Sorria* 1

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Pessoas comuns em histórias extraordinárias ensinam que para fazer o bem no dia-a-dia só é preciso vontade generosidade VIVER PRAZERES SIMPLES AMIGOS NO TRABALHO FILMES QUE DÃO CORAGEM VIAJAR EM FAMÍLIA TODO MUNDO PODE DANÇAR MORAR NUMA VILA + SAÚDE, COMIDA, FILOSOFIA... este valor, descontados os impostos, é 100% revertido para o para ser feliz agora * * 01 mar/abr 2008

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Sorria é uma revista social da Editora MOL, vendida na Droga Raia. Os R$ 3,50 que você paga por ela se convertem em doações ao GRAACC e ao Instituto Ayrton Senna, e ajudam a combater o câncer infantil e a melhorar a educação no Brasil.

Transcript of Sorria* 1

Pessoas comuns em histórias extraordinárias ensinam que para fazer o bem no dia-a-dia só é preciso vontade

generosidade

VIVER PRAZERES SIMPLESAMIGOS NO TRABALHO FILMES QUE DÃO CORAGEM VIAJAR EM FAMÍLIATODO MUNDO PODE DANÇAR MORAR NUMA VILA+ SAÚDE, COMIDA, FILOSOFIA...

este valor, descontados os impostos, é 100% revertido para o

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Quando eu entrei pela primeira vez

no hospital do GRAACC, comecei a chorar

instantaneamente. São crianças com câncer, e isso dói. Mas então

passei pelas alas, cruzei com os funcionários, entrei na brinquedoteca,

e os sentimentos foram mudando. De repente, me perguntei: mas do

que eu estava reclamando mesmo? E não é aquela velha culpa por se

incomodar quando há problemas tão maiores no mundo. É porque, ao

conhecer as pessoas ali, e a força que elas têm para levar a vida com

otimismo, leveza e solidariedade, percebi minha tolice de deixar passar

as pequenas oportunidades do dia-a-dia para ser feliz, porque estava

ocupada demais em correr e remoer problemas.

A vida muda em um segundo, e não dá para economizá-la para

quando sobrar tempo, dinheiro, companhia... É agora. Não precisamos

esperar que algo a ameace para reconhecer o que importa. São as

relações verdadeiras. Os prazeres do cotidiano. Os valores humanos. É disso

que vamos falar em Sorria. Sem manuais mágicos para ser feliz e bem-

sucedido. Só histórias inspiradoras e conversas pé-no-chão que, esperamos,

devem ajudar você a reconhecer o que lhe faz bem. Esta é a lição que

aprendemos no GRAACC: não importa em que condições, sabendo olhar,

sempre dá pra sorrir. Tomara que você seja tocado por ela também.

A vida é agora

Este projeto foi colocado de pé graças à generosidade e à fé de muitas pessoas – essas abaixo e todas as que aparecem na revista. Obrigada!

DIRETORA EDITORIAL Roberta FariaDIRETOR EXECUTIVO Rodrigo Pipponzi

EDITORA-CHEFE Roberta Faria

Claudia Inoue

Ana Paula Megda Natália

Tudrey

Jéssica Kibrit

DilsonBranco

TarsoAraújo

DanielaToviansky

RodrigoBraga

AdrianaKomura

TammyAllersdorfer

CONSELHO EDITORIAL Amanda Kartanas, Cristiana Pipponzi, Fernando de C. Marques, Roberta Faria, Rodrigo Pipponzi,

Antônio Sérgio Petrilli, Tammy Allersdorfer.

COLABORADORESAdriana Corrêa, Amanda Rahra, Camila Goldstein,

Camila Rutka, Carolina Mazzonetto, Daniela Pereira, Juliana Parente, Letícia Francisco, Tarso Araújo (texto) | André Rodrigues, Filipe Borin (arte) | Adriana Komura, Estúdio MOL/Thiago Almeida e Vanessa Reyes (ilustração)|Daniela Toviansky,

Latinstock, Rodrigo Braga (fotografia) | Bel Cordeiro (produção), Luci Silva (produção culinária) |

Júlio Yamamoto, Marina de Souza (revisão)

ATENDIMENTO [email protected]

EDITORA-CHEFERoberta Faria

[email protected]

EDITOR-ASSISTENTEDilson Branco

[email protected]

PESQUISA E PRODUÇÃOJéssica Kibrit

[email protected]

ATENDIMENTOElaine Duarte

[email protected]

DIRETORA DE ARTEClaudia [email protected]

EDITORA DE ARTEAna Paula [email protected]

DESIGNERSMarília Filgueiras [email protected]ália Tudrey [email protected]ômulo Castilho [email protected]

TIRAGEM120 mil exemplares

PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃOPlural

Sorria* – Para Ser Feliz Agora é impressa em papel LWC 80 g.

DISTRIBUIÇÃODroga Raia

A revista Sorria* – Para Ser Feliz Agora, edição # 1, ano 1, é uma publicação bimestral da Editora MOL Ltda. A revista é vendida nas lojas da rede Droga Raia nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. O valor pago pelo preço de capa é, descontados

os devidos impostos, 100% doado ao GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer).

Não admitimos publicidade editorial.

FALE COM A [email protected]

Telefone: (11) 3034-3839Rua Fidalga, 593, loft 6,

São Paulo, SP, CEP 05432-070www.revistasorria.com.br

INSTITUIÇÃO BENEFICIADA

PATROCÍNIO

AGRADECIMENTOS

PRESIDENTE

Sérgio Antônio G. Amoroso

DIRETOR

Paulo Anthero S. Barbosa

SUPERINTENDENTE GERAL

Antônio Sérgio Petrilli

VICE-PRESIDENTE

Fernando de C. Marques

DIRETORA

Maria Helena F. Veríssimo

SUPERINTENDENTE DO VOLUNTARIADO

Lea Della Casa Mingione

FOTO DE CAPA

Mariana Perez (Pro Actors) foi fotografada por Rodrigo Braga, com produção de Bel Cordeiro e maquiagem de Rafael Guapiano. Tecido

de fundo: Lamond. Máquina de bolhas de sabão: High Power.

CAPA: Clube do Pirulito, 1+1, Maria Florzinha.MATÉRIA DE CAPA: Biblioteca Alceu Amoroso Lima.

SEÇÃO COMER: Dkza, Utilplast, Imaginarte, Roupa de Mesa, Home Marche, La Provence.

SEÇÃO MOVIMENTAR: Sala Crisantempo, Módulo Fidalga, Pizzaria Braz Higienópolis, Polícia Militar de São Paulo.

editorialsomos o que fazemos

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Rodrigo Pipponzi

p a r a s e r f e l i z a g o r a

idéias para ser felizíndice

descobrir5 prazeres simples

A graça da dança

Primos, quase irmãos

Cultura com diversão

As vilas da cidade

Na estrada com crianças

A tal generosidade

Sabedoria do sertão

Hummm, biscoitos!

Com amigos é melhor

Quem precisa de você

Chega de embalagens

É destino ou escolha?

Rir faz bem à saúde

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conhecer

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ajudar

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SUPERINTENDENTE DO VOLUNTARIADO

Lea Della Casa Mingione

descobriro melhor do dia-a-dia

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Aquele abraço textos d a R e d a ç ã o

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Envolver alguém nos braços – e ser acolhido de volta – dá um enorme bem-estar. Memórias do corpo vinculam o gesto à sensação de proteção da época em que éramos bebês de colo. E o organismo responde: segundo uma pesquisa da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, o abraço diminui a pressão arterial. A também americana Universidade de Virgínia foi além e provou que esse carinho

reduz os hormônios do estresse, fortalece a imunidade e tem efeito analgésico. Em tempo de tapinhas nas costas, não tem quem abraçar? Improvise. Nascido na Austrália, o movimento Abraços Grátis (www.freehugscampaign.org) acontece, sem hora marcada, em todo o mundo – esta foto é de Lisboa, em Portugal. Basta escrever a oferta num cartaz e abrir os braços. Não importa quem você abraça. Desde que abrace.textos d a R e d a ç ã o

De longe parece uma feira comum. Andando entre as barracas, é outro mundo. Num espanhol ligeiro, oferecem-se batatas de cores exóticas, suco de milho, macarrão doce, pastéis picantes. Essa é a feira boliviana, que acontece aos domingos no Pari, na zona leste de São Paulo. “Unimos a comunidade para relembrar nossas tradições”, conta Jaime Almanza, cônsul da Bolívia – e um exemplo da cultura popular é o Ekeko, o boneco da foto, que representa a fortuna. Japoneses, chineses e seus descendentes também se encontram aos domingos em São Paulo, na feira da Liberdade. Os italianos paulistas preferem as festas de rua – de São Vito, São Genaro, Nossa Senhora de Achiropita, Santo Emídio. Toda cidade de imigrantes costuma ter suas comemorações típicas. Às vezes tradicionais, outras quase paródias, elas são, no mínimo, uma viagem. ©

