE E EDITORAOGrfica e Editora Anglo Ltda.

    IMPRESSO E ACABAMENTOGrfica e Editora Anglo Ltda.

    Cdigo: 827031182008

    Grfica e Editora Anglo Ltda.

    MATRIZ

    Rua Gibraltar, 368 - Santo Amaro

    CEP 04755-000 - So Paulo - SP

    (0XX11) 3273-6000

    www.cursoanglo.com.br

  • Unidade I

    INTRODUO FILOSOFIA

  • ensino mdio 1- srie 4 sistema anglo de ensino

    O que Filosofia?

    Para pensar

    Observe a imagem:

    Meret Oppenheim. Object. 1936. Xcara, pires e colher forrados com pele.

    primeira vista, muito fcil definir o que Filosofia, basta lembrar das origens gregas do termo:philos (amigo) + sophia (sabedoria). Porm, bem mais difcil tentar explicar para que ela serve. De fato,a Filosofia no visa a resultados prticos ou imediatos. Ao contrrio, ela abre espao justamente paraperguntas como: por que todas as coisas devem ter uma finalidade prtica?

    Aula 1

    Muitos artistas do sculo XX deslocaram objetoscotidianos de seu contexto habitual, colocando-osem outros, muitas vezes inusitados. Com isso, con-seguiram, entre outras coisas, chamar a atenopara o fato de que existem outras realidades alm daaparente e de que nem tudo deve ser observado so-mente em termos de sua utilidade prtica.

    A Filosofia um tipo de conhecimento que sejustifica por si mesmo. Por isso, no se deve cobrardela uma aplicao imediata. Faz parte de nossa cul-tura pensar no conhecimento como um instrumen-to para a realizao de coisas materiais. Porm, essaidia nem sempre acompanhou o homem, ela foifruto, principalmente, das mudanas decorrentes daRevoluo Industrial, que transformou o conheci-mento em tcnica, por sua vez utilizada na produode objetos em larga escala. Esse processo de talforma afetou nossa vida e mudou nossos hbitos,que passamos a considerar a utilidade prtica comonica funo do conhecimento.

    A Filosofia no despreza a realidade concreta,mas tambm no se limita a ela: constitui-se embusca constante por explicaes e tem no seu ho-rizonte o desafio de levar o indivduo ao conheci-mento de si mesmo.

    Criando problemas

    Os homens comearam a filosofar movidos peloespanto. Essa frase, do filsofo grego Aristteles(384 322 a.C.), resume bem o sentido da Filosofia:ancorada em nossa capacidade de problematizar,ela ajuda-nos a enfrentar questes fundamentaispara as quais normalmente no encontramos res-postas em nosso cotidiano. Isso inclui o questiona-mento sobre si mesmo. Scrates (470 399 a.C.),pensador grego, considerado por muitos uma esp-cie de pai da Filosofia, tinha como um de seusprincpios a mxima: Conhece-te a ti mesmo.

    Para atestarmos a complexidade dessa tarefa,imaginemos o seguinte: quando voc acorda pela

  • ensino mdio 1- srie 5 sistema anglo de ensino

    manh, uma de suas primeiras experincias olhar-se ao espelho. E, durante o dia, muitas vezes voc usaa expresso eu. Quando algum pergunta quem voc?, voc diz seu nome. Ao mesmo tempo,identifica seu nome com aquela imagem do espelho qual est acostumado. Mas o que apenas um nomee uma imagem dizem sobre voc? Certamente, exis-tem muitos outros atributos (virtudes e defeitos).Ser que voc sabe exatamente quais so? Voc al-guma vez j se surpreendeu quando algum disseque voc era uma coisa que voc nunca imaginouque fosse? Em outras palavras: quanto de vocmesmo voc conhece?

    E mesmo quando algum diz que voc in-teligente ou bonito, ou quando algum diz so-mos amigos, o que isso significa realmente? O que inteligncia, beleza? O que amizade? O sentidodessas palavras sempre o mesmo ou muda de pes-soa para pessoa ou mesmo ao longo do tempo?

    A Filosofia no oferece respostas prontas paraesse tipo de questo, ou seja: no um conjuntopronto e acabado de conhecimentos que se apren-de. Ela uma forma de encarar o mundo, uma buscae um questionamento permanentes.

    Conceito, reflexo e crtica

    O conceito a base do pensamento filosfico.Criamos conceitos para nos referirmos mais preci-samente a objetos, idias ou sentimentos. Para isso, necessrio que cada coisa seja designada naquiloque lhe fundamental. Em outras palavras, concei-tos so abstraes, modelos abstratos que podemser usados sempre que tentarmos identificar ou en-tender os diversos aspectos da realidade (e de nsmesmos). Pode-se dizer que a Filosofia essencial-mente a atividade de criar conceitos.

    Outra caracterstica do pensamento filosfico que ele depende de um procedimento ou mtodobaseado na reflexo, que deve ser entendida comoalgo mais do que um simples pensamento. Conhe-cemos a palavra reflexo do nosso vocabulrio deuso cotidiano ou do vocabulrio da Fsica. Simpli-ficando um pouco, o reflexo a imagem que o es-pelho nos devolve. Em Filosofia, reflexo significaum pensamento que tem a capacidade de voltar-secontra si mesmo. Isso quer dizer que a Filosofiaprocura sempre questionar aquilo que j foi pen-sado. Dessa forma, no se prende a dogmas (ouseja, a idias indiscutveis).

    Mas, ao mesmo tempo em que rejeita o dogma-tismo (a crena inegvel num sistema), o pensamen-to filosfico quase sempre rejeita o ceticismo (nosentido da impossibilidade de se chegar a alguma

    certeza). Por isso se diz que a reflexo filosfica crtica. Na linguagem cotidiana, costumamos ligara palavra crtica ao ato de falar mal ou ver defei-tos: esse no o sentido filosfico. Fazer a crticasignifica examinar minuciosamente e, sobretudo,com critrio e rigor, sem extremismos e consideran-do a diversidade de opinies. Se algum diz Nogostei daquele filme, estar simplesmente emitindouma opinio, criticando (no sentido vulgar da pa-lavra). Mas, se disser No gostei daquele filme por-que o roteiro no original e os atores foram poucoconvincentes, estar fazendo um exame mais mi-nucioso, a partir de critrios mais precisos. Estar,portanto, sendo rigoroso e crtico.

    1. Para responder pergunta que segue, con-sidere a afirmao do filsofo francs MerleauPonty (1908 1961):

    A verdadeira filosofia reaprender a ver o mundo.Em sua opinio, como a Arte e a Filosofia con-seguem nos fazer repensar nossa maneira dever e entender o mundo, as pessoas e a nsmesmos?

    Resposta livre. O aluno deve observar uma pro-

    ximidade entre Filosofia e Arte como formas de

    multiplicar as leituras do mundo e, nesse contexto, pro-

    porcionar uma nova postura do indivduo diante da reali-

    dade (apontando para o conhecimento de si mesmo).

    2. Diga qual a explicao histrica para o fatode buscarmos uma utilidade prtica para tudoe aponte as conseqncias desse tipo de postura.

    O desenvolvimento da Revoluo Industrial e a utilizao

    em larga escala do conhecimento enquanto tcnica

    voltada para a produo de bens materiais que satis-

    fazem este ou aquele desejo material. Como conse-

    qncia, esvazia-se a importncia de um conhecimento

    desinteressado (isto , desvinculado do utilitarismo

    mais imediato) ou voltado para o conhecimento de si.

    3. Pensamento e discurso so, pois, a mesma coisa,salvo que ao dilogo interior e silencioso da almaconsigo mesma que chamamos de pensamento.

    (Plato, Sofista.)

    exerccios

  • ensino mdio 1- srie 6 sistema anglo de ensino

    Como sugere Plato, o pensamento um tipode discurso com caractersticas muito particu-lares. Com base no texto da aula, diga quaisso as principais especificidades do pensa-mento filosfico.

    O aluno deve dizer que a Filosofia se funda na capaci-

    dade humana de problematizar, bem como apontar os

    aspectos citados no item conceito, reflexo e crtica.

    4. Defina brevemente, com suas palavras, ceticis-mo e dogmatismo e procure ilustrar, com exem-plos da realidade concreta, os perigos de umapostura extremada.

    Devem-se privilegiar as palavras utilizadas pelos alunos

    e, quanto aos exemplos, o ceticismo em relao polti-

    ca algo bastante comum no Brasil de hoje. Quanto aos

    dogmas, os exemplos dependem da maturidade da

    turma. No entanto, dogmas da religio catlica costu-

    mam ser do conhecimento de todos.

    Tarefa Mnima

    O filsofo grego Scrates foi acusado de cor-romper a juventude ateniense, e seu julgamento foidescrito pelo discpulo Plato, no texto Apologia deScrates. No fragmento abaixo, Scrates, apssaber de sua condenao, dirige-se aos juzes, rejei-tando a pena alternativa de expulso da cidade epropondo o pagamento de uma multa irrisria. Semalternativa, os juzes confirmaram a sentena demorte.

    SCRATES: Algum de vs talvez pudesse contestar-me: Em silncio e quieto, Scrates, no poderias viveraps ter sado de Atenas? Isso seria simplesmente im-possvel. Porque se vos dissesse que significaria desobe-decer ao deus e que, por conseguinte, no seria possvelque eu vivesse em silncio, no acreditareis e pensareisque estivesse sendo sarcstico. Se vos dissesse que esse o maior bem para o homem, meditar todos os diassobre a virtude e acerca de outros assuntos que me ou-viste discutindo e examinando a mim mesmo e aos outros,e que uma vida no-examinada no digna de ser vivi-da, se vos dissesse isso, acreditar-me-iam menos ainda.Contudo, isto que vos digo, atenienses, porm dif-cil convencer-vos. Por outro lado, no estou habituado

    a considerar-me merecedor de mal algum. Se possussedinheiro, poderia ter-me aplicado uma multa que con-seguisse pagar, porque, assim, no teria me infligido malalgum. Mas no possuo dinheiro e no posso fazer isso,exceto se desejeis multar-me de uma quantia que eutenha possibilidade de pagar. Poderei pagar-vos apenasuma mina de prata, portanto multo-me em uma minade prata.

    (Plato, Apologia de Scrates.)

    De acordo com Scrates, qual a finalidade daFilosofia? Indique o trecho da fala de Scrates quejustifica sua resposta.

    A finalidade da Filosofia obter o conhecimento de si

    mesmo atravs da reflexo continuada, sem a qual impos-

    svel levar uma vida virtuosa: Uma vida no-examinada no

    digna de ser vivida.

    Tarefa ComplementarLeia o trecho do texto O Inutenslio, do poeta

    Paulo Leminski, e responda: por que o autor afirmaque as coisas inteis so a prpria finalidade davida?

    O indispensvel in-tilAs pessoas sem imaginao esto sempre querendo

    que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. Oservio militar. Dar lucro. No enxergam que a arte (apoesia arte) a nica chance que o homem tem devivenciar a experincia de um mundo da liberdade, almda necessidade. As utopias, afinal de contas, so, sobre-tudo, obras de arte. E obras de arte so rebeldias.

    A rebeldia um bem absoluto. Sua manifestao nalinguagem chamamos poesia, inestimvel inutenslio.

    As vrias prosas do cotidiano e do(s) sistema(s) ten-tam domar a megera.

    Mas ela sempre volta a incomodar.Com o radical incmodo de uma coisa in-til num

    mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um porqu.

    Pra que por qu? (Paulo Leminski, Anseios Cripticos, 1986.)

