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Edson Rosa Francisco de Souza GRAMATICALIZAÇÃO DOS ITENS LINGÜÍSTICOS ASSIM, E NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UM ESTUDO SOB A PERSPECTIVA DA GRAMÁTICA DISCURSIVO- FUNCIONAL Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- graduação em Lingüística do IEL-UNICAMP, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Lingüística. Área de Concentração: Lingüística Textual Orientadora: Profa. Dra. Ingedore Grunfeld Villaça Koch Campinas 2009

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Edson Rosa Francisco de Souza

GRAMATICALIZAÇÃO DOS ITENS LINGÜÍSTICOS ASSIM,

JÁ E AÍ NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: UM ESTUDO SOB

A PERSPECTIVA DA GRAMÁTICA DISCURSIVO-

FUNCIONAL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Lingüística do IEL-UNICAMP, como requisito

para a obtenção do título de Doutor em Lingüística.

Área de Concentração: Lingüística Textual Orientadora: Profa. Dra. Ingedore Grunfeld Villaça Koch

CCaammppiinnaass 2009

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL – Unicamp So89g

Souza, Edson Rosa Francisco.

Gramaticalização dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português Brasileiro : um estudo sob a perspectiva da Gramática Discursivo-Funcional / Edson Rosa Francisco de Souza. -- Campinas, SP: [s.n.], 2009.

Orientador : Ingedore Grunfeld Villaça Koch. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto

de Estudos da Linguagem. 1. Lingüística textual. 2. Mudança lingüística. 3. Funcionalismo

(Gramática). 4. Língua portuguesa - Gramaticalização. I. Koch, Ingedore Grunfeld Villaça. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

oe/iel Título em inglês: Grammaticalization of linguistic items ‘assim’, ‘já’ and ‘aí’ in Brazilian Portuguese: a Functional Discourse Grammar approach.

Palavras-chaves em inglês (Keywords): Textual Linguistic; Linguistic change; Functionalism (Grammar); Portuguese language - Grammaticalization.

Área de concentração: Lingüística.

Titulação: Doutor em Linguística.

Banca examinadora: Profa. Dra. Ingedore Grunfeld Villaça Koch (orientadora), Profa. Dra. Mariângela Rios de Oliveira, Profa. Dra. Marize Mattos Dall’Aglio Hattnher, Prof. Dr. Sebastião Carlos Leite Gonçalves e Prof. Dr. Angel Humberto Corbera Mori. Suplentes: Profa. Dra. Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi e Profa. Dra. Cláudia Nívea Roncarati de Souza.

Data da defesa: 27/02/2009.

Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Linguística.

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BANCA EXAMINADORA

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AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente, por estar sempre comigo; À Fundação de Amparo à Pesquisa da FAPESP (04/10894-0), pelo apoio financeiro; Ao Programa Alban (Portugal), Programa de bolsas de Alto Nível da União Européia para América Latina (bolsa nº E07D401109BR), pela bolsa concedida durante o Doutorado Sanduíche na Universiteit van Amsterdam, no período de setembro/2007 a setembro/2008; À Profa. Dra. Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi, por ser um exemplo de profissional dedicada à pesquisa e ao trabalho como docente, por ser uma pessoa sempre muito agradável e de bom coração. Muitíssimo obrigado pelas valiosas sugestões por ocasião do exame de qualificação; Ao Prof. Dr. Sebastião Carlos Leite Gonçalves, por ser um profissional extremamente simétrico, capacitado, corajoso e dono de um coração ‘humano’. Carlos, muito obrigado pela amizade, pela compreensão e pelas sugestões sempre proveitosas durante o exame de qualificação; À Profa. Dra. Mariângela Rios de Oliveira, pelos elogios e incentivo durante a minha carreira acadêmica, e também por participar da minha banca de Doutorado no IEL/UNICAMP, que, sem dúvida, muito contribuiu para a apresentação da versão definitiva desta tese; Ao Prof. Dr. Angel Corbera Mori, pelas leituras orientadas durante o Doutorado, pela confiabilidade, e também por aceitar o convite para fazer parte da minha banca de Doutorado no IEL/UNICAMP; Às Profas. Dras. Anna Bentes e Edwiges Morato, pela amizade, pelo apoio em momentos estratégicos, pelas excelentes aulas ministradas nas salas de aula do IEL/UNICAMP. Obrigado! Ao Prof. Dr. Roberto Gomes Camacho, pelo profissionalismo, pela amizade, pelo apoio, pela confiança, pelas conversas sempre muito enriquecedoras e também por ser um ótimo guia turístico; À Profa. Dra. Erotilde Goreti Pezatti, por ter sido a minha primeira orientadora, por ter acreditado em mim, por ter me ensinado dar os primeiros passos no Funcionalismo, enfim, obrigado por tudo; Aos todos os membros do GPGF (Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional), pelas discussões sobre a GDF, pelos esclarecimentos de dúvidas sobre a teoria, enfim, pela paciência; A todos os professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP/Campinas, em especial ao Cláudio, a Rose e ao Miguel, pela paciência, ajuda e compreensão durante os meus quatro anos de Doutorado; Aos funcionários da Biblioteca do IEL/UNICAMP, pelas orientações nas pesquisas bibliográficas; Aos velhos amigos, Marcos, Eduardo, Alessandra, Taísa, Lisângela, Ana, Valéria, Liliane, Gisele, Joceli, Talita, Angélica, Solange, Fernanda e Lucivânia, e tantos outros que me são importantes; Aos novos amigos de agora, Cássio, Fábio e Antônio, pelas várias piadas e pela amizade.

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

À Profa. Dra. Ingedore Grunfeld Villaça Koch, por ter me acolhido carinhosamente como orientando, por dividir os seus conhecimentos, por me incentivar em vários momentos do

Doutorado, por ser paciente e entender o meu ritmo de trabalho. Inge, sou muito grato por tudo o que fez por mim;

Ao Prof. Dr. Kees Hengeveld, pela amizade, humildade, sinceridade, confiança e credibilidade, e também por ter me orientado durante o período em que estive na Universiteit van Amsterdam, em razão das minhas atividades de Doutorado Sanduíche, no curso Research Master in Linguistics.

À Profa. Dra. Marize Mattos Dall’Aglio Hattnher, por ser antes de tudo a minha ex e sempre orientadora querida, que me ensinou muitas coisas boas, por ser uma grande profissional,

engajada, atenta, e sempre de olhar no futuro. Marize, a minha gratidão por você é algo assim imensurável;

À Profa. Dra. Maria Luiza Braga, mais conhecida como “Malu”, por ser uma pessoa muito

generosa, alegre, espontânea, de um coração enorme e de uma alma belíssima. Malu, você fez com que a nossa estadia (minha e da Valéria) em Amsterdam fosse muito mais aprazível.

Obrigado por várias coisas aí;

Aos Profs Drs Lachlan Mackenzie e Evelien Keizer, pelas sugestões durante a execução deste trabalho, pelas conversas sempre frutíferas e pela amizade. Agradeço também a Gerry Wanders,

da Universiteit van Amsterdam, que é uma pessoa muito amável e extremamente prestativa;

A minha amiga, Valéria Vendrame, pela versão do resumo em Inglês, pela amizade e por quase sempre entender as minhas desistências de última hora nos passeios por Amsterdam e arredores;

A minha mãe, dona Anésia, meu porto seguro, por ser um exemplo de mulher batalhadora, de

bondade e honestidade. Mãe, muito obrigado por tudo;

Ao meu querido pai, sr. Antônio, que partiu antes do tempo e me deixou sem direção. Pai, o que existir de bom neste trabalho é dedicado a você. Muitas saudades;

Aos meus pais postiços, Vanderlei e Denir, por serem pessoas especiais e por sempre me

ajudarem nos momentos mais difíceis da vida. Serei eternamente grato a vocês dois;

Aos meus irmãos Aparecido, Silvia e Nadir, por respeitarem as minhas vontades, apoiando-me sempre. Vocês são muito importantes para mim;

Aos meus sobrinhos Zurich, Patrícia, Daniele, Denise e Daiane, por estarem sempre comigo;

A minha noiva Mara, por me trazer segurança e me receber sempre com um sorriso no rosto.

Mara, obrigado por cuidar de mim. Te amo;

A minha nova família, dona Maria Alice e Vanderlei, por me receber de braços abertos.

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é analisar a multifuncionalidade dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, sob a perspectiva teórica da Gramática Discursivo-Funcional (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008) e da Gramaticalização (HOPPER & TRAUGOTT, 1993; TRAUGOTT, 1995; etc), levando em consideração suas funções dêiticas, textuais, interacionais. Nesse contexto, a gramaticalização é entendida aqui como um processo de mudança lingüística que leva um item lexical (ou gramatical) a assumir funções mais gramaticais, em direção ao componente pragmático da língua (TRAUGOTT, 1982; TRAUGOTT, 1995, 1999; TRAUGOTT & KÖNIG, 1991). Em outras palavras, trata-se de um processo de mudança que envolve, segundo os autores, tanto o aumento gradual da pragmatização do significado (inferência) quanto o aumento de abstratização do item lingüístico (estratégias metafóricas), que parte do uso mais concreto para o uso mais abstrato/expressivo.

Assim, com base nos postulados teóricos da Gramaticalização e da Gramática Discursivo-Funcional, meu propósito é mostrar que os itens assim, já e aí podem ser analisados conforme os níveis (Representacional e Interpessoal) e as camadas (semânticas e pragmáticas) de organização da GDF, de modo que a expansão funcional desses elementos nos níveis e nas camadas da GDF pode ser elencada como uma evidência lingüística de que esses elementos estão se gramaticalizando na língua, assumindo outras funções gramaticais e discursivas ao longo do seu percurso de mudança lingüística, em direção às dimensões textual e interacional da língua.

De posse das categorias semânticas e pragmáticas propostas pela GDF, mostro que os usos mais concretos de assim, já e aí, tais como os de advérbio de modo, advérbio de tempo e advérbio de lugar, respectivamente, estão situados na camada do evento, do Nível Representacional, e à medida que esses itens vão assumindo outras funções na língua, tais como funções textuais (advérbio anafórico, advérbio catafórico, introdutor de episódios, advérbio relacional e conjunção coordenativa e subordinativa) e funções discursivas (introdutor de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de subatos referencial e adscritivo, marcador discursivo e organizador de tópico), esses elementos passam também a operar em outras camadas do Nível Representacional e do Nível Interpessoal, percorrendo uma trajetória unidirecional de mudança, que vai do Nível Representacional para o Nível Interpessoal. Essa trajetória de GR dos dados atuais de assim, já e aí é parcialmente confirmada pela análise diacrônica desses elementos adverbiais em documentos históricos dos séculos XIII-XX. A análise diacrônica, além de atestar o caráter gradual da mudança, consegue capturar vários estágios de GR dos itens assim, já e aí, em especial os usos textuais, que se mantêm até os dias atuais.

A análise dos dados é composta por 2914 ocorrências extraídas dos 38 inquéritos do Banco de dados IBORUNA. Desse total, o item aí responde por 45% (1298/2914) dos dados e o item assim por 41% (1199/2914). O item já é o menos freqüente nos inquéritos analisados, somando apenas 417 ocorrências (14% dos dados). Em linhas gerais, a análise dos dados mostra que, em termos de GR, o item lingüístico assim é o elemento mais gramaticalizado nos dados catalogados do Português, que, além de operar nas camadas semânticas do Nível Representacional, opera também na camada mais elevada do Nível Interpessoal, que é a do movimento, definida como a mais gramatical/expressiva. Em seguida, tem-se o item aí, que exerce funções interacionais somente até a camada do ato discursivo, que é escopada pela camada do movimento. Nesse sentido, comparado aos demais itens em análise, o item já mostrou ser o menos gramaticalizado, pelo fato de seus usos se concentrarem mais nas camadas semânticas do Nível Representacional, com apenas alguns usos interpessoais. Essa configuração funcional é ratificada pelos critérios de GR de Hopper (1991), que mostram que os itens lingüísticos assim, já e aí estão ainda em processo de mudança, fato que é confirmado pelos parâmetros de GR de Lehmann (1995), que apontam que esses itens ainda gozam de uma certa autonomia no Português brasileiro, justamente por atuarem também como advérbios de modo, tempo e lugar.

Palavras-chave: mudança lingüística; gramática discursivo-funcional; gramaticalização; itens adverbiais de modo, tempo e lugar, pragmatização.

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ABSTRACT

This study aims at analyzing the multifunctionality of the items assim ‘thus’, já ‘already’ and aí ‘there’ in Brazilian Portuguese, according to the theoretical approaches of Functional Discourse Grammar (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008) and Grammaticalization (HOPPER & TRAUGOTT, 1993; TRAUGOTT, 1995; etc.), taking into account their deictic, textual and interactional functions. Grammaticalization is considered here as a process of linguistic change in which a lexical (or grammatical) item fulfills more grammatical functions, in the direction of the pragmatic component of the language (TRAUGOTT, 1982; TRAUGOTT, 1995, 1999; TRAUGOTT & KÖNIG, 1991). In other words, it is a process of change which includes, according to the authors, both the gradual increase of meaning pragmatization (inference) and the increase of the linguistic item abstratization (metaphorical strategies), which develops from the more concrete use to the more abstract/expressive use.

Thus, based on the theoretical postulates of Grammaticalization and the ones of Functional Discourse Grammar, I aim at showing that the linguistic items assim, já and aí can be analyzed according to the levels (Representational and Interpersonal) and the layers (semantic and pragmatic) of organization of FDG, in such a way that the functional expansion of these elements in the levels and layers of FDG can be considered as a linguistic evidence that these elements are grammaticalizing in the language, fulfilling other grammatical and discursive functions through their path of change, in direction to the textual and interactional dimensions of the language.

Considering the FDG semantic and pragmatic categories, I show that the more concrete uses of assim, já and aí, such as the ones of manner, time and place adverbs, respectively, are placed in the event layer, in the Representational Level, and as soon as these items fulfill other functions in the language, such as textual functions (anaphoric and cataphoric adverbs, episode introducer, relational adverb and coordinative and subordinative conjunctions) and discursive functions (Communicated content introducer, approximative operator of Referential and Ascriptive subacts, discourse marker and topic organizer), these elements start to operate in other layers in the Representational Level and in the Interpersonal Level, going through an unidirectional path of change, which goes from the Representational Level to the Interpersonal Level. This GR path of the current data of assim, já and aí is partially confirmed by the diachronic analysis of these adverbial elements in historical documents of the XII-XX centuries. The diachronic analysis, besides attesting the gradual feature of the change, shows several GR stages of the items assim, já and aí, specially the textual uses, which are maintained up until now.

The analysis of the data is composed by 2914 occurrences from 38 interviews from IBORUNA database. From this total number, the item aí corresponds to 45% (1298/2914) and the item assim comprises 41% (1199/2914). The item já is the least frequent in the analyzed interviews, with only 417 occurrences (14% of the data). Generally speaking, the data analysis shows that, in terms of GR, the linguistic item assim is the most grammaticalized element in the collected data of Brazilian Portuguese, it, besides functioning in the semantic layers at the Representational Level, also functions in the higher layer of the Interpersonal Level, which is the one of the movement, defined as the most grammatical/expressive one. The linguistic item aí has interactional functions only until the layer of the discourse act, which is under the scope of the movement layer. Thus, compared to the other items under analysis, the item já is the least grammaticalized one, since its uses are more concentrated in the semantic layers of the Representational Level, with only some interpersonal uses. This functional configuration is confirmed by the GR criteria proposed by Hopper (1991), which shows that the linguistic items assim, já and aí are still in the process of change. This is confirmed by the GR parameters proposed by Lehmann (1995), which show that these items have still some autonomy in Brazilian Portuguese, since they also function as adverbs of manner, time and place.

Keywords: linguistic change; Functional Discourse Grammar; grammaticalization; manner, time and place adverbial items; pragmatization.

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LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS

CAPÍTULO I PAG. Figura 1. Plano geral da GDF ............................................................................................ 40 Figura 2. O Nível Interpessoal ............................................................................................ 42 Figura 3. O Nível Representacional .................................................................................... 48 Figura 4. O Nível Morfossintático ........................................................................................ 52 Figura 5. O Nível Fonológico ............................................................................................... 54 Quadro 1 Relação entre níveis de organização e operações da GDF ............................. 39 Quadro 2. Relação entre categorias interpessoais, operadores e modificadores ............. 47 Quadro 3. Relação entre categorias semânticas, operadores e modificadores ................ 51 CAPÍTULO II PAG. Figura 1. Parâmetros de GR de Lehamann (Adaptado de Lehmann, 1995) ........... 81 Figura 2. Fases de gramaticalização (Lehmann, 1995) .................................................... 82 Figura 3. Transferências metonímicas e metafóricas de significados na GR .................. 89 Figura 4. Etapas de desenvolvimento de be going to (Hopper & Traugott, 1993) .......... 90 Figura 5. Correlação entre os níveis e as camadas da GDF............................................ 92 Quadro 1. Apontamentos e questionamentos sobre a GDF ............................................... 68 Quadro 2. Categorias lexicais x categorias gramaticais (Heine et alii, 1991) ...................... 72 Quadro 3 Princípios de GR de Heine & Reh (Adaptado de Heine & Reh, 1984) ............ 79 Quadro 4. Relação entre categorias cognitivas, classes de palavras e constituintes ....... 88 Quadro 5. Correlação entre os níveis da GDF e a GR (Adaptado de Keizer, 2007) ........ 98 Quadro 6. Traços lexicais e gramaticais de morfemas livres no Inglês (Keizer, 2007) ..... 99 Quadro 7. Trajetória de mudança de ‘indeed’ (Adaptado de Traugott, 1995) ................... 105 CAPÍTULO III PAG. Figura 1. Representação do processo de coordenação (Dik, 1989) ....................... 128 Quadro 1. Valores semânticos de already, still e yet do Inglês (Adaptado de Hirtle, 1997)..... 114 Quadro 2. Usos dos itens assim, já e aí no Português atual............................................... 119

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CAPÍTULO IV PAG. Figura 1. Os percursos de GR de assim, já e aí na GDF ....................................... 181 Quadro 1. Correlação entre os itens assim, já e aí e os níveis da GDF ............................ 179 Quadro 2. Trajetória de GR de assim, já e aí no Português contemporâneo .................... 181 Quadro 3 Trajetória de GR de assim no Português contemporâneo ................................ 181 Quadro 4. Trajetória de GR de já no Português contemporâneo ....................................... 181 Gráfico 1. Freqüência de aí no Português contemporâneo ................................................ 136 Tabela 1. Papéis desempenhados pelos itens assim, já e aí no Português brasileiro..... 137 Tabela 2. Nível de atuação dos itens lingüísticos assim, já e aí ........................................ 152 Tabela 3. Correlação entre os usos de assim, já e aí e os níveis da GDF ....................... 153 Tabela 4. Camadas de atuação dos itens lingüísticos assim, já e aí ................................ 153 Tabela 5. Correlação entre os tipos de papéis e camadas semânticas da GDF ............. 155 Tabela 6. Correlação entre os tipos de papéis e camadas pragmáticas da GDF ............ 157 Tabela 7. Domínios de ocorrência de assim, já e aí ........................................................... 158 Tabela 8. Correlação entre os componentes de Traugott e as camadas da GDF............ 159 Tabela 9. Mobilidade sintática dos itens assim, já e aí ....................................................... 160 Tabela 10. Freqüência de assim, já e aí nos diferentes tipos de texto do IBORUNA......... 163 Tabela 11. Correlação entre os usos representacionais de assim, já e aí e os tipos de texto..... 164 Tabela 12. Correlação entre os usos interpessoais de assim, já e aí e os tipos de texto... 165

CAPÍTULO V

PAG. Quadro 1. O papel da freqüência no processo de GR (Adaptado de Bybee, 2003) ......... 187 Quadro 2. Correlação entre assim e as categorias semânticas e pragmáticas da GDF .... 227 Quadro 3 Correlação entre já e as categorias semânticas e pragmáticas da GDF ......... 227 Quadro 4. Correlação entre aí e as categorias semânticas e pragmáticas da GDF ......... 228 Quadro 5. Níveis e camadas de operação de assim .......................................................... 229 Quadro 6. Níveis e camadas de operação de já .................................................................. 230 Quadro 7. Níveis e camadas de operação de aí ................................................................. 230 Quadro 8. Trajetória de GR de assim no Português ........................................................... 232 Quadro 9. Trajetória de GR de já no Português .................................................................. 232 Quadro 10. Trajetória de GR de aí no Português .................................................................. 232 Gráfico 1. Freqüência textual dos itens assim, já e aí no Português arcaico..................... 191 Gráfico 2. Freqüência textual dos itens assim, já e aí no Português moderno ................. 209 Gráfico 3. Freqüência textual dos itens assim, já e aí no Português contemporâneo ...... 215 Gráfico 4. Distribuição de assim, já e aí nos estágios anteriores do Português ................ 223 Gráfico 5. Evolução de assim no Português (Séculos XIII-XX) .......................................... 224

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Gráfico 6. Evolução de já no Português (Séculos XIII-XX) ................................................. 225 Gráfico 7. Evolução de aí no Português (Séculos XIII-XX) ................................................ 226 Tabela 1. Usos de assim no século XIII .............................................................................. 192 Tabela 2. Usos de já no século XIII ..................................................................................... 194 Tabela 3. Usos de aí no século XIII ..................................................................................... 195 Tabela 4. Usos de assim no século XIV .............................................................................. 196 Tabela 5. Usos de já no século XIV ..................................................................................... 201 Tabela 6. Usos de aí no século XIV ..................................................................................... 203 Tabela 7. Usos de assim no século XV ............................................................................... 205 Tabela 8. Usos de já no século XV ..................................................................................... 207 Tabela 9. Usos de aí no século XV ..................................................................................... 208 Tabela 10. Usos de assim no século XVI .............................................................................. 209 Tabela 11. Usos de já no século XVI ..................................................................................... 211 Tabela 12. Usos de aí no século XVI ..................................................................................... 212 Tabela 13. Usos de assim no século XVII ............................................................................. 213 Tabela 14. Usos de já no século XVII..................................................................................... 214 Tabela 15. Usos de aí no século XVII..................................................................................... 214 Tabela 16. Usos de assim no século XVIII............................................................................. 216 Tabela 17. Usos de já no século XVIII ................................................................................... 217 Tabela 18. Usos de aí no século XVIII ................................................................................... 218 Tabela 19. Usos de assim no século XIX .............................................................................. 219 Tabela 20. Usos de já no século XIX ..................................................................................... 220 Tabela 21. Usos de aí no século XIX ..................................................................................... 221 Tabela 22. Usos de assim no século XX ............................................................................... 221 Tabela 23. Usos de já no século XX ...................................................................................... 222 Tabela 24. Usos de aí no século XX ...................................................................................... 222

CAPÍTULO VI PAG. Quadro 1. Usos conjuncionais de assim no Português brasileiro .......................................... 234 Quadro 2. Usos conjuncionais de já no Português brasileiro................................................ 234 Quadro 3. Usos conjuncionais de aí no Português brasileiro................................................ 235 Quadro 4. Os componentes da proposta de GR de Traugott ................................................. 243 Quadro 5. Funções do item lingüístico assim segundo a proposta de Traugott ................... 243 Quadro 6. Funções do item lingüístico já segundo a proposta de Traugott .......................... 244 Quadro 7. Funções do item lingüístico aí segundo a proposta de Traugott .......................... 244 Quadro 8. Correlação entre a proposta de GR de Traugott e a GDF .................................... 246 Quadro 9. Correlação entre a proposta de GR de Sweetser e a GDF .................................. 246 Quadro 10. Relação entre os usos de assim e o componente expressivo de Traugott ......... 247 Quadro 11. Aplicação dos critérios de GR aos itens assim, já e aí .......................................... 249

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LISTA DE ABREVIATURAS a) Questões teóricas DC – Discursivização GDF – Gramática Discursivo-Funcional GF – Gramática Funcional GR – Gramaticalização MD – Marcador discursivo PB – Português Brasileiro b) Níveis de organização NR – Nível Representacional NI – Nível Interpessoal NM – Nível Morfossintático NF – Nível Fonológico c) Categorias semânticas e pragmáticas f – Propriedade x – Indivíduo e – Evento p – Conteúdo proposicional ep – Episódio M – Movimento A – Ato discursivo C – Conteúdo comunicado T – Subato Adscritivo R – Subato Referencial d) Operadores APPROX – Aproximativo EMPH – Ênfase

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SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................................. 9 ABSTRACT .............................................................................................................................. 11 LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS ...................................................................... 13 LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................... 17

INTRODUÇÃO 23

1. Palavras iniciais ......................................................................................................... 23 2. Objetivos do estudo.................................................................................................... 26

3. Hipóteses de trabalho ................................................................................................ 28 4. Corpora de análise e metodologia ............................................................................. 28

5. Organização geral da tese ........................................................................................ 30 1. GRAMÁTICA (DISCURSIVO) FUNCIONAL: QUESTÕES DE GRAMÁTICA, DISCURSO E UNIDADES DE ANÁLISE

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1. Introdução .................................................................................................................. 31 2. O Discurso como parte da gramática ........................................................................ 34 3. A Gramática Discursivo-Funcional na sua versão atual ............................................ 36

3.1. Níveis de representação................................................................................. 38 3.1.1. Arquitetura geral da GDF........................................................................... 40 3.1.2. O nível interpessoal................................................................................... 42

3.1.2.1. Movimentos e suas funções retóricas......................................... 44 3.1.2.2. Atos discursivos, relações internas e funções retóricas............. 45

3.1.3. O nível representacional............................................................................ 48 3.1.4. O nível morfossintático.............................................................................. 52 3.1.5. O nível fonológico ..................................................................................... 54

4. Avaliação.................................................................................................................... 57 2. GRAMATICALIZAÇÃO E SEUS POSTULADOS TEÓRICOS 59

1. Introdução .................................................................................................................. 59 2. Definição de Gramaticalização .................................................................................. 60

3. Os modelos de GR e seus representantes ............................................................... 63 4. O Princípio da unidirecionalidade .............................................................................. 71 5. Os critérios de gramaticalização ............................................................................... 78

5.1. Parâmetros de Lehmann (1995)...................................................................... 79 5.2. Os princípios gerais de Hopper (1991)............................................................. 83

6. Mecanismos de gramaticalização ............................................................................. 87 6.1. Transferência metafórica e transferência metonímica .................................... 87 6.2. Outros mecanismo associados à mudança ..................................................... 90

7. Gramaticalização e Gramática (Discursivo) Funcional .............................................. 91 7.1. Correlação entre os níveis de organização e a proposta de GR...................... 91 7.2. Estatuto lexical x Estatuto gramatical .............................................................. 95

8. A proposta cognitiva de Sweetser.............................................................................. 101 9. Usos discursivos: casos de gramaticalização ........................................................... 103 10. Avaliação.................................................................................................................. 107

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20

3. USOS ADVERBIAIS, CONJUNCIONAIS E DISCURSIVOS 109

1. Introdução................................................................................................................... 109 2. Os advérbios de modo, tempo e lugar no Português ................................................ 110

2.1. Os usos de assim, já e aí nos estudos lingüísticos ......................................... 110 2.2. Os usos adverbiais e fóricos de assim, já e aí na GDF ................................... 120

3. Usos relacionais e conjuncionais na GDF.................................................................. 124 3.1. Os estudos sobre os elementos conectivos .................................................... 124 3.2. Articulação de orações na G(D)F..................................................................... 128

4. Usos discursivos dos itens lingüísticos ..................................................................... 132 5. Avaliação.................................................................................................................... 134 4. CARACTERIZAÇÃO FUNCIONAL DOS ITENS LINGÜÍSTICOS ASSIM, JÁ E AÍ NO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO

135

1. Introdução................................................................................................................... 135 2. Análise dos dados ..................................................................................................... 136

2.1. Parâmetros lingüísticos ................................................................................... 136 2.1.1. Papéis desempenhados pelos itens lingüísticos assim, já e aí ................ 137 2.1.2. Nível de atuação dos itens lingüísticos assim, já e aí .............................. 152 2.1.3. Camadas de atuação nos níveis Representacional e Interpessoal........... 153 2.1.4. Domínios de ocorrência de assim, já e aí ................................................ 158 2.1.5. Mobilidade sintática dos itens assim já e aí .............................................. 159 2.1.6. Tipo de texto ............................................................................................. 163

3. Representação dos usos de assim, já e aí nos níveis da GDF ................................. 166 3.1. Usos de assim, já e aí no Nível Representacional .......................................... 166 3.2. Usos de assim, já e aí no Nível Interpessoal .................................................. 173

4. Generalizações sincrônicas: o percurso de mudança lingüística .............................. 179 5. Avaliação.................................................................................................................... 181 5. HISTÓRIA E MULTIFUNCIONALIDADE DAS FORMAS LINGÜÍSTICAS ASSIM, JÁ E AÍ NO PORTUGUÊS: ANÁLISE DOS DADOS DIACRÔNICOS

183

1. Introdução .................................................................................................................. 183 2. História dos advérbios assim, já e aí ......................................................................... 188 2.1. Etimologia do advérbio assim.................................................................................. 188 2.2. Etimologia do advérbio já........................................................................................ 189 2.3. Etimologia do advérbio aí........................................................................................ 190

3. Português arcaico ...................................................................................................... 191 3.1. Século XIII ....................................................................................................... 192 3.2. Século XIV ....................................................................................................... 196 3.3. Século XV ........................................................................................................ 205

4. Português moderno ................................................................................................... 208 4.1. Século XVI ....................................................................................................... 209 4.2. Século XVII ...................................................................................................... 213

5. Português contemporâneo ........................................................................................ 215 5.1. Século XVIII ..................................................................................................... 216 5.2. Século XIX ....................................................................................................... 219 5.3. Século XX ........................................................................................................ 221

6. Generalizações diacrônicas ...................................................................................... 223 6.1. Relação entre os estágios de evolução do Português e as categorias da GDF....... 226 6.2. O percurso de mudança lingüística de assim, já e aí no Português histórico...... 228

7. Avaliação.................................................................................................................... 231

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6. APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS E PRINCÍPIOS DE GRMATICALIZAÇÃO 233

1. Introdução................................................................................................................... 233 2. Os princípios de Hopper ............................................................................................ 234 3.Os critérios de Lehmann ............................................................................................ 237 4. As hipóteses de Heine et alii e Heine & Reh ............................................................ 240

5. A proposta de Traugott............................................................................................... 242 6. A proposta de Sweetser ............................................................................................ 245 7. A GDF e a hipótese de GR......................................................................................... 246

8. Avaliação ................................................................................................................... 248 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 251

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 257 9. ANEXOS 267

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23

INTRODUÇÃO

1. PALAVRAS INICIAIS

Dizer que a classe dos advérbios, nas línguas em geral, está longe de se enquadrar nas

descrições da Gramática Tradicional não constitui nenhuma novidade para os lingüistas, haja vista

que o caráter multifuncional e heterogêneo desses itens lingüísticos já era, por exemplo, uma

característica observada no Latim vulgar. As combinações de advérbios com conjunções e

preposições também constituem um outro exemplo do que já existia nesse período, cuja função

lingüística, em geral, era reforçar o caráter conjuncional dos itens lingüísticos, fato que corrobora a

tese defendida por muitos lingüistas de que novas formas só emergem na língua porque são

requeridas comunicativamente. Por isso, não acredito no fato de que as mudanças acontecem na

língua por acaso. Pelo contrário, admitir essa máxima seria admitir que a língua permanece alheia

ao tempo, às transformações que ocorrem ao seu redor. Diante dessas informações, estudar os

fenômenos de mudança lingüística atrelados aos usos dos elementos adverbiais assim, já e aí no

Português falado do Brasil representa, sem dúvida, um desafio e, ao mesmo tempo, uma

necessidade para os estudos lingüísticos, ou melhor, para a devida compreensão desses

elementos lingüísticos que são extremamente recorrentes no Português contemporâneo, em

especial em textos de língua falada e textos escritos que apresentam marcas de oralidade.

Assim, o objetivo geral do meu trabalho é analisar os diferentes usos dos itens lingüísticos

assim, já e aí no Português brasileiro, incluindo os usos desses elementos como advérbios de

modo, tempo e lugar – respectivamente, que são, conforme os estudos da GR, os usos mais

concretos desses itens na língua. Especificamente, o meu intuito é analisar, a partir dos estudos

de Braga (2001), Braga (2003), Tavares (1999), Longhin-Thomazi (2006), Lopes-Damásio (2008),

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Martelotta (2004) e Câmara (2006), tanto os usos dêiticos quanto os usos textuais e discursivos de

assim, já e aí no Português brasileiro, a luz dos conceitos teóricos da Gramaticalização (GR –

HEINE et alii, 1991; TRAUGOTT & KÖNIG, 1991; TRAUGOTT, 1995; TRAUGOTT & KÖNIG,

1991) e da Gramática Discursivo-Funcional (GDF – HENGEVELD & MACKENZIE, 2008a,b).

Nos últimos anos, alguns dos usos de assim, já e aí já foram descritos por lingüistas

brasileiros, no entanto, há ainda vários usos que não foram analisados, principalmente os que

fazem referência à situação comunicativa do falante/ouvinte. Nesse contexto, estudos como os de

Lopes-Damásio (2008)1 e Guerra (2007)2 sobre os marcadores discursivos na Língua Portuguesa

são certamente os que apresentam uma roupagem mais moderna e detalhada sobre o

funcionamento de alguns itens lingüísticos no Português, porém, trabalhos dessa linhagem são

muito poucos. Apesar dos problemas levantados por esses estudos e dos resultados positivos

alcançados pelas autoras, muito ainda precisa ser feito com relação aos itens adverbiais, não

somente no que diz respeito aos itens lingüísticos assim, já e aí, como também a outros elementos

adverbiais, que ainda estão à espera de descrições funcionalistas mais detalhadas e precisas.

A esse respeito, vale dizer que os esforços de Braga (1997; 2001) para descrever o

funcionamento da palavra aí em dados de língua falada dos anos 90 contribuíram bastante para

os estudos que vinham sendo desenvolvidos nas áreas de Análise da Conversação e da

Lingüística Textual (e também da abordagem Textual-Interativa que servia e serve de base para

as pesquisas do Projeto de Gramática do Português Falado). Até então, nenhum lingüista tinha se

preocupado em estudar mais profundamente o item adverbial aí no Português, muito menos em

elencar os diferentes usos desse elemento nos domínios do texto e da interação. A partir das

pesquisas de Braga e demais parceiros de pesquisa, realizadas com base no aparato teórico da

Gramaticalização, vários outros trabalhos começaram a aparecer no cenário brasileiro, em

diferentes centros de pesquisa. Entretanto, por mais que a palavra aí tenha sido estuda por Braga,

nem todos os usos desse elemento foram analisados. Os estudos de Braga & Souza (2008) e

Souza (2008), por exemplo, que vêm sendo desenvolvidos sob a perspectiva teórica da GDF

(HENGELVELD & MACKENZIE, 2008), mostram que um dos usos de aí não contemplados em

pesquisas anteriores é o de partícula mitigadora ou operador aproximativo de subato referencial.

1 Em sua dissertação de mestrado, Lopes-Damásio (2008) analisou as funções do marcador discursivo assim. 2 O objetivo do trabalho de Guerra (2007) é buscar uma redefinição do conceito de marcador discursivo e, conseqüentemente, dos elementos linguisticos que podem integrar esse grupo de palavras.

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A multifuncionalidade dos itens assim, já e aí é decorrente da própria natureza

heterogênea da classe adverbial e da instabilidade categorial de muitos desses elementos

que se encontram em processo de mudança lingüística. Por isso, a classificação dos

advérbios como uma categoria discreta é quase sempre problemática e polêmica. Desde a

tradição filosófica de Barbosa (1881), por exemplo, até gramáticos mais modernos como

Bechara (1999) e Cunha & Cintra (1985), a classe dos advérbios se diferenciou das demais

devido principalmente a dois critérios, um morfológico e outro semântico. Pelo primeiro

critério, os advérbios consistem em palavras “invariáveis” ou “indeclináveis” e, pelo segundo,

indicam as circunstâncias da ocorrência de um determinado estado-de-coisas, como lugar,

tempo, quantidade, modo, qualidade, afirmação, dúvida, intensidade, negação, entre outras.

No entanto, essa classificação só dá conta dos usos que se restringem basicamente à

predicação – para usar os termos de Simon Dik (1997), nada dizendo com relação aos casos

de advérbios que fogem desse contexto ou que ultrapassam os limites da oração.

Quanto aos critérios sintáticos, o parâmetro mais comumente analisado pelos

gramáticos é o da posição que os advérbios podem ocupar na sentença, sobretudo da

definição das relações de escopo. Em geral, é comum afirmar que os advérbios modificam o

verbo, o adjetivo, a oração (às vezes) ou outra palavra da mesma classe na função

intensificadora. Bechara (1999) relaciona a flexibilidade da posição do advérbio com sua

função, afirmando que o fato de não se prender apenas a um núcleo, mas a todo o conteúdo

manifestado na predicação, faz com que ele tenha certa mobilidade de posição em toda a

oração. Novamente, os usos mais gramaticalizados dos advérbios, como aqueles que atuam

como marcadores de foco (PEZATTI, 1997; LONGHIN, 1998; SOUZA, 2004) na oração, não

são considerados, e, quando são listados nas gramáticas, esses elementos são classificados

à parte como advérbios de exclusão, inclusão e realce (CUNHA & CINTRA, 1985; BECHARA,

2001), o que não resolve o problema, uma vez que os estudos em GR destacam que os

elementos lingüísticos envolvidos no processo de focalização apresentam quase sempre um

estatuto gramatical, distanciando-se, portanto, dos seus usos como itens adverbiais plenos.

No entanto, apesar do interesse atual pelo assunto, a exemplo do que se vê em Heine et alii

(1991), Hopper & Traugott (1993), Castilho (1997) e Keizer (2007), a distinção entre léxico e

gramática já é um tema bastante conhecido nos estudos sobre a linguagem humana.

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Quanto ao funcionamento do advérbio já no Português, raros também são os estudos

que buscam sistematizar os seus usos. Com exceção do trabalho de Câmara (2006), que

busca analisar a multifuncionalidade de já no Português com base no modelo da GDF (ainda

em uma das primeiras versões da teoria), a maior parte das pesquisas tende a focar os

valores temporais e aspectuais do item já, deixando de lado várias outras funções que são

importantes para o funcionamento da língua, tais como as de conjunção (adversativa, etc),

operador argumentativo, conjunção correlativa e marcador de foco. Nesse sentido, Ilari et alii

(1990), Silva et alii (1999) e Risso et alii (2006) são alguns dos poucos autores que tentam ir

além dos usos mais básicos do item já (e vários outros itens adverbiais), mostrando, por

exemplo, que esse elemento pode atuar na organização tópica, em construções

modalizadoras e, principalmente, na organização discursiva (como marcadores discursivos).

Como já mencionei, é justamente o caráter heterogêneo dos itens assim, já e aí que

leva este trabalho a formular uma hipótese explicativa, focada nos princípios teóricos da GR e

da GDF, para o comportamento variável desses itens no Português falado do Brasil. Nesse

sentido, concordo com Bechara quando afirma que é necessário ater-se “às relações que

cada advérbio contrai dentro do enunciado” (1999, p. 290), pois, desconsiderar, a meu ver, a

distribuição contextual de constituintes multifuncionais como esses, dificilmente seria possível

chegar a uma análise completa de suas propriedades semânticas, pragmáticas e sintáticas.

2. OBJETIVOS DO ESTUDO

O objetivo do referido trabalho é analisar, sob a perspectiva teórica adotada por

autores como Traugott & König (1991), Traugott (1995), Heine et alii (1991), Sweetser (1991),

Hengeveld & Mackenzie (2006; 2008) e Keizer (2007), o funcionamento dos itens lingüísticos

assim, já e aí e sua combinação com outros mecanismos gramaticais (preposição e

conjunção) no Português brasileiro, tendo em vista suas funções textuais (KOCH, 2004;

BRAGA et alii, 2001; BRAGA, 2001; BRAGA & PAIVA, 2003) e interativas (KOCH, 2002;

2004; BRAGA, 2001; BRAGA & PAIVA, 2003; HENGEVELD & MACKENZIE, 2008).

Baseando, nesse sentido, em uma perspectiva funcionalista da linguagem, em

especial nos postulados teóricos da GDF e da GR, o meu propósito é mostrar que os itens

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lingüísticos assim, já e aí podem ser analisados conforme os níveis (Representacional e

Interpessoal) e as camadas (semânticas e pragmáticas) de organização da GDF, de modo

que a expansão funcional desses elementos nos níveis e nas camadas da GDF pode ser

elencada como uma evidência lingüística de que esses itens estão se gramaticalizando na

língua, assumindo outras funções gramaticais e discursivas ao longo do seu percurso de

mudança lingüística, em direção às dimensões textual e interacional da língua.

A relevância da pesquisa está, por assim dizer, focada na observação de que tais

elementos assumem diferentes funções na organização textual-interativa da linguagem, com

usos que atuam no amarramento do texto, no encadeamento de episódios (eventos

discursivos), na organização de cadeias tópicas e no processo da interação, distanciando-se,

assim, dos valores-fontes desses elementos, rumo a outros níveis de operação da linguagem.

Reconhecendo que os itens lingüísticos assim, já e aí podem transferir-se do domínio

espaço-modo-temporal (mais concreto) para o domínio textual-discursivo (mais abstrato), a

pesquisa que aqui se propõe tem como eixo central os seguintes objetivos específicos:

a) explicar o processo de gramaticalização dos itens assim, já e aí no interior do novo modelo de

gramática funcional, a GDF, proposto por Hengeveld & Mackenzie (2008);

b) rastrear, entre os vários esquemas de gramaticalização existentes atualmente, um modelo de interpretação que melhor explique o objeto de pesquisa em questão, uma vez que são várias as abordagens teóricas envolvendo os processos de mudança de expressões lingüísticas. Essa medida visa constatar até que ponto os modelos de análise propostos por Traugott & König (1991), Heine et alii (1991) e Sweetser (1988; 1991) dão conta de explicar o fenômeno;

c) distinguir os diferentes usos dos itens assim, já e aí com base nos diferentes níveis (Representacional e Interpessoal) e camadas de organização da GDF;

d) buscar evidências sintáticas, semânticas e pragmáticas na história do Português que possam explicitar ou atestar os usos atuais dos itens assim, já e aí no Português. Para isso, a pesquisa contará com a análise de dados diacrônicos dos séculos XIII-XX;

e) analisar, com base no fato de que elementos já gramaticalizados como conjunções ocupam

uma posição fixa, a mobilidade dos itens assim, já e aí como elementos juntivos (ou introdutores de episódios) com o objetivo de verificar se ainda preservam algum traço semântico da forma adverbial (fonte), já que ainda estão em processo de GR;

Depois de levantadas as ocorrências dos itens assim, já e aí nos materiais que compõem

os corpora de análise do Português brasileiro, procurarei analisar tanto as funções proposicionais,

quanto as funções textuais e discursivas expressas por esses elementos na língua.

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3. HIPOTESES DE TRABALHO

Considerando-se a necessidade de uma descrição mais adequada dos usos

multifuncionais dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, e, principalmente,

a necessidade de sistematizar esses usos com base em um modelo funcional de gramática, a

hipótese que sustento nessa pesquisa é a de que, à medida que os usos mais concretos dos

itens assim, já e aí, que operam basicamente na camada da predicação (do evento),

pertencente ao Nível Representacional, avançam em direção às demais camadas do Nível

Representacional (nível semântico), e também às camadas interpessoais (Subatos, Conteúdos

Comunicados, Atos discursivos e Movimentos), do Nível Interpessoal, maior será o grau de

gramaticalização desses elementos no Português, como propõe o quadro a seguir:

Nível Representacional

propriedade > indivíduo > evento > episódio > proposição

Nível Interpessoal

> conteúdo comunicado > ato discursivo > movimento

Quadro 1. Hipótese de GR no interior da GDF

Uma outra hipótese da presente pesquisa está relacionada à trajetória de mudança

dos itens adverbiais assim, já e aí entre os níveis de organização da GDF. A minha suspeita é

a de que o Nível Interpessoal é o nível reservado para os itens que são gramaticais ou que

estão mais avançados no tocante ao processo de GR, assim como sugere Keizer (2007).

Caso os usos discursivos sejam entendidos como parte da gramática da língua (que

são de alguma maneira codificados na gramática da língua), assim como propõem Hengeveld

& Mackenzie (2008), a tendência é a de que o Nível Interpessoal também seja o espaço

reservado para as funções interacionais expressas pelos itens lingüísticos que se

gramaticalizam, uma vez que esse é o nível que privilegia o caráter comunicativo da língua.

4. CORPORA DE ANÁLISE E METODOLOGIA

Para a análise da evolução diacrônica dos itens aí, já e assim no Português,

selecionei documentos históricos provenientes de quatro diferentes projetos (cf. anexo I). O

primeiro deles é conhecido como o “Programa para a História do Português” (PROHPOR),

organizado por Mattos e Silva (1992; 2001). Esse corpus envolve os seguintes períodos:

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Português arcaico (séculos XIII a XV); Português moderno (séculos XVI a XVII); e Português

contemporâneo (séculos XVIII a XX). O Segundo é conhecido como “Projeto para História do

Português Brasileiro” (PHPP), organizado por Ataliba Castilho (USP). O terceiro é intitulado

“Corpus diacrônico do Português”, coordenado por Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi

(IBILCE/UNESP). E o quarto, conhecido como o projeto Tycho Brye e organizado por I. Castro

& A. Martins (2000), é mantido por pesquisadores do IEL/UNICAMP – Campinas, Brasil.

Todos os documentos que compõem a amostra diacrônica do Português foram

controlados a fim de garantir uma maior fidelidade e transparência nas análises quantitativas e

qualitativas. Assim, como faço uso das noções de freqüência token e freqüência type de Bybee

et alii 1994 e Bybee (2003) na pesquisa diacrônica, tomei o cuidado de que todos os documentos

selecionados na amostra apresentassem praticamente o mesmo número de palavras.

Para compor a amostra dos estágios sincrônicos do Português brasileiro (séculos XX3

e XXI), utilizei os inquéritos de língua falada do Banco de dados IBORUNA (cf. o anexo II)4,

que é constituído por dois diferentes tipos de material: a amostra do censo lingüístico da região

de São José do Rio Preto, com o controle rigoroso de variáveis sociais, e a amostra de

interação dialógica, que considera diferentes graus de assimetria social entre os

interlocutores. Entretanto, nos casos em que eu sentir a necessidade de buscar outros dados

para comprovar um uso que existe, porém, encontrado no corpus, recorrerei ao Google.

A mesma metodologia que utilizei para organizar os documentos da amostra

diacrônica foi também utilizada para organizar os inquéritos do IBORUNA que compõem a

amostra sincrônica da pesquisa. Assim, para garantir a credibilidade da análise (em termos de

freqüência), todos os inquéritos selecionados apresentam o mesmo número de palavras.

Vale lembrar que o tratamento quantitativo dos dados levantados nos corpora de

análise é realizado eletronicamente, por meio do pacote estatístico VARBRUL, embora tenho

consciência de que o meu objeto de pesquisa não constitui um fenômeno variável, nos moldes

como se trabalha nos estudos desenvolvidos na área da Sociolingüística. As ferramentas do

programa VARBRUL são aqui utilizadas apenas como um instrumento para garantir que todos

os parâmetros de análise serão aplicados a todas as ocorrências da mesma forma.

3 Para o século XX, no eixo sincrônico, estou considerando apenas documentos escritos a partir dos anos 50. 4 O banco de dados IBORUNA é coordenado pelo Prof Dr Sebastião Carlos Leite Gonçalves e pelo Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional da Unesp de S. J. Rio Preto, com o apoio financeiro da FAPESP.

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5. ORGANIZAÇÃO GERAL DA TESE

Os capítulos I, II, III, IV e V apresentam os resultados das minhas leituras, a análise e

as investigações teóricas sobre o meu objeto de pesquisa, além de uma exposição crítica de

questões teóricas relacionadas ao caráter multifuncional dos itens assim, já e aí.

Especificamente, o capítulo I trata da natureza e da integração das dimensões

sintática, semântica e pragmática na constituição do discurso, definindo um aparato teórico

para a sistematização da multifuncionalidade dos itens assim, já e aí. Nesse capítulo,

apresento os conceitos teóricos da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008) e sua

constituição interna, que são relevantes para o desenvolvimento da pesquisa.

O capítulo II discute os fenômenos de mudança lingüística, dentre eles a

Gramaticalização e a Discursivização de formas lingüísticas, elencando os modelos e suas

possíveis contribuições para a análise dos itens assim, já e aí. Neste capítulo, apresento ainda

a estreita relação que alguns modelos, em particular os de Traugott (1982) e Traugott & König

(1991) e Sweetser (1991), estabelecem com a GDF de Hengeveld & Mackenzie.

No capítulo III, faço uma discussão dos diferentes usos dos itens assim, já e aí e o

modo como eles podem ser analisados no interior do modelo da GDF. Nesse capítulo,

apresento os usos adverbiais e fóricos, os usos relacionais e conjuncionais e, por fim, os usos

discursivos, de acordo com os conceitos teóricos da GDF (níveis e camadas de organização).

O capítulo IV traz os resultados da análise dos dados atuais do Português, a partir do

diálogo entre os conceitos teóricos da GR e da GDF. Nesse capítulo, busco elencar os

aspectos lingüísticos relacionados ao processo de GR dos itens assim, já e aí, bem como

propor uma trajetória de GR para cada um dos itens lingüísticos em análise.

No capítulo V, apresento os resultados da análise dos dados diacrônicos dos séculos

XIII-XX, realizada com base nos pressupostos teóricos da GR e da GDF. Nesse capítulo, listo

os aspectos (morfo)sintáticos, semânticos e pragmáticos envolvidos no processo de mudança

lingüística dos itens adverbiais assim, já e aí na história da Língua Portuguesa.

O capítulo VI traz os resultados da aplicação dos princípios e critérios de GR de

Hopper (1991), Lehmann (1995), Heine et alii (1991), Heine & Reh (1984) e Traugott (1982,

1995). Por fim, as considerações finais apresentam um balanço geral da pesquisa.

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CAPÍTULO I

GRAMÁTICA (DISCURSIVO) FUNCIONAL: QUESTÕES DE

GRAMÁTICA, DISCURSO E UNIDADES DE ANÁLISE

este capítulo, apresento uma caracterização geral dos conceitos teóricos da Gramática Discursivo-Funcional5 (HENGEVELD & MACKENZIE, 2006; 2008) que embasam a presente pesquisa, bem como as justificativas para a adoção desse modelo funcionalista de linguagem para a análise dos itens lingüísticos assim, já

e aí no Português falado do noroeste paulista. Para tanto, o capítulo encontra-se estruturado em seis partes. A primeira seção traz uma breve introdução do assunto; a seção 2 apresenta uma discussão em torno da noção de discurso empregada na GDF; a seção 3, por sua vez, traz uma explanação da GDF na sua atual versão, incluindo os níveis e as camadas de organização. Por fim, a seção 4 encerra-se com uma avaliação final do capítulo.

1. INTRODUÇÃO Atualmente, o modelo de Gramática Funcional (GF) proposto por Simon Dik (1989;

1997) conta com uma nova versão teórica, conhecida como a Gramática Discursivo-

Funcional, que vem sendo desenvolvida por Hengeveld & Mackenzie (2006; 2008). Na atual

versão, a GF de Dik, com foco na gramática da oração, assume uma nova unidade de análise,

o ato discursivo, como forma de se tornar um modelo de gramática funcional mais abrangente.

Com essa mudança, a GDF busca analisar as expressões lingüísticas com base em um 5 Em trabalhos anteriores (cf. GASPARINI-BASTOS, 2004; PENHAVEL, 2004, 2005; SOUZA, 2005), o termo Functional Discourse Grammar foi inicialmente traduzido para o Português como “Gramática Funcional do Discurso”, no entanto, em razão de algumas discussões implementadas pelos próprios autores da teoria em congressos nacionais e internacionais, chegou-se à conclusão de que a melhor tradução para o PB, até mesmo por conta da natureza das proposições do modelo teórico, seria “Gramática Discursivo-Funcional”, já que o que se analisa é o impacto do discurso na gramática de uma língua, e não o discurso como um todo.

N

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32

contexto discursivo mais amplo, procurando aliar, de forma produtiva, informações

contextuais, gramaticais e cognitivas, embora a GDF não seja um modelo de produção.

Citando as palavras de Hengeveld & Mackenzie, entende-se que:

A [GDF] é assim definida pelo fato de buscar entender a estrutura dos enunciados em seu contexto discursivo (não no sentido de um modelo de análise do discurso). A intenção do falante não surge no vácuo, mas sim em um contexto comunicativo multifacetado (Hengeveld & Mackenzie, 2008, p. 7)6.

Em termos gerais, pode-se dizer que a GDF7 começou a ser esboçada em 1997 por

Kees Hengeveld em um texto intitulado Cohesion in Functional Grammar, no qual Hengeveld

propõe um modelo discursivo com base nas idéias apresentadas no último capítulo de Dik

(1997), dedicado ao discurso e às propriedades pragmáticas e psicológicas que um modelo de

base discursiva deve apresentar. Depois de algumas versões da GDF, apresentadas em

congressos de GF e, posteriormente, divulgadas em revistas e livros especializados no

assunto, o novo livro de Kees Hengeveld & Lachlan Mackenzie, intitulado Functional

Discourse Grammar: a typologically-based theory of language structure, publicado em agosto

de 2008 pela Oxford University Press, traz a primeira versão completa do modelo de GDF,

com explicações detalhadas sobre o funcionamento dos quatro níveis de organização do

modelo, quais sejam: nível interpessoal, nível representacional, nível morfossintático e nível

fonológico. Segundo os próprios autores, a GDF é a sucessora do modelo de GF de Dik.

Por ser um modelo teórico ainda muito pouco conhecido no Brasil e em outros países

da América do Sul, a GDF, que é estruturalmente orientada para o discurso, coloca em

discussão uma questão que merece ser esclarecida no interior dos estudos lingüísticos, em

especial no interior do próprio modelo, a saber: a noção de discurso (cf. seção 2). Tal questão

surge como importante pelo fato de a GDF não ser uma gramática do discurso, mas sim um

6 Cf. original: “Functional Discourse Grammar is so called because it seeks to understand the structure of utterances in their discourse context (it is in no sense a discourse-analytical model). The intention developed by the speaker does not arise in a vacuum, but in a multi-faceted communicative context” (p.7). 7 A sede da GDF (e da Fundação da Gramática Funcional) está localizada na Universiteit van Amsterdam (Amsterdam, Holanda) e seus principais mentores são Kees Hengeveld (Universiteit van Amsterdam) e Lachlan Mackenzie (ILTEC-Lisboa, Portugal). No entanto, a GDF conta ainda com pesquisadores de outros países, como Portugal, Brasil, Espanha, França, Inglaterra e Dinamarca. Os pesquisadores do Brasil que integram o Grupo de Pesquisa em Gramática (Discursivo) Funcional, coordenado pela Profa Dra Erotilde Goreti Pezatti (Unesp, São José do Rio Preto), com sede no CNPq, é o segundo maior grupo de pesquisadores em GF no mundo.

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modelo de gramática funcionalista que tenta analisar a influência do discurso nas

configurações sintáticas da gramática de uma língua. Trata-se de uma perspectiva teórica que

muito se aproxima da concepção de linguagem adotada por Traugott (1982) e Traugott &

König (1991), que consideram o discurso como um componente da gramática. Nesse sentido,

a GDF se preocupa apenas com as informações de ordem discursiva que “literalmente” são

codificadas na gramática de uma língua e que, por sua vez, são relevantes em termos de

estrutura morfossintática. Olhando por esse prisma, observa-se, portanto, que a GDF caminha

em sentido diferente ao dos modelos de Análise do Discurso (linha francesa), que tendem a

priorizar as formações discursivas, o caráter ideológico e a historicidade da língua.

Embora reconheçam as várias facetas da linguagem, os autores da GDF8 (Hengeveld

& Mackenzie) preferem focar as estruturas gramaticais das línguas, fato que explica a base

tipológica que fundamenta os conceitos teóricos do modelo atual. Essa preocupação, já

apresentada pelo próprio Simon Dik no segundo volume da Teoria de Gramática Funcional

(1997), ganhou mais força principalmente após a publicação de estudos que mostravam a

limitação do modelo padrão da GF (com ênfase na gramática da oração) para analisar

fenômenos lingüísticos que ocorrem entre orações ou porções textuais mais amplas.

Em seu estudo sobre as funções pragmáticas Tópico e Foco, Bolkestein (1998)

chama a atenção dos lingüistas para algumas questões teóricas que, para ela, ainda

requerem uma maior explicitação, principalmente para as questões que dizem respeito à

atribuição de função pragmática na GF (DIK, 1989, 1997) e à composição do nível pragmático

(interpessoal) da estrutura subjacente (DIK, 1989, 1997; HENGEVELD, 1990). Em outros

termos, nesse trabalho, Bolkestein objetiva mostrar que as funções pragmáticas Tópico e

Foco, tais como apresentadas no modelo funcional de Dik (1989, 1997), não são claramente

distinguidas uma da outra, além, de mostrar e concordar com a necessidade de expansão do

modelo de interação verbal de Dik – lugar onde se situa boa parte das discussões em torno

das funções Tópico e Foco – para um modelo de gramática mais abrangente, que tenha

condições de captar relações que se estabelecem entre duas ou mais orações.

8 Para maiores informações, conferir: Velasco, Daniel & Rijkhoff, Jan (Orgs). The Noun Phrase in Functional Discourse Grammar. In: Trends in Linguistics. Berlin: Mouton De Gruyter, 2008. Hattnher, Marize & Hengeveld, Kees (Orgs). Advances in Functional Discourse Grammar. In: Alfa – Revista de Lingüística 51.2, 2007.

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Para Bolkestein, tal expansão justifica-se em função da necessidade que se tem de

analisar um variado conjunto de expressões lingüísticas a partir da interação de três

componentes – o contextual, o situacional e o interacional – que, para Hengeveld, Bolkestein e

Rijkhoff, não podem ser considerados isoladamente. Segundo os autores, a opção por um

modelo integrado e mais abrangente privilegia outros fatores discursivos importantes.

Além da existência de elementos que ultrapassam os limites da sentença – como os

marcadores discursivos e as construções de tail-head, há também unidades menores, como

as holófrases (ex.: Socorro!, Fogo!, Sim!), analisadas por Mackenzie (1998), e as interjeições,

que foram analisadas por Hengeveld (2005). A presença de unidades menores que a oração

é, segundo Hengeveld (2005), mais uma outra evidência da importância de uma gramática

orientada para o discurso, uma vez que essas expressões podem funcionar como enunciados

completos e independentes no interior do discurso. Elas não precisam, por exemplo,

apresentar uma estrutura predicativa completa, com predicados e seus argumentos.

Assim, a opção pelo modelo funcionalista justifica-se pela própria natureza do meu

objeto de pesquisa, que lida com as cadeias tópicas, articulação e organização do texto e da

interação. Nesse contexto, são relevantes para o desenvolvimento do trabalho tanto as

questões discutidas pelos paradigmas da Gramaticalização (GR – SWEETSER, 1991;

TRAUGOTT, 1982, 1995; TRAUGOTT & KÖNIG, 1991) quanto aquelas discutidas pela GDF

(HENGEVELD, 2004; HENGEVELD & MACKENZIE, 2008), que juntos formam o arcabouço

teórico do presente estudo, fornecendo-me, na medida do possível, os conceitos operacionais

necessários para explicar a multifuncionalidade das itens assim, já e aí no Português.

2. O DISCURSO COMO PARTE DA GRAMÁTICA

Nos últimos tempos, quando se fala em discurso, várias aplicações e conceitos

aparecem nos estudos lingüísticos. Uma rápida pesquisa, por exemplo, nos manuais de

Lingüística permite verificar que o termo “Discurso” é empregado em diferentes contextos e

com diferentes acepções, chegando, inclusive, a ser consideradas, em determinados

momentos, como sendo incompatíveis em razão de suas particularidades.

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Muitas vezes, em razão do deslocamento epistemológico da noção de discurso

adotada em alguns modelos teóricos, como a Análise do Discurso (MAINGUENEAU, 1988), a

Teoria dos Espaços Mentais (FAUCONNIER, 1994), a Análise da Conversação

(MARCUSCHI, 1986; CASTILHO, 1998; URBANO, 1994), a Lingüística Textual (KOCH, 1989,

1998, 2004) e o Funcionalismo (GIVÓN, 1995; DIK, 1989, 1997; HENGEVELD, 2004;

HENGEVELD & MACKENZIE, 2006, 2008), faz-se uma confusão desnecessária de conceitos

teóricos operacionais, já que, a depender da concepção de linguagem e dos objetivos de cada

modelo teórico, é natural que o discurso seja concebido de forma distinta. Isso aponta para o

fato de que não se pode comparar a noção de discurso empregada no Funcionalismo (mais

especificamente na Gramática Funcional de Dik) com a noção de discurso empregada na

Análise do Discurso de linha francesa, pois os interesses científicos de ambos são distintos.

Das correntes teóricas que mencionei acima, as que mais se aproximam, até por conta da

concepção de linguagem adotada, são a Análise da Conversação, a Lingüística Textual9 e o

Funcionalismo, justamente porque trabalham, antes de tudo, com a língua em uso.

Assim, como afirma Penhavel (2005, p.3), concordo que a “discussão sobre a natureza e

a estrutura do discurso envolve uma série muito ampla de aspectos, tanto lingüísticos quanto

extralingüísticos”. Por isso, um modelo teórico, seja ele de orientação funcionalista ou não, tem

de ser capaz de explicar, na medida do possível, tanto os fenômenos gramaticais quanto os

fenômenos discursivos de línguas distintas dentro de um mesmo arcabouço teórico. Essa

tarefa é, sem dúvida, difícil, haja vista a variedade de abordagens teóricas no estágio atual da

Lingüística tentando se especializar para poder suprir seus respectivos objetos de estudo.

Por isso, não é à toa que o discurso tem sido o motivo de várias críticas nas teorias

lingüísticas. Para Martelotta et alii (1996), que trabalham com a proposta de Discursivização

9 As reflexões recentes da Lingüística Textual estão basicamente ancoradas no deslocamento conceitual da noção de referência, veiculada em obras publicadas há mais tempo, para noção de referenciação. Em linhas gerais, o que se depreende do referido deslocamento epistemológico é que os elementos lingüísticos não constituem uma representação de coisas/objetos do mundo real, mas sim elementos lingüísticos que atuam na construção e na reconstrução dos objetos de que se fala durante a atividade discursiva (objetos de discurso), momento em que diversas estratégias são acionadas pelos sujeitos para representar os estado-de-coisas veiculados no/pelo texto. Em outras palavras, são objetos que passam a existir no caminhar da negociação do sentido que se estabelece entre os sujeitos (atores sociais) em uma dada interação. Trata-se de uma posição teórica que se encontra apoiada em Koch (1999), Marcuschi & Koch (1998) e Koch (2004; 2005), o que implica, segundo os autores, uma visão não-referencial da língua e da linguagem. Segundo Koch (2004), “a discursivização ou textualização do mundo por meio da linguagem não consiste em um simples processo de elaboração de informações, mas num processo de (re)construção do próprio real. Sempre que usamos uma forma simbólica, manipulamos a própria percepção da realidade de maneira significativa” (op. cit, p. 60).

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(DC)10 – quando itens lingüísticos assumem funções discursivas no decorrer do tempo (como os

marcadores discursivos) –, o discurso não é visto como parte da gramática da língua, fato que

é bastante criticado por aqueles lingüistas que entendem o fenômeno de mudança lingüística

como um continuum de gramaticalização (cf. TRAUGOTT, 1982, 1995; TRAUGOTT & KÖNIG,

1991; LONGHIN-THOMAZI, 2006), do qual o discurso é parte integrante.

Em razão da multifuncionalidade dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português

brasileiro, que podem atuar em diversos componentes, níveis e camadas de representação da

linguagem, uma primeira tarefa que se impõe nesse trabalho é definir, então, uma concepção

e um modelo de organização do sistema lingüístico, no interior do qual seja possível aliar os

princípios teóricos da GR a um modelo de gramática funcionalista para poder, assim,

contextualizar e sistematizar as diversas funções dos itens assim, já e aí (e suas

combinações) no PB e identificar suas contribuições para a organização do “discurso”.

Acredito que a interação entre as dimensões sintática (das funções sintáticas de

sujeito e objeto – nível morfossintático), semântica (das funções semânticas – nível

representacional), pragmática (das funções pragmáticas – nível interpessoal) e discursiva (das

funções retóricas, propostas por Hengeveld & Mackenzie) é o que constitui umas das

propriedades fundamentais do discurso como parte integrante da gramática. Portanto, o

discurso será tomado aqui como a junção (combinação) dos componentes da língua. Nesse

sentido, apesar das diferenças, um dos modelos teóricos que servem como base para a GDF

é o modelo da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday (1978, 1994), cujos ideais teóricos

se fazem presente, por exemplo, na proposta de GR de Traugott (1982, 1995, 1999), quando

faz menção aos componentes proposicional, textual e expressivo da linguagem.

3. A GRAMÁTICA DISCURSIVO-FUNCIONAL NA SUA VERSÃO ATUAL

Usando as palavras de Hengeveld & Mackenzie (2005; 2006; 2008), pode-se definir a

GDF como sendo a sucessora da GF padrão, desenvolvida pelo lingüista Simon Dik (Holanda,

Amsterdam). Segundo os autores, a GDF é caracterizada pelos seguintes aspectos:

10 Segundo Martelotta et alii (1996), a Discursivização constitui um processo de mudança que leva o item lingüístico a perder suas restrições gramaticais e a assumir usos mais interacionais na língua.

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1) a GDF busca modelar a competência gramatical de usuários das línguas; 2) a GDF assume o ato discursivo, não a oração, como unidade básica de análise; 3) a GDF interage sistematicamente com os componentes conceitual, contextual e de

expressão, não contemplados na GF; 4) a organização hierárquica da GDF é descendente, enquanto a da GF é ascendente.

São as intenções do falante que motivam a produção lingüística; 5) a GDF inclui as representações morfossintáticas e fonológicas como parte de sua

estrutura subjacente.

Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008, p. 2), a GDF pode ser definida mais

concisamente como uma teoria que procura entender como as unidades lingüísticas são

estruturadas em termos do mundo que elas descrevem e das intenções comunicativas com

que elas são produzidas. Assumindo o ato discursivo como unidade de análise, o discurso

passa a ser na GDF o “suporte” das unidades lingüísticas de níveis mais baixos. Ainda que já

tenha sido mencionado, vale dizer que a GDF inicia-se com a formulação da intenção do

falante, finalizando com a realização da expressão lingüística. Já a GF inicia-se com a seleção

de itens lexicais para, em seguida, expandir gradualmente a estrutura subjacente da oração.

Na GDF, a pragmática governa a semântica; a pragmática e a semântica governam a

morfossintaxe e, juntas, a pragmática, a semântica e morfossintaxe governam a fonologia. A

relação em ‘cascata’ entre níveis de análise da linguagem é certamente determinada pela

organização top-down da gramática (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008, p. 4-5)11.

Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008), pode-se dizer que:

A GDF, assim como os modelos formalistas, busca descrever o conhecimento que está por trás do potencial de um usuário de se comunicar na sua língua de uma maneira altamente formalizada e explícita. O usuário de língua é visto como tendo conhecimento tanto das unidades (ex. lexemas, auxiliares, componentes sintáticos, fonemas) como do modo como essas unidades podem ser combinadas (em atos discursivos, proposições, orações e complexos fonológicos). […] Assim, GDF oferece não só um inventário de formas, como também busca explicitar como elas se combinam na interação verbal. (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008, p. 14, tradução minha, grifo meu)12.

11 Cf. original: “within the top-down organization of the grammar, pragmatics governs semantics, pragmatics and semantics govern morphosyntax, and pragmatics, semantics and morphosyntax govern phonology”. 12 Cf. original: “FDG, like formalist models, seeks to describe the knowledge that underlies a language user’s potential to communicate in his/her language in an explicit and highly formalized way. The language user is seen as having knowledge both of units (e.g. lexemes, auxiliaries, syntactic constituents, phonemes) and of the ways in which these units may be combined (into discourse acts, propositions, clauses, and phonological complexes). […] FDG thus offers not only an inventory of forms but also seeks to clarify how these are combined in verbal interaction”.

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Essa mudança radical é, conforme Hengeveld & Mackenzie (2004b, 2005), motivada

pelo postulado de que a “eficiência de um modelo de gramática é tanto maior quanto mais se

aproximar do processamento cognitivo”13. Isso porque, segundo os autores, estudos

psicolingüísticos demonstram claramente que a produção lingüística é um processo

descendente, que se inicia com as intenções comunicativas do falante e termina com a

articulação/realização da expressão lingüística real (componente de expressão). Isso não

significa, no entanto, que a GDF é um modelo do falante; é, na realidade, uma teoria da

gramática que tenta usar evidência psicolingüística em sua arquitetura básica.

3.1. Níveis de organização e representação

Conforme já mencionamos, Hengeveld & Mackenzie (2008) postulam uma gramática

organizada em quatro níveis, que é ilustrada na figura 1: os níveis Interpessoal, o

Representacional, Morfossintático e Fonológico, cada qual concebido como um módulo

separado e internamente organizado em camadas (CAMACHO, 2006). Outro avanço notável

na GDF é o reconhecimento de um componente contextual e um componente cognitivo, que

contêm elementos essenciais do contexto, considerados relevantes para os demais módulos.

O componente gramatical (que engloba os quatro níveis de organização) é conectado ao

componente conceitual, ao contextual e aos componentes de expressão.

Na GDF, de acordo com Hengeveld & Mackenzie (2008, p. 25), faz-se uma rígida

separação entre dois tipos de operação: FORMULAÇÃO por um lado, e CODIFICAÇÃO14 por

outro, uma vez que este modelo busca desenvolver um arcabouço teórico que venha

possibilitar uma descrição sistemática de um maior número possível de línguas humanas

(HENGEVELD & MACKENZIE, 2006). O processo de formulação, na GDF, está relacionado à

especificação das configurações pragmáticas (interpessoal) e semânticas (representacional)

de uma língua, independentemente da expressão de tais configurações. Nesse sentido, o

processo de codificação está preocupado com as formas morfossintáticas e fonológicas que

essas configurações pragmáticas e semânticas podem acarretar numa língua.

13 Cf. original: “the model is assumed to be more effective, the more closely it resembles this language production process” (Hengeveld (2004b, p. 367). 14 Nas GDF, as regras de expressão que determinam as funções semânticas e sintáticas dos constituintes da sentença, em especial a ordenação sintática, operam durante a formulação e a codificação das informações.

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Um argumento convincente oferecido por Hengeveld & Mackenzie para justificar a

necessidade de um sistema modular com quatro níveis de representação é o de que é

possível fazer referência anafórica dentro dos quatro níveis de organização, como em (1-4).

Nesse caso, conforme Hengeveld & Mackenzie (2008), as operações de formulação atuam

somente nos níveis pragmático e semântico, ao passo que as operações de codificação

operam apenas nos níveis morfossintático e fonológico, como mostra o quadro a seguir:

Conceitos

Níveis de organização da GDF

Operações da GDF

Pragmático

Nível Interpessoal (1) A: Saia daqui.

B: Não fale assim comigo.

Semântico

Nível Representacional (2) A: Há muitos cachorros nas ruas. B: Eu não notei isso.

Formulação

Morfologia Sintaxe

Nível Morfossintático (3) A: Eu comi chuletas de cordeiro no almoço. B: É assim que diz costelas de cordeiro em Espanhol?

Fonologia

Nível Fonológico (4) A: Eu comi /t�u�letasdekor�dero/ no almoço.

B: Isso não deveria ser ‘/t�u�letasde�or�dero/’?

Codificação

Quadro 1. Relação entre níveis de organização e operações da GDF

Em (1b), o item anafórico assim se refere a uma estratégia comunicativa escolhida por (1a), que

é uma unidade interpessoal. Em (2b), o elemento anafórico isso se refere a uma situação do

mundo externo, que é descrita em (2a). Trata-se de uma unidade semântica (representacional). Já

a referência anafórica em (3b) e (4b) é diferente, pois é de natureza metalingüística (uma atividade

reflexiva sobre a linguagem). Em (3b), assim não se refere à entidade ‘chuletas de cordero’, mas

ao sintagma em si. Em (4b), isso aponta para uma unidade fonológica.

Esses fatos permitem concluir que a representação subjacente de um enunciado deve

conter quatro níveis de organização: o nível interpessoal (pragmático), o representacional

(semântico), o estrutural (morfossintático) e o fonológico (expressão). Todos eles têm uma

natureza puramente lingüística, o que se aplica também aos níveis interpessoal e

representacional: esses níveis descrevem a linguagem em relação a suas funções, mas

somente na medida em que tais funções são codificadas na gramática de uma língua.

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3.1.1. Arquitetura geral da GDF

A arquitetura geral da GDF pode ser representada como na figura 1, na qual o

componente gramatical é apresentado no centro, o componente conceitual ao topo, o

componente de expressão abaixo, e o componente contextual à direita.