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Uma feira,uma viagem

Foi um rioque passou

Tem os de fundo de pedra lisa de limo, límpidos e escuros . Tem os de cor de café-com-leite, que, quando se pisa, a lama cremosa se mete entre os dedos, quase uma aflição. Tem os de fundo de areia, de pedrinhas, de plantas. A água pode ser gelada, vinda do mato, ou mais quente, se a correnteza é fraca. Tem os largos e traiçoeiros, e tem aqueles estreitos, onde dá pra juntar pedras em represas de mentirinha. Nenhum país tem tantos rios quanto o Brasil. Milhares, de todos os tipos. Muitos são poluídos, é verdade, mas, em algum lugar nem tão longe de você, existe um onde se pode mergulhar. Eles inspiraram histórias de Monteiro Lobato e Guimarães Rosa, poemas de Mário Quintana e Manuel Bandeira, músicas populares cheias da simbologia da água que passa e leva embora a dor. E como se não bastasse, banho de rio é uma delícia.©

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Como se estivessevoando

É preciso um bom galho de árvore. Uma corda firme. Um pedaço de tábua ou um pneu velho. Amarra, pendura. A técnica é muito simples: de pé, segurando na corda, recue até ficar na ponta dos pés. Então se solte, deixando o corpo cair no assento, esticando as pernas pra frente na ida, dobrando-as na volta para recuperar o impulso. O frio na barriga não tem idade pra aparecer e fica maior conforme parece que vamos girar 360º, de tão alto que estamos. É como voar baixo – o mais próximo que chegamos de tirar os pés do chão e alcançar o céu com relativa segurança e economia. O balanço é um brinquedo de tempos imemoriais: não se sabe onde nem quando surgiu. Só que é imprescindível para qualquer infância. E pode, por que não?, continuar a nos dar asas na insustentável leveza do vento conforme crescemos. ©

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O apagar dasestrelasO céu negro, com a lua azul e as estrelas de todas aquelas canções e poemas, pode desaparecer. Na verdade, já nem existe mais em alguns lugares – se você mora em uma cidade grande, como São Paulo, basta olhar para cima e perceber que a escuridão foi substituída por branco, rosa, amarelo. Enquanto clareamos o caminho com tochas e lampiões, perder a noite escura era inimaginável. Hoje, os aparatos de iluminação, dos postes das avenidas à lâmpada na varanda, refletem-se na atmosfera e escondem o céu. O problema não é só o fim do romantismo. A luz fora de hora está ligada a distúrbios do sono, ao câncer de mama e ao desaparecimento de pássaros, segundo a Associação Internacional da Noite Escura (www.darksky.org). Resolver a poluição luminosa nem é tão difícil: pequenas medidas, como instalar rebatedores de luz nos postes e temporizadores para apagar lâmpadas desnecessárias, já nos devolvem um pouco do brilho das estrelas.

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conhecergente que faz a diferença

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A riqueza do desapegoConheça Silvio Meira, um

engenheiro que encontrou

no desprendimento a

determinação para melhorar

o mundo a sua volta

texto L e t í c i a F r a n c i s c o

MAIS UMA VEZ, lá iam eles: o pequeno caminhão que faria a mudança da família já estava quase lotado. Os cinco irmãos sabiam que não havia espaço para todos os perten-ces e brinquedos e enfrentavam a já costumeira tarefa de escolher apenas alguns, deixando os outros para trás. A rotina se repetiu várias vezes – de Cajazeiras para Taperoá, na Paraíba; de Taperoá para Iguatu, no Ceará; de Iguatu para Arcoverde, em Pernambu-co... –, sempre que o emprego do pai na Sociedade Algodoeira exigia.

Passadas algumas décadas, esse exercício de desapego transformaria um daqueles meninos acomodados na caçamba num dos mais bem-suce-didos pesquisadores e empreendedo-res do Brasil. Silvio Meira, hoje com 53 anos, é o líder de uma prestigiada e inovadora instituição de pesquisa – o Cesar – e idealizador de um dos maiores parques tecnológicos do país – o Porto Digital. Para chegar a esse ponto, carregou a lição aprendida a cada mudança na infância: o valor de desprender-se e arriscar.

“Quanto menos coisas você possui, mais livre está para partir para outra vida”, reflete Silvio. O sertão o ensinou a separar o que ele era do que tinha de fato. “Foi um preparo natural para enfrentar a diversidade e a adversidade. Aprendi a não dar nada como certo e a criar sempre.”

As lições do interior nordestino levaram Silvio para o mundo. Depois de se formar em eletrônica no Institu-to Tecnológico de Aeronáutica (ITA), no interior de São Paulo, fez mestrado na Universidade Federal de Pernam-

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“Quanto menos coisas você possui, mais livre está”, reflete Silvio. A infância cheia de incertezas no sertão o ensinou a separar o que se é daquilo que se tem

buco (UFPE) e tornou-se doutor pela Universidade de Kent, na Inglaterra. Em 1985 decidiu que era hora de vol-tar. Dispensou empregos nos Estados Unidos e na Europa para enfrentar um desafio que o Primeiro Mundo jamais poderia lhe oferecer.

A idéia, concebida com um grupo de colegas, era dar nível internacional ao curso de Ciências da Computação da UFPE. A meta foi atingida oito anos antes do planejado: em 1992, a graduação tinha as mesmas cadeiras do prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, o mestrado ganhara nota A e o doutorado era realidade. Mas o suces-so não os deixou satisfeitos. Em 1993, 70% dos alunos formados abandona-vam a capital pernambucana, atraídos por vagas em outros estados e países. “Criamos um sistema educacional de qualidade, mas não havia desafios para manter as pessoas no Recife”, diz.

Dessa necessidade nasceu um projeto inovador que conjuga realida-des aparentemente irreconciliáveis: filantropia e capitalismo. O Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar) é uma entidade sem fins lucrativos que atua em duas frentes: pesquisa e desenvolvimento de projetos tecnológicos e estímulo à criação de empresas na área de tecno-

logia da informação. O objetivo é gerar negócios que vão transferir o conheci-mento da universidade para a socieda-de de forma auto-sustentada – ou seja, pagando as contas e reinvestindo todo o lucro em novos projetos.

“O empreendedorismo social compensa a ignorância do governo e o capitalismo selvagem da empre-sa. Mas não somos assistencialistas”, conta Silvio. “Geramos nossa própria receita porque sabemos que dinheiro não cai do céu. Para ensinar a pescar, temos de ser pescadores.” Sem a pres-são de atingir lucros mirabolantes nem a pretensão de enriquecer ninguém, hoje o Cesar cria 650 empregos diretos, 1,3 mil indiretos e só ano passado fa-turou 50 milhões de reais. Ao oferecer estrutura e investimento para boas idéias saírem do papel, o centro já aju-dou 20 jovens empresas de tecnologia a nascer e prosperar.

E mais uma vez o êxito originou um desafio. Para abrigar os empre-

endimentos surgidos no Cesar, Silvio propôs ao governo pernambucano a criação de um pólo tecnológico: o Por-to Digital. Projeto aprovado, em 2000 uma área do centro histórico da cida-de – o Bairro do Recife – foi destinada à empreitada. Uma moderna rede de telecomunicações foi instalada entre antigos casarões coloniais, reformados à medida que o projeto se desenvol-veu. Hoje, o Porto Digital reúne mais de 100 empresas, emprega cerca de 3 mil pessoas e gera renda para o estado.

Contando assim, parece uma vida de louros. Mas Silvio também tem uma porção de erros e fracassos para listar. A diferença é que eles nunca o impe-diram de continuar tentando. “A cultura do ‘eu não disse?’, de quem critica sem ter feito nada para colaborar, reprime muito as pessoas no Brasil”, avalia. “É preciso recompensar a tentativa. Só depende de quanto se aprende com o erro. É fracassar e sorrir. Ainda teremos muitas realizações.”