    Para o autor, a inutilidade das coisas nos garante a liber-

    dade: uma espcie de rebeldia contra um sistema que nos

    amarra pela criao de necessidades que no conseguimos

    nunca satisfazer.

  • ensino mdio 1- srie 7 sistema anglo de ensino

    A Grcia e a Filosofia

    A civilizao grega foi talvez a primeira, na An-tiguidade, a agrupar um conjunto de caractersti-cas muito peculiares, que se relacionam ao surgi-mento da Filosofia. Em primeiro lugar, o desen-volvimento da navegao no mar Mediterrneo.Vivendo em uma terra pobre e em contato com omar, os gregos se dedicaram a viagens martimas,voltadas para o comrcio e possibilitando amplodeslocamento da populao. Nessas viagens, osgregos jamais encontraram os deuses e as cria-turas fabulosas que existiam nas lendas e mitos,tanto as suas quanto as de outros povos. Pelo con-trrio, foram percebendo que a Natureza sempresegue as mesmas regras, no importando o localonde estivessem.

    Foi tambm o comrcio com locais distantes epovos diversos que estimulou o emprego damoeda e a disseminao da escrita. Ao substituira troca entre mercadorias, a moeda ajuda a desen-volver o raciocnio abstrato, para a elaborao declculos de valor. A escrita fontica, em que cadaletra representa um som, faz com que as palavraspercam seu carter mgico de representao deum objeto ou uma idia (palavra = coisa) e passema ser apenas o seu signo (palavra = signo), dessa-cralizando o uso da escrita e estimulando o ra-ciocnio.

    A riqueza trazida pelo comrcio e a utilizaoem larga escala de escravos, tornou possvel ocio, o tempo livre, que podia ser dedicado ativi-dade contemplativa, estimulando o esprito de ob-servao. Da mesma forma, o aperfeioamento docalendrio, baseado na observao da Natureza(repetio das estaes do ano, das fases da lua),que deu ao tempo um carter natural e no divino.

    Tais condies, sozinhas, no explicam por quea Filosofia nasceu na Grcia Antiga, mas certa-mente contriburam para que isso ocorresse.

    Brevemente, cite algumas condies especficasque favoreceram o desenvolvimento da Filosofiana Grcia Antiga?

    O conhecimento geogrfico de vrias regies do Mediter-

    rneo, possibilitado pela navegao, e a observao da regu-

    laridade dos fenmenos naturais. Alm disso, houve o desen-

    volvimento da racionalidade implcita nas prticas das tro-

    cas comerciais e, principalmente, da escrita. Finalmente,

    deve-se observar a disponibilidade do tempo livre, o cio,

    fruto do enriquecimento e da disseminao do trabalho es-

    cravo, possibilitando a reflexo.

    LEITURA COMPLEMENTAR

  • ensino mdio 1- srie 8 sistema anglo de ensino

    Mito e Filosofia

    Para pensar

    Observe a imagem:

    Peter Paul Rubens e Jan Brueghel, o Velho. O jardim do den e a queda do homem, 1614-15.

    Muitas vezes, acreditamos em algumas coisas e no sabemos bem por qu. Em outras palavras,acreditamos, sem questionar, naquilo em que todos acreditam.

    Voc capaz de identificar se j teve (ou tem) alguma dessas crenas? Quem as ensinou? Essas crenastinham (ou tm) alguma finalidade, ou seja, elas faziam (ou fazem) voc agir de determinada forma?

    A cena, retratada pelos artistas Peter Paul Rubens(1577 1640) e Jan Brueghel (1568 1625) no inciodo sculo XVII, remonta ao mito que est na baseda cultura ocidental: o da existncia de um parasodo qual o homem foi expulso aps cometer o peca-do original.

    Apesar de muitos de ns questionarmos a exis-tncia do den, a noo de paraso to forte emnossa cultura que at hoje ela recorrente em nossocotidiano: est, por exemplo, na publicidade, no ci-nema e nas canes populares, e nos referimos a elasem notar que, na realidade, trata-se de um mito.

    Mas o que exatamente um mito?

    Origens do mito

    Na aula anterior, falamos brevemente sobre asorigens gregas da Filosofia. Afirmar que a Filoso-

    fia foi criada pelos gregos significa dizer que elesforam os primeiros a propor que o mundo existia eas coisas aconteciam no apenas devido ao dosdeuses. Em outras palavras, os gregos explicaramo mundo a partir do logos, da palavra racional. Omito, por sua vez, uma forma de explicao da rea-lidade anterior Filosofia e que no se baseia naracionalidade.

    Todas as culturas inclusive a grega criaramseus mitos, associando a origem do mundo, osfenmenos da Natureza e os grandes acontecimen-tos da vida atuao de foras exteriores reali-dade concreta. O mito se originou do medo e do es-panto do homem diante de uma Natureza poten-cialmente hostil. Por isso, mais do que para explicaro mundo, o mito serviu para acalmar a ansiedadehumana em relao aos mistrios da criao.

    Aula 2

  • ensino mdio 1- srie 9 sistema anglo de ensino

    Caractersticas do mitoAo contrrio da Filosofia, que se funda na ra-

    cionalidade, o mito se baseia, sobretudo, na intui-o, e incorpora ao mesmo tempo imaginao eemotividade.

    Vejamos um exemplo de mito proveniente doEgito Antigo:

    OsrisOsris foi um antigo governante egpcio, filho de Geb

    (deus da terra) e Nut (deusa do cu). Ele ensinou aoshomens a agricultura e a domesticao dos animais. Seuirmo Set, governante do deserto e invejoso da pros-peridade e riqueza das terras de Osris, planejou seu as-sassinato: ofereceu a ele um jantar, no qual o presen-teou com um rico sarcfago, e, auxiliado por setenta edois conspiradores, acabou trancando Osris no caixo,jogando-o no rio Nilo, de onde foi parar no mar.

    sis, irm e mulher de Osris, saiu em busca de seuamado. Encontrou-o em Biblos, porto do mar Mediter-rneo, e resgatou seu corpo, levando-o de volta aoEgito. Quando Set soube do retorno do corpo de Osris,ordenou sua apreenso e esquartejamento em catorzepedaos, que foram espalhados por todo o Egito. sis,mais uma vez, saiu em busca dos restos de Osris eacabou por junt-los, o que tornou possvel sua ressur-reio. sis e Osris se uniram e tiveram um filho, Hrus,que derrubou Set e tornou-se governante de todo oEgito. Osris passou a governar o mundo dos mortos.

    Algumas caractersticas dessa narrativa per-mitem sua identificao como um mito. Em primei-ro lugar, o fato narrado ocorreu em um tempo pas-sado indeterminado, em que deuses habitavam aterra, ou seja, em um tempo fundamentalmente di-ferente do nosso. Em segundo lugar, a narrativamtica baseia-se na imaginao e na capacidade hu-mana de construir smbolos; por isso quase sempreassume um carter de exagero e de inverossimilhan-a em relao realidade concreta. Finalmente, o mitoest ligado aos fenmenos da natureza: assim comohouve a ressurreio de Osris, haver a ressurrei-o da terra a cada ano, em razo do regime decheias do rio Nilo. Assim, o culto religioso a Osrisera tambm a festa da colheita. O fenmeno da cheiado rio explicado, ainda que metaforicamente, co-mo fruto de iniciativas e intrigas dos deuses.

    A Filosofia, ao contrrio do mito, aborda coisasque ocorrem em um tempo conhecido e possvel,bem como sua permanncia e mudana. Ao mesmotempo, no admite o incompreensvel, buscando sem-pre explicaes racionais, ao alcance de qualquer in-divduo. Dessa forma, explica a natureza dentro des-sa mesma perspectiva: racional e acessvel.

    Ruptura ou continuidade?

    At que ponto a passagem do mito Filosofiana Grcia Antiga significou uma ruptura? A Fi-losofia nascente buscou, a partir do pensamento eda especulao racional, formular respostas paraquestes que tambm eram abordadas pelo mito,como a da origem do mundo. Alm disso, as pro-postas racionais de explicao dos filsofos muitasvezes tinham espantosa semelhana com as formu-laes mticas. Por exemplo, de acordo com o fil-sofo Tales de Mileto (624? 558? a.C.), a gua aorigem de todas as coisas. J para a mitologia gre-ga, o deus Oceano originou a vida. Nesse sentido,pode-se falar em uma continuidade entre mito eFilosofia, uma vez que os problemas abordados con-tinuam sendo basicamente os mesmos. A novidadeest na abordagem, j que a Filosofia busca umprincpio racional de explicao.

    1. Tradicionalmente, as religies sempre se uti-lizaram dos mitos. Em sua opinio, que carac-terstica do pensamento mtico permitiu isso?

    Aquela que talvez a principal caracterstica do pen-

    samento mtico: a explicao da origem do mundo, da

    vida e do universo, presente nos mitos de criao em

    geral.

    2. Quais as principais diferenas entre mito eFilosofia?

    A Filosofia busca explicaes racionais e que pos-

    sam ser entendidas em um quadro temporal defini-

    do. O mito, por sua vez, fundamenta-se na intuio

    e faz referncias a eventos ocorridos em pocas heri-

    cas ou, simplesmente, diferentes do tempo presente.

    3. Apesar das diferenas entre os dois tipos depensamento, pode-se dizer que existe algumasemelhana entre mito e Filosofia? Justifique.

    Tanto o mito quanto a Filosofia buscam, em ltima

    anlise, resolver os mesmos problemas e responder

    s mesmas perguntas. Na Grcia Antiga, o mito serviu

    de guia para os primeiros passos da especulao filos-

    fica, e mesmo a Filosofia nascente buscava exemplos na

    tradio mitolgica.

    exerccios

  • ensino mdio 1- srie 10 sistema anglo de ensino

    Tarefa MnimaAquele que ouve o mito, independente de seu nvel

    cultural, enquanto est ouvindo o mito, esquece de suasituao particular e projetado em outro mundo, emoutro universo que no mais o seu pequeno e humildeuniverso do dia-a-dia Os mitos so verdadeiros porqueso sagrados, porque eles falam sobre criaturas e eventossagrados. Em conseqncia, recitando ou ouvindo o mito,recupera-se o contato entre o sagrado e o real, e assimfazendo, supera-se a condio profana, a situao hist-rica. Em outras palavras, pode-se ir alm da condio tem-poral e da auto-suficincia entorpecente que o fardo decada ser humano simplesmente porque cada ser humano ignorante no sentido de que ele se identifica, e a Rea-lidade, com sua situao particular. E a ignorncia , emprimeiro lugar, essa falsa identificao da Realidade emque cada um de ns parece estar ou possuir.

    (M.Eliade, Imagens e smbolos.)

    A partir do fragmento de texto do filsofo ro-meno Mircea Eliade (19071986), responda: por queexiste a crena em mitos ainda hoje? Cite exemplosde mitos contemporneos, que nos retiram do uni-verso do dia-a-dia e nos colocam em contato com osagrado.

    Todos temos o conhecimento imediato da nossa reali-

    dade cotidiana (por exemplo, no trabalho ou na escola), que

    reconhecemos como nosso universo particular. Segundo o

    autor, esse conhecimento tem algo de entorpecente, na

    medida em que aponta para uma limitao e no deixa es-

    pao para algo mais elevado, sagrado. O mito permite es-

    tabelecer um contato com esse outro plano. Ao entrarmos

    em contato, atravs da mdia, com os grandes feitos do jo-

    gador de futebol habilidoso, com as sedues da artista

    glamorosa ou com o luxo do milionrio que se fez a si

    mesmo, estamos criando uma ligao com criaturas mitifi-

    cadas.