3. Os componentes contextual, situacional e expressão

Figura 1. Plano geral da GDF (HENGEVELD, 2004; HENGEVELD & MACKENZIE, 2005, 2008)

COMPONENTE GRAMATICAL

Templates Morfemas gramaticais Operadores morfossintáticos

Frames Lexemas Operadores interpessoais e representacionais

Formulação

(M1: [(A1: [(F1) (P1)S (P2)A (C1: [(T1){�} ...(T1+n){�} (R1){�} ...

(R1+N){�})] (C1){�})] (A1)...(A1+N){�}] (M1))

Nível interpessoal

(p1: [(ep1: [(f2)n (x)� ...(x1+n)�] (f1))...(f1+n) (e1)�])...(e1+n){�}]

(ep1))... (ep1+n){�}] (p1))

Nível representacional

Codificação morfossintática

(Le1: [(Xw1) (Xp1) (CL1: [(Xw2) (Xp2: [(Xw3) (Xp3) (Cl3)] (Xp2)){�} (Cl2){�}] (Cl))] (Le1))

Nível morfossintático

Templates Formas suplementares Operadores fonológicos

Codificação fonológica

(U1: [(IP1: [(PP1: [(PW1)] (PP1))] (U1)) Nível fonológico

COMPONENTE CONCEITUAL

COMPONENTE C

ONTEXTU

AL

COMPONENTE DE EXPRESSÃO Articulação

Expressão Lingüística

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O grande diferencial apresentado pela GDF é, com certeza, a inserção do

componente conceitual (de caráter cognitivo) em seu modelo de gramática. Segundo

Hengeveld & Mackenzie (2006; 2008), o componente conceitual não faz parte da gramática,

mas é a força motriz que está por trás do componente gramatical. De fato, um modo de

interpretar a operação de formulação é o de que ela representa a conversão de uma

representação conceitual15 pré-lingüística em representações semânticas e pragmáticas

lingüisticamente relevantes que são licenciadas pela gramática da língua em questão.

Dependendo da modalidade escolhida (fala ou escrita), o componente de expressão

pode gerar expressões ortográficas ou acústicas, via operação de articulação. Na GDF, o

componente de expressão é externo ao componente gramatical, porém, completamente

dependente da informação que é fornecida por ele. Em outros termos, trata-se de um

componente que não é puramente lingüístico, mas que está conectado ao componente

gramatical como um todo, uma vez que este converte a codificação morfossintática em

expressões lingüísticas (em termos acústicos, gestuais, gráficos ou ortográficos). É importante

lembrar que, embora a GDF reconheça a importância das distinções feitas no plano fonético

das línguas, ela está muito mais interessada no plano fonológico, onde estão basicamente

situados os fenômenos lingüísticos e funcionais que são mais relevantes para o modelo da

GDF, em especial os fenômenos lingüísticos relacionados à prosódia das línguas (ênfase,

tessitura, contorno intonacional, pausa, duração, etc). Segundo Hengeveld & Mackenzie

(2008), os fenômenos associados à prosódia estão mais diretamente relacionados à

funcionalidade da língua (em termos pragmáticos e também em termos semânticos).

Na modalidade de língua falada, por exemplo, a operação de articulação toma como

input uma representação fonológica (que pode ser segmental e suprassegmental) e a

converte num sinal acústico, ao aplicar as regras fonológicas necessárias. Nesse sentido, é

durante as operações de formulação, codificação e articulação que questões como ordem

sintática, concordância de número e pessoa, tempo verbal são determinadas16.

Já o componente contextual contém, segundo Hengeveld & Mackenzie (2008), uma

descrição do domínio do discurso tal como é construído durante o processo de interação. Ele 15 Conforme Hengeveld (2004), o componente conceitual é responsável pelo desenvolvimento tanto de uma intenção comunicativa relevante para o evento de fala corrente, quanto pelas conceitualizações associadas em relação aos eventos relevantes no mundo real externo ou imaginário. 16 As regras de expressão de Dik (1997) estão alojadas nas operações de formulação, codificação e articulação da GDF.

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não contém apenas uma descrição do conteúdo e da forma do discurso precedente, mas

também do contexto real perceptível em que ocorre o evento de fala. É o componente

contextual que motiva e permite analisar enunciados como: Eu encontrei a Maria no cinema

ontem. Ela estava muito bonita, mas nem olhou para mim, ou Portugal, aí vamos nós. Assim,

com a inserção desse componente contextual à gramática da língua, o atual modelo agora é

capaz de oferecer descrições mais sistematizadas de fenômenos como cadeias anafóricas

(incluindo todos os tipos de anáforas), progressão textual, cadeias tópicas, etc.

3.1.2. O Nível Interpessoal

O nível interpessoal lida com todos os aspectos formais de uma unidade lingüística

que reflete seu papel na interação entre falante e ouvinte17. De acordo com a arquitetura geral

da GDF, as unidades discursivas relevantes nesse nível são hierarquicamente organizadas

em camadas. Elas podem ser representadas como na figura abaixo:

(П M1: [ Movimento18

(П A1: [ Ato (П F1: ILL (F1): Σ (F1))Φ Ilocução básica (П P1: ... (P1): Σ (P1))Φ Falante (П P2: ... (P2): Σ (P2))Φ Ouvinte (П C1: [ Conteúdo Comunicado

(П T1 [...] (T1): Σ (T1))Φ Subato de Adscrição (П R1 [...] (R1): Σ (R1))Φ Subato de Referência

] (C1): Σ (C1))Φ Conteúdo Comunicado ] (A1): Σ (A1))Φ Ato

] (M1): Σ (M1))Φ Movimento Figura 2. O Nível Interpessoal

Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008), o movimento (M), definido na GDF como a camada

mais elevada da hierarquia, descreve o segmento inteiro de discurso que é considerado

relevante no processo de interação. Um movimento, por sua vez, é constituído de um ou mais

17 Na GDF, a hierarquia representa crucialmente o curso temporal das ações que são essenciais à realização da estratégia do falante. O seqüenciamento de ações lingüísticas em todas as camadas da hierarquia reflete, portanto, a ordem das atividades estratégicas colocadas em prática pelo falante. 18 Em Português, o termo move, que na GDF é usado no sentido de movimento, lance ou jogada, é traduzido em Gasparini-Bastos (2004) e Oliveira (2008) como movimento. Nesta tese, adotarei a mesma tradução das autoras, embora eu reconheça que o termo movimento no Português não é tão neutro quanto o termo ato discursivo.

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atos19 temporalmente ordenados que, juntos, formam o núcleo (simples ou complexo). Cada

ato discursivo (A) se organiza com base num esquema ilocucionário (ILL), que contém dois

participantes (P), o Falante e o Ouvinte (S, A) e o conteúdo comunicado como seus

argumentos. O conteúdo comunicado contém um número variável de subatos adscritivos (A) e

referenciais (R), aos quais as funções pragmáticas são atribuídas. Essas últimas unidades são

operacionais na mesma camada; não há relação hierárquica entre elas.

Na GDF, o movimento é o veículo utilizado na expressão de intenções comunicativas

do falante. Além dos casos de implicaturas (atos de fala indiretos), essas intenções podem ser:

convite, informação, questionamento, ameaça, advertência, recomendação etc.

Enquanto a ilocução indica o propósito de nossos atos verbais, e os participantes

representam o falante e o ouvinte, o conteúdo comunicado contém a totalidade do que o Falante

deseja evocar durante a interação. Com exceção dos atos interpelativos, cada conteúdo

comunicado contém um ou mais subatos, que são hierarquicamente subordinados a atos20,

diferenciando-se, portanto, do conteúdo proposicional, que é uma categoria semântica do

nível representacional e tem como escopo os episódios e estado-de-coisas. Diferentemente

do conteúdo proposicional, o conteúdo comunicado possui seus próprios operadores e

modificadores do nível interpessoal e está sempre relacionado à figura do falante21.

De forma resumida, o conteúdo comunicado responde apenas pela ação

comunicativa do falante. Essa categoria interpessoal é representada como segue:

(ПC1:[... (ПTn) (ПRn)...] (C1))Φ = onde П é posição ocupada por operadores de conteúdo

comunicado e n ≥ 0, em que pelo menos 1 subato é requerido

19 Na GDF, o ato discursivo constitui a unidade básica de análise. Com essa decisão de Hengeveld & Mackenzie de adotar o ato discursivo como unidade básica de análise, vários problemas instaurados na GF de Dik, como a divisão da sentença em constituintes oracionais e extra-oracionais, foram resolvidos. Os exemplos (a) e (b) constituem casos de movimento com dois atos discursivos, em que um é subordinado e o outro é núcleo:

a) A Maria, ela esteve aqui. (П M1: [(П A1: […] (A1))Orient > (ПA2: [ … ] (A2))Nucl] (M1))Φ b) Ela esteve aqui, a Maria. (П M1: [(П A1: […] (A1))Nucl < (ПA2: [ … ] (A2))Corr] (M1))Φ 20 Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008), os atos discursivos podem ser expressivos, interativos e ilocutivos (contentive), sendo, por conseqüência, representados pelos seguintes esquemas:

(ПA1: [(ПF1: ♦ (F1)) (P1)S] (A1)) = Atos expressivos (ПA1: [(ПF1: ♦ (F1)) (P1)S (P2)A] (A1)) = Atos comunicativos interativos (ПA1: [(ПF1: ILL/♦ (F1)) (P1)S (P2)A (C1)�] (A1)) = Atos comunicativos contendores (Performativos e Abstratos)

21 Conferir o trabalho de Braga, Hengeveld, Souza & Vendrame (2008) sobre os verbos de percepção no português brasileiro para uma clara distinção entre os tipos de categorias semânticas e interpessoais.

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Para Hengeveld & Mackenzie (2008), o conteúdo comunicado pode ser novo ou parcialmente

novo para o ouvinte (quando envolve informação já conhecida). Já os subatos contidos em um

conteúdo comunicado podem ser de dois tipos: adscritivo e referencial. O subato adscritivo

(ПT1) representa a tentativa do falante de evocar uma propriedade. Nesse caso, o falante não

precisa atribuir necessariamente uma propriedade a um referente. Ao proferir, por exemplo,

“Está chovendo”, o falante está evocando somente uma propriedade meteorológica sem

evocar nenhum tipo de referente; chover não está sendo ‘atribuído a’, mas simplesmente

‘descrito’. O subato referencial (ПR1), por sua vez, ocorre quando o falante tenta evocar

um referente, proferindo coisas do tipo: homem, casa, gato, árvore, entre outras.

3.1.2.1. Movimentos e suas funções retóricas

De acordo com Hengeveld & Mackenzie (2008), o movimento se define pelo fato de

“requisitar” uma resposta ou ser ele mesmo uma resposta, ou seja, uma reação ao pedido.

Um ato discursivo, por exemplo, pode provocar um backchannel (como uma resposta que

encoraja o falante a continuar), ao passo que um movimento tende a provocar uma reação do

interlocutor (uma resposta a uma pergunta, uma objeção a um argumento, etc).

A alternância de movimentos é mais evidente na conversação, pelo fato de contar com

a informação prosódica como unidade delimitadora das ações do falante (além dos elementos

lingüísticos que demarcam essas unidades). Nesse tipo de interação, em geral, um movimento

corresponde ao turno do falante. Há movimentos de iniciação e de reação, como em:

(5) A: Onde você trabalha? (M1)Iniciação B: Eu trabalho em São Paulo. (M2)Reação

Um outro aspecto importante salientado pela GDF é a distinção entre diferentes

porções textuais. Hengeveld & Mackenzie (2008) mostram, por exemplo, que em (5) a

correspondência entre movimento22 e turno é nítida, no entanto, mostram também que há

casos em que essa correspondência não se sustenta, justamente pelo fato de o falante poder

executar dois ou mais movimentos23 em um único turno, conforme se vê em (6):

22 Na escrita, o movimento geralmente corresponde à porção textual conhecida como parágrafo. O equivalente do movimento no nível representacional é de modo geral o episódio.. 23 A GDF assinala que a completude de um movimento é tipicamente indicada pela entonação.

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(6) A: Qual é a capital do Brasil? (M A1)Iniciação B: Brasília. (M B1Reação) Por quê? (M B2)Iniciação A: Eu estou fazendo a minha lição de casa. (M A2)Reação

Há casos ainda em que um movimento pode ser composto por vários atos discursivos. Para

GDF, quando isso acontece, o que se tem é um movimento complexo, muito freqüente na fala. Além

das funções retóricas de iniciação e reação, os autores destacam também a função retórica de

avaliação “feedback” (SINCLAIR & COULTHARD,1975), como vista em (7):

(7) Professor: Qual é a capital do Brasil? (M1)Iniciação Aluno: Brasília, senhor. (M2)Reação Professor: Bom garoto. (M3)Avaliação

3.1.2.2. Atos discursivos, relações internas e funções retóricas

Segundo Hengeveld & Mackenzie (2006), quando um movimento é composto por um

ou mais atos discursivos, a relação entre eles pode ser de dois tipos: eqüipolência e

dependência. A relação de eqüipolência (não-dependência) é ancorada entre dois atos

discursivos que possuem um mesmo estatuto comunicativo, conforme se observa em (8):

(8) A: O que aconteceu ontem na festa? B: O João foi embora. E a Maria ficou bêbada.

Assim, em (8), o movimento de iniciação (na forma de uma pergunta) de A provoca o movimento

de reação de B (O João foi embora. E a Maria ficou bêbada), que consiste de dois atos, cada qual

com seu próprio contorno intonacional, no entanto, com o mesmo estatuto comunicativo. A análise

de (8B) é a que segue em (9), em que o núcleo da função retórica indica que ambos os atos “O

João foi embora” e “E a Maria ficou bêbada” contêm o conteúdo principal do movimento:

(9) (M1: [(A1: [–o João foi embora –] (A1)) (A2: [– e a Maria ficou bêbada –] (A2))] (M1))Ф

Já a relação de dependência é ancorada entre atos discursivos que possuem

estatuto comunicativo distinto. Nesses casos, a relação de dependência é mostrada na

representação subjacente por meio da presença de uma função retórica do ato subsidiário,

que pode ser de Motivação, Concessão, Orientação e Correção, como em (10):

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(10) Cuidado, porque haverá pegadinhas no exame.

Em (10), a estratégia do falante é advertir o ouvinte. Essa estratégia é implementada pela

realização de dois atos discursivos (intoacionalmente distintos) numa sucessão, em que o

primeiro ato apresenta uma ilocução imperativa e o outro uma ilocução declarativa. A

presença da conjunção porque indica que o segundo ato discursivo deve ser entendido

como subsidiário ao primeiro, especificando a motivação para a ocorrência do enunciado

com a ilocução imperativa. Um movimento como (10) é analisado como (11), com a função

motivação indicando a dependência de (A2) em relação a (A1):

(11) (M1: [(A1: [–cuidado–] (A1)) (A2: [–haverá pegadinhas no exame–] (A2))Motiv] (M1))Ф

Compare (12), em que a relação de dependência se dá numa outra direção:

(12) Haverá pegadinhas no exame, portanto tome cuidado. (13) *Portanto tome cuidado, haverá pegadinhas no exame.

O exemplo (12) contém o marcador portanto que indica o estatuto de Núcleo do ato

no qual ele ocorre, e, assim, é mais adequadamente analisado como segue em (14):

(14) (M1: [(A1: [–haverá pegadinhas no exame–] (A1))Motiv (A2: [–tome cuidado–] (A2))] (M1))Ф

Como se observa, os exemplos (10) e (12) indicam a ordem na qual os atos discursivos são

proferidos dentro do movimento e também que a realização das funções retóricas é

dependente do posicionamento relativo do núcleo e da motivação [proferir uma ilocução

imperativa]. Se a motivação precede o núcleo, a realização com a conjunção porque torna-se

impossível. O exemplo (13) destaca que a definição do núcleo por meio da conjunção portanto

só é possível se seguir a motivação, como em (12); o inverso acarreta a agramaticalidade.

O quadro 2, a seguir, traz a relação entre as categorias interpessoais, os operadores

e os modificadores, com base no modelo da GDF (HENGEVEL & MACKENZIE, 2008):

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Categoria Definições e exemplos

Esquemas, operadores e modificadores

Esquema geral: (π M1: [(A1)...(A1+N)] (M1): Σ (M1)), onde N ≥ 0

Operadores de Movimento (π): No entanto, entretanto, etc.

Movimento

O movimento é a maior unidade de interação relevante na análise gramatical:

Ex.: Cuidado, porque haverá pegadinhas no exame.

(M1: [(A1: [–cuidado–] (A1)) (A2: [–haverá pegadinhas no exame–] (A2))Motiv] (M1))Ф

Modificadores de Movimento (Σ): Em resumo; finalizando; por outro lado, etc.

Esquema geral: (π A1: [(F1) (P1)S (P2)A (C1)Φ] (A1): Σ (A1))

Operadores de ato (π): Ironia; ênfase; mitigação

Ato

Expressivo = expressa o sentimento do falante:

Ex.: Droga! (AI: [(FI: /dr�ga/Int (FI)) (PI)S] (AI))

Interativo = elementos lexicais invariáveis:

Ex.: Parabéns! (AI: [(FI: /parabεns/(FI)) (PI)S (PJ)A] (AI))

Contentor = envolve o conteúdo comunicado e uma ilocução (lexical ou abstrata):

Ex.: Eu prometo que estarei na sua casa. (AI: [(FI: /prometer/V (FI)) (PI)S (PJ)A(CI)] (AI)) Ex.: Eu estarei na sua casa amanhã. (AI: [(FI: DECL (FI)) (PI)S (PJ)A (CI)] (AI))

Modificadores de ato (Σ): Brevemente; em breve; além disso, etc.

Esquema geral: (π F1: ♦/ILL (F1): Σ (F1))

Operadores de ilocução (π): Ênfase; mitigação, etc.

Ilocução

A ilocução captura as propriedades formais e lexicais de atos discursivos em situações convencionalizadas, que estão a serviço de intenções comunicativas:

Ex.: A Maria chegou. (A1: [(Fi: DECL (Fi)) (P1)S (P2)A (Ci: –a Maria chegou –)Φ] (A1): Σ (A1))

Modificadores de ilocução (Σ): Honestamente; francamente; sinceramente

Esquema geral: (π P1: ø/♦ (P1): Σ (P1))

Operadores de participante (π): Número (sing./plural, etc) e status (sexo, etc)

Participantes

Na interação, (P1) (P2) alternam-se como falante e ouvinte:

Ex.: Você é esperta?

(f PI: vocêpro (PI)S (PJ)A) Modificadores de participante (Σ): Especificadores (advérbios, etc)

Esquema geral: (π C1: [(T)ΦN (R)ΦN]Φ (C1): Σ (C1))

Operadores de conteúdo comunicado (π): Reportativo; ênfase; etc.

Conteúdo Comunicado

O conteúdo comunicado contém a totalidade do que o falante deseja evocar na sua comunicação com o ouvinte:

Ex.: João deu a Pedro o livro. (CI: [(RI: João (RI))Top (TI) (RJ: Pedro (RJ))Foc (RL: livro (RL)Top] (CI))

Modificadores de conteúdo comunicado (Σ): Felizmente; infelizmente; sinceramente, etc.

Esquemas gerais: (π T1: H (T1): Σ (T1)) (π R1: H (R1): Σ (R1))

Operadores de subato adscritivo (π): Aproximativo (tipo, etc) e enfático

Operadores de subato referencial (π): Identificabilidade (identificável/ específico) e ênfase

Subatos

O subato adscritivo constitui uma tentativa do falante de evocar uma propriedade, ao passo que o subato referencial constitui uma tentativa do falante de evocar um referente:

Ex.: Maria é bonita. (CI: [(RI: Maria (RI)) (TI) (TJ: bonita (TJ))] (CI))

Modificadores de subato adscritivo (Σ): Atitudinal, enfático (realmente) e reportativo

Modificadores de subato referencial (Σ): Atitudinal (pobre, pequeno, etc)

Quadro 2. Relação entre categorias interpessoais, operadores e modificadores

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3.1.3. O Nível Representacional

O nível representacional da GDF lida com os aspectos formais de uma unidade

lingüística que reflete seu papel no estabelecimento de uma relação com o mundo real ou

imaginário que ela descreve. Por essa razão, as categorias representacionais referem-se à

designação e não à evocação (que ocorre no nível interpessoal). O nível representacional cuida

apenas da semântica de uma unidade lingüística. As unidades semânticas mediante as quais o

nível representacional opera são hierarquicamente organizadas, como se vê abaixo:

(П p1: Conteúdo proposicional (П ep1: Episódio (П e1: Estado de coisas [(П f1: [ Propriedade (П f1: ♦ (f1): [σ (f1)Φ]) Propriedade lexical (П x1: ♦ (x1): [σ (x1)Φ])Φ Indivíduo ...

] (f1): [σ (f1)Φ]) Propriedade (e1)Φ]: [σ (e1)Φ]) Estado de coisas (ep1): [[σ (ep1)Φ]) Episódio (p1): [σ (p1)Φ]) Conteúdo proposicional

Figura 3. O nível representacional

No nível representacional, as unidades lingüísticas são descritas em termos da categoria

semântica (tipo de entidade) que elas designam. Como se vê na figura 3, na GDF, o conteúdo

proposicional (constructo mental, crença, desejo) é a camada mais alta do Nível

representacional. Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008a), os conteúdos proposicionais

podem ser factuais, quando são pedaços de conhecimento ou uma crença acerca do mundo

real, ou não-factuais, quando são desejos ou expectativas com relação a um mundo

imaginário. Além disso, para os autores, os conteúdos proposicionais são caracterizados pelo

fato de serem qualificados em termos de suas atitudes proposicionais (certeza, dúvida,

descrença) ou em termos de sua fonte ou origem (conhecimento comum partilhado, evidência

sensorial, inferência). Embora apresentem uma mesma natureza proposicional, os conteúdos

proposicionais diferem-se dos conteúdos comunicados, que pertencem ao Nível Interpessoal

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da linguagem, justamente por poderem ser atribuídos a outra ‘pessoa’, que não apenas o

falante24, ao passo que os conteúdos comunicados são sempre atribuídos ao falante.

O exemplo (15), abaixo, atesta a distinção de Hengeveld & Mackenzie:

(15) João viu pela expressão do rosto que Maria estava triste.

Em (15), o complemento do verbo ver constitui um conteúdo proposicional, que se manifesta

na forma de uma oração finita [(que) Maria estava triste]. Nesse caso, a conclusão de João de

que Maria estava triste se dá com base na informação visual da expressão do rosto. Ou seja,

é a partir da expressão triste ou quieta de Maria que o João chega a sua conclusão [Maria

está triste]. Trata-se de um exemplo que é diferente, por exemplo, de (16):

(16) João viu no Jornal que o preço do petróleo subiu.

em que o complemento do verbo ver constitui um Conteúdo comunicado, pelo fato de a

informação não passar pelo filtro do falante (inferência do falante). A informação é comunicada

da maneira como ela foi veiculada, tanto que a fonte da informação é explicitada na sentença.

Organizados, assim, de forma hierárquica, os conteúdos proposicionais contêm

episódios (ep), que podem ser constituídos por um ou mais eventos (estado-de-coisas)

dispostos numa seqüência tematicamente coerente, apresentando, sempre, uma unidade

temporal (t), locativa (l) e uma conseqüente manutenção dos indivíduos (x) envolvidos.

Na GDF, os estado-de-coisas são caracterizados por uma ou mais propriedades (f1),

que, por sua vez, podem conter descrições de indivíduos (x) e outras propriedades (f2)25. De

acordo com Hengeveld & Mackenzie (2008), o que permite distinguir episódios e eventos é o

fato de a categoria episódio admitir, por exemplo, modificadores de tempo absoluto (como

ontem, hoje, amanhã, etc), e a categoria evento admitir modificadores de tempo relativo (como

depois do almoço, em duas horas, segunda-feira, etc), não sendo necessário que a

localização no tempo e no espaço ocorra com base em um tempo/lugar absoluto, como em:

(17) Ontem o Pedro saiu depois de jantar com sua mãe.

24 Hengeveld & Mackenzie (2008) usam o termo ‘speaker-bound’ para se referir ao Conteúdo comunicado, dizendo que o conteúdo proposicional pode ser atribuído a uma terceira pessoa ‘not speaker-bound’. 25 As siglas usadas para indicar as categorias dos níveis de organização da GDF não serão traduzidas.

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O modificador de tempo absoluto ontem situa temporalmente tanto o estado-de-coisas Pedro

saiu quanto o estado-de-coisas jantar com sua mãe, formando juntos um único episódio.

Nesse contexto, em (17), o modificador ontem toma como escopo o modificador de tempo

relativo representado pela aposição depois, que é típico, como já destacado, de eventos.

Assim sendo, para GDF, as entidades que integram as categorias semânticas26 são

de diferentes ordens: entidades de terceira ordem (conteúdos proposicionais); entidades de

segunda ordem (estados-de-coisas); entidades de primeira ordem (indivíduos); e entidades de

ordem zero (propriedades). Hengeveld & Mackenzie assinalam que as entidades de primeira e

de zero ordem pertencem à mesma camada; não há relação hierárquica entre elas.

É importante lembrar, assim como fazem os autores da GDF, que a natureza

semântica de um tipo de entidade não indica o modo como se usa a unidade lingüística dentro

de um ato discursivo, por exemplo. Tipos de entidades são categorias, não funções. A análise

funcional é realizada no nível pragmático. Assim, uma mesma propriedade (f) pode ser

atribuída a uma entidade (T) ou pode ser referida a uma entidade (R), como em:

(18) a. Maria é alta. (Atribuição de uma entidade de zero ordem:T/f) b. A altura impressiona João. (Referência a uma entidade de zero ordem: R/f) A representação semântica de (18a,b) é dada em (19a,b) abaixo: (19) a. (CI: [TI RI ] (CI)) (pi: (ei: (fi : [(fj: alta (fi)) (xi: Maria (xi))U] (fi)) (ei)) (pi))

b. (CI: [TI RI RI ] (CI)) (pi: (ei: (fi: [(fj: impressiona (fj)) (fk: altura (fk))A (xi: JoãoN (xi))U] (fi)) (ei)) (pi))

Similarmente, uma entidade de primeira ordem pode ser atribuída ou referida:

(20) a. Maria é minha melhor amiga. (Atribuição de uma entidade de primeira ordem: T/x) b. Minha melhor amiga visitou-me ontem à noite. (Referência a uma entidade de primeira ordem: R/x)

Embora, nos exemplos acima, exista uma correspondência entre os níveis interpessoal e

representacional, Hengeveld & Mackenzie (2008a,b) assinalam que ambos os níveis são

independentes um do outro, podendo existir vários tipos de interação entre eles.

26 HENGEVELD, K., et alii. Semantic categories in the indigenous languages of Brazil, 2008 (em preparação).

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O quadro 3, abaixo, explicita as relações entre as categorias semânticas referidas

nessa seção e seus possíveis operadores e modificadores no Português Brasileiro:

Categoria Definições e exemplos

Esquemas, operadores e modificadores

Esquemas gerais: (p1: ♦ (p1)) = sim/não (p1: [(f1) (p1)Φ]) = propriedade lexical (π p1: [(ep1)...(ep1+N){Φ}]: [σ (p1)Φ])= episódios

Operadores de proposição (π): Operadores modais, evidenciais, etc.

Conteúdo proposicional

Conteúdo proposicional, definida como a categoria semântica mais alta do Nível representacional, é um constructo mental (conhecimento, crença, expectativa, etc): Ex.: Provavelmente, ela não virá.

(p1: [(ep: –ela não virá– (ep1)Φ]: provavelmente (p1))

Modificadores de proposição (σ): Provavelmente, certamente, evidentemente, etc.

Esquema geral: (π ep1: [(e1)...(e1+N){Φ}] (ep1): [σ (ep1)Φ])

Operadores de episódio (π): Operadores de tempo absoluto (pas; fut, pres) Episódio

O episódio é composto por um ou mais estado-de-coisas, numa seqüência coerente:

Ex.: Ele chegou, comeu e foi dormir.

(epi: [(ei: ele chegou (ei)) (ej: comeu (ej)) (el: foi dormir (el))] (epi)) Modificadores de episódio (σ):

Ontem, hoje, amanhã, etc = tempo absoluto

Esquema geral: (e1: [[(f1: [...] (f1))...f1+N: [...] (f1+N)){Φ}n] (e1)Φ]: [σ (e1)Φ])

Operadores de estado-de-coisas (π): Lugar; tempo relativo; modalidade orientada para o evento; percepção de evento; polaridade e quantificação.

Estado-de-coisas

Estado-de-coisas são entidades que podem ser localizadas no tempo relativo e podem ser avaliadas em termos de sua realidade: Ex.: João saiu depois do almoço. (ei: (fi: [–João sair–] (fi)) (ei)Φ: [(ti: – depois do almoço – (ti)T (ei)Φ])

Modificadores de estado-de-coisas (σ): Expressões que especificam o tempo relativo de ocorrência, o lugar de ocorrência, a freqüência da ocorrência, a realidade, o cenário físico e cognitivo do estado-de-coisas.

Esquema geral: (π x1: [(f1: [(f2) (v1)Φ] (f1)) (x1)Φ]: [σ (x1)Φ])

Operadores de indivíduo (π): Localização e quantificação

Indivíduo

O indivíduo designa uma entidade de primeira ordem, concreta e tocável. Além disso, o indivíduo existe por si só e pode ser localizado no espaço:

Ex.: O presidente (xi: [(fi:presidenteN (fi) (xi)U])

Modificadores de indivíduo (σ): Expressões que especificam qualidade, lugar, quantidade, etc do indivíduo. .

Esquema geral: (π f1: ♦ (f1): [σ (f1)Φ]) = propriedade lexical

Operadores de propriedade (π): Aspecto, direção e grau.

Propriedade

A propriedade é uma entidade de quarta ordem, podendo ser avaliada apenas em termos de sua aplicabilidade a entidades de primeira ordem, o indivíduo:

Ex.: Altamente inteligente. (fj: inteligente (fj): [(fk: alto (fk) (fj)U])

Modificadores de propriedade (σ): Modificadores (adjetivos), advérbios de maneira, grau, etc.

Quadro 3. Relação entre categorias semânticas, operadores e modificadores

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3.1.4. O Nível Morfossintático

De acordo com Hengeveld & Mackenzie, quanto mais se adentrar, em direção top-

down aos demais níveis do modelo, mais (trans)linguisticamente específicos os níveis se

tornam, uma vez que é no nível morfossintático que as representações interpessoais e

representacionais são codificadas morfossintaticamente. Nesse nível de análise, por exemplo,

sintagmas adposicionais serão relevantes somente para algumas línguas, mas não para

outras; algumas línguas são do tipo morfológico isolante, e outras, do tipo aglutinante. A figura

4 mostra o esquema geral de como a morfossintaxe é representada na GDF:

(Le1: Expressão lingüística (Cl1: Oração (Xp1 : Sintagma (Xw1 : Palavra (Xs1) Raiz (Aff1) Afixo (Xw1)) Palavra (Xp1)) Sintagma (Cl1)) Oração (Le1)) Expressão lingüística

Figura 4. O nível morfossintático

No nível morfossintático, a unidade lingüística é analisada em termos de sua composição

sintática (ou seja, de seus constituintes sintáticos), começando da camada mais alta para a

mais baixa: expressões lingüísticas (Le), orações (Cl), sintagmas de vários tipos (Xp), e

palavras de vários tipos (Xw). Ainda, conforme Hengeveld & Mackenzie (2008), é possível

distinguir, dentro de cada palavra, morfemas de vários tipos (Xs) e afixos (Aff).

Organizada dessa forma, a GDF agora é capaz de oferecer uma descrição mais

concisa não só de estruturas oracionais (com verbo predicador) com também de sintagmas

nominais (ou holófrases, conforme já mencionado nas seções anteriores):

(21) Quanto menor, melhor!

Em (21), há dois sintagmas adjetivos ‘menor’ e ‘melhor’ arranjados numa estrutura correlativa

quanto…(mais), com ausência de qualquer verbo predicativo, indicando, assim, que a

expressão lingüística não constitui uma oração, mas sim uma expressão não-verbal.

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A representação de (21), com suas distinções lingüísticas, é dada em (22):

(22) (Lei: [(Api: [(Gwi: quanto (Gwi)) (Awi: menor-Compv (Awi))] (Api)) (Apj: [(Gwj: ø (Gwj))

(Awj: melhor-Compv (Awj))] (Apj))] (Lei)

Ao introduzir, portanto, expressões lingüísticas como a categoria mais alta no Nível

morfossintático, a GDF cria a possibilidade de lidar também com categorias morfossintáticas

mais baixas (como as holófrases e sintagmas nominais), que estão sob o escopo de

estruturas lingüísticas completas (com predicado verbal, força ilocucionária, etc), Segundo

Hengeveld & Mackenzie (2008a,b), a distinção implementada pelos níveis de organização da

GDF é relevante pelo fato de os sintagmas nominais (nem todos), por exemplo, poderem ser

usados como elementos referenciais, e os sintagmas adjetivais como elementos atributivos,

funções essas que são descritas no Nível interpessoal da GDF, justamente por envolverem os

participantes da interação (falante e ouvinte) e o contexto de produção.

Em termos de equivalência, Hengeveld & Mackenzie assinalam que não há nenhuma

projeção biunívoca entre unidades semânticas e pragmáticas, por um lado, e unidades

morfossintáticas, por outro. Na GDF, o que se postula é que os atos discursivos podem ser

realizados como sentenças, orações, sintagmas ou palavras. Por exemplo, predicações

semânticas consistindo de uma unidade que designa uma relação (zero ordem) e duas

unidades que designam indivíduos (primeira ordem) podem ser expressas em uma língua

como uma oração com três constituintes e em outras como uma palavra única:

(23) I made shirts. ‘Eu fiz camisas.’

(24) Southern Tiwa (Gerds 1998, p. 88, apud Hengeveld & Mackenzie, 2008) Te-shut-pe-ban 1.SG>PL-camisa-fazer-PAST ‘Eu fiz camisas.’

Em Inglês, o exemplo (23) pode ser subdividido em três constituintes correspondentes às três

unidades semânticas mencionadas no esquema anterior: uma unidade designando uma

relação (made) e duas unidades designando indivíduos (I, shirts). Por outro lado, a mesma

configuração semântica é expressa em Southern Tiwa (24) como uma única palavra. O

argumento agente (actor) é expresso por meio de um prefixo no verbo, que, em geral, não

pode ser realizado independentemente. O argumento paciente (undergoer) é incorporado ao

verbo. O fato de o paciente ser referenciado no verbo mostra que ele é realmente um

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argumento do verbo. Para Hengeveld & Mackenzie (2008, p.17), “esses exemplos mostram

claramente que há muitas projeções possíveis entre os níveis semântico e morfossintático”.

Na GDF, o caráter tipológico dos estudos lingüísticos está, em grande parte,

assentado no Nível morfossintático do componente gramatical, ou seja, no modo como as

línguas codificam morfossintaticamente suas diferentes categorias semânticas e pragmáticas.

O estudo tipológico permite a elaboração de hipóteses, implicações e especulações acerca de

fenômenos lingüísticos a partir de uma perspectiva translingüística, sendo, portanto, muito

freqüente nos trabalhos de generalizações semântico-pragmáticas e gramaticais. No interior

da GDF, os estudos tipológicos são realizados com base no estabelecimento de hierarquias

implicacionais entre propriedades lingüísticas. Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008),

essas hierarquias implicacionais podem ocorrer em todos os níveis e camadas de organização

da GDF. O modo como as categorias verbais são ordenadas em relação à raiz do verbo

ilustra, por exemplo, como as hierarquias implicativas podem explicar a ordenação de

informações lingüísticas como aspecto, modalidade, tempo, negação, evidencialidade e

ilocução nas línguas, em especial para mostrar como essas mesmas categorias podem ser

expressas entre línguas que possuem estruturas sintáticas e morfológicas distintas.

3.1.5. O Nível fonológico

O nível fonológico contém tanto a representação segmental quanto a representação

supra-segmental de um enunciado. Na figura 5, a seguir, fornece-se um esquema geral de como

os padrões prosódicos de uma língua são representados no nível fonológico:

(π U1: [ Enunciado (π IP1: [ Frase intonacional (π PP1: [ Frase fonológica (π PW1: [ Palavra fonológica (π F1: [ Pé (π S1)N Sílaba ] (F1)) Pé ] (PW1)) Palavra fonológica ] (PP1)) Frase fonológica ] (IP1) Frase intonacional ] (U1)) Enunciado

Figura 5. O nível fonológico

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Consoante Hengeveld & Mackenzie (2008), no nível fonológico, a expressão lingüística é

analisada em termos de suas unidades fonológicas, tais como o enunciado (U), que é a

camada mais alta desse nível, a frase intonacional (IP), a frase fonológica (PP) e a palavra

fonológica (PW), além das camadas denominadas pé (F) e sílaba (S). Apesar de

reconhecerem a importância dessas duas últimas camadas para várias línguas, os autores

destacam que a GDF está mais preocupada com a influência da prosódia nas expressões

lingüísticas, que é lugar onde se situa (se visualiza) boa parte dos fenômenos funcionais que

são relevantes para o modelo, e, conseqüentemente, são codificados na língua.

Assim como no modelo de Fonologia Prosódica de Nespor & Vogel (1986), a fonte de

inspiração para a arquitetura da fonologia na GDF, as representações fonológicas no Nível

fonológico da GDF são também de natureza hierárquica. Quanto ao modo de organização do

Nível fonológico, Hengeveld & Mackenzie (2008b) defendem a idéia de que nem todas as

camadas são relevantes para todo e qualquer enunciado ou até mesmo para outras línguas.

A exemplo do que se observa nos outros níveis e camadas da GDF, que apresentam

seus respectivos operadores e modificadores, o Nível fonológico também contém seus próprios

operadores. Para representar, por exemplo, uma entonação descendente ou ascendente, a GDF

emprega os operadores f (descendente) e r (ascendente) que são conectados à variável IP:

(25) a. Meu cachorro, ele está morrendo. NF: ((Ui: [(rIPi: /meucaSox�/ (IPi)) (fIPj: /elistamoxεndu/ (IPj)] (Ui))

b. Meu cachorro ele está morrendo. NF: ((Ui: (fIPi: / meucaSox�elistamoxεndu/ (IPi)) (Ui))

c. Meu cachorro está morrendo. NF: ((Ui: (fIPi: / meucaSox�stamoxεndu/ (IPi)) (Ui))

Uma frase intonacional (IP), de acordo com Hengeveld & Mackenzie (2008b), é geralmente

“separada de uma outra estrutura intonacional por meio de uma pausa (menor do que aquela

que ocorre entre enunciados)”27. Entretanto, a integração gradual de atos discursivos dentro

de um movimento pode implicar a perda de fronteiras de frases intonacionais no interior de um

enunciado. Em (25a), por exemplo, tem-se um movimento constituído de dois atos discursivos

meu cachorro e ele está morrendo, no qual o primeiro ato carrega a função retórica de 27 Cf. original: “One Intonational Phrase is typically separated from another by a pause (shorter than that between Utterances)” (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008b, p. 21).

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orientação (nos termos de Hengeveld & Mackenzie, 2008a), sendo separado do ato nuclear

por meio de uma pausa (uma vírgula, na escrita). No entanto, essa estrutura, que corresponde

a um enunciado no plano fonológico, pode perder as barreiras prosódicas que identificam as

frases intonacionais no interior desse enunciado, fato que se visualiza em (25b), tornando-se

uma unidade mais integrada sintática e fonologicamente. Em casos mais gramaticalizados,

essa estrutura pode ser analisada como uma única frase intonacional, como em (25c)28.

Em línguas tonais, a frase fonológica em geral constitui uma unidade de análise

bastante relevante, pois muitas das distinções semânticas e pragmáticas são marcadas por

meio de diferentes tipos de tons. Em línguas de acento, as sílabas de uma palavra são

geralmente distinguidas por meio da tonicidade, ou seja, do acento que recai sobre a sílaba.

Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008b), as ilocuções DECL e IMP no Inglês são

caracterizadas pelo tom descendente na camada da frase intonacional (fIP), no entanto,

conforme destacam os autores, a sílaba nuclear tende a ser mais marcada prosodicamente na

ilocução IMP, diferenciando-se, assim, da ilocução DECL. Para a GDF, as mudanças de tom

nas línguas – alto, médio e baixo – estão associadas à expressão de funções pragmáticas.

Fatos como esses mostram que o Nível interpessoal pode estabelecer uma interface com o

Nível fonológico, quando uma mudança de tom ou entonação marca uma função pragmática.

A camada da palavra fonológica (PW) é igualmente relevante para o estudo de

questões como redução fonética, queda de consoantes ou vogais, sândi interno, acento,

dentre outras. Na GDF, as palavras fonológicas são divididas em sílabas, e,

conseqüentemente, em pés, que são as menores unidades (ou a menor camada) do Nível

fonológico. O acento, que opera também na camada da palavra fonológica, é indicado na

representação da GDF por meio do operador s, que é anexado à variável sílaba (S).

Até então, os fenômenos prosódicos analisados na GF de Simon Dik se limitavam ao

estudo da influência de elementos prosódicos na expressão da função pragmática Foco e na

delimitação de unidades lingüísticas denominadas Tema e Antitema (atualmente definidas

como atos; ver nota 28), a partir da presença de pausas entre os dois atos discursivos.

28 Conferir o trabalho de Hengeveld & Mackenzie (2008b) para uma extensiva análise prosódica de um exemplo extraído da língua Beninj Gun-Wok (Língua Australiana) em todas as camadas do nível fonológico. Diferentemente de outras línguas, Beninj Gun-Wok possui elementos (ideofones) usados para representar sons que acompanham ações (descrição de ações) em narrativas (Evans, 2003; citado em Hengeveld & Mackenzie, 2008b, p. 31). A análise elaborada pelos autores mostra perfeitamente a relevância do Nível fonológico.

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Assim como no Nível morfossintático, novamente, não há nenhuma projeção

biunívoca entre unidades pragmáticas, semânticas e morfossintáticas por um lado, e unidades

fonológicas por outro. Em algumas línguas, as orações subordinadas são separadas da

oração principal por meio de uma pausa intonacional, já em outras elas formam uma única

unidade intonacional com a oração principal. Um outro exemplo é que nem sempre há uma

correspondência entre palavras fonológicas e constituintes sintáticos no nível morfossintático.

4. AVALIAÇÃO

O ponto de vista teórico adotado neste trabalho é o funcionalista, que estuda a língua

sob uma perspectiva interacional e, desse modo, incorpora as intenções comunicativas dos

interlocutores à análise. Por conceber a linguagem como instrumento de interação verbal

(língua em uso), esse enfoque dialoga produtivamente com os paradigmas da GR, em

especial com os estudos de Traugott (1982, 1995, 2003), Traugott & König (1991) e Hopper &

Traugott (1993), utilizados nesta pesquisa para analisar a multifuncionalidade dos itens

lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, que tratarei nos próximos capítulos.

De maneira mais específica, este trabalho se filia ao modelo de gramática da GDF,

que tem como seus principais divulgadores os lingüistas Kees Hengeveld e Lachlan

Mackenzie. Esses autores mostram que a GDF representa um avanço significativo em relação

à GF, no sentido de considerar também o discurso na gramática da língua, englobando na

análise tanto as unidades menores quanto as unidades maiores que a oração. Como mostrei,

a GDF é um modelo tipológico-funcional que faz parte de uma teoria mais ampla da interação

verbal, na medida em que acrescenta, ao componente gramatical, os componentes conceitual

(cognitivo nos termos de Sweetser, 1991) e contextual. O componente gramatical organiza-se

em quatro níveis interdependentes, cada qual estruturado em suas próprias camadas de

representação: o nível interpessoal, o representacional, o morfossintático e o fonológico. É

com base nessa divisão em níveis e camadas de organização da GDF que o processo de

mudança lingüística experimentado pelos itens lingüísticos assim, já e aí será discutido.

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CAPÍTULO II

GRAMATICALIZAÇÃO E SEUS POSTULADOS TEÓRICOS

este capítulo, discuto as questões teóricas relacionadas a processos de GR e DC. Na seção 1, faço uma breve introdução para situar os estudos da GR. Na seção 2, apresento a definição de GR. A seção 3 traz uma discussão sobre os principais modelos de GR. Na seção 4, discuto o princípio da unidirecionalidade. Na seção 5, faço uma explanação dos parâmetros de GR de Lehmann (1995) e os princípios de Hopper (1991). A seção 6

contempla os mecanismos lingüísticos que motivam a GR. Na seção 7, apresento o modo como a GR pode analisada na GDF. Na seção 8, discuto a proposta cognitiva de Sweetser (1991), e, na seção 9, apresento algumas questões referentes aos usos discursivos dos itens lingüísticos. Por fim, a seção 10 encerra-se com um apanhado geral (avaliação) dos tópicos discutidos no capítulo.

1. INTRODUÇÃO

Vários são os estudos e estudiosos que procuraram descrever e mostrar a

importância da linguagem para os seres humanos. No entanto, apesar de o interesse pelos

estudos da linguagem ser antigo – a exemplo dos filósofos gregos29 –, a Lingüística só se

tornou uma ciência autônoma depois da publicação do Curso de Lingüística Geral de

Ferdinand de Saussure, em 1916, já que, durante muito tempo, a Lingüística manteve-se

vinculada a outras áreas do saber humano, como a Filosofia, a Gramática e a Filologia.

Longe dos critérios normativistas subjacentes à concepção de linguagem existente

até então, o Estruturalismo de Saussure ficou conhecido pela sua abstração e formalização.

Corroborando essa afirmação, Camacho (1994) destaca que a Lingüística só foi atingir

maturidade científica nos últimos cem anos. Segundo o autor, desde a Antiguidade Clássica

até o início do século XIX, a pesquisa lingüística foi marcada por dois grandes atributos, que,

29 Segundo Borba (1984), as primeiras discussões dos filósofos gregos sobre a linguagem centravam-se basicamente no problema da relação entre o pensamento e a palavra, ou seja, entre o conceito e o seu nome. Para os gregos, o que interessava saber é se essa relação é natural ou convencional (que resulta da cultura).

N

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60

de um modo geral, a impediram de ser caracterizada como uma disciplina científica, como é

hoje nos cursos de Letras. O fato de a Lingüística ter-se associado a aspectos normativos

(regras normativas) e filológicos (acessório dos estudos literários e etnolingüísticos) foi o que

levou a ciência da linguagem a permanecer, durante anos, à sombra de outras ciências.

Dentre as mudanças provocadas pelo surgimento do novo paradigma teórico

inaugurado por Saussure, a passagem do plano diacrônico para o sincrônico é uma das

mais importantes e evidentes nessa época, haja vista que a opção do Estruturalismo pela

perspectiva sincrônica da linguagem fez romper definitivamente com o paradigma

neogramático (diacrônico) de Hermann Paul (1880), que admitia, até então, somente o ponto

de vista histórico em seus estudos. Atualmente, essa postura teórica, responsável por inaugurar

a lingüística moderna, representa uma entre várias perspectivas pelas quais se podem abordar

as questões lingüísticas, pois, a depender da perspectiva teórica de que se observa a

linguagem, um novo objeto de estudo pode se mostrar aos olhos do pesquisador.

Ainda que criticada por muitos neogramáticos, a metodologia de análise inaugurada

pelos comparatistas do século XIX ainda hoje é de muito boa serventia a várias áreas da

Lingüística, como aos Estudos descritivos de Línguas indígenas e Línguas exóticas e também

aos Estudos tipológicos, em especial no que diz respeito à elaboração de generalizações

gramaticais, semânticas e hierarquias implicacionais. É claro que a abordagem primordialmente

imanentista dos comparatistas é mais adequada aos fenômenos internos à língua. No entanto, não

se pode desconsiderar o fato de que muitos processos de mudança lingüística são

condicionados por fatores externos a ela, tal como propõe Antoine Meillet (1912), que foi um

dos primeiros autores a falar em gramaticalização30 de formas lingüísticas.

2. DEFINIÇÃO DE GRAMATICALIZAÇÃO

Em termos genéricos, a GR pode ser definida como um processo de mudança

lingüística de caráter unidirecional – que é uma de suas características intrínsecas – no

interior do qual itens ou “construções lexicais” (TRAUGOTT, 2003) passam a exercer funções

30 É salutar dizer aqui que a “GR é tida como um dos [tipos] mais comuns [de mudança lingüística] que se tem observado nas línguas em geral” (GONÇALVES, 2003, p. 17). Assim, a GR não deve ser entendida como sinônimo de mudança lingüística, haja vista a existência de outros processos lingüísticos que também envolvem mudança.

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gramaticais, podendo, ainda, assumir outras funções gramaticais com a continuação do

processo. Nesse sentido, sempre que um item lexical adquire uma função gramatical ou

quando um item já gramatical por natureza assume uma função ainda mais gramatical, o que

se tem é um típico caso de GR. As construções (1) e (2) com o verbo gi “dar”, da língua Akan,

da família Niger-Congo (Gana, África), servem como exemplo para ilustrar esse processo:

(1) Akan (Sebba, 1987, p. 50) Kofi gi Amba wan buku Kofi dar Amba um livro ‘Kofi deu a Amba um livro.’

(2) Akan (Sebba, 1987, p. 50) Kownu seni wan boskopu gi Tigri Rei enviar uma mensagem dar Tiger ‘O Rei enviou uma mensagem para Tiger.’

Ambas as construções apresentam três argumentos (sujeito, objeto direto e objeto

indireto/recipiente), no entanto, em (1), o argumento recipiente Amba é introduzido na

sentença sem o auxílio de preposição (forma não marcada), ao passo que em (2) o argumento

recipiente Tiger é introduzido por meio do verbo serial gi “dar”. O que é interessante notar

nesses exemplos é que, em (1), gi é usado como verbo pleno, enquanto em (2) o verbo gi é

usado com o significado da preposição para (to/for, do Inglês). Isso acontece porque, em

Akan, a alternância de construções, que é uma característica do Inglês (como em I gave the

book to John = I gave John the book), só é possível por meio do uso do verbo gi em série. De

acordo com Schiller (1999), as línguas que não dispõem de muitas preposições para inserir o

terceiro argumento do verbo na sentença tendem a empregar os verbos seriais como forma

gramatical para exercer essa função. Assim, é por assumir uma nova função na gramática da

língua, a de preposição, que o verbo gi é geralmente elencado como um caso de GR. Isto é,

de verbo pleno (predicado de três lugares), gi passou a exercer a função de preposição.

No estudo de Antoine Meillet, publicado em 1912, um dos exemplos utilizados para

explicar o processo de GR é o das conjunções. Segundo o autor, a classe das conjunções

sempre foi alvo de transformações lingüísticas, que eram provocadas exatamente pela

necessidade de adaptação semântico-pragmática a novos contextos e usos.

Para Meillet, as conjunções, tipicamente empregadas na articulação de orações,

deixavam de responder num dado momento a um certo conjunto de significações para

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assumirem, em um outro estágio da língua, várias outras acepções e funções. De acordo com

o autor, a motivação para a ocorrência de tal fenômeno está relacionada à busca sempre

constante que os falantes têm de serem expressivos, de quererem se comunicar e de

buscarem na linguagem novas maneiras de designar idéias já conhecidas.

Nesse contexto, é crucial entender que a língua não constitui um produto acabado,

pronto, preso ao tempo. Pelo contrário, para os estudos da GR a língua varia com o passar do

tempo, o que quer dizer que antigas formas da língua podem ser recrutadas para exercer

novas funções, ou então novas formas lingüísticas podem emergir na língua – a partir de

diferentes mecanismos – para satisfazer as necessidades do falante em uma dada situação

comunicativa (ou até mesmo para tornar uma determinada mensagem escrita ainda mais

eficiente), como é o caso das perífrases conjuncionais, que se formam, em geral, a partir da

combinação de advérbios/verbos com a palavra que (cf. LONGHIN-THOMAZI, 2003).

Segundo Freitag (2004), são as pressões de uso do dia-a-dia que levam as expressões

lingüísticas a sofrerem transformações de diferentes naturezas, dando origem a formas

inovadoras no interior da gramática, fato que já tinha sido observado por Meillet (1942). No

entanto, embora muitas mudanças sejam determinadas pelo contexto (pelas pressões de uso,

pelo caráter expressivo), parece ser um consenso entre os autores da área de que certas

mudanças lingüísticas também podem ocorrer por conta de pressões do próprio sistema

gramatical ou fonético-fonológico, especialmente quando as expressões lingüísticas adquirem

funções gramaticais devido à similaridade entre os contextos gramaticais/fonéticos.

Além das palavras que atuam nitidamente como conjunções – num processo

conhecido por renovação, Meillet destaca ainda que palavras oriundas de outras classes

morfológicas podem também ser escolhidas para assumir o papel de conjunção, como, por

exemplo, a classe dos advérbios, definida entre os linguistas como uma classe multifuncional.

Um exemplo disso é o que ocorreu com o advérbio magis ‘mas’, elemento típico do latim

falado (Latim vulgar), que, além de estabelecer comparações de quantidades e de qualidades,

ainda estabelecia, em determinados contextos, relações de inclusão, como em:

(3) precisamos de mais linguisticas;

(4) ele tem mais livros do que seu vizinho;

(5) falou mais alto do que seu colega.

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Segundo Castilho (1997), em (3-4), mais escopa expressões referenciais, funcionando assim

como advérbio inclusivo; já em (5) mais atua sobre uma expressão predicativa, funcionando

como um advérbio intensificador. Isso corrobora a leitura desses elementos como itens

multifuncionais, já que, além de exercerem funções no nível sentencial (coordenação de

orações), esses elementos podem ainda atuar nos níveis textual/discursivo e interacional como

marcador discursivo/conversacional (KOCH, 1998, 2002, 2004; MARCUSCHI, 2000;

SANTOS, 2003). Sob a perspectiva da GR, o advérbio magis passou a se comportar,

segundo Castilho (1997), Ducrot (1984), Vogt (1989), Vogt & Ducrot (1980), como uma

conjunção adversativa, função que antes era desempenhada pela conjunção sed, do Latim.

3. OS MODELOS DE GR E SEUS REPRESENTANTES

Um dos mecanismos itentificados por Meillet (1912) como responsável pelo

processo de mudança é a analogia, que consiste, segundo o autor, na criação de uma nova

forma lingüística a partir de uma outra já existente no sistema da língua. Um exemplo de

analogia é o que as crianças fazem, durante o período de aquisição da linguagem, com as

regras de aplicação da gramática, como, por exemplo, com o pretérito do verbo fazer: No

período de aquisição, a maioria das crianças tende a conjugar o verbo fazer como “eu fazi” ao

invés de “eu fiz”. Isso acontece porque outros verbos, também terminados em –er (comer,

beber, etc), são conjugados dessa forma na 1ª pessoa/singular do pretérito. Diferentemente

da definição de analogia, pode-se entender o conceito de GR31 empregado pelo autor como

sendo um processo que leva uma palavra lexical a assumir um estatuto gramatical.

Respeitadas as particularidades, é possível falar que, para Meillet, o processo de GR consiste

na reanálise32 de material lexical em material gramatical. Em termos de mudanças, a diferença

entre analogia e reanálise é que a reanálise tende a provocar mudanças de ordem fonológica,

morfológica, semântica e sintática, alterando o conjunto de regras da língua, ao passo que a

analogia provoca apenas alterações superficiais (ligadas à expansão do sistema de regras) na

31 Nos escritos de Meillet, a noção de GR parece estar mais relacionada aos estudos da Lingüística histórica, cujos objetivos estavam mais focados nas origens das formas lingüísticas e nos processos de mudança (lingüística) atrelados a essas formas. Entretanto, o próprio autor parece ainda aceitar a possibilidade de analisar a GR como um processo sincrônico, aspecto que foi também observado por outros lingüistas. 32 Embora a reanálise seja a responsável pelo processo de criação de novas estruturas gramaticais, Hopper & Traugott (1993) assinalam que é a analogia que, muitas vezes, indica que há um processo de GR em curso.

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língua. Por isso, concordo com Longhin-Thomazi (2003, p. 11) de que, na concepção teórica

de GR adotada por Meillet, é o léxico que constantemente “alimenta a gramática”.

Ademais, para Meillet, a GR é um processo interminável e de grande importância para

as línguas, já que o desgaste funcional das palavras da língua é um acontecimento freqüente,

e, nesse sentido, a necessidade de se criar novas formas para atender às expectativas

comunicativas do usuário da língua é essencial. Dessa definição, o que se pode depreender,

portanto, é que a GR envolve perdas mas também ganhos. Uma característica importante do

que Meillet concebe como GR é a trajetória unidirecional que uma palavra principal percorre

até “funcionar’ como uma palavra gramatical na língua. Para Meillet, o processo de mudança

lingüística ocorre numa única direção, sempre do léxico para a gramática, de maneira que o

percurso inverso (gramática → léxico) não é admitido pelo autor em sua proposta.

Meillet (1912) ressalta ainda que a GR é um processo que pode afetar os vários

níveis de análise da língua, quais sejam: a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica.

Isso significa que a mudança lingüística não está assentada apenas na morfossintaxe e na

semântica, mas sim na união desses componentes da língua, no sentido de que uma

mudança morfossintática pode acarretar mudanças fonético-fonológicas e semânticas. Tem-

se aqui, a meu ver, uma das bases conceituais do atual modelo teórico da GDF, de Hengeveld

& Mackenzie (2008), que também propõem o relacionamento entre os diferentes componentes

da língua (os componentes conceitual, gramatical, contextual e expressão) e os níveis de

organização da linguagem: pragmático, semântico, morfossintático e o fonológico.

Alguns dos assuntos discutidos nos estudos da GR são aqueles que versam sobre a

concepção de GR que os autores assumem em suas pesquisas, o princípio da

unidirecionalidade (se a mudança ocorre sempre do lexical para a gramatical) e a distinção

entre elementos lexicais e gramaticais em relação à proposta de um continuum. No decorrer

das próximas seções, abordarei todos esses assuntos de modo a explicitar os diferentes

olhares e as definições sobre o que chamarei, nesse estudo, de processo de GR e,

conseqüentemente, a sua importância para explicar o processo de mudança porque vem

passando os itens assim, já e aí no Português falado do interior paulista.

Em linhas gerais, há vários autores que trabalharam ou trabalham com a proposta de

GR, ora discutindo aspectos teóricos que dizem respeito à concepção do fenômeno ora

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discutindo parâmetros e princípios de GR, com o intuito de verificar o estágio de mudança das

formas lingüísticas. Dos autores que discutem as questões elencadas anteriormente, chamo a

atenção para nomes como Heine et alii (1991), Hopper & Traugott (1993) e Bybee (2003), que

compartilham de uma noção semelhante de GR, assentada basicamente no reconhecimento

de que a passagem de um item lexical a um item gramatical (ou de um item gramatical para

um item ainda mais gramatical) ocorre de maneira gradual, num sentido unidirecional. Em

outras palavras, o que essas propostas têm em comum é que a distinção entre elementos

lexicais e elementos gramaticais não é entendida de forma dicotômica (ou é lexical ou é

gramatical), mas sim como continuum de GR, que aponta para existência de categorias não-

discretas, que se distribuem entre os dois extremos desse continuum [+ Lex → + Gram].

Heine et alii (1991) discutem esse assunto utilizando os conceitos de palavra-fonte e

palavra gramatical (ou palavra-alvo). Para os autores, as palavras-fontes são aquelas que

atuam como fonte do processo de mudança lingüística, uma vez que são elementos que

possuem significação própria e tendem a codificar objetos concretos pertencentes ao mundo

sócio-físico do falante/ouvinte (SWEETSER, 1991), e, por isso, estão geralmente associados

a processos, localizações e ao sistema dêitico da língua. Já as palavras gramaticais, segundo

Heine et alii, são aquelas que estão mais estreitamente relacionadas a elementos abstratos da

língua, sendo, portanto, desprovidas de significado próprio, característica esta que as coloca

no rol de palavras que são dependentes de outras palavras ou então do contexto de uso. São

exemplos de palavras gramaticais os auxiliares, os clíticos e os afixos (prefixos e sufixos).

Como se pode observar, na proposta de Heine et alii (1991), a GR é definida como

processo cognitivo, em que conceitos concretos (espaço físico, tempo, etc) são utilizados para

compreender, descrever ou explicar fenômenos mais abstratos (articulação de orações).

Dessa forma, os autores explicam que o ‘surgimento’ de novas formas lingüísticas é

motivado pragmaticamente por meio de associações metafóricas e metonímicas. É o que eles

chamam de “metáfora emergente”, a ser mais bem explicitada nas próximas seções.

Além de Meillet (1912), Heine et alii (1991) e Heine (2003) também acreditam no fato

de que são as necessidades comunicativas do falante que desencadeiam a GR. Isso, de acordo

com os autores, explicaria a busca constante de formas lingüísticas mais adequadas para

expressar idéias mais abstratas (ou ainda não experimentadas pela língua). Dois outros autores

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que se enquadram na mesma perspectiva teórica são Hopper & Traugott (1993) e Bybee

(2003). Para esses autores, a concepção de GR também tem como pressuposto básico a

existência de um continuum que parte de um significado lexical rumo a um significado

gramatical, negando, assim, uma separação estrita ou discreta entre as classes de palavras.

Dentre os estudiosos mais recentes que contribuíram para o debate sobre GR nas

línguas naturais está Givón (1979), que discutiu questões de mudança lingüística analisando o

fenômeno denominado por ele como sintatização (criação de estruturas gramáticas). Embora

não utilizasse o rótulo de GR em seus estudos, Givón se destacou dos demais autores

exatamente pelo fato de propor um outro viés de análise para os estudos da área de GR, que

é a reanálise de material discursivo em material gramatical. A novidade na proposta de Givón

é que o discurso é definido como o lugar das necessidades que desencadeiam as mudanças

que atuam na produção de estruturas gramaticais. Guiado pelo slogan “a morfologia de hoje é

a sintaxe de ontem”33, Givón projetou uma escala em que os diferentes estágios de evolução

dos itens lingüísticos podem ser visualizados, a saber: DISCURSO > SINTAXE >

MORFOLOGIA > MORFOFONÊMICA > ZERO34. O autor assinala que no processo de

sintatização o modo pragmático de comunicação dá lugar ao modo sintático; assim,

expressões lingüísticas com vinculação sintática fraca se transformam, a partir de um certo

momento da língua, em expressões sintáticas mais fortemente ligadas, como se vê em (5):

(5) a. Vou ao cinema, acho. (Exemplo adaptado de Givón, 1979) b. Acho que vou ao cinema.

Em (5a), tem-se uma estrutura paratática, cuja relação entre as duas orações é implícita.

Sintaticamente, em (5a), o grau de vinculação sintática entre as duas orações é bastante

frouxo. Já em (5b), o que se tem é uma oração encaixada, em que o grau de vinculação

sintática entre a oração principal “acho” e a oração encaixada “vou ao cinema” é maior35.

33 A reanálise de construções de tópico em construções de sujeito é um bom argumento para o slogan de Givón. 34 Para Givón, o discurso é entendido como um modo não-planejado de comunicação informal. Nesse caso, como justificativa para a sua escala de mudança, o autor assinala que o discurso tende a motivar a emergência de novos esquemas gramaticais (formas gramaticais), resultando, em última instância evolutiva, numa forma zero. 35 A ‘oposição’ entre pragmática (modo pragmático, relações mais frouxas) e sintaxe (modo sintático, relações mais consistentes) pode, segundo Givón (1979), também explicar as diferenças entre o Pidgin e o Crioulo, entre a fala infantil e a fala adulta, e, conseqüentemente, as distinções entre linguagem formal e linguagem informal.

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A partir dessa proposta, o processo de GR passou ser entendido não apenas como a

reanálise de material lexical em material gramatical (proposta de Meillet, 1912), mas também

como a reanálise de um item discursivo em um item sintático ou gramatical, como em (6):

(6) Funções do nível discursivo > Funções de nível sentencial e semântico

De acordo com Castilho (1997), o ponto de vista defendido por Givón (1971, 1979) é o que

embasa o princípio de “iconicidade sintática” da linguagem. Para Castilho, a sintaxe icônica de

Givón revela um grau de não-arbitrariedade das estruturas com relação ao que elas significam.

Dessa forma, se inicio uma sentença com uma construção de tópico é porque o referente sobre

o qual ela apresenta algo deve preceder a declaração, isto é, o comentário. Entretanto, o que

desabona a proposta de Givón (1979) é o conceito de discurso que ele utiliza para analisar os

casos de estruturas gramaticais que são criadas a partir do modo pragmático. Trata-se de

uma noção que mescla aspectos discursivos e aspectos sintáticos, resultando em algo que se

pode chamar de macro-sintaxe, denominação sugerida por Longhin-Thomazi (2003, p. 16).

Diferentemente de Meillet (1912) e Kurilowicz (1956), cujas definições sobre a GR de

formas lingüísticas aparecem sempre ancoradas no interior da Lingüística Histórica, Givón

(1979) apresenta uma definição de sintatização (da qual se pode apreender um conceito de

GR) que se instaura mais claramente no interior da Lingüística moderna (cf. a seção 1),

definindo um novo recorte de análise, isto é, a perspectiva sincrônica de descrição. Mais

tarde, em 1991, Givón divulga seus escritos sobre os princípios gerais de GR de forma mais

detalhada. Baseando-se, então, nas idéias defendidas em Givón (1991), pode-se concluir que,

para o autor, a GR é entendida como um processo que atua tanto no plano da estruturação

conceitual (onde se situam a semântica e a pragmática) quanto no plano da estruturação

morfossintática (onde se situam a fonologia e a morfossintaxe) de formas lingüísticas.

A apresentação feita até aqui mostra que há vários autores que discutem – de forma

direta ou indireta – o processo de GR nas línguas naturais. Apesar de se diferenciarem, às

vezes, em função da perspectiva que assumem em relação à mudança, ora diacrônica ora

sincrônica, todos os autores mencionados anteriormente concordam que a GR constitui um

processo de mudança unidirecional que se inicia no léxico e parte rumo à gramática,

considerando também a possibilidade de estruturas já gramaticais assumirem funções ainda

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mais gramaticais. Mostrei também que uma outra característica compartilhada por autores

como Heine et alii (1991), Hopper & Traugott (1993) e Bybee (2003) é a aceitação de que as

classes de palavras não constituem categorias discretas, mas sim contínuas. No entanto, não

é difícil encontrar autores que criticam o caráter unidirecional e a distinção entre léxico e

gramática do processo de GR. Ramos (2003), por exemplo, lista algumas dessas críticas:

Tópicos Aspectos questionados

O que é língua

Os autores que estudam a gramaticalização de formas lingüísticas “parecem entender a língua como uma entidade heteróclita, estática, passível de representação através de uma linha, na qual podemos reconhecer pontos e estabelecer derivações entre esses pontos” (CASTILHO, 2003, p. 9).

Princípio da unidirecionalidade

Numa visão seqüencial do processo, “a [GR] é feita de estágios unidirecionais, de tal maneira que a um estágio A se segue um estágio B, a este se segue um estágio C, e assim por diante” (CASTILHO, 2003, p. 9).

Gradualidade entre categorias

lexicais e categorias

gramaticais

Dispostas numa linha, categorias lexicais dão origem a categorias gramaticais, e estas a categorias ainda mais gramaticais, como por exemplo afixos. “Quereria isto dizer que os itens lexicais não têm propriedades gramaticais, suficientes para arranjá-los em categorias próprias? (...) Por outro lado, teriam essas classes um estatuto categorial claramente configurado, a ponto de se sucederem perceptivelmente umas às outras na língua-linha, permitindo-nos testemunhar sua metamorfose? (...) e pensando nos estudos funcionalistas sobre a [GR], onde foi parar a Teoria dos Protótipos? Seriam mesmo tão claros os limites entre as classes lexicais, de tal forma que pudéssemos estabelecer uma relação de derivação entre elas?” (CASTILHO, 2003, p.10).

Lugar da gramática,

semântica e discurso

Nos estudos sobre GR “ficam situados no mesmo nível fenômenos tais como erosão fonética, descategorização/ recategorização morfológica, ampliação dos empregos sintáticos, perda semântica, sem falar nas pressões do Discurso sobre o sistema. Esse ponto de vista levou diversos autores a dispor o Discurso, a Gramática e a Semântica num(a) “(c)line”, admitindo implicitamente uma hierarquia e uma decorrente derivação entre esses sistemas. Essa percepção implicaria em que no momento da criação lingüística nossa mente funciona em termos de instruções seqüenciais, isoladas umas das outras, indo linearmente de uma classe lexical para outra, de um subsistema lingüístico para outro?” (CASTILHO, 2003, p. 10).

Quadro 1. Apontamentos e questionamentos sobre a GR

Como se observa, Castilho tece várias críticas aos postulados teóricos da GR, em

especial no que diz respeito à noção de língua como objeto estático e seqüencial, à

possibilidade de se distinguir claramente os limites entre usos lexicais e usos gramaticais e

outros já mais gramaticalizados, e também à aparente admissão de uma hierarquia entre

Discurso e Gramática, idéia que é refutada pela teoria multissistêmica de Castilho. Entretanto,

a meu ver, as críticas Castilho (2003) são insustentáveis pelo fato de não condizerem com o

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discurso dos autores que trabalham com a GR. Em primeiro lugar, o fato de a GR utilizar a

noção de cline ou continuum para representar as mudanças que ocorrem durante o processo

de mudança constitui apenas uma escolha metodológica ou até mesmo didática para ilustrar o

que de fato está ocorrendo na língua. Não quer dizer com isso que Hopper & Traugott (1993)

e demais autores, ao utilizarem essas noções, estão concebendo a língua como uma entidade

estática, pronta e imune às mudanças. Da mesma forma, é o que ocorre com o modelo de

representação da GDF: em nenhum momento, Hengeveld & Mackenzie dizem que a língua se

processa da maneira como está sendo representada e sim de que o modelo de representação

constitui somente uma forma didática para explicar o que acontece entre os níveis de

organização que compõem a linguagem. Em segundo lugar, ao proporem o princípio da

unidirecionalidade como uma característica típica de um processo de mudança lingüística que

se realiza via GR, Meillet e Hopper & Traugott não estão propondo que um uso se sucede a

um outro de forma repentina, mas sim de que há estágios de sobreposição entre a velha

função e a nova função que o item lingüístico assume. Além disso, o princípio da

unidirecionalidade não invalida a proposta da multidirecionalidade de Castilho, uma vez que

um item lingüístico até pode desenvolver várias trajetórias de mudança, mas todas elas se

darão numa única direção, ou seja, partirão de uma forma-fonte para uma forma-alvo.

Por fim, cabe ressaltar que os estudos teóricos da GR não propõem a centralidade de

uma dimensão lingüística, como a semântica ou o discurso – por exemplo, em relação às

demais esferas da língua. O que acontece é que alguns autores tendem a focalizar certos

aspectos da mudança em detrimento de outros, mas isso não significa que os demais

aspectos da língua não sejam importantes ou devidamente reconhecidos. Consoante os

comentários efetuados no início desse capítulo, o processo de mudança lingüística pode

ocorrer em todos os níveis de organização da língua: fonética-fonologia, morfologia, sintaxe,

semântica e pragmática. Dessa forma, a avaliação negativa de Ramos (2003, p. 17) de que, na

concepção de GR de Lehmann (1985), a criação de categorias funcionais (gramaticais) resulta

sempre de categorias lexicais empobrecidas fonética e semanticamente (via diacronia) não tem

muito fundamento, considerando-se o fato de que a redução de material fonético de um item

lingüístico pode estar relacionada ao aumento de sua funcionalidade e que a GR pode envolver

perdas e ganhos de significado ao longo do processo. Ademais, não é verdade que a GR não

reconhece a pressão do discurso nas configurações gramaticais da língua, tanto que há

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autores, como Hopper & Traugott (1993), que dizem que a GR é um processo de mudança

lingüística que envolve a pragmatização de significados das formas lingüísticas.

Um outro questionamento levantado por Ramos (2003) diz respeito às críticas

disparadas por Campbell (2001) sobre a caracterização da GR como um modelo teórico e

Newmeyer (2001) sobre a ausência de um conjunto de leis próprias para esse processo, além

das críticas sobre a sustentabilidade do princípio da unidirecionalidade e dos demais tipos de

mudanças (mudanças fonéticas e semânticas) que são sempre associados ao processo de

GR das formas lingüísticas. Entretanto, as críticas de Campbell e Newmeyer, bem como as de

Castilho (2002; 2003), são no mínimo inconsistentes, uma vez que os argumentos e os contra-

exemplos que os autores utilizam para contestar o caráter unidirecional do processo de GR –

e assim sugerir uma outra trajetória de mudança para os itens lingüísticos – são pouco

convincentes e produtivos36, respectivamente. Segundo Campbell, a mudança semântica, por

exemplo, nem sempre representa uma condição necessária para classificar um dado processo

como sendo de GR, já que o processo de GR nem sempre envolve mudança, muito menos

perda semântica. Como já destaquei anteriormente, o processo de GR pode afetar sim todos

os componentes da língua, porém, isso não é uma lei obrigatória. Há casos de GR que

envolvem mudanças semântica, morfossintática e fonológica, e outros que envolvem apenas

mudanças semânticas ou fonológicas. A meu ver, o tipo de mudança está muito vinculado ao

tipo de item lexical ou gramatical e também ao seu estágio de GR (+/- avançado).

Os exemplos de Newmeyer (2001), que envolvem a ‘lexicalização’ de afixos e a

mudança de afixo flexional para clítico, são, segundo Lehmann (1995) e Heine et alii (1991),

insustentáveis e estaticamente não relevantes, respectivamente. A tese de que a

unidirecionalidade não constitui apenas uma propriedade da GR não desqualifica nem invalida

os pressupostos teóricos desse processo. Assim sendo, pode-se dizer que as explicações

dadas pelos autores que criticam a GR, pelas razões já apresentadas aqui, são muito

superficiais, e, portanto, irrelevantes do ponto de vista das generalizações teóricas.