SILVIO (NO MEIO, AO FUNDO) COM A FAMÍLIA: APRENDENDO

A DEIXAR PARA TRÁS

AOS 18 ANOS, NO ITA, DANDO OS PRIMEIROS PASSOS

NA PEREGRINAÇÃO PELO CONHECIMENTO

convivero espaço de todos nós

Portas abertas, crianças

brincando na rua, vizinhos

amigos. Escondidas entre

ruas movimentadas, as vilas

levam uma vida com jeitão

de interior em plena cidade

texto D a n i e l a P e r e i r a fotos D a n i e l a To v i a n s k y produção B e l C o r d e i r o

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Tudo família

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ERA UMA VEZ uma vila cheia de casinhas coloridas. Lá, os vizinhos se conhecem pelo nome e deixam a casa aberta. As crianças correm pela rua sem precisar olhar para os lados, segui-das pelos cachorros de estimação de quem todos ajudam a cuidar. Enquan-to isso, o cheiro de pão assando invade os quintais, e os adultos dividem uma cerveja, jogam conversa fora na soleira de casa, cuidam do jardim, planejam uma festa para o fim de semana. As tardes passam devagar para quem vive ali, mesmo que do outro lado do portão a cidade não pare de correr.

Esse lugar existe. A passagem se esconde em uma rua movimentada de São Paulo. Na pequena vila vivem 37 pessoas, divididas em 13 sobrados. Gente como Kiara Terra, atriz e conta-dora de histórias que, acostumada a um conto de fadas, não pensou duas vezes quando teve a chance de se mudar com a família, três anos atrás. Ali descobriu um jeito novo de viver, bem diferente da impessoalidade dos prédios e dos muros farpados que cos-tumam separar as pessoas em cidades grandes. Algo como velho sonho da ca-sinha com cerca branca – sem a cerca.

SEM CERCAS, SEM CADEADOS: A LIBERDADE DA INFÂNCIA DE VOLTA NAS VILAS

“Aqui, as portas ficam sempre abertas. Fazemos almoços comuni-tários. Nossos filhos estudam juntos. Num Carnaval, organizamos aulas de tamborim e por semanas, às 6 da tarde, todo mundo ensaiava na rua. Outro dia teve um mutirão para pintar um muro, sem dono, de roxo”, conta Kiara. Sua vizinha, a professora Edite Kanashieru, costumava assistir às festas juninas na vila da janela do prédio da frente. “Sempre quis morar aqui”, conta. Há 14 anos, conseguiu realizar o desejo. Divide a casa com os filhos, o marido e a mãe, que costuma tomar conta das plantas e dos bichos de quem viaja.

A vila é especial, mas não é a única: existem cerca de 5 mil delas só

Nada de prédios impessoais e muros farpados. Viver em vila dá a chance de

criar uma comunidade para dividir o trabalho e a diversão do dia-a-dia

convivero espaço de todos nós

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na capital paulista. Erguidas entre as décadas de 1920 e 1960 nos arredores de fábricas para abrigar funcionários e como uma espécie de “poupança” dos proprietários, portugueses em sua maioria, durante muito tempo elas fo-ram malvistas. Serviam para preencher o miolo dos quarteirões – mas chique mesmo era morar de frente para a rua. Hoje, o resguardo das casinhas gemi-nadas é disputado, e as raras desocu-padas nem chegam aos classificados: é no boca a boca, em longas listas de espera e com alguma sorte, que se consegue uma vaga.

Claro que viver em comunidade também dá trabalho. Há responsabili-dades e problemas como em qualquer

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espaço de convivência. Mas, com boa vontade, eles têm solução. Quando Kiara chegou, por exemplo, ainda não havia portão na entrada, e o pessoal andava assustado com moradores de rua e meninos vendendo drogas por perto. A turma conversou com uma ONG, que bolou projetos sociais na área. Um grupo foi atrás da licença na prefeitura para fechar a rua. E as pe-quenas coisas do dia-a-dia vão sendo resolvidas na conversa.

Tem a sujeira dos cachorros, a superlotação no estacionamento, e a privacidade diante do mundo exterior não é a mesma lá dentro, com tantas paredes coladas e quintais miúdos. “A gente acaba sabendo o que se

DETALHES DA VIDA EM COMUNIDADE: O CUIDADO COM AS FACHADAS E O ESPAÇO COLETIVO, O PÁTIO, QUE É UM GRANDE QUINTAL, AS AMIZADES ENTRE AS CRIANÇAS E OS ADULTOS. MORAR EM VILA É TER UMA VIDA MAIS TRANQÜILA, MESMO ESTANDO NO CORAÇÃO DA METRÓPOLE. NA PÁGINA AO LADO, A SORTUDA KIARA E SEU CAÇULA

passa na casa ao lado”, reconhece a urbanista Ana Bellan, outra moradora. “Mas não importa, porque as pessoas são o que temos de mais especial”, releva. Quando comprou seu imóvel, Ana havia acabado de se separar e começava a reconstruir sua vida sozinha.“Aqui me senti amparada.”

cuidarnosso mundo, nossa vida

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DESEMBALA

Pense na última caixa de bombons que você comeu. Cada guloseima chegou na sua casa enrolada em papel-alumínio coberto por um plástico colorido dentro de uma caixa de papel protegida por um filme. Se era presente, havia ainda o embrulho. Tudo dentro de uma – ou duas, pra dar uma reforçada – sacolinha de supermercado. Quando você já sentia saudade do chocolate, o lixo da sua cozi-nha estava repleto de lembranças que a natureza levará séculos para esquecer.

A embalagem é, sem dúvida, uma invenção essencial. Sem ela você não teria coragem de levar à boca algo produzido a quilômetros e exposto numa prateleira de supermercado. E como traria os produtos de limpeza para casa? Conservaria alimentos e bebidas? Guardaria o xampu e a pasta de dentes?

Tanta comodidade, porém, custa caro ao ambiente. A questão começa na produção: a fabricação de papel, por exemplo, é uma das atividades industriais que mais demandam energia e água – sem falar na matéria-prima, a madeira. Tudo para gerar um produto que muitas vezes é descartado em segundos.

Um terço do que o brasileiro joga fora são embalagens. A grande maioria vai parar em aterros e lixões a céu aberto – destino de 94% do lixo residencial, segundo o IBGE. Lá podem permanecer durante séculos até se decompor. Mais precisamente, 400 anos no caso do plástico – e uma eternidade para o vidro e o alumínio. Ultraduráveis, esses materiais criam uma camada que dificulta a de-composição da matéria orgânica. Além disso, seu acúmulo leva à expansão dos lixões, o que facilita a disseminação de doenças e a contaminação das águas.

A saída mais difundida para evitar que o planeta vire uma imensa lixeira é a reciclagem. O Brasil é um dos países que mais reaproveitam latas de alumínio (96% delas) e garrafas PET (47%), segundo a organização Compromisso Em-

Potes, frascos, garrafas, caixas, latas: a gente não consegue

mais viver sem embalagens. Mas, para o planeta não

virar um lixão, tem de maneirar. E nem é tão difícil

texto C a r o l i n e M a z z o n e t t o ilustração A d r i a n a K o m u r a

presarial para Reciclagem. Porém, o índice de reaproveitamento de outros tipos de plástico, como as sacolas de supermercado, de latas de aço e caixas longa-vida, ainda está abaixo dos 30%. Qualquer aumento é bem-vindo: cada tonelada de aço reciclado, por exemplo, preserva mais de 100 mil toneladas de minério de ferro.

Outra alternativa, mais recente, que já vem sendo implantada no país, é a substituição das sacolas plásticas convencionais pelas oxibiodegradá-veis, que se decompõem em cerca de dois anos. Elas também são derivadas do petróleo, mas recebem um aditivo que acelera a degradação. A novidade, porém, é polêmica: segundo alguns especialistas, seu processo de fabri-cação é poluente e seus impactos ambientais não são conhecidos.

Para não errar, faça como sua avó: na hora das compras, use sempre a mesma bolsa, de lona ou de outro material resistente, ou carregue o car-rinho de feira. Atitudes simples como essa fazem uma enorme economia no seu lixo. Veja no quadro ao lado outras idéias para usar as embalagens de forma racional – e assim estender a validade do planeta Terra.

QUE EU GOSTO

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FAÇA VOCÊ MESMOPequenos hábitos na hora de fazer

compras e embalar o lixo evitam o

desperdício e ajudam o planeta

# Evite produtos excessivamente embalados. Por que o tomate precisa vir numa bandeja de isopor, coberto de plástico, dentro de uma sacolinha?

# Prefira artigos recicláveis, reciclados, retornáveis ou que possam ser reutilizados com refis e recargas.

# Compre fruta e legumes a granel. Prefira pacotes grandes – um de 5 quilos de arroz é melhor que cinco de 1.

# Peça para embrulhar frios apenas em filme plástico, sem isopor. Reutilize embalagens plásticas para guardar outros alimentos e objetos.

# Peça no mercado para embalar suas compras com sacos de papel ou caixas de papelão. Faça o mesmo com o lixo.

# Recicle. Se não há coleta seletiva na sua rua, procure uma cooperativa de catadores próxima no site do Cempre (www.cempre.org.br).