    Tarefa ComplementarO desenvolvimento da Filosofia e da especu-

    lao racional em geral (por exemplo, nas cinciasda natureza), acabou por criar um novo sentido palavra mito: hoje, muitas vezes usamos essa pa-lavra para identificar uma idia falsa ou sem corres-pondncia com a realidade. Em outras palavras,muitas vezes em nosso cotidiano usamos mitocomo sinnimo de mentira.

    1. Cite exemplos, extrados do seu cotidiano, doemprego da palavra mito no sentido expostoacima.

    Os exemplos so os mais diversos e devem refletir o uni-

    verso de experincias dos alunos.

    2. Explique a frase do intelectual norte-ameri-cano Joseph Campbell (1904 1987): Mitologia o nome que damos s religies dos outros.

    Ao considerarmos o sentido usual da palavra mito

    como mentira, percebemos que a frase de J. Campbell

    , sobretudo, uma crtica intolerncia religiosa, na me-

    dida em que alguns indivduos consideram sua religio

    verdadeira, enquanto as demais so consideradas

    meras crendices.

    Importncia do pensamento mtico

    No devemos considerar o mito apenas umanarrativa inocente e que foi definitivamente su-perada pela Filosofia. Ao incluir elementos como aintuio e a emotividade, o mito uma forma deconhecimento vlida, porm diferente daquela quechamamos racional.

    Geralmente associa-se o mito religio e acredi-ta-se que sua fora advm do fato de muitas vezesser transmitido por um narrador que tem algumtipo de autoridade (por exemplo, um religioso). Masdeve-se lembrar que, embora durante muito tempoeles tenham se confundido, o pensamento mticotranscende o religioso. Se no fosse isso, como ex-plicar a fora com que certos mitos emergem nacontemporaneidade? O mito do heri, por exem-plo, costuma levar multides ao cinema.

    Outra prova de que o mito no apenas um tipode narrativa ou interpretao de mundo ultrapassa-do o fato de que at hoje existe a tendncia de mi-tificar os indivduos e acontecimentos: com a ajudada mdia, tomamos como verdadeiras certas carac-tersticas das pessoas ou certas explicaes das coi-sas, sem que tenhamos exatamente uma motivaoracional para isso. E os mitos criados pela culturapop so muitos: de cantores de rock a celebridadesinstantneas.

    Diferentemente de uma simples crena, o mito temuma finalidade: ajuda a definir modelos de comporta-mento, expressando valores comuns a uma sociedade.

    LEITURA COMPLEMENTAR

  • ensino mdio 1- srie 11 sistema anglo de ensino

    Scrates e o nascimento da Filosofia

    Para pensar

    Observe a imagem:

    Jacques-Louis David. A morte de Scrates, leo sobre tela, 1787.

    Vivemos numa sociedade que estimula a busca por prazeres e a afirmao das individualidades.Porm, ser que a realizao pessoal suficiente para uma vida feliz? Por exemplo, possvel ter pra-zer saboreando um lanche se, ao lado, vemos uma pessoa faminta? Em outras palavras: possvel serindiferente situao do outro e conviver passivamente com as injustias?

    A pintura, produzida mais de 2.000 anos aps amorte do filsofo grego, retrata a dor e o deses-pero de seus amigos diante da arbitrariedade desua condenao. Mas a injustia cometida contraScrates no os deixou indiferentes; pelo contr-rio, pode-se dizer que fortaleceu os ideais defendi-dos pelo filsofo e estimulou a atividade de novospensadores, dentre eles Plato, cujo pensamentoest na base da cultura ocidental.

    Quem foi Scrates?

    Scrates foi um ateniense que viveu no sculoV a.C., perodo conhecido como a Idade de Ourode Atenas. No deixou nenhum escrito; o que sabe-mos de suas idias deve-se a citaes, sobretudodaqueles que o conheceram, como seu discpuloPlato (428 347 a.C.).

    Desapegado de bens materiais, tinha o hbitode caminhar pela cidade propondo dilogos aoscidados. Esses dilogos giravam em torno de as-suntos aparentemente triviais, mas, a partir deles epor meio de hbeis perguntas, Scrates acabavapor abordar questes complexas, que costumavamdeixar seus interlocutores perplexos.

    Scrates considerado o pai da Filosofia,pois buscou atingir uma verdade a partir da prti-ca filosfica, do dilogo com os demais cidados.No centro de sua busca pelo conhecimento verda-deiro, estavam as questes humanas, como aamizade, o belo e a virtude. Isso distanciou S-crates dos filsofos gregos anteriores a ele, que selimitaram a explicar a natureza ou a praticar aretrica.

    Aula 3

  • ensino mdio 1- srie 12 sistema anglo de ensino

    Mtodo socrtico

    No dilogo Teeteto, de Plato, Scrates define afuno do filsofo como sendo semelhante deuma parteira: seu objetivo seria dar luz idias.Chama-se maiutica o mtodo socrtico de obten-o da verdade segundo o qual cada pessoa seriacapaz de atingi-la, cabendo ao filsofo apenas fa-cilitar esse encontro, por meio de perguntas. S-crates acreditava que o primeiro passo para se che-gar a essa verdade era o reconhecimento da pr-pria ignorncia, idia expressa pelo lema: S seique nada sei.

    Nas conversas, ele abusava da ironia comoforma de abalar crenas constitudas e expor afragilidade das argumentaes. Ainda no dilogoTeeteto, Scrates apresentou uma metfora parailustrar sua luta contra a passividade e o adormeci-mento intelectual da sociedade ateniense: Atenasera uma gua preguiosa, e ele um pequeno mos-quito, que mordia seus flancos para provocar algu-ma reao.

    importante frisar que h um princpio ticona base do pensamento de Scrates. Uma vez queo homem racional, ele teria a capacidade de co-nhecer a verdade, que no se encontra somentenele, mas tambm na natureza. Como o homem fazparte da natureza, pode-se dizer que participa daverdade e pode ter acesso a ela pelo pensamento.Scrates dizia ouvir uma voz divina que o levava afazer o que era certo e, para isso, era necessrio oconhecimento, ou seja, a conexo com a verdadeexpressa pela natureza um pr-requisito para sefazer o bem.

    Com o conhecimento, o homem ganha autono-mia, isto , a capacidade de determinar sua pr-pria conduta e suas prprias regras. Por isso S-crates dava tanta importncia conscincia tica:ao determinar sua conduta, o homem deveria, ne-cessariamente, considerar sua relao com a ver-dade.

    A mais importante contribuio de Scratespara a nascente Filosofia foi a identificao dohomem com sua psyche, ou alma, caracterizadaao mesmo tempo como centro da racionalidade, dapersonalidade e da conscincia tica.

    1. Apesar de no ser o primeiro filsofo grego,Scrates considerado o pai da Filosofia. Comoeram chamados os filsofos que o precederame qual a novidade do pensamento socrtico emrelao ao desses filsofos?

    Pr-socrticos e sofistas. Os pr-socrticos concen-

    travam sua reflexo na explicao do mundo material e

    de suas origens, enquanto Scrates concentrou sua es-

    peculao filosfica em outros campos (como a tica).

    J os sofistas rejeitavam a idia de uma verdade trans-

    cendente, o que era, em ltima anlise, o objetivo da

    filosofia de Scrates.

    2. Uma vida no-examinada no digna de ser vivida.Scrates

    Pode-se afirmar que Scrates lutou contra aindiferena e a passividade dos cidados ate-nienses. Para isso, desenvolveu um mtodo, amaiutica. Diga no que consistia esse mtodoe qual a principal arma usada pelo filsofopara desconstruir idias preconcebidas.

    A maiutica estava fundada em perguntas habil-

    mente colocadas, que deveriam levar o interlocutor

    exerccios

    Tambm conhecidos como filsofos da nature-za, sua reflexo estava voltada, sobretudo, paraa explicao da origem do mundo fsico, suacomposio e suas mudanas. Tales de Mileto,por exemplo, afirmava ser a gua a origem detodas as coisas; j Demcrito de Abdera diziaque todas as coisas eram formadas por tomos.

    O desenvolvimento da democracia em Ate-nas e a prtica das discusses pblicas sobre as-suntos de interesse dos cidados levaram aosurgimento dos filsofos sofistas, que negavama possibilidade de um conhecimento verdadeiroe enfatizavam o uso da retrica e das tcnicas depersuaso: a verdade de um discurso estaria nasua adequao a um fim desejado. Portanto, noexistiria uma verdade a ser atingida pela razo,mas vrias opinies que poderiam convencer ouno, dependendo da habilidade do orador. S-crates criticava os sofistas quando eles aceita-vam pagamento por seus ensinamentos, poisisso era considerado perda de autonomia.

    Sofistas e Pr-Socrticos

    Scrates considerado o pai da Filosofia, masele no foi o primeiro filsofo grego. Antes dele,outros tentaram explicar o mundo a partir darazo e no do mito: os chamados pr-socrticos.

  • ensino mdio 1- srie 13 sistema anglo de ensino

    dvida e ao questionamento sobre seus valores ou

    crenas. Nesse contexto, Scrates empregava a ironia

    como forma de desconstruir verdades preconcebidas.

    3. Explique por que se pode afirmar que h umprincpio tico na base do pensamento socrtico.

    Porque a busca do conhecimento tem como referencial a

    obteno de autonomia do indivduo, ou seja, sua ca-

    pacidade de decidir como agir. E o conhecimento que

    permite diferenciar o bem do mal.

    Tarefa Mnima

    SCRATES - Acredito, e j o disse muitas vezes, queno deve ir o sapateiro alm do sapato. No creio emversatilidade. Recorro ao sapateiro quando quero sapa-tos e no idias. Creio que o governo deve caber que-les que sabem, e os outros devem, para seu prprio bem,seguir suas recomendaes, tal como seguem as domdico.

    Sua liberdade de expresso parte do pressuposto deque as opinies de todos os homens tm valor e de quea maioria constitui melhor guia que a minoria. Mascomo podem jactar-se* de sua liberdade de expressoquando desejam silenciar-me? Como podem ouvir asopinies do sapateiro ou do curtidor quando discutemsobre a justia na assemblia, porm fazer-me silenciarquando manifesto as minhas, embora toda minha vidatenha sido dedicada busca da verdade, enquanto ossenhores cuidam de seus assuntos particulares?

    (Libnio sc. IV, Apologia de Scrates.)

    * jactar-se: vangloriar-se; gabar-se.

    Indique as crticas democracia ateniense pre-sentes no fragmento.

    1 No primeiro pargrafo, Scrates sugere, de maneira su-

    til, que na democracia ateniense nem sempre aqueles que go-

    vernam esto preparados para isso.

    2 Scrates diz que a democracia ateniense falha jus-

    tamente por estar julgando-o, e seu nico crime foi

    buscar a verdade e emitir opinies.

    3 Na democracia ateniense, segundo Scrates, as

    pessoas buscam satisfazer seus desejos particulares,

    enquanto a busca pela verdade, supostamente, seria

    benfica a todos.

    Tarefa Complementar

    Claudia Andujar. Sem ttulo, da srie Yanomami, realizadaentre 1982 e 1990 e exposta na XXVII Bienal de So Paulo.

    A atuao do filsofo Plato teve incio comuma reao injustia cometida contra Scrates.Como Plato, muitas pessoas se dedicam a denun-ciar aquilo que consideram uma grande injustia.