36 Segundo Campbell (2001, p. 127), o genitivo –s do Inglês não constitui mais uma forma flexional, assim como era no Inglês arcaico. O que ocorreu é que o genitivo –s evoluiu de um complexo sistema flexional para uma forma mais independente (como os itens lexicais). De acordo com o autor, atualmente, o genitivo –s pode ser separado por um advérbio, como em “somebody else’s hat”, por um sintagma preposicional, como “the queen of England’s power”, ou ainda por uma cláusula relativa, como em “the man I saw yesterday’s car”. Para Campbell, esses exemplos revelam a perda de restrições gramaticais do –s em direção a uma forma mais independente.

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Quanto ao questionamento de a GR constituir ou não uma teoria, sou de opinião

semelhante a de Heine (2003, p. 575), que sustenta que a GR não é nem uma teoria da

linguagem nem uma teoria da mudança. No presente trabalho, a exemplo do que faz Heine

(2003), a GR é entendida como um processo de mudança, cujo objetivo é descrever a

maneira como as formas gramaticais emergem e se desenvolvem através do tempo e do

espaço, e explicar porque elas são estruturadas do modo como são em uma dada sincronia.

Por fim, é importante destacar que a possibilidade de um item lexical ou gramatical

dar origem a várias trajetórias de mudança lingüística não invalida o princípio da

unidirecionalidade nem muito menos deve ser concebida como um argumento contra o

processo de GR, uma vez que todas as trajetórias partem sempre de uma forma-fonte para

uma forma-alvo, mantendo a unidirecionalidade como um percurso de mudança. Nesse

sentido, tanto a proposta da poligramaticalização (CRAIG, 1991) quanto a proposta da

multidirecionalidade (CASTILHO, 2003) encontram-se contempladas, cada uma a seu modo,

na hipótese da unidirecionalidade. A esse respeito, Hopper & Traugott (1993) declaram que a

poligramaticalização não inviabiliza a trajetória unidirecional da GR, justamente pelo fato de os

últimos usos de todas as trajetórias representarem usos mais abstratos e gerais.

Feitas essas considerações, passo, agora, a uma exposição mais detalhada dos

aspectos teóricos que apresentei nessa primeira parte, tais como o princípio da

unidirecionalidade, a distinção entre léxico e gramática, os princípios e parâmetros de GR e os

mecanismos envolvidos no processo de GR (metáfora, metonímia, reanálise e analogia). e pr

4. O PRINCÍPIO DA UNIDIRECIONALIDADE

Como mostrei na seção anterior, a trajetória unidirecional de mudança é uma das

principais características do processo de mudança via GR, o que significa dizer que o

processo inverso (gramática → léxico) não é admitido como possível pela GR. Nesse contexto,

para entender um pouco o conceito de unidirecionalidade e sua importância na análise de

fenômenos de mudança que se processam via GR, é necessário saber o que caracteriza o

componente lexical (conceito lexical) e o que caracteriza o componente gramatical (conceito

gramatical), tarefa que foi implementada por vários autores. Heine et alii (1991b, p.28), por

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exemplo, caracterizam o conteúdo lexical e o conteúdo gramatical, afirmando que os itens que

pertencem ao primeiro grupo são autônomos, pois têm significado por si mesmos, enquanto

os que pertencem ao segundo grupo só adquirem significado pela combinação com outros

itens. Por isso, os autores afirmam que, além de ser mais abstrato que o lexical, o

componente gramatical é expresso por meio de categorias lingüísticas que formam classes

fechadas, diferentemente dos conceitos lexicais que constituem classes abertas.

O quadro 2, abaixo, traz uma síntese dos critérios empregados por Heine et alii

(1991b) para distinguir os conceitos lexicais e os conceitos gramaticais:

Categorias lexicais Categorias gramaticais

São mais concretos, incluindo objetos, processos, localizações, qualidade.

São mais abstratos, incluindo conceitos derivacionais (provenientes da associação com categorias-base)

Possuem conteúdo semântico isoladamente Não possuem conteúdo semântico isoladamente Palavras livres (são mais autônomas) Palavras presas (ligadas ao contexto ou a outra forma) Permitem modificadores de diferentes classes Não permitem modificadores São de uso geral e menos freqüente São de uso especifico e mais freqüente Possuem maior conteúdo fonológico Possuem menor conteúdo fonológico São codificados por lexemas São codificados por auxiliares, partículas, clíticos,

afixos e unidades supra-segmentais Estabelecem relações extralingüísticas, ou seja, relações referenciais

Estabelecem relações lingüísticas e contextuais, ou seja, relações de cunho gramatical

Compõem uma classe aberta Compõem uma classe fechada Quadro 2. Categorias lexicais vs. Categorias gramaticais (Adaptado de Heine et alii, 1991b, p.28-29)

O quadro acima aponta para a relevância da noção de continuum para a análise dos itens

lexicais e gramaticais. Nesse sentido, pode-se dizer que há elementos que são mais lexicais e

elementos que são mais gramaticais, em que as categorias intermediárias são geralmente

reservadas para os itens não prototípicos, que apresentam traços lexicais e gramaticais. O

comportamento funcional dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro é um

exemplo de que os itens lexicais e gramaticais não constituem categorias discretas:

(7) a. Doc.: do que que é a fitinha? Inf.: de:: plástico Doc.: plástico? Inf.: de sacola... [Doc.: uhum] cê corta as fiti::nhas assim tudo... do tamanho que cê

quisé::(r) pode fazê(r) fitinha até desse tamanho assim óh ((mostra o tamanho das fitinhas com a mão)) desse tamanho até assim ((mostra o tamanho das fitinhas com a mão)) (AC-007-RP; L. 100-109)

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b. Inf.: [o dinheiro] vai po cara que eu peguei a droga... po::... po dono da droga que:: que nós pega... vai pra ele o dinheiro... às vez vai pra Ele assim... depois dele tem mais um::... aí depois tem mais um::... depois tem mais um::

Doc.: NOssa... tem várias pessoas assim então? (AC-025; RO: L. 177) c. a minha mãe pegou e falou [...] que:: que num queria casar que queria fugir… aí meu

pai falou assim –“não vamos casar”– aí a minha vó fez o casamento preparou tudo e eles casaram aí logo em seguida eles fugiram prá Matão… aí hoje vai fazer vinte e cinco ano que eles tão casado… (AC-034; NR: L. 38-47)

Em (7a), há dois casos de assim que atuam como advérbio de modo, uma vez que fazem

referência ao contexto dêitico do falante/ouvinte, isto é, ao momento da enunciação. Em

termos de GR, o uso dêitico constitui o uso mais básico de assim, sendo, portanto,

considerado a forma-fonte a partir da qual os demais usos de assim são derivados. Em (7b), o

que se tem é um caso de assim operando como um advérbio anafórico [que faz referência a

informação que já foi mencionada antes: “pessoas que trabalham no tráfico de drogas”].

Embora a ocorrência de assim em (7b) seja mais gramaticalizada e abstrata que a ocorrência

de assim em (7a), o uso de assim como advérbio anafórico ainda conserva traços do uso

como advérbio de modo. Isso mostra que, no decorrer do processo de GR, o item assim

passa a assumir funções gramaticais, porém, com a presença de estágios intermediários entre

um uso e outro, cenário este que viabiliza o processo de mudança e aponta para a não-

existência de limites claros entre uma categoria e outra. A ocorrência em (7c) é mais uma

evidência a favor de um continuum de GR entre as categorias lexical e gramatical das línguas.

Em (7c), o item assim, além de preservar o seu caráter catafórico, introduz um discurso direto,

que na definição de Hengeveld & Mackenzie (2008) equivale a um Conteúdo comunicado

(fonte de informação de terceiros - interpessoal). Esses usos dialogam com a noção de

cadeias de GR proposta por Heine et alii (1991), que prevê a transformação de significados

mais concretos (uso dêitico de assim) em significados mais abstratos (uso catafórico/introdutor

de Conteúdo comunicado). Com essa noção, que equivale ao conceito de continuum de

outros autores, Heine et alii assinalam que, na passagem da categoria lexical para a categoria

gramatical, ocorre o que eles chamam de encadeamento de estruturas lingüísticas (usos)37.

37 Segundo Heine et alii (1991), o conceito de cadeias de GR pode ser entendido conforme o seguinte esquema (adaptado dos autores): A > (AB) > B > (BC) > C, em que C constitui a forma gramaticalizada de A, e AB e BC representam os estágios intermediários que se projetam entre os extremos A (forma-fonte) e C (forma-alvo). Na proposta dos autores, um conceito só é definido como abstrato em relação a um outro, que é mais concreto. Assim, quanto mais distante uma forma se encontrar da fonte, mais gramaticalizada ela será.

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Os usos de já, em (8), constituem outros exemplos desse processo:

(8) a. Inf.: EU praticamente não vivo sem computador... eu chego da escola e já venho aqui no computador só quando meu irmão... aquele idiota fica aqui né? (AC-010-RO; L. 344)

b. Doc.: 1[depois] cê me explica? então tá Inf.: peguei... fiz meu pipa lá aí a gente... foi erguê(r)... lá no campo... aí a gente

ergueu... aí no o::utro dia eu ergui de novo né? AÍ né?... tava erguen(d)o assim e o pipa num pegava ven::to num:: tava cain::(d)o aí nós começô(u) a corrê(r) pa trás [Doc.: uhm] aí hora que nós viu nós já tava lá::... perto da da chácara lá... do homem... AÍ lá tinha um monte de cana... aí eu PEGUEI baixei o meu pipa... e:: quand/ eles dois tava lá/ só:: lá catan(d)o cana só né? aí... catei abaixei meu pipa... fui lá... também peguei um monte de cana também levamo(s) tudinho pra casa da minha avó.. aí a noite nós chupô(u) tudo... e ficamo(s) lá (AC-007-NE; L. 27)

Em (8a), tem-se um uso de já que combina traços do advérbio temporal, portanto, um uso que

pertence ao campo dêitico da língua, e traços do advérbio aspectual (relacionado à

anterioridade a um evento ou a um ponto esperado do evento), que é um uso mais abstrato

em termos semânticos. Em (8a), o uso de já pode ser parafraseado por logo ou então por uma

outra estrutura que expressa modo, como depressa ou correndo [venho depressa; venho

correndo aqui no computador]. Em (8b), o item já opera claramente como um advérbio

aspectual, indicando a anterioridade a um ponto esperado do evento [que era de estar na

chácara do tal homem mencionado no texto, mas que acabou ocorrendo antes do esperado].

Entre os dois usos de já, o que se observa é uma mudança gradual em direção a categorias

gramaticais e, conseqüentemente, mais abstratas do ponto de vista semântico.

As ocorrências em (9) representam alguns dos usos de aí:

(9) a. Inf.: não::... não tinha muita não... era poucas casa.... e ainda tem... inclusive tem gente antigo ainda que mora aí sabe?... aTÉ na 3D que é uma fabrica de moveis... até na 3D era ca::sa... pra lá já era tudo pasto... hoje não... hoje tá tudo bonito tudo casa tem padaria tem tudo lá pra baixo (AC-098; DE: L. 201)

b. Doc.: 1[depois] cê me explica [como faz um pipa]? então tá Inf.: peguei... fiz meu pipa lá aí a gente... foi erguê(r)... lá no campo... aí a gente

ergueu... aí no o::utro dia eu ergui de novo né? AÍ né?... tava erguen(d)o assim e o pipa num pegava ven::to num:: tava cain::(d)o aí nós começô(u) a corrê(r) pa trás [Doc.: uhm] aí hora que nós viu nós já tava lá::... perto da da chácara lá... do homem... AÍ lá tinha um monte de cana... aí eu PEGUEI baixei o meu pipa... e:: quand/ eles dois tava lá/ só:: lá catan(d)o cana só né? aí... catei abaixei meu pipa... fui lá... também peguei um monte de cana também levamo(s) tudinho pra casa da minha avó.. aí a noite nós chupô(u) tudo... e ficamo(s) lá (AC-007-NE; L. 10-31)

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c. Inf.: ah:: a M. já me contô(u) umas coisas aí... tipo a gente a gente foi no baile jun::to tal... mas:: a gente chega LÁ a gente fica lá dançan::(d)o e ela some (AC-010-NR; L. 95)

Como se pode notar, em (9a), o uso de aí se refere à dimensão dêitica da língua. Nesse caso,

a identificação do referente a que remete o item em destaque requer “a referência ao falante-

agora, que é o complexo modo-temporal que constitui o ponto de referência do evento de fala”

(cf. NEVES, 1992, p. 264). Em termos de GR, a ocorrência de aí em (9a) constitui o uso mais

básico (que opera no Nível Representacional da língua), do qual as demais funções do item

lingüístico são derivadas. Já o trecho narrativo em (9b) conta com dez ocorrências de aí que, de

forma conjunta, exercem a função de seqüenciador temporal. Por se relacionarem a unidades

lingüísticas, isto é, os episódios, que pertencem ao Nível Representacional da língua, esses

usos de aí são analisados no interior da GDF como introdutor de episódios. Nesse caso, por se

tratar de trecho que narra os acontecimentos dos participantes do discurso com suas pipas, o

que se tem como produto são vários episódios, organizados conforme uma seqüência temporal

(os marcadores de tempo absoluto, como no outro dia, a hora, à noite são características da

categoria episódio, que pertence ao nível semântico), que descrevem os fatos que ocorreram

em um dos dias em que empinaram pipas. Por fim, em (9c), tem-se um uso de aí que funciona

como operador aproximativo de subato referencial. Nesse caso, o item aí exerce uma função

interpessoal, atuando sobre o sintagma nominal umas coisas (em termos de estrutura

morfossintática), cujo papel expressivo é de mitigação. Novamente, o que se observa é um

desenvolvimento gradual do item aí rumo a categorias gramaticais e discursivas.

Em vista do exposto, assumo que o caráter heterogêneo da classe dos advérbios, na

qual se inserem os itens assim, já e aí, decorre em grande parte da existência de um continuum

que confere a esses elementos traços que pertencem ao léxico e à gramática da língua.

Em relação às diferentes funções que item lingüístico pode exercer no decorrer do

processo de GR, que vão desde as funções referenciais até as funções mais expressivas –

passando pelas funções textuais – Traugott (1982) sugere um esquema de GR que recupera

basicamente o trajeto que um item lingüístico, situado no domínio referencial, percorre até

chegar ao domínio expressivo (pragmático) da língua, que inclui a figura dos participantes:

(10) Proposicional > (Textual) > Expressivo (referência) (coesão) (atitude do falante)

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De acordo com o esquema (10), vê-se que a GR é definida como um processo histórico,

dinâmico e unidirecional pelo qual itens lexicais adquirem, no curso do tempo, um novo

estatuto lingüístico, como formas gramaticais e morfossintáticas. Em relação aos itens

lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, cujos usos dêiticos pertencem ao domínio

proposicional (usos referenciais), esses elementos podem se GR, passando pelo domínio

textual (com funções anafóricas, catafóricas e conectivas), até chegarem ao domínio mais

expressivo da língua, exercendo funções discursivas, tais como a de marcador discursivo,

organizador de tópico e operador aproximativo de subatos referencial e adscritivo.

Mais tarde, ainda preocupados com a questão das categorias lingüísticas, Hopper &

Traugott (1993) destacam que as palavras de “conteúdo” (palavras lexicais) devem ser

distinguidas das palavras funcionais (palavras gramaticais), afirmando que as palavras de

conteúdo (substantivos, verbos e adjetivos) são usadas para informar ou descrever coisas,

ações e qualidade, e as palavras funcionais “servem para indicar as relações dos nomes uns

com os outros (preposições), ligar partes do discurso (conectivos), indicar se entidades e

participantes do discurso já estão identificados ou não (pronomes e artigos), e mostrar se elas

estão próximas do falante ou do ouvinte (demonstrativos)” (HOPPER & TRAUGOTT, 1993,

p.4). No processo de GR descrito pelos autores, está impressa a noção de que o item deve

seguir um percurso unidirecional. Conforme esse princípio, é possível determinar um cline de

GR, tal como é proposto por Hopper & Traugott (1993, p.7), a saber: [item de conteúdo] >

[palavra gramatical] > [clítico] > [afixo flexional]. Esse continuum também pode ser

representado por meio das classes de palavras como [categoria maior] > [categoria medial] >

[categoria menor]. Para os autores, a categoria maior inclui o nome, o verbo e o pronome; a

categoria medial, o adjetivo e o advérbio; e, finalmente, a categoria menor, a preposição, a

conjunção e os auxiliares. Especificando um pouco esse continuum de GR de Hopper &

Traugott (1993), Keizer (2007) entende que as preposições e as conjunções (boa parte delas)

são elementos lexicais ou, então, elementos que apresentam várias características lexicais,

como a conjunção ‘in the event that’ e a proposição ‘under’ (cf. seção 7 deste capítulo).

Para Bybee et alii (1994, p.4), a teoria da GR começa com a observação de que

morfemas gramaticais desenvolvem-se gradualmente de morfemas lexicais ou combinação de

morfemas lexicais com outros morfemas lexicais ou gramaticais. Em linhas gerais, Bybee et

alii estão interessados não apenas na passagem de um item lexical a um item gramatical,

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característica que é ressaltada por vários outros autores, mas também no processo diacrônico

da mudança das formas lingüísticas, que formam cadeias de desenvolvimento (evolutivas).

Como se pode notar, as características que definem a GR como um processo

autônomo e unidirecional são várias, entretanto, para autores como Castilho (2003), os itens

lexicais, em geral, ao se gramaticalizarem, desativam algumas características que permitem

encaixá-los na categoria lexical, assumindo, assim, características da categoria gramatical.

Nesse caso, para o autor, é delicado falar em perda, uma vez que o fato de assumir

características gramaticais não significa falar em empobrecimento de formas lingüísticas. O

ideal, conforme Castilho, seria falar em ativação ou desativação de categorias lexicais ou

gramaticais. Trata-se, dessa forma, de um processo que implica a mudança de categoria entre

diferentes classes de palavras. O que resulta da crítica de Castilho, portanto, é que a distinção

entre palavras lexicais e palavras gramaticais não é necessária (CASTILHO, 2002, 2003),

porém, conforme já discuti nos exemplos anteriores, essa medida não resolve o problema

daqueles itens lingüísticos que não podem ser classificados nem como itens lexicais nem

como itens gramaticais, exatamente por mesclarem características dos dois extremos.

Para o autor, que defende uma visão multissistêmica da linguagem, dizer que a GR

é um fenômeno puramente unidirecional é perigoso, uma vez que isso equivale a dizer que a

linguagem possui um caráter linear e estático38. Melhor seria, segundo Castilho, acreditar que

a linguagem é multissistêmica (calcada no princípio da multidirecionalidade), isto é, que a

linguagem é constituída por diferentes domínios (o Léxico, o Discurso, a Semântica e a

Gramática), que são, por sua vez, simultaneamente articulados pela mente humana no

momento da interação verbal, definição esta que não é acatada no presente trabalho. No

modelo multissistêmico de Castilho, a língua é representada de forma radial, com o Léxico

posicionado ao centro, ficando a Semântica, o Discurso e a Gramática ao seu redor.

Vale destacar que as discussões em torno dessas questões são muitas e, ainda,

extremamente atuais. Uma prova disso foi a realização do evento intitulado “New reflections

38 Castilho (1997; 2002) argumenta que a GR não é o único processo de criatividade presente na linguagem, há também, segundo o autor, a discursivização e a semantização. Para validar a sua argumentação, Castilho lança mão do processo de GR da forma ante(s) que, na sua opinião, passou de advérbio a prefixo, desenhando o seguinte percurso: advérbio > preposição > conjunção > prefixo. Para o autor, não há uma ordem a ser seguida, uma única trajetória (unidirecional), tudo depende da situação de uso, ocasião em que as propriedades sintáticas, semânticas e discursivas são acionadas indistintamente (ativadas ou desativadas).

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on Grammaticalization 4”39, realizada em Leuven (Bélgica), de 16 a 19 de Julho de 2008, que

contou com a presença de nomes como Elizabeth Traugott, Trousdale Graeme, Ian Roberts,

Laurel Brinton, Holger Diessel, John Du Bois, dentre outros. Entre os vários tópicos abordados

no encontro estão a (de)gramaticalização, a lexicalização e o contínuo léxico-gramática.

De forma resumida, o que os autores listados até aqui assinalam é que a GR pode ser

estudada ou avaliada a partir de dois diferentes recortes teórico-metodológicos, a saber:

(11) a. no eixo diacrônico, um cline constitui uma trajetória natural de desenvolvimento

da formas lingüísticas (evolução que visualiza no eixo temporal);

b. no eixo sincrônico, os estágios de GR são definidos em função de um continuum, cuja disposição das formas lingüísticas ao longo de uma linha (imaginária), com seus diferentes usos, permite identificar ou pelo menos pressupor a existência de um processo de mudança lingüística em curso.

O que é importante dizer das considerações em (11) é que, assim como Meillet (1912), Heine

et alii (1991a,b), Hopper & Traugott (1993), a língua não é concebida como uma entidade

estática e linear, mas sim como uma entidade mutável e que está em plena sintonia com o que

acontece ao seu redor, fato que se faz presente nas transformações fonológicas, morfológicas,

sintáticas, semânticas e pragmáticas das formas lingüísticas ao longo do tempo. Aceitar, pois,

a gradualidade do processo de GR é entender que a língua evolui de formas mais concretas a

formas mais abstratas, e, nesse sentido, sugerir clines ou continua de mudança constituem

apenas uma ferramenta teórico-metodológica para se entender o processo. É essa a posição

teórica que assumirei em relação à análise dos itens linguisticos assim, já e aí.

5. OS CRITÉRIOS DE GRAMATICALIZAÇÃO

Há tempos, lingüistas vêm tentando elencar e distinguir os diferentes princípios que

levam um item lingüístico a se gramaticalizar. Entre os estudiosos, encontram-se Heine & Reh

(1984), que foram uns dos primeiros lingüistas a tentar estabelecer princípios gerais de GR

para as línguas naturais. Também estão nesse grupo Lehmann ([1982] 1995), que se

preocupa com os estágios mais avançados do item gramaticalizado, e Hopper (1991) que se

ateve principalmente aos mecanismos relacionados aos estágios iniciais do processo de GR.

39 Para maiores informações, consultar o endereço: http://wwwling.arts.kuleuven.be/nrg4/programme.htm.

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5.1. PARAMETROS DE LEHMANN (1995)

Com relação aos estudos sobre a GR de itens lingüísticos, o trabalho do alemão

Lehmann (1995 [1982]) sem dúvida representa um marco para outros pesquisadores,

influenciando outros autores alemães, em especial Heine & Reh (1984), que optam por usar o

termo unidade lingüística em GR, em vez de usar itens/categorias lexicais versus

itens/categorias gramaticais. De acordo com Hopper & Traugott (1993, p.30), o trabalho de

Heine & Reh (1984) é um dos primeiros estudos a tecer considerações mais precisas sobre o

processo de GR, apresentando critérios explicativos, além de abarcar outros fenômenos

lingüísticos, que também podem ser enquadrados como fenômenos de mudança lingüística.

As unidades lingüísticas que se gramaticalizam numa língua obedecem, segundo

Heine & Reh, a sete princípios gerais de GR, que elenco logo a seguir:

No processo de mudança O que ocorre mais ela perde em complexidade semântica, significância funcional e/ou valor expressivo; mais ela perde em pragmática (contexto, discurso) e ganha em significância sintática; mais reduzido é o número de membros que pertencem ao mesmo paradigma morfossintático; mais sua variabilidade decresce, isto é, sua posição se torna fixa na oração; mais seu uso se torna obrigatório em alguns contextos e agramatical em outros; mais ela se funde semântica, morfossintática e foneticamente com outras unidades;

Quanto mais uma unidade lingüística sofre gramaticalização,

mais ela perde em substância fonética. Quadro 3. Princípios de GR de Heine & Reh (Adaptado de Heine & Reh, 1984)

Apesar de reconhecer que a GR abrange os diferentes níveis de organização da

linguagem, a proposta de Heine & Reh (1984) contém alguns pontos questionáveis, em especial

os que dizem respeito: (i) à perda de valor semântico e valor discursivo, à medida que o item se

gramaticaliza, (ii) à perda da força pragmática, e (iii) à perda de material fonético-fonológico.

Sobre esses pontos de questionamento, os usos de assim, já e aí nos exemplos (7), (8) e (9)

mostram que esses itens tendem a assumir outros significados e a exercer funções mais

expressivas nos estágios mais avançados de GR, situação que, então, contraria os postulados

teóricos resumidos em (i) e (ii). Além disso, nem todos os casos de GR envolvem redução

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fonético-fonológica, da maneira como se coloca em (iii). Há casos de itens lingüísticos que

exercem funções textuais e funções discursivas, sem sofrer alterações fonológicas.

Os demais parâmetros apresentados por Heine & Reh (1984) satisfazem, a meu

entender, os aspectos teóricos de um processo de GR que prevê: (iv) a redução dos membros

que pertencem ao paradigma morfossintático do item em processo de mudança, (v) a

diminuição da variabilidade sintática (restrições em termos de posição), (vi) a obrigatoriedade

do item em alguns contextos, e (vii) a dependência estrutural do item em fase de GR. Cabe

lembrar que aplicação ou não-aplicação desses parâmetros é dependente do item lingüístico.

Já o trabalho de Lehmann (1995)40 se caracteriza pela existência de um conjunto de

parâmetros sincrônicos que são destinados à descrição dos processos de GR. A noção de GR

que Lehmann sustenta se refere essencialmente à perda de autonomia de um signo

lingüístico. Em outros termos, para Lehmann, quanto mais autonomia o signo lingüístico

possuir, menos gramaticalizado ele será, e, conseqüentemente, quanto menos autonomia ele

possuir, mais gramaticalizado o signo lingüístico será. No tocante aos dados do Português

brasileiro, os itens lingüísticos assim, já e aí41 parecem se enquadrar nos parâmetros de GR de

Lehmann, pois eles tendem a ser menos autônomos no decorrer do processo de GR,

principalmente quando esses elementos atuam como marcador discursivo e operador

aproximativo de subatos referencial e adscritivo. Em relação aos níveis e às camadas de

organização da GDF, pode-se dizer que os itens lingüísticos que operam no Nível

Representacional são mais autônomos que os itens lingüísticos que operam no Nível

Interpessoal, pelo fato de este último estar mais relacionado (reservado) a itens gramaticais

ou a elementos lingüísticos que se encontram em processo de GR. Assim sendo, quando uma

forma lingüística parte das camadas do Nível Representacional para as camadas do Nível

Interpessoal da linguagem, sua autonomia diminui e seu caráter gramatical aumenta.

Por entender a GR como uma questão de autonomia, Lehmann busca estabelecer,

então, alguns parâmetros para determinar o grau de autonomia [+ autônomo, - autônomo] de

40 A definição de GR Lehmann influenciou também os estudos de Haspelmath (1998), para quem a GR constitui uma mudança gradual, de caráter unidirecional, que resulta na formação de itens gramaticais a partir de itens lexicais, com aumento das restrições gramaticais e redução da autonomia dos itens gramaticalizados. 41 Os trabalhos de Braga (2000), Braga et alii (2001) e Braga & Paiva (2003) sobre o aí, os de Câmara (2006) e Galbiatti (2008) sobre o já e já que, respectivamente, e os de Longhin-Thomazi (2006) sobre o assim comprovam o caráter multifuncional das formas adverbiais em análise nessa tese, contudo, sem relacionar os usos às diferentes camadas e níveis de organização de um modelo gramatical (com exceção de Câmara, 2006).

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um signo. Para tanto, Lehmann propõe ao todo seis parâmetros, elaborados com base no

cruzamento de três aspectos relevantes para a determinação da autonomia de uma forma,

peso, coesão e variabilidade, aliados aos aspectos lingüísticos de seleção e combinação de

signos lingüísticos, que Lehmann chama de aspectos paradigmático e sintagmático,

respectivamente. Esses parâmetros, segundo Longhin-Thomazi (2003), Gonçalves (2003) e

Gonçalves et alii (2007), ordenam as unidades lingüísticas ao longo de uma escala sincrônica

de GR, que vai da forma menos gramaticalizada para a mais gramaticalizada.

Do cruzamento entre os aspectos peso, coesão e variabilidade e os aspectos

lingüísticos de seleção e combinação (paradigmático e sintagmático), têm-se:

Eixo Parâmetros Processo Peso (Integridade) → Atrição Aspecto

paradigmático Coesão (Paradigmaticidade) → Paradigmatização

Variabilidade (Variabilidade paradigmática) → Obrigatoriedade Parâmetros de Lehmann

Peso (Escopo) → Condensação Aspecto

sintagmático Coesão (Conexidade) → Coalescência

Variabilidade (Variabilidade sintagmática) → Fixação

Figura 1. Parâmetros de GR de Lehmann (Adaptado de Lehmann, 1995, p.163-164)

Como se observa na figura 1, Lehmann (1995) busca definir o estatuto dos signos lingüísticos

em função do grau de autonomia. Na figura acima, apresento o resultado do entrecruzamento

dos aspectos lingüísticos e os tipos de processos (mudanças) associados a eles. De acordo

com o eixo paradigmático, o peso se refere à integridade semântica de um signo lingüístico,

propriedade que o distingue dos demais membros de sua classe (no interior do paradigma). A

coesão, por sua vez, é conhecida nesse mesmo eixo como paradigmaticidade, que diz respeito

ao grau de integração de um signo no paradigma. Já a variabilidade destaca que a escolha dos

itens lingüísticos é livre, podendo se tornar restrita num estágio mais avançado de GR.

Sob o ponto de vista sintagmático, entretanto, o peso, conhecido como escopo,

determina o tipo de relacionamento com outros constituintes de complexidade variada. A

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coesão, em termos sintagmáticos, é conhecida como conexidade e é definida com base no

grau de “intimidade” (cf. LONGHIN-THOMAZI, 2003) com que um item se conecta a outros

itens numa dada estrutura. Nesse caso, o grau de conexão pode variar de uma simples

justaposição a uma estrutura integrada sintaticamente (fundida), que ocorre num estágio mais

avançado de GR. Já a variabilidade estabelece que quanto menor for a mobilidade do signo

lingüístico, menor será a sua autonomia, e, como conseqüência, mais gramaticalizado será.

Quanto às noções de GR de Lehmann apresentadas aqui, mostrarei no capítulo VI

que tanto os parâmetros relacionados ao eixo paradigmático quanto os parâmetros

relacionados ao eixo sintagmático podem ser de grande serventia para explicar o processo de

GR dos itens assim, já e aí no Português brasileiro, haja vista a função conectiva que esses

elementos podem exercer na articulação de unidades representacionais e interpessoais

Dessa forma, para Lehmann (1995, p.13), na passagem de um item lexical, ou de um

item gramatical para um mais gramatical, encontram-se três fases de mudança, a saber,

sintaticização, morfologização e desmorfemização, como na figura abaixo:

Nível Discurso > Sintaxe > Morfologia > Morfonêmica > Zero

Técnica isolante > analítico > sintético-aglutinante > sintético-flexional

Fase sintaticização

morfologização

desmorfemização

Processo Gramaticalização

Figura 2. Fases de gramaticalização (LEHMANN, 1995, p.13)

Segundo esse esquema, a GR começa quando um item lexical livre do Discurso passa a

funcionar como uma construção sintática (modelo que é similar ao esquema de Givón, 1979),

o que se dá na fase de sintaticização, tornando-se uma forma analítica. Posteriormente, o item

analítico é aglutinado (sintetizado), tornando-se um afixo durante a fase de morfologização, e,

a seguir, é compactado, mudando de forma aglutinada para forma flexional. Por fim, a forma

sintética (flexional) pode deixar de expressar qualquer conteúdo gramatical, chegando a zero.

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Um ponto desfavorável no esquema de Lehmann (1995) é que o estágio mais avançado de

GR leva a um enfraquecimento da semântica e da pragmática do item lingüístico, o que, como

mostrei nas seções anteriores, não se aplica a vários casos de GR. Além disso, um outro

problema é que nem sempre os limites entre uma fase e outra da mudança são claramente

estabelecidos, fato que dificulta saber quando e como termina a GR de um dado item.

5.2. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE HOPPER (1991)

Diferentemente de Lehmann, Hopper (1991) está mais preocupado em estudar os

estágios iniciais de GR e, para isso, procura estabelecer princípios gerais que possam explicá-

los. Apresento a seguir esses princípios, que são ao todo cinco: estratificação, divergência,

especialização, persistência e descategorização. Esses princípios, segundo Hopper, dão

conta de explicar tendências fundamentais dos processos de GR:

a) Estratificação: dentro de um domínio funcional amplo, novas camadas emergem

continuamente no interior de um domínio funcional. Quando isso acontece, as camadas mais antigas não são necessariamente descartadas, podendo, por exemplo, conviver com formas diferentes e interagir com as camadas mais novas42.

O princípio de estratificação, segundo Braga et alii (2001), Longhin-Thomazi (2003) e

Gonçalves et alii (2007), se refere à constatação de que a GR não implica obrigatoriamente ou

necessariamente a substituição de um item por outro43. Pelo contrário, em um mesmo recorte

sincrônico, diferentes formas em processo de GR podem conviver, dando, assim, espaço à

“variação lingüística” (LONGHIN-THOMAZI, 2003, p. 34). Hopper exemplifica esse princípio

com o caso do pretérito em Inglês, no qual uma camada antiga de alternação de vogais, em

verbos como drive/drove, take/took, coexiste com uma camada mais recente, em que o tempo

passado é marcado pelo uso de [t] ou [d], como em notice/noticed, walk/walked. No PB, o uso

42 Cf. original: “Layering: Within a broad functional domain, new layers are continually emerging. As this happens, the older layers are not necessarily discarded but may remain to coexist with and interact with the newer layers.” 43 Segundo Tavares (2006), um caso que exemplifica o princípio de estratificação de Hopper é o uso de et ‘e’ do Latim ao lado de outras formas como ac/atque e –que, de valores também aditivos. De acordo com a autora, embora cada conector “apresentasse tendências de uso particulares (isto é, cada um possuía um certo grau de especialização funcional), tais tendências não se revelavam categóricas, mas sim preferenciais” (Tavares, 2006, p.48). Durante algum tempo, et foi usado nos mesmos contextos das demais formas. Entretanto, após algum tempo, com o avanço do seu processo de GR, et se sobrepôs aos contextos de atuação de ac/atque e -que, com valor aditivo, motivando a eliminação das demais formas conjuncionais do Latim.

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da perífrase conjuncional só que e do verbo parecer são dois outros exemplos de como o

princípio de estratificação de Hopper pode salientar os estágios incipientes de GR. Segundo

Longhin-Thomazi (2003, p.177), a perífrase só que não constitui o único recurso que “a língua

portuguesa dispõe para a marcação de quebra de expectativa”, pois há vários outros

conectores que exercem uma função similar. Com relação ao verbo parecer, Gonçalves

(2003, p.218) mostra que no decorrer do tempo parecer passa a atuar “como modalizador

epistêmico”, juntamente com outras formas verbais que também se ocupam dessa função.

O princípio da divergência é também bastante visível no processo de GR:

b) Divergência: quando ocorre GR, a forma lexical original pode permanecer como item

autônomo e sofrer novas mudanças lingüísticas44.

Nesse caso, a forma gramaticalizada e sua(s) forma(s) lexicais podem coexistir. Como

exemplo, basta recordar o uso da partícula negativa pas do Francês, que, paralelamente ao

seu uso como partícula negativa, continua sendo empregada como nome “passo”. O resultado

desse princípio aponta para a existência de várias formas que divergem funcionalmente,

apesar de conterem uma etimologia comum. O mesmo ocorre com o verbo estar, usado como

auxiliar, como cópula e como verbo intransitivo, seguido de locativo, além de integrar a

perífrase de gerúndio (cf. MATTOS & SILVA, 1994; MENDES, 1999). No caso de só que, a

divergência ocorre porque “apesar de constituir a perífrase só que, a forma original só

permanece como elemento autônomo” (LONGHIN-THOMAZI, 2003, p.178). Com relação a

parecer, Gonçalves (2003, p.218) assinala que depois dos usos como parecer1 (predicado

verbal) e parecer2 (suporte da predicação), o verbo em questão desenvolve usos mais

gramaticalizados como parecer3 (predicado de atitude proposicional), parecer4 (quase satélite

atitudinal) e parecer5 (satélite atitudinal), e todas as formas ainda coexistem.

c) Especialização: dentro de um domínio funcional, é possível haver uma variedade de

formas com nuanças semânticas diferentes; quando a GR ocorre, essa variedade de escolhas formais diminui, e um número menor de formas selecionadas assume significados gramaticais mais gerais45.

44 Cf. original: “Divergence: When a lexical form undergoes change to a clitic or affix, the original lexical form may remain as an autonomous element and undergo the same changes as ordinary lexical items”. 45 Cf. original: “Specialization: Within a functional domain, at one stage a variety of forms with different semantic nuances may be possible. As grammaticalization occurs, this variety of formal choices narrows and the smaller number of forms selected assume more general grammatical meanings”.

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Por se tratar de um processo que ocorre quando uma forma está completamente

gramaticalizada, esse princípio está presente em geral nos estágios finais da GR, quando o

uso da forma se torna obrigatório. Nesse caso, a forma ‘concorrente’ não é necessariamente

eliminada ou empregada para cobrir as funções dos demais itens, mas sim empregada em

certas funções ou contextos específicos ligados a um mesmo domínio. Mais uma vez, uma

boa ilustração é o caso da partícula pas do francês, que começou a ser usada nos contextos

de ne, passando por verbos de movimento até se tornar de fato uma partícula de negação

usada com todos os tipos de verbo. Atualmente, somente a partícula pas tem sido usada na

língua falada para indicar negação, atingindo, portanto, o estágio de obrigatoriedade. No PB,

Longhin-Thomazi (2003, p.178) defende que a perífrase só que pode ser definida como uma

“forma de especialização” apenas nos casos em que tal perífrase é empregada no lugar de

mas, em especial nos contextos de quebra de expectativa e focalização. Gonçalves (2003,

p.219), por sua vez, destaca que o princípio de especialização não se aplica ao verbo parecer,

já que não constitui uma “forma obrigatória para função que desempenha”, deixando de ser,

portanto, a única forma lingüística a codificar modalidade epistêmica e evidencialidade.

Ao que parece, o princípio da persistência de Hopper é bastante visível na GR:

d) Persistência: quando um item se gramaticaliza, passando de lexical a gramatical, alguns

traços do significado lexical original tendem a persistir na nova forma gramatical, e detalhes de sua história lexical podem refletir-se na sua distribuição gramatical46.

As construções estar + locativo no PB são, segundo Mendes (1999), diacronicamente anteriores

àquelas construções estar + gerúndio. No entanto, após o processo de GR, alguns traços de

locatividade podem ainda persistir na nova formação (HOPPER, 1991). Um outro exemplo do

PB é de Longhin-Thomazi, que sugere que dois dos traços que se mantêm na perífrase

conjuncional só que são a quebra de expectativa e a focalização, provavelmente transferidos

de só para só que (op.cit, p.178). Interessantemente, a utilização desse princípio revela que o

traço semântico que permanece nos demais usos de parecer é o de evidencial (GONÇALVES,

2003, p.219). Ao que tudo indica, esse princípio é também relevante para os itens assim, já e aí.

46 Cf. original: “Persistence: When a form undergoes grammaticalization from a lexical to a grammatical function, so long as it continues to have a grammatical role, some traces of its original lexical meanings tends to adhere to it, and details of its lexical history may be reflected in its grammatical distribution”.

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e) Descategorização: a GR envolve uma perda de categorialidade que ocorre na seguinte direção: nome ou verbo > outra categoria, não o contrário47.

O estudo de Braga & Omena (1996), sobre a alternância entre das formas a gente x

nós, é um bom exemplo para ilustrar o princípio de descategorização de Hopper. De acordo

com as autoras, no estágio mais gramaticalizado, a forma a gente tende a levar o verbo para

terceira pessoa do singular (incluindo a variação “a gente vamos”), comportando-se, dessa

forma, claramente como um pronome. Nesse caso, verifica-se a passagem do item “gente”,

proveniente de uma categoria maior (constituída por nomes e verbos), para uma categoria

menor, formada por auxiliares, preposições, conjunções e pronomes. Quanto ao uso da

perífrase só que, Longhin-Thomazi (2003) ressalta que a descategorização é muito clara,

principalmente quando só perde usa mobilidade posicional. Com esse princípio, o que se

observa é a perda gradativa de traços sintáticos e morfológicos da forma lingüística, como a

que ocorre, por exemplo, com o verbo parecer (GONÇALVES, 2003, p.222), que, aos poucos,

vai perdendo as restrições de tempo/modo verbal e também de concordância.

É importante enfatizar que, para Hopper (1991), não há necessidade de que todos

esses princípios estejam presentes para haver GR. Além disso, como não há nenhuma força

que obrigue uma forma a se gramaticalizar, o processo de GR pode ser iniciado, finalizado ou,

então, simplesmente interrompido num dado estágio de GR, sem chegar ao ponto terminal.

Um outro aspecto importante que se pode depreender de Hopper (1991) é que, no decorrer do

processo de GR de um dado item lingüístico, outras formas podem conviver ou até mesmo

competir com esse item, podendo, posteriormente, se especializar na expressão de uma

determinada noção ou função. Os usos dos itens assim, já e aí, quando passam a exercer

funções textuais (como conectivo, principalmente), tendem a conviver com outras formas

conjuncionais da língua, chegando, por vezes, até a substituir outros conectivos no Português

falado. Um exemplo é uso excessivo de aí em trechos narrativos para exercer essa função.

Por fim, na proposta de Hopper (1991), os princípios de estratificação (diferentes

formas podem coexistir) e de divergência (várias formas, com a mesma etimologia, que

divergem funcionalmente) sustentam a existência de usos ambíguos e de sobreposição de

funções dos itens lingüísticos durante o processo de GR e também o princípio unidirecional.

47 Cf. original: “De-categorialization: Grammaticalization always involves a loss of categoriality and proceeds in the following direction: Noun and Verb > another category, never the reverse”.

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6. MECANISMOS DE GRAMATICALIZAÇÃO

Os estudos em GR publicados nos últimos tempos mostram que o processo de

mudança lingüística é sempre motivado, conforme apontam Meillet (1912) e Heine et alii

(1991), por alguma força de natureza cognitiva e pragmática. Dessa forma, nas duas próximas

seções, elencarei alguns mecanismos que propiciam a ocorrência do processo de GR nas

línguas naturais, dentre eles a metáfora, a metonímia (reinterpretação induzida pelo contexto),

a reanálise e a analogia. A justificativa para se considerar a reanálise e a analogia como

mecanismos de mudança vem de Hopper & Traugott (1993), que destacam que esses dois

mecanismos estão constantemente envolvidos em casos de mudança morfossintática.

6.1. TRANSFERÊNCIA METAFÓRICA E TRANSFERÊNCIA METONÍMICA

Nos estudos sobre GR, a transferência metafórica e a transferência metonímica,

mecanismos de natureza semântico-pragmática, também são elencadas como os

responsáveis pelo desenvolvimento de itens lexicais em itens gramaticais (HOPPER &

TRAUGOTT, 1993). Segundo Heine et alii (1991), a transferência metafórica48 implica que

conceitos mais complexos e abstratos podem ser descritos ou entendidos a partir de conceitos

mais concretos ou menos complexos. Nesse caso, a transferência semântica acontece por

meio da similaridade de percepções de sentido (TRAUGOTT & KÖNIG, 1991, p.212).

Utilizando-se dessa noção de transferência entre espaços cognitivos, Heine et alii definem a

GR como um fenômeno que envolve transferência de sentidos entre categorias cognitivas

básicas, como: pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade, que destaca a

similaridade entre fontes e alvos49. Assim, a observação dessas propriedades cognitivas

permite reconhecer que um conceito (i.e. espaço) só é fonte em relação a outro mais abstrato,

visto aqui como reflexo das experiências humanas mais elementares. Cada categoria inclui

uma variedade de conceitos que, definidos perceptual e/ou lingüisticamente, representam

importantes domínios de conceitualização da experiência humana (HEINE et alii, 1991). 48 Oriundo etimologicamente da palavra grega metaphora, o termo metáfora (ou transferência metafórica) é usado nos Estudos Lingüísticos e Literários no sentido de “transporte de sentido próprio em sentido figurado” (MENDES, 2005), ou seja, para relacionar, como já salientei, conteúdos mais abstratos com conteúdos mais concretos ao longo dos domínios conceituais (HEINE et alii, 1991; MARTELOTTA et alii, 1996). 49 Segundo Heine et alii (1991), cada categoria, que inclui uma variedade de conceitos, representa um domínio de conceituação relevante para a estruturação da experiência humana (para explicar situações e coisas).

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Baseados, então, na escala de categorias cognitivas (apresentada acima), Heine et

alii (1991, p.53) buscam estabelecer uma correlação entre tais categorias, as classes de

palavras e os tipos de constituintes recrutados para atuarem entre as categorias, como em:

Categoria Tipo de palavra Tipo de constituinte PESSOA nome humano sintagma nominal OBJETO nome concreto sintagma nominal ATIVIDADE verbo dinâmico sintagma verbal ESPAÇO Advérbio sintagma adverbial TEMPO Advérbio sintagma adverbial QUALIDADE adjetivo, advérbio, verbo de estado modificador

Quadro 4. Relação entre categorias cognitivas, classes de palavras e tipos de constituinte

Por outro lado, a transferência metonímica50 é caracterizada como um contínuo de

pequenas mudanças motivadas pelas relações de contigüidade entre formas-fonte e formas-

alvo. Em outras palavras, diferentemente do mecanismo metafórico, a transferência

metonímica envolve a especificação de um significado em termos de outro que está presente

no contexto, o que implica uma transferência semântica por contigüidade.

Os exemplos (12) e (13), citados abaixo, são, segundo HEINE et alii (1991, p.165),

mais bem analisados como casos de relações metonímicas e não como relações metafóricas:

(12) From Cologne to Vienna it is 10 hours by train. ‘De Colônia a Viena são 10 horas de trem.’ (13) To get to Vienna, you travel from morning to evening. ‘Para chegar a Viena, você vai viajar de manhã até a noite.’

Em (12), as preposições from e to possuem um significado locativo, ao passo que em (13)

elas apresentam um significado temporal. Heine et alii destacam, no entanto, que na transição

de espaço para tempo, pode existir um estágio intermediário ou vários estágios ambíguos. Em

sua análise sobre as perífrases conjuncionais agora que e já que no Português Brasileiro,

Galbiatti (2008) constata a mesma configuração de ambigüidade em alguns contextos, em

específico no que tange ao funcionamento da perífrase já que, que apresenta usos não muito

claros (evidentes), localizando-se na fronteira entre as categorias de tempo e causa.

50 De acordo com Pinto (2005), a metonímia constitui um processo sincrônico pelo qual se multiplicam as possibilidades de emprego de uma determinada palavra, levando-a para além de seu uso comum. Um exemplo representativo de metonímia apresentado por Pinto é o emprego do termo “ouro”, que é usado em vários contextos como sinônimo de “dinheiro”, mas que marca a relação entre a matéria e seu objeto.

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Conceito Anterior A

Conceito Posterior B

Um mecanismo que está ligado à metonímia é a inferência por pressão de

informatividade (TRAUGOTT & KÖNIG, 1991; BYBEE; PERKINS; PAGLIUCA, 1994), processo

em que, devido à convencionalização de implicaturas conversacionais a partir do contexto de

uso, o item lingüístico passa a assumir um valor novo, inferido a partir do valor original. Assim,

uma implicatura, comumente motivada por determinada forma lingüística, pode ser tomada

como parte do significado desta, podendo inclusive chegar a substituí-la.

Para Heine et alii (1991), a relação metafórica entre domínios mais descontínuos,

como espaço, tempo ou qualidade envolve uma série de pequenas extensões metonímicas,

perspectiva que ressalta a compatibilidade entre os dois mecanismos de mudança. Assim,

enquanto a mudança de um significado a outro parece ser motivada por algum tipo de força

metonímica, o resultado último é passível de ser descrito como uma transferência metafórica

de um domínio mais concreto para um domínio mais abstrato, como se vê na figura 3:

estágios intermediários (ambigüidade)

A/B

Domínio I Domínio II Figura 3. Transferências metonímicas e metafóricas de significados na GR (Adaptado de Heine et alii, 1991)

Novamente, o princípio da unidirecionalidade é o que predomina no esquema adaptado de

Heine et alii (1991), que também conjuga alguns elementos da proposta de Sweetser (1991),

já que o resultado da atuação de ambos os mecanismos (metonímia e metáfora) é traçado

mediante trajetória unidirecional de abstratização crescente de significado, isto é, de

conceitos mais abstratos derivam de conceitos mais concretos, e não vice-versa. A presença

de estágios intermediários entre um uso e outro é um dos aspectos que favorece a GR.

Forma-fonte + concreto - gramatical

Forma-alvo - concreto + gramatical

Legenda:

= reinterpretação induzida pelo contexto (relações metonímicas)

= transferência entre domínios funcionais (relações metafóricas)

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6.2. OUTROS MECANISMOS ASSOCIADOS À MUDANÇA Além das questões apresentadas na seção anterior, Hopper & Traugott (1993), por

exemplo, relacionam ainda o mecanismo da metonímia ao fenômeno da reanálise, envolvido

em mudanças estruturais mais locais e sintagmáticas, e o mecanismo da metáfora ao

fenômeno da analogia, envolvido em mudanças paradigmáticas (mudanças superficiais). O

fenômeno da analogia, como ilustrei inicialmente, já tinha sido analisado por Meillet (1912), de

quem também se pode depreender uma definição de reanálise. Similarmente à metáfora e à

metonímia, que são bastante caros à GR, a reanálise e a analogia, definidas como

mecanismos de natureza estrutural, podem ser considerados processos complementares.

A reanálise, conforme afirmam Harris & Campbell (1995), modifica a estrutura

subjacente de uma expressão ou classe de expressões, envolvendo reorganização e

mudança de regras lineares, sintagmáticas, freqüentemente locais. O resultado disso é a

alteração gradual da relação entre constituintes, mudança da estrutura hierárquica e mudança

categorial. Por outro lado, a analogia diz respeito à atração entre formas e construções já

existentes, envolvendo, assim, a reorganização paradigmática, com mudança nas colocações

de superfície (plano da expressão) e nos padrões de uso da forma lingüística. Um exemplo

extraído de Hopper & Traugott (1993), também citado por Heine et alii (1991), é a evolução

de be going to, que vai de sintagma direcional a marca de futuro, como em:

_____________________________________________________________ Eixo sintagmatico Mecanismo de GR: reanálise

Estágio I be PROGRESSIVO

going verbo direcional

[to visit Bill] oração de finalidade

Estágio II [be going to] TEMPO (por reanálise)

visit verbo de ação

Bill

Estágio III [be going to] TEMPO (por analogia)

like verbo

Bill

Estágio IV [gonna] like/visit Bill (por reanálise)

_______________________________

Eixo paradigmático

Mecanismo de GR: analogia

Figura 4. Etapas de desenvolvimento de be going to (Hopper & Traugott, 1993, p.61)

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De acordo com Hopper & Traugott (1993) e Heine et alii (1991), a mudança do be going to –

de verbo de movimento para marcador de tempo futuro, conforme ilustrado na figura 4 – é

explicada em termos de transferência metafórica [da categoria cognitiva espaço para a categoria

tempo]. Assim, no estágio I, têm-se o progressivo usado com o verbo de movimento (direcional) e

uma oração de finalidade; no estágio II, aparece o auxiliar de futuro com um verbo de atividade,

que, nesse caso, é resultado da reanálise; no estágio III, ocorre a extensão dos tipos de verbos

usados com be going to (auxiliar de tempo futuro), via analogia. Por fim, no estágio IV, tem-se a

reanálise do auxiliar de futuro be going to como um único morfema gonna.

7. GRAMATICALIZAÇÃO E GRAMÁTICA (DISCURSIVO) FUNCIONAL

Apesar de sua preocupação com o modo de representação das unidades lingüísticas,

que implica certamente em definir o estatuto categorial dessas unidades (HENGEVELD &

MACKENZIE, 2008), a GDF parece reconhecer a natureza gradual do processo de mudança

lingüística. Assim, o que tento nessa seção é apresentar o modo como o processo de GR

pode ser entendido no interior do modelo de organização em níveis e camadas da GDF.

7.1. CORRELAÇÃO ENTRE OS NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO E A PROPOSTA DE GR

Do ponto de vista diacrônico, não há como negar, segundo Hengeveld & Mackenzie

(2008), que os fenômenos gramaticais derivam unidirecionalmente de unidades lexicais. É

uma questão que tem sido, conforme os autores, desenvolvida e atestada nos estudos de GR.

Hengeveld & Mackenzie reconhecem ainda que do estágio inicial ao estágio final de mudança,

um dado elemento pode compartilhar ou conservar propriedades dos estágios iniciais, aspecto

que é captado pelo princípio da persistência de Hopper (1991). Já do ponto de vista

sincrônico, Hengeveld & Mackenzie (2008, p. 7) postulam uma distinção “didática” entre

elementos lexicais e elementos gramaticais (cf. KEIZER, 2007), na medida em que ela é

“importante para o modo como esses elementos serão analisados na GDF”. Isso quer dizer,

apesar de não ser discutido na GDF, que os autores reconhecem que as categorias lexicais e

gramaticais não são categorias discretas, o que referenda a noção de continuum, no entanto,

entendem que a distinção entre um uso e outro é essencial para a análise.

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Ainda que reconheça a gradualidade entre as categorias lingüísticas, a GDF não tece

comentários mais específicos sobre o fenômeno da GR nas línguas naturais, limitando-se

apenas a apresentar alguns mecanismos lingüísticos que antes desempenhavam uma certa

função na língua (usos mais básicos) e hoje atuam, por exemplo, como elementos

reportativos, modais e evidenciais em várias línguas. Assim, o que discuto aqui são somente

algumas noções de como se entender a GR em um modelo teórico de gramática. A discussão

certamente é nova, pois há pouquíssimos trabalhos que tentam definir o lugar dos processos

de mudança lingüística no interior do modelo de gramática da GDF. Até o momento, os

estudos mais representativos desse tema na GDF são o de Câmara (2006) que discute a

multifuncionalidade do advérbio já no PB, Keizer (2007) sobre a distinção léxico-gramatical no

Inglês, Oliveira (2008) que analisa as conjunções condicionais complexas no PB, Souza

(2007) sobre a GR dos itens assim e aí no Português escrito e falado do Brasil e, por fim, o

estudo de Braga & Souza (2008) sobre o operador aproximativo aí, também no PB.

Uma primeira evidência de que na GDF os componentes e os níveis de organização

do modelo não funcionam de forma isolada pode ser conferida em Hengeveld & Mackenzie

(2008b). Nesse artigo, os autores apontam vários tipos de relações que podem ocorrer entre os

componentes conceitual, gramatical, contextual e de expressão, bem como entre os níveis:

Figura 5. Correlação os níveis e camadas da GDF

Esquemas, Lexemas, Operadores primários

Fórmulas, Morfemas livres, Operadores secundários morfológicos

Formulação

Codificação Morfossintática

Nível Interpessoal

Nível Representacional

Nível Morfossintático

Codificação Fonológica

Nível Fonológico

Padrões prosódicos, Morfemas presos, Operadores terciários fonológicos

1

2

4

8

9

5 6 7

10

12

11

3

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Com base na figura 5, pode-se chegar a algumas correlações: a) 1 > 2 > 3 > 6 > 8 > 9 > 10 > 11 > 12 = quando envolve os quatro níveis; b) 1 > 2 > 4 > 8 > 9 > 10 > 11 > 12 = quando envolve os níveis interpessoal, morfossintático e fonológico ; c) 1 > 2 > 5 > 11 > 12 = quando envolve os níveis interpessoal e fonológico51.

A aceitação do diálogo entre os níveis de organização da GDF é uma prova de que,

dependendo do tipo de mudança lingüística que se manifestar nos níveis Representacional e

Interpessoal da linguagem, os níveis responsáveis pela codificação morfossintática e

fonológica das expressões lingüísticas poderão ser “afetados” em termos gramaticais,

especialmente, quando essas mudanças semânticas e pragmáticas também envolverem

algum tipo de mudança sintática ou morfológica, acompanhadas ou não de redução fonética.

É importante ressaltar que o modo de representar as relações lingüísticas no modelo

da GDF é apenas um método didático de entender e ilustrar o que acontece na língua. A

utilização das setas no sentido top-down não significa que as relações se dêem nessa direção

ou que seguem esse percurso codificação. Pelo contrário, na GDF, a implementação das

relações pragmáticas, semânticas, morfossintáticas e fonológicas constitui um processo

dinâmico, ou seja, as relações ocorrem de forma simultânea e não de forma linear, que, como

já discuti, constitui um dos grandes pontos de questionamento nos estudos da GR. Nesse

sentido, para a GDF, a língua é concebida como uma entidade que está sujeita a

mudanças, que podem, segundo Hengeveld & Mackenzie (2008), ser visualizadas tanto da

perspectiva diacrônica quanto da perspectiva sincrônica. Consoante o modo de

funcionamento da GDF, o processo de mudança lingüística pode afetar todos os componentes

ou níveis da língua: a fonologia, a morfossintaxe, a semântica e a pragmática. Cabe lembrar

que esse diálogo entre os componentes da língua já tinha sido observado por Meillet (1912).

Quanto às relações entre os níveis Interpessoal e Representacional, Hengeveld &

Mackenzie (2008b) dão como exemplo os atos de fala. A construção abaixo do PB é analisada

no nível Interpessoal, pois constitui um ato de fala declarativo, portanto, um Conteúdo

Comunicado, que é constituído de Subatos. No entanto, essa categoria interpessoal possui

uma contraparte semântica, que pertence ao nível Representacional. No caso em questão, o

Conteúdo Comunicado é realizado semanticamente por meio de categorias representacionais,

51 A interjeição “Parabéns” ilustra o percurso em c), pois envolve apenas o ato de fala e o nível de expressão.

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como propriedade e indivíduo, tal como se pode observar no exemplo (14). Note que o subato

adscritivo, normalmente expresso no nível Representacional como uma propriedade, é,

segundo Hengeveld & Mackenzie (2008b, p.26), expresso aqui como indivíduo:

(14) A mulher é uma professora. NI: CI TI RI NR: (pi: –(ei: [(xi: (fi: professoraN (fi)) (xi)) (xj: (fj: mulherN (fj)) (xj))Ø] (ei))– (pi))

Esse exemplo ilustra claramente a relação existente entre os níveis Interpessoal e

Representacional da GDF e atesta, mais uma vez, o caráter hierárquico do modelo. Ainda que

a discussão privilegie os níveis relacionados à formulação de expressões lingüísticas

(semântico e pragmático), o exemplo (14) explicita também a correlação entre os quatro níveis

da GDF, que pode ser apreendida pelo seguinte percurso: 1 > 2 > 3 > 6 > 8 > 9 > 10 > 11 >

12. Esse trajeto engloba as operações de formulação, codificação e articulação.

De acordo com Hengeveld & Mackenzie (2008b), as distinções lingüísticas realizadas

no nível Interpessoal são codificadas tanto no nível Morfossintático52 quanto no nível

Fonológico. A codificação da função pragmática Foco, geralmente atribuída a subatos, é um

exemplo da relação entre esses níveis. Estudos tipológicos mostram que o Foco pode ser

marcado por meio de várias estratégias, que podem ser: sintáticas (ordem especial de

constituintes), morfológicas (sufixos), fonológicas (elementos prosódicos), entre outras. Os

exemplos (15) e (16) ilustram os possíveis tipos de relação entre os níveis Interpessoal,

morfossintático e fonológico. O exemplo (15) é da língua Dâw Maku (MARTINS, 2004, p.423), cujo

foco é marcado por meio de um sufixo (-i////) que é anexado ao pronome hid, e o exemplo (16) é

do PB, cujo foco é marcado pela posição final da palavra fonológica (PP), seguida de ênfase:

Dâw Maku (Martins, 2004, p. 423)

(15) jF mãh hid -i//// volta MOD 3PL -FOC ‘Eles estão voltando, eles dizem.’ (16) Maria comeu [o BOlo]FOC (fIPi: [(PPi: /maria’cumeu/ (PPi)) (PPj: /u’bolu/ (PPj))] (IPi))

52 Nos casos de mudança categorial e morfologização (quando um elemento entra na morfologia da língua), por exemplo, provavelmente ocorrerão mudanças também no Nível Morfossintático, principalmente quando uma forma lingüística, anteriormente uma forma livre na gramática da língua, passar a atuar como afixo.

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Os exemplos (15) e (16), que contemplam respectivamente as relações do nível

Morfossintático e do nível Fonológico com o nível Interpessoal, ilustram didaticamente o

mesmo percurso percorrido pela expressão lingüística em (14), que vai desde a sua formulação

(escolha de força ilocucionária), proveniente dos níveis Interpessoal e Representacional da

GDF, até as operações de codificação morfossintática e fonológica, chegando à expressão.

No caso das relações que ocorrem especificamente entre os níveis Representacional e

Morfossintático, Hengeveld & Mackenzie dizem que elas nem sempre são biunívocas, assim

como nas línguas isolantes. Há casos, segundo os autores, em que três ou mais unidades

lingüísticas (entidades ou categorias semânticas) correspondem a uma única palavra no nível

Morfossintático, fato que ocorre muito nas línguas de morfologia aglutinante (cf. capítulo I). Já

as relações que se estabelecem entre os níveis Representacional e Fonológico são

basicamente captadas por elementos como os idiofones (HENGEVELD & MACKENZIE,

2008b, p.29), que passam diretamente dos níveis Interpessoal e Representacional para o

nível Fonológico (expressão), por não conter material morfossintático para ser codificado.

Assim, partindo das informações elencadas aqui, sugiro que a GR seja entendida na

GDF como um processo que começa no nível Representacional, passando pelas camadas

desse nível, e finaliza no nível Interpessoal (com suas categorias pragmáticas), que é reservado

para os usos mais gramaticalizados (ou discursivizados), com implicações nos demais níveis.

Entretanto, chamo atenção para o fato de que as alterações semânticas e pragmáticas tendem

a provocar alterações também nos Níveis morfossintático e fonológico da língua. Ademais, as

mudanças podem ocorrer entre as camadas de um mesmo nível de organização, como por

exemplo, as camadas semânticas do Nível Representacional, sem, necessariamente, atingir as

camadas mais expressivas da língua, que pertencem ao Nível Interpessoal da GDF.

7.2. ESTATUTO LEXICAL X ESTATUTO GRAMATICAL

Como visto nas seções anteriores deste capítulo, a distinção entre categorias lexicais

e categorias gramaticais é bastante discutida entre os autores que trabalham com GR, dentre

eles Heine et alii (1991), Hopper & Traugott (1993), Traugott & König (1991) e Castilho (2003).

Apesar de ser um tema que já é bastante conhecido nos estudos da linguagem, o entendimento

de que essas categorias lingüísticas não são categorias discretas, e, que, por isso, devem ser

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analisadas com base na noção de prototipicidade, resolveria o problema. Trata-se de uma

postura que é assumida por autores como Hopper & Traugott (1993, p.7), que afirmam que,

entre esses dois grandes grupos de palavras, existe um grupo denominado “categoria medial”,

constituído por itens que apresentam traços lexicais e gramaticais. A esse respeito, Keizer

(2007) assinala, por exemplo, que pronomes são palavras que apresentam características

tanto lexicais quanto gramaticais (KEIZER, 2007, p.35), fato que engrossa ainda mais a

discussão em torno do estatuto lingüístico das classes de palavras nas línguas naturais.

Segundo Keizer, nem mesmo a GF de Dik (1997) situa explicitamente o problema no

interior de seu modelo teórico. O que parece ficar implícito, de acordo com a autora, é que a

classificação de palavras na GF não se resume ao bordão “tudo ou nada”, no sentido de que

ou são palavras lexicais ou são palavras gramaticais. Nos termos de Dik, a GF:

faz uma distinção bastante afiada entre elementos lexicais (de conteúdo) e elementos gramaticais (formais) na estrutura de expressões lingüísticas. Elementos lexicais são capturados pelos predicados básicos listados no léxico. Elementos gramaticais refletem os vários operadores e funções que podem ser aplicados às construções subjacentes em diferentes níveis. (DIK, 1997, p.159, itálico meu)53

Nesse contexto, Keizer (2007) discorda da proposta de se definir os elementos lexicais como

sendo elementos munidos de conteúdo semântico e os elementos gramaticais como

elementos desprovidos de conteúdo semântico, pois, conforme a autora, faltam critérios para

se determinar o verdadeiro estatuto do elemento lingüístico. Além disso, Keizer atenta para o

fato de que uma resposta a essas questões se faz extremamente necessária no atual estágio

da GDF, uma vez que certas categorias ou itens são classificados de forma distinta da GF,

como por exemplo, os pronomes, as proposições e as conjunções. Essa falta de limites claros

entre os tipos de categorias lingüísticas afeta substancialmente o modo como os primitivos da

gramática (fundo) estabelecem suas relações com os níveis de organização da GDF,

tornando-se, assim, imperativo distinguir entre léxico, predicados, operadores, etc.

No que tange a essa questão, os critérios distintivos utilizados, por exemplo, por

Hengeveld & Wanders (2007) para distinguir usos lexicais de usos gramaticais das

conjunções adverbiais no Inglês, não se sustentam para outras línguas, como o Português.

53 Cf. original: “makes a rather sharp distinction between lexical (or content) elements and grammatical (or form) elements in the structure of linguistic expressions. Lexical elements are captured by the basic predicates listed in the lexicon. Grammatical elements reflect the various operators and functions which at different levels can be applied to the underlying constructions”.

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Segundo os autores, as conjunções adverbiais de base lexical admitem quase sempre um

modificador54, enquanto as conjunções adverbiais de base gramatical não admitem nenhum

tipo de modificação/focalização. O problema é que, em Português, algumas conjunções já

classificadas como gramaticais admitem modificação sem nenhum tipo de restrição, tais como

muito embora, principalmente porque, dentre outras. Além disso, os autores não fazem

menção aos casos de conjunções que se encontram entre os dois extremos. Uma outra

proposta de classificação, a de Pérez Quintero (2006), que também é problemática, busca

classificar todas as conjunções adverbiais como predicados (elementos lexicais), isto é, como

propriedades que estabelecem relações entre duas entidades lingüísticas. No entanto, essa

proposta contraria o postulado da GR de que novas conjunções ou outras palavras podem ser

‘criadas’ a partir de elementos lexicais ou até mesmo a partir de elementos gramaticais. Dessa

forma, se todas as conjunções adverbiais forem analisadas como predicados (elementos

lexicais), não haverá espaço para o processo de GR – de inovação lingüística –, que tem sido

tão importante na história das línguas naturais, assim como mostram várias pesquisas

(LONGHIN-THOMAZI, 2003; BRAGA, 2001, 2003; GALBIATI, 2008; OLIVEIRA, 2008, etc).

Um aspecto que foi relativamente discutido por outros autores da GR e,

subseqüentemente retomado em Keizer (2007), é o que diz respeito aos tipos de mudanças

que ocorrem quando um item lexical se torna um item gramatical. Dos estudos que apresentei

nas seções iniciais, o desbotamento semântico, a descategorização e a erosão são algumas

das mudanças que ocorrem quando um elemento se gramaticaliza, segundo Heine & Kuteva

(2002). Entretanto, para Keizer, a verdadeira fonte da GR não está na “mudança semântica de

um item ou construção, mas sim na mudança em uso” (KEIZER, 2007, p.38). A proposta que

endossa a idéia da autora vem de Bybee, Perkins & Pagliuca (1994), quando dizem que a GR

é resultado de “inferência pragmática”. Novamente, um exemplo que ilustra claramente a

influência do contexto de uso no desenvolvimento de novos itens e construções lingüísticas é

o be going to, já discutido na seção 4.2, que de “intenção” passa, conforme Keizer, à

“futuridade”. Um ponto crítico na concepção de mudança de Keizer é pensar que a GR envolve

apenas o componente pragmático da língua. Nesse caso, talvez fosse melhor pensar que, no

decorrer do processo de GR, um componente pode afetar o outro em função das relações

semânticas e pragmáticas que se encontram em jogo durante a mudança.

54 O uso de modificadores serve para identificar a camada ou o nível a que uma unidade pertence (PEZATTI, 2007).

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Em sua exposição, ao discutir o caso de be going to do Inglês, torna-se evidente que

Keizer relaciona o desbotamento semântico ao Nível Representacional, a descategorização

ao Nível Morfossintático e a erosão fonética ao Nível Fonológico. No entanto, a autora diz

ainda que é possível acrescentar um outro tipo de mudança que ocorre no Nível Interpessoal

da linguagem, a saber: a perda gradual da função adscritiva do elemento (KEIZER, 2007,

p.39). Nesse caso, no decorrer do processo de GR, o verbo to go vai perdendo sua função

adscritiva até não poder ser mais usado para expressar um Subato referencial no Nível

Interpessoal (cf. capítulo I). Com base nesse aspecto, Keizer afirma então ser possível:

distinguir um quarto mecanismo de mudança, de natureza pragmática, e, portanto, claramente de acordo com os propósitos da GDF, já que agora pode-se dizer que a gramaticalização envolve (ou pelos menos potencialmente) mudanças em cada um dos quatro níveis. (KEIZER, 2007, p.39, tradução minha)55

Correlacionando, portanto, os níveis de organização da GDF, proposta por Hengeveld

& Mackenzie (2006, 2008a,b), com os aspectos teóricos discutidos por Keizer (2007), tem-se:

Níveis da GDF Tipos de ‘mudança’ envolvidos no processo de GR Nível interpessoal (pragmática)

- Perda de função adscritiva ou da possibilidade de atribuição de foco; - Alta freqüência de uso (BYBEE et alii, 1994, p.19).

Nível representacional (semântico)

- Redução/ generalização semântica (BYBEE et alii, 1994, p.6-7); - Generalização do significado; desenvolvimento de significados abstratos ou relacionais (BYBEE, 2003, p.147, 152); - ampliação do domínio de aplicabilidade; - Aumento da dependência semântica (significado contido no contexto).

Nível morfossintático (morfossintaxe)

- Elementos gramaticais são membros de uma mesma classe fechada um paradigma sintático regular (BYBEE et alii, 1994; LEHMANN, 1995); - Elementos gramaticais exibem um comportamento sintático específico: podem apresentar uma posição fixa (LEHMANN, 1995); - Os itens gramaticais não podem ser modificados por elementos lexicais (BYBEE et alii, 1994, p.7); e tendem a ser obrigatórios (LEHMANN, 1995).

Nível fonológico (fonética/fonologia)

- Redução fonética (BYBEE et alii, 1994, p.6; LEHMANN, 1995); - Redução na forma (BYBEE et alii, 1994, p.19); - Fusão com outros morfemas: afixação (em últimos casos); - Falta de tonicidade (BYBEE et alii, 1994, p.7).

Quadro 5. Correlação entre os níveis da GDF e o processo de GR (Adaptado de Keizer, 2007, p. 40-41)

O quadro 5, adaptado de Keizer (2007), mostra que a GR pode ser definida como um processo

de mudança lingüística que envolve todos os níveis de organização da língua, porém, não é

55 Cf. original: “Distinguishing a fourth, pragmatic, mechanism thus clearly suits the purposes of FDG, as now grammaticalization can be said to involve (potentially at least) changes at each of the four levels”.

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verdade que é um processo que envolve apenas perdas. A meu ver, isso reafirma a relevância

do modelo de Implementação Dinâmica proposto por Bakker & Siewierska (2004), para os quais

sempre que uma decisão é tomada em um nível, ela tende a afetar os demais níveis, em termos

semânticos, morfossintáticos e fonológicos. Para Keizer, dizer que um item lexical pode ser

usado como item gramatical não é suficiente para explicar seu processo de GR (especialmente

dos pronomes, conjunções e preposições) e também não mostra quando um elemento lexical

perde suas características lexicais, passando a integrar uma categoria gramatical.

No contexto da GDF, a possibilidade de participar da formação de predicado pode ser

vista como uma possível distinção entre elementos lexicais e gramaticais, uma vez que

somente os elementos lexicais podem atuar como input para a formação de predicado (DIK,

1997, p. 349; KEIZER, 2007, p.41). Segundo Dik, os elementos que usualmente funcionam

como predicados são os verbos, os nomes e os adjetivos. Já os artigos, os pronomes e as

conjunções são definidos como elementos gramaticais e, portanto, não servem como input.