A cada compra, você leva para casa dezenas de embalagens que terão uma vida útil muito curta, mas levarão séculos para se decompor

Quase irmãosQUANDO CRIANÇA, deixar a escola pelo portão da frente era raro para João Bruno Dacome, de 25 anos, de Maringá, no Paraná. Para fugir dos desafetos, pulava o muro. Se nem isso resolvesse a ameaça, sempre podia contar com a escolta de Marcel Da-come, um ano mais velho, que botava banca para defendê-lo, avisando: “Meu primo é um cara legal”. Com o passar dos anos, a camaradagem só cresceu, e foi além da companhia para festas e viagens da adolescência. Formados em direito, abriram um escritório juntos, e João ainda é padrinho de Isa-bela, de 3 anos, filha de Marcel – e sua prima de segundo grau. “Sinto orgulho de sermos tão unidos até hoje”, diz.

Candidatos naturais a grandes amigos,

os primos enchem a infância de alegria e

ajudam a manter a família unida. Conserve

os seus: eles podem estar em extinção

A história de João e Marcel exem-plifica um tipo muito específico de relação familiar. Filhos dos tios e netos dos mesmos avós, os primos não são tão próximos como os irmãos nem tão distantes como um colega de classe, ou um vizinho. São candidatos prefe-renciais a amigos, a alegria das festas, parceiros de férias. O estabelecimento dessa amizade é o elo fundamental para que a família – no seu sentido mais amplo – se mantenha unida.

Ana Paula de Bragança, de 23 anos, de São Paulo, tem 11 primos de primeiro grau por parte da mãe. Cres-ceram juntos e mantêm a proximidade mesmo morando em cidades distan-tes. “Somos muito diferentes, mas a

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amaras relações que importam

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À ESQUERDA, AS CRIANÇAS BRAGANÇA: 11

PRIMOS SÓ DE UM LADO. À DIREITA E

ABAIXO, MARIANNE E GIANE, QUE, DEPOIS

DE UMA INFÂNCIA EM PÉ DE GUERRA,

ENCONTRARAM UMA AMIZADE

VERDADEIRA

cumplicidade supera gostos pessoais”, conta. A família realiza encontros peri-ódicos que reúnem primos de até sete gerações. Quem organiza tudo é a tia Flávia de Bragança, de 44 anos, do Rio de Janeiro: “Nossos filhos são amigos pelo fato de tentarmos preservar esse vínculo. Sempre demos importância para a família como um todo, não só como um núcleo isolado”.

A boa convivência com quem compartilha nossas origens costuma ser prazerosa porque nos causa a sensação de pertencer a uma mesma história. “Toda relação desse tipo é benéfica, se for real e espontânea”, explica a terapeuta familiar Léa Alber-toni. Forçar os laços é uma tentação perigosa: “Às vezes, as famílias ideali-zam a relação entre primos como se fossem mais valorosas que as de um amigo. Primos têm qualidades e defei-tos”, avalia o psicoterapeuta Antonio Carlos Pereira. Uma das armadilhas

mais comuns para os pais é criar a imagem do “primo-modelo”, impondo o comportamento do sobrinho como um modelo a ser seguido. “Os adul-tos devem procurar o equilíbrio. Um ambiente de competição pode gerar inimizade”, completa Léa.

Se na infância as ligações entre os primos costumam ser intrínsecas, na fase adulta, quando cada um determi-na o rumo de sua vida, elas tendem a esmaecer. Mas o contrário também acontece. A jornalista Marianne Nishihata, de 27 anos, de São Paulo, e a bancária Giane Suenaga, 27, de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, descobriram suas afeições já cresci-das. Até os 14 anos, elas viveram em pé de guerra. Agora, são as melhores amigas. Nem mesmo os três anos em que Marianne morou em Tóquio, no Japão, esfriaram a relação. “Naquela época, nos telefonávamos pelo menos uma vez por semana. Hoje é até mais

de uma vez por dia”, conta a jornalista. Elas dividem desde as contas e com-pras no shopping até os cuidados com a faxina do túmulo dos avós.

Histórias como essas, porém, ten-dem a se tornar cada vez mais raras. Segundo dados do IBGE, a taxa de fecundidade no país é de dois filhos por mulher, e está em queda. Imagi-ne o que vai acontecer se o índice chegar a 1: sem irmãos, não há tios e, portanto, não há primos. A falta da companhia desses amigos de sangue certamente vai fazer a infância perder um pouco da sua cor e deve tornar as famílias mais isoladas. Mas Antonio Carlos Pereira relativiza: “A convivên-cia entre primos é importante, mas as pessoas se adaptam ao que têm. O fundamental é desenvolver uma rede social, ter pessoas que nos permitam ouvir, partilhar, compreen-der e aprender a amar e ser amado”. Se já for de casa, melhor ainda.

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À ESQUERDA, UM CONVITE PARA

A FESTA DOS PRIMOS DA FAMÍLIA

BRAGANÇA. À DIREITA, A DUPLA

JOÃO BRUNO E MARCEL: ONTEM E HOJE, AMIGOS

INSEPARÁVEIS

trabalharpara viver melhor

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Amigo texto C a m i l a R u t k a

ilustração E s t ú d i o M O L / T h i a g o A l m e i d a e V a n e s s a R e y e s

O PRIMEIRO TOQUE do despertador, às 6h15, anunciava a Tatiana Schmidt, de 29 anos, um dia ruim pela frente. Em seu trabalho, as dez horas a seguir seriam tensas: haveria grosseria, sabo-tagens, falta de ética, fofocas. Na volta para casa, chorava de raiva enquanto esquentava o jantar. E, no dia seguinte, às 6h15, começava tudo de novo.

O emprego de Tatiana não tinha nada monstruoso. Farmacêutica em Curitiba, sua rotina acontecia em um pacífico laboratório. O que tornava as coisas duras era o ambiente. Picuinhas, puxões de tapete, pequenas malda-des entre colegas: coisas que podem ocorrer em qualquer lugar. Foram seis meses até que ela se demitisse. Na nova empresa, fez amigos. E as coisas nunca foram tão boas. “Minhas funções não mudaram, nem o salário. Mas estou feliz porque o clima é outro”, conta.

A redenção de Tatiana ilustra uma tese que vem sendo comprova-da também pela ciência: ter amigos no local de trabalho faz um bem enorme. Esqueça o apelo à com-petitividade no estilo “que vença o melhor”. Quem tem um grande amigo no emprego está 50% mais satisfei-to e é sete vezes mais empenhado nos projetos do que os solitários, segundo uma pesquisa do Instituto Gallup. O velho dilema de fazer o que gosta ganhou um adendo: é preciso também fazer com quem se gosta.

é praessas coisasJuntos, mais fortes Nada mais natural, se levarmos em consideração que 70% do tempo que passamos acordados é dedicado ao trabalho. Ao escolher uma carreira, já esperamos que ela seja fonte de renda e prazer. A surpresa da pesqui-sa é demonstrar que o sucesso está muito mais ligado às companhias no trabalho do que a oportunidades mais óbvias de satisfação, como receber de-safios que contemplem seus talentos, ser reconhecido, ganhar bem. Na ver-

dade, há mais chances de essas coisas acontecerem se você tiver amigos.

A pesquisa do Instituto Gallup foi coordenada pelo psicólogo america-no Tim Rath e envolveu 8 milhões de entrevistas em 114 países. Os resulta-dos mostram que esses laços são um poderoso aditivo para engajar as pessoas a realizar melhor suas fun-ções. Segundo Rath, ter parceiros, e não concorrentes, é o que estimula a produtividade, dá motivação e aguça o comprometimento com a empresa.

Aumento? Desafios? Não.

O que torna você mais feliz

e bem-sucedido no trabalho

(e fora dele!) são as amizades

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texto C a m i l a R u t k a

ilustração E s t ú d i o M O L / T h i a g o A l m e i d a e V a n e s s a R e y e s

Quem tem um melhor amigo no trabalho está 50% mais satisfeito. Quem tem três tem também 88% de chance de ser mais feliz na vida pessoal

“Na verdade, o indivíduo quer ser valorizado como pessoa, e não pelo cargo”, avalia o psiquiatra Geraldo Possendoro, professor de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo. “É natural ansiar por laços afetivos mais fortes”, diz. Daí também vem o caminho inverso – escolher amigos para trabalhar, e não procurar outros no emprego.

Foi o que fizeram Luciana Nasci-mento, Renata Veríssimo e Stella Gou-lart. Aos 24 anos, as amigas são sócias em uma loja de roupas em São Paulo. E aquele papo de amigos, amigos, negócios à parte? “Ah, as discussões existem, mas procuramos entender a visão das outras”, explica Luciana.