    Claudia Andujar um exemplo disso: fotgrafasua radicada no Brasil, viveu muitos anos entreos ndios ianommis e, alm de fotograf-los, atuoude maneira efetiva na luta pelo reconhecimento dosdireitos indgenas e pela demarcao de suas ter-ras.

    Agora sua vez: pense em sua realidade. Den-tre as muitas injustias que presencia, qual maiso(a) incomoda? Procure denunciar isso.

    Voc poder realizar essa tarefa de vrias for-mas: elaborando um cartaz, escrevendo um texto,fazendo um desenho, uma pintura, uma colagem,ou mesmo tirando uma foto. O importante quevoc consiga deixar clara sua indignao e tentedespertar no outro o mesmo sentimento.

    A resposta livre e pode resultar tanto de uma reflexo

    pessoal quanto de um amplo debate com a turma.

    Tambm h a possibilidade de a atividade ser realizada

    em grupo e at de se constituir como uma proposta in-

    terdisciplinar, que envolva matrias como Artes, Redao,

    Sociologia, Histria ou Geopoltica. No Manual do Professor

    h outras observaes sobre o encaminhamento dessa

    tarefa.

  • ensino mdio 1- srie 14 sistema anglo de ensino

    O julgamento de Scrates

    No ano de 399 a.C., Scrates foi julgado por umtribunal de cidados, sob a acusao de cor-romper a juventude ateniense e introduzir o cultoa novos deuses na cidade. Os detalhes do episdioforam narrados por seu discpulo, Plato, em AApologia de Scrates. Durante o julgamento,Scrates procurou convencer os acusadores doseu equvoco e tentou, sem sucesso, extrair deles osignificado do que seria, exatamente, corromper ajuventude.

    Na sua defesa, afirmou que seu amigo Quero-fonte, ao consultar o Orculo de Delfos, ouviu dosdeuses que Scrates o mais sbio dos homens.Por isso mesmo teria iniciado a sua busca por al-gum mais sbio: sua atividade seria fruto dessamisso divina.

    Apesar de apresentar uma argumentao slidadurante todo o julgamento, Scrates foi considera-do culpado e condenado morte. Conforme atradio, ele teria o direito de propor uma pena al-ternativa, mais branda. E, como sua condenao

    havia sido obtida por uma apertada votao entreos 500 cidados sorteados para fazer parte do tri-bunal, tudo indicava que a pena mais branda seriade fato aceita. Mas Scrates recusou-se a faz-lo.Afirmou que pedir qualquer pena, por mais bran-da que fosse, seria reconhecer a culpa, algo quepara ele seria impossvel. Assim, preferiu cons-tranger os cidados de Atenas e seus juzes, obri-gando-os a conden-lo pena de morte.

    A forma como a Atenas democrtica executouaquele que era talvez seu mais brilhante cidadochocou vrios atenienses, dentre os quais o dis-cpulo de Scrates, Plato. Inconformado com amorte do mestre, Plato comeou a escrever, e umde seus primeiros escritos que quase sempre apre-sentam a forma de dilogos e nos quais Scratesaparece como personagem foi justamente a Apo-logia de Scrates.

    Inicialmente o objetivo de Plato foi defender amemria de seu mestre agora morto. Ele queriaconsertar o que a seu ver foi uma injustia e,para isso, seus escritos deveriam conter uma argu-mentao que pudesse provar a verdade sobreScrates: no apenas uma opinio que pudesse serdebatida, mas um conhecimento verdadeiro.

    LEITURA COMPLEMENTAR

  • Unidade II

    TEORIA DO CONHECIMENTO

  • ensino mdio 1- srie 16 sistema anglo de ensino

    Plato e o mundo das Idias

    Para pensar

    Observe a imagem:

    Mark Rothko, Sem ttulo, 1953.

    Imagine que voc est sentado na sala de aula, e uma bola entra pela janela, pula pelas carteiras, fazalguns estragos. Quase automaticamente, voc faz uma srie de operaes de pensamento: de onde veioa bola, quem pode ter arremessado, onde ela vai parar? Essas operaes so estratgias para se chegarao conhecimento da situao.

    Todos so capazes de conhecer. Mas qual seria a gnese, ou seja, a origem do conhecimento? Nahistria da Filosofia, diversos pensadores tentaram desenvolver uma Teoria do Conhecimento, buscan-do indicar a fonte de um conhecimento verdadeiro e as condies em que possvel estabelec-lo.

    Como veremos a seguir, para Plato a buscapelo conhecimento verdadeiro deve ser entendidacomo a busca pela essncia aquilo que eternoe imutvel.

    Esse pensamento teve e ainda tem grande al-cance no Ocidente. Pintores abstratos, por exem-plo, concentraram seu trabalho na busca por aqui-lo que eles pensavam ser a essncia da pintura. Nocaso de Mark Rothko, essa essncia estaria na cor.

    A importncia do pensamento socrtico

    J sabemos que os primeiros escritos de Platoforam uma resposta injusta condenao de S-

    crates. Mas a influncia de Scrates sobre seu dis-cpulo no se limitou a esse impulso inicial. Para Pla-to, o discurso no mera expresso de uma opi-nio, devendo estar fundamentado naquilo que defato existe ou existiu; naquilo que , portanto, ver-dadeiro. Por isso pode-se dizer que Plato incor-porou e desenvolveu os ensinamentos socrticos.

    Na tentativa de reproduzir as conversas queScrates mantinha, criou a forma do dilogo. Comele pretendia mostrar que o conhecimento verda-deiro s pode ser atingido por meio da troca deidias e do debate, incluindo a maiutica e o uso daironia. A palavra dialtica refere-se a essa busca daverdade pelo jogo do dilogo.

    Aula 4

  • ensino mdio 1- srie 17 sistema anglo de ensino

    Segue trecho do livro A Repblica, de Plato, noqual Scrates explica em que consistiria exata-mente a tarefa do filsofo de amar o espetculo daverdade.

    ()SCRATES: Acontece a mesma coisa com o justo e o

    injusto, o bom e o mau e todas as outras formas: cadauma delas, tomada em si mesma, uma; porm, dadoque entram em comunidade com aes, corpos e entresi mesmas, elas se revestem de mil formas que parecemmultiplic-las.

    GLAUCO: Tens razo.SCRATES: neste sentido que eu diferencio, de um

    lado, os que amam os espetculos, as artes e so oshomens prticos; e, de outro, aqueles a quem nos refe-rimos no nosso discurso, os nicos a quem com razopodemos denominar filsofos.

    No trecho, a personagem Scrates afirma queexistem o justo e o injusto, o bom e o mau, e cadauma dessas coisas, apesar de se revestir de mil for-mas diferentes, de fato uma s. Em outras pala-vras, existe algo a que se chama Bom, e esse algo as-sume diversas caractersticas, na medida em queentra em comunidade com outras coisas, quer di-zer, na medida em que caracteriza pessoas, objetosou aes. Dessa forma, temos o homem bom, a aoboa, o cavalo bom. Em todos esses casos, o bomsempre existe, independentemente dos diversositens que caracteriza. Chama-se a isso de forma: aforma Bom nica e eterna.

    Para Scrates, algumas pessoas admiram as ar-tes e os espetculos, ou seja, os diversos modos comoa realidade se apresenta, e se entretm com eles. Ofilsofo, por sua vez, busca conhecer as formas e suaessncia.

    O mundo das Idias

    As formas platnicas so uma expanso da formasocrtica e se caracterizam, entre outros, pelo fatode no se aplicarem somente a conceitos abstratoscomo bom e mau, justo e injusto, mas tambm aseres e objetos da realidade concreta, como, por exem-plo, as plantas e os animais.

    Pensemos num co. Nenhum co igual. Apesarde existirem ces da mesma raa, da mesma cor eat do mesmo tamanho, sempre haver algo que osdiferencia. Alm disso, cada co individual temuma determinada idade e, conforme o tempo passa,ele envelhece e se transforma, at um dia deixar deexistir. Porm, h algo em todo co que nos permiteidentific-lo como tal. Trata-se da forma co.

    Outro exemplo: se pedirmos para quarenta pes-soas pensarem em uma rosa, certamente todas pen-saro de fato em uma rosa. Das quarenta rosas ima-ginadas, talvez nenhuma seja igual: tero diferentescores, tamanhos, quantidades de ptalas e folhas.Porm, apesar da diversidade, cada rosa imaginadaser uma representao individual da forma rosa.

    Existe, portanto, uma diferena entre os objetosmateriais (que se transformam, mudam) e as formas(ao mesmo tempo eternas e imutveis). As coisasmateriais so percebidas pelos homens atravs dosrgos dos sentidos (viso, audio, tato, etc.), en-quanto as formas s podem ser entendidas pelo pen-samento (ou pela alma). Em outras palavras, existeum mundo concreto, percebido pelos sentidos, comtodas as suas imperfeies; mas alm dele existeoutro, o mundo das Idias, que contm as formasimutveis e perfeitas. A tarefa do filsofo seria co-nhecer esse mundo.

    Plato defendia a superioridade do mundo dasidias sobre o mundo material. Isso se deve no sao fato de a realidade concreta estar sempre mudan-do (e nunca poderemos ter um conhecimento segurosobre algo que hoje de um jeito e amanh deoutro), mas tambm ao fato de nossos sentidos nosenganarem (muitas vezes pensamos ter visto ou ou-vido uma coisa, que na verdade era outra).

    O ser humano carrega essa dualidade: ao mes-mo tempo corpo (que se transforma e acaba pormorrer) e aquilo que no corpo e podemos cha-mar de alma (considerada imortal e sede do pensa-mento). Se a alma eterna, pertence ao mundo dasidias; portanto, sempre existiu e sempre existir,antes e depois daquele intervalo de tempo em queocupou o corpo de um indivduo. Por possuir umaalma, cada homem j nasce com uma vaga noodas formas. Segundo Plato, guardamos dentro dens a reminiscncia, isto , a lembrana das formasperfeitas com as quais nossa alma estava em conta-to antes de se juntar a um corpo. Quando vemos umco, nossa alma identifica essa criatura com a formaco que j existe em nosso pensamento. Ou seja, asidias so inatas (j nascemos com elas); os queamam o conhecimento (os filsofos) simplesmenteaproximam-se delas, aprimorando o conhecimentoque j possuem.

    Quando Plato se refere a Eros o amor ao co-nhecimento e o desejo de se aproximar do imortal(para aprofundar, leia texto da Leitura Complemen-tar) , trata desse desejo da alma de alcanar omundo das idias, de retornar ou de entrar em co-munho com sua morada original. A alma desejariase libertar da priso imperfeita que o corpo.

  • ensino mdio 1- srie 18 sistema anglo de ensino

    A alegoria da caverna

    No livro VII de A Repblica, Plato relata o mito oua alegoria da caverna. Mais uma vez dando voz aScrates, descreve o seguinte cenrio: uma caverna,no fundo da qual esto vrios prisioneiros, acor-rentados, imobilizados, com as cabeas presas na di-reo de uma parede. Em suas costas, desfilam figu-ras, espcies de marionetes, que tm suas sombrasprojetadas na direo da parede e se movimentamcom a ajuda de algumas pessoas. Os prisioneiros,que s vem as sombras, acham que elas so seresverdadeiros e que as vozes ouvidas so delas.

    Certo dia, um dos prisioneiros consegue se li-bertar. Ele d as costas parede para onde olhavaat ento. Inicialmente, fica ofuscado pela luz, umavez que at ento s vira sombras, mas logo v asmarionetes sendo manipuladas e a chama que pro-jetava as sombras na parede.