Pensando, então, nessas questões, Keizer propõe um conjunto de critérios para

tentar avaliar o grau de lexicalidade/gramaticalidade de alguns elementos lingüísticos (e

classes), escolhidos, conforme a autora, pelo fato de apresentar em algumas circunstâncias

tanto características lexicais quanto características gramaticais (como as preposições e as

conjunções). O quadro apresentado por Keizer56, que reproduzo aqui, deve ser interpretado

da seguinte forma: quanto mais traços (+) uma forma acumular, mais ela será gramatical:

Critério Classe/elemento Se

m função adscritiva

Mutuamente exclusivo

Posição fixa

Não-modificável

Sem formação de

predicado

Classe fechada

Aumento da freqüência

Pouco cont. semântico

Foneticamente reduzido

Paradigma sintático

Não há foco/ênfase

Fusão

Lets + + + + + +? + + + + + - (11+) - (1-): 10+ That (compl.) + + + + + +? + + + +? + - (11+) - (1-): 10+ Artigos + + + + + + + + + +? - - (10+) - (2-): 8+ Modais + + + + + +? + + + - - ± (9+) - (2-): 7+ Pronomes + + - ± + + n ± ± + - ± (5+) - (2-): 3+ In case (conj.) + + + + n ± ± ± + - - - (5+) - (3-): 2+ Numerais + + + -? - + + ± - - - - (4+) - (6-): 2- In the event that (conj.) + + + + n ± - - - - -? - (4+) - (6-): 2- Through (prep.) ± + ± ± +? ± n - - - - - (2+) - (5-): 3- Under (prep.) + ± + + ± ± n - - - - - (2+) - (5-): 3-

Quadro 6. Traços lexicais e gramaticais de morfemas livres no Inglês (Keizer, 2007, p.44)

56 No quadro, o símbolo (±) é usado para os casos em que o traço em questão pode ou não ser aplicado, e o símbolo (n) é usado para os casos em que o traço analisado não se aplica ao item lingüístico.

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Como se pode notar, os elementos mais gramaticais (ou mais gramaticalizados) estão

localizados na parte superior do quadro, tais como o elemento lets ‘deixar’, o

complementizador that ‘que’ e os artigos. No outro extremo do quadro, estão os elementos que

apresentam, segundo Keizer, características mais lexicais, como as conjunções in the event that

‘no evento de que’ e as preposições through ‘através’ e under ‘sob’. Segundo Hengeveld &

Wanders (2007), o fato de a conjunção complexa in the event that não poder ser modificada

não quer dizer que a estrutura como um todo seja um elemento gramatical. Um outro aspecto

ressaltado por Keizer (2007, p.43) é que somente os elementos lexicais podem ser

focalizados ou enfatizados, enquanto os elementos gramaticais só podem ser contrastados.

No entanto, esse critério tem sido considerado problemático para outras línguas, em que

elementos gramaticais podem ser focalizados, enfatizados e contrastados. Um exemplo disso

é uso freqüente de construções de clivagem para focalizar conjunções gramaticais.

A autora afirma que a estrita separação realizada pela GF entre restritores, como

elementos lexicais, e operadores, como elementos gramaticais57, é problemática, pois não dá

conta de todos os casos de unidades lingüísticas de uma língua. Assim, Keizer declara que a

distinção entre operador/restritor e gramatical/lexical pode ser assumida como sendo usual e

justificável, porém, alerta para o fato de que não há uma relação biunívoca entre os tipos.

Considerando, portanto, as diferenças entre operador e restritor, Keizer prefere analisar, por

exemplo, o pronome demonstrativo that ‘aquele’ como operador lexical do que como restritor.

O cline de GR proposto por Keizer, abaixo reproduzido, vai dos restritores, que são

elementos lexicais (como os nomes, verbos e adjetivos), aos operadores, que são elementos

gramaticais (expressos por meio de afixos). É o primeiro elaborado com base na GDF:

: [restritores (α1)ø] Itens de conteúdo primários (verbos plenos, nomes, adjetivos) Itens de conteúdo secundários (idiomáticos, palavras lexicalizadas) (17) (α1 Palavras gramaticais secundárias (numerais, pronomes) ...........................................................................................) Palavras gramaticais primárias (artigos, modais) Afixos operadores α1

57 Para Keizer (2007), os restritores são elementos lexicais que restringem a denotação de uma expressão lingüística ao atribuir uma propriedade descritiva à entidade designada (ou conjunto de entidades), e os operadores são elementos gramaticais que especificam propriedades mais abstratas, não descritivas, de uma entidade.

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Com esse esquema, Keizer mostra como as unidades lingüísticas podem ser representadas na

GDF e como elas podem ser distinguidas em termos lexicais e gramaticais, além de mostrar que

existe uma gradualidade entre as categorias, que vai do mais lexical para o mais gramatical.

8. A PROPOSTA COGNITIVA DE SWEETSER

Para Sweetser (1991), o funcionamento da linguagem humana está baseado no

modelo de cognição humana, ou componente cognitivo como muitos chamam. Ao admitir essa

idéia, a autora propõe um modelo cognitivo do significado, que se divide em três áreas

principais: mudança semântica, polissemia e ambigüidade pragmática. A variação de

significado nessas três áreas representa mais de uma função para uma mesma forma. Essa

variação pode ocorrer (i) quando a forma lingüística adquire historicamente uma nova função

para substituir velhas funções, que Sweetser denomina mudança semântica, (ii) quando há

ligação sincrônica de muitos valores semânticos voltados para uma só forma, que consiste num

caso de polissemia, (iii) por fim, quando a função semântica básica da forma é estendida

pragmaticamente para cobrir outros significados, a que se chama de ambigüidade pragmática.

Entre os lingüistas, o trabalho de Sweetser é bastante respeitado, exatamente porque

foi uma das primeiras estudiosas a aliar os postulados teóricos da GR a uma perspectiva

cognitivista, mostrando, entre vários outros aspectos da linguagem, que algumas categorias

cognitivas podem se estender a outros domínios funcionais da linguagem humana, como, por

exemplo, a noção de causalidade, que, segundo a autora, pode operar em três níveis da

linguagem. Nesse sentido, por conta do apelo semântico-pragmático, e baseada em uma visão

cognitiva da linguagem, a proposta de Sweetser certamente se distancia dos modelos teóricos

que primam pelo caráter estrutural das formas lingüísticas, em especial daqueles estudos que

analisam a língua sem considerar a importância da semântica na sua composição.

Dessa forma, a mudança lingüística que leva uma forma a assumir mais de uma

função se origina de uma passagem do domínio sócio-físico para o domínio lógico-epistêmico,

e deste para o conversacional ou ilocucionário, sendo a ligação entre eles determinada por

processos metafóricos. A metáfora, como já mencionei, “permite que as pessoas entendam

uma coisa como outra, sem imaginar que elas sejam objetivamente a mesma coisa”58

58 Cf. o original: “allows people to understand one thing as another, without thinking the two things are objectively the same”.

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(SWEETSER, 1991, p.8). Pelo o que os estudos em GR mostram, esse mecanismo está

bastante associado ao funcionamento e à emergência de novas palavras nas línguas.

Os três domínios propostos pela autora (o sócio-físico, o epistêmico e o ilocucionário)

unem o conhecimento do mundo real com o do mundo mental do falante, sendo estes os

responsáveis pelo nosso entendimento da polissemia de determinadas palavras num recorte

temporal sincrônico, e, conseqüentemente, pela determinação das mudanças que o item sofre

num recorte diacrônico. Sweetser concorda também com o princípio de que a passagem de

um domínio a outro obedece a uma trajetória unidirecional, como enfatizada em Hopper

(1991), Hopper & Traugott (1993), Heine et alii (2001) e Traugott (2003), o que impossibilita o

percurso no sentido contrário, ou seja, impossibilita que palavras do domínio epistêmico, por

exemplo, possam ser usadas para atribuir significado no mundo sócio-físico59.

Para exemplificar a mudança semântica que ocorre pela união metafórica entre os

três domínios postulados pela autora (sócio-físico, epistêmico e ilocucionário), tome-se o

exemplo a seguir de because, extraído de Sweetser (1991, p.77):

(18) a. John came back because he loved her. ‘João voltou porque a ama.’

b. John loved her, because he came back. ‘João a ama porque voltou.’

c. What are you doing tonight, because there’s a good movie on. ‘O que você vai fazer à noite, porque há um bom filme no cinema.’

Na primeira sentença, a relação causal estabelecida por because se dá no mundo sócio-físico,

ou mais especificamente, na camada do estado-de-coisas (DIK, 1997; HENGEVELD &

MACKENZIE, 2008), pois é o sentimento de amar alguém que leva John a tomar a atitude de

voltar no “mundo real”. Na GDF, essa ocorrência corresponde à camada do evento (estado-de-

coisas), pertencente, pois, ao nível Representacional do modelo. No entanto, em (18b), essa

relação de causalidade não ocorre no mundo sócio-físico, já que não se pode afirmar que

“voltar” é causa de “amar”. A relação causal, nesse caso, ocorre no mundo epistêmico, uma

vez que é a informação da vinda de John que permite concluir, no espaço mental, que o amor

59 Com relação à herança estruturalista e gerativista, pode-se dizer que a proposta de Sweetser representa um avanço na análise semântica, justamente por entender e acreditar que a mudança semântica se dá diacronicamente, originando diferenças que poderão ser interpretadas como sentidos coexistentes num recorte sincrônico, o que permitiria assim, conforme Sweetser (1991), um ponto de vista pancrônico.

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dele por alguém é verdadeiro. Em outras palavras, o que se tem é uma relação que se

estabelece entre dois conteúdos proposicionais, em que o segundo valida epistemicamente o

primeiro. Nesse caso, de acordo com a GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008a,b), a

camada acionada por because é a da proposição, que pertence também ao nível

Representacional. Já, em (18c), a função de because é fornecer uma motivação para o ato de

fala proferido anteriormente. Assim, para Sweetser (1991), a oração adverbial atua no domínio

ilocucionário, numa relação de causalidade entre dois atos discursivos, que, por sua vez, se

enquadra no nível Interpessoal da GDF (SOUZA, 2005; CÂMARA, 2006; OLIVEIRA, 2008).

9. USOS DISCURSIVOS: CASOS DE GRAMATICALIZAÇÃO

Entre os estudos que exploram as funções textuais e discursivas que os itens

lingüísticos podem exercer no decorrer do processo de mudança lingüística, encontram-se

definições bastante distintas de como de fato esses usos podem ser analisados. Certamente,

essas várias propostas estão assentadas em diferentes noções de gramática, texto,

discurso e marcador discursivo, que, por sua vez, explicam as diferentes análises. Nesse

contexto, o objetivo aqui é mostrar que os usos discursivos ou expressivos dos itens

lingüísticos, dentre os quais os itens assim, já e aí estão inseridos, podem ser analisados como

casos de GR, à semelhança do que fazem Traugott (1995) e Hopper & Traugott (1993).

Na literatura lingüística, os marcadores discursivos (MDs) são, geralmente, definidos

como os elementos que promovem a continuidade do assunto em pauta, conferindo-lhe

coerência e dinamismo, mesmo sendo, por vezes, não muito relevantes para a organização

sintática do texto. Em geral, os MDs são usados para regularizar falhas, inseguranças e

hesitações, reformular o discurso, marcar mudanças de direção comunicativa, criar reticências,

retomar referentes já mencionados e marcar plano discursivo de fundo (RISSO, 1996; TARDIN,

2002; RISSO et alii, 2002; SOUZA, 2005, PENHAVEL, 2005; GUERRA, 2007).

Em seus trabalhos, Martelotta et alii (1996) e Tardin (2002) classificam,

respectivamente, os marcadores né? e ta? como casos de Discursivização (DC). Segundo os

autores, em ambos os casos, as expressões né? e ta? passam do léxico para o discurso,

deixando de expressar sua função original de pergunta referencial para assumir, como

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pergunta retórica, a função de marcar estratégias relacionadas ao processamento da fala.

Para Tardin, no desenvolvimento do marcador tá? no PB não há nenhuma fase intermediária

de GR. Entretanto, um grande problema que vejo aqui é como sustentar e atestar esse

percurso, entendendo o discurso como um componente separado da gramática. A meu ver,

ainda que não se consiga detectar possíveis usos gramaticais do item tá?, não há necessidade

de se postular um outro processo de mudança para descrever o funcionamento de elementos

como né? e tá?, que estão de alguma maneira ancorados na gramática do Português e que

podem ser analisados pelos esquemas de GR. Em outros termos, o fato de um item

lingüístico assumir uma função mais discursiva no contexto intersubjetivo (interpessoal) da

linguagem não significa que esse uso não possa ser tratado como uma gradualidade do

processo de GR, que atribui funções discursivas para elementos mais gramaticalizados.

Sobre essa questão, Hengeveld & Mackenzie (2008) dizem que a GDF,

diferentemente de outras teorias, busca incorporar na gramática das línguas expressões de

caráter expressivo, tais como os MDs, o operador aproximativo de subatos referencial e

adscritivo e o introdutor de Conteúdo comunicado, que pertencem ao domínio comunicativo da

língua (Nível Interpessoal), e que são, portanto, mais abstratos e mais gramaticais.

A esse respeito, a GDF apresenta um ponto de vista semelhante ao de Traugott

(1995) sobre os MDs, que vêm sendo concebidos por outros pesquisadores como resultantes

de processos de Lexicalização, Pragmatização ou Pós-Gramaticalização (cf. VINCENT,

VOTRE & LAFOREST, 1993). Para analisar os usos discursivos dos itens lingüísticos, Traugott

(1995, p.1) propõe o seguinte cline de GR, em que a categoria discurso se faz presente:

(19) Advérbio interno à oração > Advérbio Sentencial > Partícula discursiva60 (Clause-Internal Adverbial) (Sentence Adverbial) (Discourse Particle)

Para ilustrar esse cline, a autora analisa o percurso diacrônico dos elementos indeed, in fact e

besides, que podem operar como MDs. Traugott, baseada nessa premissa, defende a

proposta de que considerar os MDs como casos de GR (e, assim, como parte integrante da

gramática da língua), em nada, comprometeria o princípio da unidirecionalidade. Um dos

principais argumentos para essa análise é o de que eles veiculam reforço do conteúdo

60 É importante dizer que os marcadores discursivos representam apenas um subtipo das Partículas discursivas.

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pragmático e subjetivo, envolvendo, assim, aumento da liberdade sintática e da relação de

escopo. Esse aspecto contradiz, segundo a autora, alguns fundamentos da GR, uma vez que,

tradicionalmente, se considera que o item em GR perde liberdade sintática, tornando-se mais

fixo na sentença. Entretanto, esse aspecto de fixação do item não seria, para Traugott (1995),

exclusivo da GR como dizem vários autores, pelo menos, não no caso dos MDs.

Considerando a definição de GR como “material lexical em funções sintáticas

especificáveis [que] chegam a participar da tessitura estrutural da língua, especialmente suas

construções morfossintáticas”61, Traugott argumenta contrariamente a uma série de estudos

que consideram a GR como um processo que envolve, além de perda semântica, sintática e

fonética, também perda pragmática. Como ilustração do que estou discutindo, vale apresentar

aqui a análise do item indeed implementada pela autora (TRAUGOTT, 1995, p.6-9):

Estágios Tipos de mudança Trajetória de GR Estágio 0 Nesse estágio, ainda incipiente, o item indeed é

usado como item lexical completo;

Elemento lexical

Estágio I Nesse estágio, o item indeed representa significados modais evidenciais, como ‘realmente’ e ‘certamente’, veiculados normalmente em contextos contrastivos;

Elemento adverbial

Estágio II Nesse estágio, indeed pode ser usado para realçar uma conjunção adversativa já estabelecida com função de refutar argumento anterior ou pressuposto na mente do ouvinte (quebra de expectativa);

Advérbio sentencial

Estágio III Nesse estágio, indeed envolve elaboração e esclarecimento da intenção comunicativa; ao reter, portanto, as funções contrastiva e escalar, indeed veicula informações mais importantes do que as avaliadas no texto imediatamente precedente.

Marcador discursivo

Quadro 7. Trajetória de mudança de ‘indeed’ (Adaptado de Traugott, 1995)

Conforme se pode observar, ao analisar o item indeed ‘de fato/realmente’ dessa maneira62,

Traugott (1995) entende que os usos discursivizados podem ser analisados como uma

“continuidade” do processo de GR. Essa concepção, a meu ver, implica a idéia de que as

funções discursivas só são veiculadas se forem codificadas na gramática da língua, noção esta

que é também é compartilhada no modelo da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008).

61 Cf. o original: “(...) lexical material in specifiable syntatic functions comes to participate in the structural texture of the language, especially its morphosyntatic constructions”. (TRAUGOTT, 1995, p.1). 62 Isoladamente, o termo deed do Inglês significa ação, façanha, fato, realidade.

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106

Para Traugott, além de indeed, outros elementos semelhantes do Inglês podem ser

analisados como um caso de GR, como por exemplo, o termo in fact ‘de fato’. Em geral,

nesses casos, o advérbio de modo perde o significado concreto e se desgarra de sua posição

interna à oração, escopando o predicado para assumir significados modais

evidenciais/epistêmicos, e evolui pragmaticamente para a posição de advérbio sentencial com

escopo mais abrangente, o que torna possível ao item avaliar o conteúdo da proposição. Em

seguida, ao adquirir significados pragmáticos escalares e contrastivos, indeed é empregado

como marcador discursivo, estabelecendo relação de avaliação entre duas porções textuais.

Traugott lista várias características para confirmar que esses casos são de GR, a

saber: descategorização (união na frase in+deed); redução fonológica (/ndid/); generalização do

significado; aumento de função pragmática e, finalmente, subjetivização (por se associar à

atitude do falante). Assim, é com base nesses fatores, que a autora assinala que não se justifica

considerar os MDs como um tipo de processo distinto do da GR, uma vez que muitas das

características conferidas aos itens gramaticalizados são também encontradas nos MDs.

Diferentemente de Traugott, Valle (2000), ao discutir as diferenças entre GR e DC,

afirma que não é possível analisar todos os casos de MDs sob a perspectiva da GR, uma vez

que muitos desses elementos apresentam um comportamento diferenciado, com funções que

extrapolam a esfera textual. Segundo Valle, a análise descritiva de Traugott (1995) para os

itens indeed, in fact e besides como MDs é relativamente aceitável no interior da GR, porque

são, nos termos da autora, elementos que atuam mais “no nível textual”, portanto, mais

gramaticais. No entanto, Valle destaca que é necessário distinguir dois tipos de MDs: a) os

marcadores que operam no nível textual, exercendo funções de conexão, seqüenciação,

retomada e resumo, e b) os marcadores que operam num nível que Valle denomina “extra-

textual”, exercendo funções no processamento cognitivo da fala, na interação entre

interlocutores, na verificação do canal comunicativo, dentre outras (VALLE, 2000, p.108).

Um problema que se verifica nessa análise é a separação entre MDs que atuam no

nível textual e MDs que atuam no nível interacional, uma vez que é problemático classificar

aqueles elementos que atuam na articulação de eventos, proposições e episódios como MDs,

ao invés de classificá-los como conectivos. Assim, dada sua natureza, os MDs deveriam ser

analisados no Nível Interpessoal, e os conectivos/conjunções no Nível Representacional.

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10. AVALIAÇÃO

O que apresentei neste capítulo é que, apesar do distanciamento temporal entre

alguns autores (MEILLET, 1912; HEINE et alii, 1991; HOPPER & TRAUGOTT, 1993; BYBEE,

2003) e as particularidades teóricas que envolvem as suas propostas de GR, é possível

observar que todos definem a GR como um processo gradual, unidirecional, que parte de um

domínio mais concreto para um domínio mais gramatical, podendo afetar os diferentes

componentes da língua: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática.

A definição de GR que adoto – e que é compatível com a GDF – diz que o processo

de GR se dá quando um item lexical se torna mais gramatical ou quando um item menos

gramatical se torna ainda mais gramatical, entendendo-se por ‘lexical’ as palavras de sentido

mais concreto que têm significado por si mesmas e por ‘gramatical’ as palavras que têm

sentido mais abstrato. Além disso, adotando posição de Traugott (1982), Hopper & Traugott

(1993) e Traugott (1995), considero que a GR pode ser entendida como um processo de

pragmatização, em que usos mais gramaticais e abstratos passam a atuar no domínio

comunicativo (ou conversacional de Sweetser, 1991), exercendo funções mais expressivas,

dentre as quais estão os usos como marcador discursivo, operador aproximativo, etc.

Apesar de existirem outras propostas de GR, como a multidirecionalidade e a

poligramaticalização, defendo no texto a tese de que essas propostas não são contraditórias,

uma vez que todas as trajetórias desenvolvidas pelo item lingüístico (no caso da

multidirecionalidade / poligramaticalização) ocorrerão numa única direção (fonte→alvo).

Em relação às demais propostas de análise, que também são relevantes para a

análise dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, observou-se que os

princípios gerais apresentados por Hopper (1991), conhecidos como estratificação,

divergência, especialização, persistência e descategorização, são mais indicados para avaliar

os estágios iniciais de mudança das formas lingüísticas, que ainda convivem e competem com

outras formas da língua. Diferentemente de Hopper (1991), a proposta de Lehmann (1995) é

mais relevante para analisar os usos mais gramaticalizados dos itens. Além disso, viu-se que,

no decorrer do processo de mudança, os mecanismos da metonímia, metáfora, reanálise e

analogia são importantes instrumentos que levam à GR das formas lingüísticas.

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CAPÍTULO III

USOS ADVERBIAIS, CONJUNCIONAIS E DISCURSIVOS

ste capítulo, apresento uma discussão sobre os usos multifuncionais do itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, juntamente com uma revisão crítica de alguns estudos sobre articulação de orações (coordenação e subordinação), com foco nos usos conjuncionais dos itens em questão e também nos tipos de relações estabelecidas pelos marcadores discursivos. Para tanto, apresento, na seção 1, uma breve introdução do capítulo. Na seção 2, faço uma

explanação dos usos adverbiais e fóricos de assim, já e aí e como eles são analisados na GDF. A seção 3 traz uma apresentação dos usos relacionais e conjuncionais dos itens lingüísticos, bem como a proposta de articulação de orações da GDF. Na seção 4, apresento alguns dos usos discursivos de assim, já e aí no Português brasileiro. Enfim, a seção 5 encerra-se com uma avaliação das questões gerais do texto.

1. INTRODUÇÃO

Descrever a linguagem, os seus mecanismos de constituição, é, com certeza, uma

tarefa bastante difícil, principalmente quando se leva em conta que a língua constitui um

produto inacabado, em constante mudança, construída por falantes que se pretendem fazer

entendidos em suas manifestações e, sobretudo, que essas manifestações estão vinculadas a

contextos específicos. Assim, descrever uma língua é muito mais do que apenas analisar suas

estruturas sintáticas e morfossintáticas; é analisar acima de tudo o contexto em que o falante se

insere ao se manifestar; é entender o porquê da escolha de uma palavra específica em

detrimento de outra; é entender o porquê de o falante lançar mão de outros instrumentos

lingüísticos, como os itens lingüísticos assim, já e aí – e não os mais prototípicos para essas

tarefas – para fazer remissões anafóricas e catafóricas ou, então, para articular eventos,

proposições e porções maiores de texto; é entender, enfim, que a descrição de certos fatos só

fará sentido quando a situação discursiva que os gerou for considerada (PENNA, 2005).

N

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110

2. OS ADVÉRBIOS DE TEMPO, LUGAR E MODO NO PORTUGUÊS

Numa rápida incursão pelo corpus de análise do Português brasileiro, pode-se

evidenciar, por exemplo, um grande número de itens lingüísticos exercendo diferentes funções

na estruturação da linguagem, tais como as de elemento fórico, conjunção e organizador do

discurso. A propósito, em um trabalho sobre a classe adverbial, Ilari et alii (1990) apontam que

alguns advérbios, particularmente os dêiticos, podem aplicar-se a unidades cujas dimensões

ultrapassam não só os limites dos constituintes, como também os da sentença. Segundo os

autores, pode-se encontrar no Português itens lingüísticos como agora e aí, que se aplicam a

segmentos de amplitude e natureza lingüística diferentes. Para Ilari et alii (1990), esse segmento:

ou (i) se restringe à predicação (e agora indica que a ação se realiza no momento da enunciação), ou (ii) se estende à sentença toda (e agora estabelece para a ação ou estado referidos um quadro genérico de referência temporal que inclui o momento de enunciação mas se estende além dele), ou, enfim, (iii) abarca uma seqüência discursiva mais ampla (e agora define um novo momento na organização do discurso) (ILARI et alii, 1990, p. 85).

Para Ilari e seus colaboradores, agora e aí não são os únicos advérbios que oscilam

entre esses diferentes usos. Os elementos dêitico-anafóricos (então, já, ainda, etc) também

podem desempenhar variadas funções na organização textual-interativa, assim como se observa

nos estudos realizados com base nos preceitos teóricos da Lingüística Textual. Segundo Ilari et alii

(1990), isso acontece porque “entre a dêixis propriamente dita e a anáfora, e entre a anáfora e as

operações discursivas, há um progressivo esvaziamento da dimensão espaço-temporal, na

medida em que o discurso se torna a dimensão de referência” (p.86). Tanto para esses autores

quanto para Neves (1992) e Braga et alii (2001), a referência espaço-temporal dá lugar à

continuidade temática, à continuidade tópica e também à estrutura argumentativa.

2.1. OS USOS DE ASSIM, JÁ E AÍ NOS ESTUDOS LINGÜÍSTICOS

Atentando, então, para o fato de que a classificação das gramáticas tradicionais não

atende a todas as funções da classe adverbial, Bomfim (1988), Ilari et alii (1990) e Castilho &

Moraes de Castilho (1992) declaram que essa deficiência se faz presente porque, dentro da

descrição que a gramática tem dedicado aos advérbios, apenas o componente sintático é

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eleito como critério central de análise. Além disso, Ilari et alii apontam que, dentro da análise

dos modelos gramaticais, convivem duas expectativas que são relativamente divergentes: “de

um lado espera-se que os advérbios ocorram nas orações que adotam a chamada “ordem

direta”, depois dos termos integrantes do predicado; de outro, representa-se o advérbio

usufruindo, no interior da sentença, de uma relativa mobilidade sintática” (p.88).

São críticas e observações que encontram respaldo na passagem abaixo:

as gramáticas enquadram atualmente entre os advérbios uma quantidade enorme de palavras de que seria mais correto dizer que, apenas em algumas ocorrências particulares e em alguns ambientes sintáticos, atendem aos critérios tradicionais para a classificação como advérbios (Ilari et alii, 1990, p. 69).

Dentre os itens lingüísticos que muitos gramáticos (ROCHA LIMA, 2003; BECHARA,

2005) classificam como advérbios de tempo, lugar e modo, cabe ressaltar os casos de assim,

já e aí no Português. Um exemplo de assim com valor de modo é dado em (1) abaixo:

(1) Inf.: cê pega um pedaço de linha assim... ((mostra o tamanho da linha com as mãos)) amarra

lá encima lá no bico dele... lá embaixo cê amarra cê amarra a rabiola (AC-007-RP; L. 112)

Como se pode notar, em (1), o item assim atua como advérbio de modo, modificando o

sentido expresso pelo verbo pegar. Em geral, quando o item assim atua como advérbio de

modo, sua posição sintática na oração tende a se tornar previsível, ocorrendo, na maioria das

vezes, na posição pós-verbal, depois do complemento (nos casos em que o verbo é transitivo).

No exemplo abaixo, o item assim funciona como advérbio anafórico:

(2) Inf.: ah num sei por enquanto meu pai decidiu num colocá(r) mais piscina... aí num:: lá

tá cheio de:: já pôs gra::ma tudo já tá [Doc.: uhum ((concordando))] parece que vai ficá(r) assim mesmo... e:: tem... tem um acho que um... no meu quarto tem baNHEI::ro... o da minha mãe 9[também é] (AC-010-DE; L. 205)

Em (2), o item lingüístico assim faz referência a algo que já foi mencionado anteriormente no

texto, mais especificamente ao trecho que está sublinhado. Nesse caso, embora o item assim

seja caracterizado como advérbio anafórico, a sua condição como advérbio de modo não se

perde totalmente no contexto. Muitas vezes, assim ‘acumula’ traços da sua forma-fonte.

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112

Há casos em que assim pode operar como advérbio catafórico:

(3) Doc.: deve tê(r) bastan::te hein? Inf.: ah! sei uma... eu e meu primo E. [Doc.: uhm] nós tava jogan(d)o videoga::me

[Doc.: ham] só que a fita num era ne::m DELE... do amigo dele... aí nós pegô(u) lá colocô(u) lá ficô(u) jogan(d)o jogan(d)o jogan(d)o jogan(d)o... deu um piriPAQUE lá na fita do menino [Doc.: uhm] depois o menino... foi lá e falô(u) assim –“o E. cadê minha fita?”–... hum –“suMI::U”– (AC-007-NE; L.14)

No exemplo acima, o item assim funciona como um advérbio catafórico, referindo-se ao

discurso do menino, inserido como discurso direto no contexto. Atualmente, esse uso é muito

freqüente no Português brasileiro, principalmente na língua falada. Porém, cabe ressaltar que

assim pode ocorrer não somente com os verbos de dizer, como também com outros tipos de

verbos, tais como pensar, questionar, informar, exclamar [Ele exclamou assim: que ódio!].

Um uso de assim que se coloca entre os dêiticos e os fóricos é o que segue:

(4) Às vezes, ministrar diferentes tratamentos mais ou menos ao mesmo tempo pode implicar a administração a um paciente de diferentes tratamentos um após o outro, o assim chamado estudo cruzado “Martini 1932” (Google).

Em (4), tem-se um caso de assim que mescla a noção de advérbio de modo com a noção de

advérbio catafórico. É um uso que muitos autores classificam como dêitico textual. Em (4), ao

mesmo tempo em que remete cataforicamente a um certo “estudo”, o item assim explicita o

modo como esse estudo é chamado, isto é, o estudo cruzado Martini 1932.

Considere, agora, o exemplo (5), em que assim cumpre uma função bem distinta:

(5) João vai comprar comida, assim todos podem almoçar.

Em (5), diferentemente de (1) e (2), o item assim atua como uma conjunção, estabelecendo a

relação semântica de conclusão entre duas orações. Nesse caso, o que se pode observar é

que a mobilidade sintática está diretamente relacionada à expansão funcional do item

lingüístico assim, que passa de advérbio de modo à conjunção coordenativa conclusiva.

Quanto aos usos discursivos de assim, Silva et alii (1999) citam os seguintes casos:

(6) Eu gosto muito de coisa misturada assim com azeite de dendê (DID, RJ -328).

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113

(7) Então fica assim aromático (D2, POA -291)

Segundo Silva et alii (1999, p. 304), o que difere o exemplo (6) do exemplo (7) é o grau de

comprometimento do sujeito com relação ao conteúdo da oração. Conforme os autores, em

(6), tem-se um caso de assim que ocorre em um enunciado objetivo, uma vez que a

construção apenas apresenta uma descrição, ou seja, a informação é apresentada sem o

auxílio de nenhum elemento modalizador, avaliativo ou opinativo. Já em (7), o que se tem é

um caso de assim que ocorre em um enunciado subjetivo, que exprime a avaliação do falante

[aromático pode ser agradável para uns, mas horrível para outros]. Entretanto, na minha

interpretação, ambas as ocorrências de assim são classificadas como advérbio catafórico,

justamente porque fazem referência a um elemento (sublinhado) que está a sua direita.

Com relação aos usos do item já, um aspecto que é constantemente compartilhado

pela maioria dos estudos é o de que esse item pode marcar uma mudança e, mais

especificamente, o início de um evento, opinião também defendida por Costa (2003) e

Câmara (2006). Ao analisarem a classe adverbial no Português, sob a perspectiva

funcionalista da linguagem, Costa e Câmara mostraram que, dentre os usos expressos pelo

item já, os de advérbio aspectual e conjunção correlativa são os que mais se destacam.

O exemplo (8), abaixo, ilustra uma ocorrência de já como advérbio temporal:

(8) Menino, venha já almoçar.

Em (8), o item já é empregado no contexto como advérbio de tempo, cuja função é especificar

ou situar temporalmente o estado-de-coisas expresso pela oração [vir almoçar agora].

Comparado ao exemplo (9), a seguir, pode-se notar que o valor expresso por já é diferente:

(9) Doc.: mas...fala assim...é::...cê já falou da tua classe mas...como que ela

é::?...é...assim...que que tem nela?... como é?...como é a sua sala? (AC-018-DE; L. 82)

No exemplo (9), tem-se um caso de advérbio aspectual, em que o papel de já é especificar a

constituência temporal interna do estado-de-coisas [você falar da tua classe]. Nesse caso, o

item já aspectual indica uma ação acabada, que já tinha sido realizada no passado. Certamente,

a noção semântica de anterioridade/antecipação também faz parte desse elemento.

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114

Ao realizarem uma análise de base lógico-formal, estudando as restrições semânticas

e sintáticas inerentes a already e still, Traugott & Waterhouse (1969) afirmam a necessidade

de analisar already como implicando mudança da ausência para a existência de um estado-

de-coisas. No entanto, a análise realizada pelos autores se restringe a um único tipo de

already (aquele que é equivalente a yet)63. A multifuncionalidade e a heterogeneidade da

classe adverbial, em especial, do item adverbial já, não foram levadas em consideração.

Consoante Hirtle (1997), already representa a existência de um estado-de-coisas de

um ponto de vista de seu resultado (conseqüência). Para isso, o autor contrapõe already a still

(ainda) e yet (ainda), uma vez que still marca a continuação e a persistência do evento no

tempo e yet, a sugestão adicional de que o evento é esperado e sua presença é vista como

uma possibilidade conseqüente (yet). É o que se nota no esquema de Hirtle (1997, p.31):

already still yet

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------TEMPO---

[antes] [durante] [depois] Quadro 1. Valores semânticos de already, still e yet do Inglês (Adaptado de Hirtle, 1997)

Em um estudo sobre os adverbiais no Português europeu, Matos (2000) assinala que

já tende a localizar o estado-de-coisas temporalmente, indexando-o a uma expectativa, Nesse

caso, têm-se dois tempos, o de referência do estado-de-coisas e o de expectativa. Retomando

Vet (1980), o autor considera “uma expectativa como um tipo de mundo possível, não actual,

o que confere uma dimensão modalizadora ao enunciado” (apud MATOS, 2000, p.180-1).

Essa dimensão modalizadora, conforme Câmara (2006), confere ao estado-de-coisas um

valor de contradição de expectativa, no entanto, enquanto o primeiro recebe o valor específico

de antecipação, o segundo recebe o valor específico de retardamento de expectativa.

Recuperando as discussões de Costa (2003) sobre o item já, tem-se o seguinte:

(10) Ele ainda está viajando. (processo em curso)

(11) Ele já chegou. (o processo da viagem terminou; ponto previsível da chegada foi atingido)

63 Confira os seguintes exemplos, extraídos de Traugott & Waterhouse (1969, p.287): a) He has gone already. / He hasn’t gone yet.

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Conforme a autora, em (10), o adverbial ainda indica que “um determinado processo ou

estado se mantém em curso em um determinado momento, que pode ser o da enunciação ou

qualquer outro momento de referência temporal do discurso” (COSTA, 2003, p.341). É

diferente do adverbial já, que, a meu ver, indica que determinado ponto previsível pelo

desenvolvimento de um processo ou manutenção de um estado foi atingido. No entanto, a

expectativa de cumprimento da ação pode-se dar também no futuro, como em (12):

(12) Quando ele chegar, eu já terei viajado. (ponto de partida se dá no futuro)

Para Câmara (2006, p. 46), que analisa a multifuncionalidade do item lingüístico já no

Português falado do Brasil, o modelo de análise de van der Auwera (1993) que destaca que

already indica um estado anterior negativo e um estado negativo contíguo e contrafactual é

produtivo e inovador em alguns aspectos, no entanto, está longe de oferecer uma descrição

completa de todos os usos de already (já). Segundo a autora, um estudo que pode trazer mais

contribuições para a análise dos valores aspectuais de já é o de Michaelis (1996), cuja proposta

de análise, além de evidenciar a incompletude do modelo de análise de van der Auwera,

apresenta algumas modificações: dentro da proposta de van der Auwera, há conteúdos

semânticos pressuposicionais que Michaelis analisa separadamente como “pressuposição de

não instanciação prévia” e “pressuposição de instanciação não esperada”64.

Entretanto, todos os estudos realizados por esses autores só dão conta dos valores

temporais, aspectuais e correlativos do item já, deixando de lado vários usos que, na minha

interpretação, são igualmente importantes no processo de gramaticalização desse item,

principalmente a presente pesquisa, que busca conciliar as noções de GR e a GDF.

Um outro uso de já que é muito mencionado nos estudos da área de Lingüística

Textual (KOCH, 2002; KOCH, 2004; KOCH & TRAVAGLIA, 1990) é o que se vê em (13):

64 Exemplo de pressuposição de não instanciação prévia: A: I’ve applied for American citizenship. Eu pedi a cidadania americana. B: Is your husband also applying? E seu marido também pediu? A: He is already American, for he was born there. (MICHAELIS, 1996, p.481) Ele já é americano, pois ele nasceu lá.

Exemplo de pressuposição de instanciação não esperada: There’s no point in sending your letter. They’ve already given the job to someone else. (MICHAELIS, 1996, p.483) Não faz sentido enviar sua carta. Eles já deram o trabalho para outra pessoa.

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(13) Inf.: lá na minha igreja né? entrou um moloque lá e:: ele toca mal prá caramba né? e nossa eu (xingo) ele assim né? falo – “ah seu burro que num sei (inint.)” – mas assim a minha opinião assim sobre ele em relação à musica eu acho que ele tem que estudar muito ainda em relação a (isso) pra mim ele toca muito mal...já o pai dele toca... também lá né?...o pai dele até que:: toca bem mas ele num toca muito bem não...em relação à música agora o professor tá:: ensaiando a gente né? que ele vai lá:: ele:: toca com o vocal tudo... e:: acho que muita gente deveria fazer música também sabe? (AC-017-RO; L. 190)

Em (13), o item já atua como operador argumentativo, estabelecendo uma relação de contraste

entre duas proposições (representadas pelos trechos sublinhados). Em relação aos demais

usos de já no Português, o exemplo (13) é com certeza um dos casos mais gramaticalizados,

uma vez que as noções de tempo e aspecto estão bem diluídas no contexto. Para Martelotta

et alii (1996), que defendem o uso argumentativo, o advérbio já teria passado, no decorrer do

processo de GR, de marcador de contra-expectativa a elemento comparativo. Trata-se de um

comportamento funcional que é, segundo os autores, muito semelhante ao do item agora.

De acordo com Ilari et alii (1990), ocorrências como (13) são mais bem analisadas

como casos de organizador de tópico discursivo, como se observa no exemplo (14):

(14) A menina mais velha é boa desenhista, já a mais nova tem mais facilidade para musica.

No excerto (14), extraído de Ilari et alii (1990, p. 64), o item já é analisado como um

organizador de tópico, pois, na opinião dos autores, em (14), o item já assume um papel

discursivo particular, mais amplo sintaticamente, que pode ser analisado da seguinte forma:

(15) Tópico A Comentário referente a A já tópico B Comentário referente a B

Segundo Ilari et alii, o esquema (15) apresenta as seguintes características: (i) A e B são

habitualmente evocados no mesmo contexto, e são passíveis de comparação sob vários

aspectos, (ii) os comentários de A e sobre B contrastam fortemente. Apesar de se tratar de

uma noção de tópico sentencial, que é diferente da concepção de Tópico de Hengeveld &

Mackenzie (2008), esta noção está mais próxima de um uso conjuncional de já, que passa a

estabelecer contraste entre duas unidades lingüísticas ou dois conteúdos proposicionais.

Nesse caso, o item já não seria definido como um elemento discursivo, mas sim como um

elemento que atua entre unidades semânticas, no estabelecimento de contraste.

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Como se pode observar, o item já, a depender do contexto discursivo, pode exercer

diferentes funções, incluindo, além daquelas que apresentei até aqui, a de operador

argumentativo (contraste/quebra de expectativa). É óbvio que a atuação como operador

argumentativo é apenas uma das funções desempenhadas pelo item já, que pode, em casos

mais gramaticalizados (seguindo a concepção de Traugott), exercer funções mais discursivas.

Assim como outros itens que atuam como conectivos no interior da gramática, o item já é

também bastante importante para a organização das dimensões textual e interacional da

linguagem, com usos que, conforme mostrarei, podem ser mais bem explicados e

sistematizados de acordo com os diferentes níveis e camadas de organização da GDF

(HENGEVELD & MACKENZIE, 2006), que possibilita observar o processo de mudança até

mesmo dentro de um mesmo nível, especialmente nos estágios iniciais de mudança.

Por fim, vale mencionar dois outros usos de já apresentados em Ilari et alii (1990):

(17) Ele já vem já. (18) Ele tinha letra horrível já no primário.

Consoante os autores, em (17) e (18), o item lingüístico já parece estar mais relacionado à

classe dos clíticos, exercendo um papel que é muito semelhante ao do advérbio não

(elemento quase-clítico). O fato de já poder se reduplicar e aplicar-se a outros constituintes

corrobora, na opinião de Ilari et alii, a classificação desses usos como “quase clíticos”.

No tocante aos itens adverbiais de lugar e tempo, Ilari et alii (1990) assinalam que os

dêiticos invariáveis a que se tem chamado tradicionalmente de “advérbios de lugar/

advérbios de tempo” admitem usos bastante variados (op.cit., p. 71). Um exemplo de aí

como adverbio de lugar (o uso mais básico em termos de GR) é dado em (19):

(19) eu tenho uma colega...e a casa dela fica aí (AC-056-NR; L.123)

Em (19), o item lingüístico aí é um advérbio de lugar (um elemento referencial), cuja função é indicar a localização da casa do falante. Nesse caso, o item aí atua como argumento do verbo ficar. Diferentemente de (19), no exemplo (20) o item aí é usado como advérbio anafórico:

(20) Vestibular chegando! Que medo! Unesp, Unicamp e USP, aí vamos nós.

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O que se vê em (20) é um uso muito freqüente no Português brasileiro, especialmente na

língua falada. Nesse exemplo, o item aí funciona como um advérbio anafórico (dêitico fórico),

fazendo referência a entidades que designam lugar: Unesp, Unicamp e USP.

Observe, agora, a ocorrência (21) de aí como advérbio fórico:

(21) vai chegar… por exemplo… VINTE portugueses por exemplo trinta… e (vinha) vai

chegar vinte trinta aí em Rio Preto… - ” ENTÃO… (inint.) como que era a função do pai dele o pai dele tinha a função de distribuir esses portugueses que eles chegavam não tinha emprego não tinha lugar de morar não tinha nada…(AC-119; NR: L. 97)

Tratados ora como “proformas adverbiais” (cf. PAIVA, 2003; RONCARATI, 2003) ora

como “unidades pré-fabricadas” (cf. ERMAN & WARREN, 2000), a verdade é que itens como

aí e agora, quando combinados com um sintagma preposicionado, podem tanto fazer

remissões anafóricas quanto remissões catafóricas. Assim, dada essa possibilidade, pode-se

aventar, segundo Paiva (2003), a hipótese de que o “encadeamento de circunstanciais resulta

de um processo de dissociação entre foricidade e dêixis, com a proforma estabelecendo a

relação entre as partes do discurso e o sintagma preposicional provendo a especificação

dêitica locativa” (p. 134). Nesse sentido, na medida em que enfraquecem seu papel na indicação

locativa, esses itens passam a funcionar como elementos de coesão (com o intuito de tornar

mais precisa a indicação locativa dos estados-de-coisas descritos na oração), assinalando

seja a relação anafórica seja a relação catafórica ou ambas simultaneamente. Segundo

Oliveira & Melo (2003), usos como (21) não interferem totalmente no sentido de espaço físico

de aí, tanto que, em “aí em Rio Preto”, o traço locativo ainda persiste no novo uso.

Um outro uso de aí que também é recorrente no Português é dado em (22):

(22) João chegou, aí a Maria foi embora.

Em (22), o item aí indica o seqüenciamento temporal entre as duas orações, o que serve

como inferência para o estabelecimento da relação de causa/efeito entre as duas unidades

semânticas. A leitura de aí como conjunção coordenativa conclusiva também é possível, mas

em menor proporção. De qualquer modo, o exemplo (22) já é um uso mais gramaticalizado.

Além desses usos discutidos até o momento, Braga & Naro (2000) e Braga & Paiva

(2003) elencam outros usos de aí que também operam na organização do texto e do discurso:

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(23) Aí bota meio copo de óleo. Aí você bate no liquidificador e depois tira e bota numa vasilha. (NARO & BRAGA, 2000, p. 128).

O uso de aí mencionado em (23) é classificado por Naro & Braga (2000) como um caso de

juntivo, em que o objetivo do item lingüístico é unir/juntar dois eventos. Já em (24), o uso de aí

é classificado por Braga & Paiva (2003) como um caso de organizador de tópico:

(24) F.: passando, assim, um sermão. Aí lá pelas tantas do sermão, eu parei, olhei para ela...e

ela quietinha me ouvindo. A Nique, ela, sabe? Um...uma coisa assim, que ela só escuta... E.: Ham... E.: Ela só assim. Ó, mãe, não tanto assim, mãe. Mãezinha, não assim. Mas isso, o Maximo

que ela diz...Aí lá pelas tantas, eu parei, olhei para a carinha dela. (PEUL, Amostra-80, 43) Segundo Braga & Paiva, no exemplo (24), extraído das autoras, o item aí auxilia na

organização do tópico discursivo. Isto é, para as autoras, em (24), a palavra aí encabeça

orações que sinalizam o fechamento e a reativação do sub-tópico discursivo (op. cit., p. 11).

Como se observa, os itens lingüísticos assim, já e aí podem exercer diferentes papéis

no interior da língua portuguesa, tais como os de dêitico, anafórico, catafórico, conjunção e

marcador discursivo. São usos que contemplam tanto a dimensão textual quanto a dimensão

interacional da linguagem e mostram que esses elementos adverbiais estão se gramaticalizando

no Português brasileiro, assumindo, muitas vezes, o lugar de várias outras conjunções (no caso

em que esses elementos atuam como itens conjuncionais), como se vê no quadro 2:

Dêitico Fórico Conjunção Marcador discursivo assim + + + + já + + + ? aí + + + + Quadro 2. Usos dos itens assim, já e aí no Português sincrônico

Os resultados de Braga et alii (2001) não só confirmam parcialmente os dados

discutidos nessas seções, como também apontam para a necessidade de se estudar esses

elementos de forma detalhada, em um modelo de gramática funcional como a GDF

(HENGEVELD & MACKENZIE, 2008), que é capaz de oferecer uma descrição mais

sistematizada dos itens assim, já e aí, a partir dos níveis e das camadas de sua organização.

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2.2. USOS ADVERBIAIS E FÓRICOS DE ASSIM, JÁ E AÍ NA GDF

Diferentemente das gramáticas tradicionais, que classificam os advérbios de tempo,

lugar e modo como adjuntos adverbiais, a GDF os classifica ou como

operadores/modificadores ou como argumentos. No Nível Representacional, os advérbios de

modo, por exemplo, são analisados como uma propriedade, uma vez que eles podem

especificar uma outra propriedade, ou então estabelecer uma relação entre duas unidades

lingüísticas. O exemplo (25) ilustra um dos casos de advérbio de modo no Português:

(25) A menina canta bem.

Em (25), o advérbio de modo bem modifica o predicado verbal cantar. Nesse caso, o advérbio

bem pode ser representado semanticamente na GDF como em (26):

(26) (ei: (fi: [(fj: cantarV (fj): (fk: bem (fk)) (fj)) (xi: (fl: menina (fl)) (xi))] (fi)) (ei))

Em que a estrutura de formalização segue o formato abaixo:

(27) (f1: Verbo (f1): (f2: AdvérbioModo (f2)) (f1))

Apesar das diferenças entre os advérbios bem e assim, ambas as formas são

classificadas como advérbios de modo. Na GDF, mais especificamente no Nível Interpessoal,

os advérbios de modo são classificados como modificadores dentro de subatos adscritivos

(Hengeveld & Mackenzie, 2008, p. 220), conforme se pode observar em (28):

T T R (28) (fi: [(fj: cantarV (fj): (fk: bem (fk)) (fj)) (xi: (fl: menina (fl)) (xi))] (fi))

Em (28), o predicado cantar e o advérbio bem são analisados como subatos adscritivos (T) no

Nível Interpessoal, ao passo que o indivíduo (x) é analisado como um subato referencial (R).

Hengeveld & Mackenzie (2008) fazem ainda distinção entre advérbios de modo e

advérbios de comparação. Conforme os autores, em Inglês a preposição like – muito usada em

construções como marca de comparação – pode ser definida como um advérbio de modo,

especialmente naqueles contextos em que like é usada em referências anafórica e catafórica:

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(29) A: Joan talked to me cheekily. Joan falou comigo tranquilamente.

B: She talks to everyone like that. Ela fala com todos assim.

Segundo Hengeveld & Mackenzie, a resposta de B não compara o modo como Joan fala com

todas as pessoas com o modo como ela fala com A, mas sim significa que Joan fala com

todas as pessoas sempre da mesma forma, isto é, tranquilamente (op.cit., p.265).

No que diz respeito ao item já, ao papeis que esse elemento pode exercer na língua,

a GDF não tece muitas considerações. Hengeveld & Mackenzie (2008) dão preferência a

outros advérbios e expressões que denotam tempo, tais como os advérbios agora e sempre e

as expressões temporais por uma semana, dois meses, três dias, dentre outras. No entanto,

em função dos ajustes que foram efetuados no modelo teórico da GDF, construções como (30),

(31) e (32) podem ser representadas no Nível Representacional de forma mais adequada:

(30) Venha para a casa já. (31) Maria já fez o bolo. (32) Quando o João chegou, a Maria já tinha feito o bolo.

Em (30), o item lingüístico já é usado com valor temporal, equivalente ao advérbio agora

“nesse momento”. Diferentemente desse uso, em (31) e (32), o item já é usado como advérbio

aspectual, cuja função é especificar a constituência temporal interna do estado-de-coisas

descrito na oração. Em (31), o item já indica a anterioridade a um ponto esperado do evento

“Maria fazer o bolo”, e, em (32), o item já indica a anterioridade a um outro evento “quando eu

cheguei”, ou seja, a ação de fazer o bolo foi realizada antes da chegada do João.

Hengeveld & Mackenzie relacionam ainda a atuação de alguns advérbios à categoria

semântica conhecida como polaridade, que está bastante relacionada à camada do evento.

Segundo os autores, a oposição básica estabelecida entre polaridade negativa e polaridade

positiva pode ainda ser especificada por meio de outros elementos aspectuais (fasais), que

embora não sejam caracterizados como tais, podem expressar diferentes tipos de polaridade

(van Baar, 1997, apud Hengeveld & Mackenzie, 2008, p. 178), como se vê a seguir:

(33) a. pos Ø neg not b. negpos already negpos not yet c. posneg still posneg no longer

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122

Com exceção do primeiro e do último elemento em série, os valores representados em (33) são

binários e devem ser lidos da seguinte forma: o valor básico do item é apresentado com a grafia

normal e o valor de contraste que precede ou segue o item lingüístico é apresentado na forma

sobrescrita. Assim, o valor de not yet ‘não ainda’ pode ser interpretado como um “estado-de-coisas

negativo antecipando um estado-de-coisas positivo” e already ‘já’ como um “estado-de-coisas

positivo seguindo um outro de valor negativo” (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008, p. 178).

Nesse contexto, considerando as distinções entre tempo e aspecto realizadas pela

GDF, pode-se representar o item lingüístico já do exemplo (30) da seguinte maneira:

(34) (fi: [(fj: vir (fj): (fk: já (fk)) (fj)) (xi))] (fi))

Na representação acima, o item já é definido como modificador temporal – com sentido de

‘agora, nesse momento’, atuando diretamente sobre o predicado vir [venha agora/nesse

momento]. É diferente do exemplo (31), que é representado como (35):

(35) (past pf ei: (fi: [(fj: fazer (fj)) (xi: –Maria– (xi))A (xj: –bolo– (xj))U] (ei): (tk: –já– (tk))Ф] (ei))

Em (35), o advérbio já é representado como um modificador de polaridade do estado-de-

coisas [Maria fazer o bolo]. Cabe lembrar que, nesse caso, o item já está sendo classificado

como um modificador (elemento lexical) e não como um operador (elemento gramatical).

O exemplo (32) é um outro caso de já como aspectual, que é representado como (36):

(36) (past impf ei: (fi: [(fj: fazer (fj)) (xi: –Maria– (xi))A (xj: –bolo– (xj))U] (ei): (tk: –já– (tk))Ф] (ei))

O que difere o exemplo (31) do exemplo (32) é que, no primeiro caso, o item aspectual já

indica anterioridade a um ponto esperado do evento, e, em (32), o item aspectual já indica

anterioridade a um outro evento (Nível semântico). Em ambos os casos, o item já atua como

modificador de polaridade do estado-de-coisas designado pela oração [Maria fazer o bolo].

Com relação ao item aí no Português, o exemplo (36) é um caso ilustrativo:

(36) A mulher mora aí.

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123

Em (36), a forma lingüística aí no Português atua como argumento do verbo morar (advérbio

de lugar), e, por isso, é representado na GDF, conforme a seguinte formalização em (37):

(37) (ei: (fi: [(fj: morar (fj)) (xi: (fk: mulher (fk)) (xi)Ф)Ф (li: (fl: aí (fl)) (li)Ф)Ф] (fi)) (ei)Ф)

Como se pode observar na representação em (37), o estado-de-coisas (ei) é caracterizado

pela propriedade (composicional) (fi), o indivíduo (xi) pela propriedade (fk), e o lugar (li) pela

propriedade (fl). Nesse caso, a propriedade (fj) é um constituinte semântico independente do

esquema de predicação contido em (fi), que, por sua vez, especifica a relação entre (xi) e (li).

No Nível Interpessoal, o item aí é analisado como em (38):

T R R (38) (fi: [(fj: morar (fj)) (xi: (fk: mulher (fk)) (xi)Ф)Ф (li: (fl: aí (fl)) (li)Ф)Ф] (fi))

A representação em (38) mostra que, no Nível Interpessoal, morar é analisado como um subato

adscritivo, a entidade indivíduo mulher como um subato referencial, e o lugar especificado

pelo item aí como um subato referencial. Isso significa que os elementos lexicais representados

nesse nível apresentam uma correspondência com as unidades semânticas do Nível

Representacional, no sentido de que um subato referencial, por exemplo, pode corresponder às

categorias semânticas de propriedade ou indivíduo (Subato referencial → x/f).

De acordo com Hengeveld & Mackenzie (2008, p. 249), alguns lugares (constituintes

que evocam lugar) em Inglês são identificados por meio do uso das formas anafóricas aí

‘there’ e aqui ‘here’, que são muito freqüentes em processos de referenciação, em detrimento

do uso das formas locativas in/at ‘em’, to it ‘a isso/este lugar’ e them ‘esses lugares’, que

cumprem o mesmo papel na língua. Os exemplos (39), (40) e (41) ilustram esses casos:

(39) Ever since I saw that film about Lisbon, I wanted to live there/*in it. Toda vez que eu via aquele filme sobre Lisboa, eu queria morar lá.

(40) Ever since I saw that film about the capital of Portugal, I wanted to live there/*in it. Toda vez que eu via aquele filme sobre a capital de Portugal, eu queria morar lá.

(41) As soon as I spotted the magnificent piano, I wanted to sit at it/*there. Assim que eu manchei o piano, eu quis me sentar nele.

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124

Nesses exemplos, extraídos de Hengeveld & Makcenzie (2008), a forma locativa there é

analisada na GDF como (li)Loc e a expressão at it como (xi)Loc. Em todos os casos, as formas

em negrito expressam a função semântica de Lugar, porém, elas são diferentes para a GDF.

Os usos fóricos de assim, já e aí, abaixo, são representados na GDF como:

(42) Eu gosto de trabalhar na fábrica, mas sei que assim não vou ter um bom futuro.

Advérbio anafórico

NR: (pi: (fi: [(fj: ter (fj) (xi) (pj: (fk: assim (fk))] (pj)) (pi))

(43) Temos que estudar bastante para conseguir um bom

emprego. O mercado de trabalho está muito competitivo e quem não se recicla, não consegue boas oportunidades. Como eu já disse, estudar é a solução.

Advérbio anafórico

NR: (pi: (fi: [(fj: dizer (fj) (xi) (pj: (fk: já (fk))] (pj)) (pi))

(44) Minha amiga compra roupas na José Paulino em São

Paulo, por isso ela sempre vai para esse lugar aí. Advérbio Anafórico

NR: (ei: (fi: [(fj: ir (fj) (xi) (li: (fk: aí (fk))] (li)) (ei))

Em (42), tem-se um uso de assim como advérbio anafórico que faz referência a uma

proposição. Em (43), o uso de já como advérbio anafórico, apesar de conservar o traço

aspectual, faz referência também a uma proposição (sublinhado). Já em (44), o item aí faz

referência anafórica a uma unidade lingüística de valor locativo [rua José Paulino]. Os usos de

assim, já e aí como advérbio catafórico são similares aos casos de advérbio anafórico.

3. USOS RELACIONAIS E CONJUNCIONAIS NA GDF

Em vista dos usos relacionais e conjuncionais dos itens lingüísticos assim, já e aí,

apresento, a seguir, um apanhado sobre os usos conjuncionais de alguns itens.

3.1. OS ESTUDOS SOBRE OS ELEMENTOS CONECTIVOS

A análise de conectivos/ conjunções foi, sem dúvida, um dos principais assuntos

tratados nos anos 70 e 80, nas áreas de Pragmática e Lingüística Textual65. São dessa época

65 Conferir os estudos de Halliday & Hasan (1976), Ducrot (1980), Van Dijk (1981), Charolles (1983) e Koch (1984).

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também os trabalhos mais importantes sobre conexão e coesão textual, que, até hoje, são

citados nos estudos em desenvolvimento que abordam a linguagem a partir de seu contexto

de uso. Ainda que os trabalhos realizados nesse período tenham se preocupado com a

descrição e com o funcionamento dos elementos responsáveis pelo processo de coesão

textual, nem todos eles compartilhavam de um mesmo ponto de vista sobre o assunto.

O interesse pelos elementos conectivos na Lingüística Textual é facilmente

identificado em Halliday & Hasan (1976), que analisaram os mecanismos de coesão em

Inglês. Os itens denominados pelos autores como conjunções constituem um dos cinco

elementos responsáveis por estabelecer a coesão em um texto, e que se subdividem em

quatros grupos, quais sejam: aditivos, adversativos, causais e temporais. A teoria das

macroestruturas do texto, formulada em Van Dijk (1977), apresenta um modelo de lógica

intencional capaz de explicar a relação entre os conectores lógicos e os elementos que eles

articulam. Tanto Van Dijk quanto Halliday & Hasan consideram que os conectivos são

elementos que servem à construção e à organização de um texto e, por essa razão, estão

diretamente relacionados com os processos de coesão e coerência do texto.

Nesse mesmo período, o enfoque de análise da GF de Simon Dik (1978; 1981) era

basicamente a oração, ou seja, os fenômenos lingüísticos que pertenciam ao domínio

oracional. Nesse momento, as relações entre duas ou mais orações não estavam sob o

escopo da teoria, que certamente passou a mudar a partir da publicação de vários estudos

não somente da área funcionalista mais estreitamente relacionada à teoria de Dik (POSTAL,

1969; CORNISH, 1978; KARTTUNEN, 1976; VAN DE GRIFT, 1987) como também de outras

áreas, tais como a Lingüística Textual, a Teoria da Argumentação, entre outras.

Assim, enquanto a Lingüística Textual focaliza a capacidade dos elementos conectivos

de articular diferentes unidades lingüísticas no nível textual, outros enfoques pragmáticos se

voltam mais para suas as propriedades argumentativas. A teoria da Argumentação de Ducrot

(1984; 1995; 1996), Ducrot et alii (1980) e Anscombre & Ducrot (1994) considera que a

linguagem lança mão desses conectivos exclusivamente para articular as estratégias

argumentativas adotadas pelos falantes. No modelo desenvolvido nos anos 80, os conectivos

são vistos como elementos capazes de produzir efeitos argumentativos em razão das formas

e das restrições de encadeamento dos enunciados articulados por tais elementos.

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126

Koch (1995), baseada nesses estudos de Ducrot, postula dois tipos de relação:

a) relações do tipo lógico-semântico: expressam relações entre estados de coisas, entre “fatos” do mundo real e/ou de outros mundos possíveis. São relações de causalidade, condicionalidade, mediação, conformidade, tempo, modo, disjunção lógica, que poderiam ser caracterizadas em termos de “frases ligadas”, já que são expressas através de um único ato de fala, no qual se apresenta um tema e, a respeito dele, se enuncia uma relação entre dois fatos;

b) relações do tipo discursivo-argumentativo: tem-se dois ou mais atos de fala, podendo o primeiro ser enunciado independentemente do segundo, vindo esse a encadear-se ao primeiro para justificá-lo, contradizê-lo, explicitá-lo, etc. Entre tais relações destacam-se as de conjunção e disjunção argumentativas, contrajunção, explicitação/ justificativa, comprovação, conclusão, generalização/ extensão, correção/ redefinição/ atenuação e comprovação.

De acordo com a GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008), as distinções estabelecidas por

Koch (1995) são extremamente úteis para entender o funcionamento dos elementos

conjuncionais, principalmente para separar os tipos de conectivos que operam em cada um

dos níveis de organização da linguagem. Para Hengeveld & Mackenzie, as relações do tipo

lógico-semântico estão centradas no Nível Representacional da GDF, justamente porque

lidam com relações que se estabelecem entre propriedades, indivíduos, eventos e

proposições, ao passo que as relações do tipo discursivo-argumentativo estão mais

relacionadas ao Nível Interpessoal da GDF, exatamente pelo fato de lidarem com relações

que se estabelecem entre atos discursivos e movimentos. Entretanto, no meu ponto de vista,

seria melhor separar as relações argumentativas, que podem ser encaixadas no Nível

Representacional (já que quase sempre as unidades articuladas por conectivos

argumentativos são proposições, que pertencem ao nível semântico), das relações discursivas,

que, nesse caso, podem ser inseridas no Nível Interpessoal, uma vez que o estatuto

lingüístico das unidades articuladas por conectivos discursivos é de caráter interpessoal.

Pode-se destacar, como exemplo, a análise das conjunções mas e embora. Em A

mas B, a Semântica Argumentativa analisa o contraste esclarecendo que as sentenças A e B

são tomadas como argumentos a favor de duas conclusões opostas. A conjunção embora66,

da mesma forma, desempenha um papel análogo, sendo que a construção A embora B

66 Para um tratamento funcionalista das ocorrências e funções semântico-discursivas de embora no português brasileiro, consultar a dissertação de mestrado de Garcia (2001).

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sugere que A e B são tomados como argumentos a favor de conclusões opostas. Quando a

conjunção embora encabeça a oração, o que se tem é uma antecipação da informação

contida na oração principal. Desse modo, mas e embora têm estatuto de operadores

argumentativos, mas distinguem-se pelo ponto onde incide a maior força argumentativa67.

Segundo Gonçalves (2005), ao lado de mas, costuma-se arrolar tradicionalmente

outros operadores que desempenham função semelhante, como entretanto, porém, contudo,

todavia etc. Esses outros operadores apresentam comportamento sintático um pouco

diferente do mas, pelo fato de gozarem de certa mobilidade no interior do enunciado:

(45) a. A polícia prendeu os ladrões, mas/ porém/entretanto o dinheiro não foi encontrado. b. A polícia prendeu os ladrões; o dinheiro, porém/entretanto/*mas, não foi encontrado. c. A polícia prendeu os ladrões; o dinheiro não foi encontrado porém/entretanto/*mas. d. (?) A polícia prendeu os ladrões, mas, entretanto, o dinheiro não foi encontrado.

O que explica a mobilidade desses itens nas sentenças do Português é o fato de, no português

antigo (ver capítulo V), esses operadores serem definidos como advérbios que apareciam junto

de mas simplesmente para reforçar a idéia de oposição em enunciados contrajuntivos, como se

verifica em (45d), que é pouco freqüente no PB escrito, porém, comum na língua falada.

Para o modelo da GDF, as relações que se estabelecem entre eventos, episódios e

conteúdos proposicionais podem ser classificadas como relações coesivas. Os exemplos (46),

(47) e (48) ilustram casos de introdutor de episódios e conjunção (articulação de orações):

(46) Foi assim: ontem, o João chegou em casa, tirou os sapatos,

tomou banho e, em seguida, jantou com a esposa e os filhos. Introdutor de episódios

NR: assim (ep1: [(e1: João chegou em casa), (e2: tirou os sapatos), (e3: tomou banho), (e4: jantou com a esposa e os filhos)] (ep1))

(47) En una olla coloca el agua, el ajo, cebolla, pimentón, ají dulce, la

espinaca y los vegetales picados en trozos, cuando comience a hervir, añada las hierbas aromáticas…Una vez blandos los vegetales puedes retirar, si los deseas, los trozos de ajo, pimentón, ají y cebolla, retira las hierbas y comienza a licuar poco a poco las verduras con el caldo. Una vez que tenga consistencia de crema, añade la margarina, la leche, licua bien y lleva nuevamente a la olla (Hengeveld & Mackenzie, 2008, p. 158)

Introdutor de episódios

NR: una vez (epi), una vez (epj)

67 Dentre alguns trabalhos desenvolvidos com base nas idéias da Semântica Argumentativa estão Koch (1984; 1994; 1996), Koch & Travaglia (1989), Sapata (2005), Santos (2001) e Guimarães (1987).

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(48) João vai comprar comida, assim todos podem almoçar. Conjunção NR: (p1) (fi: (fi: assimConjCoordenativa

(fi)) (fi)) (p2)

Em (46), o item assim introduz um episódio de natureza complexa, uma vez que é constituído

por vários eventos, conforme ilustra a representação no Nível Representacional. Em (47), as

ocorrências de una vez (uma vez que, quando) introduzem episódios, que se organizam de

forma coesa e coerente, indicando as etapas de realização da receita espanhola. Já em (48),

o item assim atua como conjunção coordenativa, estabelecendo a relação de conclusão entre

duas proposições. Como se observa, em todos os casos, os itens em destaque atuam no

Nível Representacional; a diferença é que, em (46) e (47), os itens assim e aí operam na

camada do episódio, e, em (48), o item assim opera na camada semântica da proposição.

3.2. ARTICULAÇÃO DE ORAÇÕES NA G(D)F Como visto nas seções anteriores, os itens lingüísticos assim, já e aí podem atuar na

articulação de orações – coordenação e subordinação –, na medida em que avançam no

processo de GR. Assim, o que apresento agora diz respeito ao modo como a GDF de

Hengeveld & Mackenzie (2008) classificam as relações de coordenação e subordinação.

Para Dik (1997), por exemplo, “a coordenação é uma construção que consiste de dois

ou mais membros que são funcionalmente equivalentes, localizados ambos no mesmo nível

da estrutura por meio de mecanismos (expedientes) de ligação” (p.189). Atualmente, a

concepção de coordenação sofreu algumas alterações, não termos de definição, mas sim em

termos do tipo de unidade lingüística (se unidades que pertencem ao Nível Representacional,

ou unidades que pertencem ao Nível Interpessoal) que pode ser coordenada ou articulada por

um dado elemento conjuncional. Em termos gerais, o processo de coordenação na GDF

segue o mesmo esquema de coordenação proposto em Dik (1989; 1997):

Coordenação

M1 & M2 & ....& Mn

Figura 1. Representação do processo de coordenação (Dik, 1989, p.189)

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em que “CO” representa a coordenação como um todo, “M” representa os membros (n>1), e

“&” simboliza o “mecanismo de ligação” por meio do qual os membros são combinados. Como

o próprio nome sugere, pode haver dois ou mais membros na coordenação. Esses membros

são coordenados no mesmo nível estrutural, o que equivale a dizer que nenhum dos membros

M é subordinado a outro ou dependente de qualquer um dos outros. Eles estão todos em um

mesmo nível de equivalência e são membros iguais da coordenação CO. O “mecanismo de

ligação” pode estar oculto68, casos que Dik (1997) identifica como justaposição, ou pode estar

explicitado69, por meio de um ou mais coordenadores (conjunções, juntivos), que servem para

indicar o tipo de relação coordenativa estabelecida entre os membros e as orações.

Considerando as categorias semânticas do Nível Representacional (HENGEVELD &

MACKENZIE, 2008), os seguintes tipos de unidades lingüísticas podem ser coordenados:

(49) Coordenação de propriedades: (f) e (f) (i) As maçãs são vermelhas (f) e crocantes (f).

(50) Coordenação de indivíduos: (x) e (x) (i) João (x) e Maria (x) foram para Campos de Jordão. (ii) As maças (x) e os pêssegos (x) vieram da Argentina. (51) Coordenação de eventos: (e) mas (e) (i) João foi para a casa (e), mas a Maria ficou na festa (e).

(52) Coordenação de episódios: (ep) e (ep) (i) A mulher chegou em casa (ep), tirou os sapatos (ep) e foi tomar banho (ep). (ii) O desenvolvimento (ep) de uma história e a finalização (ep) de uma casa têm

muita coisa em comum: ambos nunca terminam.

(53) Coordenação de conteúdos proposicionais: (p) porém (p) (i) Joana refletiu bastante (p), porém não conseguiu resolver os exercícios (p).

Em (49), o elemento conectivo e atua na coordenação de duas unidades lingüísticas –

propriedade (f) – do Nível Representacional. Nesse caso, as propriedades “vermelhas” e

68 Confira os exemplos extraídos de Dik (1997, p.190): a. Men, women, children - all ran away in panic. (Homens, mulheres, crianças - todos correram em pânico). b. This only takes five, six minutes. (Isto demora apenas cinco, seis minutos.) 69 Observe esses outros exemplos: a. Men, women and children (Homens, mulheres, e crianças) b. five or six minutes (cinco ou seis minutos)

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“crocantes” são atribuídas a uma entidade de primeira ordem: “as maçãs”. Em (50), o que se

tem é uma coordenação que se estabelece entre dois indivíduos (x), que é uma outra

categoria do Nível Representacional (ver o capítulo I). Gostaria de ressaltar aqui que a

categoria indivíduo, assim como aparece em (50), pode apresentar o traço [+animado], como

em “João” e “Maria”, ou o traço [-animado], como no segundo caso: “as maçãs” e “os

pêssegos”. No exemplo (51), a conjunção adversativa mas estabelece relação de oposição

entre dois eventos (e). Em (52), têm-se dois casos de coordenação que ocorre entre episódios

(ep), que é uma categoria representacional nova, inserida no modelo da GDF, após algumas

discussões sobre eventos discursivos (cf. a seção 3.1.3, do capítulo I). Os exemplos em (52)

mostram que o episódio pode ocorrer na forma de um conjunto de eventos (e) ordenados

conforme uma seqüência temporal, como em (i), ou então na forma de uma nominalização

“desenvolvimento” (que implica várias fases de desenvolvimento) e “finalização” (que também

implica o cumprimento de algumas etapas), como em (ii). Por fim, em (53), a conjunção porém

estabelece uma relação adversativa entre dois conteúdos proposicionais (p).

Esses exemplos constituem apenas uma amostra de como se pode entender o

processo de coordenação com base nos conceitos teóricos da GDF de Hengeveld &

Mackenzie, haja vista a existência de poucos trabalhos funcionalistas publicados no Brasil e

no exterior a partir desse novo modelo de descrição funcional. Para se ter uma idéia, com

exceção do estudo de Oliveira (2008), há somente alguns trabalhos, dentre eles o de

Moutaouakil (2007) sobre as estruturas coordenativas no Árabe e o de Cornish (2005) sobre a

estrutura de eventos e as anáforas no Inglês, que foram desenvolvidos com base na GDF.

Conforme já destaquei nos capítulos I e II, as conjunções coordenativas e

subordinativas também podem articular unidades lingüísticas pertencentes ao Nível

Interpessoal, estabelecendo algum tipo de relação retórica entre as unidades que articulam.

Quando a relação entre essas unidades é de dependência, as funções retóricas expressas

pelo ato subsidiário são: motivação, concessão, orientação e correção (cf. seção 3.1.2.2, do

capítulo I). Exemplos de construções coordenadas no nível pragmático são os seguintes:

(54) Coordenação de atos discursivos: (A) e (A) (i) A: O que aconteceu ontem no baile de formatura? B: A Maria foi embora chorando (A) e o João caiu no meio da pista de dança (A).

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(55) Coordenação de movimentos: (M) mas (M) (i) Alguém sabe quem é Antônio Dias e o que ele representa no cenário brasileiro?

As portas lhe foram abertas por inteiro ao participar do 20º Salão Paranaense de Artes Plásticas, em que não só foi contemplado com a medalha de ouro, como com o prêmio de aquisição de desenho. Assim, a honraria veio acompanhada de dinheiro em uma boa hora. (M)

Mas o mais importante mesmo, foi o contato com a juventude: «Larguei tudo e parti para conhecer gente de minha idade. (M)» (Google)

No exemplo (54), a resposta de B, que constitui um movimento de reação ao movimento de

iniciação de A, consiste de dois atos discursivos (A), unidos pela conjunção e. Segundo Hengeveld

& Mackenzie (2008, p. 59), a relação estabelecida entre os dois atos discursivos em (54) é de

eqüipolência, pois ambas as unidades lingüísticas possuem o mesmo estatuto comunicativo.

Em (55), a conjunção mas estabelece uma relação de contraste (no Nível Interpessoal) entre

dois movimentos, uma vez que cada uma das unidades é comunicativamente definida.