A regra de ouro do trio é, em caso de discordância, falar logo. Há quem ache mais fácil discutir com estranhos. Ao contrário: a sinceridade funciona melhor quando existe amizade. “Se as pessoas são amigas, dificilmente a relação é abalada no confronto”, diz Geraldo. Se você não nutre afeto pelo colega, é provável que azede de vez.

Essas histórias ensinam que é o companheirismo, e não a individua-lidade, que torna possível viver bem em ambientes de muita disputa. “A competição provoca idéias novas, mas pode ser feita com humanidade”, diz Gutemberg. Afinal, todo mundo precisa de ajuda. E a força dobra, ao que tudo indica, se a mão for de um amigo.

Maria Helena Monteiro, vice-pre-sidente de RH da seguradora SulAmé-rica, concorda. “Nas áreas em que as equipes são unidas é mais fácil mobili-zar as pessoas”, conta. Para Gutemberg de Macedo, presidente da Gutemberg Consultores, é o clima que faz a dife-rença. “É impossível desenvolver uma carreira de sucesso isolado. Quando a pessoa trabalha em um lugar agradável, o faz com paixão – e é desse sentimen-to que vem o sucesso”, diz.

De fora para dentroResponder com sinceridade a um “oi, tudo bem?”, dar risada, dividir o peso, ter outros papos. Os pequenos praze-res de trabalhar com quem se gosta influenciam tudo. O levantamento de Tim Rath mostra que se sentir amado pelos colegas também faz bem para a saúde física e o bem-estar geral. Se-gundo a pesquisa, quem tem três bons amigos no trabalho tem 88% de chan-ce de ser mais feliz na vida pessoal.

Da esquerda para a direita: Lilian Lima Santos, balconista (filial Vila Olímpia); Cristiane Costa Soares, encarregada (filial Pinheiros); José Luís Coelho, gerente (filial Capela do Socorro); Juliana Siqueira, consultora de beleza (filial Itaim); e Fernanda de Leite Pacheco, farmacêutica (filial Vila Olímpia).

Orgulho é poder oferecer felicidade!Nós, da Droga Raia, estamos muito orgulhosos. Somos quase 4.000 funcionários em todo o Brasil e estamos muito felizes por contribuir com o GRAACC. A revista chegou e, com ela, a prova de que sorrir é sempre o melhor remédio.

Orgulho é poder oferecer felicidade!Nós, da Droga Raia, estamos muito orgulhosos. Somos quase 4.000 funcionários em todo o Brasil e estamos muito felizes por contribuir com o GRAACC. A revista chegou e, com ela, a prova de que sorrir é sempre o melhor remédio.

A generosidade não é só doar o que se tem de sobra. Há muitas

outras formas de pôr esse valor em prática no dia-a-dia – e criar

um ciclo onde quem faz o bem ganha tanto quanto quem o recebe

QUANDO TINHA 13 ANOS, Severino saiu de Olho D’água Seco, no sertão de Pernambuco, para morar com um tio na capital Recife. Certo dia, perdeu-se na cidade grande: sem saber ler, não conseguia encontrar o caminho de volta olhando as placas e o nome das ruas. “Era como se fosse cego”, diz. Quando, afinal, achou o endereço, pediu ao tio para lhe comprar uma cartilha de alfabetização. Sozinho, aprendeu a ler e a escrever. Um ano depois, voltou ao sertão e tratou de ensinar o que sabia à irmã. Não era muito, mas era o bastante. Depois, improvisou uma escolinha para alfabetizar outros moradores. Já tinha ensinado 231 pessoas a ler quando deixou Pernambuco, há 24 anos, por uma vida melhor em São Paulo. Durante a viagem, ensinou mais 12 conterrâneos a assinar o próprio nome. “Gosto de passar adiante tudo o que aprendo. Não vou levar nada para o caixão. Então tenho de compartilhar o que sei com quem precisa, senão esse conhecimento morre comigo”, conta.

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valores que mudam a vidavalores que mudam a vida

GENEROSIDADE É... SE ABRIR PARA CONHECER O MUNDO E DOAR, EM TROCA, O SORRISO. MARINA E JULIANA FAZEM RIR EM URUCURIÁ, NO PARÁ

Estamos acostumados a reconhecer a generosidade em gestos grandiosos como o de Bill Gates, fundador da Microsoft e um dos homens mais ricos do planeta, que doou 29 bilhões de dólares à instituição de combate à pobreza que fundou com a mulher, Melinda. Mas a história de Severino não deixa dúvida de que a generosidade pode ser praticada mesmo por quem tem pouco ou quase nada – e de várias formas, muito além de dar bens que sobram.

Como faz Antônio, um desembargador de Justiça que conta histórias para crianças num hospital. Ou Élcio, que incentiva a solidariedade na empresa que lidera e ajudou a fazer dela um dos melhores lugares do mundo para trabalhar. Como Juliana e Marina, que fazem as pessoas rir sem pedir nada em troca. Que nem Danielle, que aos 63 anos ajuda milhares de deficientes visuais a ter acesso a livros.

“Generosidade é a capacidade de compartilhar e proteger a vida.

Podemos doar coisas materiais, mas também a amizade, o amor, a lealdade, um beijo, o ouvido para uma conversa”, diz o filósofo Mário Cortella, consultor de empresas e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atitudes muito simples, como ser atencioso com o estranho que lhe pergunta onde fica aquela rua, ter paciência com o filho, relevar o mau humor do colega, reconhecer com um elogio um trabalho bem-feito ou fazer a

crescervalores que mudam a vida

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força. A lógica também predomina por aqui, geralmente entre famílias mais pobres. “Numa favela, quando crianças ficam órfãs por causa de um incêndio ou deslizamento, é muito comum que a vizinha as adote, mesmo com toda dificuldade. Para ela vale o lema ‘onde comem três comem sete’”, diz Cortella. “Entre a classe média e alta, o normal é que nem se saiba o nome do vizinho de porta. O que impera é o ‘cada macaco no seu galho’”, completa.

Não é que pobres sejam bonzinhos e ricos, egoístas, mas, sempre que as dificuldades aparecem, aquele espírito de cooperação que ajudou os homens das cavernas prevalece. Como o desenvolvimento econômico diminuiu um bocado as dificuldades para conseguir casa, comida e outras necessidades básicas, a cooperação pôde sair de moda em alguns lugares, para que as pessoas pudessem pensar mais em si mesmas. “O coletivo perdeu espaço para a

GENEROSIDADE É... TRANSMITIR O CONHECIMENTO PARA MULTIPLICÁ-LO. DANIELLE E REGINA REVISAM LIVROS EDITADOS EM BRAILE

estressante. E talvez sinta que as coisas estão cada vez mais difíceis. Está certo: nem sempre foi assim.

Homus generosusSe estamos aqui hoje é porque durante sua evolução, o homem contou com um poderoso instinto de cooperação. Fracos, incapazes de se proteger sozinhos dos predadores e de resistir a longos períodos de frio e sem comida, nossos ancestrais pré-históricos precisaram ser extremamente unidos e colaborativos para sobreviver. Se alguém não comesse, o grupo ficava menor e, mais fraco, todos acabariam sucumbindo. A saída, então, era compartilhar.

O espírito do coletivo ainda é prioridade em muitas comunidades do mundo, como entre as tribos nômades da África. Nelas, quando um filho se casa, em vez de sair da casa dos pais, ele agrega a esposa ao resto da família, fazendo da união uma

gentileza de parar o carro para a moça cheia de sacolas atravessar a rua, também são generosidade. E, indo além, doar dinheiro, tempo, trabalho e conhecimento, em um voluntariado ou no dia-a-dia, também. Para Cortella, não importa a ação – só aprender que “fazer o bem é bom e faz bem”.

Parece uma obviedade. Mas é só olhar ao redor para perceber que, apesar de tantas possibilidades que temos de fazer algo pelos outros, a generosidade é artigo em falta. Você tem medo de sair da fila do banco para preencher um papel e perder o lugar? Acha o ambiente profissional hostil, com os colegas sem disposição para trabalhar em equipe? Irrita-se com a falta de consideração das pessoas no trânsito, que não dão passagem nem para sair da garagem? Fica chateado se não vê seu esforço reconhecido? Provavelmente você tem outros exemplos de como a ausência da generosidade deixa a vida mais © D

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individualidade, que também é um valor importante para a formação da identidade. O problema é que passamos a dar um valor exagerado a ela”, diz Cortella.