    Em seguida, o prisioneiro, agora liberto, cami-nha para fora da caverna e, finalmente, contempla osol. A luz quase o cega, mas ele acaba aprendendo alidar com tanta claridade e comea a ver as coisasverdadeiras. Ele percebe que elas so muito maisbelas e claras que as sombras no fundo da caverna.Conclui que a luz do sol a origem de toda belezaque existe.

    Sabendo que ainda existem vrias pessoas acor-rentadas, o ex-prisioneiro decide voltar para a ca-verna para libert-las. Voltando escurido, tem di-ficuldade de ver nas sombras (uma vez que agora jse acostumou luz). Mesmo assim, tenta convenceras pessoas de que aquilo que elas vem no a rea-lidade, mas uma cpia muito imperfeita dela. Os de-mais prisioneiros no conseguem conceber que exis-ta algo alm das sombras: eles riem e, caso o pri-sioneiro liberto tente libertar mais algum, correro risco de ser morto.

    Com a alegoria da caverna, Plato descreve aforma como se origina o conhecimento, ou seja, aforma como o filsofo deixa para trs o mundo dascoisas visveis, materiais e imperfeitas, e chega at omundo das idias, que brilham diante de ns atquase nos cegar. H no texto uma crtica aos habi-tantes de Atenas, que, ao condenarem Scrates morte, agiram como os prisioneiros no fundo dacaverna, que se negaram a caminhar para a luz, oupara o conhecimento, que estava sendo apontadopor Scrates.

    Dessa alegoria ainda se depreende que o filso-fo deve ter a coragem de seguir o difcil caminhode sair da caverna (o que pode trazer sofrimento)e, ao mesmo tempo, tem a obrigao de apontar o

    caminho do conhecimento s outras pessoas, ape-sar de, com isso, correr riscos.

    1. Por que Plato costuma ser considerado o cria-dor da razo ocidental?

    Por afirmar a crena numa verdade que tem existncia

    prpria e que pode ser atingida atravs de operaes

    do pensamento.

    2. Scrates: Admitamos, pois o que me servir deponto de partida e de base que existe um Belo emsi e por si, um Bem, um Grande, e assim por diante.Se admitirmos a existncia dessas coisas, se concor-dares comigo, esperarei que elas me permitirotornar-te clara a causa que assim descobrirs, quefez com que a alma seja imortal.

    (Plato, Fdon.)

    Ao falar do Belo, do Bem e do Grande, Scratesest se referindo s formas. O que forma e quala principal caracterstica da forma platnica?

    a essncia imutvel das coisas, ao mesmo tempo

    perfeita e eterna. As formas platnicas se caracteri-

    zam por se aplicarem no somente a conceitos abs-

    tratos, mas tambm a seres e objetos da realidade

    concreta.

    3. Plato estabeleceu a distino entre dois mun-dos. Quais so eles e como se caracterizam?

    O mundo real, concreto e imperfeito conforme

    percebido pelos sentidos , e o mundo das Idias,

    que contm as formas imutveis e perfeitas e al-

    canado pelo pensamento.

    Tarefa Mnima

    Para Plato, a realidade ltima no teria naturezaapenas racional e tica, mas tambm esttica: o Bem, aVerdade e o Belo estariam realmente unidos no supremoprincpio criativo, impondo ao mesmo tempo afirmaomoral, fidelidade intelectual e rendio esttica. A Be-leza a mais acessvel das Formas, atraindo o filsofopara a viso do conhecimento do Verdadeiro e do Bom.Com isso Plato mostrava que a viso filosfica mais ele-vada s seria possvel a quem tivesse o temperamentode um amante. O filsofo deveria se permitir ser agar-

    exerccios

  • ensino mdio 1- srie 19 sistema anglo de ensino

    rado pela mais sublime forma de Eros: aquela paixouniversal de reconstituir a unidade anterior, de superara separao com o divino e tornar-se uno com ele.

    Plato descreveu o conhecimento do divino comoalgo implcito em todas as almas, embora esquecido. Aalma, imortal, sentiria o contato direto e ntimo com asrealidades anteriores ao nascimento, mas a condiops-nascimento do aprisionamento corporal faria aalma esquecer a verdadeira situao. A meta da filosofiaseria libertar a alma dessa condio ilusria na qual ela enganada pela finita imitao e encobrimento doeterno.

    (Adaptado de R.Tarnas, A Epopia do Pensamento Ocidental.)

    Explique a seguinte frase do segundo pargrafo:A meta da filosofia seria libertar a alma dessa con-dio ilusria na qual ela enganada pela finitaimitao e encobrimento do eterno.

    De acordo com o pensamento de Plato, o mundo real

    contm apenas uma aparncia enganadora e imperfeita das

    formas eternas, e a funo do pensamento (conforme

    ilustrado pela alegoria da caverna) superar esse estado e

    atingir o conhecimento verdadeiro.

    Tarefa ComplementarPara responder s questes, tome por base a

    imagem e o comentrio que seguem.

    Praxteles. Hermes e o jovem Dioniso, c. 340 a.C.

    A escultura de Praxteles ilustra o quanto a artegrega, principalmente a do perodo clssico (sc. Ve IV a.C.), esteve preocupada com certo ideal debeleza. Isso se deve ao fato de que os gregos de-

    senvolveram uma concepo de esttica ligada aoconceito de Belo. Baseados na mimese imitaoda natureza , criaram um naturalismo idealista, emque aspectos da realidade so disfarados, emfavor daquilo que se considera belo.

    Plato, todavia, tinha profunda desconfiana daarte, afirmando que a obra de arte era apenas acpia de um objeto do mundo real que, por suavez, era cpia imperfeita do mundo das idias.

    1. Estabelecendo as possveis relaes entre asconcepes estticas gregas e as idias de Pla-to sobre arte, comente a afirmao do historia-dor da Arte E. H. Gombrich:

    (...) suas obras [dos gregos] nunca se parecemcom espelhos onde se refletem todos os recantos,ainda os mais inslitos, da natureza. Elas ostentamsempre o cunho do intelecto que as criou.

    A frase de Gombrich vai contra as concepes

    estticas de Plato, ao afirmar que a arte no

    apenas cpia da natureza, mas reflete um intelecto.

    Nesse sentido, o artista, ao abraar o idealismo natu-

    ralista, tambm superaria a simples imitao da na-

    tureza, que deixa de ser uma obrigao e passa a ser

    um princpio do qual o artista se afasta de acordo com

    a sua prpria concepo de Belo.

    2. Passados muitos sculos, o ideal de beleza con-tinua sendo uma preocupao das sociedadescontemporneas. Seria possvel afirmar que,tambm nesse sentido, somos herdeiros dosgregos? Fale sobre os perigos de uma valo-rizao exagerada dos padres de beleza.

    A resposta livre, devendo-se exigir do aluno apenas

    clareza na exposio de sua opinio. O objetivo dar voz

    aos alunos e estimular, pela primeira vez, uma reflexo

    sobre a questo do Belo, se existem critrios objetivos

    de beleza. Lembramos que a questo da aparncia fsi-

    ca particularmente central na vida de adolescentes.

  • ensino mdio 1- srie 20 sistema anglo de ensino

    O Banquete

    O Banquete talvez o mais conhecido escrito dePlato. Esse dilogo narra um encontro na casa dopoeta gathon, onde diversas pessoas se renempara uma festa, um banquete. Nesse encontro, con-versam sobre Eros, o amor. Quando Scrates tomaa palavra para falar, muitos j haviam proferidobelos discursos. No seria capaz de proferir umdiscurso to bonito, afirma Scrates. Em seguida,diz que ir buscar a verdade sobre o amor, sem elo-qncia. quando cita Diotima.

    Diotima fala da origem de Eros, afirmando queele no um deus, nem um homem, mas um dai-mon, ou seja, um gnio ou um esprito que tor-na possvel a ligao entre os homens e os deuses.Nesse sentido, eros como logos, a palavra racionalque, segundo os gregos, tambm capaz de esta-belecer essa ligao. Diotima conta qual teria sido aorigem mitolgica de Eros: filho de Penia (a pobreza)com Poros (o estratagema), nasceu no mesmo diaem que Afrodite (a beleza). Por isso mesmo, Erosama a beleza, mas vive miservel, sem lar (como ame), apesar de ter a argcia e ser capaz de dizercoisas belas (como o pai). Por meio de um mito, Dio-tima ilustra seu conceito de amor.

    Por no ser um deus e por no ser ingnuo, Erosama a sabedoria (se fosse deus, ele j a teria; sefosse ingnuo, j se acharia sbio). Percebemos que,ao falar dos deuses, Diotima na verdade est dandovoz aos conceitos de Plato que se aplicam ao ho-mem. Portanto, Eros, o Amor, desperta nos homenso desejo pelo belo, que ao mesmo tempo o desejopor almas belas e por corpos belos. Aparentemente,esses dois desejos vm juntos, mas Plato sugere uma

    hierarquia entre eles: Scrates, ao que tudo indica,era bem pouco belo, mas despertava paixes naspessoas devido beleza de sua alma, ou seja, de suasabedoria.

    O desejo pelos corpos belos nos leva a buscaruma aproximao com aqueles que so proporcio-nais, atraentes e harmnicos, e o resultado da atra-o dos corpos a reproduo, a perpetuao daespcie humana. J o desejo pelas almas belas ba-sicamente o desejo pelo conhecimento, identificadopor Plato como o desejo pelo bem, uma vez que asalmas belas so justamente aquelas capazes de pro-duzir aes belas e pensamentos belos (como o so to-dos os pensamentos verdadeiros). nessa busca quese encontra a virtude a que todo homem aspira.

    O desejo desperto por Eros aproxima o homemda imortalidade, seja por meio da reproduo, sejapela obteno do conhecimento verdadeiro. O quePlato est afirmando, nas palavras de Diotima, que existe algo de perfeito e imortal na alma hu-mana, que se manifesta atravs da razo, do logos.Esse seria o maior de todos os bens. A Filosofia odesejo de chegar at esse saber de que a alma hu-mana capaz, portanto a Filosofia o prprio Amor(philos + sophia). Segundo a filsofa Marilena Chau,em sua Introduo Histria da Filosofia, na contem-plao da beleza-bondade isto , da idia do Beme da Beleza os humanos alcanam a cincia ou osaber, por meio do qual concebem, engendram edo nascimento s virtudes e por meio delas se tor-nam imortais.

    Agora, responda: por que Plato considera quena Filosofia se encontra a virtude?

    Porque a Filosofia a busca do conhecimento, e a posse

    do conhecimento leva ao bem. A virtude consiste em fazer o

    bem e ter pensamentos belos (verdadeiros).

    LEITURA COMPLEMENTAR

  • ensino mdio 1- srie 21 sistema anglo de ensino

    Aristteles e o mundo sensvel

    Para pensar

    Agora, observe a gravura A cascata, do artista holands Maurits C. Escher (1898 1972). Na imagem, agua est subindo ou descendo?

    Em sua opinio, o que a imagem e o paradoxo tm em comum?

    Pense sobre o paradoxo de Zenon:Aquiles, heri grego, decide apostar uma corrida de 100 metros com uma tartaruga. A velocidade de

    Aquiles 10 vezes superior, portanto a tartaruga pode comear a corrida com 80 metros de vantagem.Aps a largada, Aquiles percorre 80 metros, e a tartaruga 8. O problema que, quando Aquiles houverpercorrido mais 8 metros, a tartaruga ter andado mais 80 centmetros e assim indefinidamente. Ouseja: no importa o espao percorrido pelo heri grego, porque a tartaruga estar sempre sua frente.