A esse respeito, Moutaouakil (2007) assinala que é possível falar também em casos de

justaposição no Nível Interpessoal, numa relação de independência, como mostra o exemplo (56):

(56) Coordenação de atos discursivos: (A), (A) Mā Zaydun faylasūfan bal să‘irun. (Moutaouakil (2007, p.59) NEG Zayd.NOM filósofo.ACC mas poeta.NOM ‘Zayd não é um filósofo. Ele é um poeta.’

Segundo o autor, no exemplo (56), o processo de coordenação envolve dois atos discursivos

(A), em justaposição, no qual cada um possui o seu próprio contorno entonacional e valor

comunicativo. Nesse caso, não há elemento conectivo e a relação entre os atos discursivos é

de eqüipolência. O que permite a leitura de (56) como um caso de justaposição é que, em

Árabe, o predicativo do verbo da segunda oração să‘irun contém sempre a marca de caso

nominativo nos casos de justaposição. Quando a relação entre duas orações coordenadas é

expressa por meio de uma conjunção, esse mesmo predicativo toma a forma de acusativo.

Nos casos de subordinação, Hengeveld & Mackenzie postulam sempre a existência

de uma relação de dependência entre os atos discursivos articulados pela conjunção:

(57) Subordinação entre atos discursivos: (A1) (A2)Motivação (i) Cuidado (A), porque haverá pegadinhas no exame (A).

Como se pode notar, em (57), o item gramatical porque introduz um ato discursivo subsidiário

(A2), que serve como motivação para a ocorrência do ato discursivo (A1), ou seja, introduz um

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comentário ou uma explicação sobre o ato discursivo expresso na oração principal. Trata-se

de uma relação que se aproxima do uso causal de because descrito por Sweetser (1991,

p.77-78) que opera no domínio ilocucionário da língua (dos atos de fala).

Diferentemente dos casos anteriores, o exemplo (58), abaixo, ilustra um tipo de

subordinação70 que ocorre entre unidades lingüísticas do Nível Representacional:

(58) Subordinação entre eventos: (e1)Temporal (e2) (i) Quando a Maria chegou (e), o Pedro já tinha ido embora (e).

Em (58), a conjunção temporal quando atua no Nível Representacional, entre duas categorias

semânticas, isto é, entre dois eventos [a Maria chegou] e [o Pedro já tinha ido embora]. De acordo

com Hengeveld & Mackenzie (2008), não há casos de quando operando no Nível Interpessoal.

Cabe lembrar que, em (58), a análise realizada é com base na leitura estritamente temporal

de quando. Porém, reconheço que a conjunção quando pode assumir outros valores, tal como

o de concessão em [Ele procura outro trabalho, quando já tem como se sustentar]71.

4. USOS DISCURSIVOS DOS ITENS LINGÜÍSTICOS

Além dos usos de assim e aí como operador aproximativo de subatos referencial e

adscritivo, já apresentados nos capítulos anteriores deste trabalho, e dos usos de assim como

introdutor de Conteúdo comunicado (introdutor de discurso direto), que operam no Nível

Interpessoal da GDF, o Português brasileiro apresenta ainda usos de assim e aí como organizador

de tópico (que operam na introdução, manutenção e finalização de tópico) e marcador discursivo.

O exemplo (59) traz um caso de aí como organizador de tópico:

(59) L1 não tomo [refrigerante]...sabe? a não ser assim dia de domingo...aqui em casa...éh a minha irmã vem um domingo sim um domingo não...ela vem almoçar conosco...e o menino né?...então aí a gente melhora sempre a refeição...né? Coca-Cola...sabe? (DID/RJ/328:763)

Organizador de tópico

NI: (C1: [(RI: refeição)Top (TJ: melhora) (Rl: gente)Foc] (C1))

70 No caso das orações completivas, os estudos Bastos et alii (2007) e Braga et alii (2008) mostram, respectivamente, que os verbos modais/evidenciais e os verbos de percepção no PB podem aceitar diferentes unidades (tanto unidades do Nível Representacional quanto unidades do Nível Interpessoal) como complemento. 71 Exemplo de Maria Helena de Moura Neves.

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133

Na ocorrência (59), ao combinar aí com então, o enunciador tem por meta recuperar

informações dadas anteriormente (POLANYI & SCHA, 1983), fornecendo pistas ao interlocutor

de que está voltando ao assunto desenvolvido antes da digressão. Assim, por apresentar essas

características, acredita-se, com base em Koch (1998), que parte desses mecanismos

lingüísticos pode ser tratada como organizadores de tópico, uma vez que, ao introduzirem um

enunciado e/ou organizarem o universo textual, determinam-lhe a orientação interacional.

Quanto aos demais usos discursivos, há vários trabalhos, em que itens conjuncionais

como porque, então, mas e portanto são definidos como marcadores discursivos. Muitos autores

não fazem distinções entre conjunções, que podem articular tanto unidades semânticas quanto

unidades pragmáticas, e marcadores discursivos, que só podem articular unidades pragmáticas.

Além disso, não há um consenso no que diz respeito aos marcadores discursivos (GUERRA,

2007). As definições dos autores são desencontradas e os conceitos se misturam a ponto de

não se poder distinguir com clareza quais elementos operam verdadeiramente como

conjunções e quais elementos operam como marcadores discursivos. Até mesmo as

abordagens teóricas adotam posturas diferentes em relação à análise dos marcadores, ora

privilegiando a ação desses elementos no nível sentencial ora privilegiando a sua performance

no nível discursivo. O que esses modelos teóricos destacam é que a natureza relacional é uma

característica comum a esses itens. Os exemplos (60) a (62) são listados como MDs:

(60) I was late for my meeting because I over slept. (SCHIFFRIN, 1987, p.132) Eu me atrasei para a reunião, porque eu dormi demais. (61) I think it will fly. Anyway, let's give it a chance. (FRASER, 2005, p. 1) Eu acho ele que vai voar. De qualquer modo, vamos dar uma chance. (62) He was terribly hungry but not a bite did he eat. (ROUCHOTA, 1996, p. 207) Ele estava com muita fome, mas não comeu exageradamente.

Nos exemplos (60) a (62), todos os elementos em negrito estabelecem uma relação conectiva

entre as partes oracionais. São definidos pelos autores como casos de marcadores

discursivos, no entanto, as unidades articuladas pelos elementos conectivos são mais bem

classificadas como conjunções que operam entre proposições (ou eventos). No entanto, para

Schiffrin (1987), por exemplo, os marcadores estabelecem relações de coesão entre unidades

discursivas, como em (60). Já para Fraser (2005), que trabalha dentro de uma perspectiva

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gramatical-pragmática, os marcadores discursivos definem o tipo de interpretação pragmática de

um dado enunciado em ralação ao anterior, como em (61). Diferentemente de Schiffrin e Fraser,

a Teoria da Relevância de Rouchota (1996) postula que os marcadores discursivos também

marcam relações pragmáticas, entretanto, bastante restritas a esse modelo, como em (62).

Para a GDF de Hengeveld & Mackenzie, os exemplos (60) a (62) devem ser

analisados como casos de conjunções que operam no Nível Representacional, na articulação

de proposições (e eventos). Por essa razão, os elementos coesivos acima não são

marcadores discursivos, e sim elementos conjuncionais que articulam unidades semânticas.

Um exemplo de marcador discursivo vem de Koch (2004, p.143):

(63) Inf.: os sindicatos são realmente entidades que têm ... determinados elementos....que são considerados como postos... quer dizer...que são considerados como elementos chaves...dentro da sua estrutura (DID/REC/337:92-96)

Marcador discursivo

NI: (M1: [(A1) quer_dizerMarcadorMetadiscursivo (A2)Ф] (M1))Ф

Em (63), diferentemente de (60-62), a expressão quer dizer atua como marcador

metadiscursivo, cuja função é, ao mesmo tempo, estabelecer a coesão do texto e sinalizar

para o ouvinte a “construção interacional do significado” (KOCH, 2004, p. 144).

5. AVALIAÇÃO

Apresentei, neste capítulo, uma revisão bibliográfica de alguns estudos que trataram

dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, bem como de seus diferentes

usos. Procurei, com isso, apresentar um panorama dos estudos que abordam, sob diferentes

pontos de vista (Lingüística Textual, Semântica Argumentativa e a GDF), a multifuncionalidade

dos itens lingüísticos em análise, que podem atuar em vários domínios funcionais. Mais

especificamente, o que busco fazer é mostrar como a GDF lida com os diferentes usos

expressos pelos itens lingüísticos e como esses padrões de funcionamento são representados

pelo modelo em relação aos níveis e às camadas de organização da linguagem.

Por fim, um outro aspecto importante discutido no capítulo diz respeito às relações

textuais que, para a GDF, podem ocorrer tanto no Nível Representacional quanto no Nível

Interpessoal, ao passo que as relações interacionais ocorrem apenas no Nível Interpessoal.

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135

CAPÍTULO IV

CARACTERIZAÇÃO FUNCIONAL DOS ITENS LINGÜÍSTICOS

ASSIM, JÁ E AÍ NO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO

ste capítulo apresenta uma caracterização funcional dos itens lingüísticos assim, já e aí nos dados do Português falado no interior paulista, a partir dos conceitos operacionais da GR e das categorias semânticas e pragmáticas da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008). A seção 1 traz uma breve introdução ao capítulo. A seção 2 apresenta os resultados quantitativos da análise dos dados. Já a secção 3 traz a representação e a distribuição dos

usos de assim, já e aí nas camadas dos níveis Representacional e Interpessoal. Já a seção 4 apresenta as generalizações dos dados obtidos no presente estudo. Por fim, na seção 5, apresento as trajetórias de GR de assim, já e aí, bem como uma avaliação das questões gerais do texto.

1. INTRODUÇÃO

De posse das questões teóricas discutidas anteriormente, apresento, neste capítulo, a

análise e a interpretação dos diferentes usos dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português

falado do interior paulista, a partir da observação de alguns parâmetros lingüísticos de análise:

(i) tipo de item lingüístico, (ii) papel desempenhado pelo item lingüístico, (iii) nível de atuação,

(iv) camada de atuação no Nível Representacional, (v) camada de atuação no Nível

Interpessoal, (vi) domínios conceituais, (vii) mobilidade sintática e (viii) tipo de texto.

Seguindo, pois, os parâmetros de análise mencionados acima, o objetivo específico é

investigar a trajetória de GR dos itens em análise (seus diferentes usos) no Português

brasileiro e a relevância dos níveis e das camadas de organização da GDF para capturar o

caráter gradual do processo de mudança lingüística experimentado pelos itens assim, já e aí.

O objetivo é checar, como hipótese de trabalho, se de fato o processo de GR desses itens

começa nas camadas do Nível Representacional e termina nas camadas do Nível Interpessoal.

EN

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2. ANÁLISE DOS DADOS Como mostrei no capítulo III, os itens lingüísticos assim, já e aí podem exercer

diferentes funções no Português brasileiro, no entanto, nem todos os usos foram descritos

pelos estudos publicados sobre o assunto (cf. capítulos II e III). Assim, a análise que

apresento, nas próximas seções, alia os conceitos teóricos da GR às categorias semânticas e

pragmáticas da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008), atentando para as diferentes

funções proposicionais, textuais e interacionais expressas por esses elementos.

Da análise de 38 inquéritos que integram o banco de dados IBORUNA (cf.

informações do corpus no anexo I), encontrei a seguinte freqüência de assim, já e aí:

Gráfico 1. Freqüência de assim, já e aí no Português contemporâneo

1199; 41%

417; 14%

1298; 45% Assim

Como se pode observar, os itens lingüísticos assim, já e aí são bastante freqüentes no

Português contemporâneo. Das 2914 ocorrências catalogadas nos 38 inquéritos do

IBORUNA, os destaques são para os itens aí, com 1298 ocorrências (45% do total dos

dados), e assim, com 1199 ocorrências (41% do total dos dados). O item já é o menos

freqüente nos inquéritos analisados, somando apenas 417 ocorrências (14% dos dados).

2.1. PARÂMETROS LINGÜÍSTICOS

A análise de parâmetros lingüísticos tem por objetivo descrever os usos

multifuncionais de assim, já e aí, além de verificar seus graus de GR no Português brasileiro.

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2.1.1. Papéis desempenhados pelos itens lingüísticos assim, já e aí

A tabela 1 apresenta os vários papéis desempenhados pelos itens assim, já e aí no

Português falado do interior paulista, que é representado pelos inquéritos do IBORUNA72:

Itens lingüísticos Tipos de usos assim já aí

TOTAL

Advérbio de modo 134 (11,5%) 2 (0,4%) - 136 Adverbio de tempo - 30 (7%) 9 (0,6%) 39 Adverbio de lugar - - 14 (1%) 14 Advérbio aspectual - 348 (84%) - 348 Advérbio anafórico 260 (21%) 6 (1,5%) 88 (6,5%) 354 Advérbio catafórico 425 (35%) 2 (0,4%) 68 (5,3%) 495 Advérbio relacional 17 (1,5%) - 30 (2,5%) 47 Conjunção coordenativa 8 (0,6%) 10 (2,3%) 49 (3,5%) 67 Conjunção correlativa - - 9 (0,6%) 9 Conjunção subordinativa 8 (0,6%) 2 (0,4%) - 10 Introdutor de ato discursivo - - 127 (9,5%) 127 Introdutor de episódio 4 (0,3%) - 732 (57%) 736 Introdutor de Conteúdo comunicado 145 (12%) - - 145 Operador aprox. de subato referencial 29 (2,5%) - 69 (5,5%) 98 Operador aprox. de subato adscritivo 86 (7,5%) - 14 (1%) 100 Organizador de tópico 35 (3%) 65 (5%) 100 Marcador discursivo 27 (2,5%) - 24 (2%) 51 Marcador de foco - 17 (4%) - 17 Introdutor de movimento 21 (2%) - - 21

TOTAL 1199 (100%) 417 (100%) 1298 (100%) 2914 Tabela 1. Papéis despenhados pelos itens assim, já e aí no Português brasileiro

Basicamente, a tabela 1 mostra, com exceção de assim, que os usos mais concretos

(advérbio de lugar e advérbio de tempo) de aí e já são muito pouco freqüentes no corpus

analisado, não ultrapassando mais que 7% do total dos dados catalogados. Esse resultado

ratifica a hipótese levantada por Bybee (2003) de que itens lexicais (ou itens mais concretos)

tendem a ser menos expressivos na língua do que os itens gramaticais, cuja freqüência é quase

sempre maior. Nesse sentido, a grande quantidade de casos de assim, já e aí exercendo

funções textuais, tais como as de advérbio anafórico, advérbio catafórico, advérbio relacional,

72 Por se tratar de um corpus fechado, com variáveis controladas, alguns usos de assim, já e aí, tais como os usos conjuncionais, não foram plenamente identificados no material de análise, no entanto, eles existem na língua (em outras situações de interação). O uso de assim como conjunção é muito freqüente, por exemplo, na escrita.

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conjunção e introdutor de episódios é mais uma outra evidência de que esses elementos

estão se gramaticalizando no Português brasileiro. Além disso, os usos de assim, já e aí como

introdutor de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de subatos referencial e

adscritivo, organizador de tópico e marcador discursivo são alguns dos casos que apontam

para o desenvolvimento de funções mais discursivas para esses itens, corroborando a

proposta de GR de Traugott (1982), Traugott (1995, 1999) e Hopper & Traugott (1993).

Entre os usos gramaticalizados de já, o que mais se destaca é o uso como advérbio

aspectual, que responde por 84% (348/417) do total de ocorrências desse item no corpus.

Nesse caso, pode-se observar que a freqüência de já como advérbio de tempo, que é o uso

mais concreto a partir do qual os demais usos derivam, é bem menor do que a de advérbio

aspectual. Dentre os usos discursivos, o que mais se destaca é o de marcador de foco, que

geralmente aparece nos contextos em que esse elemento se assemelha a um afixo/clítico.

No caso de assim, as funções textuais mais recorrentes são as de advérbio

catafórico, com 35% (425/1199) dos dados e advérbio anafórico, com 21% (260/1199) dos

dados analisados. Com relação ao item aí, os usos mais recorrentes são também os de

advérbio anafórico, com 6,5% (88/1298) dos dados, advérbio catafórico, com 5,3% (68/1298)

e conjunção coordenativa, que soma um montante de 3,5% (49/1298) do total de dados. O

grande destaque, porém, é para os casos de aí como introdutor de episódios (cf. capítulo I),

que contabilizam 57% (732/1298) do total de ocorrências analisadas no IBORUNA.

Com relação às funções discursivas (ou funções interativas), o que se observa na

tabela é que os usos mais freqüentes são os de introdutor de Conteúdo comunicado, operador

aproximativo de subatos referencial e adscritivo e organizador de tópico. No tocante à

freqüência dos itens assim, já e aí, em relação às funções que exercem na língua, o item

assim é o grande responsável pelos usos como introdutor de Conteúdo comunicado, com 12%

(145/1199) dos casos, visto que esse uso não integra o rol de funções expressas pelos itens

já e aí, que estão mais relacionados a outras funções nos domínios textual e interacional do

Português brasileiro. O item assim ainda é responsável pela grande maioria de casos de

operador aproximativo de subato adscritivo, com 7,5% (86/1199) das ocorrências, e marcador

discursivo, com 2,5% (27/1199). O item aí, por sua vez, é importante com relação aos casos

de operador aproximativo de subato referencial, somando 5,5% (69/1199) dos dados.

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Correlacionando os diferentes usos de assim, já e aí com as camadas e os níveis de

organização da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008), nota-se que os usos mais

concretos, que pertencem ao domínio do conteúdo (SWEETSER, 1991), e os usos textuais

estão situados nas camadas semânticas do Nível Representacional, enquanto os usos mais

discursivos, tais como os de introdutor de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de

subatos referencial e adscritivo, organizador de tópico, marcador discursivo, marcador de foco

e introdutor de movimento, estão situados nas camadas pragmáticas do Nível Interpessoal, o

que atesta a expansão do escopo desses elementos em direção ao componente pragmático,

isto é, em direção à dimensão comunicativa do falante/ouvinte. De acordo com Traugott

(1982), esses usos se distribuem perfeitamente entre os três domínios funcionais

(proposicional > textual > discursivo) que compõem a sua proposta de análise.

As ocorrências em (1), a seguir, exemplificam os vários papéis desempenhados pelo

item lingüístico assim no Português falado do interior paulista:

(1) a. Doc.: e depois como que faz pra amarrá(r) a linha? Inf.: pra amarrá(r) a linha? Doc.: isso Inf.: cê pega um pedaço de linha assim... ((mostra o tamanho da linha com as

mãos)) amarra lá encima lá no bico dele... lá embaixo cê amarra cê amarra a rabiola... aí cê faz um nozinho assim lá... aí vê se tá cer::to pertinho da vareta uns dois três dedo... se tivé(r) certinho... cê amarra a linha lá no nozinho que cê deu e ergue (AC-007; RP: L. 110-116)

b. Inf.: ah ele me conta bastante coi/coisas assim ele era muito namora[do::r]5 né?...

gostava de:: gostava não gosta até hoje né? de jogar bo::la... é::... contava às vezes conta das ex namora::da (que ele tinha) namora::do... até uma vez ele falou que a única pessoa que ele quis ter alguma coisa séria foi comi::go né? essas coisas assim ele sempre conta (AC-064; NR: L. 49-52)

c. Doc.: 8[é?]... como que cê faz pá lavar assim o tapete? Inf.: o taPE::te? eu estendo ele no chão jogo sabão em pó... esfrego bem enxáguo ele

numa aguinha de Confort... enxáguo... de novo e ponho no varal... (AC-032; RP: L. 174) d. é um lugar é um lazer [casa da avó] assim né você se sente bem porque é uma cidade

calma num tem briga num tem aquelas coisa que a gente tá acostumado aquele movimento sabe e assim eu acho impressionante porque sempre que eu vou prá cidade da minha avó tem velório sabe (inint.) morreu alguém porque a minha vó a casa da minha vó é de fundo/ o velório fica no fundo da casa da minha vó né então sempre que a gente chega lá vê aquela plaquinha de impedido (AC-048; DE: L. 236-265)

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e. pra mim ele se tornô(u) que nem um::... Darth Vader né? que::... que se/ que era um::... um herói né? e se transformô(u) num::... no cara do mal né?... fez tudo isso aí... no fim eu fui sabê(r) né? que::... a família da menina é muito rica né?... muito rica mesmo muito poderosa que acho que se descobrisse quem era com certeza ele estaria elimiNA::do né?... porque eu acho que:: tem j/ tio juiz::... acho que/... tios delega::do… promoTOres né?... são família da ALta sociedade daqui de São José do Rio Preto né?... e::... assim eu dei um::/ foi até um alívio assim que num ficaram saben(d)o né? porque se/ com certeza ele estaria morto... e eu ficaria triste pela mãe dele né?... que eu conheço a mãe de::le conheço o pai de::le... né?... e:: tam(b)ém pelo um/ por uma outra amiga minha que namora ele né? (AC-069; NR: L. 82-111)

f. Inf.: ah!...eu vou falar como que faz brigadeiro...porque é uma das únicas coisas que

eu sei fazer...((Inf. fala rindo))então primeiro ((Inf. fala rindo))...eu tenho que...eu vou no mercado...pra comprar...o leite condensado...a manteiga...e o achocolatado...daí em casa...coloco tudo numa panela...uma lata de leite condensado...uma colher de manteiga...e três colheres de achocolatado...é::...fica mexendo...com fogo baixo...aí mexe até cansar... assim que desgrudar da panela eu coloco numa outra vasilha...e deixo esfriar na geladeira...demora...coisa de DEZ minutos... (AC-018; RP: L. 104)

g. Inf.: [uhum]8 tá uma comida que eu sei fazer bem é é arroz temperado... então eu

faço assim... é:: compro os legumes na feira né? arro/é:: batati::nhá ceno::ura va::gem a ceboli::nhá... o fra::ngo e costumo fazer tudo em panela separada...cozinho batata separa::da o mi::lho tudo separadinho depois que o coz/já faço o arroz arroz branco... com sal alho... normal...depois eu frito o frango faço frango frito:: né? frito o frango aí depois é você né? [...] põe o tempero que você quiser sa::l óleo...é:: alho ceboli::nhá (AC-064; RP: L. 147-153)

h. meu filho costuma conversar com ela pelo:: pela internet na lan house [Doc.: lan

house ((concordando))] e:: e ele conversando com ela né e conversando com uma prima minha e:: de repente eles parou de conversar com a mi/ com minha irmã e começou falar com a minha prima e minha irmã brava com ele perguntando pra ele –“com quem você tá falando”– aí ele falou assim –“eu tô falando com a Tami::res”– aí falou assim –“ah! tá”-- aí ele pegou falou assim –“ah! em Rio Preto”– porque nós estávamos em Fernandópolis na casa da minha mãe aí ela/ ele falou assim –“não ela tá no outro computador aqui atrás”– aí ela ficou MUITO macha porque ela é de Goiás fazia muito tempo que num conversava com e::le e ele em vez de conversar com ela não tava conversando com a outra que tava ali (AC-078; NR: L. 89-100)

i. entrei no carro começô(u) a doê(r) MAIS ainda chamo/ aí a gente chamô(u) minha

mãe pra me levá(r) no Hospital Santa Helena... lá no Santa Helena num tinha ninguém pra me atendê(r) aí eu fui na Beneficência... aí lá me trataram bem:: co/ perguntaram tu::do que tinha aconteci::do... e eu fui falan(d)o... aí colocaram um::...cervical alguma coisa assim sabe?... então aí eu fiquei... lá na:: me deram so::ro me deram um monte de coisa pra mi/ mim tomá(r)... aí foi isso (AC-009; NE: L. 38)

j. Doc.: e o da sua mãe? Inf.: o da minha mãe::... eu num sei o nome daquela cor mas acho que é salmão ou

algo 11[assim... é::] 11[Doc.: aham ((concordando))] é:: bonito lara/la/chama... a.../ a parede mais escura acho/ É:: quase laranja assim SEMpre TEM as paredes mais CLAras e depois a esCUra (AC-010-DE; L. 217-221)

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l. Doc.: e assim com relação aos filhos do senhor alguma situação... que eles já passaram que o senhor já tinha me dito que ia falar que co/ eles e eles contaram pro senhor e o senhor num esqueceu assim o senhor pode tá falando (AC-101; NR: L. 79-81)

m. Doc.: F. cê já... VI::U assim particiPÔ::(U) de alguma BRI::ga alguma coisa... que

marCÔ(U)?... pode falá(r) pra gente? (AC-010-NE; L. 46) – marcador metadiscursivo n. Doc.: sabe o que eu queria que cê me contasse também se puDESSE como foi/

como você conheceu seu… 2[atual] namorado… Inf.: 2[namorado?] ahn… éh:: foi assim eu tava numa casa de uma colega MINHA…

aí ela falou assim que tinha que apresentar uns menino queria apresentar uns menino aí no meu dos menino tava ELE aí foi assim amor à primeira vista… [Doc.: hum] aí:: ele pegou e pe/pe/ perguntou se eu queria ficar com ele eu falei que eu queri::a a gente começou ficar naquele dia aí passaram uns dois meses a gente num se viu mais… [Doc.: hum] aí do nada eu encontrei ele assim aí a gente começou ficar de novo ele pediu eu em namo::ro e a gente tá até ho::je (AC-034; NE: L. 15-24)

Como se pode observar, o item assim desempenha diferentes papéis no Português brasileiro,

que inclui desde aquelas que se situam no domínio do conteúdo até aquelas que se situam no

domínio conversacional da língua. Em (1a), por exemplo, o item assim atua como advérbio de

modo (dêitico), fazendo referência à situação enunciativa da língua. Trata-se de uma leitura

que é comprovada pelas próprias regras de transcrição da entrevista, que trazem a

informação de que o informante faz gestos com as mãos para se referir ao tamanho da linha.

Em (1b), o que se tem é um caso de assim que atua como advérbio anafórico, fazendo

referência a uma informação mencionada anteriormente [as coisas que o marido fazia quando

era mais novo, das namoradas que teve no passado]. Em (1c), diferentemente de (1b), o item

assim funciona como advérbio catafórico, referindo-se a elementos que estão a sua direita ou

que ainda serão inseridos no texto. Nesses dois casos, o uso como advérbio fórico representa

uma expansão na funcionalidade desse elemento em direção a domínios mais abstratos.

Em (1d), tem-se um caso de assim, denominado advérbio relacional, que opera no

estabelecimento de relações semânticas entre duas orações. A opção por usar essa

terminologia se justifica exatamente pela própria composição de assim como conjunção, que

geralmente aparece ao lado de uma outra conjunção coordenativa, e também pelo próprio tipo

de relação que se estabelece entre as unidades articuladas, que tende a ser mais frouxa.

Retomando aqui a noção de continuum entre as categorias lexicais e gramaticais, o uso de

assim como advérbio relacional constitui um uso intermediário, que fica entre os casos de

advérbio anafórico e advérbio catafórico e os casos de assim como conjunção de

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142

propriamente dita (prototípica). Nesse caso, o item assim, em conjunto com a conjunção

aditiva e, estabelece uma relação semântica de conclusão entre duas unidades lingüísticas: a

cidade é calma, tranqüila, por isso ela é impressionante, agradável. Em (1e), por outro lado, o

a conjunção aditiva e não participa do processo de coordenação, tanto que o seu uso é mais

discursivo do que semântico. Nesse exemplo, o item assim opera sozinho como conjunção

coordenativa conclusiva/explicativa: a sensação de alívio do informante está associada ao fato

de a família da filha seqüestrada não ter descoberto que o responsável pelo crime era seu

amigo. Já em (1f), o que se tem é um uso de assim que integra a perífrase conjuncional assim

que, num processo que é comum na língua, e estabelece a relação semântica de tempo entre a

oração principal [eu coloco numa outra vasilha] e a oração adverbial [desgrudar da panela].

Na ocorrência, em (1g), o item assim atua como introdutor de episódios, que, no texto

(relato de procedimento), são representados por eventos que aparecem numa seqüência

coerente e temporalmente marcada, isto é, não ocorrem de forma aleatória. Ademais, a

presença de vários elementos seqüenciais no texto (que demarcam tempo), tais como depois

que, depois, aí depois e aí, reforçam ainda mais a tese de que as unidades introduzidas por

esses elementos são episódios (eventos) e não proposições ou unidades discursivas. Embora

a função de introdutor de episódios possa ser atribuída às ocorrências de assim, como mostra

o exemplo (1g), ela tende a ser muita mais expressiva nas ocorrências do item aí.

Em (1h), o que se nota é um uso de assim como introdutor de Conteúdo comunicado,

que é muito recorrente nos inquéritos do IBORUNA. Trata-se de um uso em que o item assim

introduz um discurso direto de algum participante do discurso, isto é, introduz aquilo que foi

falado pelo participante do processo interacional. Em outros termos, em contextos como

esses, o item assim indica a fonte da informação presente no conteúdo que é comunicado ao

ouvinte. É um caso que se assemelha ao que Hengeveld & Mackenzie (2008, 2009) e outros

autores chamam de elemento reportativo (que reporta a informação comunicada). Assim,

considerando as diferenças existentes entre categorias semânticas e categorias pragmáticas,

analisar ocorrências como (1h) apenas como casos de catáfora não seria suficiente, pois,

além dessa propriedade fórica, o item assim introduz uma unidade que é definida

pragmaticamente, no que diz respeito à relação entre falante e ouvinte. No trecho em (1h), as

quatro ocorrências de assim introduzem casos de Conteúdos comunicados.

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143

Dois outros usos discursivos de assim encontrados nos materiais do IBORUNA são

os que fazem menção aos subatos referencial e adscritivo que compõem os Conteúdos

comunicados, que são os operadores aproximativos de subatos referencial e adscritivo. Em

(1i), tem-se um caso de operador aproximativo de subato referencial, uma vez que o operador

assim atua anaforicamente sobre um sintagma nominal, conferindo-lhe um significado

aproximado do conteúdo contido nessa estrutura ou do conteúdo que esse elemento deveria

conter: é um operador cuja função é demarcar a inexatidão ou falta de conhecimento com

relação ao significado expresso pelo subato referencial (é equivalente a mais ou menos). Já em

(1j), tem-se um caso de operador aproximativo de subato adscritivo, visto que o operador assim

atua sobre um sintagma adjetival (definido como propriedade atributiva), conferindo-lhe

também um significado aproximado da informação contida no subato: a cor da parede do

quarto da mãe é semelhante ou parecida com a cor laranja (mais ou menos laranja).

Em (1l), o item assim opera na organização tópica, mais especificamente, na inserção

de um novo tópico discursivo [alguma coisa que tenha acontecido com os filhos do informante]

no processo interacional. Nos termos da GDF, usos como (1l) estão ancorados na camada

pragmática do Conteúdo comunicado, que pertence ao Nível Interpessoal. Além desse

contexto, assim pode ainda atuar na manutenção do tópico ou, então, no seu fechamento.

Entretanto, o primeiro uso – o de introdutor de tópico discursivo – é o que mais se destaca no

corpus de análise, enquanto os demais usos são mais característicos do item aí. Cabe

destacar aqui também o uso de assim como marcador discursivo, como em (1m). Nesse caso,

assim opera como um marcador metadiscursivo, justamente pelo fato de atuar sobre a

reconstrução ou reformulação do próprio discurso. Em (1m), assim é usado para reformular e

substituir um termo [viu] inserido inicialmente pelo documentador da entrevista por um outro

termo [participou]. Esse item é semelhante a outros marcadores metadiscursivos, como ou

seja, isto é, quer dizer, por assim dizer, etc (cf. KOCH, 2004), que também são muito

recorrentes nos textos de língua falada e importantes para a estruturação da interação.

Por fim, um outro uso discursivo de assim identificado no corpus é o de introdutor de

movimento (cf. capítulo I), que, como mostrei em outros capítulos, é a maior unidade de

interação que pode ser sistematizada em um modelo de gramática funcional. Em (1n), pode-

se observar a presença de dois movimentos, um que possui a função retórica de iniciação (que

é proferido pelo documentador) e outro que possui a função retórica de reação (proferido pelo

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informante). Nesse caso, o item assim atua na introdução do movimento de reação, que é a

resposta que o informante dá para o comando (pergunta) do documentador. É importante

ressaltar que, em (1n), o movimento de reação é composto por vários atos discursivos. Embora

a distinção entre movimentos e episódios não seja algo tão evidente no interior da GDF, em

especial quando se trata de língua falada, um aspecto essencial que deve ser observado

nesses contextos é a presença de funções retóricas (de iniciação, reação e avaliação) que

estão sempre presentes nos casos que são de movimento. Ademais, utilizando os conceitos

de subjetividade e intersubjetividade de Traugott (1999, 2003), é possível dizer que os casos

de movimento estão mais relacionados a contextos subjetivos e intersubjetivos, enquanto os

casos de episódio estão mais relacionados a contextos objetivos (sem avaliação do falante).

As ocorrências em (2) exemplificam os usos de já no Português brasileiro:

(2) a. Inf.: [...] minha casa é um sobradi::nho... pequeno que tem uma garagem (ampla) que cabe três carros... do lado tem um corredo::r entran(d)o você já vê uma sala... com ra::ck e sofá... logo depois tem/ vem uma cozinha... (AC-008-DE; L. 99)

b. Inf.: eu num sirvo pá falar muito né sempre:: converso pouco mas os filho já

acostumaram comigo desse jeito e entende bem...4[minha esposa] (AC-121; DE: L. 121) c. nenhum jogador interfere ele a:: a arremessar a bola esse lance livre é mais ou

menos de três metros da cesta ele fica... sozi::nho aí ele arremessa aí essa::/ esse... esse arremesso seri::a/ vale apenas um ponto... e o basquete precisa de muito treino mesmo como eu já di::sse treinar diariamente mesmo... pra treinar o o arreme::sso treina::r... todos os fundamen::tos e todas as regras que:: é:: no no caso é muito complexo por causa di::sso o basquete... (AC-055; RP: L. 150)

d. Inf.: três dias antes do Natal ele tem três filhos e... tem tem duas duas moça e um

moço lá já é um rapaz já de uns de uns:: trinta e oito anos mais ou menos e a mulher dele foi embora e ele ficou desesperado então É uma pessoa muito bem relacionada na sociedade [...] (AC-137; NR: L. 72)

e. Doc.: ah e:: nem conta nada 22[que ela gosta de alguém]?… Inf.: 22[ne::m conta] agora já minha outra irmã...fala tudo?… (AC-017; NE: L. 94) f. Doc.: dona Mar:ia eu gostaria que a senhora me descreVEsse assim como que é a

cidade aqui de Cedral já que a senhora nasceu aQUI viveu aQUI éh a senhora conhece bem a cida:de como que é a cidade aqui de Cedral? (AC-142; DE: L. 87)

g. Inf.: 3[É::]... ai eu tenho tipo uma tia que ela já foi pra Cu::ba... isso já faz um tempo

já... ela foi pra CU::ba era pra pra mim tê(r) ido jun::to só que meu pai diz que num quis porque a gente era muito novo...(AC-010-NR; L. 139)

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Diferentemente de assim, que desempenha vários papéis nos dados analisados do Português

brasileiro, o item lingüístico já apresenta um número bem menor de funções nos inquéritos

analisados. Em (2a), por exemplo, o item já atua como advérbio de tempo, que, por sua vez,

está situado no campo dêitico do falante/ouvinte. Nesse exemplo, o item já pode ser

substituído ou parafraseado por um outro advérbio de tempo, tal como o advérbio logo. Em

(2b), o que se tem é uma ocorrência de já como advérbio aspectual, que é o uso mais

recorrente em todos os inquéritos selecionados do IBORUNA. Nesse caso, o advérbio

aspectual já indica a anterioridade a um ponto esperado do evento, ou seja, a ação de se

acostumar com o jeito do pai ocorre antes das expectativas dele. Quanto à ocorrência (2c), o

que se observa é um uso ambíguo de já que se projeta entre os casos de advérbio aspectual,

advérbio anafórico e advérbio catafórico. Ao mesmo tempo em que indica a conclusão de uma

ação (no passado), o item já experimenta também um movimento retro-propulsor.

Em (2d), tem-se um caso de já que opera como advérbio catafórico, fazendo

referência à expressão “de uns trinta e oito anos mais ou menos”. Novamente, o que se

verifica é conservação de alguns traços de advérbio aspectual em (2d), aspecto que é visto

nesse trabalho como positivo, uma vez que propicia a continuidade do processo de GR. Em

(2e) e (2f), há dois casos de já conjuncional que se diferenciam no tocante ao processo de

articulação: em (2e), o item já conjuncional atua como conjunção coordenativa

adversativa/argumentativa, ao passo que em (2f) o item já conjuncional, que integra a

perífrase conjuncional causal já que, atua como perífrase conjuncional subordinativa.

No tocante à ocorrência (2g), pode-se dizer que o item já parece atuar como marcador

de foco, conferindo ao subato adscritivo “um tempo” maior saliência e destaque no contexto.

Nesse caso, a posição de já é sempre fixa, aparecendo depois de um sintagma nominal,

adjetival, etc. Trata-se de um uso diferenciado dos demais casos, exatamente por conta da sua

opção pela posição pós-verbal e também pela estrutura morfossintática de repetição, cujo

recurso é muito freqüente em línguas exóticas e indígenas para focalizar alguma informação.

As ocorrências que apresento, agora, são referentes aos usos do item aí: (3) a. Inf.: ... as janelas de madeira ainda... as portas de duas folhas também de madeira...

bem::... simples... meu pai pagava aluguel... dePO::is... passado uns anos meu pai alugou essa casa da FRENte que eu morava aí... aí só que quando eu mudei pra cá... a rua ainda era terra... não tinha asfalto... era terra ainda... mas era simples também... tudo o quintal de terra... (AC-098; DE: L. 165-170)

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b. Inf.: éh eu num tenho uma história não é um caso verdaDEiro que aconteceu... um amigo da gente um aluno daqui dessa Faculdade de Medicina então a gente ficou muito... éh:: chateado por um aciDENte... que houve com um ônibus da da Cometa num sei se você tá lembrada... que morreu... um pessoa::l né e e:: infelizmente tinha um colega um amigo da gente junto né na na::... que TAva nesse ônibus né e e essa pessoa foi difícil éh:: ser reconhecida... éh: la no no local do acidente... SÓ conseguiram reconhecer ele dePOIS que ele estava com uma caixa de LÂmina... aqui da Faculdade de Medicina que ele levava pra São Paulo... final de semana pra ele poder estuDAR... pra pra:: fazer as PROvas... na na semana seguinte aqui na faculdade né... e:: ele só reconheceram esse aluno através dessa caixa de lâmina... né... que:: tinha a:: a:: o:: o nome da da nossa faculdade né que isso foi uma co/ e o RESto do pessoal... eles tiveram MAIS dificuldade pra reconhecer... as vítimas né e:: nesse caso AÍ foi enterrado gente... com nome de outras pesso::as (AC-101; NR: L. 65-77)

c. Inf.: eu coloco meia lata de leite condensado... e meia de leite de vaca... [Doc.:

hum]...e coloco no fogo prá... e vou mexendo prá dissolver e:: dar uma amornada Doc.: não vai açúcar... aí? Inf.: não porque o leite... Leite Moça já é hiper doce né [Doc.: aham] Inf.: aí você jo::ga que ele vai... ele vai::... penetrar no bolo... aí cê joga basTAN::te

coco ralado em cima né... tá aí o bolo de preguiÇOsa... super gostoso... se não tiver o leite o condensado e nem o... num quiser fazer essa cobertura... prá comer com café também ele fica muito 55[gostoso]

Doc.: 55[sem a] cobertura fica bom? (AC-110; RP: L. 357-385) d. Inf.: bom... [...] eu vô(u) começá(r) do começo... bom meu pai e minha mãe saíram à

noite e me deixaram na minha tia c/ junto c’o meu irmão... e cê sabe a/ aquelas eles saíram seis e meia e seis e meia é aquela hora que todo mundo éh:: sai do servi::ço... tá tudo mundo mu/ muito cansa::do che/ queren(d)o chegá(r) lo::go com fo::me em ca::sa... e aí:: tem mais risco de acontecê(r) um acidente... e foi o que aconteceu... meu pai e minha mãe... estavam:: éh:: indo na avenida Bady Bassi::tt... esquina com a Amara::l do lado do Pastorinho... (AC-008-NR; L. 38-74)

e. Doc.: 1[cê (pôs) pa vendê(r)?]

Inf.: eu vendi::a e eu perdi um pou/ eu perdi fiquei deven(d)o uma (parte) de dinheiro po cara lá... aí eu tive que roubá(r) pa pagá(r) (AC-025-NE; L. 12)

f. todo mundo vai achar ah liberou pra comprar vou comprar uma arma todo mundo vai

querer comprar arma e é perigoso também porque se você vota não aí numa briga de acidentes lá o:: um familiar seu morre só porque:: no trânsito tava reclamando com o carro é complicado nenhuma dos dois é correto porque se você vota pra proibir as pessoas que vendem éh:: que vive disso de vender arma elas vão vender depois pra pra traficante porque elas não vão poder elas vão começar vender ilegal porque elas num:: num podem vender legalmente (AC-045; RO: L. 297-312)

g. Doc.: M. eu gostaria que você me conta::sse alguma coisa que aconteceu com

você:: algum fato que marcô(u) nu/ você:: de alguma maneira Inf.: olha... quando eu tinha treze ano de idade... eu viajava muito eu ia mui::to pa

casa da minha tia ficava lá:: passeava curtia e era:: muito novinha num tinha nem treze ano doze ano praticamente... aí eu conheci meu primo meu primo foi mui::to legal comigo foi uma pessoa muito boa eu gostava MUIto dele... aí ele foi me cativan(d)o num tanto... que em vez d’eu gostá(r) dele como primo eu gostei dele

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como homem ((risos))... aí a gente namorô(u):: a gente passeava jun::to só que a minha tia num queria o namoro… ela::... ela era con::tra porque eu era prima de::le... e ela era minha tia ele era meu primo por primeiro grau entendeu?... então:: num deu::... num deu certo... ele pegô(u) ele gostava mui::to de mim só que aí um:: lindo dia... eu fiquei/ eu tavo tão triste naquele dia foi o dia do meu aniversá::rio... ((vozes ao fundo)) eu tavo::... todo mundo comemorô(u)::... foi aquela fes::ta... aí ele chega com outra de mão dada... na minha frente... isso pra mim foi... o pior dia da minha vida... foi um dia que eu nunca vô(u) esquecê(r)... aí tava meus familia::res tava minha mã::e aí minha mãe olhô(u) assim:: num gostô(u):: ninguém gostô(u) do que ele fez... porque todo mundo sabia que a gente tinha né?... um namo::ro a gente fiCAva muito... só que aí num deu certo na hora que eu vi ele c’a moça aí eu... o ani/ o meu aniversário acabô(u) naquele dia pra mim... foi o dia mais terrível da minha vida foi aquele dia... aí no outro dia ele tentô(u) se explicá(r) só que aí num deu certo mais… ele começô(u) a falá(r) – “ai eu num tenho nada com ela eu tô fican(d)o com ela” – eu falei – “não não não nós dois num dá mais certo” – aí:: tudo bem passô(u) eu voltei embora pa minha casa... porque eu::... todas minhas férias eu ia pra lá... aí quando eu voltei eu fiquei saben(d)o que a menina tava grávida... então num deu mais certo... aí ele falô(u) pra mim/ ele já tava moran(d)o com e::la praticamen::te nós dois num deu certo... aí eu falei pra ele assim – “olha vévi tua vi::da seja feliz... que eu vô(u) tentá(r) sê(r) feliz do meu jeito do meu modo” – aí desde aquele dia... acabô(u)... eu vim embo::ra e ele ficô(u) (AC-068; NE: L. 6-27)

h. Doc.: F. sabe uma hisTÓria assim que alguém:: te contô(u) cê não pode tê(r)

participado sabe? pode sê(r) uma fofoca assim de aMI::ga... ou às vezes alguma coisa que aconteceu com seus pa::is alguma coisa que alguém te contô(u) tá jóia?

Inf.: ah:: a M. já me contô(u) alg/ umas coisas aí... tipo a gente a gente foi no baile jun::to tal... mas:: a gente chega LÁ a gente fica lá dançan::(d)o e ela some... aí depois no final do baile ela vem tipo ela fala que vem me contan(d)o as coisas... daí:: ela:: me falô(u) que:: ela FOI ela ela era a fim de beijá(r) un::s menino lá... que faz academia junto com a GENte... daí:: primeiro ela foi e::... tipo ela começa a dá(r) indiREta nos moleque ((cachorro late))... (AC-010-NR; L. 93-110)

i. Doc.: hum... tá e assim alguma história dos ne::tos do senhor na esCOla assim que os filhos... do senhor conta assim como que é os netos do senhor na escola assim eles... eles já estu::dam como que é

Inf.: esTUdam tenho uma:: tenho duas neta tenho uma neta que já se/ já casou né e tem outra mocinha tá com uns qui/ quinze ano... e tem o o:: irmão delas deve tá com dez ano por aí... ele gosta de desenhar... precisa ver os desenho que ele faz desenha cacho::rro desenha (inint.) que é a mãe de::le [Doc.: uhum] ele tem DOM de desenhar é um menino esse moleque precisava:: entrar numa escola aí de... de arte né pra... (inint.) ((os carros atrapalham novamente)) (AC-121; NR: L. 95-99)

j. Inf.: ah! sei uma... eu e meu primo E. [Doc.: uhm] nós tava jogan(d)o videoga::me

[Doc.: ham] só que a fita num era ne::m DELE... do amigo dele... aí nós pegô(u) lá colocô(u) lá ficô(u) jogan(d)o jogan(d)o jogan(d)o jogan(d)o... deu um piriPAQUE lá na fita do menino [Doc.: uhm] depois o menino... foi lá e falô(u) assim –“o E. cadê minha fita?”–... hum –“suMI::U”–

Doc.: e aí? o menino ficô(u) bravo? Inf.: não agora o menino NE::M LEMbra mais que ele tem aquela fita Doc.: tem mais alguma histori::nha que aconteceu com vocês ou não? Inf.: tem.... eu tava... nessa última vez que eu fui agora né? [Doc.: ham] eu fiz um

pipa lá eu e meu primo (AC-007-NE; L. 10-31)

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l. Inf.: a::migo meu...ele me contou uma história aí que deu até rolo né?...prá ele...foi assim a filha do pastor...[Doc.: hum ((concordando))] tava…namorando escondido com o:: o baixista...eu num tava sabendo né? esse moleque que... que me contou tudo isso aí... e esse moleque gostava dela...e aí que aconteceu ele gostava dela o outro começou namorar na/a namorar escondido e ela ficou sabendo que ele:: que ele gostava dela aí ficou aquele clima ruim né?...e aí eu falei – “Renan que cê vai fazer agora?”– aí:: ele falou – “num sei né?” – aí:: aí aí foi embora aí ele tentou a voltar a amiza::de e ela ficou com os dois ao mesmo tempo num dia só…

Doc.: virgem... aí é chato hein?… Inf.: e aí foi mas é porque o pai dela proíbe né? 17[e ge]ralmente quem proíbe sempre

faz escondido...e aí...tanto que domingo retrasado ele descobriu né?... e:: ele proibiu os dois...de conversar de (telefonar) um pro outro e ela não quando quando acaba o culto ela não pode (sair) da igreja ela tem ficar lá dentro e agora eles fica lá lá dentro e:: esse amigo meu conta tudo pra mim… (AC-017-NR; L. 59-72)

À semelhança de (1a) e (2a), na ocorrência (3a) o item aí atua como advérbio locativo, ou

seja, como advérbio dêitico, cujo significado é tido como o mais concreto em relação aos

demais usos de aí, em que o significado tende a ser mais gramatical. Em (3a), o item aí

funciona como argumento do verbo morar, cuja estrutura é de uma predicação. No entanto,

em (2b), o item aí se distancia de sua posição argumental para operar como advérbio

anafórico, no plano textual, ampliando, portanto, o seu domínio funcional. Nesse exemplo, o

item aí faz referência anafórica ao trecho do texto em que se fala do acidente envolvendo um

ônibus da viação Cometa. Em (2c), por sua vez, o que se tem é um caso de aí que atua como

advérbio catafórico, que nitidamente faz referência à expressão “o bolo de preguiçosa”.

Em (2d), tem-se um caso de aí que funciona como advérbio relacional. Nessa

ocorrência, o advérbio relacional aí atua entre dois conteúdos proposicionais, estabelecendo

uma relação semântica mais frouxa de conclusão. Cabe observar que os usos de aí como

advérbio relacional são diferentes dos usos de aí como marcador discursivo, exatamente por

causa do tipo de relação semântica que um advérbio relacional pode estabelecer entre duas

unidades representacionais, ao passo que os marcadores discursivos podem atuar em outros

contextos sintáticos e exercer diferentes funções (tanto funções textuais quanto funções

interacionais). Assim, em (2d), a relação semântica que se estabelece entre os dois conteúdos

proposicionais permite a seguinte leitura: a canseira do motorista pode levar a um acidente.

Na ocorrência (2f), o que se observa é um uso de aí como parte de uma construção

correlativa, do tipo se P...aí Q, operando entre dois conteúdos proposicionais. Portanto, trata-

se de um uso que atua em uma das camadas semânticas do Nível Representacional.

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Um uso de aí que é muito freqüente nos dados do IBORUNA, mais especificamente

em narrativas de experiência e narrativas recontadas, é o de introdutor de episódios. Como

dito anteriormente, duas das principais características do episódio são a coerência e

seqüencialidade temporal, que certamente estão presentes na ocorrência (2g), em que o

papel de aí é introduzir vários episódios que formam, de maneira coesa e seqüencial, um

evento discursivo maior. De forma resumida, os episódios podem ser entendidos como blocos

textuais que apresentam os seguintes aspectos: a ordem cronológica dos fatos narrados (uma

coisa depois da outra), a coesão que aparece refletida nos usos de assim, aí, então, depois e

outros elementos, a presença de marcadores temporais absolutos (ou então a possibilidade

de serem parafraseados por marcadores do tipo ontem, no outro dia, de manhã, à noite, etc) e

também a coerência textual, que se faz presente na unicidade do assunto narrado. Dessa

forma, a diferença entre o episódio, que é uma categoria semântica, e o tópico, que é uma

categoria pragmática, reside basicamente no tipo de unidade a que um item lingüístico se

associa. O episódio é sempre composto por eventos (que são entidades que podem ser

situadas no tempo e no espaço), enquanto o tópico constitui a entidade sobre a qual se fala,

que, por sua vez, pode englobar tanto unidades semânticas quanto unidades pragmáticas. Em

(2g), o funcionamento de aí como introdutor de episódios pode ser esquematizado como:

(4) aí ep, aí ep, aí ep, aí ep, aí ep, aí ep, aí ep .... aí ep

Em (3h), o item aí atua como operador aproximativo de subato referencial, conferindo

ao sintagma nominal “umas coisas” o significado de imprecisão, incerteza ou mitigação. Na

verdade, ao usar essa estratégia discursiva, o falante está se reservando ao direito de não ter

que revelar quais seriam as coisas ou os acontecimentos que a amiga tinha lhe contado.

Nesse caso, o que importa para o falante é apenas dizer que algumas coisas aconteceram. O

mesmo acontece em (3i), em que aí atua como operador aproximativo de subato adscritivo,

representado aqui pelo sintagma preposicionado “com dez anos”. O uso desse operador, em

(3i), confere ao subato adscritivo um valor aproximado, ou melhor, uma idade aproximada.

Segundo Hengeveld & Mackenzie (2008), da mesma forma que há operadores aproximativos

especializados na atribuição de significados imprecisos, incertos ou mitigadores a subatos

referencial e adscritivo, há também operadores de exatidão, que são especializados na

atribuição de significados precisos e exatos, como em “O João mora bem ali em frente”.

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Além dos usos discutidos até aqui, o item lingüístico aí pode ainda operar na camada

do Conteúdo comunicado como organizador de cadeias tópicas. Na ocorrência (3j), por

exemplo, o item aí faz parte de uma estrutura (e aí?) que é sempre utilizada pelo falante para

manter a continuidade do tópico introduzido anteriormente no discurso. Há outros contextos,

porém, em que o item aí é usado para inserir, retomar ou finalizar um tópico, como em (5):

(5) Doc.: 2[o que] o que foi marcante foi o que seu casamento não deu 3[ce::r]to?… Inf.: 3[é…] que é uma coisa que eu levava muito a sério negócio de casamento tinha

que ter responsabilidade né? (inint.) bom sempre pensei né?… no casamento né?… ter uma FAMÍ::LIA só que:: aconteceu coisas muitos FO::RTE… então aí nós separamos… mas agora eu fico eu fico aqui na minha casa assim tenho duas filha … (AC-089; NE: L. 342-343)

Em (5), o item aí, em combinação com o então, é usado pela informante para finalizar o tópico

sobre o casamento, mais especificamente sobre o fim do seu casamento. Nesse caso, é

importante ressaltar que o item aí é responsável por finalizar um tópico que, por natureza

discursiva, pertence à camada do Conteúdo Comunicado, do Nível Interpessoal. Uma outra

informação relevante é que quase sempre o encerramento de tópico é também demarcado

por alguma informação prosódica, como uma pausa que provoca uma ruptura na tessitura

permanente do texto. É o que se observa em (6), em que o item aí é utilizado pelo falante

para retomar, após a inserção de um comentário (digressão), o tópico em andamento:

(6) Inf.: não pode demonstrar nojo e tem que encarar tudo que vier porque o ser humano é::

meio complicado né e tinha e ele [outro enfermeiro] mas ele era muito noje::nto e parece que as pessoas mais nojenta é que então é meio é um fato meio nojento 3[é uma]

Doc.: 3[não] Inf.: história meio nojenta ((alguém pigarreia)) aí (então) ele com toda aquela

delicadeza aquela frescura de NOjo e e/ tinha uma senhora be::m idosa e ela tinha problema de intestino [Doc.: hum ((concordando))] e quando tem problema às vezes no caso hoje eu não sei se usa ainda mais mas naquela época usava colocava uma sonda no reto... (AC-105; NR: L. 171-178)

Na ocorrência (6), o elemento aí cumpre o papel de retomar o assunto em pauta, após a

introdução de um comentário do próprio informante: o acontecimento era uma história nojenta.

Assim sendo, ao mesmo tempo em que retoma o tópico em questão, o item aí (em

combinação com então) aponta para o desenvolvimento subseqüente do texto/interação.

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Por fim, a ocorrência (3l) exemplifica um caso de aí como marcador discursivo. Trata-

se de um uso discursivo que está relacionado ao processamento cognitivo do texto, ou seja, é

uma estratégia discursiva empregada pelo falante para ganhar tempo enquanto processa o

seu discurso ou para organizar o que ele vai dizer logo em seguida. Em linhas gerais, esse uso

é o que se assemelha aos casos de preenchedor de pausa identificados por Martelotta et alii

(1996). Em termos de GR, os usos de aí como marcador discursivo e introdutor de ato

discursivo são os mais abstratos, expressivos, e, conseqüentemente, os mais gramaticalizados.

A ocorrência (7), a seguir, constitui um exemplo de introdutor de ato discursivo:

(7) Doc.: sabe o que eu queria que cê me contasse também se puDESSE como foi/ como

você conheceu seu… 2[atual] namorado… Inf.: 2[namorado?] ahn… éh:: foi assim eu tava numa casa de uma colega MINHA… aí

ela falou assim que tinha que apresentar uns menino queria apresentar uns menino aí no meu dos menino tava ELE aí foi assim amor à primeira vista… [Doc.: hum] aí:: ele pegou e pe/pe/ perguntou se eu queria ficar com ele eu falei que eu queri::a a gente começou ficar naquele dia aí passaram uns dois meses a gente num se viu mais… [Doc.: hum] aí do nada eu encontrei ele assim aí a gente começou ficar de novo ele pediu eu em namo::ro e a gente tá até ho::je (AC-034; NE: L. 15-24)

Conforme se pode verificar, em (7), há dois movimentos claramente definidos, um de iniciação

(que é a pergunta do documentador) e outro de reação (que é a resposta do informante). O

movimento de reação, por sua vez, é composto por vários atos discursivos que são

introduzidos pelo item lingüístico aí. Da mesma forma que os episódios, os atos discursivos

especificados em (7) são organizados de forma coesa e coerente. Ademais, pode-se dizer

ainda que entre os atos discursivos existem relações de dependência e independência:

(7’) Doc.: [sabe o que eu queria que cê me contasse também se puDESSE como foi/ como você conheceu seu… 2[atual] namorado]movimento de iniciação

Inf.: [2[namorado?] ahn… éh:: foi assim [eu tava numa casa de uma colega MINHA]ato

discursivo nuclear … aí [ela falou assim que tinha que apresentar uns menino queria apresentar uns menino]ato discursivo subsidiário aí [no meu dos menino tava ELE]ato discursivo

subsidiário aí [foi assim amor à primeira vista]ato discursivo subsidiário… [Doc.: hum] aí:: [ele pegou e pe/pe/ perguntou se eu queria ficar com ele eu falei que eu queri::a a gente começou ficar naquele dia]ato discursivo subsidiário aí [passaram uns dois meses a gente num se viu mais…]ato discursivo subsidiário [Doc.: hum] aí [do nada eu encontrei ele assim]ato

discursivo subsidiário aí [a gente começou ficar de novo ele pediu eu em namo::ro e a gente tá até ho::jê]ato discursivo subsidiário]movimento de reação

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Em (7’), nota-se que entre os atos discursivos que compõem o movimento de reação existem

relações de dependência, tais como as que ocorrem entre os atos discursivos subsidiários e o

ato discursivo nuclear. Nesse caso, os atos discursivos subsidiários introduzidos por aí

carregam informações secundárias que explicam o que aconteceu quando a informante

estava na casa de sua colega [de como a informante conheceu o seu marido].

2.1.2. Nível de atuação dos itens lingüísticos assim, já e aí

Analisando os níveis de atuação (Nível Representancional ou Nível Interpessoal) dos

itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, verificou-se o seguinte:

Itens lingüísticos Níveis de atuação assim já aí

TOTAL

Nível Representacional 856 (71%) 400 (95%) 999 (77%) 2255 Nível Interpessoal 343 (29%) 17 (5%) 299 (23%) 659

TOTAL 1199 (100%) 417 (100%) 1298 (100%) 2914 Tabela 2. Nível de atuação dos itens lingüísticos assim, já e aí

De acordo com a tabela 2, pode-se notar que todos os itens em análise transitam entre os

dois níveis de organização da linguagem, o Representacional e o Interpessoal. No entanto, o

destaque fica para os usos de assim, já e aí que operam no Nível Representacional da GDF,

com 77% (2255/2914) do total dos dados catalogados, contra 23% (659/2914) dos dados que

operam no Nível Interpessoal. Apesar da predominância de usos de assim, já e aí no Nível

Representacional, o que se observa é que esses itens estão, de fato, assumindo funções mais

gramaticais em direção ao componente interpessoal da língua. Esse resultado, em conjunto os

resultados listados na tabela 1, confirma a hipótese formulada na introdução desse trabalho, que

sugere a expansão funcional dos itens rumo a categorias pragmáticas, mais gramaticalizadas,

passando, antes, pelas categorias semânticas, que incluem os usos textuais.

Correlacionando as ocorrências de assim, já e aí analisadas na seção anterior aos

níveis de organização da GDF, tem-se a seguinte configuração (tabela 3):

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Ocorrências analisadas Níveis de atuação assim já aí

Nível Representacional (1a), (1b), (1c), (1d), (1e), (1f) e (1g)

(2a), (2b), (2c), (2d), (2e) e (2f)

(3a), (3b), (3c), (3d), (3e), (3f) e (3g)

Nível Interpessoal (1h), (1i), (1j), (1l), (1m) e (1n)

(2g) (3h), (3i), (3j), (3l), (5), (6) e (7)

Tabela 3. Correlação entre os usos de assim, já e aí e os níveis da GDF

Com base na tabela acima e nos demais resultados apresentados até o momento, é possível

dizer que o item lingüístico já é o que menos avançou em direção às categorias pragmáticas

do Nível Interpessoal, e, por isso, é o menos gramaticalizado dos três itens investigados.

2.1.3. Camadas de atuação nos níveis Representacional e Interpessoal

Como um dos objetivos desse trabalho é analisar a relação entre as camadas e os

níveis de organização da GDF e o grau de GR dos itens assim, já e aí no Português brasileiro,

que incluem tanto os usos como advérbios dêiticos quanto os usos como operador

aproximativo, organizador de tópico e marcador discursivo, uma medida que se faz necessária

é verificar a atuação desses itens lingüísticos em cada uma das camadas dos níveis

Representacional e Interpessoal, para poder mensurar a relação de escopo desses elementos

em direção a usos mais abstratos e gramaticais, que se situam nas camadas mais elevadas:

Itens lingüísticos Nível Representacional assim já aí

TOTAL

Propriedade - - - - Indivíduo - - - - Evento 851(93%) 388 (97%) 197 (20%) 1436 Episódio 4 (1%) - 732 (73%) 736 Conteúdo proposicional 54 (6%) 12 (3%) 70 (7%) 136

Subtotal 909 (79%) 400 (95%) 999 (77%) 2308 Nível Interpessoal Conteúdo comunicado 242 (84%) 17 (100%) 148 (51%) 407 Ato discursivo 27 (8%) - 151 (49%) 178 Movimento 21 (8%) - - 21

Subtotal 290 (21%) 17 (5%) 299 (23%) 606 TOTAL 1199 (100%) 417 (100%) 1298 (100%) 2914

Tabela 4. Camadas de atuação dos itens lingüísticos assim, já e aí

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154

Como se pode verificar na tabela 4, os usos de assim, já e aí que operam nas camadas

semânticas do Nível Representacional somam 79% (2308/2914) do total de dados analisados,

contra 21% (606/2914) de usos de assim, já e aí que operam nas camadas pragmáticas do

Nível Interpessoal. Esse resultado comprova que os itens em análise exercem tanto funções

representancionais (que englobam usos referenciais e textuais) quanto funções interpessoais

(que englobam usos textuais e interacionais), fato que está relacionado ao processo de GR

porque vem passando os itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro. Em vista dos

resultados discutidos até aqui, pode-se dizer que a trajetória de GR (Representacional →

Interpessoal) proposta para esses elementos, nos capítulos anteriores, de fato se atesta nos

dados do IBORUNA. Dentre os itens analisados, os que mais operam nas camadas do Nível

Interpessoal são o item aí, com 49% (299/606) dos dados, seguido dos itens assim, com 47%

(290/606) dos casos, e já, com 4% (17/606) do total de ocorrências analisadas.

Em relação às camadas do Nível Representacional, o item lingüístico que mais se

destaca é o aí, com 43% (999/2308) dos dados, ficando em segundo lugar o item assim, com

39% (909/2308) dos casos analisados. Nesse quesito, o item já responde por apenas 18%

(400/2308) dos dados catalogados. Nesse nível de organização, as preferências dos itens

assim, já e aí são pelas camadas do evento, que soma 62% (1436/2308), e do episódio, que

soma 31% (736/2308) dos dados. A camada do conteúdo proposicional soma 7% (136/2308)

dos casos de assim, já e aí no corpus e está geralmente relacionada às conjunções

coordenativas conclusivas (assim-conclusiva) e subordintivas causais (já que-causal).

No que diz respeito às camadas do Nível Interpessoal, o grande destaque fica para os

itens lingüísticos que operam na camada do Conteúdo comunicado, com 67% (407/606) dos

dados levantados, que, segundo Hengeveld & Mackenzie (2008), é o ponto de passagem de

um nível de organização da língua para outro. Em segundo lugar, a preferência dos itens

assim, já e aí é pela camada do ato discursivo, que responde por 29% (178/606) dos dados.

Por fim, a camada do movimento, que é a mais gramatical e discursiva do Nível Interpessoal,

é responsável pelos 4% (21/606) restantes do montante de ocorrências levantadas. Como se

pode verificar, quase todos os itens operam nessas camadas do Nível Interpessoal, com

exceção de já, que se limita à camada do Conteúdo comunicado, evidenciando, portanto, um

estágio menos avançado de GR em comparação aos demais itens analisados aqui.

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155

Cruzando, agora, os dados referentes aos tipos de papéis desempenhados por assim,

já e aí com os dados referentes às camadas de atuação do Nível Representacional, tem-se:

Camadas do Nível Representacional Tipos de papéis Itens evento episódio proposição

TOTAL

assim 134 - - já 2 - - Advérbio modo aí - - -

136

assim - - - já 30 - - Advérbio de tempo aí 9 - -

39

assim - - - já - - - Advérbio de lugar aí 14 - -

14

assim - - - já 348 - - Advérbio apsectual aí - - -

348

assim 250 - 10 já 6 - - Advérbio anafórico aí 83 - 5

354

assim 404 - 21 já 2 - - Advérbio catafórico aí 67 - 1

495

assim 9 - 8 já - - - Advérbio relacional aí 8 - 22

47

assim - - 8 já - - 10 Conjunção coordenativa aí 16 - 33

67

assim 1 - 7 já - - 2 Conjunção subordinativa aí - - -

10

assim - - - já - - - Conjunção correlativa aí - - 9

9

assim - 4 - já - - - Introdutor de episódio aí - 732 -

736

assim 53 - - já - - -

Introdutor de Conteúdo Comunicado

aí - - - 53

TOTAL 1436 736 136 2308 Tabela 5. Correlação entre tipos de papéis e camadas semânticas da GDF

Com base na tabela 5, verifica-se que todos os casos de advérbio de modo, advérbio de

tempo e advérbio de lugar estão localizados na camada do evento, uma vez que atuam ou

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156

como argumento do verbo ou como modificador verbal. Os casos de advérbio aspectual

também operam na camada do evento, entretanto, o escopo desses elementos é a

constituência interna do estado-de-coisas. Já os casos de advérbios anafórico e catafórico

podem operar tanto na camada do evento quanto na camada da proposição, porém, boa parte

dos usos estão situados na camada do evento. Os casos de advérbio relacional, por sua vez,

se dividem entre as camadas do evento e da proposição. Em contrapartida, os usos de assim,

já e aí como conjunção coordenativa, subordinativa e correlativa concentram-se basicamente

na camada do conteúdo proposicional, justamente por articularem, em geral, unidades de

caráter subjetivo, fato que aponta para o processo de subjetividade de Traugott (1999).

Como era de se esperar, os usos de aí e assim como introdutor de episódios estão

totalmente situados na camada do episódio, cuja função é essencial para a estruturação,

coesão e progressão do texto falado, especialmente das narrativas de experiência e narrativas

recontadas. Por fim, vale destacar a presença de usos de assim como introdutor de Conteúdo

comunicado operando na camada do evento, no processo de complementação verbal.

Em termos de GR, os usos de assim, já e aí como adverbio de modo, advérbio de

tempo e advérbio de lugar são mais concretos e menos gramaticalizados que os usos que

atuam nas camadas do episódio e do conteúdo proposicional. No entanto, é importante notar

que, mesmo no interior de cada camada, é possível distinguir usos de assim, já e aí que são mais

lexicais de usos que são mais gramaticais. Assim, além dos usos mais concretos de assim, já e aí,

há ainda os casos de advérbio anafórico e advérbio catafórico que, em relação aos usos

adverbiais, são mais gramaticalizados, primeiramente, por se afastarem da forma-fonte, e, em

segundo lugar, por atuarem como elementos de coesão e progressao do texto (KOCH, 2002,

2004). Com relação aos usos de já como advérbio aspectual, pode-se dizer algo semelhante:

nesse caso, o que se observa é o enfraquecimento do traço temporal e o conseqüente

fortalecimento do traço aspectual. Já os casos de introdutor de episódio e conjunção, que

operam nas camadas do episódio e do conteúdo proposicional, são mais gramaticalizados

que os usos adverbiais e fóricos e menos gramaticalizados que os casos de introdutor de

Conteúdo comunicado, que são unidades pragmáticas que atuam na predicação.

Relacionando, enfim, os dados referentes aos tipos de papéis desempenhados por

assim, já e aí com os dados referentes às camadas pragmáticas do Nível Interpessoal, tem-se:

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Camadas do Nível Interpessoal

Tipos de papéis Itens Conteúdo comunicado

Ato discursivo

Movimento TOTAL

assim 92 - - já - - -

Intrrodutor de Conteúdo comunicado

aí - - - 92

assim 29 - - já - - -

Operador aproximativo de subato referencial

aí 69 - - 98

assim 86 - - já - - -

Operador aproximativo de subato adscritivo

aí 14 - - 100

assim 35 - - já - - - Organizador de tópico aí 65 - -

100

assim - - - já 17 - - Marcador de foco aí - - -

17

assim - - - já - - -

Introdutor de ato discursivo

aí - 127 - 127

assim - 27 - já - - - Marcador discursivo aí - 24 -

51

assim - - 21 já - - - Introdutor de movimento aí - - -

21

TOTAL 407 178 21 606 Tabela 6. Correlação entre tipos de papéis e camadas pragmáticas da GDF

Analisando os números da tabela 6, observa-se que os usos de assim, já e aí como introdutor

de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de subato referencial, operador aproximativo

de subato adscritivo, organizador de tópico e marcador de foco pertencem à camada

pragmática do Conteúdo comunicado, ao passo que os usos como introdutor de ato discursivo

e marcador discursivo pertencem à camada do ato discursivo, que tem um escopo maior, uma

vez que inclui a camada do Conteúdo comunicado. Apenas os usos como introdutor de

movimento pertencem, como o próprio nome diz, à camada do movimento.

Como disse anteriormente, dos itens lingüísticos assim, já e aí que operam nas

camadas pragmáticas do Nível Interpessoal, os que mais se destacam são os itens assim e

aí, no entanto, o que mais exerce funções nesse nível é o item assim, que atua inclusive como

introdutor de movimento – uso mais abstrato e gramaticalizado – na camada do movimento.

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158

2.1.4. Domínios de ocorrência de assim, já e aí

A tabela 7, abaixo, apresenta os resultados da distribuição dos casos de assim, já e aí

nos domínios (ou componentes) funcionais estipulados por Traugott (1982, 1995):

Itens lingüísticos Tipos de domínio funcional assim já aí

TOTAL

Domínio proposicional 134 (11%) 380 (91%) 23 (2%) 537 Domínio textual 775 (64%) 20 (5%) 976 (75%) 1771 Domínio expressivo 290 (25%) 17 (4%) 299 (23%) 606

TOTAL 1199 (100%) 417 (100%) 1298 (100%) 2914 Tabela 7. Domínios de ocorrência de assim, já e aí

Conforme se pode verificar na tabela 7, os itens lingüísticos assim, já e aí atuam nos

diferentes domínios da linguagem, com destaque para os usos que operam no domínio

textual, que soma 60% (1771/2914) do total dos dados analisados, seguidos pelos usos que

operam no domínio expressivo, que contabiliza 21% (606/2914) dos dados. Os usos de assim,

já e aí que operam no domínio proposicional correspondem a 19% (537/2914), o que mais

uma vez confirma a hipótese de Bybee (2003) de que usos lexicais tendem a ser menos

freqüentes do que os usos gramaticais no decorrer do processo de GR. O único item que

contraria parcialmente essa hipótese é o item já, que contem mais usos “concretos”.

Correlacionando o modelo de Traugott e o modelo da GDF, tem-se:

Camadas do Nível Representacional TOTAL Tipos de papéis Itens evento episódio proposição

assim 134 - - já 2 - - Advérbio modo aí - - -

136

assim - - - já 30 - - Advérbio de tempo aí 9 - -

39

assim - - - já - - - Advérbio de lugar aí 14 - -

14

assim - - - já 348 - - D

OM

ÍNIO

PR

OPO

SIC

ION

AL

Advérbio apsectual aí - - -

348

537

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159

assim 250 - 10 já 6 - - Advérbio anafórico aí 83 - 5

354

assim 404 - 21 já 2 - - Advérbio catafórico aí 67 - 1

495

assim 9 - 8 já - - - Advérbio relacional aí 8 - 22

47

assim - - 8 já - - 10 Conjunção coordenativa aí 16 - 33

67

assim 1 - 7 já - - 2

Conjunção subordinativa

aí - - - 10

assim - - - já - - - Conjunção correlativa aí - - 9

9

assim - 4 - já - - - Introdutor de episódio aí - 732 -

736

assim 53 - - já - - -

DO

MÍN

IO T

EXTU

AL

Introdutor de Conteúdo Comunicado

aí - - - 53

1771

TOTAL 1436 736 136 2308 Tabela 8. Correlação entre os componentes de Traugott e as camadas da GDF

Levando-se em consideração o diálogo estabelecido entre os componentes de Traugott e as

camadas da GDF, a única diferença que se observa é que, no modelo da GDF, os usos

referenciais (mais concretos) e textuais estão basicamente localizados no Nível

Representacional. Entretanto, ambos os modelos consideram que as formas lingüísticas tendem

a se tornar mais abstratas no decorrer do processo de mudança. Na tabela 8, os usos de

assim, já e aí como advérbios dêiticos e aspectual correspondem ao domínio proposicional,

enquanto os usos como advérbios anafórico e catafórico, advérbio relacional, conjunção

coordenativa, conjunção subordinativa, conjunção correlativa, introdutor de episódio e

introdutor de Conteúdo comunicado correspodem ao domínio textual proposto por Traugott.

2.1.5. Mobilidade sintática dos itens assim, já e aí

O objetivo desse parâmetro de análise é verificar se, no decorrer do processo de GR, a

mobilidade sintática do itens assim, já e aí diminui à medida que se gramaticalizam na língua.