Essa cultura, que conhecemos bem, se alastrou pelo mundo e concentrou pessoas em torno dos próprios objetivos e problemas. Aos poucos, deixamos de ser arquipélagos para nos tornar ilhas, palavra que vem do italiano isola, sinônimo de isolamento. Além de contar cada vez menos com a colaboração do próximo, ele virou concorrente, quase um inimigo. Daí a gente se ver com tanta freqüência naquelas situações de frustração e estresse, com medo de alguém tomar nosso lugar. Trocar a chave do modo “cada um por si” para o “todos por todos” começa prestando mais atenção ao outro – pessoas quase sempre muito próximas e, ao mesmo tempo, tão distantes.

Olhar o outro“Quando tinha 13 anos, topei fazer um trabalho para fugir do teste de geografia. Tinha que ir à tal de favela para contar como era”, lembra Antônio Carlos Malheiros, o Antônio de quem falamos antes. Criado numa família de classe média, em São Paulo, até então ele não sabia o que era miséria. “Depois de 15 minutos na entrada da favela, de onde não pretendia passar, chegou uma menina da minha idade, grávida. Fiquei assustado. Começamos a conversar e ela me convidou para conhecer sua casa: um barraco minúsculo, com um colchão imundo sobre o chão de terra, onde morava com a mãe e cinco irmãos. Aquilo me incomodou muito”, conta. Daquele dia em diante, o então adolescente, mais tarde universitário e, afinal, juiz de direito, nunca mais parou de fazer trabalho voluntário.

Para a psicóloga Luciene Togneta, a experiência de Antônio mostra

como a generosidade depende da sensibilidade para ver o outro. “Essa disposição para ajudar só vai existir se formos capazes de perceber a dor do próximo, suas carências e necessidades”, diz. É o que Cortella chama de visão da alteridade: “Trata-se de ver o outro como diferente, mas não como estranho, exótico. E reconhecer a diferença não quer dizer exaltar a desigualdade, e sim respeitá-la”.

Conhecer esse “outro” mudou para sempre a vida de Antônio. Depois de trabalhar em favelas, com moradores de rua e adultos portadores de HIV, hoje ele dedica as tardes de sexta-feira a contar histórias a crianças com aids no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. E ainda é presidente da Comissão de Justiça e Paz, em que luta, como voluntário, pelos direitos humanos. Ah, sim, e ele trabalha – e muito: além de desembargador de Justiça, dá aulas em três universidades. A falta de tempo nunca é desculpa. “Isso é a parte mais importante da minha vida. Ajudando, ganho o que nada

poderia me dar: vida”, diz. De quebra, tenta mobilizar colegas e alunos a acompanhá-lo. “Quero chacoalhar as pessoas como um dia fui chacoalhado. Porque não tenho a menor dúvida de que a generosidade é transmissível.”

O valor da diferençaUm bom exemplo de como a generosidade pode ser passada adiante vem de uma empresa, justamente o tipo de organização na qual o individualismo costuma ser mais incentivado. “Em algumas, o ambiente é tão ruim que parece o mar, onde peixe não morre de velho – é devorado antes”, compara Cortella. Mas o filósofo é otimista: para ele, o famoso capitalismo selvagem está com os dias contados. “Algumas organizações começam a perceber que um ambiente mais solidário e humano pode ser melhor não só para os funcionários, mas também para os lucros”, diz. É o caso da Serasa, a popular empresa de análise de crédito, consultada cada vez que você faz uma compra ou abre uma conta. Ninguém gosta quando o nome

GENEROSIDADE É... ACEITAR A DIFERENÇA PARA PROMOVER A IGUALDADE. ÉLCIO COMANDA A SERASA, UM DOS MELHORES LUGARES PARA TRABALHAR NO PAÍS

crescervalores que mudam a vida

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“vai parar na Serasa”. Mas se for na lista de funcionários, é outra história.

Em 2007, a Serasa foi considerada pela Great Places to Work, uma consultoria que realiza pesquisas de satisfação entre funcionários de empresas do mundo inteiro, o décimo melhor lugar para trabalhar da América Latina – e o melhor do Brasil. Para se ter uma idéia, 91% dos funcionários ali estão satisfeitos, 90% estão de bem com os colegas e 87% não têm o que reclamar do chefe. Como é possível? “Aqui, cada pessoa é vista com suas características e as diferenças não são discriminadas, e sim respeitadas”, explica o presidente, Élcio Aníbal de Lucca. “Damos condições de crescimento a todos – inclusive às minorias”, diz. Não por acaso que a Serasa tem um dos

GENEROSIDADE É... DOAR TEMPO E COMPAIXÃO. ANTÔNIO CARLOS CONTA HISTÓRIAS PARA JOVENS PACIENTES NO HOSPITAL EMÍLIO RIBAS

maiores percentuais de mulheres em cargos de liderança no país – 45% dos chefes são do sexo feminino.

“Meu trabalho é valorizado e tenho respeito como a pessoa que sou, com uma vida e uma família lá fora”, conta a gerente Helen de Lima, há nove anos na Serasa, sem pensar em sair. Além do bom clima, pesa o exemplo solidário da empresa, que faz suas ações sociais e estimula os funcionários a tomar iniciativas próprias – entre as 2 mil pessoas que trabalham lá, quase metade faz algum tipo de trabalho voluntário.

O que a Serasa entendeu são duas coisas fundamentais para a generosidade: a capacidade de ver cada um com suas necessidades específicas, e reconhecer essa diferença para garantir igualdade.

Parece fácil, mas o egoísmo nos deixa tão preocupados com as nossas coisas – nosso lucro, nossa pressa, nosso desejo, nossa tristeza, nossa competência, nosso problema, nossa satisfação – que nos tornamos cegos para o outro. E esquecemos de como pode ser bom até para nós mesmos ser generosos com alguém.

É dando que...“Faço isso porque me faz muito feliz. Meu pagamento é saber que ajudo milhares de pessoas a ter a chance de ler. Mas isso não me torna uma heroína, nem é nada excepcional”, avisa Danielle Goldstein, que trabalha voluntariamente na revisão de livros editados em braile, a linguagem para deficientes visuais. Ela passa pelo menos três horas por semana na Fundação Dorina Nowill para Cegos, organização não-governamental paulista responsável pela edição de mais de 2 mil livros “traduzidos”. Enquanto Danielle recita o original, sua parceira Regina de Oliveira, deficiente visual, lê com os dedos a versão em braile em busca de erros, em livros que vão de romances best-sellers a didáticos de química.

Ser generoso para ter satisfação pessoal pode soar como egoísmo disfarçado. Ao contrário, diz a psicóloga Luciene Togneta: a alegria de fazer o bem é um sentimento fundamental para que a generosidade seja multiplicada. “Quando fazemos algo por alguém, pensamos no outro, mas também queremos que ele perceba nosso gesto”, diz. O reconhecimento reforça a imagem que queremos projetar – no caso, a de que somos boas pessoas. E isso não é nenhum crime. Se o que fazemos pelo outro vai beneficiá-lo, não importa o que nos motiva. Em compensação, o prazer que se tira de ser generoso estimula a continuidade da ação. Não à toa, Danielle é voluntária há 18 anos. ©

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era com o riso, e sim com a troca de vivências. Ao levar alegria e novidade a estranhos, receberam sabedoria, experiências, um lugar para dormir. “As pessoas armavam a rede pra gente na casa delas”, lembra Marina.

Todo mundo podeA generosidade também mudou a vida de Severino Manoel de Souza, aquele pernambucano de quem falamos no começo da história. As coisas não correram como ele sonhava quando cruzou pela primeira vez a Ipiranga e a Avenida São João. Por um tempo, precisou morar no Edifício Prestes Maia, no centro de São Paulo, na época a maior ocupação de sem-teto da América Latina. Quando um grupo de universitários e ONGs organizou algumas atividades culturais no local,

Generosidade é a capacidade de compartilhar e proteger a vida. Podemos doar coisas materiais, mas também amizade, conhecimento, tempo, atenção

Severino sugeriu criar uma biblioteca no prédio. “Não dá, não temos livros”, ouviu. Ao que retrucou: “Tudo bem. Tenho 600 livros lá em casa”.

Trabalhando como catador de papel, o pernambucano sempre encontrava livros. Mesmo sem nunca ter freqüentado a escola, desde que comprou aquela cartilha de alfabetização, Severino aprendeu o carinho pelas palavras. “Tinha pena de vender para a reciclagem. Livro é um tesouro”, diz. Começou a guardá-los – começando por uma edição de Quincas Borba, de Machado de Assis – e não parou mais. Biblioteca funcionando, outros sem-teto, vizinhos e trabalhadores da região pegavam os livros emprestados, de graça. O projeto ficou famoso, e Severino começou a receber doações. Quando o Prestes Maia foi desocupado, em junho de 2007, a biblioteca tinha 16 225 livros, que ficaram com o Movimento dos Sem-Teto do Centro.