    Aula 5

    Maurits C. Escher. A cascata, 1961.

  • ensino mdio 1- srie 22 sistema anglo de ensino

    A sensao de estranhamento que experimen-tamos ao ler o paradoxo e ao observar a imagemcertamente se deve ao fato de que ambos parecemnos enganar, constituindo-se em verdadeiros de-safios razo e aos sentidos.

    Fugir do engano, do erro foi a principal meta dosfilsofos gregos, que em geral valorizaram muito opapel da razo para se conseguir isso. Plato, porexemplo, associou o mundo sensvel ao engano,propondo a superao desse mundo em favor deoutro o mundo das Idias perfeitas e imutveis.Mas o pensamento platnico, embora muito difun-dido, encontrou a resistncia de um discpulo dePlato que tambm teve profunda e duradoura in-fluncia sobre o Ocidente: Aristteles.

    Quem foi Aristteles?

    Aristteles (384 322 a.C.) foi um pensador origi-nrio de Estagira, cidade macednica intensamentehelenizada (isto , influenciada pela cultura grega).Antes dos 20 anos, mudou-se para Atenas e ingres-sou na Academia de Plato. Seu pai era mdico, oque parece ter influenciado Aristteles, principal-mente no que diz respeito sua capacidade de ob-servao e de tentar obter informaes ou desen-volver modelos tericos a partir dos sintomas quese apresentam diante dos sentidos.

    Por ser um meteco (estrangeiro vivendo em Ate-nas), Aristteles no possua os direitos polticos doscidados atenienses. Dessa forma, sua relao coma democracia grega se limitou especulao teri-ca. Mas isso no diminuiu sua importncia poltica,j que, devido sua origem e proximidade entresua famlia e os governantes da Macednia, Aris-tteles foi escolhido para ser preceptor do jovemprncipe Alexandre, que mais tarde iria conquistarum vasto imprio e o governaria com o ttulo deAlexandre, o Grande (356 323 a.C.).

    Em Atenas fundou uma escola chamada Liceu,que rivalizaria com a Academia de Plato. Por essapoca, seus discpulos eram chamados de peripa-tticos (que significa os que passeiam), devido aohbito de realizar debates enquanto caminhavam.

    Foi autor de extensa obra, e muitos dos seus es-critos chegaram at ns, seja de forma fragmentadaou integral. Dentre eles, destacam-se o Organon (queinclui os textos sobre Lgica); tica a Nicmaco (so-bre tica e Poltica); Poltica; Fsica (sobre o mundo na-tural); e Potica (que inclui suas idias sobre Esttica).

    A oposio a Plato

    O pensamento de Aristteles se ope ao de Pla-to em diversos aspectos. O principal deles certa-

    mente a importncia dada aos sentidos (viso,olfato, tato, etc.) para se alcanar o conhecimento.Plato afirmava a superioridade do mundo dasidias sobre o mundo das coisas: o que vemos nossa volta seria reflexo das formas eternas e imu-tveis que podem ser conhecidas porque tambmexistem em nossa alma. Para Aristteles, d-se exa-tamente o contrrio: as imagens que formamos emnosso pensamento surgem a partir de um contatoprvio com as coisas materiais, que so captadaspelos rgos dos sentidos.

    Alm disso, Plato dizia que as idias eram ina-tas. Para Aristteles, a razo era inata: todos oshomens nascem com a razo, que lhes d a capaci-dade de ordenar e classificar todas as coisas domundo conforme so percebidas pelos sentidos.Portanto, Aristteles preocupava-se, sobretudo,com a natureza, com a sua observao e com aclassificao de seus fenmenos.

    De acordo com Aristteles, as coisas apresen-tam diversos modos de ser. Um touro, por exem-plo, ao mesmo tempo: forte, preto, bravo, touro.Ou seja, ele pode ser caracterizado por diversascategorias. Dessas, a mais substancial o touroem si, pois da sua existncia ou da sua individua-lidade que derivam as demais. Nesse caso, o touro uma substncia (uma categoria), sua cor preta uma qualidade (outra categoria), sua fora umaquantidade (outra categoria). Aristteles definiudez categorias, ou seja, dez formas de se caracteri-zar a substncia (o sujeito individual): substncia,quantidade, qualidade, relao, tempo, lugar, situa-o, ao, paixo e possesso.

    Dessa forma, o mundo seria composto de subs-tncias distintas, mas que so caracterizadas porcategorias comuns a outras substncias. SegundoPlato, essas qualidades comuns derivavam deuma Idia transcendente (por exemplo, a idia deBelo, a idia de Branco); j para Aristteles, essasqualidades eram apenas categorias universaispercebidas pela razo no mundo concreto.

    O mundo material

    Segundo Aristteles, as substncias apresen-tam certas peculiaridades. Uma substncia no apenas certa quantidade de matria; ela tambmapresenta uma forma. A matria um suporte pas-sivo que precisa de uma forma para tornar-se umacoisa; j a forma algo que pode ser percebidopela razo a partir da observao. A substnciatouro s percebida como tal porque conhecemosa forma touro.

  • ensino mdio 1- srie 23 sistema anglo de ensino

    Mas a forma tambm um princpio de funciona-mento, que faz com que as coisas estejam sempremudando e se aperfeioando. Assim, a forma rvoreest contida na semente, o adulto est contido nacriana. Nesses exemplos, a rvore e o adulto repre-sentam a essncia de uma forma. Todas as coisasexistem em potncia e em ato: enquanto uma coisaem potncia uma coisa que tende a ser outra (se-mente), a coisa em ato algo que j est realizado(rvore). Nesse sentido, cada forma especfica con-tm uma dinmica interior, um movimento que fazcom que ela passe da potencialidade realidade.

    Mas de onde viria essa dinmica interior ou mo-vimento? Ora, cada potencialidade surgiu necessa-riamente de uma causa externa, ou seja, de umaforma j desenvolvida: a semente surgiu de uma r-vore; a criana surgiu de um casal de adultos. A cau-sa tudo aquilo que contribui para que um ser setorne real. Aristteles distinguiu:

    causa material: o material de que algo feito(madeira, mrmore, carne e osso);

    causa formal: referente forma (rvore, ho-mem, touro);

    causa eficiente (ou motora): responsvel porrealizar a potencialidade de uma matria;

    causa final: objetivo ou finalidade do desen-volvimento de uma forma.

    Essa diviso ficou conhecida como a teoria dasquatro causas. O movimento da potencialidade realidade ocorre tanto na natureza quanto nas aeshumanas. Aristteles ilustra isso com o exemplo deum escultor (causa eficiente) de uma esttua de mr-more (causa material), que representa o deus Her-mes (causa formal) com a inteno de criar umaforma bela (causa final).

    No que se refere natureza, surge a questo dequal seria a causa eficiente e qual seria a causa finaldos movimentos observados no universo. nesseponto que se chega ao conceito de Deus a CausaPrimeira de tudo o que existe (para aprofundar, leiatexto da Leitura Complementar).

    1. Com base no trecho que segue, diga qual a im-portncia da razo e dos sentidos para Aris-tteles?

    Todos os homens, por natureza, desejam conhe-cer. Sinal disso o prazer que nos proporcionam osnossos sentidos; pois, ainda que no levemos em

    conta sua utilidade, so estimados por si mesmos; e,acima de todos, o sentido da viso. () Por outrolado, no identificamos nenhum dos sentidos com asabedoria, se bem que eles nos proporcionem oconhecimento mais fidedigno do particular. Nonos dizem, contudo, o porqu de coisa alguma.

    (Aristteles, Metafsica.)

    a partir dos sentidos que tomamos o gosto

    pelo conhecimento. Todavia, para que se alcance a

    sabedoria, necessrio mais do que os sentidos, j que

    a razo deve processar as informaes obtidas por eles.

    2. Na definio de cada ser est contida sua substncia.(Aristteles, Metafsica.)

    Como voc conceituaria substncia e qual a di-ferena entre ela e as demais categorias defi-nidas por Aristteles?

    A substncia a primeira categoria, sem a qual

    as outras no existem. A substncia aquilo que d

    a uma coisa o seu carter determinado de coisa espe-

    cfica, ou seja, graas substncia que algo aquilo

    que . As demais categorias existem apenas em fun-

    o da substncia, so um complemento na determi-

    nao de seu modo de ser.

    3. Aristteles resolveu muito satisfatoriamente umaquesto que preocupou muito os filsofos anterio-res a ele: a da mudana. Afirmou que um objetopode mudar e continuar sendo e apontou qua-tro causas para o movimento interior que resultanas transformaes da matria. Quais seriamessas causas? D um exemplo de cada uma delas.

    O texto de aula cita as quatro causas (material,

    eficiente, formal e final), bem como exemplos. Os

    alunos devem ser encorajados a citar outros exemplos

    alm dos que aparecem no texto.

    exerccios

  • ensino mdio 1- srie 24 sistema anglo de ensino

    Tarefa MnimaQue diferenas entre os pensamentos de Plato

    e Aristteles so apontadas pelo texto que segue?

    Essa compreenso foi obtida atravs da idia aristot-lica de potencialidade idia essa excepcionalmentecapaz de proporcionar uma base conceitual para a mu-tao e para a continuidade, ao mesmo tempo. Par-mnides no permitira a possibilidade racional de mu-dana real, porque algo que no pode se transformarem algo que no , porque no no pode existir, pordefinio. Plato, tambm atento ao ensinamento deHerclito de que o mundo natural est em fluxo cons-tante, havia, por conseguinte, localizado a realidade nasFormas imutveis que transcendiam o mundo emprico[isto , o mundo percebido pela experincia]. Mostrou, noentanto, uma distino verbal que lanou luz no proble-ma de Parmnides. Este no fazia distino entre dois sig-nificados claramente diferentes da palavra de umlado pode-se dizer que uma coisa no sentido de queela existe, enquanto que do outro pode-se dizer que quente ou um homem no sentido afirmvel de umpredicado. Baseado nessa importante distino, Aristte-les afirmou que uma coisa pode mudar e tornar-se outrase houver uma substncia sucessora que sofra a mudanade um estado real, determinado pela forma inerente aessa substncia. Desse modo, Aristteles movia-se para areconciliao com as Formas platnicas atravs de fatosempricos de processos dinmicos naturais e sublinhavamais profundamente a capacidade do intelecto humanoem reconhecer esses padres formais no mundo sensvel.

    (Adaptado de R.Tarnas, A Epopia do Pensamento Ocidental.)

    Segundo Aristteles, a partir da observao do mun-

    do sensvel se percebem as mudanas que ocor-

    rem nas coisas. Nesse sentido, o mundo est em cons-

    tante mudana, e o intelecto (ou a razo) tem condies

    de reconhecer os padres e a dinmica dessas mudan-

    as. Plato, por sua vez, afirma a existncia de formas

    imutveis.

    Tarefa ComplementarA valorizao do mundo material foi uma grande

    contribuio do pensamento aristotlico. SegundoAristteles, para se obter o conhecimento do uni-verso, deve-se estudar as causas materiais das coi-sas e, a partir delas, buscar uma aproximao entreas causas formais e finais. Essa afirmao nos fazpensar sobre a importncia de uma atuao cons-

    ciente no mundo, j que o homem tambm um cria-dor de formas e deveria refletir sobre a finalidade eadequao de suas criaes.