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160

Segundo Givón (1979), Heine & Reh (1984), Heine et alii (1991), Lehmann (1995) e Hopper

(1991), as formas mais gramaiticalizadas tendem a se tornar mais fixas na estrutura oracional.

A tabela 9, a seguir, apresenta os números referentes à mobilidade dos itens em análise:

Itens lingüísticos Mobilidade sintática assim já aí

TOTAL

Posição mais fixa 897 (74%) 288 (69%) 1011 (77%) 2196 Posição mais variável 302 (26%) 129 (31%) 287 (23%) 718

TOTAL 1199 (100%) 417 (100%) 1298 (100%) 2914 Tabela 9. Mobilidade sintática dos itens assim, já e aí

De acordo com os dados da tabela 9, há mais ocorrências em que os itens assim, já e aí

assumem uma posição mais fixa na oração, que somam 75% (2196/2914), do que casos em

que essa posição é variável, que contabiliza 25% (718/2914) do total de dados analisados.

Em relação aos domínios funcionais de Traugott, esses números assinalam que quanto mais

os itens lingüísticos avançarem em direção ao domínio expressivo da língua, mais

gramaticalizados eles serão e menos mobilidade sintática esses itens apresentarão.

Os casos de aí que atuam como introdutor de episódio apresentam a seguinte

configuração sintática: AÍ_episódio (evento), AÍ_episódio (evento). Em relação às transformações

sintáticas, os resultados da tabela 9 corroboram as observações feitas por Givón (1979),

Heine & Reh (1984), Heine et alii (1991), Lehmann (1995) e Hopper (1991) sobre o que ocorre

durante o processo de GR das formas lingüísticas em termos de variabilidade sintagmática.

No que diz respeito à posição sintática ocupada pelo item lingüístico assim no

Português brasileiro, pode-se fazer as seguintes generalizações:

(i) Advérbio modo: SV SN/SAdj/SAdv assim SV assim SN/SAdj/SAdv (ii) Advérbio anafórico: _ SV/SN/SAdv assim (iii) Advérbio catafórico: SV assim _ SN assim _ SAdv assim _ SAdj assim _ (iv) Advérbio relacional: Oração (e, mas, etc) assim Oração

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161

(v) Conjunção coordenativa: Oração assim Oração (vi) Conjunção subordinativa: assim_que Oração, Oração (vii) Introdutor de episódio: assim: Evento1...Evento2...Eventon+1 (viii) Introdutor de Conteúdo comunicado: SV assim _ SV assim (que) _ (ix) Introdutor de movimento: SV assim Ato discursivo1, (aí) Ato discursivon+1 (x) Operador aproximativo de subato referencial: SN assim Pronome assim (xi) Operador aproximativo de subato adscritivo: SV assim SAdj assim SAdv/Numeral assim assim Numeral (xii) Organizador de tópico: assim Tópico Tópico assim (xiii) Marcador discursivo: Ato discursivo (SV/SN) assim Ato discursivo (SV/SN)

Os esquemas elencados acima representam as várias posições sintáticas que o item assim

pode ocupar na estrutura oracional em razão das funções representacionais e interpessoais que

esse elemento exerce nos dados extraídos do IBORUNA. Como se pode observar, os usos

menos gramaticalizados de assim apresentam uma maior mobilidade sintática, associando-se a

vários elementos lingüísticos. Já os usos mais gramaticalizados de assim tendem a assumir

uma posição mais fixa na oração, relacionando-se a um número reduzido de itens.

Os esquemas estruturais listados, a seguir, representam as várias posições sintáticas

que o item lingüístico já pode ocupar na estrutura oracional:

(i) Advérbio de tempo: SV já já SV/ SAdj (ii) Advérbio anafórico: _ já SV SV já_ (iii) Advérbio catafórico: SV já _ SV SN já _

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162

(iv) Advérbio aspectual: Já SV SV já (v) Conjunção coordenativa: Oração já Oração (vi) Conjunção subordinativa: já que Oração, Oração Oração, já que Oração (vii) Marcador de foco: já SV SN/SAdj/SAdv já

À semelhança de assim, o item já tende a apresentar uma maior flexibilidade sintática nos

casos menos gramaticalizados que operam no Nível Representacional, enquanto os usos

mais gramaticalizados, que pertencem ao Nível Interpessoal, tendem a assumir uma posição

mais fixa na oração. No entanto, conforme se pôde notar até aqui, a perda de mobilidade

sintática é compensada pelo ganho de expressividade dos itens lingüísticos em análise.

Por fim, os esquemas abaixo ilustram as possibilidades de ordenação de aí:

(i) Advérbio de lugar: SV aí SV aí SPrep/SAdv aí (SN) SV (ii) Advérbio anafórico: _ SV/SN/SAdv aí _ Demonstrativo/SN/SAdv aí SV SPrep aí SV _ (iii) Advérbio catafórico: aí SV _ SV aí SN/SAdj/SAdv_ (iv) Advérbio relacional: Oração (e, mas, etc) aí Oração (v) Conjunção coordenativa: Oração aí Oração (vi) Conjunção correlativa: se P....aí Q (vii) Introdutor de episódio: aí Evento1...aí Evento2...aí Eventon+1 (viii) Operador aproximativo de subato referencial: SN aí Demonstrativo-SN aí (ix) Operador aproximativo de subato adscritivo: SV aí SV aí SAdj/SAdv/Numeral SPrep aí

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163

(x) Organizador de tópico: aí Tópico Tópico aí Tópico (xi) Introdutor de ato discursivo: aí Ato discursivo1...aí Ato discursivo2...aí Ato discursivon+1 (xii) Marcador discursivo: Ato discursivo (SV/SN) aí Ato discursivo (SV/SN)

Depois de apresentados os esquemas de estruturação sintática de assim, já e aí, uma

observação que se pode fazer é que assim e aí compartilham de várias características

sintáticas à medida que vão se gramaticalizando na língua.

2.1.6. Tipo de texto

Nas seções anteriores, mostrei que alguns usos expressos pelos itens assim, já e aí

estão mais relacionados a alguns tipos de texto. Assim, analisando a freqüência desses itens

nos diferentes tipos de texto que compõem o corpus do IBORUNA, verifiquei o seguinte:

Itens lingüísticos Tipos de texto assim já aí

TOTAL

Narrativa de experiência 320 (27%) 110 (26%) 487 (37%) 917 Narrativa recontada 275 (23%) 103 (23%) 368 (28%) 746 Descrição de local 248 (20%) 64 (15%) 86 (8%) 398 Relato de procedimento 167 (14%) 81 (19%) 285 (21%) 533 Relato de opinião 189 (16%) 59 (17%) 72 (6%) 320

TOTAL 1199 (100%) 417 (100%) 1298 (100%) 2914 Tabela 10. Freqüência de assim, já e aí nos diferentes tipos de texto do IBORUNA

Com base na tabela 10, pode-se notar que os itens assim, já e aí são mais recorrentes em

narrativas de experiência, com 31% (917/2914) dos dados, narrativas recontadas, com 25%

(746/2914) e relatos de procedimento, que contabilizam 18% (533/2914) das ocorrências.

Correlacionando os tipos de texto com os diferentes usos de assim, já e aí, tem-se:

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164

Tipos de texto

Usos Itens Narr. Exper.

Narr. Recont.

Desc. Local

Relato proced.

Relato Opinião

TOTAL

assim 46 22 30 29 7 já - - - 1 1 Advérbio modo aí - - - - -

136

assim - - - - - já 5 4 2 16 3

Advérbio de tempo

aí 2 1 2 3 1 39

assim - - - - - já - - - - -

Advérbio de lugar

aí 4 2 6 1 1 14

assim - - - - - já 96 95 55 59 43

Advérbio apsectual

aí - - - - - 348

assim 59 41 60 45 55 já - - - 1 5

Advérbio anafórico

aí 38 11 4 10 25 354

assim 84 109 105 50 77 já - 2 - - -

Advérbio catafórico

aí 28 19 - 21 - 495

assim 7 1 2 4 3 já - - - - -

Advérbio relacional

aí 7 6 - 13 4 47

assim 2 4 1 1 3 já 4 - 1 2 -

Conjunção coordenativa

aí 15 7 12 4 11 67

assim 4 3 - - 1 já - 1 - - 1

Conjunção subordinativa

aí - - - - - 10

assim - - - - - já - - - - -

Conjunção correlativa

aí 1 1 - 4 3 9

assim - - - 3 1 já - - - - -

Introdutor de episódio

aí 304 257 34 129 8 736

TOTAL 706 586 314 396 253 2255 Tabela 11. Correlação entre os usos representacionais de assim, ja e aí e os tipos de texto

Analisando os dados da tabela 11, o que se pode concluir é que os casos de advérbio

anafórico, advérbio catafórico e introdutor de episódio são mais freqüentes em narrativas de

experiência, narrativas recontadas e relatos de procedimento. Essa distribuição se justifica em

função da própria natureza do texto, que se constitui a partir de elementos coesivos, tais como

elementos anafóricos, elementos catafóricos e conectivos. Os usos de aí como introdutor de

episódios, por exemplo, são extremamente importantes para o amarramento coesivo de

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165

estruturas narrativas, tais como as que compõem o banco de dados IBORUNA.

Diferentemente de assim e aí, os usos de já como advérbio aspectual são relativamente

freqüentes em todos os tipos de texto, uma vez que a sua função é especificar a constituição

temporal interna dos estados-de-coisas, o que explica a sua freqüência contínua no corpus.

Relacionando, agora, os tipos de texto com os usos interpessoais de assim, já e aí, tem-se:

Tipos de texto

Usos Itens Narr. Exper.

Narr. Recont.

Desc. Local

Relato proced.

Relato Opinião

TOTAL

assim 55 54 14 12 10 já - - - - -

Intrrodutor de Cont. comunicado

aí - - - - - 145

assim 7 6 5 7 4 já - - - - -

Operador aprox. de subato referencial

aí 31 7 1 23 7 98

assim 33 18 18 9 8 já - - - - -

Operador aprox. de subato adscritivo

aí 9 2 1 2 - 100

assim 10 5 8 2 10 já - - - - -

Organizador de tópico

aí 23 22 11 7 2 100

assim - - - - - já 5 1 6 2 3 Marcador de foco aí - - - - -

17

assim - - - - - já - - - - -

Introdutor de ato discursivo

aí 15 24 14 65 9 127

assim 6 4 4 4 9 já - - - - - Marcador discursivo aí 10 9 1 3 1

51

assim 7 8 1 1 4 já - - - - -

Introdutor de movimento

aí - - - - - 21

TOTAL 211 160 84 137 67 659 Tabela 12. Correlação entre os usos interpessoais de assim, já e aí e os tipos de texto

A distribuição dos usos interpessoais de assim, já e aí na tabela 13 é mais uma outra prova de

que a preferência desses itens é pelas narrativas de experiência, recontadas e relatos de

procedimento. Os usos de assim e aí como introdutor de Conteúdo comunicado e organizador

de tópico, por exemplo, são muito recorrentes em narrativas de experiência e recontadas. Já os

usos de aí como introdutor de ato discursivo são muito comuns em relatos de procedimento.

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166

3. REPRESENTAÇÃO DOS USOS DE ASSIM, JÁ E AÍ NOS NÍVEIS DA GDF

3.1. Usos de assim, já e aí no Nível Representacional

Levando-se em consideração as categorias semânticas da GDF (cf. os capítulos I e

III), apresento, a seguir, uma sistematização dos usos de assim, já e aí no Nível

Representacional, começando pelos usos dêiticos desses itens (os mais concretos)73:

- Usos dêiticos:

(8) coloca ele [o pau do carrinho de rolimã] assim (IBORUNA) Advérbio de modo NR: (ei: (fi: [(fj: colocar (fj): (fk: assim (fk)) (xi))] (fi)) (ei)) = (mi: (fi: assimAdvmodo (fi)) (mi))

(9) você já vê uma sala (IBORUNA) Advérbio de tempo NR: (ei: (fi: [(fj: ver (fj): (fk: já (fk)) (xi))] (fi)) (ei)) = (ti: (fi: jáAdvtempo (fi)) (ti))

(10) eu morava aí (IBORUNA) Advérbio locativo NR: (ei: morar (xi) (li) (ei)) = (li: (fi: aíAdvlocativo (fi)) (li))

Em (8), o item assim funciona como modificador de predicado, isto é, como modificador do

verbo colocar, especificando o modo como o pedaço de pau deve ser colocado no carrinho de

rolimã. Trata-se de um elemento que opera no Nível Representacional, na predicação central.

Em (9), o item já atua como modificador temporal do predicado ver, que também pertence à

camada do evento (Nível Representacional). Diferentemente de (8) e (9), o item aí, em (10),

atua como argumento do verbo morar. Nesse caso, o que se tem é uma predicação (um

evento), na qual o item aí é inserido como termo argumental do verbo morar.

73 Os dados elencados em 2.1 são retomados aqui para fins de sistematização e representação.

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- Usos anafóricos:

(11) contava às vezes conta das ex namora::da (que ele tinha) namora::do... até uma vez ele falou que a única pessoa que ele quis ter alguma coisa séria foi comi::go né? essas coisas assim ele sempre conta (IBORUNA)

Advérbio anafórico

NR: (pi: (fi: [(fj: contar (fj) (xi) (pj: (fk: assim (fk))] (pj)) (pi))

(12) nenhum jogador interfere ele a:: a arremessar a bola esse lance livre é mais ou menos de três metros da cesta ele fica... sozi::nho aí ele arremessa aí... esse arremesso seri::a/ vale apenas um ponto... e o basquete precisa de muito treino mesmo como eu já di::sse treinar diariamente mesmo... pra treinar o o arreme::sso treina::r... todos os fundamen::tos e todas as regras que:: é:: no no caso é muito complexo por causa di::sso o basquete...(IBORUNA)

Advérbio anafórico

NR: (pi: (fi: [(fj: dizer (fj) (xi) (pj: (fk: já (fk))] (pj)) (pi))

(13) eles tiveram MAIS dificuldade pra reconhecer... as vítimas né e:: nesse caso AÍ [o acidente de ônibus da Cometa] foi enterrado gente... com nome de outras pesso::as (IBORUNA)

Advérbio Anafórico

NR: (ei: (fi: [(fj: enterrar (fj) (xi) (ti: (fk: aí (fk))] (ti)) (ei))

Na ocorrência (11), o item assim faz remissão anafórica a proposições explicitadas

anteriormente no texto. Nesse caso, o item assim opera na camada da proposição. Em (12), o

item já faz referência à proposição precisa de muito treino mesmo. Em (13), o item aí é usado

também como um elemento anafórico. Nesse caso, o item aí retoma anaforicamente o evento

o acidente de ônibus da Cometa, que se apresenta na forma nominalizada. Em todos os

casos, os usos expressos pelos itens assim, já e aí operam no Nível Representacional.

- Usos catafóricos:

(14) Doc.: 8[é?]... como que cê faz pá lavar assim o tapete?

Inf.: o taPE::te? eu estendo ele no chão jogo sabão em pó... esfrego bem enxáguo ele numa aguinha de Confort... enxáguo... de novo e ponho no varal... (IBORUNA)

Advérbio catafórico

NR: (ei: lavar (xi: assim) (xj) (ei))

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(15) Inf.: três dias antes do Natal ele tem três filhos e... tem tem duas duas moça e um moço lá já é um rapaz já de uns de uns:: trinta e oito anos mais ou menos e a mulher dele foi embora e ele ficou desesperado então É uma pessoa muito bem relacionada na sociedade (IBORUNA)

Advérbio catafórico

NR: (ei: (fi: [(fj: ser (fj): (fl: (fk: já (fk)) (xi))] (fl)) (ei))

(16) Inf.: aí você jo::ga que ele vai... ele vai::... penetrar no bolo... aí cê joga basTAN::te coco ralado em cima né... tá aí o bolo de preguiÇOsa... super gostoso... se não tiver o leite o condensado e nem o... num quiser fazer essa cobertura... prá comer com café também ele fica muito [gostoso] (IBORUNA)

Advérbio Catafórico

NR: (ei: estar (ej) (li: aí) (ei))

Em (14), o item assim atua como advérbio catafórico, referindo-se à categoria indivíduo (x) o

tapete. Nessa ocorrência, o item assim faz referência a um elemento que atua como

argumento do verbo lavar. Em (15), o item já, embora apresente o traço de advérbio

aspectual, remete cataforicamente à categoria propriedade (f) de uns de uns:: trinta e oito

anos mais ou menos. Em (15), o que se tem é uma predicação não-verbal, que está situada,

portanto, na camada do evento. Já em (16), o item aí faz remissão catafórica à categoria

indivíduo (x), que constitui o predicado da construção não-verbal (HENGEVELD, 1992).

- Usos como advérbio aspectual:

(17) Inf.: eu num sirvo pá falar muito né sempre:: converso pouco

mas os filho já acostumaram comigo desse jeito e entende bem...4[minha esposa] (IBORUNA)

Advérbio aspectual

NR: (ei: (fi: [– acostumaram comigo–] (fi)) (ei)Ф: (ti: já (ti))Ф (ei))

Em (17), o item já atua como advérbio aspectual, cuja função é especificar a estrutura

temporal interna do estado-de-coisas. Nesse caso, o item já indica a anterioridade a um ponto

esperado do evento [os filhos se acostumarem com o jeito do pai]. Apesar de ser um uso que

se diferencia do valor temporal de já, que é um dos usos mais concretos, o advérbio aspectual

opera também na camada do evento, na especificação de suas propriedades temporais.

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- Usos como introdutor de episódios:

(18) Inf.: olha... quando eu tinha treze ano de idade... eu viajava

muito eu ia mui::to pa casa da minha tia ficava lá:: passeava curtia e era:: muito novinha num tinha nem treze ano doze ano praticamente... aí eu conheci meu primo meu primo foi mui::to legal comigo foi uma pessoa muito boa eu gostava MUIto dele... aí ele foi me cativan(d)o num tanto... que em vez d’eu gostá(r) dele como primo eu gostei dele como homem ((risos))... aí a gente namorô(u):: a gente passeava jun::to só que a minha tia num queria o namoro… ela::... ela era con::tra porque eu era prima de::le... e ela era minha tia ele era meu primo por primeiro grau entendeu?... então:: num deu::... num deu certo... ele pegô(u) ele gostava mui::to de mim só que aí um:: lindo dia... eu fiquei/ eu tavo tão triste naquele dia foi o dia do meu aniversá::rio... ((vozes ao fundo)) eu tavo::... todo mundo comemorô(u)::... foi aquela fes::ta... aí ele chega com outra de mão dada... na minha frente... isso pra mim foi... o pior dia da minha vida... foi um dia que eu nunca vô(u) esquecê(r)... aí tava meus familia::res tava minha mã::e aí minha mãe olhô(u) assim:: num gostô(u):: ninguém gostô(u) do que ele fez... porque todo mundo sabia que a gente tinha né?... um namo::ro a gente fiCAva muito... só que aí num deu certo na hora que eu vi ele c’a moça aí eu... o ani/ o meu aniversário acabô(u) naquele dia pra mim... foi o dia mais terrível da minha vida foi aquele dia... aí no outro dia ele tentô(u) se explicá(r) só que aí num deu certo mais… ele começô(u) a falá(r) – “ai eu num tenho nada com ela eu tô fican(d)o com ela” – eu falei – “não não não nós dois num dá mais certo” – aí:: tudo bem passô(u) eu voltei embora pa minha casa... porque eu::... todas minhas férias eu ia pra lá... aí quando eu voltei eu fiquei saben(d)o que a menina tava grávida... então num deu mais certo... aí ele falô(u) pra mim/ ele já tava moran(d)o com e::la praticamen::te nós dois num deu certo... aí eu falei pra ele assim – “olha vévi tua vi::da seja feliz... que eu vô(u) tentá(r) sê(r) feliz do meu jeito do meu modo” – aí desde aquele dia... acabô(u)... eu vim embo::ra e ele ficô(u) (IBORUNA)

Introdutor de episódios

NR: aí (epi), aí (epj), aí (epl), aí (epm)...aí (epn+1)

Em (18), o que se tem são várias ocorrências de aí que atuam como introdutor de episódios, em

um trecho narrativo. Para Hengeveld & Mackenzie (2008), a presença de marcadores temporais

como quando, desde aquele dia, no outro dia é uma das características dessa categoria. Nesse

caso, a representação de (19) é a seguinte: aí (epi), aí (epj), aí (epl), aí (epm)...aí (epn+1).

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A ocorrência (19) representa um caso de assim como introdutor de episódios:

(19) [uhum]8 tá uma comida que eu sei fazer bem é é arroz

temperado... então eu faço assim... é:: compro os legumes na feira né? arro/é:: batati::nhá ceno::ura va::gem a ceboli::nhá... o fra::ngo e costumo fazer tudo em panela separada...cozinho batata separa::da o mi::lho tudo separadinho depois que o coz/já faço o arroz arroz branco... com sal alho... normal...depois eu frito o frango faço frango frito:: né? frito o frango aí depois é você né? [...] põe o tempero que você quiser sal óleo...é:: alho ceboli::nhá (IBORUNA)

Introdutor de episódios

NR: assim (epi), (epj), (epl), (epm)...(epn+1)

Como dito anteriormente, em (19), o item assim é usado para introduzir vários episódios que

são dispostos em uma sequência coerente e organizada, de modo que todos esses episódios

inseridos pelo item assim, em construções do tipo “eu faço assim”, “o negócio é assim”, “a

receita é assim”, “você pode fazer assim”, dentre outras, formam um evento discursivo maior

ou o que Hengeveld & Mackenzie (2008) chamam de cadeia narrativa. É importante destacar

que um episódio pode ser constituído por vários eventos, como em (epi: [(ei) (ej) (ek)] (epi)).

- Usos como advérbio relacional:

(20) é um lugar é um lazer [casa da avó] assim né você se sente

bem porque é uma cidade calma num tem briga num tem aquelas coisa que a gente tá acostumado aquele movimento sabe e assim eu acho impressionante porque sempre que eu vou prá cidade da minha avó tem velório sabe (inint.) morreu alguém porque a minha vó a casa da minha vó é de fundo/ o velório fica no fundo da casa da minha vó (IBORUNA)

Advérbio relacional

NR: (p1) (fi: (fi: e_assimAdvRelacional (fi)) (fi)) (p2)

(21) eu vô(u) começá(r) do começo... bom meu pai e minha mãe saíram à noite e me deixaram na minha tia c/ junto c’o meu irmão... e cê sabe a/ aquelas eles saíram seis e meia e seis e meia é aquela hora que todo mundo éh:: sai do servi::ço... tá tudo mundo mu/ muito cansa::do che/ queren(d)o chegá(r) lo::go com fo::me em ca::sa... e aí:: tem mais risco de acontecê(r) um acidente... e foi o que aconteceu... meu pai e minha mãe... estavam:: éh:: indo na avenida Bady Bassi::tt... esquina com a Amara::l do lado do Pastorinho... (IBORUNA)

Advérbio relacional

NR: (p1) (fi: (fi: e_aíAdvRelacional (fi)) (fi)) (p2)

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Os advérbios relacionais são elementos que ‘acumulam’ as funções anafórica e relacional

(conjunção), pois são elementos que, ao mesmo tempo em que fazem referência anafórica,

estabelecem algum tipo de relação semântica entre as unidades a que estão associados. Na

ocorrência (20), por exemplo, o item assim, em combinação (ou não) com a conjunção

coordenativa e, atua como advérbio relacional, estabelecendo a relação semântica de

conclusão/explicação entre dois conteúdos proposicionais (p). Em (21), o item aí, em

combinação com a conjunção coordenativa e, também atua como advérbio relacional,

estabelecendo a relação semântica de conclusão entre dois conteúdos proposicionais.

- Usos conjuncionais:

Como mostrei inicialmente, os itens assim, já e aí podem atuar como conjunções no

Português brasileiro, estabelecendo relações de dependência e independência entre as

unidades articuladas por esses elementos. No IBORUNA, foram indentificados usos de assim, já

e aí como conjunção coordenativa, conjunção subordinativa e conjunção correlativa:

(i) conjunções coordenativas:

(22) a família da menina é muito rica né?... muito rica mesmo muito poderosa que acho que se descobrisse quem era com certeza ele estaria elimiNA::do né?... porque eu acho que:: tem tio juiz::... acho que/... tios delega::do… promoTOres né?... são família da ALta sociedade daqui de São José do Rio Preto né?... e::... assim eu dei um::/ foi até um alívio assim que num ficaram saben(d)o né? porque se/ com certeza ele estaria morto... e eu ficaria triste pela mãe dele né? (IBORUNA)

Conjunção coordenativa

NR: (p1) (fi: (fi: assimConjCoordenativa (fi)) (fi)) (p2)

(23) Doc.: ah e:: nem conta nada 22[que ela gosta de alguém]?… Inf.: 22[ne::m conta] agora já minha outra irmã...fala tudo [se gosta ou não gosta de outros meninos]?… (IBORUNA)

Conjunção coordenativa

NR: (p1) (fi: (fi: jáConjCoordenativa (fi)) (fi)) (p2)

(24) Doc.: 1[cê (pôs) pa vendê(r)?]

Inf.: eu vendi::a e eu perdi um pou/ eu perdi fiquei deven(d)o uma (parte) de dinheiro po cara lá... aí eu tive que roubá(r) pa pagá(r) (IBORUNA)

Conjunção coordenativa

NR: (p1) (fi: (fi: aíConjCoordenativa (fi)) (fi)) (p2)

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(ii) conjunções subordinativas:

(25) fica mexendo...com fogo baixo...aí mexe até cansar... assim que desgrudar da panela eu coloco numa outra vasilha (IBORUNA)

Conjunção subordinativa

NR: (e1) (fi: (fi: assim_queConjSubordinativa (fi)) (fi)) (e2)

(26) Doc.: dona Mar:ia eu gostaria que a senhora me descreVEsse assim como que é a cidade aqui de Cedral já que a senhora nasceu aQUI viveu aQUI éh a senhora conhece bem a cida:de como que é a cidade aqui de Cedral? (IBORUNA)

Conjunção subordinativa

NR: (p1) (fi: (fi: já_queConjSubordinativa (fi)) (fi)) (p2)

(iii) conjunções correlativas:

(27) todo mundo vai achar ah liberou pra comprar vou comprar uma arma todo mundo vai querer comprar arma e é perigoso também porque se você vota não aí numa briga de acidentes lá o:: um familiar seu morre só porque:: no trânsito tava reclamando com o carro (IBORUNA)

Conjunção correlativa

NR: (fi: (fi: seconjunção (fi)) (p1) (fi: (fi: aíconjunção

(fi)) (fi)) (p2)

Em (22), o item aí exerce o papel de conjunção coordeantiva conclusiva entre dois conteúdos

proposicionais. Na ocorrência (23), o item já opera como conjunção coordenativa adversativa,

que expressa contraste entre dois conteúdos proposicionais. Em (24), o item aí atua também

como conjunção coordenativa, estabelecendo a relação semântica de conclusão entre dois

conteúdos proposicionais. Essas ocorrências, elencadas em (i), representam o grupo das

conjunções coordenadas, que operam nas camadas semânticas do Nível Representacional.

Em (25), a perífrase conjuncional assim que, da qual o item assim é parte integrante,

é uma conjunção subordinativa, que estabelece uma relação temporal entre a oração principal e

a oração adverbial. Em (26), o que se tem é uma ocorrência da perífrase conjuncional já que que

promove a relação semântica de causa/conseqüência entre duas unidades semânticas do Nível

Representacional. Esses casos são representativos do grupo das conjunções subordinativas.

Por fim, tem-se (27) um caso de aí que opera em uma construção correlativa, do tipo

se P...aí Q, reforçando o grau de vinculação sintático-semântica entre as orações.

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- Usos como introdutor de Conteúdo comunicado:

(28) Inf.: éh:: foi assim eu tava numa casa de uma colega MINHA… aí ela falou assim que tinha que apresentar uns menino queria apresentar uns menino aí no meu dos menino tava ELE [o namorado] aí foi assim amor à primeira vista (IBORUNA)

Introdutor de Conteúdo comunicado

NR: (ei: (fi: [(fj: falar (fj)) (xi)Ф)Ф (Ci: (fl: que tinha que apresentar uns menino (fl)) (Ci)Ф)Ф] (fi)) (ei)Ф)

Na ocorrência (28), o item assim é usado pelo falante para introduzir uma unidade

interpessoal, o Conteúdo comunicado, como argumento do verbo falar. Trata-se de uma

ocorrência, em que uma categoria pragmática passa a aturar na camada do evento. Em termos

de GR, a ocorrência em (28) representa um dos primeiros contatos com o Nível Interpessoal.

3.2. Usos de assim, já e aí no Nível Interpessoal

Como visto até aqui, os usos de assim, já e aí descritos na seção anterior limitam-se

se às camadas semânticas do Nível Representacional, atuando como advérbios dêiticos,

advérbios fóricos, inotrodutor de episódios, advérbios relacionais (elementos com função

relacional) e elementos conjuncionais. Os usos de assim, já e aí apresentados, a seguir,

dizem respeito às camadas pragmáticas do Nível Interpessoal, isto é, os usos discursivos:

- Usos como operador aproximativo:

De acordo com Hengeveld & Mackenzie (2008), os subatos adscritivos (T) e

referenciais (R) são categorias interpessoais que compõem o Conteúdo comunicado do

Nível Interpessoal. Para a GDF, o esquema geral de organização interna dos subatos

referenciais em relação à presença de modificadores é o que segue abaixo:

(29) (Π Ri: [(Ti) (Tj: [ ] (Tj): felizmente/infelizmente (Tj))] (Ri))

Já para os operadores de subatos adscritivos, o esquema é o seguinte:

(30) a. (approx (T1)) b. (emph (T1))

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Uma das contribuições deste trabalho, que é também discutida em um outro estudo (BRAGA

& SOUZA, 2008), é a descoberta de um operador aproximativo, até então proposto apenas

para os subatos adscritivos, também para os subatos referenciais. Os dados do Português

atual atestam que o item assim pode atuar tanto como operador aproximativo de subato

adscritivo, como em (31), quanto como operador aproximativo de subato referencial, em (32):

(31) Doc.: e o da sua mãe? Inf.: o da minha mãe::... eu num sei o nome daquela cor mas acho que é salmão ou algo 11[assim... é::] 11[Doc.: aham ((concordando))] é:: bonito lara/la/chama... a.../ a parede mais escura acho/ É:: quase laranja assim SEMpre TEM as paredes mais CLAras e depois a esCUra (IBORUNA)

Operador aproximativo de subato adscritivo

NI: (approxassim (TI: laranja (TI))

(32) aí a gente chamô(u) minha mãe pra me levá(r) no Hospital Santa Helena... lá no Santa Helena num tinha ninguém pra me atendê(r) aí eu fui na Beneficência... aí lá me trataram bem:: co/ perguntaram tu::do que tinha aconteci::do... e eu fui falan(d)o... aí colocaram um::...cervical alguma coisa assim sabe?... então aí eu fiquei... lá na:: me deram so::ro me deram um monte de coisa pra mi/ mim tomá(r)...(IBORUNA)

Operador aproximativo de subato referencial

NI: (approxassim (RI: alguma coisa (RI))

Na ocorrência (31), o item lingüístico assim funciona como operador aproximativo em um

sintagma adjetival, isto é, um subato adscritivo. Nesse exemplo, assim atua como um

operador de mitigação, especificando mais ou menos como é a cor das paredes do quarto da

mãe [que é parecida com a cor laranja]. Já em (32), tem-se um caso de assim que opera

como operador aproximativo de subato referencial, com função também mitigativa. Observe

que, nesse caso, assim toma como escopo o sintagma nominal alguma coisa, cujo objetivo do

falante é informar que algo foi colocado em seu pescoço, ainda que não soubesse

exatamente o que era [se era um cervical ou alguma coisa parecida com isso].

Em (33), a forma lingüística aí funciona também como operador aproximativo de subato

referencial, possibilidade até então não considerada por Hengeveld & Mackenzie (2008):

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(33) Inf.: ah:: a M. já me contô(u) alg/ umas coisas aí... tipo a gente a gente foi no baile jun::to tal... mas:: a gente chega LÁ a gente fica lá dançan::(d)o e ela some... aí depois no final do baile ela vem tipo ela fala que vem me contan(d)o as coisas... daí:: ela:: me falô(u) que:: ela FOI ela ela era a fim de beijá(r) un::s menino lá... que faz academia junto com a GENte... daí:: primeiro ela foi e::... tipo ela começa a dá(r) indiREta nos moleque ((cachorro late))... (IBORUNA)

Operador aproximativo de subato referencial

NI: (approxaí (RI: umas coisas (RI))

Como se pode observar, em (33), o item aí opera sobre o sintagma nominal “umas coisas”,

conferindo-lhe um valor impreciso, incerto ou ‘relativo’ (às vezes). Comunicativamente, essa

ocorrência pode ser entendida da seguinte forma: uma amiga me contou umas coisas que são

íntimas e, por isso, eu não posso dizer exatamente como essas coisas ocorreram; não posso

dar todos os detalhes dos acontecimentos. Assim sendo, por conta dos dados reveladores do

presente estudo e da contribuição de Braga & Souza (2008) para o desenvolvimento de um

aspecto teórico da GDF, a inserção de um operador aproximativo nos subatos referenciais foi

recentemente acatada por Hengeveld & Keizer (2008), em um estudo sobre os operadores de

subatos adscritivos e referenciais a partir de uma perspectiva tipológica de análise.

Uma ocorrência de aí como operador aproximativo de subato adscritivo é dada em (34):

(34) Inf.: esTUdam tenho uma:: tenho duas neta tenho uma neta que já se/ já casou né e tem outra mocinha tá com uns qui/ quinze ano... e tem o o:: irmão delas deve tá com dez ano por aí... ele gosta de desenhar... precisa ver os desenho que ele faz desenha cacho::rro desenha (inint.) que é a mãe de::le [Doc.: uhum] ele tem DOM de desenhar é um menino esse moleque precisava:: entrar numa escola aí de... de arte né pra...(IBORUNA)

Operador aproximativo de subato adscritivo

NI: (approxaí (TI: com dez anos (TI))

Em (34), o item aí funciona como operador aproximativo de subato adscritivo, conferindo ao

subato adscritivo com dez ano(s) um valor aproximado referente à idade do neto. É importante

ressaltar, no entanto, que a presença do modalizador dever contribui para essa leitura.

Nesse sentido, o que proponho no presente estudo é o que segue em (34):

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(34) (Π R1: Núcleo (R1): modificador (R1)) - proposta: (approx (R1))

A presença de assim e aí operando na camada do Conteúdo comunicado (subatos adscritivos

e referenciais) é mais uma evidência de que esses elementos estão se gramaticalizando e

assumindo funções declaradamente interpessoais (situadas no contexto do falante/ouvinte),

fato que mais uma vez atesta a hipótese formulada na introdução deste estudo.

- Usos como introdutor de Conteúdo comunicado:

Conforme foi apresentado no capítulo I, o Conteúdo comunicado, que pertence ao

Nível Interpessoal, difere-se do conteúdo proposicional, justamente pelo fato de não poder ser

atribuído a outra ‘pessoa’, como é o caso do conteúdo proposicional. Assim, em construções

como Vi no jornal que a inflação caiu, o complemento do verbo ver só pode ser um Conteúdo

comunicado, uma vez que a fonte da informação “o jornal” é explicitada na construção. Não se

trata, pois, de uma inferência do falante, assim como ocorre em Vejo pela sua voz que você

está triste. Nesse caso, sim, o que se tem é uma proposição (fruto de inferência).

Na ocorrência (35), assim introduz um Conteúdo comunicado:

(35) meu filho costuma conversar com ela pelo:: pela internet na lan house [Doc.: lan house ((concordando))] e:: e ele conversando com ela né e conversando com uma prima minha e:: de repente eles parou de conversar com a mi/ com minha irmã e começou falar com a minha prima e minha irmã brava com ele perguntando pra ele –“com quem você tá falando”– aí ele falou assim –“eu tô falando com a Tami::res” – aí falou assim –“ah! tá”-- aí ele pegou falou assim –“ah! em Rio Preto” (IBORUNA)

Introdutor de Conteudo comunicado

NI: (M1: (AI: (FI: DECL (FI)) (PI)S (PJ)A (CI: [– eu tô falando com a Tamires –] (CI): Σ (CI))] (AI)) (M1))

Em (35), o item assim é usado como introdutor de Conteúdo comunicado, que, na construção

acima, é estruturalmente expresso por meio de uma oração finita. Nessa ocorrência, o item

assim introduz exatamente aquilo que foi comunicado por um terceiro. Uma outra informação

relevante é que não encontrei nenhuma ocorrência de aí no IBORUNA com essa função.

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- Usos como marcador de foco e introdutor de tópico:

(36) Doc.: e assim com relação aos filhos do senhor alguma situação... que eles já passaram que o senhor já tinha me dito que ia falar que co/ eles e eles contaram pro senhor e o senhor num esqueceu assim o senhor pode tá falando (IBORUNA)

Introdutor de tópico

NI: (C1: [(RI: filhos)Top (TJ: passaram)Ф (Tl: situação)Foc ] (C1))

(37) Inf.: 3[É::]... ai eu tenho tipo uma tia que ela já foi pra Cu::ba... isso já faz um tempo já... ela foi pra CU::ba era pra pra mim tê(r) ido jun::to só que meu pai diz que num quis porque a gente era muito novo (IBORUNA)

Marcador de foco

NI: (C1: [(RI: isso) (TJ: faz) (Tl: um tempo)Foc] (C1))

O que se nota, em (36), é um caso de assim que atua na organização de cadeias tópicas, mais

especificamente na introdução de elementos tópicos. Em (36), a documentadora utiliza o item

assim como estratégia lingüística para introduzir o tópico o filhos do informante para, a partir

daí, questionar o informante sobre possíveis acontecimentos relacionados aos filhos. Em (37),

o papel do item lingüístico já é marcar o Foco da oração, isto é, a informação que o falante

considera como mais importante para ser transmitida ao ouvinte. Nesse contexto, o marcador

de Foco já é usado pelo falante para explicitar que a ida da tia para Cuba já faz muito tempo.

Vale destacar que a leitura aspectual na construção é atualizada pela primeira ocorrência de

já, que atua como advérbio aspectual. Já a leitura como marcador de foco é garantida pelo

processo de reduplicação de já na construção em análise [já SV SN/SAdj/SAdv já].

O uso de aí, em (38), é um outro caso que opera na organização de tópico:

(38) aí nós pegô(u) lá colocô(u) lá ficô(u) jogan(d)o jogan(d)o jogan(d)o jogan(d)o... deu um piriPAQUE lá na fita do menino [Doc.: uhm] depois o menino... foi lá e falô(u) assim –“o E. cadê minha fita?”–... hum –“suMI::U”– Doc.: e aí? o menino ficô(u) bravo? Inf.: não agora o menino NE::M LEMbra mais que ele tem aquela fita (IBORUNA)

Introdutor de tópico

NI: (C1: [(RI: menino)Top (TJ: ficou) (Tl: bravo)Foc] (C1))

Em (38), a expressão e aí? pode ser definida como uma estratégia utilizada pelo falante para

dar continuidade ao tópico corrente, a partir de indagações e da introdução de subtópicos. O

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tópico da conversa acima é referente a um jogo que o informante pediu emprestado de um

colega, mas não devolveu. Nesse caso, o tópico se mantém ao redor da figura do menino, de sua

reação frente ao ocorrido. A expressão e aí? até poderia ser analisada como um ato discursivo

de função interpelativa, no entanto, essa não é a única função do item aí no contexto.

- Usos como marcador discursivo:

Além dos usos gramaticalizados discutidos nas seções anteriores, os itens assim, já e

aí podem assumir funções ainda mais gramaticais, tais como as de marcador discursivo e

introdutor de movimento. Dessa forma, os usos que apresento abaixo são todos discursivos:

(39) F. cê já... VI::U assim particiPÔ::(U) de alguma BRIga alguma coisa...que marCÔ(U)?...pode falá(r) pra gente? (IBORUNA)

Marcador discursivo

NI: (M1: [(A1) assimMarcadorMetadiscursivo (A2)Ф] (M1))Ф

(40) Inf.: a::migo meu...ele me contou uma história aí que deu até rolo né?...prá ele...foi assim a filha do pastor...[Doc.: hum ((concordando))] tava…namorando escondido com o:: o baixista...eu num tava sabendo né? esse moleque que... que me contou tudo isso aí... e esse moleque gostava dela...e aí que aconteceu ele gostava dela o outro começou namorar na/a namorar escondido e ela ficou sabendo que ele:: que ele gostava dela aí ficou aquele clima ruim né?...e aí eu falei – “Renan que cê vai fazer agora?”– aí:: ele falou – “num sei né?” – aí:: aí aí foi embora aí ele tentou a voltar a amiza::de e ela ficou com os dois ao mesmo tempo num dia só…(IBORUNA)

Marcador discursivo

NI: (M1: [(A1) aíMarcadorMetadiscursivo (A2)Ф] (M1))Ф

Como se pode verificar, em (39), o item assim exerce o papel de marcador metadiscursivo,

cuja função é corrigir ou reformular aquilo que foi dito anteriormente pelo falante. Trata-se de

um uso que aponta para o processamento cognitivo do falante/ouvinte no momento da

interação, uma vez que as correções, reformulações e mudanças ocorrem durante a

comunicação. O mesmo se verifica em (40), em que aí é usado também como marcador

metadiscursivo durante o processo de conversação. Essa estratégia é, geralmente, empregada

pelo falante para ganhar tempo enquanto se pensa e processa as novas informações.

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- Usos como introdutor de movimento:

Por fim, o uso que ilustro a seguir é um caso de introdutor de movimento:

(41) Doc.: sabe o que eu queria que cê me contasse também se

puDESSE ...como você conheceu seu… 2[atual] namorado… Inf.: 2[namorado?] ahn… éh:: foi assim eu tava numa casa de uma colega MINHA… aí ela falou assim que tinha que apresentar uns menino queria apresentar uns menino aí no meu dos menino tava ELE aí foi assim amor à primeira vista… [Doc.: hum] aí:: ele pegou e pe/pe/ perguntou se eu queria ficar com ele eu falei que eu queri::a a gente começou ficar naquele dia aí passaram uns dois meses a gente num se viu mais… [Doc.: hum] aí do nada eu encontrei ele assim aí a gente começou ficar de novo ele pediu eu em namo::ro e a gente tá até ho::jê (IBORUNA)

Introdutor de movimento

NI: assim (M1: [aí(A1)...aí (A2) ...aí (A3)...aí (A4+n)Φ] (M1))Φ

Em (41), aí opera na introdução de movimento, que pertence ao Nível Interpessoal. Em outras

palavras, em (41), o item aí atua na camada do movimento, que é a camada mais gramatical,

abstrata e expressiva do nível pragmático. Nessa ocorrência, aí introduz um movimento de

reação (ao comando do documentador), que, por sua vez, é constituído por vários atos

discursivos, que são inseridos por meio de outros usos de aí no Português brasileiro.

4. GENERALIZAÇÕES SINCRÔNICAS: O PERCURSO DE MUDANÇA LINGÜÍSTICA

Relacionando as ocorrências de assim, já e aí extraídas do banco de dados

IBORUNA (Português contemporâneo) às diferentes categorias semânticas e pragmáticas dos

níveis Representacional e Interpessoal, tem-se o seguinte quadro evolutivo:

Categorias da GDF Nível Representacional Nível Interpessoal

ITENS

f x e ep p C A M Assim - - + + + + + + Já - - + + + + - - Aí - - + + + + + -

Quadro 1. Correlação entre os itens assim, já e aí e os níveis da GDF

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Os dados do Português contemporâneo mostram que os itens lingüísticos assim, já e aí

operam tanto nas camadas semânticas (f, x, e, ep, p) do Nível Representacional quanto nas

camadas pragmáticas (C, A, M) do Nível Interpessoal. Esse comportamento funcional sugere

uma trajetória de GR que parte das camadas do Nível Representacional, em especial a camada

do evento, em direção às camadas do Nível Interpessoal, como as camadas do conteúdo

comunicado, ato discursivo e movimento. Esse percurso de mudança envolve alterações

morfossintáticas, pelo fato de os itens assumirem outras posições sintáticas e integrarem outros

paradigmas funcionais, e também alterações semânticas e pagmáticas. Com relação às

mudanças semântico-pragmáticas, o que se observa é a persistência de alguns traços

semânticos das formas-fonte nos usos mais gramaticalizados (cf. HOPPER, 1991).

Com base nas informações do quadro 1, pode-se notar que os usos de assim, já e aí

não ocorrem de forma desordenada, mas sim dentro de uma hierarquia implicacional:

(42) Hierarquia implicacional de assim e < ep < p < C < A < M (43) Hierarquia implicacional de já e < ep < p < C (44) Hierarquia implicacional de aí e < ep < p < C < A

Em (42), observa-se que o item assim pode operar inclusive na camada mais alta do Nível

Interpessoal (a camada do movimento), que, por essa razão, pressupõe a sua existência nas

demais camadas dos níveis Interpessoal e Representacional, fato que atesta a relevância de

se observar as relações de escopo (expansão funcional) no tocante à GR desses itens. A

hierarquia em (43) ilustra que os usos de já se limitam mais às camadas do Nível

Representacional, com alguns usos apenas operando na camada do Conteúdo comunicado.

Em (44), a existência de aí na camada do ato discursivo pressupõe também a sua existência

nas demais camadas do Nível Interpessoal (C) e do Nível Representacional (e, ep, p).

Nesse sentido, os percursos de GR de assim, já e aí corroboram as idéias de Traugott

(1982) e Traugott & König (1991) não apenas no tocante ao papel do contexto no surgimento de

novos usos na língua, como também no tocante ao caráter unidirecional das mudanças, que

partem quase sempre do componente propiscional rumo ao componente expressivo da língua:

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Categorias representacionais

propriedade > indivíduo > evento > episódio > proposição

Categorias interpessoais

> conteúdo comunicado > (ato discursivo) > (movimento)

Figura 1. Os percursos de GR de assim, já e aí na GDF

Como se vê na figura 1, os percursos de mudança lingüística de assim, já e aí no Português

contemporâneo sugerem que há um processo de GR que começa no Nível Representacional (nas

camadas do evento, episódio e conteúdo proposicional) e termina no Nível Interpessoal (nas

camadas do Conteúdo comunicado, Ato discursivo e Movimento). Em relação aos pontos de

chegada nas camadas da GDF, pode-se dizer que o movimento é a camada-alvo de assim, o

ato discursivo é camada-alvo de aí e o conteudo comunicado é camada-alvo de já.

5. AVALIAÇÃO

Em função da análise de dados apresentada neste capítulo, pode-se sugerir as

seguintes trajetórias de GR para os itens lingüísticos assim, já e aí no Português falado:

Deit. > fórico > introd. epis. > adv. rel. > conj. coord. > oper. sub. ads. > intr. cont. com. > org. top. > m.disc. > introd. mov. conj. subord. oper. sub. ref.

Quadro 2. Trajetória de GR de assim no Português contemporâneo

Deit. > adv. aspectual > fórico > conj. coord. > marcador foco conj. subord.

Quadro 3. Trajetória de GR de já no Português contemporâneo

Deit. > fórico > introd. epis. > adv. rel. > conj. coord. > oper. sub. ads. > org. top. > introd. ato discursivo > m. discursivo conj. subord. oper. sub. ref. conj. correl.

Quadro 4. Trajetória de GR de aí no Português contemporâneo

Conforme se pode verificar, os usos mais à esquerda (dêitico e fórico) são mais

concretos e menos gramaticalizados de assim, já e aí, enquanto os usos situados mais à

direita do esquema (introdutor de movimento, marcador de foco e marcador discursivo) são

mais abstratos e mais gramaticalizados. Em termos de GR, o item assim é o elemento mais

gramaticalizado, pelo fato de atuar também na camada mais elevada do Nível Interpessoal.

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CAPÍTULO V

HISTÓRIA E MULTIFUNCIONALIDADE DAS FORMAS

LINGÜÍSTICAS ASSIM, JÁ e AÍ NO PORTUGUÊS

ste capítulo apresenta um apanhado histórico do funcionamento dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português histórico (que inclui os documentos publicados até meados do século XX), iniciando pelos usos expressos por esses itens adverbiais no Latim vulgar. Meu objetivo neste capítulo é checar a multifuncionalidade de assim, já e aí no Português histórico utilizando as categorias semânticas e pragmáticas da GDF (HENGEVELD &

MACKENZIE, 2008), que foram discutidas em detalhe no capítulo I. Para tanto, este capítulo encontra-se organizado em seis seções. Na seção 1, faço uma breve introdução dos conceitos de freqüência token e freqüência type (BYBEE et alii, 1994; BYBEE & HOPPER, 2001; BYBEE, 2003) que são essenciais para avaliar o estágio de GR dos itens assim, já e aí. Na seção 2, discuto um pouco da história e etimologia dos advérbios assim, já e aí no Latim com o objetivo de verificar a evolução lingüística desses elementos no Português. Nas seções 3, 4 e 5 apresento a análise e a interpretação dos dados diacrônicos de assim, já e aí no Português, com base nos conceitos teóricos da GR e da GDF. A seção 6 traz as generalizações diacrônicas desses elementos adverbiais, com enfoque na correlação entre os usos expressos por esses itens e os níveis e as camadas de organização da GDF, bem como alguns gráficos e quadros de evolução histórica dos itens assim, já e aí no Português. Por fim, a seção 7 encerra-se com uma avaliação geral das questões discutidas no capítulo.

1. INTRODUÇÃO

Como mostrei no capítulo II, os estudos sobre mudança lingüística, mais

especificamente sobre a GR de itens lingüísticos, em geral, podem ser realizados a partir de

duas perspectivas, quais sejam: sincrônica e diacrônica. Sob a perspectiva diacrônica, busca-se

investigar a origem das formas gramaticais e os aspectos lingüísticos relacionados ao processo

de mudança desses elementos no decorrer do tempo, no qual itens lexicais podem ser tornar

gramaticais e itens gramaticais podem se tornar ainda mais gramaticais. Já sob a perspectiva

sincrônica, a GR de formas lingüísticas pode ser definida como um fenômeno sintático-

EN

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184

pragmático, que “ocorre em contextos discursivos bastante específicos” (GONÇALVES, 2003,

p.143) e pode ser entendido a partir da noção de continuum (HOPPER & TRAUGOTT, 1993)74.

Ao lado dos estudos que optam por uma dessas duas perspectivas de análise, é

possível conciliar ainda, em uma modalidade de pesquisa conhecida como “pancrônica”

(CUNHA, OLIVEIRA & VOTRE, 1999), tanto a perspectiva sincrônica quanto a perspectiva

diacrônica de análise lingüística. Nos últimos anos, o numero de pesquisas lingüísticas

realizadas sob essa perspectiva aumentou, talvez justamente por conta da necessidade de se

conhecer um pouco mais da história da língua para, então, proceder à análise de um dado

item lingüístico. Segundo Heine et alii (1991), nos estudos de GR, é difícil estabelecer uma

rígida separação entre diacronia e sincronia, uma vez que ambas se complementam. Nesse

contexto, para analisar os advérbios assim, já e aí no PB, analiso tanto dados diacrônicos

quanto dados do PB contemporâneo (que são oriundos das amostras de fala do Banco de

dados IBORUNA, mais especificamente os inquéritos da Amostra Censo).

Nos estudos atuais sobre GR75, a noção de freqüência (BYBEE et alii, 1994; BYBEE

& HOPPER, 2001; BYBEE, 2003) tem sido vista como um primeiro indício (evidência) de que

uma dada forma lingüística está se gramaticalizando na língua. A esse respeito, Bybee (2003)

destaca que a freqüência76 de um item gramatical pode revelar aspectos importantes do

processo de GR. Segundo a autora, os morfemas gramaticais tendem a apresentar uma

freqüência textual, também conhecida como freqüência token, bastante elevada, ao passo

que os morfemas lexicais tendem a apresentar uma baixa freqüência textual.

Nesse caso, levando-se em consideração que os morfemas gramaticais – itens

gramaticais – se originam de morfemas lexicais (ou morfemas gramaticais), pode-se dizer,

conforme Bybee, que um aspecto marcante no processo de GR é o aumento da freqüência.

Um exemplo mencionado pela autora que ilustra a relevância da freqüência para averiguar o

processo de mudança de itens lingüísticos é o uso de can no Inglês. Segundo Bybee, no

74 Conferir o capítulo II para maiores informações sobre a noção de continuum de Hopper & Traugott (1993). 75 Entre os estudos publicados no Brasil, que lançam mão da noção de freqüência para avaliar o processo de GR das formas lingüísticas no PB, cabe mencionar: Gonçalves (2003; 2007), dentre outros autores. 76 Bybee (2003) ressalta logo na introdução de seu artigo “Mecanismos de mudança em gramaticalização: o papel da freqüência”, que a freqüência não constitui um resultado da GR, mas sim uma contribuição primária para a ocorrência do processo, ou seja, uma força ativa que atua no desencadeamento da mudança da GR.

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Inglês moderno, o auxiliar modal can, derivado da forma antiga cunnan ‘to know’ (saber,

conhecer), pode ser entendido como apresentando os seguintes estágios:

(1) habililidade mental > habilidade > possibilidade de raiz (capacidade mental no agente) (capacidade no agente) (capacidade)

O esquema (1), adaptado de Bybee (2003), ilustra os estágios de desenvolvimento de can no

Inglês, que de habilidade mental passou a ser usado como possibilidade, ampliando, dessa

forma, as classes de verbos principais com os quais pode ocorrer, à medida que também

amplia a variedade de sujeitos possíveis para esse auxiliar77. Assim, para Bybee, o aumento de

freqüência de can do Inglês Antigo para o Inglês Moderno está associado não só à ampliação

do número de verbos de cada uma das classes que pode integrar (freqüência type), como

também ao alto número de ocorrências (freqüência token) motivadas pela comunicação.

De acordo com Bybee (2003), a freqüência token ou freqüência textual constitui a

freqüência de ocorrência de uma unidade lingüística (palavra ou morfema) no fluxo textual. Um

outro exemplo dado pela autora é o uso do verbo broke (passado de break ‘quebrar’), na forma

irregular, que ocorre, segundo Bybee, 66 vezes por milhão em Francis & Kucera (1982),

enquanto o verbo passado damaged, na forma regular, ocorre apenas 5 vezes na mesma

amostra analisada. Nesse caso, a freqüência token de broke (que possui conjugação irregular) é

bem mais elevada do que a de demaged (que possui conjunção regular). A autora destaca

ainda que a freqüência token pode ser também aplicada a construções gramaticalizadas, como

o caso de be going to (cf. capítulo II), contando somente as ocorrências em que be going to é

usado com um verbo subseqüente, como em He is going to stay here, e não um nome.

A freqüência type, por sua vez, refere-se à freqüência de um padrão particular de

dicionário, uma acepção, um significado diferente. Galbiatti (2008, p. 119), por exemplo, mostra

que a perífrase conjuncional agora que no PB é menos freqüente (63, de freqüência token) que

a perífrase conjuncional já que, que conta com uma freqüência token de 140 ocorrências. Já,

com relação à freqüência type, ambas apresentam um mesmo número, 3 types: acepção

temporal, acepção polissêmica entre tempo e causa, e acepção causal. Esse resultado obtido

por Galbiati mostra que já que parece estar mais gramaticalizada que a perífrase agora que.

77 Bybee (2003) assinala que a generalização do significado e dos contextos de uso é o resultado do processo de GR, no entanto, reconhece que significados específicos e gerais podem coexistir após a gramaticalização.

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Conforme Bybee, a noção de freqüência type78 pode também ser aplicada às

construções gramaticalizadas considerando-se o número de funções distintas que uma

mesma forma pode exercer na língua. Novamente, um bom exemplo que ilustra essa

possibilidade é a construção be going to, que é sempre mencionada nos estudos sobre GR.

Como já é sabido, em estágios anteriores do Inglês, be going to era literalmente usado com

sentido de movimento (deslocamento espacial), em que a posição de sujeito era reservada

apenas para sintagmas nominais que denotavam uma entidade animada. Com o tempo, a

posição de sujeito passou a incluir tipos diferentes de entidades (entidades não-animadas),

expandindo, assim, o alcance do predicado verbal, como mostra o exemplo abaixo:

(2) The tree is going to lose its leaves. A árvore vai perder suas folhas.

Assim, segundo Bybee (2003, 1985), um item gramaticalizado tende a ganhar em generalidade,

à medida que os contextos em que ele pode ocorrer muda do específico para o mais geral.

Como se observa, as noções de freqüência token e freqüência type são de grande

valia para os estudos diacrônicos, uma vez que permitem verificar a variação lingüística e a

alteração da freqüência de uma forma no decorrer do tempo. Entretanto, o uso dessas

ferramentas de análise é igualmente válido para descrever os fenômenos variáveis sob uma

perspectiva sincrônica, pelo fato de se poder considerar na análise tanto a freqüência textual

(token) quanto a freqüência de usos distintos (type) de uma mesma forma lingüística.

Baseando-se nos trabalhos de Haiman (1984) e Boyland (1996)79, que foram os

primeiros a enfatizar a importância da repetição no processo de GR dos itens lingüísticos,

Bybee (2003) propõe, portanto, uma nova definição de GR, isto é, uma definição que busca

reconhecer o papel da repetição ou recorrência na GR. Sob essa perspectiva, a GR é

entendida como uma seqüência de palavras ou morfemas que são freqüentemente usados,

tornando-se automatizados como uma unidade simples de processamento.

78 Conforme Bybee (2003), uma propriedade que é bastante observada nas construções gramaticalizadas é o aumento da freqüência type. E, como conseqüência do processo de GR, a freqüência token também cresce. 79 Em seu estudo, Haiman (1984) traça um paralelo entre o fenômeno cultural de ritualização e o processo de GR que ocorre nas línguas, mostrando que é possível aplicar o mesmo princípio de ritualização ao desenvolvimento das línguas. Já Boyland (1996) investiga os efeitos da repetição sobre a representação cognitiva das construções gramaticalizadas, com o intuito de verificar a real importância desse aspecto nas esferas cognitivas da língua.

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187

A nova definição de GR de Bybee (2003) se dá com base nos seguintes aspectos:

a) o aumento da freqüência de uso leva ao enfraquecimento de força semântica pela habitualidade – quando um organismo deixa de responder, da mesma forma, a um estímulo repetido;

b) as mudanças fonológicas de redução e fusão de construções em GR são condicionadas por sua alta freqüência e também por seu uso nas porções do enunciado que contêm informação conhecida (de fundo);

c) o aumento da freqüência pode levar a uma maior autonomia de uma construção, o que quer dizer que os componentes individuais de uma dada construção (como por exemplo, go, to ou –ing) enfraquecem ou perdem sua associação com outros exemplares do mesmo item, que não estão tão gramaticalizados;

d) a perda de transparência semântica que acompanha a separação entre os componentes da construção gramaticalizada e os seus semelhantes lexicais permite o uso da forma lingüística em novos contextos com novas associações pragmáticas, o que leva à mudança semântica;

Tipo

s de

mud

ança

s

e) a autonomia da forma lingüística que é muito freqüente faz com que ela fique mais integrada à língua, de modo que possa sempre condicionar a preservação de outras características morfossintáticas mais antigas.

Quadro 1. O papel da repetição no processo de GR (Adaptado de Bybee, 2003)

Discutidas as noções teóricas de Bybee (2003) e Bybee et alii (1994), que serão úteis para os

objetivos dessa pesquisa, em especial para a constatação ou refutação das hipóteses de GR

dos itens assim, já e aí no PB elencadas no capítulo de introdução, busco, agora, nas

próximas seções, apresentar evidências históricas – respeitando certamente as restrições

desse tipo de pesquisa – para a análise dos dados do Português contemporâneo, que

apresentei no capítulo anterior. Nesse sentido, ao lançar mão de dados diacrônicos dos itens

assim, já e aí, meu intuito é testar a hipótese de GR desses elementos, que, no meu entender,

começa no Nível Representacional e parte rumo às camadas pragmático-discursivas do Nível

Interpessoal da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2006; 2008), podendo ou não concluir as

suas etapas de GR. É claro que, paralelamente a essa questão, busco também checar o

princípio da unidirecionalidade (cf. capítulo II) do processo de GR das formas adverbiais.

Para tanto, vale apresentar, inicialmente, até mesmo para conhecer um pouco sobre o

processo de formação/constituição dos itens lingüísticos, um breve apanhado histórico e

etimológico dos advérbios assim, já e aí no Latim, com foco nas suas origens.

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2. HISTÓRIA DOS ITENS ASSIM, JÁ E AÍ

Conforme visto nos capítulos anteriores, os itens lingüísticos assim, já e aí podem

desempenhar diferentes funções no Português brasileiro, incluindo principalmente as funções

que exercem na organização do texto/discurso, que envolvem a articulação de orações e

porções maiores de texto, e também as funções interacionais que ocorrem em conversações.

Nesses casos, segundo Lopes (2001), os elementos adverbiais perdem sua liberdade

sintagmática, passando a ocupar posições mais radiais em relação à estrutura predicativa.

Além dos advérbios assim, já e aí, há também outros casos de advérbios que atuam na

organização do discurso, como os advérbios mal, mais, agora, em boa hora > embora, logo

(LOPES, 2001; MARTELOTTA, 2004), entre outros, que vêm sendo analisados à luz da GR.

2.1. Etimologia do advérbio assim

O advérbio assim vem do composto latino ad sic, que significava “desse ou daquele

modo”. Segundo Ernout & Meillet (1951), ad exercia duas funções na língua latina: uma como

preposição, com sentido de aproximação no espaço “em direção a” e “para”, e outra como

prefixo reforçador de formas adverbiais “adpost”, “adpressum”, “adprope”, cujo valor é de

aproximação, direção ou adição (LONGHIN-THOMAZI, 2006). Já sic, do antigo seic, era um

advérbio de modo “dessa maneira”. Entre os demais usos de assim, pode-se mencionar os

casos como conjunção (significando “por conseguinte”, “conseqüentemente”), como locução

adverbial “assim como” (significando “já agora”) ou, então, como locução conjuncional “assim

como” (significando “logo que”) e “assim que” (significando “de maneira que, quando”).

O exemplo (3) ilustra um caso de advérbio assim empregado no Latim:

(3) Motiva habebam ad sic agendum; et motiva simul ad contrarium faciendum habebam.

Eu tinha motivos para agir assim, e ao mesmo tempo tinha motivos para fazer o contrário.

Em (3), a forma composta ad sic é usada como uma expressão adverbial de modo,

significando “desse modo/ dessa maneira”, que é um dos usos menos gramaticalizados no

Português atual. Esse uso é diferente, no entanto, do exemplo (4) que segue abaixo:

(4) - Hatéria, tu rememoras de Helvidius Lucius cum quem eo debeba mihi ellevare ad altar Ad sic, eo mihi rememoro... [-Hatéria, tu te recordas de Helvidius Lucius com quem eu

deveria ter me elvado ao altar? - Sim, eu me recordo!].

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Como se pode observar, em (4), ad sic atua como advérbio de afirmação (positivo), com o

significado de sim. Segundo Bortolanza (2003), em um dado momento da história do Latim,

sic passou a ser usado como afirmativa, por meio da analogia com o antônimo não.

2.2. Etimologia do advérbio já

O advérbio já, oriundo do Latim iăm “de modo imediato, nesse momento, em breve,

logo” (COSTA, 2003), constituía um advérbio de natureza nominal que tinha por função

assinalar “o modo de ser do evento”. Talvez, por essa razão, é que os limites entre as

categorias de tempo e aspecto80, em especial no caso do advérbio já, são até hoje indefinidos.

Em outras palavras, a depender do contexto de uso, o advérbio já pode assumir o valor de

tempo (neste momento) ou de aspecto (rapidamente, anterioridade – antes do tempo esperado),

além de exercer outras funções importantes nos atuais estágios sincrônicos do PB, como as de

conectivo/conjunção (na oposição de idéias) e marcador discursivo. Como um processo

natural do Português e de várias outras línguas, o advérbio já pode também integrar locuções

conjuntivas do tipo “já que”, tipicamente empregadas em orações subordinadas causais.

O exemplo (5) ilustra um caso de advérbio já empregado no Latim:

(5) Iăm frumentum in agris est. Já há nos campos trigo maduro.

Em (5), o elemento adverbial iăm (= já) é empregado como um advérbio aspectual, que indica

anterioridade a um ponto esperado no evento [o trigo amadureceu antes do tempo]. Nesse

caso, portanto, o advérbio já não exerce a função de ordenador temporal de eventos.

Um exemplo de já como advérbio de tempo é dado em (6) a seguir:

(6) Fiat iăm voluntas tua. (AQUATI, 1999) Faça-se já a tua vontade.

No exemplo (6), a forma adverbial latina iăm atua como advérbio de tempo [nesse

momento/agora], apresentando a seguinte leitura: Faça nesse momento/agora a tua vontade.

80 Trabalhando com dados diacrônicos, Mattos e Silva (1989) encontra 71 ocorrências de já, que são analisadas de acordo com os princípios de anterioridade e posterioridade a um momento/evento.

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190

2.3. Etimologia do advérbio aí

Já o advérbio aí, proveniente da expressão latina ad arc (hi < hic), como em (7),

significando “nesse lugar”, parece ter levado um pouco mais de tempo para adentrar à dimensão

textual da língua, uma vez que vários estudos e dicionários etimológicos apontam que os usos

de advérbios mais freqüentes no Latim e no Português arcaico/moderno eram os de valor

locativo (relacionado à dimensão do ouvinte), anafórico e catafórico (relacionados à estrutura do

texto). Os usos de aí como conectivo e marcador discursivo só foram aparecer mais tarde, no

português contemporâneo, como mostram os estudos de Braga et alii (2001) e Braga (2003).

(7) Ad arc is hujus penetralia non fumus admiili propter abfentiam familiae. Não fomos permitidos entrar nesse lugar (da família).

Em (7), a expressão latina ad arc é usada na sentença como sentido de “nesse lugar”, que

serve para situar o evento/acontecimento descrito pela oração, em termos locativos.

Segundo Costa (2003), a forma adverbial i (= aí), encontrada com abundância no

período arcaico do Português, é oriunda do Latim ĭbī e da provável interferência de hic,

também do Latim. De acordo com a autora, no Latim clássico, a forma ĭbī constituía um

advérbio espacial de valor anafórico. Costa ainda destaca que, “embora houvesse uma forma

adverbial específica para a exófora de segunda pessoa, istīc, essa forma não continuou em

português, enquanto o adverbial i (com as variantes hy e hi)81 é amplamente documentado,

em português, desde 1272” (op.cit, p. 157), apresentando vários correspondentes em outras

línguas românicas. Com o passar do tempo, essas variantes adverbiais (com o significado de

lugar onde) deram lugar ao advérbio aí, cuja forma é mais recente no Português.

O item adverbial i surgiu durante a passagem do Latim para o Português. Nesse

período, a forma adverbial ĭbī sofreu alterações fonético-fonológicas (COSTA, 2003), dando

origem ao item adverbial i, que fez parte da Língua Portuguesa82. A partir do século XVI, a

forma adverbial i passa a ser reforçada pelo uso da preposição a, originando, assim, a forma

atual do Português aí. Essa idéia é também defendida por Cambraia (2002), que declara que

81 Uma possível explicação para a variação i, hy e hi no Português arcaico vem de Margarit (1947, apud COSTA, 2003, p. 160). Segundo o autor, durante a fase românica, era muito freqüente encontrar formas impessoais do verbo habere precedidas por ĭbī, como em ĭbī habet, justamente para reforçar a idéia de lugar. 82 Para alguns autores, entre eles Margarit (1947), essa mudança foi caracterizada como um caso de GR.

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a preposição a, no período arcaico do Português, era basicamente usada com o sentido de

lugar onde/para onde, fato que atesta a hipótese de reforço semântico de Margarit (1947).

3. PORTUGUÊS ARCAICO

O Português arcaico compreende os séculos XIII, XIV e XV. Os dados que apresento

aqui foram catalogados com base nas freqüências token e type. No que diz respeito, portanto,

à freqüência type, na sua constituição no corpus de análise, busco avaliar os aspectos

sintáticos, semânticos e pragmáticos para poder identificar os diferentes usos dos itens assim,

já e aí, além de considerar o número total de ocorrências de cada um desses elementos.

O gráfico 1, abaixo, ilustra primeiramente a freqüência token (de uso) dos itens

adverbiais encontrados nos três séculos que compõem o Português arcaico:

0

50

100

150

200

250

300

Números absolutos

Aí 13 67 44 124

Já 17 19 42 78

Assim 84 78 104 266

Séc. XIII Séc. XIV Séc. XV Total

Gráfico 1. Freqüência textual dos itens aí, já e assim no Português arcaico

Dos itens adverbiais investigados nessa pesquisa, pode-se notar, com base nos números do

gráfico 1, que a forma lingüística assim foi a que mais cresceu no Português arcaico,

tornando-se extremamente freqüente no século XV, momento em que se verifica uma

expansão dos usos desse elemento para além da estrutura argumental da oração. Nota-se

também que o item lingüístico aí, na sua função de advérbio anafórico, já aparece no século

XIII, mantendo-se relativamente freqüente no século seguinte. Com relação ao item já,

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observa-se um crescimento gradativo de sua freqüência ao longo dos três séculos do

Português arcaico, com usos que ficam entre o advérbio aspectual e advérbio anafórico.

3.1. Século XIII

Redistribuindo os números apresentados no gráfico 1, com relação ao número total de

ocorrências no corpus e aos diferentes usos do item assim, tem-se o seguinte:

Tabela 1. Usos de assim no século XIII Freqüência type 04 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio relacional iii. Conjunção subordinativa iv. Conjunção correlativa

29 14 05 36

TOTAL 84

No século XIII, foram encontradas somente 84 ocorrências da forma lingüística assim. Essas

ocorrências encontram-se distribuídas em três diferentes tipos de usos: (i) advérbio anafórico,

com 29 ocorrências, (ii) advérbio relacional, com 14 ocorrências, (iii) conjunção correlativa,

com 36 ocorrências, e (iv) conjunção subordinativa (perífrase conjuncional consecutiva), com

05 ocorrências. É importante destacar que, do total de 36 ocorrências de conjunção

correlativa, 35 delas são de comparativa de igualdade e 3 de correlativa consecutiva, do tipo

(assim....como = tanto/tão...como). No material analisado, composto pelos documentos Foro

Real de Afonso X e A Demanda do Santo Graal, não encontrei usos de assim como advérbio

de modo, apenas casos de advérbio anafórico, que carregam o traço modal da forma-fonte.

As ocorrências (8), (9) e (10) ilustram esses usos no Português arcaico:

(8) Quando algu�a dulta ueer en juyzo subre algu�a carta se a fez o escriuã publico se no�, e as

testemonhas da carta fore� mortas, o alcayde cate ben as outras cartas que aquel escriuã fez e

ueya se aquella letera e aquella carta acorda conas outras que el fez ena letera ⟨e⟩ enos sijnaes e sse acordar cõnas outras cartas enestas cousas que so� suso ditas, ualla a carta e se no� for

assy, mandamos que no� ualla. (13-FR) [e se não for assim, mandamos que não valha]

(9) Se êstes menios viverem e forem reis, querrám vingar a morte de seu padre, e poder-nos-á mal viir. Mais fazamos logo bem: matemos-los como matámos seu padre e assi nos nom ciirá mal por êles. (13-SG)

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(10) a. As leys amã e desynã as cousas que so� de Deus e demanda � e demostrã dereyto e

iustiça e o ordiame�to dos boos custumes e son guyame �to do pobuu e aiuda e so � tãben pera os omees come peras molleres e assy pera mancebos come pera uellos e tanbe � pera os sabedores come pera os insabes e tãben pera os das

cidades come pera os das aldeyas e so � aguardamento del rey e dos poboos. (13-FR) [...tanto para as crianças como para os velhos...]

b. Do minio, sem falha, porque era seu filho, houve uu pouco maior piedade ca da

madre, mais pero nom lhe houve tam grã piedade como padre devia haver a filho, ca bem o amostrou, ca ali u leixou jazer sua sobrina no monte, u a depois comeram bêstas-feras, filhou o menĩo ante si e levou-o ataa o caminho e pendurou-o a ǔa árvor pólos pees, assi que as bêstas nom o podessem atanger, e pensou que alguém veeria polo caminho, que o acharia e que o levaria, e nom dava rem por morrer nem por viver, fora que o nom visse mais. (13-SG)

c. pero ainda nom [era] atam lasso que se mui bem nom defendesse; ca, se i al

fezesse, bem viia que a morte em a maão era; e o cavaleiro que lhe queria grã mal, que era muito boõ cavaleiro de armas e saão e ligeiro, começou a o trager aa espada talhador ǔa hora de acá e outra de alá, já quanto a [a] sa vontade, assi que todo homem que a batalha visse logo entenderia que o peor havia em Galvam e o outro o melhor. (13-SG)

Em (8), assy atua como advérbio anafórico, uma vez que faz referência ao fato de a carta ser

ou não autêntica, isto é, de ter ou não a mesma letra. Nesse caso, o movimento retroativo do

item assim no plano textual é umas das primeiras evidências de que esse elemento está se

gramaticalizando na língua. Em (9), o que se tem é um caso assi que funciona como advérbio

relacional, estabelecendo uma relação de conclusão entre duas proposições. Nesse caso,

assi acumula duas características, isto é, o movimento anafórico e a função relacional. Em

(10a), assy...como está funcionando como uma conjunção correlativa, uma vez que esse

elemento estabelece uma comparação de igualdade entre mancebos e uellos. Já em (10b), tem-

se um caso de assi que – perífrase – que expressa finalidade [o menino foi pendurado na arvore a

fim de que as bestas não o pegassem ou o atingissem]. Em (10c), a perífrase assi que atua como

perífrase conjuncional consecutiva [começou uma briga de espada de um lado e de outro, de

modo que todo o homem que visse a batalha logo entenderia que Galvam levaria a pior].