Severino mudou-se com a esposa, Roberta, para Itapecerica da Serra, subúrbio carente da Grande São Paulo. Vive numa casa emprestada por uma professora da Universidade de São Paulo, que conheceu por causa da biblioteca. Dorme no segundo andar. No térreo, montou uma espécie de centro cultural, com cerca de 4 500 livros que trouxe do Prestes Maia e doações que continua a receber, como dois computadores e uma brinquedoteca. Está tudo à disposição da comunidade, sem custo nenhum. O casal cuida do espaço, recebe os visitantes, organiza os livros e faz os empréstimos sem receber nada por isso. Admirado, perguntei a Severino o que é, para ele, a generosidade. Ele pensou um pouco e respondeu, meio sem jeito: “Olha, como não tive muito estudo na vida, não sei explicar o que é isso não.” Sabe sim, Severino. Você é uma lição viva do que ela significa.

GENEROSIDADE É... CRIAR OPORTUNIDADES E FAZER O POSSÍVEL, MESMO QUANDO PARECE POUCO. SEVERINO MONTA BIBLIOTECAS COM LIVROS CATADOS NO LIXO

O retorno pessoal surge mesmo quando a generosidade não é intencional, como bem sabem as amigas Marina Quinan e Juliana Balsalobre. Palhaças do grupo Doutores da Alegria, que leva diversão a crianças hospitalizadas, elas queriam conhecer melhor o Brasil. Saíram de São Paulo em maio de 2006 com alguma bagagem, a cadelinha Firula e pouco dinheiro no bolso para uma viagem de seis meses pelo Ceará, Maranhão, Pará, Goiás e Rio de Janeiro. “Queríamos conhecer pessoas e como elas viviam”, diz Marina. Decidiam o caminho enquanto andavam. Nas paradas, em lugares como comunidades ribeirinhas isoladas do mundo, aproveitavam para fazer apresentações, a maioria gratuitas. O compromisso maior não

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protegercorpo, mente, alma

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ELE COMBATE A DEPRESSÃO e o estresse, diminui a pressão arterial, melhora a digestão, desintoxica o organismo, espanta a dor e até deixa a pele mais bonita. Além disso, fortalece a imunidade, previne doenças e ajuda a curar o que não vai bem. Não tem efeitos colaterais, não precisa de recei-ta, é de graça. Nem desconfia de qual remédio faz tudo isso por você? Pois pare de franzir a testa e solte uma boa gargalhada, que o milagre está feito.

“O riso nos transforma”, afirma o professor Luiz Gonzaga Leite, chefe do setor de psicologia do Hospital Santa Paula, em São Paulo. A alegria estimula o cérebro a liberar endorfina e serotonina, os neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar. Correndo pelo sangue, essas substâncias diminuem os riscos de infarto e outros problemas do coração e aumentam a produção de células de defesa. “Assim, vírus e até tumores são combatidos com mais eficiência”, diz.

Está comprovado: bom humor e otimismo vacinam contra

todo tipo de doença. De quebra, melhoram o funcionamento

do corpo, reduzem a dor e deixam a vida mais colorida

texto J u l i a n a P a r e n t e

ilustração A d r i a n a K o m u r a

“Quando sentimos raiva, nos-so corpo responde liberando dois hormônios: estradiol e adrenalina”, explica o cardiologista Otávio Gebara, do Instituto de Cardiologia de São Pau-lo. “Juntos, eles enfraquecem o sistema imunológico. Isso abre as portas para o surgimento de doenças e atrasa a recuperação de quem já está debili-tado”, conta. O que não significa, no entanto, que a solução para manter a saúde tinindo é engolir sapos ou fingir que os problemas não existem. Na verdade, é justamente o contrário.

“Cultivar o bom humor é uma filosofia de vida”, afirma a psicóloga Maria de Fátima Nogueira, professora da Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo. Ela começa por reconhecer as emoções, boas e más, e respeitá-las. “Ou seja, pare de se bloquear para viver melhor.” A apresentadora Letícia Henrique que o diga. “Sempre sofri com enxaquecas terríveis, que tratamento nenhum resolvia. Demorou

para um médico identificar o proble-ma: era emocional, fruto de broncas que não soube soltar”, conta.

Depois de encarar os sentimentos, vêm os limites. A gente pode deter-minar o que tem ou não o direito de nos tirar do sério. É o que Letícia tenta agora. “Passei a olhar minha vida como um seriado de TV engraçado. Há conflitos que vão acontecer, a gente queira ou não”, conta. “Hoje escolho com o que me preocupar – e tem dia que decido não me abalar com nada. Resultado: sem toda aquela adrenali-na, raramente tenho dor de cabeça.”

Mudar o olhar para a vida não é fácil, mas dá pra treinar. Se o engarra-famento é inevitável, vale a pena perder a cabeça? Pode ser o tempo para ouvir música, conversar, pensar na vida... Parece ingênuo recomendar que se procure uma saída ou o lado bom das coisas, mas essa atitude ajuda a manter a serenidade. De mais a mais, é preciso encontrar o que faz bem. “A simplicidade é o melhor caminho”, diz a psicóloga Maria de Fátima. Dormir melhor, caminhar por uma praça, estar com amigos... “Conhecer a si mesmo e desvendar o que dá prazer leva naturalmente ao sorriso.”

movimentaras delícias do exercício

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VALE TUDO. Assim filosofou Tim Maia sobre os bailes de sua época, aqueles em que “quem não dança segura a criança”. Dançar era então obrigação, cantava o síndico. Esses bons tempos estão sendo deixados pra trás, acredita o coreógrafo e educador corporal Ivaldo Bertazzo. “Antigamente, dançar era o programa. Hoje, as pessoas se arrumam e vão para as festas comer e beber”, repara. “Além disso, de tanto trabalhar sentadas, vão se descoordenando. Perdem as referências do corpo e viram um cabeção imenso.”

Ivaldo tem como missão desmistificar a dança e retomar a idéia de que essa celebração do corpo é instintiva para gente de qualquer idade ou sexo. E também funciona como um belo exercício: dá coordenação motora e espacial, fortalece os músculos, melhora a postura, a saúde cardiovascular, o sono e até a relação sexual. Fomos ver isso na prática. Em academias, salões, palcos e ruas, descobrimos gente que não tem vergonha de se divertir. Inspire-se nessas histórias, aumente o som e crie seus passos. Vale tudo!

Bailacomigo

Não importa o estilo, a idade ou o lugar.

Nem mesmo se você leva jeito. A dança

é democrática – basta gostar. Conheça a

história (e os prazeres) de gente que acertou

o passo e inspire-se a se soltar também

texto A d r i a n a C o r r ê a fotos D a n i e l a To v i a n s k y

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MELHOR QUE PALAVRAS CRUZADAS Foi num baile que Carlos Moya, de 74 anos, e Antônia Grigio, de 60, se conheceram. Ele, que depois de aposentado virou professor de dança, flanava tão lindo pela pista que Antônia não resistiu. Foram poucos passos até que ela virasse aluna, depois namorada. Há cinco anos, casaram-se, e hoje se apresentam por aí. “Gostamos de ritmos animados, como o chachachá”, conta Carlos, enquanto pega Antônia no colo. No repertório também tem tango, bolero e gafieira. “Decorar coreografias é bom para a memória. Melhor do que palavras cruzadas”, diz. Prestar atenção no par também faz bem ao coração. “Dançar nos dá harmonia.”

BALÉ PARA BALZAQUIANASQuando criança, Vanessa Dantas suspirava na janela vendo garotinhas de rosa passar para ir ao balé. O pai não deixava: capricho bobo, dizia. Pois com o primeiro salário comprou uma sapatilha de ponta, e hoje a assistente financeira, de 37 anos, vai à mesma escola com que sonhou na infância. “Ninguém me tira mais do balé”, diz. Sua colega, a tradutora Renata Ho (na foto), de 32 anos, também realiza agora a vontade de menina. “Diziam que eu era grande demais para ser bailarina”, conta. Agora, ela treina o piétiner enquanto lava a louça. “Dou risada quando me falam que, depois dos 10 anos, não é adequado usar collant.”

movimentaras delícias do exercício

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ATÉ SEM SABER DANÇARSim, é lindo flutuar pelo salão. Mas quer saber? Dançar é uma forma de libertação. Pra se divertir, não precisa nem de coordenação. Esse movimento, que tem nomes como dança-feio, freestyle e tecktonic, anda aparecendo em clipes de bandas bacanas, vídeos toscos no YouTube, na balada e até no meio da rua. Basicamente, pede que você não se reprima quando ouvir uma música deliciosa. Imite um robô, resgate a macarena, liberte a Madonna, interprete a letra da canção, invente seus passos e, sobretudo, ria muito de si mesmo. Vergonha? “Pfff...”, desdenha Carlos Santos, designer, de 29 anos, o John Travolta de peruca pink na foto, feita no centro de São Paulo. “Eu pago minhas contas.”