    Tendo isso em vista, observe as imagens da ar-tista talo-brasileira Anna Maria Maiolino em ao eleia trecho que trata de seu trabalho escultrico.

    Todos esses objetos tm a marca da mo. a moque faz, modela, compacta, aperta, amassa, estica. Amo faz, o molde. Em geral, tudo que a mo realiza nodia-a-dia tende a desaparecer sem nos darmos conta.At mesmo no prprio momento em que agimos. Elaage e nos esquecemos daquilo que ela toca, apanha,pega, puxa, entre tantas outras aes. ()

    Na sociedade industrial moderna, a repetio estassociada diviso social do trabalho e alienao. Otrabalho repetitivo domina os indivduos sem que elessejam capazes de totalizar o seu sentido. Suas aespermanecem sempre um fragmento desarticulado. Estasituao universal tambm tende a impregnar o cotidia-no, tornando-o cada vez mais mecnico e programado.Da, freqentemente, no nos darmos conta das mos edas aes. Elas parecem ter adquirido uma independn-cia que as coloca, em ltima instncia, alm da cons-cincia. Tornam-se meros instrumentos operativos e es-pecializados.

    (Paulo Venncio Filho, A mo que faz, texto que integra ocatlogo da mostra itinerante lnside the Visible, Kanaal Art

    Foundation, Kortrijk, Blgica.)

    Agora, reflita: em sua opinio, qual a importn-cia do fazer para o homem e quais as possveisconseqncias de uma atuao pouco conscientesobre a realidade?

    A resposta livre e pode resultar tanto de uma reflexo

    pessoal quanto de um amplo debate com a turma.

    Sobre a importncia do fazer, dificilmente os alunos

    chegaro concluso de que no importante para o

    homem, j que uma das caractersticas humanas jus-

    tamente a capacidade de atuar sobre a realidade, de

    criar formas. Alguns podem lembrar que, muitas vezes, o

  • ensino mdio 1- srie 25 sistema anglo de ensino

    homem acusado de brincar de Deus (e, nesse sentido,

    a imagem da artista modelando o barro pode muito bem

    ser associada ao mito bblico da criao do homem).

    Sobre as conseqncias de uma atuao pouco cons-

    ciente, os exemplos so diversos e podem se referir tanto

    a aspectos pessoais quanto a problemas sociais mais

    amplos. bem possvel que os alunos se lembrem de

    efeitos negativos decorrentes da m utilizao da tec-

    nologia, como o aquecimento global, assunto que tem re-

    cebido grande destaque na mdia.

    O Deus Aristotlico

    Aristteles dividiu o universo fsico em duas par-tes: a regio sublunar e a regio supralunar. A re-gio sublunar constituda de quatro elementos:terra, gua, ar e fogo, e cada um deles tem seu lugarnatural. Assim, terra e gua, que so corpos pesa-dos, tm seu lugar natural embaixo: uma vez joga-dos, tendem a cair. J o fogo e o ar so leves; seulugar natural em cima. Cada coisa tende a per-manecer em um lugar esttico no universo, em re-pouso, e s retirada desse lugar por meio de um

    movimento violento. Para que esse movimento serealize, necessrio que um motor se una ao obje-to que retirado do repouso. Esse motor pode serentendido como o cavalo que puxa uma carroa oucomo a mo que arremessa a pedra.

    J a regio supralunar constituda pelo ter ese caracteriza pelos movimentos circulares e con-tnuos (ao contrrio da regio sublunar, onde pre-domina o movimento retilneo e descontnuo). Daa perfeio da regio, uma vez que o crculo, qued forma ao movimento dos corpos celestes, afigura mais perfeita. O mundo supralunar seriaconstitudo de uma sucesso de esferas, cada qualfuncionando como motor da esfera que estabaixo. Ao final dessa sucesso de esferas se en-contraria o primeiro motor, um Ato Puro movi-mentando o universo como sua causa final. Aris-tteles chama o primeiro motor de Deus. Trata-sede um Ser eterno e imvel, uma Forma perfeita-mente realizada e sem existncia fsica: dot-lo deexistncia fsica seria coloc-lo no fluxo de mu-danas, limitando, portanto, sua perfeio. Semparticipar do processo de transformaes e reali-zaes, o Deus de Aristteles pensamento auto-contemplativo, um pensamento que se pensa a simesmo.

    Ao se referir ao mundo supralunar, Aristtelesacabou por abordar um objeto que estava alm domundo material, ou seja, alm da fsica. Nesse senti-do, surgiu a expresso metafsica, que se refere atudo aquilo que est alm da experincia dos senti-dos (por exemplo, a idia de deus).

    LEITURA COMPLEMENTAR

  • ensino mdio 1- srie 26 sistema anglo de ensino

    As cinciasPara pensar

    Observe a imagem:

    Leonardo da Vinci. Homem vitruviano, 1492.

    Saber poder, afirmou o pensador Francis Bacon no sculo XVI. Com isso, ele quis dizer que oconhecimento cientfico da natureza permite dom-la, ou seja, utiliz-la em benefcio do homem. AFilosofia, uma cincia humana, distingue-se das cincias da natureza por no estar voltada exatamentepara o domnio dos recursos naturais.

    Em sua opinio, a afirmao de Bacon de que saber poder tambm se aplicaria s cincias hu-manas (por exemplo, Histria e Geografia)?

    O Homem no centro do Universo pode ser con-siderado o pilar da nova mentalidade que se inau-gura no perodo histrico conhecido como Re-nascimento. tambm o tema do desenho de Leo-nardo da Vinci, baseado no tratado de Vitruvio arquiteto romano do sculo I a.C. Por apresentar

    um cnone das propores do corpo humano combase num raciocnio matemtico e na divina pro-poro, o trabalho considerado por muitos osmbolo do esprito renascentista, e seu autor,misto de artista e cientista, o arqutipo do homemdo Renascimento.

    Aula 6

  • ensino mdio 1- srie 27 sistema anglo de ensino

    Renascimento cultural e nascimento das cincias

    J falamos sobre a importncia das concepesde Plato e Aristteles para o desenvolvimento dopensamento ocidental. Porm, a partir do sculo IV,o triunfo do cristianismo no Ocidente resultou emum deslocamento das perspectivas sobre o saber,no cabendo mais Filosofia a busca de um conhe-cimento verdadeiro, que, nesse novo contexto, pas-sou a ser dado pela Sagrada Escritura. As correntesde pensamento dominantes no perodo conhecidono Ocidente como Idade Mdia (sculos V a XV) su-bordinaram a especulao filosfica religio e ti-nham como foco a questo da salvao da alma.

    Com o Renascimento, a partir do sculo XIV,originaram-se novas formas de saber independen-tes da Igreja e do pensamento teocntrico. Desseprocesso de renovao cultural e intelectual resul-tou o desenvolvimento de uma nova forma de expli-cao da natureza, separada da religio, que passoua ser conhecida como cincia.

    Uma conseqncia do Renascimento e do estabe-lecimento do mtodo cientfico foi a definio de umcampo de saber especfico chamado de cincia mo-derna, cujo desenvolvimento deixou de estar neces-sariamente vinculado Filosofia. Por exemplo, a Fsica,assim como outras cincias, tem seu objeto de estudoclaramente delimitado e mtodos especficos para li-dar com ele. Nesse sentido, apresenta duas caracte-rsticas da cincia moderna: particular, pois estudaapenas seu objeto; mas tambm geral, pois o conhe-cimento que produz trata de fenmenos que se repe-tem na natureza, podendo caracterizar-se como leis.

    Galileu Galilei e o mtodo cientfico

    Um dos mais importantes pensadores do Re-nascimento ligados ao desenvolvimento do conhe-cimento cientfico foi Galileu Galilei (1564 1642).Viveu na Itlia e foi influenciado por Nicolau Co-prnico (1473 1543), defensor do heliocentrismo concepo segundo a qual a Terra gira em tornodo Sol. Ao desenvolver o telescpio, Galileu am-pliou o alcance das observaes de Coprnico, vali-dando suas concluses. Dessa forma, contrariou aIgreja catlica, que defendia o geocentrismo. Gali-leu foi julgado pelo tribunal da Inquisio em 1533e foi obrigado a desmentir suas teorias.

    Alm de ter realizado descobertas especficas nocampo da Fsica e da Matemtica, foi responsvelpelo desenvolvimento de um novo olhar sobre a rea-lidade, de uma nova forma de abordar os fenme-nos do mundo natural. Esse novo olhar pode ser resu-mido pelos trs princpios de seu mtodo cientfico:

    1) observao rigorosa dos fenmenos, livre dainfluncia de idias preestabelecidas e tidascomo verdadeiras.

    2) experimentao, por meio da qual fenmenospodem ser reproduzidos para serem mais bemobservados. A experimentao deve servir comoprova, legitimando certa teoria.

    3) regularidade matemtica observvel na repe-tio dos fenmenos que, dessa forma, podemser expressos por meio de equaes.

    Ao investigar um fenmeno da natureza, primei-ro concebo com a mente, escreveu Galileu. Essa afir-mao refere-se quela que talvez seja a etapa maisrdua da investigao cientfica, o estabelecimentode uma hiptese uma explicao dos fenmenosconcebida com base na reflexo e a partir da qual sefar a observao, visando sua verificao.

    Nesse contexto, a experimentao s tem sentidoquando subordinada razo. Em outras palavras, ateoria (sob a forma de modelos matemticos), orien-ta a maneira como o mundo natural ser questiona-do e como as respostas sero interpretadas.

    Cincia e realidade

    O crescente conhecimento cientfico da naturezapossibilitou a explorao cada vez mais ampla e in-tensa dos recursos naturais. A Revoluo Industrial,a partir do final do sculo XVIII, acentuou o desen-

    Cincia ou f?

    O fsico ingls Isaac Newton (1642 1727) deuum importante passo na explicao do mundonatural, ao conceber a Lei da Gravitao Univer-sal e apresentar os fundamentos da chamada me-cnica clssica. As leis formuladas por Newton seaplicam a todo o universo, servindo, inclusive, paraexplicar os movimentos dos planetas e das estre-las.

    As teorias de Newton abalaram fortemente aviso da Igreja catlica, baseada na separaoentre cu e terra. Porm, o prprio Newtonafirmou que suas descobertas haviam reforadosua f, pois somente um Deus seria capaz decriar leis to perfeitas. Nesse contexto, nasceu aconcepo de Deus como relojoeiro universal,capaz de criar um universo complexo, bem comoas leis que o mantm em funcionamento, sem anecessidade de interveo na vida terrena doshomens.

  • ensino mdio 1- srie 28 sistema anglo de ensino

    volvimento da tecnologia, isto , a aplicao doconhecimento cientfico produo em geral. Pormeio dela, o mundo transformou-se rapidamente.Prova dessa transformao a quantidade de obje-tos tecnolgicos que empregamos no cotidiano (au-tomveis, televiso, microcomputador, livros impres-sos por meios mecnicos, roupas produzidas pormquinas, etc.)

    Mas, apesar dos muitos benefcios gerados pelodesenvolvimento tecnolgico, a aplicao do conhe-cimento cientfico coloca em cheque a neutralidadeda cincia. Se esse tipo de conhecimento obtidopor meio de mtodos universais e chega a leis tam-bm universais, deveria ser neutro, no cabendo aele nenhum sentido econmico ou poltico. Mas issono o que se observa na realidade.