De acordo com a GDF, as sentenças (8), (9) e (10) podem ser representadas como:

(8’) NR: (pi: (fi: [(fj: ser (fj) (xi) (pj: (fk: assim (fk))] (pj)) (pi))

= (pj: (fk: assimAdvAnafórico (fk))] (pj))

Nível

Representacional

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(9’) NR: (p1) (fi: (fi: e_assim (fi)) (fi)) (p2)

= (fi: (fi: e_assimAdvRelacional (fi))

Nível

Representacional

(10a’) NR: (fi: (fi: assim (fi)) (fi)) (p1) (fk: (fl: como (fl)) (fk)) (p2)

= (fi: (fj: assimConjCorrelativa (fj))] (fi))

Nível

Representacional

(10c’) NR: (p1) (fi: (fi: assi_que (fi)) (fi)) (p2)

= (fi: (fj: assim_queConjCorrelativaConsecutiva (fj))] (fi))

Nível

Representacional

A representação semântica em (8’) mostra que assim retoma anaforicamente uma proposição,

que, por estar na posição de modificador [se não for desse jeito], atua como modificador do

verbo. Em (9’), assim, em combinação com a conjunção e, atua como advérbio relacional

entre dois conteúdos proposicionais, permitindo uma leitura conclusiva. Esse exemplo pode

ser definido como um caso de implicatura conversacional (TRAUGOTT & KÖNIG, 1991) que

tem o contexto de uso como base geradora de novos usos, que vão sendo

convencionalizados na língua, em razão das necessidades expressivas do falante. Em (10a’),

assim funciona como conjunção correlativa comparativa, relacionando duas proposições.

Finalmente, em (10c’), tem-se uma perífrase conjuncional consecutiva assi_que que opera

também no Nível Representacional, relacionando dois conteúdos proposicionais (p1 e p2).

Como se pode verificar, nos dados do século XIII, o item assim já desempenhava

funções mais gramaticais na língua, tais como as de advérbio fórico e conjunção correlativa,

que são extremamente importantes para a organização do texto. A escassez de ocorrências

de assim como advérbio de modo corroboram a hipótese de Bybee (2003), assim como nos

dados do Português contemporâneo, de que a freqüência de itens lexicais (ou mais concretos)

tende a ser mais baixa do que a freqüência de itens gramaticais (ou mais gramaticais).

Quanto à freqüência de já, encontrei apenas duas ocorrências no corpus:

Tabela 2. Usos de já no século XIII Freqüência type 02 Freqüência token i. Advérbio aspectual ii. Advérbio anafórico

15 02

TOTAL 17

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195

Com base na tabela 2, verifica-se que, nos dados do século XIII, o uso de já como advérbio

aspectual (que em aquisição da linguagem é adquirido antes da categoria tempo) responde

por 88% (15/17) do total, contra apenas 12% (02/17) dos dados como advérbio anafórico. Os

usos de já como advérbio temporal não foram registrados nos documentos analisados do

século XIII. De qualquer forma, a presença de usos mais abstratos (advérbio anafórico) ainda

nesse século já é um indício da existência de um processo de GR em curso, fato que

comprova a trajetória de GR do item lingüístico já nos dados do Português contemporâneo:

(11) Senhor, porque fazedes tal doo? Vosso chorar nom vos val rem. Êsto é já cousa

passada. Deus lhe haja mercee a [a] alma. Mas, se vos prouguer, dizede-me quem é e como houve nome, ca muito o desejo a saber, porque o vi doer-se bem de seus pecados. (13-DSG) [Isto é já coisa passada]

(12) ou se el rey mandar per sa carta alguu que iuyge alguu preyto e os alcaydes que forõ postos per el rey nõ metã outros en seu logar que iuygẽ se nõ forẽ doentes ou fracos de guysa que nõ possã iulgar ou se forẽ a mandado del rey ou de concello ou en sas uodas ou dalguu seu parente ou per outra escusaçõ dereyta. E os alcaydes iuyguen en logar assijnaado. E des primo dya d’Abril ata primo dya de Outobro juyguẽ cada dya des manaa ata mysa de terça e guardando os dyas das festas e das feyras assy como mãda o dereyto e as leys. E en todo outro tempo iuygẽ des manaa ata meyo dya. E quando alguu dos alcaydes leyxar outro en seu logar, que iuyge assy como ya dito é, lexe ome boo per aquello e que iure que faça dereyto a cada huu. (13-FR) [assim como já foi dito]

Em (11), o item já opera como advérbio aspectual, especificando o valor temporal interno do

estado-de-coisas [ser coisa passada]. Nesse caso, o item já marca a noção semântica de

anterioridade do evento descrito na oração. Em (12), o item já funciona como advérbio

anafórico, integrando construções mais específicas que são comuns na organização do texto,

tais como conforme já foi mencionado, como eu já disse, como já foi falado, etc. No entanto,

cabe dizer que o valor aspectual é um traço gramatical que ainda permanece nos casos de

advérbio anafórico, como em (12), em que a noção de perfectividade é reforçada pelo já.

Com relação ao item lingüístico aí, a tabela 3 traz o seguinte resultado:

Tabela 3. Usos de aí no século XIII Freqüência type 01 Freqüência token i. Advérbio anafórico 13 TOTAL 13

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196

A tabela 3 mostra que os usos de aí nos dados do século XIII estão situados no plano textual

da linguagem. Em outros termos, nesse período, os usos de aí operam como advérbio

anafórico, experimentando o movimento retroativo no tocante à organização do texto. Deixam

de atuar, portanto, apenas como advérbio locativo (como termo argumental na camada da

predicação), para exercer funções menos concretas e, ao mesmo tempo, mais gramaticais:

(13) Tanto que rei Bandemaguz isto disse, pôs as maãos em cruz sôbre seu peito. E

quando viu Galvam que era morto, começou a fazer seu doo grande aa maravilha, e a doestar-se e a maldizer-se muito. Quando o homem boõ, que i estava, viu Galvam tal ddo fazer, logo entendeu que o cavaleiro passado era, e era homem de grã guisa, e demais, que lhe ouvia dizer que era rei. (13-SG) [quando o homem bom, que aí estava, viu Galvam cometer tal dor (matar um homem)]

Em (13), o item aí faz referência anafórica ao lugar onde o cavaleiro foi morto por Galvam.

Trata-se, nesse sentido, de um advérbio anafórico83, que faz menção a elementos já

mencionados no texto, mas que, por outro lado, preserva o traço locativo no novo uso.

3.2. Século XIV

Em comparação com o século XIII, a freqüência token de assim no século XIV

aumentou razoavelmente. Nesse século, a freqüência type de assim também aumentou:

Tabela 4. Usos de assim no século XIV Freqüência type 06 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional iv. Conjunção coordenativa v. Conjunção subordinativa vi. Conjunção correlativa

16 07 18 09 10 18

TOTAL 78

Nos dados do século XIV, encontrei 78 ocorrências de assy, distribuídas em 6 diferentes tipos

de usos. Nesse período, os usos de assim como catafórico e como conjunção coordenativa e

subordinativa já começam a aparecer. Os usos que mais se destacam nos dados desse século

83 Um outro uso de aí como advérbio anafórico: “Entom deceu-se e legou seu cavalo a uma árvore acostou i sua lança e pois foi-se a Galvam a espada dereita e deu-lhe per cima do elmo o maior golpe que êle pôde” (13-SG).

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são os de advérbio anafórico, advérbio relacional e conjunção correlativa, em especial as

comparativas de igualdade (assim...como), que correspondem a 77% (14/18) dos dados. Já as

conjunções subordinativas são representadas aqui, em grande parte, pela perífrase conjuncional

consecutiva assi_que (= de modo que), que estabelece uma relação de conseqüência entre

uma oração e outra. As ocorrências abaixo ilustram, respectivamente, casos de advérbio

anafórico, advérbio catafórico, conjunção consecutiva e conjunção correlativa comparativa:

(14) Moyses fez hu~u~ livro que he chamado Genesi e chama~lhe assi por que he livro de [geerações] e outrossi por que he em elle achado como Deus criou o mundo e da formaçom de Adã e como, por o seu pecado, foy deytado do Paraiso e outrossy como, por os grãdes pecados que fezeron os que delle descenderom, adusse Deus o grande deluvio sobre a terra com que os o matou todos, ẽ tal guisa que nõ ficou senõ Noe e sua molher e tres filhos con suas molheres (14-CE) [Moisés fez um livro que é chamado Gênesi e chama-lhe assim porque é o livro das gerações, e também porque é nele que está a história de como Deus criou o mundo]

(15) Mas, segundo co~ta~ os estoriadores que composeron os livros da sua estoria e entre

todos assiinadamente Ouvidio que escreveo os seus feitos ẽ certos logares, muytas metaphoras de grãdes saberes, dizem assy: que, despois que este Hercoles ouve morto o grãde porco enno mõte de Arcadia; e matou o touro de Oreça, que era muy bravo e muy spantavyl; e matou outrossy os tres lioes aas maaos, o hu~u~ e~no monte Parteuno e os dous ena selva Neve. (14-CE)

(16) Vymos em Thebayda huũ moesteiro de sancto Isidro de gram nomeada, cercado de muy

gram muro assi que bem cabiam hi mil celas e ante cada hũa cela havia seu poço. E dentro na cerca havia hortas grandes da fruyta do parayso. E aa porta siia huũ velho de grande ydade que a guardava. (14-FS) [Vimos em Thebayda um mosteiro de Santo Isidro bastante conhecido, cercado de um muro muito grande, de modo que bem cabiam aí mil celas]

(17) e outrossi dos que foro~ fiees e~na ley de Deus e dos que nom forom e as leis dos

santuaryos e as dos parvoos/sic/ e dos dereytos dos creligos e dos leygos; e escreverõ outrossy as estorias dos principes, assy dos que bem fezerom como dos que fezerom o contrayro, por que os que despois veessen trabalhassem de fazer ben per exemplo dos bo~o~s e que pello dos maaos se castigassem. (14-CE) [e escreveram as histórias dos príncipes, assim (tanto) dos que fizeram bem, como (quanto) dos que fizeram o contrário]

Em (14), o item assim atua como advérbio anafórico, fazendo referência ao nome Gênesi

mencionado anteriormente no texto. Novamente, pode-se observar que o traço modal

(decorrente da forma-fonte) é preservado no uso como advérbio anafórico. Já em (15), o que

se tem é um caso interessante de foricidade em que assy introduz cataforicamente uma

unidade lingüística pertencente ao Nível Interpessoal da GDF, o Conteúdo comunicado, que

atua como complemento do verbo dizer. Nesse caso, o Conteúdo comunicado “que depois

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198

que este Hercules matou o grande porco em cima do monte de Arcádia” constitui um

complemento interpessoal que é introduzido no Nível Representacional, na camada da

predicação, isto é, do evento, assim como mostra a representação em (15’):

(15’) NR: (ei: (fi: [(fj: dizer (fj)) (xi: (fk: metáforas (fk)) (xi)Ф)Ф (Ci: (fl:

que depois que este Hercules matou o grande porco em

cima do monte de Arcádia (fl)) (Ci)Ф)Ф] (fi)) (ei)Ф)

= (Ci: (fl: assimAdvCatafórico (fl)) (Ci)Ф)Ф

Nível

Representacional

Em ocorrências como (15), o item assim deixa de atuar apenas como advérbio modal para

exercer outras funções lingüísticas no tocante à concatenação de orações e à organização do

texto/discurso. Em (16), o que se verifica é um caso da perífrase conjuncional consecutiva

assi_que (= de modo que), que opera entre duas unidades semânticas do Nível

Representacional, explicitando uma relação de conseqüência. Em (17), tem-se uma

ocorrência de assy que integra a conjunção correlativa assy...como. No caso em questão, a

locução assy...como explicita uma relação de comparação de igualdade entre [dos que bem

fizeram] e [dos que fizeram o contrário]. Esses dados ilustram os tipos de transformações

semânticas e morfossintáticas que vão ocorrendo na língua, à medida que os itens lingüísticos

vão se gramaticalizando. Os casos analisados até aqui mostram que o processo de mudança

lingüística experimentado pelos itens em análise é gradual e envolve pequenas mudanças

motivadas pelas relações de contigüidade entre as formas-fonte e as formas-alvo. Em outras

palavras, são as transferências metonímicas (HEINE et alii, 1991), que ocorrem entre uma

categoria cognitiva e outra (entre um significado mais concreto e um significado mais

abstrato), que favorecem o processo de GR dos itens assim, já e aí. Em relação aos usos

expressos por esses elementos, é possível dizer, por exemplo, que os usos como advérbio

anafórico são definidos em função dos usos como advérbio dêitico (forma-fonte).

A ocorrência abaixo ilustra um caso que merece uma atenção:

(18) E foy assi que todo o que começou com ajuda de Deus acabou e deu-lhi cima bem-

aventuradamente. E quando se chegou o tempo de sa morte filhou-o hũa maleyta e, pois jouve huus dias assi doente, contou o prazo que lhi fora adeviado de sa morte e achou que havia de morrer aquel dia. (14-FS) [E quando chegou o tempo de sua morte, contraiu uma maleita, e houve uns dias assim doente...]

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Em (18), assi atua como advérbio catafórico, referindo-se à propriedade doente, resultado de

uma maleita. Trata-se de um uso que opera também no Nível Representacional, mais

especificamente na camada do conteúdo proposicional da GDF. Em vista do exposto, pode-se

dizer que os dados diacrônicos de assim, já e aí discutidos até o momento atestam a

passagem desses itens do componente proposicional para o componente textual (TRAUGOTT,

1982), fato que corrobora os resultados alcançados no Português contemporâneo.

Nesse contexto, os números apresentados na tabela 4 confirmam parcialmente os

dados de assim levantados por Longhin-Thomazi (2006), que diz que, no português arcaico,

assi já apresentava usos de base anafórica e catafórica, conforme exemplos de (19) a (20),

transcritos abaixo. Segundo a autora, com relação ao uso catafórico de assi, é necessário

distinguir ocorrências como (20), que são freqüentes em trechos de discurso direto (que é

semelhante ao exemplo 15), daquelas em que assi escopa um constituinte à sua direita, como

em (21), que é similar ao advérbio epistêmico (quando o falante se descompromete com o

valor da proposição). Um achado importante nos dados de Longhin-Thomazi é que os usos de

assi como dêitico e marcador discursivo não foram encontrados nos documentos do português

arcaico, fato que também corrobora os números levantados por mim nesse mesmo período:

(19) E pore lhe rogava que lhe outorgasse de lhe chamare rey de Portugal, e que lhe assi o

chamasse e suas cartas e privilégios. [pedia que lhe autorizassem chamar de rei de Portugal, e que lhe chamassem assim nas cartas] (14CGE, p.6)

(20) chorava e nom sabia porquê, disse assi: - Senhora Santa Maria, madre de piedade,

socorre-me a nom me leixe ainda morrer. (13DSG, p.59) (21) E, estando assi doete hu dia jaa afficavao muyto a doeça. [e estando assim doente um

dia já cedo atormentava-o muito a doença] (14CGE, p.536)

No entanto, diferentemente de Longhin-Thomazi, prefiro classificar casos como (21) apenas

como advérbio catafórico, sem especificar o valor semântico de assim, o que não invalida a

interpretação da autora, muito menos a hipótese de trabalho defendida nessa pesquisa. Caso

se considerasse que exemplos como (21) constituem casos de fórico modal (modalizador), tal

exemplo seria analisado como uma ocorrência de assim que atua na camada do conteúdo

proposicional, no Nível Representacional. A questão, porém, é que, em ocorrências como (18)

e (21), além do movimento propulsor (catafórico), ocorre ainda um movimento retroativo, no

sentido de que o item assim retoma alguma informação no texto (em que fica implícito o valor

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200

modal “desse jeito, dessa maneira”) para, em seguida, apresentar ou acrescentar uma

informação nova, que especifica o referente em questão. De qualquer modo, são casos como

esses, de inferência contextual, que levam um item lingüístico a assumir novos usos, isto é,

agregar novas funções no decorrer do processo de mudança lingüística do item.

Segundo Longhin-Thomazi (2006), nos casos em que há sucessão de dois fatos no

eixo temporal, o item assi, além da função remissiva, permite uma leitura de conclusão ou

conseqüência a respeito do que foi dito antes, como em (22), também transcrito abaixo:

(22) Eno terceiro dia juntou Deos as auguas, que eram sô o firmamento, em hu logar, e assi

apareceu a terra, e assi lhe chamou nostro Senhor. (14BMP, p.22) [E no terceiro dia Deus juntou as águas, que estavam sob o firmamento, em um lugar, e por isso apareceu a terra]

Os dados discutidos aqui reforçam a análise de Longhin-Thomazi (2006), exatamente pelo

fato de elencar usos de assi (=assim) como advérbio anafórico e advérbio catafórico para os

séculos XIII e XIV, além de alguns usos de assi como conjunção conclusiva, que, por não se

enquadrarem no rol de conjunções prototípicas, analiso, no presente estudo, como casos de

advérbio relacional. Lopes-Damásio (2008)84, ao analisar a gramaticalização do item

lingüístico assim no Português, apresenta uma opinião semelhante com relação a ocorrências

como (22) e (9), afirmando que, nesses casos, assim em geral “funciona como conjunção

coordenativa conclusiva, não prototípica, caracterizada por um movimento retroativo e

projetivo” (p. 9) e pela co-ocorrência com outras conjunções, como a aditiva e.

De acordo com Longhin-Thomazi (2006), são exemplos como (22) que podem explicar

o surgimento da conjunção coordenativa (que mostrarei mais adiante), uma vez que o item

assim aparece ao lado da conjunção aditiva e, que já é consagrada no PB em relação a outros

conectivos (que ainda se encontram em fase de GR). Recuperando as questões teóricas de

Bally (1965), autor que também embasou a análise de só que realizada por Longhin (2003) em

sua tese de doutorado, pode-se dizer que (22) constitui um bom exemplo de como dois

enunciados, ainda que não totalmente ou explicitamente conectados por uma conjunção, podem

ser interpretados dentro de uma estrutura coordenada. Segundo Bally, as orações equivalem a

atos de enunciação passíveis de divisão em dois segmentos de importância comunicativa

84 Para maiores informações, conferir o trabalho de Lopes-Damásio (2008) na íntegra.

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201

diferente: um tema [e no terceiro dia Deus juntou as águas, que estavam sob o firmamento], que

é sobre o que se fala, e um propósito [apareceu a terra], que é aquilo que é falado.

Ademais, o aumento da freqüência type de assim nos dados do século XIV, em

comparação aos dados de assim oriundos do século XIII, é mais uma evidência de que, desde

esse período da história do Português, o item assim vem agregando valores mais abstratos.

No século XIV, a freqüência token de já sofre um pequeno aumento, contabilizando

19 ocorrências no corpus, distribuídas em dois tipos distintos de usos: advérbio aspectual,

com 13 ocorrências, e advérbio anafórico, com 6 ocorrências, como se vê abaixo:

Tabela 5. Usos de já no século XIV Freqüência type 02 Freqüência token i. Advérbio aspectual ii. Advérbio anafórico

13 06

TOTAL 19

A tabela acima mostra que o advérbio já está muito relacionado à categoria de aspecto, fato

que parece explicar a alta freqüência de já como advérbio aspectual, e, conseqüentemente, a

baixa expressividade desse item como advérbio de tempo (que é pouco freqüente). As

ocorrências (23) e (24) exemplificam esses dois casos (aspectual e anafórico):

(23) Depois que Apollonio ante o poboo disse aquesto, parou-se hũa nuve sobre eles chea

d'agua que os cercou e matou as chamas do fogo que era ja muyto aceso. Quando esto vyo o juyz e o poboo espantarom-se e disserom todos a hũa voz: – Grande é o Deus dos cristaaos sôo. (14-FS)

(24) [...] E, quãdo Hercoles esto ouvyo, disse que, por renẽbrança pera sempre, que queria hy poer seis piares. [E pos em aquelle] [lugar seis piares] de pedra muy grandes. E pos ẽ cima delles hũa muy grande pedra cha~a~ de marmor em que fez escrever leteras que diziam assy: "Aquy sera poboada hũa grande cidade". E pos ainda em cima hũa ymagen de pedra e tiinha a mãao contra ouriente e tiinha escripto ẽna palma: "Ataa aquy chegou Hercolles". E a outra mãao tiinha contra suso mostrando as leteras com o dedo, que eram escriptas na pedra cha~a. [...] E, quando foy aly onde fora pobrada a cidade de Talca, pareceulhe que nom estava em boo logar poboada e andou buscando logar em que a aseentasse de novo. E, quando chegou em aquelle logar onde Hercoles posera os piares cõ a pedra e a ymagen com as leteras, como ja dissemos, catou a pedra em que estavã as leteras e achoua quebrantada ẽ peças e fezea ajuntar e achou que deziam ẽ como aly avya de seer pobrada hũa grande cidade. (14-CE)

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202

Em (23), o advérbio já funciona como advérbio aspectual, especificando a constituência

temporal interna do estado-de-coisas [as chamas estavam acesas]. Nesse caso, o item já

reforça o caráter perfectivo do verbo estar, anunciando a anterioridade descrita no estado-de-

coisas, no sentido de que o fogo tinha sido aceso antes do tempo esperado. Na ocorrência

(24), o item já atua como advérbio anafórico na construção “como já dissemos”, que, por sua

vez, é freqüentemente empregada pelo ‘falante’ para se referir a eventos, situações ou

informações que já foram mencionados no texto. Note que a informação referente à pedra e à

imagem com as letras escritas por Hércules pode ser resgatada no texto (cf. o texto sublinhado).

Nesse exemplo, o item já atua como advérbio anafórico, mas mantém o traço aspectual.

As sentenças (23) e (24) podem ser representadas da seguinte forma:

(23’) NR: (ei: (fi: [– as chamas do fogo já estavam acesas –] (fi))

(ei)Ф: (ti: já (ti))Ф (ei))

= (ti: (fj: jáAdvAspectual (fj))Ф

Nível

Representacional

(24’) NR: (ei: (fi: [(fj: dizer (fj) (xi) (pj: (fk: depois que foron

desacordados aqueles que [asy] faziam aquela torre de

soberva em Babilonya (fk))] (ej)) (pi))

= (pj: (fk: jáAnafórico (fk))] (pj))

Nível

Representacional

Em (23’), o item lingüístico já é representado como um modificador aspectual do evento [as

chamas do fogo estavam acesas], cuja função é especificar a constituência temporal interna

do estado-de-coisas. Trata-se de um uso que opera no Nível Representacional. Em (24’), por

sua vez, o item lingüístico já opera como um elemento anafórico, fazendo referência ao

conteúdo proposicional [depois que foron desacordados aqueles que [asy] faziam aquela torre

de soberva em Babilonya]. Por isso, a forma lingüística já é representada como argumento.

Com relação ao item aí, os dados catalogados no corpus apontam para uma

freqüência token relativamente expressiva já no século XIV, que, a meu ver, contrariam as

afirmações de COSTA (2003) de que a forma adverbial aí com valor locativo/dêitico textual só foi

aparecer em meados do século XVI. É obvio que o tipo de material investigado pode trazer

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203

várias implicações para a freqüência de determinados itens, o que dificulta tecer afirmações

categóricas. O que apresento nesse capítulo são apenas indícios do que pode ter ocorrido

nessa época em termos de mudança lingüística, de modo que qualquer hipótese que se postule

aqui deve ser vista com cautela. Essas evidências ajudam a reconstituir o percurso de mudança

das formas lingüísticas, além de fornecer pistas de como os usos atuais dos itens assim, já e aí

podem ser analisados e, conseqüentemente, dispostos em um continuum de GR.

A tabela 6 traz os números de aí (= hy/hi) no século XIV:

Tabela 6. Usos de aí no século XIV Freqüência type 01 Freqüência token i. Advérbio anafórico 67 TOTAL 67

Das 67 ocorrências de hy/hi (= aí) encontradas nos documentos que compõem o século XIV,

todas operam como advérbio anafórico no plano textual. Desse total, 07 ocorrências de hy/hi

(= aí) estão relacionadas à remissão anafórica a unidades temporais, o que contribui para a

expansão funcional desse item. Nos demais casos, o item lingüístico aí faz referência anafórica

a unidades locativas presentes no próprio texto. Tal comportamento é o que leva alguns autores

a classificarem esses elementos como dêiticos textuais. No entanto, no presente trabalho,

todas essas ocorrências de aí, que atuam no processo de coesão textual, serão classificadas

como advérbio anafórico, justamente por entender que esses usos são mais abstratos do que

os usos de aí como advérbio locativo, que operam na predicação. De certa maneira, a

expansão funcional dos itens assim, já e aí é o que explica o esvaziamento da dimensão

espaço-modo-temporal em relação ao fortalecimento das dimensões textual e interacional da

linguagem, especialmente no que diz respeito aos usos como advérbio anafórico.

Considere, a seguir, os exemplos (25a) e (25b) sobre os usos de aí:

(25) a. Nõ vos poderia homem contar quanta de misericordia e de hospedado achamos em eles. Depos esto fomos a outro logar a dez milheyros dentro pelo deserto. Aquel logar ha nome Celaria porque ha hy muytas celas pelo deserto. E tanto espaço ha dũa cela a outra que nõ podem ouvyr. Aly vivem e alii teem seu seenço aqueles frades, fora ao sabado ou a domingo que vaã aa eigreja desuũ. (14-FS) [Aquele lugar é chamado de Celaria porque há aí muitas celas (pelo deserto)]

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204

b. E pois entrou na insoa (= ilha) de Cadiz, assi como o sol havia d'alumear Espanha, fez hi huum moesteiro em que meteu monges...(14-FS) [entrou na ilha de Cadiz, assim como o sol havia de clarear a Espanha, e fez aí um mosteiro onde colocou os monges...]

Em (25a), o item hy (= aí) é um advérbio anafórico que, no texto, faz referência a um lugar

chamado Celaria. No texto, tal recurso é empregado para explicar que o lugar ao qual se

refere é conhecido como Celaria pelo fato de lá existirem muitas celas. Em (25b), o item hi (=

aí) cumpre o mesmo papel. Nesse caso, hi é também um advérbio anafórico que faz

referência a um lugar chamado Ilha de Cádiz, já referido no texto. A diferença é que, em (25b),

fazer é um verbo pleno, ao passo que, em (25a), o que se tem é um verbo existencial.

A representação semântica de (25a) é dada a seguir:

(23a’) NR: (ei: (fi: [(fj: haver (fj) (xi) (lj: (fk: Celaria (fk))] (lj)) (ei)) = (lj: (fk: aíAdvAnafórico (fk))] (lj))

Nível Representacional

Essas ocorrências são diferentes, no entanto, da ocorrência (26):

(26) havia nome Corniũ, de grande ydade e de sancta vida, e havia ja cento e dez anos. E

este ficara dos discipolos de sancto Antonio, em que havia grande humildade e sobre todalas outras vertudes que havia. E era hi outro homem boo de sancta vida, que fora outrossi discipulo de sancto Antonio, que havia nome Origenis.(14-FS) [E estava aí outro homem bom de santa vida, que fora também discípulo de Santo Antonio, de nome Origenis]

Em (26), hi continua sendo um caso de advérbio anafórico, porém, o que muda é a unidade

lingüística a qual esse item faz referência: nesse caso, a ambigüidade se faz presente porque

não se sabe exatamente se o item hi faz referência ao lugar onde Corniũ estava ou à época

em que ele viveu, que é equivalente a expressões do tipo “nessa época, naquele tempo”. De

qualquer maneira, a leitura de (26) é diferente das ocorrências de aí em (25a,b). Ademais, a

ausência de ocorrências de aí como advérbio dêitico nos dados do século XIV é um prova de

que os usos textuais desse elemento se estabilizaram, impulsionando o processo de GR.

A ocorrência (26) é representada na GDF como (26’):

(26’) NR: (ei: (fi: [(fj: estar (fj) (xi) (t/lj: (fk: nessa época/nesse

lugar (fk))] (t/lj)) (ei)) = (t/lj: (fk: aíAdvAnafórico (fk))] (t/lj))

Nível Representacional

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205

No exemplo (26), o item aí atua como advérbio anafórico, fazendo referência a uma unidade

semântica ambígua “nessa época/ nesse lugar”. Por isso, em (26’), o item lingüístico aí é

representado como elemento argumental do verbo estar, que possui um referente ambíguo.

Casos semelhantes a (26) reforçam a tese de que, entre uma categoria lingüística e outra, há

usos intermediários, que combinam traços da forma-fonte com traços da forma-alvo.

3.3. Século XV

No século XV, a freqüência token de assim cresce consideravelmente, totalizando 104

ocorrências. No entanto, nesse período, a freqüência type manteve-se inalterada,

apresentando 06 tipos distintos de usos. A única mudança diz respeito ao número total de

ocorrências em relação aos tipos elencados nos textos, como se observa a seguir:

Tabela 7. Usos de assim no século XV Freqüência type 06 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional iv. Conjunção correlativa v. Conjunção coordenativa vi. Conjunção subordinativa

32 16 30 17 05 05

TOTAL 104

Como se pode notar, no século XV, tanto o número de ocorrências de asy como advérbio

anafórico quanto o numero de ocorrências de asy como advérbio catafórico aumentou

expressivamente. Os números das freqüências type e token apontam para uma certa

estabilidade funcional, uma vez que os usos evidenciados nos dados do século anterior se

mantém nos dados do século XV. Além disso, em função das várias ocorrências de assim

como advérbio anafórico nos documentos do século XV, pode-se sugerir que é esse

movimento retroativo que permitiu ao item assim migrar da posição de modificador verbal (na

sua maioria) para outros contextos da oração, mais especificamente, para as extremidades

das orações, lugares que são geralmente ocupados por elementos conectivos.

As ocorrências (27), (28) e (29) ilustram, respectivamente, casos de assim como

advérbio anafórico, advérbio catafórico e conjunção coordenativa:

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206

(27) os feitos, de guisa que brevemente e com dereito fossem desembargados como compria: e sabendo que eram a ello negligentes, que lh'o estranharia nos corpos e averes e lhe faria paguar aas partes toda perda que por ello ouvessem. Esto assi hordenado, soube el-rrei a cabo de pouco que hũ seu desembargador, de que ell muito fiava, chamado per nome meestre Gonçallo das Degrataaes, levara peita d'hũ a das partes que perant'ell andavon a feito... (15-CP)

(28) e tamto que comemos vieram logo todolos capi taães aesta naao per mandado do

capitã moor com os quaes se ele apartou e eu na conpanhia e preguntou asy atodos se nos pareçia seer bem mandar anoua do achamento desta trra avosa alteza pelo naujo dos mantimtos peraa mjlhor mãdar descobrir e saber dela mais do que agora nos podiamos saber por hirmos denosa viajem e antre mujtas falas (15-CM)

(29) Digo que vemos em V.A. poder: porque vemos, que assim como Atlante cansado de

sustentar as Esféras do Ceo, as entregou aos hombros de Hercules, para que as governasse; assim ElRey nosso Senhor, Atlante do nosso Imperio, descarregou as Esféras delle nos hombros de V.A. não para descansar, que he infatigavel, mas para se gloriar, que tem V.A. hombros de Hercules, que ajudaõ os de Atlante. (15-CM)

(30) pena capital, que ninguem venda trigo em nenhum tempo sobre tres tostoens: nem se

seguirá daqui faltar o paõ no Reyno, antes sobejará; porque os estrangeiros com esse preço se contentam; e os lavradores nunca o vendem por mais, assim nunca desistiráõ de o trazer, nem de o semear: e desistindo os atraveçadores de sua cobiça, todos o teraõ. Da mesma maneira se deve pôr taxa em todas as mercadorias; porque na verdade vaõ todas sobindo muito sem razaõ (15-CM)

Em (27), o item assi faz referência a uma informação já apresentada no texto [lhe faria pagar

às partes toda a perda que ele causara]. Cabe notar que o traço de advérbio modal ainda

permanece no uso de assi como advérbio anafórico [Assim ordenado = ordenado dessa

forma], que é típico dos estágios iniciais de GR (HOPPER, 1991). Na ocorrência (28), o que

se tem é um caso de asy que atua como advérbio catafórico, fazendo referência ao

complemento do verbo perguntar: [se nos parecia ser correto enviar uma notícia falando desta

nova terra a Vossa Alteza]. No excerto (29), o item assim atua como conjunção correlativa,

estabelecendo uma comparação de igualdade entre as unidades semânticas sublinhadas no

texto. Já em (30), tem-se um caso assim que opera como conjunção coordenativa conclusiva

entre conteúdos proposicionais. A leitura conclusiva, em (30), representada em (30’), pode

ser feita como: os lavradores nunca reclamaram de vender o trigo por mais de três tostões,

por isso nunca desistirão de vendê-lo ao Reino por esse preço, nem de semeá-lo:

(30’) NR: (p1) (fi: (fi: assim (fi)) (fi)) (p2) = (fi: (fi: assimConjCoordenativa (fi))

Nível Representacional

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207

Em comparação aos dados do século anterior, observei ainda que usos catafóricos de

asy como introdutor de Conteúdo comunicado, que atuam em geral como complemento dos

verbos de dizer pertencentes ao Nível Representacional, também permaneceram no século

XV. A existência desse uso já no Português arcaico vem atestar mais uma vez, como

apontado antes, os usos contemporâneos de assim no Nível Representacional (atuando na

camada da predicação) e também os usos mais gramaticalizados que fazem referência, ainda

no Nível Representacional, a unidades lingüísticas que pertencem ao Nível Interpessoal.

Nos dados do século XV, o item já mantém a mesma freqüência type (2 usos

distintos). Apenas a freqüência token de já é que aumenta de 19 para 42 ocorrências, em

relação ao século anterior. Confira os números da tabela 8, a seguir:

Tabela 8. Usos de já no século XV Freqüência type 02 Freqüência token i. Advérbio aspectual ii. Advérbio anafórico

37 05

TOTAL 42

A tabela 8 acima mostra que todos os usos de já operam no Nível Representacional, mais

especificamente nas camadas do evento e do conteúdo proposicional (com 02 ocorrências de

advérbio anafórico). Novamente, os usos de já como advérbio aspectual são os mais

freqüentes. Nesse período, nenhuma ocorrência de já como advérbio de tempo foi catalogada.

A ocorrência (31), abaixo, exemplifica o uso de já como advérbio aspectual:

(31) E os rreis faziam grandes tesouros d'o que lhes sobejava de suas rrendas, e pera os fazer e acrecentar em elles tiinham esta maneira. Da maneira que os rreis tiinham pera fazer tesouros, e acrescentar em elles ja vós ouvistes bem quanto os rreis antiigos fezerom por encurtar nas despesas suas e do rreino, poendo hordenaçoões em ssi e nos seus por teerem tesouros e seerem abastados. (15-CP) [já vós ouvistes bem quanto os reis antigos fizeram para diminuir as despesas suas e do reino, colocando ordens...]

Em (31), o item lingüístico já atua como advérbio aspectual, reforçando o caráter perfectivo

(passado) do verbo ouvir, que compõe o estado-de-coisas expresso pela oração. Pelo que

parece, o uso de já como advérbio aspectual é o mais comum nos dados do período arcaico.

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208

O exemplo (31) é representado da seguinte maneira:

(31’) NR: (ei: (fi: [– ouvistes bem quanto os reis antigos fizeram para

diminuir as despesas suas e do reino –] (fi)) (ei)Ф: (ti: já (ti))Ф (ei))

= (ti: (fj: jáAdvAspectual (fj))Ф

Nível

Representacional

Como se pode notar, em (31’), o item já é representado como um modificador aspectual do

evento [ouvistes bem alguma coisa], expresso pela oração em destaque (sublinhada).

Quanto ao item aí, o que se observa é um leve decréscimo da freqüência token, que

caiu para 44 ocorrências, fato que pode estar relacionado ao tipo de texto analisado. A

freqüência type mantém-se inalterada, com 44 ocorrências de aí como advérbio anafórico. Em

05 ocorrências, o item aí faz referência a unidades temporais. Observe a tabela 9:

Tabela 9. Usos de aí no século XV Freqüência type 01 Freqüência token i. Advérbio anafórico 44 TOTAL 44

Sem apresentar novas mudanças semânticas e morfossintáticas, o item aí mantém a mesma

freqüência type (01 uso) observada nos dados do século XIV. Entretanto, todos os usos de aí

identificados no século XV são mais abstratos do que os usos de aí como advérbio temporal.

4. PORTUGUÊS MODERNO

O Português moderno é representado pelos séculos XVI e XVII. Vários dos usos de

assim, já e aí verificados nos séculos anteriores se mantêm nesse período, momento em que

muitos dos usos são consolidados, permanecendo na gramática do Português.

O gráfico 2, a seguir, apresenta a freqüência token dos itens adverbiais assim, já e aí

encontrados nos documentos que representam os dois séculos do Português moderno:

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209

0

50

100

150

Números absolutos

Aí 30 4 34

Já 31 22 54

Assim 43 77 120

Séc. XVI Séc. XVII Total

Gráfico 2. Freqüência textual dos itens aí, já e assim no Português moderno

Com base no gráfico 2, pode-se observar que o item lingüístico assim é, de longe, o mais

freqüente no Português moderno, com 120 ocorrências, ficando em segundo lugar o item

lingüístico já, com 54 ocorrências, seguido do item lingüístico aí, que soma 34 ocorrências.

4.1. Século XVI

Redistribuindo os números do gráfico 2, pode-se observar a correlação entre a

freqüência token e a freqüência type dos itens assim, já e ai. Os números da tabela 10 apontam

uma diminuição da freqüência token de assim, com relação ao século anterior, passando para

43 ocorrências no total. No material investigado, nenhuma ocorrência de advérbio de modo foi

encontrada, o que fez cair também a freqüência type desse item, que passou para apenas 5:

Tabela 10. Usos de assim no século XVI Freqüência type 06 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional iv. Conjunção correlativa v. Conjunção coordenativa vi. Conjunção subordinativa

10 09 07 07 06 04

TOTAL 43

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210

Apesar de a freqüência token de assim ter diminuído um pouco no século XVI, pode-se

verificar que usos de assi como advérbio anafórico e advérbio catafórico se mantêm de forma

produtiva, assim como os usos de assi como conjunção. No século XVI, a freqüência token

dos casos de assim como advérbio catafórico aumenta substancialmente, fato que parece

comprovar a hipótese de que os usos atuais de assim como introdutor de Conteúdo

Comunicado, de fato, se originaram dos usos catafóricos de assim no Português histórico,

exatamente por conta da configuração sintática desses usos diacrônicos.

É nesse século que os usos de assim como conjunção coordenativa conclusiva

aparecem com mais clareza, conforme se observa no exemplo (32):

(32) E nom havia i senão um velho, que deziam Caifas, que era senhor daquela torre donde jazia Joseph. Assi nom ficou vivo senão Caifas, que era bispo em aquele anno que Jesu Cristo foi morto. E eles disserão: -Senhor, de nós podedes fazer vosso prazer, que verdade é que nós o prendemos e demo-lo em guarda...(16-JA)

Em (32), o item assi opera no Nível Representacional como conjunção coordenativa,

estabelecendo a relação semântica de conclusão entre dois conteúdos proposicionais, um

deles servindo de argumento para o estabelecimento da conclusão que se apresenta na

segunda oração. Em linhas gerais, dois aspectos que distinguem esse uso conjuncional dos

casos de advérbio relacional são a posição sintática ocupada pelas conjunções desse tipo

(em geral, a posição inicial da oração) e a não necessidade de um outro elemento conectivo

para ressaltar ou determinar o tipo de relação semântica a ser estabelecida entre as orações,

característica que é comum nos casos de advérbios relacionais (e assim, mas assim, etc).

O exemplo (32) pode ser representado como (32’) abaixo:

(32’) NR: (p1) (fi: (fj: assi (fj)) (fi)) (p2)

= (fi: (fj: assimConjCoordenativa (fj)) (fi))

Nível Representacional

Além dos casos de assi como conjunção coordenativa conclusiva, o século XVI

apresenta ainda ocorrências de assi como conjunção subordinativa, como em (33) e (34):

(33) voz assi como de bozina, e depois veio um som do ceo tam grande que me pareceo

que o firmamento caía e que a terra se somia. E, se a claridade era ante grande, cento tanto foi maior então, assi que eu cuidei que o lume dos olhos perdera e caí em terra esmorecido. (16-JA) [E, se antes a claridade era muito forte, tanto maior foi então, assim que eu notei que o brilho dos olhos estava apagando e caí em terra desmaiado]

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211

(34) nom for limpo, porque eu mesmo por minha mão as [confissões] scrivi e em tal maneira as deve o homem leer que as diga por a lingoa do coracão, assi que as cousas que i estão, nom as fale por a lingoa, porque, se fossem nomeadas, todos os meus alementos se moveriam. (16-JA) [eu mesmo com as minhas mãos as escrevi e, por isso, o homem deve lê-las/pronunciá-las com a língua do coração, de modo que as coisas que aí estão [..] se fossem nomeadas, todos os meus alimentos se moveriam]

É nos dados do século XVI que os usos de assi_que como perífrase conjuncional temporal

aparecem de forma mais transparente. Em (33), por exemplo, a perífrase conjuncional assi_que

estabelece uma relação temporal entre a oração principal [tanto maior foi então] e a oração

adverbial [eu cuidei que o lume dos olhos perdera (e caí em terra esmorecido)]. Diferentemente

de (33), no exemplo (34), a perífrase assi_que atua como conjunção consecutiva, introduzindo

uma oração que indica uma conseqüência do fato expresso na oração ‘anterior’.

Com relação ao item lingüístico já, no século XVI, a tabela 11 traz o seguinte:

Tabela 11. Usos de já no século XVI Freqüência type 02 Freqüência token i. Advérbio aspectual ii. Advérbio anafórico

27 04

TOTAL 31

Conforme se pode notar, nos dados do século XVI, o item já mantém a mesma freqüência

type, apresentando apenas dois diferentes usos: advérbio aspectual e advérbio anafórico.

Mais uma vez, nenhuma ocorrência de já como advérbio temporal foi catalogada no corpus de

análise. De qualquer maneira, a constância desses usos desde o século XIII é um argumento

a favor dos dados contemporâneos de já, que também apresentam esses dois usos.

A ocorrência (35) ilustra um caso de advérbio aspectual do século XVI:

(35) Aquela noite que eu assi estava, que foi antre quinta feira e sesta feira maior, e havia ja feito a Deos o oficio que chamam Trevas, tomou-me sono e deitei-me a dormir. (16-JA) [e já havia feito a Deus o ofício que chamam Trevas....]

Em (35), o item já, que aparece na posição pós-verbal, atua como advérbio aspectual, cuja

função é especificar a estrutura temporal interna do estado-de-coisas expresso na oração. Ao

mesmo tempo em que reforça a noção de passado do verbo (pretérito perfeito), o item já indica

a anterioridade da ação de fazer o ofício que, pelo contexto, não era esperada no momento.

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212

Sobre os usos de aí, a tabela abaixo mostra que é, a partir do século XVI, que

freqüência type começa a crescer, passando a computar 3 usos distintos nos documentos

analisados nesse século, que classifico como: advérbio anafórico (com 29 ocorrências) e

advérbio catafórico (com 01 ocorrência). Confira os números da tabela 12:

Tabela 12. Usos de aí no século XVI Freqüência type 02 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico

29 01

TOTAL 30

Totalizando 30 ocorrências, a freqüência token de aí no século XVI é menor que a dos séculos

anteriores. Nesse período, o uso que mais se destaca é o de advérbio anafórico, com 29

ocorrências. No entanto, é desse século o primeiro exemplar de aí como advérbio catafórico:

(36) mas foi Deus servido que lhe sucedesse mal com lhe matarem os pitiguares, em cuja

companhia andavam os franceses, trinta e seis homens e alguns escravos em uma cilada, com o qual sucesso se descontentaram muito os moradores de Pernambuco e se desavieram com Frutuoso Barbosa de feição que se tornaram para suas casas e ele ficou impossibilitado para poder pôr em efeito o que lhe era encomendado, o que se depois efectuou com o favor e ajuda que para isso deu Diogo Flores de Valdez, general da armada que foi ao estreito de Magalhães. [Em que se trata de como se tornou a cometer a povoação do rio da Paraíba]. Nesta Baía de Todos-os-Santos soube o general Diogo Flores, vindo aí do estreito de Magalhães com seis naus que lhe ficaram da armada que levou, como os moradores de Pernambuco e Tamaracá pediam muito afincadamente ao governador Manuel Teles Barreto, que então era do Estado do Brasil, que os fosse socorrer contra o gentio pitiguar que os ia destruindo com o favor e ajuda dos franceses, os quais tinham neste rio da Paraíba quatro navios para carregar do pau-de-tinta. (16-NB)

Como se pode notar, em (36), o item aí é empregado como advérbio catafórico. No trecho em

questão, aí faz referência catafórica à estrutura locativa do estreito de Magalhães que

especifica o lugar de onde o general Diogo Flores de Valdez veio com os seus barcos. Trata-se de

um uso que é, ao lado de outros usos, bastante freqüente no atual estágio sincrônico do PB. Uma

possível leitura de (36) como advérbio anafórico pode ser desfeita com a seguinte paráfrase:

[Quando chegou à Baía de Todos os Santos, soube o general Diogo Flores de Valdez, que

vinha/veio do estreito de Magalhães com seis naus, que algumas de suas naus foram saqueadas].

Embora a informação sobre o estreito de Magalhães já tenho sido inserida no texto, o que ocorre é

que esse referente é inserido novamente por meio do auxílio de um advérbio catafórico.

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213

Semanticamente, a ocorrência (36) é representada como segue:

(36’) NR: (ei: (fi: [(fj: vir (fj) (xi) (lj: (fk: do estreito de Magalhães

(fk))] (lj)) (ei))

= (lj: (fk: aíAdvCatafórico (fk)) (lj))

Nível

Representacional

Novamente, em (36’), o advérbio catafórico aí, que introduz uma unidade locativa no texto, é

representado no modelo da GDF como um argumento do verbo vir, na camada da predicação.

4.2. Século XVII

A tabela abaixo revela mais uma vez o crescimento da freqüência token de assim,

que contabiliza 77 ocorrências no corpus analisado, e também um aumento de sua freqüência

type, que volta a contabilizar 06 tipos distintos de usos de assim no Português:

Tabela 13. Usos de assim no século XVII Freqüência type 06 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional iv. Conjunção correlativa v. Conjunção coordenativa vi. Conjunção subordinativa

13 05 24 19 07 09

TOTAL 77

O que é interessante notar na tabela é que o número de ocorrências de assim como

conjunção coordenativa/subordinativa aumentou consideravelmente, somando 16 ocorrências.

No século XVII, a freqüência de usos relacionados à articulação de unidades semânticas no

Nível Representacional da linguagem é bastante expressiva, principalmente se considerar que

os usos como advérbio relacional, conjunção e conjunção correlativa operam, dadas as suas

particularidades funcionais, no processo de articulação de oração (evento e proposição).

Com relação ao advérbio já, os números da tabela 14 mostram que tanto a freqüência

token quanto a freqüência type encontram-se relativamente estabilizadas:

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214

Tabela 14. Usos de já no século XVII Freqüência type 02 Freqüência token i. Aspectual ii. Anafórico

20 02

TOTAL 22

Com uma freqüência token de 20 ocorrências, o uso de já como advérbio aspectual é um dos

mais expressivos nos dados diacrônicos do Português. Os usos como advérbio anafórico

também continuam presentes nos dados do século XVII. As ocorrências (37) e (38),

exemplificam, respectivamente, casos de advérbio aspectual e advérbio anafórico:

(37) O que sinto he, que naõ sey, se conseguirá seu effeito o meu intento, que só trata que vos emendeis, se vos achardes comprehendido: e se cada hum se emendar a si, já o disse hum Sabio, que teremos logo o mundo todo reformado: e melhorar assim o nosso Reyno, e emendallo, he o que pertendemos. (17-MC)

(38) Pois saiba o Senhor Mestre de Campo quem quer que he, que fica sendo em

conciencia taõ grande ladraõ, como os seus Capitaens. Respondeme negandome a consequencia; porque nada tomou para si. Mas a isso lhe digo, o que já tenho dito, que ha ladroens, que naõ furtando nada, furtaõ muito, e elle he o mayor de todos, pois deu occasião a mayores damnos... (17-MC)

Em (37), o item lingüístico já atua como advérbio aspectual, reforçando a noção de tempo

especificada no estado-de-coisas. Em (38), integrando a expressão “o que já tenho dito”, já

opera como elemento anafórico, referindo-se a uma informação que pode ser recuperada

contextualmente. Novamente, é importante notar a persistência do traço aspectual em (38).

Os primeiros dados de aí como advérbio relacional são desse século. Das 04

ocorrências encontradas no corpus, 02 são de advérbio relacional, fato que mostra que os usos

de aí como elemento conectivo não são tão recentes como se pensava. Observe a tabela 15:

Tabela 15. Usos de aí no século XVII Freqüência type 03 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional

01 01 02

TOTAL 04

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215

O exemplo (39) ilustra o uso de aí como advérbio relacional:

(39) ao Rey alguma cousa, e compoemse com elle: daime duzentos mil reis, e dezobrigovos de mil cruzados, que deveis a ElRey, porque elle me deve a mim outros tantos. Já, se succede, que o primeiro deva ao segundo alguma couza, ahi fica o contrato mais corrente; porque com pecunia mental se satisfaz tudo; e só o Rey fica defraudado na Real...(17-MC)

No exemplo (39), o item lingüístico ahi (= aí) atua como advérbio relacional, com leitura

conclusiva: [pelo fato de X dever algo a Y, fica, portanto, o contrato mais evidente]. Obviamente,

os dados não são muitos, mas são suficientes para propor essa análise e, principalmente,

para entender a multifuncionalidade de aí nos estágios atuais do Português brasileiro.

5. PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO

Os documentos publicados entre os séculos XVIII, XIX e XX (até meados dos anos

50) constituem o corpus que pertence ao Português contemporâneo. O gráfico 3, abaixo,

apresenta a freqüência token dos itens aí, já e assim nos séculos XVIII, XIX e XX:

0

50

100

150

200

Números absolutos

Aí 5 31 54 90

Já 39 47 62 148

Assim 28 15 38 81

Séc. XVIII Séc. XIX Séc. XX Total

Gráfico 3. Freqüência textual dos itens aí, já e assim no Português contemporâneo

Entre as demais informações do gráfico 3, uma das mais importantes é que a partir do século

XX (até meados do século) os usos de assim, já e aí tornam-se mais freqüentes, aumentando,

conforme se pode conferir no capítulo IV, suas freqüências nos dados do Português

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216

contemporâneo. No entanto, cabe enfatizar que as duas amostras analisadas (a do Português

histórico e a do Português contemporâneo) pertencem a modalidades distintas da língua: a

primeira é de natureza escrita, ao passo que a segunda é de natureza falada.

5.1. Século XVIII

Com a tabela 16, mostro que os usos de assim como advérbio anafórico, advérbio

relacional, conjunção coordenativa/subordinativa e conjunção correlativa já estão consolidadas

no Português moderno, haja vista a constância desses usos nos séculos anteriores. Assim, os

dados diacrônicos elencados nessas tabelas servem como evidências históricas para atestar

a existência de um continuum de GR nos dados atuais do Português, momento em que novos

usos de assim encontram-se em processo de consolidação na língua. Observe:

Tabela 16. Usos de assim no século XVIII Freqüência type 06 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional iv. Conjunção correlativa v. Conjunção coordenativa vi. Conjunção subordinativa

12 01 01 07 03 04

TOTAL 28

Na tabela 16, observa-se um decréscimo na freqüência token de assim, totalizando 28

ocorrências no século XVIII. Já a freqüência type mantém-se inalterada, somando 06 tipos

distintos. Nesse período, como já foi mencionado, os usos de assim como conjunção

correlativa e conjunção coordenativa e subordinativa – que são os usos mais gramaticalizados

nesse século – mantiveram-se de forma satisfatória, totalizando, juntas, 14 ocorrências85.

Até aqui, os dados históricos confirmam a minha hipótese de que a GR pode ser

entendida na GDF como um processo de mudança lingüística que começa no Nível

Representacional, com os usos sendo distribuídos entre as camadas desse nível, e continua

no Nível Interpessoal, com os usos de assim operando entre as camadas pragmáticas desse 85 No século XVIII, a perífrase conjuncional assim_que (temporal) continua presente, enquanto a perífrase conjuncional assim_que (consecutiva) desaparece, pelo menos no que diz respeito aos documentos analisados.

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217

nível, que é, segundo Hengeveld & Wanders (2007), reservado para os itens lingüísticos que

são, na sua maioria, elementos gramaticais ou, então, provenientes de um processo de GR.

No século XVIII, os usos de já se distribuem conforme a tabela 17:

Tabela 17. Usos de já no século XVIII Freqüência type 04 Freqüência token i. Advérbio de tempo ii. Advérbio aspectual iii. Advérbio anafórico iv. Conjunção coordenativa

01 30 02 06

TOTAL 39

Os dados da tabela 17 reforçam o fato de que o item lingüístico já é um elemento bastante

importante na expressão de aspecto. Os usos de já como advérbio de tempo são escassos no

século XVIII e nos demais séculos. O que se observa é que, no Português arcaico e no

Português moderno, a forma adverbial de valor temporal mais utilizada era a forma agora.

Pode-se observar também que, no século XVIII, os usos de já como conjunção de valor

adversativo aparecem pela primeira vez nos dados diacrônicos do Português, atestando o

caráter multifuncional desse item na história da língua. Nesse período, tanto a freqüência type

(04 tipos) quanto a freqüência token (39 ocorrências) de já sofrem alteração.

Os exemplos (40) e (41) ilustram, respectivamente, usos de já como advérbio

temporal (uso mais lexical) e conjunção argumentativa (uso mais gramaticalizado):

(40) Se V. Ex.a , quando sair, achar o que deseja, se eu puder sempre fazer-lhe o gôsto e

ser o prémio de tantos trabalhos e de tanto merecimento, não terei nada de que argüir o meu destino. Deus nos traga já a deliciosa situação de estarmos em paz em nossas casas! Não são os dias de alvorôço que me excitam maior apetite; são os outros, os do estudo, os do sossêgo, onde só representa a ternura filial e a razão.(18-MA)

(41) ... respondi que tinha muita razão adivinhando, pois que os pés da princesa de

Valáquia não podiam ser feitos em Viena tendo ela sido formada em Moscóvia. – Viu V. M. nascer esta deidade? – me perguntou a princesa Pórcia. Já os judeus não estavam todos na Rua Nova quando eu conheci o vidonho da investida. Foi esta a ocasião em que desejei pôr-me em polvorosa. (18-CO)

Em (40), o item lingüístico já funciona advérbio tempo, localizando, no tempo, o evento

expresso pela oração “Deus nos traga a deliciosa situação de estarmos em paz em nossas

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218

casas”. Nesse caso, o item já pode ser substituído pelos advérbios de tempo logo e agora

(nesse momento). Em (41), o item já atua como conjunção argumentativa, estabelecendo uma

mudança na linha argumentativa do texto, ou seja, um contraste entre duas informações.

Com relação à freqüência token de aí no século XVIII, tem-se o seguinte:

Tabela 18. Usos de aí no século XVIII Freqüência type 03 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio relacional iii. Conjunção coordenativa

03 01 01

TOTAL 05

A tabela 17 mostra que a freqüência token de aí sofre uma grande redução no século XVIII,

perfazendo um total de 05 ocorrências. Entretanto, os usos como advérbio anafórico (03

ocorrências) e advérbio relacional (01 ocorrência) permanecem nesse século, sustentando os

estágios iniciais de GR desse item (com usos que deram origem a outras conjunções).

A primeira ocorrência de aí como conjunção aparece nesse século:

(42) é necessário tomar entre dentes um pardal de bico amarelo, que fazendo me raivar,

anda sofrendo gaifonas a quem me não ganha de mão, mas que me ganha por unha. Deixemos histórias da carochinha, e entremos verdadeiramente a discorrer. Aí torce a porca o rabo, dizia o outro, e aqui para nós eu digo o mesmo. Parece que alguma bruxa feiticeira está dando figas ao meu entendimento. (18-CO)

Na ocorrência (42), o item aí opera, na minha interpretação, no Nível Representacional como

uma conjunção coordenativa conclusiva. Trata-se de um caso, em que o item aí estabelece a

relação semântica de conclusão entre dois conteúdos proposicionais (que estão sublinhados).

A ocorrência (42) é representada semanticamente da seguinte forma:

(42’) NR: (p1) (fi: (fj: aí

(fj)) (fi)) (p2)

= (fi: (fj: aíConjCoordenativa (fj)) (fi))

Nível Representacional

Em (42’), o item lingüístico aí é representado no Nível Representacional da GDF como uma

propriedade relacional (f), isto é, como conjunção coordenativa conclusiva, que opera entre duas

unidades semânticas, isto é, entre dois conteúdos proposicionais (p1 e p2).

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219

5.2. Século XIX Nos dados do século XIX, a freqüência token de assim sofre uma redução drástica,

totalizando apenas 15 ocorrências, fato que pode estar relacionado ao gênero textual dos

documentos que compõem a amostra desse período do Português, pois um dos documentos

é do gênero carta e o outro é do gênero relato. Confira os dados da tabela 19:

Tabela 19. Usos de assim no século XIX Freqüência type 06 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional iv. Conjunção correlativa v. Conjunção coordenativa vi. Conjunção subordinativa

03 03 01 04 02 02

TOTAL 15

Nas Correspondências de Washington Luiz e Relatório da viagem exploradora de Mato-

Grosso ao Pará pelo rio kndis, apresentado ao Ministro da Guerra – em 1885, ainda que a

freqüência token não seja tão expressiva, o que prevalece são os usos de assim como

advérbio anafórico/catafórico e conjunção correlativa comparativa. Entretanto, vale ressaltar

que a freqüência type não apresentou muitas mudanças, mantendo-se inalterada no século

XIX, com 06 tipos distintos. O primeiro uso de assim operando na camada do Conteúdo

Comunicado (Nível Interpessoal), como operador aproximativo de subato adscritivo, aparece

nesse século. Esse operador é freqüente em construções como “ela parecia assim um tanto

confusa” , em que assim indica o caráter indefinido/ incerto do sentido expresso pelo verbo.

O exemplo (43) ilustra um caso de assim que integra a perífrase temporal assim_que:

(43) Pararão os índios por algum tempo e depois voltarão a toda pressa rio acima. Esperando-os no dia seguinte, preveni a gente para que empregasse todos os meios afim de chamal-os á falla. Assim que os vi no dia 31, mandei logo toda agente chamal-os, mostrou-lhes lenços e roupa e aproximei-me o mais que foi possível acenando-lhes muito. (19-RM) [Assim que os vi no dia 31, mandei logo toda a gente chamá-los]

Na ocorrência (43), a perífrase conjuncional assim_que opera claramente no Nível

Representacional, estabelecendo a relação semântica de tempo entre a oração principal

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220

[mandei logo toda a gente chamá-los] e a oração adverbial [os vi no dia 31]. Nesse caso, a

perífrase conjuncional assim_que atua na camada do evento. Até então, os demais casos de

assim_que identificados nos dados históricos do Português ocupavam a posição posposta. O

exemplo (43) é um dos primeiros casos em que a perífrase conjuncional de tempo ocupa a

posição inicial da oração. Já as ocorrências de assim como conjunção correlativa dizem

respeito à comparação de igualdade, pertencendo, pois, à camada da proposição.

Com relação ao advérbio já, a tabela 20 apresenta os seguintes dados:

Tabela 20. Usos de já no século XIX Freqüência type 03 Freqüência token i. Advérbio de tempo ii. Advérbio aspectual iii. Advérbio anafórico iv. Conjunção subordinativa

01 40 02 04

TOTAL 47

No século XIX, a freqüência token de já aumentou um pouco, totalizando 47 ocorrências.

Embora os usos de já conjunção subordinativa (perífrase conjuncional já_que) não sejam

muito freqüentes no Português desse século, a sua presença já é um indício da expansão

funcional do item em análise. Novamente, os usos de já encontrados nesse século operam

apenas no Nível Representacional, mais especificamente nas camadas do evento e da

proposição. A ocorrência (44) exemplifica o uso de já_que como perífrase conjuncional:

(44) Suggestionada por alguns dos filhos a Baronesa solicitou-me a hypotheca formal da

fasenda para garantia do meu deleito p[ar]a com ella. tratei de apurar [qu]aes rasões que determinaram e já que a convenção não basta, siga-se á risca a praxe do direito romano: o devedor é escravo do credor, tem portanto obrigação de obedecel-o cegamente.(19-WL)

Em (44), nota-se que o item lingüístico já integra a perífrase conjuncional já que,

estabelecendo uma relação de causa entre a oração principal [siga-se à risca a praxe do

direito romano: o devedor é escravo do credor] e a oração subordinada [a convenção não

basta]. É o primeiro uso conjuncional de já na forma de perífrase no século XIX.

Em termos representacionais, tem-se o seguinte para o exemplo (44):

(44’) NR: (p1) (fi: (fj: já_que (fj)) (fi)) (p2)

= (fi: (fj: já_queConjSubordinativa (fj)) (fi))

Nível Representacional

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221

No material analisado do século XIX, encontrei 31 ocorrências de aí:

Tabela 21. Usos de aí no século XIX Freqüência type 03 Freqüência token i. Advérbio anafórico ii. Advérbio relacional iii. Conjunção coordenativa

21 03 07

TOTAL 31

A tabela 21 mostra que a freqüência token de aí volta a se recuperar no século XIX,

totalizando 31 ocorrências. Os usos que mais se destacam nesse período são os de advérbio

anafórico, com 21 ocorrências, e conjunção coordenativa, com 07 ocorrências. A ocorrência

(45), abaixo, ilustra um caso de aí como conjunção subordinativa conclusiva:

(45) Tive de lutar com grandes difficuldades para providenciar sobre a nossa viagem, por

faltarem-nos muitos materiaes indispensaveis ao nosso serviço. Paramos ás 3 horas da tarde á margem esquerda, tendo viajado 2 legoas. Ahi tivemos de parar até o dia 27 por não chegarem as canoas para todos nós e mais cinco cães que vinhão nos fornecendo de vez em quando alguma caça. Sahimos nesse dia ás 7 da manhã e paramos ás 4 e 50’ da tarde. (19-RM)

Em (45), tem-se um caso de aí conjuncional que opera no Nível Representacional, no

estabelecimento de uma relação semântica de conclusão entre dois conteúdos proposicionais.

5.3. Século XX

A freqüência token de assim no século XX recupera-se de forma tímida, somando 38

ocorrências. Nesse período, a freqüência type também aumenta consideravelmente:

Tabela 22. Usos de assim no século XX Freqüência type 06 Freqüência token i.Advérbio anafórico ii. Advérbio catafórico iii. Advérbio relacional iv. Conjunção correlativa v. Conjunção coordenativa vi. Conjunção subordinativa

09 06 06 07 09 02

TOTAL 38

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222

Conforme se pode observar na tabela 22, no século XX, os usos de assim como conjunção

coordenativa e conjunção correlativa/subordinativa, que pertencem ao Nível Representacional,

continuam relativamente expressivos, com destaque para os usos conjuncionais e anafóricos.

Com relação ao advérbio já, tem-se o seguinte resultado:

Tabela 23. Usos de já no século XX Freqüência type 05 Freqüência token i.Advérbio de tempo ii. Advérbio aspectual iii. Advérbio anafórico iv. Conjunção coordenativa v. Conjunção subordinativa

02 29 08 07 16

TOTAL 62

Como se pode notar, no século XX, a freqüência token do item lingüístico já sofre um

considerável aumento, somando 62 ocorrências no corpus analisado. Nesse período, os usos

mais recorrentes do item já são os de advérbio aspectual, com 29 ocorrências, conjunção

subordinativa, com 16 ocorrências, e, advérbio anafórico, com 08 ocorrências.

A ocorrência (46) exemplifica um caso de já como advérbio de tempo:

(46) Já falei pra Oneida. Vou falar outra vez que ela ficou de mandar. Você me falou que a saudação a Romain Rolland não era tão pra já, mas pro fim do

ano! Ou não entendi bem?...(20-MA)

No trecho (46), o item lingüístico já opera como advérbio de tempo, modificando,

temporalmente, o estado-de-coisas descrito na oração [a saudação a Romain Rolland].

A tabela 24, abaixo, apresenta o resultado de aí no século XX:

Tabela 24. Usos de aí no século XX Freqüência type 07 Freqüência token i.Advérbio de lugar ii. Advérbio anafórico iii. Advérbio catafórico iv. Advérbio relacional v. Conjunção correlativa vi. Conjunção coordenativa vii. Operador de subato adscritivo

09 11 07 05 06 13 03

TOTAL 54

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223

Os dados da tabela 22 mostram que os usos de aí como advérbio relacional (com 05

ocorrências), conjunção correlativa (06 ocorrências) e conjunção coordenativa (13 ocorrências)

são bastante freqüentes no século XX. Um outro uso freqüente nesse período é o anafórico.

São desse século também os primeiros usos de aí como operador aproximativo de subato

adscritivo, que constitui umas das camadas do Nível Interpessoal, tal como se nota abaixo:

(48) Eu falei em ajuntar no livro os três ensaios que fiz sobre o Aleijadinho, Álvares de

Azevedo e Carlos Gomes. Ficava bonito e harmonioso. Mas acabei ontem de copiar o segundo desses trabalhos e desisti de botar o terceiro. Porque com as modificações, e mesmo sem elas, os trabalhos sobre o Aleijadinho e o Álvares dão já um opúsculo muito alentado, talvez um livro aí de suas cem páginas, não sei calcular direito. (20-MA)

Como se observa, em (48), aí amplia seu escopo funcional, passando a operar no Nível

Interpessoal, no interior da camada do Conteúdo Comunicado (nos subatos), exercendo o papel

de operador aproximativo de subato adscritivo. Em outras palavras, em (48), aí atua sobre o

subato adscritivo “de suas cem páginas” [sintagma preposicionado], cuja estratégia

comunicativa é informar ao leitor da possibilidade de publicação de um livro, de mais ou

menos cem páginas. Nesse caso, a função do operador aproximativo é de aproximar, quando

não se sabe ou não se tem certeza sobre algo, uma informação. A incerteza, nesse caso,

recai sobre o número de páginas do livro [se terá cem ou mais de cem páginas].

6. GENERALIZAÇÕES DIACRÔNICAS

O gráfico 4 abaixo ilustra a freqüência token e a evolução dos itens lingüísticos assim,

aí e já nos séculos que compreendem os estágios anteriores do Português:

0

20

40

60

80

100

120

Em nºs absolutos

Séc. XIII Séc. XIV Séc. XV Séc. XVI Séc. XVII Séc. XVIII Séc. XIX Séc. XX

Gráfico 4. Distribuição de assim, já e aí nos estágios anteriores do Português

Assim

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224

Dos itens lingüísticos analisados no corpus diacrônico, a forma assim foi a que mais se

destacou em termos de freqüência, ficando em segundo lugar a forma lingüística já. Embora

seja bastante freqüente atualmente, a freqüência token de aí não se manteve equilibrada nos

estágios anteriores do Português. Sua ocorrência começou a se estabilizar a partir do século

XX. Como mostrarei adiante, é nesse período também que o escopo funcional de aí amplia.

O gráfico 5 ilustra a evolução do item assim no Português histórico:

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Séc.

XIII

Séc.

XIV

Séc.

XV

Séc.

XVI

Séc.

XVII

Séc.

XVIII

Séc.

XIX

Séc.

XX

Gráfico 5. Evolução de assim no Português (Séculos XIII - XX)

Adv. dêitico

Adv. anafórico

Adv. catafórico

Adv. Rel.

Conj. correlat.

Conj. coord.

Conj. subord.

Oper. sub. adsc.

O gráfico 5 mostra que, dos usos expressos por assim nos séculos XIII-XX, os usos como

operador aproximativo são os menos produtivos na história do Português. Os usos que mais

se destacam nesses séculos são os usos de assim como advérbio anafórico, advérbio

catafórico, advérbio relacional (que provavelmente contribui para que assim passasse a atuar

como conjunção), conjunção coordenativa, conjunção correlativa e conjunção subordinativa.

Em termos de gramaticalização, o gráfico ilustra a ampliação do escopo funcional de assim, e,

conseqüentemente, o aumento de abstratização desse item, que passa a operar em outras

esferas gramaticais da língua. O período que registra mais ocorrências de assim é o século

XV. Nesse período, ocorre uma explosão dos usos de assim, que se transforma em um

elemento de grande importância para a construção do texto, no que diz respeito às relações

gramaticais entre eventos e proposições, contribuindo, portanto, para a coesão textual.

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225

O gráfico 5 mostra também que os primeiros usos de assim que operam no Nível

Interpessoal, na camada do Conteúdo Comunicado, começam a aparecer a partir do século

XX. Os usos catalogados nesse século são os de operador aproximativo de subato adscritivo.

Com relação ao gráfico 5, pode-se dizer ainda que, durante o século XIII, ambas as

freqüências token e type do item assim aumentam, o que é diferente do período que vai do

século XIV ao século XIX, em que se observa um período de estabilidade semântica. A partir

do século XX, a freqüência token de assim diminui, ao passo que a freqüência type aumenta,

contrariando, nesse sentido, a hipótese de Bybee (2003) de que os usos mais

gramaticalizados tendem a ser mais freqüentes do que os usos menos gramaticalizados.

Os números do gráfico 6 ilustram a evolução histórica de já no Português:

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Séc.

XIII

Séc.

XIV

Séc.

XV

Séc.

XVI

Séc.

XVII

Séc.

XVIII

Séc.

XIX

Séc.

XX

Gráfico 6. Evolução de já no Português (Séculos XIII - XX)

Adv. dêitico

Adv. aspectual

Adv. anafórico

Adv. catafórico

Adv. Rel.

Conj. coord.

Conj. subord.

O que se observa, no gráfico 6 acima, é que do século XIII ao século XVII tem-se um período

de estabilidade semântica, sem muita oscilação entre as freqüências token e type do item já.

Entre os séculos XVIII e XIX observa-se um outro período aparente de estabilidade semântica,

a partir do qual a freqüência token de já volta a crescer e a freqüência type também,

resultando em usos mais variados. No entanto, é no século XX que o item já passa a exercer

um número maior de funções, contabilizando 5 tipos distintos de usos do item.

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226

O gráfico 7, por sua vez, mostra a evolução de aí na história do Português:

0

10

20

30

40

50

60

70

Séc.

XIII

Séc.

XIV

Séc.

XV

Séc.

XVI

Séc.

XVII

Séc.

XVIII

Séc.

XIX

Séc.

XX

Gráfico 7. Evolução de aí no Português (Séculos XIII - XX)

Adv. dêitico

Adv. anafórico

Adv. catafórico

Adv. Rel.

Conj. correlat.

Conj. coorden.

Conj. subord.

Oper. sub. adsc.

Conforme se pode observar no gráfico 7 acima, entre os séculos XIII e XV, tem-se um período

de estabilidade semântica, em que se nota apenas uma variação na freqüência token de aí.

No entanto, entre os séculos XVI e XVII, o que se observa é uma relativa oscilação entre a

freqüência aí e os usos expressos por essa forma lingüística. Nesse período, a freqüência

token diminui e a freqüência type aumenta. Em seguida, durante os séculos XVIII e XIX, tem-

se novamente um período aparente de estabilidade semântica, momento em que a freqüência

token começa a crescer novamente e a freqüência type também. É só, a partir do século XX,

que o item lingüístico já passa a desempenhar novas funções na língua portuguesa.

6.1. Relação entre os estágios de evolução do Português e as categorias da GDF

O quadro 2, a seguir, apresenta esquematicamente a evolução do item assim em

relação às categorias semânticas (f-propriedade, x-indíviduo, e-evento, ep-episódio, p-

conteúdo proposicional) e às categorias pragmáticas (C-Conteúdo comunicado, A-Ato

discursivo e M-Move) da GDF e aos estágios de desenvolvimento do Português:

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227

Estágios de evolução do Português (em séculos) Usos de assim XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX

f - - - - - - - - x - - - - - - - - e + + + + + + + +

ep + + + + + + + + N

R

p + + + + + + + + C - - - - - - - + A - - - - - - - -

Categorias da GDF

NI

M - - - - - - - - Quadro 2. Correlação entre assim e as categorias semânticas e pragmáticas da GDF

Com base no quadro 2, observa-se que o item assim, diferentemente de aí, já exercia outras

funções na organização do texto/discurso, tais como as de advérbio anafórico, advérbio catafórico

(na camada do evento), advérbio relacional e conjunção (nas camadas do evento e conteúdo

proposicional). Os usos como advérbio de modo (camada do evento) não foram catalogados.

Entretanto, todos os usos de assim identificados nos séculos XIII – XX se limitavam basicamente

às camadas do Nível Representacional (evento, episódio e conteúdo proposicional),

comprovando a hipótese de que o processo de GR desses itens inicia-se nas camadas mais

baixas do Nível Representacional e vai, aos poucos, assumindo funções interpessoais.

Correlacionando os estágios de evolução do item lingüístico já na história do

Português com as categorias semânticas e pragmáticas da GDF, tem-se o seguinte:

Estágios de evolução do Português (em séculos) Usos de já XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX

f - - - - - - - - x - - - - - - - - e + + + + + + + +

ep - + + + + + + +

NR

p - + + + + + + + C - - - - - - - - A - - - - - - - -

Categorias da GDF

NI

M - - - - - - - - Quadro 3. Correlação entre já e as categorias semânticas e pragmáticas da GDF

O quadro 3 ilustra nitidamente o percurso de evolução da forma lingüística já nos séculos XIII-

XX em relação aos níveis e às camadas de organização da GDF (as categorias semânticas e

pragmáticas). Pode-se notar que já começa a operar nas camadas do evento, episódio e

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228

conteúdo proposicional no século XIV e vai até o século XX, momento em que o número de

funções expressas por esse item aumenta demasiadamente. A área em cinza no quadro acima

mostra esse trajeto de evolução que o item já percorreu no Português. Quanto ao item aí, o

quadro 4, a seguir, ilustra a correlação existente entre os estágios de evolução do item

lingüístico aí no Português histórico e as categorias semânticas e pragmáticas da GDF:

Estágios de evolução do Português (em séculos) Usos de aí XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX

f - - - - - - - - x - - - - - - - - e + + + + + + + +

ep - - + + + + + +

NR

p - - + + + + + + C - - - - - - - + A - - - - - - - -

Categorias da GDF

NI

M - - - - - - - - Quadro 4. Correlação entre assim e as categorias semânticas e pragmáticas da GDF

A área cinza do quadro indica a evolução de aí no decorrer da história. Quanto mais se aproxima

do séculos XX, mais o item aí assume outras funções lingüísticas no Português.

Enfim, os quadros 2, 3 e 4 ilustram, respectivamente, o percurso de GR das formas

lingüísticas assim, já e aí no Português histórico. É somente depois dos anos 50 do século XX

(cf. capítulo IV) que esses itens ultrapassam plenamente os limites do Nível Representacional

e rumam em direção às categorias pragmáticas do Nível Interpessoal, operando,

basicamente, na articulação de atos discursivos, movimentos, tópicos e na introdução de

Conteúdos comunicados, além dos usos de assim e aí como operadores aproximativos.

6.2. O percurso de mudança lingüística de assim, já e aí no Português histórico

Das informações apresentadas nos quadros 2, 3 e 4, tem-se que o percurso de

evolução das formas adverbiais assim, já e aí não ocorre de forma desordenada. Pelo

contrário, todos os elementos lingüísticos apresentam uma hierarquia implicacional em

relação às categorias funcionais da GDF com as quais se relacionam, como se vê abaixo:

(49) Hierarquia implicacional de assim e < ep < p < C

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229

(50) Hierarquia implicacional de já e < ep < p (51) Hierarquia implicacional de aí e < ep < p < C

Em (49), a existência de assim na camada do Conteúdo comunicado pressupõe a sua

existência nas camadas do Conteúdo proposicional, e, assim, sucessivamente. Os dados

mostram que essa hierarquia implicacional existe e é determinante. Já em (50), os dados que

comprovam a existência do item já operando na camada mais alta do Nível Representacional, a

camada do conteúdo proposicional, o que aponta para o processo de GR. Mesmo nesse caso, a

existência de já na camada do conteúdo proposicional, como conjunção (perífrase já_que),

pressupõe também a sua existência nas demais camadas do Nível Representacional (e, ep).

Em (51), diferentemente de assim, os dados de aí operando na camada do Conteúdo

comunicado da GDF pressupõem também a sua existência nas camadas mais baixas.

Correlacionando, portanto, os níveis e as camadas de organização da GDF com os

usos expressos por assim no Português, tem-se a seguinte configuração:

Evento Episódio Cont. Proposicional Cont. Comunicado Ato discursivo Movimento

Adv. anafórico Adv. catafórico Adv. relacional

Adv. Relacional

(Adv. anafórico) (Adv. catafórico) Adv. relacional Conj. correlativa Conjunção

coord./subordinativa

Operador de subatos adscritivo Introdutor de Conteúdo Comunicado

-

-

+Lexical --------------------------------------------------------------------------------------------------------- +Gramatical Quadro 5. Níveis e camadas de operação de assim

No gráfico 5, mostro que o item lingüístico assim encontra-se em um estágio mais avançado

de gramaticalização. Relacionando, agora, os usos de assim com os níveis e camadas de

organização da GDF, pode-se notar que na camada do evento operam usos como advérbio

anafórico/catafórico, advérbio relacional e conjunção correlativa, situação que já é observada

no século XIII. A partir do século XIV, outros usos são acumulados por assim. Nesse período,

assim passa a atuar na camada da proposição como elemento catafórico e conjunção

coordenativa/subordinativa, incluindo os usos como conjunção correlativa (que operam

basicamente na camada da proposição). A correlação entre os níveis e as camadas da GDF e o

percurso de GR de assim, com seus diferentes usos no Português, é dada no quadro 5 acima.

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230

No tocante à correlação entre os níveis e as camadas da GDF e os usos de já no

Português histórico e contemporâneo, o quadro 6 traz o seguinte:

Evento Episódio Cont. Proposicional Cont. Comunicado Ato discursivo Movimento

Adv. tempo Adv. aspectual Adv. anafórico

Conj. coord. Adv. anafórico Conj. coordenativa Conj. subordinativa

-

-

-

+Lexical ----------------------------------------------------------------------------------------------------------+Gramatical Quadro 6. Níveis e camadas de operação de já

Voltando ao gráfico 6, observa-se que no século XIII os usos de já como advérbio temporal e

advérbio aspectual restringiam-se à camada do evento. É depois do século XIV que o item

lingüístico já começa a exercer outras funções no Português, tais como as de advérbio

anafórico, no século XIII, e conjunção coordenativa, no século XVIII. O quadro 3, mencionado

anteriormente, mostra que, no século XIII, os usos de já se limitavam às camadas do evento,

mudando somente a partir do século XIV, período em que já passa a operar também nas

camadas do episódio e conteúdo proposicional como conjunção coordenativa e conjunção

subordinativa. É a partir do século XVIII que já tem seu escopo ampliado a outras camadas de

organização da língua, como foco nos usos de já como conjunção coordenativa (de valor

contrastivo). É o que mostro no quadro 6 acima, cuja distribuição de usos de já aponta para

um crescente de GR desse item rumo a outras camadas do Nível Representacional.

O quadro 7, por sua vez, apresenta a correlação entre os níveis e as camadas da

GDF e os usos expressos por aí desde o século XIII do Português:

Evento Episódio Cont. Proposicional Cont. Comunicado Ato discursivo Movimento Adv. de lugar Adv. anafórico Adv. catafórico Adv. relacional Conj. coord.

Adv. relacional Conj. coord.

(Adv. anafórico) (Adv. catafórico) Adv. relacional Conj. correlativa Conj. coord./subord.

Operador de subato adscritivo

-

-

+Lexical ----------------------------------------------------------------------------------------------------------+Gramatical Quadro 7. Níveis e camadas de operação de aí

Como mostrei no gráfico 7, os primeiros usos de aí como advérbio relacional aparecem a

partir do século XVII, operando nas camadas do evento e do episódio. É no século XVIII que

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231

os usos de aí como conjunção coordenativa começam a operar na camada do conteúdo

proposicional. Nos séculos XV e XVI, os usos mais freqüentes de aí são como advérbio

anafórico e catafórico, que ocorrem mais na camada do evento. No entanto, no decorrer da

história, outros usos de aí passam a operar no Nível Representacional, tais como os de

conjunção correlativa, ampliando seu escopo rumo às camadas da proposição e do Conteúdo

Comunicado, do Nível Interpessoal, como operador aproximativo de subato adscritivo.

Em vista do exposto, o percurso de GR desenvolvido por aí e assim corrobora as

propostas de Traugott (1982; 1995) e Traugott & König (1991) não apenas no que diz respeito

ao papel do contexto no surgimento de novos usos na língua, como também no que concerne

ao caráter unidirecional das mudanças, que apontam para uma pragmatização dos itens.

7. AVALIAÇÃO

Neste capítulo, procurei mostrar um pouco da história e da evolução dos itens

lingüísticos assim, já e aí nos séculos anteriores do Português, iniciando pelo Latim vulgar até

chegar ao Português contemporâneo (até meados do século XX). Essa investida histórica

mostrou que os itens adverbiais assim, já e aí, considerando suas particularidades, foram

ampliando cada vez mais o seu escopo funcional no decorrer dos séculos, exercendo funções

anafóricas, catafóricas, relacionais, conjuncionais e argumentativas nos materiais analisados,

o que comprova que o caráter multifuncional dos itens adverbiais, que é uma característica

saliente nos dados atuais do Português brasileiro, não constitui um fato totalmente recente.

Os dados diacrônicos analisados aqui mostram que muitos dos usos atuais dos itens assim, já

e aí – conforme ilustrei no capítulo anterior – estão fundamentados (ou melhor, originaram-se)

nos usos que esses elementos lingüísticos exerceram nos estágios anteriores do Português.

Mostra também que processo de mudança de assim, já e aí foi ocorrendo de forma gradativa.

Além disso, mostrei que, no decorrer do tempo, a freqüência type dos itens

lingüísticos assim, já e aí foi aumentando, enquanto a freqüência token desses itens ficou

oscilando em vários momentos da história do Português, ora aumentando ora diminuindo, até

atingir os séculos XIX e XX, período em que se observa um número bem maior de types. A

redução da freqüência token, em comparação ao aumento da freqüência type desses itens,

contraria a hipótese de Bybee (2003) de que quanto mais avançado o estagio de GR de um

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232

item lingüístico, maior será a sua freqüência no texto, pelo menos no que diz respeito aos

dados dos séculos XVIII, XIX e XX, que apontam para uma situação inversa. Apesar da

possível interferência do corpus nos resultados obtidos nessa pesquisa, os dados de assim, já

e aí dos séculos XVII, XVIII e XX traduzem uma situação não esperada por Bybee.

Refinando os dados dos quadros 5, 6 e 7 e da análise, é possível postular as

seguintes trajetórias de gramaticalização para os itens assim, já e aí no Português:

conj. coordenativa dêitico > fórico > adv. relacional > conj. correlativa > oper. sub. adscritivo conj. subordinativa

Quadro 8. Trajetória de gramaticalização de assim no Português

dêitico > adv. aspectual > fórico >

conj. coordenativa conj. subordinativa

Quadro 9. Trajetória de gramaticalização de já no Português

dêitico > fórico > adv. relacional > > oper. sub. adscritivo

conj. coordenativa conj. correlativa

Quadro 10. Trajetória de gramaticalização de aí no Português

Os esquemas elencados acima ilustram as trajetórias de GR dos itens assim, já e aí nos dados

do Português histórico, que captam vários estágios de desenvolvimento desses itens nos dados

do Português contemporâneo. Em termos de GR, os usos mais à esquerda (dêitico/fórico) de

assim, já e aí são mais concretos e menos gramaticalizados, ao passo que os usos situados mais

à direita do esquema, como os de operador aproximativo de subato adscritivo (no caso de

assim), conjunção coordenativa e conjunção subordinativa (no caso de já) e operador

aproximativo de subato adscritivo (no caso de aí) são mais abstratos e mais gramaticalizados.

Quando se compara os dados diacrônicos com os dados contemporâneos de assim,

já e aí, o que se observa é que o processo de GR dessas formas lingüísticas ainda continua

nos dias atuais, deslocando-se em direção a outras camadas do Nível Interpessoal.

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233

CAPÍTULO VI

A APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS E PRINCÍPIOS DE

GRAMATICALIZAÇÃO

ste capítulo apresenta os resultados da aplicação ou não aplicação dos critérios e princípios de GR propostos pelos autores da área. Em vista dos objetivos especificados acima, apresento na seção 1 uma breve introdução que direciona a discussão. Na seção 2, trago os resultados da aplicação dos princípios de Hopper (1991). Na seção 3, apresento os resultados da aplicação dos parâmetros de Lehmann (1995). Na seção 4, discuto a

relevância dos critérios de Heine et alii (1991) e Heine & Reh (1984). Já nas seções 5 e 6, apresento os resultados da aplicação das propostas de Traugott (1982, 1995, 1999) e Traugott & König (1991) e de Sweetser (1991). Na seção 7, discuto a relevância da proposta de GR na GDF. Por fim, na última seção, faço uma avalição geral dos critérios, princípios e parâmetros de GR discutidos no capítulo. 1. INTRODUÇÃO

No capítulo II, elenquei vários princípios teóricos, critérios e parâmetros de análise

que foram propostos por diferentes pesquisadores a fim de verificar o grau de

gramaticalização dos itens lingüísticos, que se encontram em processo de mudança

lingüística. Dos modelos de GR apresentados no capítulo II, vale destacar os estudos de

Hopper (1991), Sweetser (1991), Lehmann (1995), Heine et alii (1991), Traugott (1982, 1995),

Hopper & Traugott (1993), Hopper & Traugott (1993) e Hengeveld & Mackenzie (2008), pelo

fato de serem relevantes para a análise dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português.

Essas propostas contêm semelhanças e algumas diferenças. O que todas elas têm

em comum é o princípio unidirecional como base do processo de mudança lingüística, no

sentido de que um item lexical pode-se tornar gramatical ou um item já gramatical pode-se

tornar ainda mais gramatical, mantendo a mesma direção: do mais concreto para o mais

abstrato. Umas das diferenças existentes, por exemplo, entre Hopper (1991) e Lehmann

EN

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234

(1995), é que os princípios de Hopper dão mais conta de explicar os estágios iniciais de GR

de uma dada forma lingüística, enquanto os parâmetros de Lehmann são mais indicados para

a análise de estágios mais avançados de GR. O que proponho é uma análise conjunta desses

critérios, a fim de verificar o real estágio de GR dos itens em estudo. Já as outras propostas

enfatizam o processo de pragmatização (ganhos de significados) rumo ao componente

pragmático da língua, apesar de reconhecerem que nesse processo há também perdas.

2. OS PRINCÍPIOS DE HOPPER

Ao que tudo indica, todos os princípios teóricos de GR propostos pelo Hopper (1991) se

aplicam à análise dos itens lingüísticos assim, já e aí no Português falado do interior paulista,

uma vez que trazem informações que podem explicar o processo de GR dessas formas

lingüísticas na língua. Quanto ao princípio de estratificação, Hopper diz que diferentes formas

podem conviver em um mesmo espaço, propiciando a variação lingüística. O Português

brasileiro dispõe de várias conjunções coordenativas conclusivas, tais como portanto, logo e por

isso (cf. o quadro 1 abaixo), no entanto essa relação semântica pode também ser expressa pelo

uso de assim como item conjuncional, que, por sinal, é muito recorrente no Português. Embora o

item assim exerça um papel de grande destaque no processo de coordenação de orações (de

eventos e conteúdos proposicionais), essa forma não possui exatamente as mesmas

características que as demais conjunções coordenativas conclusivas. Ademais, o uso de assim

como conjunção coordenativa conclusiva/ explicativa já se fazia presente no Português histórico,

entretanto, com o passar do tempo, esse uso foi se tornando cada vez mais freqüente.

conjunções conclusivas: portanto, logo, por isso

Assim conjunções explicativas: pois, porque, etc.

Quadro 1. Usos conjuncionais de assim no Português brasileiro

Os usos de já como conjunção adversativa, alternativa e correlativa (cf. o capítulo IV)

convivem com outras conjunções coordenativas que também expressam essas mesmas

relações semânticas na língua portuguesa, assim como mostra o quadro 2 abaixo:

conjunções adversativas: mas, no entanto, entretanto

Já conjunções correlativas: já...já

Quadro 2. Usos conjuncionais de já no Português brasileiro

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235

Com relação ao funcionamento de aí, os mostram que, no decorrer do tempo, essa

forma adverbial passa a exercer, ao lado de outros elementos conectivos, o papel de

conjunção coordenativa conclusiva, aditiva (às vezes) e adversativa, como se vê no quadro 3:

conjunções conclusivas: portanto, por isso, assim conjunções aditivas: e Aí conjunções adversativas: mas, no entanto, entretanto

Quadro 3. Usos conjuncionais de já no Português brasileiro

Como se pode concluir, o fato de assim, já e aí conviverem com outras formas conjuncionais

que desempenham funções similares no mesmo período de tempo é uma evidência de que

esses itens lingüísticos estão em processo de GR, comprovando a hipótese de Hopper de que

a estratificação constitui uma das provas dos estágios iniciais de mudança de assim, já e aí.

O princípio de divergência traz uma informação importante com relação ao processo

de mudança de assim, já e aí, uma vez que ele prediz que tanto o item gramaticalizado

quanto item lexical, que serve de fonte para os demais usos, podem conviver em um espaço

de tempo. Com relação aos usos expressos pelo item assim no Português brasileiro, tais

como a de advérbio anafórico, advérbio catafórico, advérbio relacional, conjunção, introdutor

de episódio, introdutor de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de subatos

referencial e adscritivo, posso dizer que todos eles ainda coexistem o uso de como advérbio

de modo, que constitui a forma-fonte a partir da qual os demais usos são derivados. Isso

mostra que assim ainda é usado como um item autônomo no Português brasileiro. Sobre os

usos de já, também pode-se dizer a mesma coisa: além dos usos de já como advérbio

aspectual, advérbio anafórico/catafórico, conjunção e marcador de ênfase, o item já ainda

resiste no Português como advérbio de tempo, que é o uso mais básico desse item. Com

relação os usos de aí, a configuração do processo de mudança também é bastante

semelhante, pois, além dos diferentes usos expressos por esse item na língua (advérbio

anafórico, advérbio catafórico, conjunção, introdutor de episódio, operador aproximativo de

subatos referencial e adscritivo, organizador de tópico, marcador discursivo, o item aí ainda é

utilizado no Português como advérbio de lugar, isto é, como advérbio dêitico (forma-fonte).

Em relação ao princípio de especialização, que prevê a diminuição das formas

lingüísticas que ocorrem em um mesmo contexto ou domínio funcional, é possível dizer que

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236

esse princípio não se aplica totalmente aos casos de assim, já e aí do Português brasileiro,

uma vez que esses itens não constituem formas obrigatórias para as funções que exercem na

língua. No caso de assim, por exemplo, que pode atuar como conjunção coordenativa

conclusiva, há outras conjunções coordenativas no Português que também exercem a mesma

função, tais como as conjunções coordenativas conclusivas portanto, logo, por isso. No

entanto, nos dados de língua falada, que é o caso dessa pesquisa, a conjunção coordenativa

conclusiva assim tende a ocupar o lugar das demais formas conjuncionais, que são bem

menos freqüentes. Dessa maneira, é mais nesse tipo de contexto que se pode cogitar a

aplicação do princípio de especialização para a forma assim no Português brasileiro. No que

diz respeito ao item lingüístico já, que atua como conjunção, a situação é uma pouco mais

distinta, considerando-se o fato de que esse elemento pode operar tanto na escrita quanto na

fala, em geral para codificar a função de contraste entre duas proposições. Nesse caso, o uso

conjuncional de já pode coexistir com outras formas lingüísticas que exercem a mesma

função, tais como as conjunções coordenativas porém, no entanto, entretanto, mas. O que

notei, na análise dos dados do Português contemporâneo e histórico, é que o item já como

conjunção tende a exercer uma função mais argumentativa nos contextos em que aparece,

tanto que é um uso muito freqüente nos relatos de opiniões. Porém, ainda não se pode falar

que já constitui uma forma especializada ou obrigatória para exercer uma função x.

Em relação ao item lingüístico aí, tem-se uma outra configuração, uma vez que o uso

de aí como conjunção ou introdutor de episódios é extremamente freqüente na língua falada,

chegando, a ocupar, muitas vezes, o lugar de outras conjunções coordenativas do Português,

tais como as conjunções coordenativas e, por isso, mas e pois, e, às vezes, até de

conjunções subordinativas, tais como as de causa e tempo. Em vista dessa configuração,

acredito que o princípio de especialização se aplique mais à forma lingüística aí, que é muito

recorrente em alguns domínios funcionais, do que às demais formas (assim e já).

O princípio de persistência, que está relacionado à preservação de alguns traços da

forma-fonte na nova forma gramaticalizada, mostrou-se bastante relevante para entendimento

do funcionamento dos itens assim, já e aí no Português brasileiro. Com relação aos usos

expressos pelo item lingüístico assim, observei que o traço modal, equivalente a dessa

maneira e desse modo, tende a permanecer nos usos mais abstratos, tais como os de

advérbio anafórico, advérbio catafórico, advérbio relacional, conjunção coordenativa

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237

conclusiva e introdutor de Conteúdo comunicado (que é um dos usos mais gramaticalizados

de assim). No que diz respeito aos usos do item lingüístico já, o que se observa é um pouco

diferente, uma vez que o traço temporal tende a persistir nos usos mais incipientes de já, que

incluem os casos de advérbio anafórico, advérbio catafórico e advérbio aspectual, embora a

noção de tempo nos casos de advérbio aspectual seja bem mais sutil do que nos demais usos

de já. Quanto aos usos expressos pelo item lingüístico aí, pude observar que o traço locativo

permanece de forma visível nos usos de aí como advérbio anafórico, advérbio catafórico e

advérbio relacional, e de forma bem sutil nos usos de aí como introdutor de eventos e

episódios, conjunção e operador aproximativo. A preservação do traço locativo de aí nos

casos de foricidade (advérbios fóricos) é que o leva alguns autores a usar o termo “dêitico

textual ou dêitico fórico” para se referir aos casos em que aí atua nas remissões anafórica e

catafórica, fato que também pôde ser comprovado na análise dos dados diacrônicos de aí.

Por fim, o último princípio apresentado por Hopper (1991), que trata da perda de

categorialidade, é o da descatecorização. Esse traço está relacionado à perda gradativa de

traços sintáticos e morfológicos da forma lingüística no decorrer do processo de GR. Nesse

caso, em relação aos itens lingüísticos assim, já e aí no Português brasileiro, verifiquei que a

descategorização está presente em todos eles, principalmente no que diz respeito à perda de

mobilidade sintática ou posicional desses elementos na estrutura oracional. Sobre o

funcionamento de assim, por exemplo, o que pude constatar é que, no decorrer do processo

de GR, esse item vai perdendo sua liberdade sintática em direção a posições mais fixas na

sentença, em especial quando esse item passa a funcionar como conjunção, introdutor de

Conteúdo comunicado e operador aproximativo. Quanto ao funcionamento de já, observei que o

item tende a percorrer o mesmo trajeto de GR, rumo a uma maior rigidez estrutural. Enfim,

com relação ao item aí, o que se verifica é uma situação muito semelhante a dos itens assim e

já, que caminham em direção à perda de mobilidade sintática. Quando atua como introdutor

de episódios e conjunção, o item aí tende a ocupar a posição inicial da oração.

3. OS CRITÉRIOS DE LEHMANN

A noção de GR de Lehmann (1982 [1995]), como já foi discutido no capítulo II, refere-

se basicamente ao grau de autonomia de um signo lingüístico na língua. Dessa forma,

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238

Lehmann entende que o surgimento de formas gramaticais está relacionado à perda de

autonomia do signo lingüístico no transcorrer do processo de GR. No tocante aos itens assim,

já e aí, a hipótese de GR só será atestada mediante a verificação do grau de autonomia

desses itens na língua, isto é, se são elementos mais autônomos ou menos autônomos.

Para aferir o grau de autonomia dos signos lingüísticos, Lehmann (1995) estabelece

seis parâmetros, que são resultados da associação com os mecanismos de seleção e

combinação. Esses parâmetros serão retomados aqui de forma resumida. O parâmetro da

integridade diz respeito à perda de integridade fonético-fonológica e semântica da forma

lingüística à medida que se gramaticaliza. O escopo está relacionado ao tamanho da

expressão que o item pode formar, em termos de relacionamento com outros itens; quanto

maior for o escopo, menor será o grau de GR. Já o princípio da paradigmaticidade revela

que quanto maior for a integração do elemento no paradigma, mais gramaticalizado ele será.

Em contrapartida, o princípio da conexidade está associado ao grau de vinculação sintática

entre os itens na estrutura sintática, ou seja, quanto mais vinculado sintaticamente, mais

gramaticalizado será o elemento. Por fim, Lehmann apresenta o princípio da variabilidade

paradigmática, que se refere à obrigatoriedade de um item dentro do seu paradigma, e o

princípio da variabilidade sintagmática, que diz respeito à mobilidade sintática de um item

na estrutura oracional (quanto maior a rigidez sintática, maior o grau de gramaticalização).

Aplicando, então, esses seis parâmetros de Lehmann (1995) aos casos de assim, já e

aí, cheguei a um resultado relativamente positivo. Com relação ao parâmetro integridade, o que

se nota é o enfraquecimento semântico ou perda semântica de assim, já e aí, à medida que

assumem novas funções gramaticais no decorrer do processo de mudança. Nesse contexto, os

traços semânticos de modal, tempo e locativo dos itens assim, já e aí, respectivamente, vão

sofrendo um desgaste semântico no decorrer do processo de GR. No entanto, em

contrapartida, o que se observa é um aumento gradativo do valor expressivo desses itens.

Quanto ao parâmetro da paradigmaticidade de Lehmann, é possível dizer que os

itens assim, já e aí constituem sim formas em gramaticalização, uma vez que essas três

formas lingüísticas podem integrar o paradigma das conjunções coordenativas (em especial).

Além disso, os itens assim e aí podem também atuar como operador de subatos referencial e

adscritivo, que constitui uma outra categoria gramatical. Um outro parâmetro que comprova o

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239

grau de gramaticalização dos itens assim, já e aí é o parâmetro da conexidade, haja vista que

esses itens podem operar no plano textual, na articulação de eventos e proposições.

O parâmetro denominado variabilidade paradigmática também parece ser relevante

para a explicação do funcionamento de assim, já e aí nos dados Português brasileiro. Nos

contextos em que assim opera como conjunção, esse elemento pode ser geralmente

substituído por outras conjunções coordenativas como logo, portanto e por isso, no entanto,

em outros contextos, quando assim passa a exercer outras funções, tais como a de introdutor

de Conteúdo comunicado e operador de subatos referencial e adscritivo, a variabilidade

paradigmática tende a diminuir, restando apenas um grupo muito restrito de elementos que

podem exercer as mesmas funções. Em relação ao item já, a redução da variabilidade

paradigmática só se verifica nos casos em que esse item passa a operar como conjunção

argumentativa, na relação de contraste entre conteúdos proposicionais, que é um domínio

funcional ocupado por um conjunto mais restrito de elementos lingüísticos. O item lingüístico

aí, por sua vez, apresenta uma característica muito importante em relação aos demais itens

analisados aqui e aos demais itens lingüísticos de origem adverbial, que é a de introduzir

eventos e episódios, duas funções que são muito freqüentes nos dados do IBORUNA. Como

eu disse anteriormente, o item aí é usado no lugar de várias conjunções coordenativas (e, às

vezes, subordinativas) na língua falada, e também para introduzir episódios que integram

eventos discursivos maiores, que são típicos de narrativas de experiência e narrativas

recontadas. Nesse tipo de contexto, o item aí é imbatível, pois é muito recorrente.

Outro parâmetro de Lehmann, que também é relevante para a análise de GR de

assim, já e aí, é o parâmetro da variabilidade sintagmática. Esse parâmetro atesta o fato de

que esses elementos estão se gramaticalizando, assumindo tanto funções textuais quanto

funções expressivas. Quando o item assim atua, por exemplo, como conjunção, a tendência é

de que esse elemento assuma uma posição mais fixa na sentença, a posição pré-verbal,

diferentemente de quando esse elemento atua como advérbio de modo (forma-fonte), cuja

mobilidade sintática tende a ser maior, atuando em vários lugares da oração. Cabe lembrar

que, durante o processo de GR, um outro uso expresso por assim é o da perífrase

conjuncional assim que, de valor temporal. Trata-se de uma perífrase que não permite a

inserção de elementos entre assim e a palavra que e a alteração da ordem dos constituintes

que compõem a perífrase, sob a penalidade de ter o seu sentido alterado. Em relação ao item

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240

já, o que observei é que a posição pós-verbal geralmente é ocupada nos contextos em que

esse elemento opera como advérbio de tempo, ao passo que a posição pré-verbal tende a ser

ocupada nos casos em que já opera como advérbio aspectual ou elemento conjuncional. A

exemplo do que ocorre com a perífrase assim que temporal, a perífrase já que, de valor

causal, que é um dos usos mais gramaticalizados de já, também assume uma posição mais

fixa na oração, não permitindo a inserção de outros itens entre os seus elementos

constitutivos. No tocante ao item lingüístico aí, observei uma situação muito semelhante à dos

itens assim e já. Na medida em que aí se gramaticaliza, o item vai perdendo sua mobilidade

sintática no interior da sentença, situação que é diferente dos usos de aí como advérbio

locativo ou advérbio fórico, cuja posição sintática ocupada pelo item pode variar na oração.

4. AS HIPÓTESES DE HEINE et alii E HEINE & REH

A proposta de GR de Heine et alii (1991) está baseada na noção de transferência de

significados entre categorias cognitivas (como espaço, tempo, etc.), que vão do mais concreto

para o mais abstrato. Os autores elencam alguns parâmetros para avaliar o grau de GR de um

item lingüístico a partir do domínio da marcação de caso. Dentre esses parâmetros, listo,

abaixo, apenas os que mais são relevantes para a análise dos itens assim, já e aí:

(i) Segundo Heine et alii (1991), quando uma categoria gramatical é derivada de um outro item (forma básica), ela é definida como a categoria mais gramaticalizada. De acordo com os autores, que têm como base de apoio a trajetória unidirecional de mudança, a proposta de transferência dentre categorias permite dizer que o significado causal da conjunção since é mais gramaticalizado que o significado temporal dessa mesma conjunção do Inglês;

(ii) Na proposta de Heine et alii, se duas marcações de caso se diferenciam apenas no fato

de uma conter função espacial e a outra não, então a última tende a ser a mais gramaticalizada. Em outras palavras, entre as categorias de espaço e tempo, por exemplo, a categoria tempo é a mais gramaticalizada em relação à categoria espaço;

Os parâmetros elencados acima são os que mais se mostram relevantes na análise dos usos

expressos pelos itens assim, já e aí. Além de enfatizarem o caráter unidirecional do processo

de mudança, que parte de uma forma-fonte em direção a uma forma-alvo, a proposta de

Heine et alii (1991) chama a atenção para o aumento de abstratização das formas lingüísticas.

Quando atua no estabelecimento de relações temporais, constituindo uma perífrase

conjuncional, o item conjuncional assim que é definido como menos gramaticalizado do que a

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241

perífrase conjuncional já que, que opera basicamente no estabelecimento de relações

causais. Em relação ao item lingüístico aí, que pode também atuar como elemento relacional

ou conjuncional, os usos como introdutor de eventos e episódios, que pertencem ao domínio

temporal, são menos gramaticalizados do que os demais usos conjuncionais de aí, que

pertencem a outros domínios, tais como os de causa e explicação (poucos usos).

Um outro aspecto importante na proposta de Heine et alii diz respeito ao estatuto

lingüístico das formas que servem como fonte para a criação de outros itens. Segundo os

autores, quando se atenta para os traços morfossintáticos das formas-fonte, pode-se verificar

que os morfemas que se relacionam com sintagmas nominais, por exemplo, são menos

gramaticalizados do que os morfemas que se relacionam ou conectam orações. Em se

tratando dos itens em análise, os casos de aí que atuam como introdutor de eventos/

episódios e conjunção são mais gramaticalizados do que os casos de aí como advérbio

locativo. O mesmo se aplica aos demais itens, em que os casos de assim e já que funcionam

como conjunção são mais gramaticalizados do que os casos de assim e já que operam como

advérbio de modo e advérbio de tempo (usos mais concretos), respectivamente.

Na concepção de GR assumida por Heine & Reh (1984), na medida em que uma

unidade lingüística se gramaticaliza, mais ela perde em termos semânticos e pragmáticos e

mais ela ganha em ganha em termos sintáticos. No entanto, essa concepção só se aplica

parcialmente à análise dos itens assim, já e aí, uma vez que o processo de GR desses itens

no Português brasileiro, em especial nos dados de língua falada, pode levar ao

enfraquecimento de alguns de seus traços semânticos, mas também ao aumento de sua

expressividade, em estágios mais avançados de GR. Entre os usos mais gramaticalizados de

assim e aí estão os usos como operador aproximativo e marcador discursivo. Nesse caso, a

crescente rigidez sintática na estrutura oracional não impede que esses elementos exerçam

funções que estão mais situadas no domínio comunicativo do falante/ouvinte.

Segundo Heine & Reh, uma outra característica importante das unidades lingüísticas

que são mais gramaticalizadas é a redução do número de elementos que passam a fazer

parte do novo paradigma das formas gramaticalizadas. Em relação aos itens analisados nessa

pesquisa, o que se observa é que essa hipótese ajuda a explicar o que acontece em termos

morfossintáticos quando um item se gramaticaliza ou assume funções mais gramaticais.

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242

Nesse caso, comparando os usos mais concretos com os usos mais gramaticalizados de

assim, já e aí, verifiquei que o paradigma dos advérbios é muito mais amplo do que o

paradigma dos elementos que atuam como conjunções e introdutores de Conteúdo

comunicado e operador aproximativo, que tende a ser mais restrito. Em relação aos usos

como introdutor de Conteúdo comunicado no Português brasileiro, são poucos os elementos

(ex.: dessa forma, desse jeito, etc) que exercem a mesma função de assim. Um outro exemplo

que se pode mencionar é o uso de aí como introdutor de episódios, visto que são poucos os

itens que operam com tanta freqüência na língua falada e exercem uma função relacional.

5. A PROPOSTA DE TRAUGOTT

No transcorrer da apresentação e discussão dos autores sobre as concepções de GR,

as críticas sobre o princípio da unidirecionalidade (da direção da mudança lingüística dos itens

linguisticos nas línguas naturais), os mecanismos lingüísticos e cognitivos envolvidos no

processo de GR e as características fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e

pragmáticas das formas lingüísticas em processo de mudança, mostrei que apesar das

particularidades de cada proposta, quase todos os autores (MEILLET, 1912; HEINE et alii,

1991; TRAUGOTT, 1982; TRAUGOTT & KÖNIG, 1991; HOPPER & TRAUGOTT, 1993;

BYBEE, 2003), com exceção de Castilho (1997, 2002, 2003) e Craig (1991), reconhecem que

a GR de formas lingüísticas constitui um processo de mudança lingüística gradual e

unidirecional, que leva um item lexical com significado concreto a assumir uma função mais

gramatical, com significado abstrato, ou então um item já gramatical a assumir uma função

ainda mais gramatical. A diferença entre esses autores consiste no modo como cada um

entende a gradualidade da mudança e as demais mudanças que estão atreladas à GR.

Autores como Givón (1979), Heine & Reh (1984), Heine et alii (1991), Lehmann (1995)

e Hopper (1991) entendem que, durante o processo de GR de uma forma lexical, por exemplo, o

item lingüístico tende a perder material semântico, pragmático e mobilidade sintática, enquanto

autores como Traugott (1982), Traugott & König (1991), Hopper & Traugott (1993), Sweetser

(1991) e Bybee (2003) concebem a GR como um processo que envolve o aumento de

expressividade das formas lingüísticas, isto é, a pragmatização dos significados lingüísticos.

Trata-se de uma concepção que reforça ainda mais os processos de subjetivação e

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243

intersubjetivação propostos por Traugott (1999), que estão relacionados à avaliação subjetiva

do falante sobre uma informação e a relação de interação com o ouvinte, respectivamente.

Nesse contexto, por se tratarem de itens lingüísticos que podem exercer tanto

funções textuais quanto funções interacionais (expressivas), as propostas de Traugott (1982),

Traugott & König (1991) e Hopper & Traugott (1993) trazem uma grande contribuição para a

análise dos usos de assim, já e aí como adverbial, fórico, conjuncional, operador e marcador

discursivo, justamente por reconhecerem que a GR das formas lingüísticas percorre a seguinte

trajetória de mudança entre os domínios da língua: proposicional > textual > expressivo.

De acordo com Traugott (1982), esses domínios são descritos como:

Proposicional Textual Expressivo Esse domínio está relacionado à situação extralingüística do falante-ouvinte, que envolve diversos elementos referenciais que se prestam ao processo de comunicação, tais como dêiticos locativos, temporais, modais.

Esse domínio está relacionado ao conjunto de elementos lingüísticos, tais como advérbios anafóricos, advérbios catafóricos, complementizadores, que operam na construção de um discurso coeso (amarrado).

Esse domínio está relacionado às atitudes e avaliações do falante em relação àquilo que é dito no processo de comunicação. É o domínio que envolve os usos mais discursivos dos itens linguisticos.

Quadro 4. Os componentes da proposta de GR de Traugott

Os componentes listados em Traugott (1982) correspondem, respectivamente, às macro-

funções ideacional, textual e interpessoal de Halliday (1979), correlação esta que foi observada

anteriormente por Longhin-Thomazi (2003) e Lopes-Damásio (2008). A título de

exemplificação, apresento abaixo a correlação entre os usos de assim, já e aí no Português

brasileiro e os componentes que compõem o esquema de GR de Traugott:

Proposicional Textual Expressivo - Advérbio de modo

- Advérbio anafórico - Advérbio catafórico - Advérbio relacional - Conjunção coordenativa - Conjunção subordinativa - Introdutor de episódios

- Operador aproximativo de subato referencial - Operador aproximativo de subato adscritivo - Introdutor de Conteúdo comunicado - Marcador discursivo - Introdutor de movimento

Quadro 5. Funções do item lingüístico assim segundo a proposta de GR de Traugott

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244

Proposicional Textual Expressivo - Advérbio de tempo - Advérbio aspectual

- Advérbio anafórico - Conjunção coordenativa - Conjunção subordinativa - Conjunção correlativa

- Marcador discursivo

Quadro 6. Funções do item lingüístico já segundo a proposta de GR de Traugott

Proposicional Textual Expressivo - Advérbio de lugar - (Advérbio de tempo)

- Advérbio anafórico - Advérbio catafórico - Advérbio relacional - Conjunção coordenativa - Conjunção subordinativa - Conjunção correlativa - Introdutor de eventos - Introdutor de episódios

- Operador aproximativo de subato referencial - Organizador de tópico - Marcador discursivo

Quadro 7. Funções do item lingüístico aí segundo a proposta de GR de Traugott

Como se pode notar, os quadros acima listam todas as funções expressas pelos itens assim,

já e aí em relação a cada um dos componentes que compõem o esquema de GR de Traugott

(1982, 1995). Neles, é possível observar que todos os itens em análise exercem funções que

se distribuem entre os domínios proposicional, textual e expressivo, o que comprova a

aplicabilidade da proposta de Traugott às ocorrências de assim, já e aí no IBORUNA.

Diante do exposto, pode-se dizer que, para Traugott, a GR inicia-se pelos elementos

referenciais, em geral os dêiticos, que pertencem à situação extralingüística, e parte em

direção a elementos que estão mais relacionados ao domínio pragmático da língua. Esse

percurso de mudança corrobora a hipótese de que a GR constitui um processo unidirecional.

Esta trajetória de mudança é também recuperada pelo esquema de Traugott & König (1991):

Significados identificáveis nas situações extralingüísticas > Significados fundados na marcação textual > Significados fundados na atitude do falante em relação ao que é dito

Com esses ajustes, Traugott & König (1991) assinalam que a GR parte, então, de significados

situados na esfera extralingüística, que são mais concretos e mais objetivos (usos como

advérbio de modo, tempo e lugar), rumo a significados fundados na atitude do falante, que

são menos concretos e mais intersubjetivos (usos como operador aproximativo, organizador

de tópico, introdutor de Conteúdo comunicado, introdutor de movimento e marcador

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245

discursivo), passando, antes, pelos significados situados na marcação textual, que são

representados pelos usos anafóricos/catafóricos, relacionais e também os usos que denomino

introdutor de eventos e episódios, função que é basicamente expressa pelo item aí.

6. A PROPOSTA DE SWEETSER

A proposta de Sweetser (1991) é importante sobretudo porque certifica o caráter

unidirecional do processo de mudança lingüística experimentado pelos itens assim, já e aí no

Português brasileiro, que parte do domínio do conteúdo para o domínio conversacional.

Segundo a autora, a passagem de um domínio a outro envolve a transferência metafórica de

significados, que representa um mecanismo essencial no processo de mudança de um item

lingüístico. Além disso, Sweetser destaca que uma forma lingüística, que se encontra em

processo de GR, tende a sofrer alterações morfossintáticas com o intuito de atender às

necessidades de seu novo paradigma, que, como já destaquei anteriormente, é bastante

comum à trajetória de mudança dos itens assim, já e aí, que passa por alterações

morfossintáticas, semânticas e pragmáticas até assumir funções mais discursivas.

Um outro aspecto importante destacado pela autora refere-se aos usos ambíguos ou

polissêmicos que se projetam entre um domínio cognitivo e outro, reafirmando o processo

gradual da mudança e também a importância do contexto e da inferência no desenvolvimento

de novos itens lingüísticos. A exemplo do que diz Hopper (1991), Sweetser assinala que

alguns traços lingüísticos provenientes da forma-fonte podem persistir na forma-alvo.

Ademais, para a autora, no processo de GR o que predomina é quase sempre a relação de

ganho de significados, em detrimento às perdas morfossintáticas e semânticas.

Representada pela trajetória unidirecional Conteúdo > Epistêmico > Conversacional, a

proposta de análise de Sweetser é capaz de captar vários dos usos de assim, já e aí. Nesse

caso, os usos como advérbio de modo, tempo e lugar pertencem ao domínio sócio-físico, do

conteúdo, dos significados mais concretos, ao passo que os usos como conjunção

coordenativa e subordinativa estão mais relacionados ao domínio epistêmico. Os usos de

assim como operador aproximativo, introdutor de Conteúdo comunicado e marcador

discursivo estão situados no domínio conversacional, isto é, dos atos de fala. O mesmo se

pode dizer dos usos de aí como operador aproximativo, organizador de tópico e marcador

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discursivo. Já os casos de aí como introdutor de eventos e introdutor de episódios podem ser

definidas como usos que se colocam na fronteira entre o domínio do conteúdo e o domínio

epistêmico, uma vez que esses elementos não são conjunções propriamente ditas. Trata-se

de uma relação que ocorre entre várias unidades lingüísticas, e não entre duas orações.

7. A GDF E A HIPÓTESE DE GR

Na GDF, a noção de GR pode ser entendida com relação à expansão de escopo

entre as categorias semânticas e pragmáticas. Nesse contexto, estabelecendo a correlação

entre as diferentes propostas de GR, é possível dizer que as categorias representacionais

correspondem aos domínios proposicional e textual e as categorias interpessoais

correspondem ao domínio expressivo de Traugott, que é representado como segue:

Proposicional Textual Expressivo

Nível Representacional Nível Interpessoal

Propriedade, indivíduo Evento, episódio,

(conteúdo proposicional)

Conteúdo comunicado, ato

discursivo, movimento

Quadro 8. Correlação entre a proposta de GR de Traugott e da GDF

Em relação ao quadro acima, pode-se observar que as categorias propriedade e indivíduo

pertencem ao domínio sócio-físico do falante (extralingüístico) e são as mais concretas em

relação às categorias evento, episódio e conteúdo proposicional, que pertencem ao domínio

textual. Já as categorias Conteúdo comunicado, ato discursivo e movimento pertencem ao

domínio expressivo da língua e são as mais gramaticais e abstratas da GDF. Da correlação

entre o modo como se pode entender a GR na GDF e a proposta de Sweetser, tem-se:

Conteúdo Epistêmico Conversacional

Nível Representacional Nível Interpessoal

Propriedade, indivíduo,

evento, episódio

Conteúdo

proposicional

Conteúdo comunicado, ato

discursivo, movimento

Quadro 9. Correlação entre a proposta de GR de Sweetser e da GDF

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247

Apesar de ser mais adequada para a análise de conjunções, a proposta de Sweetser pode

também ser entendida com relação aos níveis e camadas de organização da GDF. A

diferença entre a proposta de Traugott e a proposta de Sweetser baseia-se na separação de

elementos que pertencem ao domínio do conteúdo e de elementos que pertencem apenas ao

domínio epistêmico, como a relação semântica de conclusão (argumento/conclusão).

Assim, para a GDF, o processo de GR apresenta a seguinte trajetória de mudança:

(8) Nível Representacional > Nível Interpessoal

A meu ver, a vantagem da proposta de análise da GDF é que, mesmo dentro de cada

domínio, é possível estabelecer ainda uma distinção entre elementos mais ou menos

gramaticais, como por exemplo, no interior do domínio expressivo, no qual alguns itens podem

ser distinguidos em função da camada pragmática em que operam (se Conteúdo comunicado,

ato discursivo ou movimento). Nesse caso, se um item lingüístico opera na camada

pragmática do movimento, ele é definido como mais gramaticalizado do que o item que opera

na camada do Conteúdo comunicado, que está sob o seu escopo e é menos ‘gramatical’.

O esquema, abaixo, apresenta a relação de escopo entre os usos de assim:

Expressivo

Operador aproximativo de subato referencial/ adscritivo >

Introdutor de Conteúdo comunicado >

Marcador discursivo >

Introdutor de movimento

Subato Conteúdo comunicado Ato discursivo Movimento Quadro 10. Relação entre os usos de assim e o componente expressivo de Traugott 86

Além de representar o domínio mais gramatical da língua (mais abstrato), o quadro acima

mostra que os usos pertencentes ao domínio expressivo podem ainda ser analisados no que

diz respeito à camada pragmática em que cada uso/item opera na língua, indicando que

existe ainda uma gradualidade entre os usos no tocante à relação de escopo do item assim.

86 Esse quadro é representativo do que acontece com os demais usos de assim, já e aí.

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248

8. AVALIAÇÃO

Aplicando os princípios de GR propostos por Hopper (1991) à análise dos dados, foi

possível concluir que os itens assim, já e aí ainda se encontram em processo de GR, uma vez

que, no decorrer do processo de mudança, esses itens passam a conviver com outras formas

lingüísticas que também atuam como advérbio anafórico/ catafórico, conjunção, operador

aproximativo e marcador discursivo, porém sem deixar de existir como advérbios dêiticos, que

são os usos mais lexicais e concretos dos itens assim, já e aí. Cabe ressaltar, entretanto, que

os itens em análise se encontram em diferentes estágios de GR: os itens assim e aí

encontram-se em um estágio mais avançado de GR pelo fato de atuarem em outras camadas

pragmáticas do Nível Interpessoal, e o item já encontra-se em um estágio menos avançado de

GR, com usos que se concentram mais no Nível Representacional.

De acordo com o princípio de persistência, foi possível verificar também que o traço

de advérbio dêitico (modo, tempo e locativo) se mantém em alguns usos mais

gramaticalizados de assim, já e aí, o que aponta para o processo de mudança em curso. Além

disso, à medida que os itens vão se gramaticalizando, a mobilidade sintática de assim, já e aí

vai diminuindo, assumindo posições mais fixas na estrutura oracional. Em contrapartida, o que

se observa é o aumento gradativo do valor pragmático desses itens, que passam a operar no

plano interacional, exercendo funções como as de operador aproximativo e marcador

discursivo. Corroborando os parâmetros de Lehmann (1995), um outro aspecto que se mostra

relevante no transcorrer da GR é a restrição das propriedades morfológicas desses itens.

Quanto aos parâmetros de Lehmann (1995), o que se pode concluir é que os itens

assim, já e aí não constituem casos avançados de GR, uma vez que ainda possuem uma

certa autonomia no Português brasileiro, visto que esses itens podem ainda atuar como

advérbios de modo, tempo e lugar, que são mais autônomos do que os demais casos

gramaticais de assim, já e aí. Em termos de integridade, os itens em destaque apresentam

perdas de material semântico, mas também ganhos de material pragmático, o que reforça o

princípio da persistência de Hopper. Apesar de poderem integrar outras categorias, que são

mais gramaticais e que atuam na coesão do texto (tais como os casos de advérbio relacional,

conjunção e introdutor de episódios), os itens linguisticos assim, já e aí podem conviver com

outros elementos da língua que também exercem as mesmas funções relacionais.

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249

O quadro 11, abaixo, apresenta uma síntese da aplicação (+) ou não (-) dos critérios

sobre a GR propostos pelos autores elencados neste capítulo:

Itens lingüísticos

Parâmetros assim já aí

Estratificação + + +

Divergência + + +

Especialização n.p. - n.p.

Persistência + + + Hopper (1991)

Descategorização + + +

Integridade - - -

Paradigmaticidade n.p. n.p. n.p.

Variabilidade paradigmática n.p. - n.p.

Escopo n.p. n.p. n.p.

Conexidade + + + Lehmann (1995)

Variabilidade sintagmática n.p. n.p. n.p.

Transferência entre categorias cognitivas + + +

Aumento de abstratização + + +

Heine et al

Usos relacionais + + +

Usos proposicionais + + +

Usos textuais + + +

Traugott

Usos expressivos + + +

Usos dêiticos, fóricos e relacionais + + +

Usos epistêmicos + + +

Sweetser

Usos conversacionais + + +

Usos no Nível Representacional + + +

GDF

Usos no Nível Interpessoal + + +

Quadro 11. Aplicação dos critérios de GR aos itens assim, já e aí

Em vista da aplicação dos critérios acima, pode-se notar que quase todas as propostas

apontam para o aumento de abstratização e, conseqüentemente, para a pragmatização dos

significados expressos pelos itens assim, já e aí, percurso que é muito bem capturado pelo

esquema de GR proposto por Traugott (1982, 1995). Além disso, foi possível verificar também

que a GR dos itens em análise é um processo que ocorre de forma gradual, o que corrobora a

existência de um continuum entre as categorias lexicais e gramaticais da língua.

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251

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa foi analisar a multifuncionalidade dos itens lingüísticos

assim, já e aí no Português falado do interior paulista, a luz dos conceitos teóricos da GR

(TRAUGOTT, 1982, 1995, 1999; TRAUGOTT & KÖNIG, 1991; HOPPER & TRAUGOTT,

1993) e da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008), levando-se em consideração as suas

funções proposicionais, textuais e expressivas. Em outros termos, meu propósito foi mostrar

que os itens assim, já e aí podem ser perfeitamente analisados com relação aos níveis

(Representacional e Interpessoal) e às camadas (semânticas e pragmáticas) de organização

da GDF, de modo que a mudança de escopo desses elementos nos níveis e nas camadas da

GDF constitui uma prova de que esses itens estão se gramaticalizando na língua,

distanciando-se dos usos referenciais, que operam na camada do evento, e assumindo novas

funções gramaticais ao longo do seu percurso de mudança lingüística, em direção às

dimensões textual e interacional, fato que é muito bem mostrado pelo modelo de Traugott.

No capítulo II, mostrei que, dos autores que discutem as questões relacionadas à

concepção de GR e suas características, Heine et alii (1991), Traugott (1995), Hopper &

Traugott (1993) e Bybee (2003) são alguns dos que compartilham de uma noção semelhante

de GR, que consiste no reconhecimento de que a passagem de um item lexical a um item

gramatical (ou de um item gramatical para um item ainda mais gramatical) ocorre de maneira

gradual, num sentido unidirecional. Basicamente, o que essas propostas têm em comum é

que a distinção entre itens lexicais e itens gramaticais não é entendida de forma dicotômica,

mas sim como continuum de GR, que aponta para existência de categorias não-discretas, que

se distribuem entre os dois extremos desse continuum [+ Lex → + Gram].

Analisando, então, os itens assim, já e aí no Português falado do interior paulista,

verifiquei que o princípio da unidirecionalidade se mostrou bastante relevante na análise do

processo de mudança lingüística, uma vez que as trajetórias de GR experimentadas pelos

itens em análise partem sempre de usos referenciais, situados no domínio sócio-físico

(SWEETSER, 1991) do falante, rumo a usos mais gramaticais, situados nos domínios textual

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e expressivo da língua, que, por sua vez, envolvem os níveis Representacional e Interpessoal

da linguagem. Os dados analisados não apresentaram evidências morfossintáticas e

semânticas que sustentassem um percurso inverso de mudança (gramática → léxico), de tal

maneira que alguns itens gramaticais se tornem item lexicais. Pelo contrário, o que a análise dos

dados de assim, já e aí mostra é que esses elementos se encontram em um processo crescente

de abstratização, distanciando-se cada vez mais dos usos concretos, para agregar funções

mais discursivas na língua, fato que explica, portanto, a direção rumo às camadas do Nível

Interpessoal. Essa tendência observada com base nas camadas e nos níveis de organização

da GDF reafirma a hipótese de pragmatização de Traugott (1982, 1999).

Ainda sobre o percurso de mudança das formas lingüísticas, mostrei tanto com a

discussão teórica, no capítulo II, quanto com a análise dos dados, nos capítulos IV e V, que as

propostas em favor da multidirecionalidade (CASTILHO, 2002, 2003) e da

poligramaticalização (CRAIG, 1991) são diferentes (com base em suas teses), porém não

invalidam o princípio da unidirecionalidade, que é tanto enfatizado por Meillet (1912), Heine et

alii (1991), Hopper & Traugott (1993), Bybee (2003), uma vez que um item lingüístico até pode

desenvolver várias trajetórias de GR, no entanto, todas elas ocorrerão sempre numa mesma

direção, isto é, elas partirão sempre de uma forma-fonte para uma forma-alvo.

Com relação a outros conceitos teóricos, destaquei que a GDF de Hengeveld &

Mackenzie representa um avanço significativo em relação ao modelo funcional de Simon Dik

(1989, 1997), pelo fato de tomar o “ato discursivo” como unidade básica de análise no lugar da

oração. Mostrei também que a GDF é organizada a partir de quatro níveis interdependentes,

cada qual estruturado com suas próprias camadas de representação: o nível interpessoal, o

representacional, o morfossintático e o fonológico. Nesse modelo, as unidades de camadas

mais altas determinam a escolha de unidades de camadas mais baixas. Outrossim, destaquei

no decorrer do trabalho que, para a análise dos itens assim, já e aí, os níveis Interpessoal e

Representacional se mostraram muito pertinentes na determinação do grau de GR dos itens.

Assim, no tocante às categorias semânticas (propriedade, indivíduo, evento, episódio,

conteúdo proposicional) e pragmáticas (Conteúdo comunicado, Ato discursivo e Movimento)

propostas pela GDF, observei que os usos referenciais de assim, já e aí, tais como os de

advérbio de modo, advérbio de tempo e advérbio de lugar, estão situados na camada do

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evento, do Nível Representacional, e à medida que esses itens vão assumindo funções mais

gramaticais em relação às demais camadas do Nível Representacional e do Nível Interpessoal,

pertencentes aos domínios textual (advérbio anafórico, advérbio catafórico, introdutor de

episódios, advérbio relacional e conjunção coordenativa e subordinativa) e expressivo da

língua (introdutor de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de subatos referencial e

adscritivo, marcador discursivo e organizador de tópico), mais gramaticalizados esses itens

lingüísticos vão se tornando, percorrendo, assim, uma trajetória unidirecional de mudança,

que vai do Nível Representacional para o Nível Interpessoal. Esse percurso de GR

experimentado pelos itens assim, já e aí comprova a expansão funcional desses elementos em

direção ao componente pragmático da língua. São usos que, segundo Traugott (1982), se

distribuem perfeitamente entre os domínios funcionais (proposicional > textual > discursivo).

No que tange à análise dos dados, verifiquei que, com exceção de assim, que os usos

mais concretos (advérbio de lugar e advérbio de tempo) de aí e já são muito pouco freqüentes

no corpus analisado, não ultrapassando mais que 7% do total dos dados catalogados.

Diferentemente dos dados diacrônicos, esse resultado ratifica a hipótese levantada por Bybee

(2003) de que itens lexicais tendem a ser menos expressivos na língua do que os itens

gramaticais, cuja freqüência é quase sempre maior. Ademais, verifiquei também que a grande

quantidade de casos de assim, já e aí exercendo funções textuais, tais como as de advérbio

anafórico, advérbio catafórico, advérbio relacional, conjunção e introdutor de episódios é mais

uma outra evidência de que esses elementos são casos de GR. Nesse sentido, os usos de

assim, já e aí como introdutor de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de subatos

referencial e adscritivo, organizador de tópico e marcador discursivo são alguns dos casos que

apontam para o desenvolvimento de funções mais discursivas para esses itens.

Entre os usos gramaticalizados de já, observei que o uso como advérbio aspectual é

o que mais se destaca, respondendo por 84% (348/417) do total de ocorrências desse item.

Já os usos de já como advérbio de tempo não são tão recorrentes no corpus. Dentre os usos

discursivos, o uso de já que mais se destaca é o de marcador de foco, que geralmente

aparece nos contextos em que esse elemento se assemelha a um afixo/clítico.

Em relação ao item lingüístico assim, os usos textuais mais freqüentes são os de

advérbio catafórico, com 35% (425/1199) e advérbio anafórico, com 21% (260/1199) dos

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dados analisados. Com relação ao item aí, os usos mais recorrentes são também os de

advérbio anafórico, com 6,5% (88/1298) dos dados, advérbio catafórico, com 5,3% (68/1298)

e conjunção coordenativa, que soma um montante de 3,5% (49/1298) do total de dados. O

grande destaque da análise é para os casos de aí como introdutor de episódios, que

contabilizam 57% (732/1298) do total de ocorrências analisadas do IBORUNA.

No que diz respeito às funções interpessoais, os usos mais freqüentes são os de

introdutor de Conteúdo comunicado, operador aproximativo de subatos referencial e adscritivo

e organizador de tópico. No tocante à freqüência dos itens assim, já e aí, em relação a essas

funções na língua, o item assim é o grande responsável pelos usos como introdutor de

Conteúdo comunicado, com 12% (145/1199) dos casos, visto que esse uso não faz parte das

funções expressas pelos itens já e aí, que estão mais relacionados a outras funções nos

domínios textual e interacional. O item assim responde também pela grande maioria de casos

de operador aproximativo de subato adscritivo, com 7,5% (86/1199) das ocorrências, e

marcador discursivo, com 2,5% (27/1199). Já o item aí é importante com relação aos casos de

operador aproximativo de subato referencial, somando 5,5% (69/1199) dos dados.

Em termos numéricos, verifiquei que todos os itens em análise transitam entre os

níveis Representacional e Interpessoal da linguagem. No entanto, apesar de encontrar vários

casos de assim e aí operando no Nível Interpessoal, o destaque fica para os usos de assim, já

e aí que operam no Nível Representacional da GDF, com 77% (2255/2914) do total dos dados

catalogados, contra 23% (659/2914) dos dados que operam no Nível Interpessoal. Ao lado

desse parâmetro de análise, pude verificar também que os usos mais gramaticalizados de

assim, já e aí tendem a assumir uma posição mais fixa na oração, somando 75% (2196/2914),

contra 25% (718/2914) em que os itens dispõem de uma maior mobilidade sintática.

Um outro parâmetro analisado na pesquisa diz respeito ao tipo de texto. Nesse caso,

observei que os itens assim, já e aí são mais recorrentes em narrativas de experiência, com

31% (917/2914) dos dados, narrativas recontadas, com 25% (746/2914) e relatos de

procedimento, que somam 18% (533/2914) das ocorrências. O item aí_introdutor de episódios,

por exemplo, é um dos principais elementos que ocorrem em narrativas de experiência.

A análise dos dados contemporâneos, cujos resultados apresento aqui de forma

resumida, permite sugerir uma trajetória de GR para cada um dos itens analisados:

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Deit. > fórico > introd. epis. > adv. rel. > conj. coord. > oper. sub. ads. > intr. cont. com. > org. top. > m.disc. > introd. mov. conj. subord. oper. sub. ref.

prop. textual expressivo Quadro 1. Trajetória de GR de assim no Português contemporâneo

Deit. > adv. aspectual > fórico > conj. coord. > marcador foco conj. subord.

proposicional textual expressivo Quadro 2. Trajetória de GR de já no Português contemporâneo

Deit. > fórico > introd. epis. > adv. rel. > conj. coord. > oper. sub. ads. > org. top. > introd. ato discursivo > m. discursivo conj. subord. oper. sub. ref. conj. correl.

prop. textual expressivo Quadro 3. Trajetória de GR de aí no Português contemporâneo

Como se observa nos quadros acima, os usos dêiticos mais à esquerda são os mais concretos

e menos gramaticalizados e estão localizados no domínio proposicional da linguagem

(TRAUGOTT, 1982), enquanto os usos discursivos de assim, já e aí, situados à direita dos

quadros, são os mais abstratos e gramaticalizados. É importante frisar que a disposição das

funções expressas pelos itens de assim, já e aí no continuum de GR não reproduz as relações

de derivação entre um uso e outro, mas sim o crescente de abstratização.

A trajetória de GR descrita acima é, de certa forma, atestada pela análise diacrônica

de assim, já e aí. A análise histórica consegue capturar vários estágios de GR desses itens,

em especial os usos textuais (usos fóricos e conjuncionais), que se mantêm até hoje. Apesar

do caráter multifuncional dos itens, a aplicação dos princípios de GR de Hopper (1991) e dos

critérios de Lehmann (1995) mostra que os itens assim, já e aí não constituem casos

avançados de GR, uma vez que ainda gozam de certa autonomia no Português brasileiro.

Para finalizar, gostaria de ressaltar que umas das contribuições dessa pesquisa para o

desenvolvimento dos estudos lingüísticos, e até mesmo para o refinamento do próprio modelo

da GDF (HENGEVELD & MACKENZIE, 2008), diz respeito à descoberta de operadores

aproximativos para subatos referenciais (usos expressos por assim e aí no Português brasileiro),

fato que, até então, não tinha sido previsto pelos autores da teoria, que, na atual versão,

divulga apenas a existência de operadores aproximativos para subatos adscritivos.

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267

ANEXO I

LLiissttaa ddee DDooccuummeennttooss qquuee ccoommppõõeemm oo CCoorrppuuss DDiiaaccrrôônniiccoo ddoo PPoorrttuugguuêêss

A Amostra Diacrônica utilizada nesta pesquisa é composta por 16 documentos, que

se distribuem entre os séculos XIII-XX. Levando-se em consideração que os documentos são

de tamanhos e formatos distintos, fato que pode influenciar os resultados da pesquisa no

tocante à freqüência dos itens assim, já e aí, busquei manter a mesma quantidade de

palavras (em torno de 26.000 a 27.500 palavras) em todos os documentos da amostra. Essa

medida se justifica exatamente em função dos itens lingüísticos assim, já e aí, que são

relativamente freqüentes nos dados do Português, e, por essa razão, a falta de controle do

corpus de análise, em termos de extensão e número de palavras, pode prejudicar a análise

dos dados, uma vez que a freqüência dos itens em questão pode aumentar à medida que a

extensão do corpus (dos documentos da amostra diacrônica) também aumenta.

A lista das obras que compõem a amostra diacrônica é a que segue abaixo:

SÉCULO XIII

Referência Identificação MAGNE, A. (Ed.). A DEMANDA DO SANTO GRAAL. Reprodução fac-similar e transcrição crítica do códice 2594 da Biblioteca Nacional de Viena. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Vol. II, 1970.

13-SG

FERREIRA, J. A. (Ed.). FORO REAL DE AFONSO X. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, Vol. I, Edição de Estudo Lingüístico, 1987. 13-FR

Origem: Corpus Diacrônico do Português (LONGHIN-THOMAZI, S. R., 2002)

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268

SÉCULO XIV

Referência Identificação

NETO, S. S. (Ed.). FLOS SANCTORUM. In: Acervo da Divisão de Coleções Especiais da Biblioteca Central da Universidade de Brasília, 1950. 14-FS

LINDLEY-CINTRA, L.F. (Ed.). CRÔNICA GERAL DE ESPANHA DE 1344. In: Fontes Narrativas da História Portuguesa. Lisboa: Academia Portuguesa da História, vol. II, 1954; vol. IV, 1990.

14-CE

Origem: Corpus Diacrônico do Português (LONGHIN-THOMAZI, S. R., 2002) Programa para a História da Língua Portuguesa – PROHPOR (MATTOS & SILVA, 2001)

SÉCULO XV

Referência Identificação

CORTESÃO, J. A CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA. Lisboa: Portugália, 1967. Revisão de A. V. Lopes Machado Filho e Eliéte Oliveira Santos, 2001. 15-CM

LOPES, F. (Ed.). CRÔNICA DE D. PEDRO. Edizione critica, com introduzione e glossario a cura di Giuliano Macchi. Roma: Edizione dell’Ateneo, 1966.

15-CP

Origem: Corpus Diacrônico do Português (LONGHIN-THOMAZI, S. R., 2002) Programa para a História da Língua Portuguesa – PROHPOR (MATTOS & SILVA, 2001)

SÉCULO XVI

Referência Identificação

CASTRO, I. LIVRO DE JOSÉ DE ARIMATEIA. Estudo e edição do COD. ANTT 643. Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa, 1984. (Revisão de Maria Elvira A. F. de Carvalho, voluntária do PROHPOR, em junho de 2005)

16-JA

SOUSA, G. S. NOTÍCIAS DO BRASIL. Direção e comentário de Luís de Albuquerque com transcrição de Maria da Graça Pericão. Lisboa: Publicações Alfa, 1989. Edição digital do Projeto BIT-PROHPOR, 2005.

16-NB

Origem: Programa para a História da Língua Portuguesa – PROHPOR (MATTOS & SILVA, 2001)

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SÉCULO XVII

Referência Identificação

CÉU, M. do (1658). VIDA E MORTE DE MADRE HELENA DA CRUZ. Rellaçaõ da Vida e Morte da Serva de Deos a Venerável Madre Elenna da Crus (transcrição do Códice 87 da Biblioteca Nacional precedida de um estudo histórico, por Filomena Belo). Quimera. Lisboa, 1993.

17-ME

COSTA, M. da (1601). A ARTE DE FURTAR. COSTA, Manuel da. Arte de Furtar (seleção, introdução e notas de Roger Bismut). Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1991.

17-MC

Origem: Corpus Histórico do Português anotado Tycho Brahe (CASTRO, I. & MARTINS, A, 2000)

SÉCULO XVIII

Referência Identificação

OLIVEIRA, Cavaleiro de. CARTAS, Cavaleiro de Oliveira. 1982. 18-CO

ALORNA, Marquesa de. CARTAS E OUTROS ESCRITOS. Seleção, prefácio e notas do prof. Hernãni Cidade. Lisboa, Livraria Sá da Costa – Editora, 1941. 18-MA

Origem: Corpus Histórico do Português anotado Tycho Brahe (CASTRO, I. & MARTINS, A., 2000)

SÉCULO XIX

Referência Identificação

KEWITZ, V. (ED.). CORRESPONDÊNCIA PASSIVA DE WASHINGTON LUIZ –

SÉCULO XIX. REVISÃO DE JOSÉ DA SILVA SIMÕES E VERENA KEWITZ. USP, 2006. 19-WL

CASTRO, C. F. P. RELATÓRIO DE VIAGEM EXPLORADORA DE MATTO-GROSSO AO PARÁ PELO RIO XINGU, apresentado ao Ministro da Guerra - em 1885 - pelo então Capitão Francisco de Paula Castro. Revista O Arquivo, vol. I. Cuiabá: Fundação Júlio Campos, 1904.

19-RM

Origem: Corpus Diacrônico do Português (LONGHIN-THOMAZI, S. R., 2002) Para a História do Português Brasileiro – PHPP (CASTILHO. A, 2005)

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270

SÉCULO XX

Referência Identificação

MENSAGEM DIRIGIDA AOS SENHORES MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL. Córpus Diacrônico do Português. Organizado por Sanderléia R. Longhin-Thomazi, Unesp-IBILCE, 2002.

20-CN

CARTAS DE MÁRIO DE ANDRADE A MANUEL BANDEIRA. Prefácio e notas de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Simões, p. 309-353, 1958 20-MA

Origem: Corpus Diacrônico do Português (LONGHIN-THOMAZI, S. R., 2002)

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ANEXO II

Constituição do Corpus de análise do Português Contemporâneo

O corpus de análise do Português contemporâneo é composto por 38 inquéritos do tipo

Amostra Censo, provenientes do Banco de dados IBORUNA, que, por sua vez, é resultado do

projeto de pesquisa intitulado “O português falado na região de São José do Rio Preto:

constituição de um banco de dados anotado para seu estudo” (Proc. FAPESP nº 03/080058-

6). Tal projeto, conforme já foi mencionado na introdução deste trabalho, é coordenado pelo

Prof. Dr. Sebastião Carlos Leite Gonçalves (IBILCE/UNESP) e pelo Grupo de Pesquisa em

Gramática Funcional (GPGF, com sede no CNPq), também do Instituto de Biociências, Letras

e Ciências Exatas, IBILCE/UNESP, da cidade de São José do Rio Preto – SP.

A Amostra Lingüística do Interior Paulista (ALIP) é uma iniciativa inédita no Brasil, em

especial no Estado de São Paulo, justamente pelo fato de constituir o primeiro banco de

dados com amostras de fala do interior paulista87, que abrange as cidades de Bady Bassit,

Cedral, Guapiaçu, Ipiguá, Mirassol, Onda Verde e São José do Rio Preto. O ineditismo do

banco de dados IBORUNA por si só já é uma boa justificativa para a realização dessa pesquisa,

haja vista que são pouquíssimos os trabalhos científicos que se debruçam sobre essa

variedade do Português brasileiro, que também é conhecida como o “Português caipira”.

Os informantes que participaram do projeto ALIP foram selecionados mediante o

entrecruzamento de quatro variáveis sociais, quais sejam: sexo/gênero, faixa etária, grau de

escolaridade e renda familiar, e as entrevistas cedidas por eles se distribuem entre cinco

diferentes tipos de textos: (i) narrativa de experiência pessoal (o informante narra um fato

87 Ao longo do trabalho, usarei intercambiavelmente os rótulos “Português falado do interior paulista” e “Português brasileiro” para me referir ao corpus de análise composto pelos inquéritos do Banco de dados IBORUNA.

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vivenciado por ele), (ii) narrativa recontada (o informante narra um fato vivido por uma outra

pessoa), (iii) descrição de local (o informante faz uma descrição de um lugar, uma pessoa, um

animal, etc), (iv) relato de procedimento (o informante faz o relato de um procedimento

qualquer – como fazer um bolo, por exemplo) e (v) relato de opinião (o informante expressa a

sua opinião pessoal sobre o assunto escolhido pelo documentador da entrevista).

Os textos serão identificados no trabalho com as seguintes siglas:

- NE: narrativa de experiência - NR: narrativa recontada - DE: descrição de local - RP: relato de procedimento

- RO: relato de opinião

O quadro 1, abaixo, adaptado de Gonçalves (2006), apresenta a distribuição dos 38

inquéritos da Amostra Censo em relação às variáveis sociais mencionadas anteriormente:

mais de 25 sm de 11 a 24 sm de 6 a 10 sm até 5 sm RENDA / GÊNERO

FAIXA ETÁRIA / ESCOLARIDADE

masc fem masc fem masc fem masc fem TOTAL DE

INFROMANTES

1o.C EF 007 008 2 2o. C EF 009 010 2 ENSINO M 017 018 2

7 A 15 ANOS

SUPERIOR - - - - - - - - -

6

1o.C EF 025 032 2 2o. C EF 034 037 2 ENSINO M 045 048 2

16 A 25 ANOS

SUPERIOR 050 055 2

8

1o.C EF 059 064 2 2o. C EF 068 069 2 ENSINO M 075 078 2

26 A 35 ANOS

SUPERIOR 084 087 2

8

1o.C EF 089 090 2 2o. C EF 098 101 2 ENSINO M 105 110 2

36 A 55 ANOS

SUPERIOR 114 119 2

8

1o.C EF 121 124 2 2o. C EF 130 133 2 ENSINO M 137 142 2

+ DE 55 ANOS

SUPERIOR 146 149 2

8

TOTAL DE INFORM.

07 09 02 03 06 03 04 04 38

Quadro 1. Inquéritos do IBORUNA que compõem o corpus do Português contemporâneo

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Em relação às cidades, os inquéritos (informantes) elencados no quadro 1 estão

assim distribuídos: com exceção dos inquéritos 010 (Guapiaçu); 025, 098, 114, 130 e 137

(Mirassol) e 142 (Cedral), todos os demais pertencem à cidade de São José do Rio Preto.

A análise dos tipos de textos da Amostra Censo é um fator importante no tocante à

análise dos itens assim, já e aí. Nesse sentido, como nem todos os inquéritos selecionados

possuem a mesma quantidade de palavras muito menos a mesma proporção textual em

relação aos cinco diferentes tipos de texto, fiz um recorte de todos os inquéritos, mantendo em

média 3.000 palavras em cada um deles e uma mesma proporção de palavras para cada um

dos tipos de texto de cada inquérito, de modo a garantir a qualidade da análise88.

A referência ao trecho da entrevista do IBORUNA será feita como: (AC-089; NE: L.

342), em que AC indica que é Amostra Censo, 089 indica o número do inquérito, NE identifica

o tipo de texto da amostra e L.342 faz referência à localização da ocorrência no texto.

88 É importante lembrar que todas as características originais dos inquéritos foram mantidas, principalmente a numeração das linhas que são usadas pelos pesquisadores como fonte de referência para as ocorrências.