    Vejamos um exemplo: a fsica pura do tomo nopode ser considerada neutra, uma vez que est ine-vitavelmente ligada possibilidade de seu empregotecnolgico. Esse emprego inclui o desenvolvimen-to, entre outros, de armas nucleares, tornando-seprimordial a questo poltica da posse desse conhe-cimento. Nesse sentido, no existe cincia neutra.Por isso a importncia da reflexo sobre a finalidadeda pesquisa cientfica e se ela beneficiar a todos.

    As cincias humanas

    Os progressos da explicao racional da natu-reza, sobretudo aps o impacto das descobertas deNewton, influenciaram a reflexo sobre os fatos hu-manos. Em conseqncia disso, no final do sculoXVIII e, principalmente, durante o sculo XIX, per-guntava-se se haveria uma teoria geral do homem,assim como um mtodo adequado para o seu de-senvolvimento.

    Com a obra A Riqueza das Naes, de autoria deAdam Smith (1723 1790), nasceu a primeira dascincias humanas: a Economia. No sculo XIX, de-senvolveram-se a Sociologia e a Histria (para almda mera narrao de fatos passados), tendo havidoalgumas tentativas de se estabelecer um mtodo pre-ciso e adequado s suas finalidades. Num primeiromomento, essas disciplinas copiaram mtodos dascincias naturais (Fsica, Qumica e Biologia) ou dascincias formais (Matemtica e Lgica): tratava-sede uma maneira de garantir o estatuto de cientfico.

    Porm, as cincias humanas tm certas peculia-ridades que as afastam das cincias da natureza. Aprincipal delas o fato de o objeto de pesquisa seconfundir com o seu sujeito (o prprio pesquisa-dor), o que impossibilitaria a objetividade e o dis-tanciamento fundamentais para a atividade de pes-

    quisa. Outra diferena a complexidade dos fen-menos humanos, bem como a dificuldade (ou mesmoimpossibilidade) de uma formalizao nos moldesde cincias mais exatas. Alm disso, h restriesno que se refere prtica da experimentao: no possvel (com raras excees) reproduzir o compor-tamento humano em laboratrio, por exemplo.

    1. Levando-se em considerao a afirmao de Ba-con de que saber poder (veja a Leitura Com-plementar), pode-se afirmar que o Renascimen-to se caracteriza como um momento histrico deretomada do poder pelo homem? Justifique suaresposta.

    O Renascimento pode ser considerado um mo-

    mento histrico em que ocorre, no Ocidente, um

    afastamento do pensamento dogmtico da Igreja

    catlica e de sua explicao no-racional da natureza.

    Na medida em que o saber renascentista baseava-se

    cada vez mais na razo e no nascente conhecimento

    cientfico, pode-se dizer que o perodo representou uma

    retomada do poder-saber pelo homem.

    2. Em sua opinio, quais as vantagens e os peri-gos do intenso desenvolvimento tecnolgicoem meio ao qual vivemos?

    A tecnologia, quando colocada a servio do homem,

    pode trazer benefcios como avanos da medicina

    e aumento da produo de alimentos, criando

    condies para a diminuio do sofrimento humano, o

    aumento da expectativa de vida e o combate fome.

    Porm, levando-se em conta que esse desenvolvimento

    tecnolgico tambm resulta na produo de mercado-

    rias em larga escala, para satisfazer um mercado de

    massas, surgem problemas que vo desde a destruio

    do meio-ambiente at a generalizao da idia de que o

    saber s til se tiver um resultado prtico, esvazian-

    do-se a importncia de saberes como a Filosofia ou a

    Literatura.

    exerccios

  • ensino mdio 1- srie 29 sistema anglo de ensino

    3. Voc acha que as cincias humanas podem con-tribuir na discusso das questes geradas pelatecnologia? D exemplos.

    As cincias humanas, abertas para o questionamento

    dos valores e da condio humana como um todo, tm

    importante papel na definio do emprego das novas

    tecnologias. Como exemplo, podemos citar desde o uso

    da energia nuclear para a fabricao da bomba atmica

    at as pesquisas genticas, que levantam questes

    sobre a criao ou a destruio da vida e tm gerado in-

    tensos debates entre pensadores das cincias hu-

    manas.

    Tarefa MnimaDepois de ler o fragmento, responda: qual a im-

    portncia do conhecimento matemtico para Galileu?

    Parece-me tambm perceber em Sarsi slida crenaque, para filosofar, seja necessrio apoiar-se nas opi-nies de algum clebre autor, de tal forma que o nossoraciocnio, quando no concordasse com as demons-traes de outro, tivesse de permanecer estril e infe-cundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fan-tasia de um homem, como a Ilada e Orlando Furioso,livros em que a coisa menos importante a verdadedaquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa no assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livroque continuamente se abre perante nossos olhos (isto ,o universo), que no se pode compreender antes de en-tender a lngua e os caracteres com os quais est escrito.Ele est escrito em lngua matemtica. O livro da natu-reza est escrito em lngua matemtica, os caracteresso tringulos, circunferncias e outras figuras geom-tricas, sem cujos meios impossvel entender humana-mente as palavras; sem eles ns vagamos perdidos den-tro de um obscuro labirinto.

    (Galileu Galilei, O Ensaiador.)

    Para Galileu, a matemtica a linguagem atravs da qual

    a Natureza se exprime em leis racionais, perfeitamente

    capazes de serem compreendidas pelo homem.

    Tarefa Complementar

    (Leonardo da Vinci, Estudos de embries, 1509-1514.)

    Leonardo da Vinci costuma ser considerado umhomem frente de seu tempo. Muitos sculos an-tes de ser possvel captar imagens do interior dotero materno, fez desenhos de fetos que demons-travam seu profundo conhecimento sobre a ana-tomia humana. Para chegar a esse conhecimento,Leonardo participou de vrias dissecaes de cor-pos e realizou diversos estudos anatmicos, apesardo risco de ser acusado de heresia pela Igreja, quecondenava essa prtica, hoje aceita desde que reali-zada dentro de certos parmetros.

    Assim como Leonardo, cientistas freqentemen-te se colocam frente de seus contemporneos, o quecostuma gerar intensos debates, uma vez que as mu-danas propostas pela cincia muitas vezes se cho-cam com a viso de mundo estabelecida. Da muitosdefenderem a necessidade de um amplo debate ticono s sobre as descobertas cientficas e sua aplica-o, mas tambm sobre os mtodos cientficos.

    Faa uma pesquisa sobre alguma descobertaque tenha provocado discusses desse tipo. Tenteidentificar as diversas opinies sobre o assunto e,depois, posicione-se: afinal, a pesquisa cientficadeve ou no estar pautada por princpios ticos?

    A resposta livre e pode resultar tanto de uma

    reflexo pessoal quanto de um amplo debate com a

    turma. Tambm h a possibilidade de a atividade ser rea-

  • lizada em grupo e at de se constituir como uma propos-

    ta interdisciplinar, envolvendo matrias como Histria ou

    Cincias. No Manual do Professor h outras observaes

    sobre o encaminhamento dessa tarefa.

    Francis Bacon (1561 1626)

    O ingls Francis Bacon no props um sistemafilosfico abrangente, tendo se preocupado, sobre-tudo, com a questo do mtodo. O ponto de partidade seu pensamento a crtica ao pensamento aris-totlico, visto por Bacon como capaz de grandesconstrues intelectuais desprovidas de finalidade.Ou seja, todo pensamento filosfico at ento, pormais sofisticado que fosse, no havia apresentadonenhum resultado prtico para a vida dos homens.Saber poder, dizia Bacon, fazendo referncia aoque ele considerava ser a finalidade do conheci-mento: sua utilizao para a melhoria da qualidadede vida do homem. Nesse sentido, Bacon consi-derado um dos precursores do utilitarismo.

    A crtica tradio aristotlica e Filosofia an-terior como um todo tambm inclua a rejeio aoconhecimento obtido apenas atravs da especula-o racional e de proposies lgicas: para Bacon,era fundamental a experincia prtica, o empiris-mo. A partir da, props um mtodo fundado nateoria da induo. Bacon defendia a anlise atentada natureza, seja por meio de observaes ocasionais,seja por meio da realizao de experimentos. Os da-dos coletados deveriam ser submetidos a uma sriede procedimentos experimentais, conforme minu-ciosamente detalhados nas tbuas de investigaoque Bacon apresenta em sua obra Novum Organum.

    Bacon foi um dos principais idelogos da futu-ra Revoluo Industrial e do desenvolvimento tec-nolgico, uma vez que exaltava no s o empregoprtico da cincia, como a dominao da naturezae sua utilizao em benefcio do homem. ParaBacon, a cincia era capaz de desvendar todos ossegredos do universo, no restando nenhum mis-trio a ser resolvido e nenhum fenmeno inexpli-cado. O movimento intelectual chamado Iluminis-mo, a partir do sculo XVIII, compartilhava diver-sos aspectos do pensamento de Bacon, notada-mente a idia de que o conhecimento cientfico iriaemancipar o homem. No seu livro inacabado NovaAtlntida, Bacon descreveu uma sociedade ideal,

    baseada em princpios cientficos, onde predomi-navam a harmonia e a felicidade entre os homens.

    Agora, leia o fragmento que segue para respon-der questo:

    Qual a idia dos autores sobre o pensamento deBacon e sobre a neutralidade da cincia?

    Apesar de seu alheamento matemtica, Bacon cap-turou bem a mentalidade da cincia que se fez depois dele.O casamento feliz entre o entendimento humano e a na-tureza das coisas que ele tem em mente patriarcal: o en-tendimento que vence a superstio deve imperar sobre anatureza desencantada. O saber que poder no conhecenenhuma barreira, nem na escravizao da criatura, nemna complacncia em face dos senhores do mundo. Domesmo modo que est a servio de todos os fins da econo-mia burguesa na fbrica e no campo de batalha, assimtambm est disposio dos empresrios, no importasua origem. Os reis no controlam a tcnica mais direta-mente do que os comerciantes: ela to democrticaquanto o sistema econmico com o qual se desenvolve. Atcnica a essncia desse saber, que no visa conceitos eimagens, nem o prazer do discernimento, mas o mtodo, autilizao do trabalho dos outros, o capital () O que oshomens querem aprender da natureza como empreg-lapara dominar completamente a ela e a outros homens. Na-da mais importa. Sem a menor considerao consigo mesmo,o esclarecimento eliminou com seu cautrio o ltimo restode sua autoconscincia. () Poder e conhecimento sosinnimos. Para Bacon, como para Lutero, o estril prazerque o conhecimento proporciona no passa de uma esp-cie de lascvia. O que importa no aquela satisfao que,para os homens, se chama verdade, mas a operation, oprocedimento eficaz. Pois no nos discursos plausveis,capazes de proporcionar deleite, de inspirar respeito ou deimpressionar de uma maneira qualquer, nem em quaisquerargumentos verossmeis, mas em obrar e trabalhar e na des-coberta de particularidades antes desconhecidas, para me-lhor prover e auxiliar a vida [Bacon] que reside o verda-deiro objetivo e funo da cincia. No deve haver nenhummistrio, mas tampouco o desejo de sua revelao.(Theodor Adorno e Max Horkheimer, Dialtica do Esclarecimento.)

    Os autores tm uma viso bastante crtica das con-

    cepes utilitrias de Bacon, rejeitando um conhecimento

    que se volta para o desenvolvimento da tcnica, da produo

    e resulta na criao de mecanismos de explorao do tra-

    balho. Contra isso, eles apontam para o aspecto prazeroso

    da busca do conhecimento verdadeiro.

    LEITURA E EXERCCIO COMPLEMENTAR

    ensino mdio 1- srie 30 sistema anglo de ensino