PASSOS COMO HERANÇAA administradora Samira Rimkus, de 26 anos, sai para dançar rock e música eletrônica quase toda semana. Mas nas tardes de domingo, enfeita a cabeça com uma coroa de fitas e veste um traje de lã colorido, cheio de bordados. Com outros 30 amigos mal chegados à casa dos 20 anos, ela entoa cantos numa língua exótica e dança coreografias herdadas dos avós e bisavós, vindos da Lituânia, no Leste Europeu. “Resgato minhas origens pela dança”, conta. Na foto, Samira baila com seu par, o engenheiro Thiago Borysovas Poscai, de 23 anos, cercada pelo grupo, o Nemunas. A turma – todos descendentes de lituanos – usa o que ganha com as apresentações em viagens para conhecer a terra que homenageiam no palco.

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comersabores que confortam

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Sete, oito, comer biscoito

Houve um tempo, nem tão distante assim, em que biscoito era feito em casa. Sequilhos, casadinhos, broas miúdas, roscas de polvilho, redemoinhos bicolores, mentirinhas, amanteigados, bolachas cobertas de glacê branco e açúcar colorido nos dias especiais. Se hoje seu filho acha que biscoito nasce em pacotes, está na hora de tomar uma providência. O prazer de roubar um pedacinho de massa crua e assustar a língua comendo um biscoitinho quente não pode se perder no espaço de uma geração.

Fazê-los em casa não exige grandes habilidades culi-nárias: as receitas pedem basicamente que você misture todos os ingredientes, dê forma às delícias e fique de olho no forno. As crianças participam com gosto: é quase como brincar de massinha, e ainda dá pra comer. Como Laura, de 5 anos, e Gabriela, de 7, as garotinhas das fotos, bem sabem. Com a avó, Alaíde Miguel, aprenderam a fazer bolachas que depois vão ao chá de bonecas e enchem a lancheira da escola. Inspire-se nas tardes delas e nas receitas de fa-mília que resgatamos para recriar suas próprias tradições. Já dá pra sentir o cheiro dos doces assando...

A cozinha cheira a baunilha, a massa é

diversão, as bolachinhas mornas derretem

na boca. Fazer biscoito em casa é uma delícia!

texto d a R e d a ç ã o fotos R o d r i g o B r a g a

QUE BOLACHA DE PACOTE QUE NADA. COM A AJUDA DAS NETAS, LAURA E GABRIELA, ALAÍDE MIGUEL PREPARA NA PRÓPRIA COZINHA UMA FORNADA DE BISCOITOS PARA O LANCHE DA TARDE

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CHOCOLATE E ESPECIARIASCrocantes e cheirosos, esses biscoitosficam melhores ainda se a massadescansar por uma noite antes de assar

INGREDIENTES 3 xícaras de farinha1 1/4 de xícara de cacau em pó2 1/2 xícaras de açúcar de confeiteiro2 ovos grandes levemente batidos1 1/2 xícara de manteiga sem sal1/4 de colher de chá de sal1 colher de chá de canela em pó1/2 colher de chá de cravo em pó1/2 colher de chá de noz-moscada em pó1 colher de chá de essência de baunilhaMODO DE FAZER Numa vasilha, peneire a farinha, o cacau, o sal e as especiarias. Reserve. Bata a manteiga e o açúcar até virar um creme claro, coloque os ovos e a baunilha e mexa bem. Junte a mistura aos ingredientes peneirados e amasse até a massa ficar homogênea. Faça uma bola e embrulhe-a com filme plástico. Deixe descansar por pelo menos uma hora. Esquente o forno ao máximo. Numa superfície lisa, estique a massa com o rolo. Corte com uma forminha. Coloque em uma fôrma e leve à geladeira para que os biscoitos fiquem firmes, por cerca de 15 minutos. Asse de 8 a 10 minutos, até que eles estejam crocantes, mas não escuros.

CASTANHA E BAUNILHAMacios e amanteigados, estes ficamirresistíveis se você passá-los no açúcar de confeiteiro quando ainda mornos

INGREDIENTES 600 gramas de trigo240 gramas de castanha-do-pará

moída no processador400 gramas de manteiga sem sal

em temperatura ambiente120 gramas de açúcar2 gemas 2 colheres de chá de essência de baunilhaAçúcar de baunilha e de confeiteiro

a gosto para polvilharMODO DE FAZER Misture a manteiga, as gemas passadas na peneira, a essência de baunilha, as castanhas-do-pará, a farinha e o açúcar, peneirados. Amasse até ficar homogêneo. Abra a massa com o rolo, não muito fina, e corte com uma forminha. Você também pode fazer rolinhos da largura de um dedo. Coloque os biscoitos em uma fôrma e leve ao forno preaquecido ao máximo. Asse por cerca de 15 minutos – quando começarem a dourar embaixo, mas não muito. Eles ficarão claros e estarão ainda moles quando forem tirados do forno, mas endurecem conforme esfriam.

PRODUÇÃO CULINÁRIA: LUCI SILVA

Levar filhos pequenos para conhecer vulcões, montanhas geladas,

cachoeiras no meio do mato, culturas distantes. Um casal conta como

a aventura de viajar fica mais emocionante quando é feita em família

O mundo é um parque

texto D a n i e l a P e r e i r a

fotos C a i o V i l e l a e A n a B u s c h

viajardestinos que transformam

40

41

TOMÁS JÁ ESCALOU O PICO DA BANDEIRA, visitou as caver-nas da Chapada Diamantina, conheceu os cânions de Apa-rados da Serra, mergulhou em praias, cachoeiras e lagoas Brasil afora. Seu passaporte tem oito carimbos de lugares tão distantes quanto o Irã, onde fez amigas muçulmanas, e a Noruega, em que caminhou no gelo com cães que pa-recem lobos. Na vizinhança da América do Sul, andou pelo deserto no Chile, viu seus primeiros vulcões na Bolívia, conheceu o enorme Aconcágua, na Argentina. Em breve, quer ir ao Egito. E Tomás tem 4 anos de idade.

Viajar foi o que aproximou os pais desse turista mirim. Quando se encontraram, a jornalista Ana Busch e o fotó-grafo Caio Vilela, de São Paulo, já conheciam meio mundo e planejavam chegar a muitos outros destinos. Juntaram as malas e, quando veio a gravidez, fizeram um pacto: nunca deixariam de fazer aquilo de que tanto gostavam, mesmo com as complicações de viajar com crianças. Três meses depois de nascer, Tomás já caía na estrada com os pais.

Primeiro, viagens curtas. Bem acomodado em uma mo-chila ou no bebê-conforto, Tomás acompanhou Caio e Ana em destinos de aventura de nordeste a sul, como o Parque Nacional de Caparaó, em Minas Gerais, onde subiu a mais de 2 mil metros de altitude. Conheceu praias quase deser-tas onde mergulhava com o sol nascendo, dormiu em redes, ensaiou passos em trilhas. “O primeiro banho de cachoeira de Tomás foi aos 3 meses, em Parati, no Rio”, lembra Caio. “Fez cara feira porque saiu do quentinho para a água fria. No fim, era só alegria”, conta. “Hoje, parece um peixe!”

Para quem não se arrisca com os filhos além da pracinha ou do shopping, parece loucura. Que nada. Bebês e crianças se adaptam muito mais facilmente a climas e al-titudes diferentes. Claro que viajar com os pequenos exige um planejamento detalhado (e um mundaréu de acessó-rios para garantir o conforto e a segurança deles). Mas, com organização e respeito ao ritmo dos filhos, é possível, sim, alargar os horizontes e fugir do óbvio. “Curtimos o caminho, muito mais do que chegar”, conta Ana.

As viagens mais distantes começaram depois do pri-meiro ano de Tomás. Como a ida ao Irã, onde, sem estranhar os véus das muçulmanas, ele se aproximava para fazer amizade. “Para o Tomás, não há diferença de roupas, cultura nem religião”, conta Ana. Aprender o respeito à diversidade e se sentir em casa em qualquer lugar do mundo é a melhor lembrança. “Isso o ensinou a experimentar tudo, sem medo de errar”, diz Ana. Há quase um ano, os gêmeos Artur e Martin chegaram à família. As viagens vão continuar. Para estas crianças, o mundo é um grande parque de diversões.

TOMÁS DESCOBRE A IMENSIDÃO DO VULCÃO LICANCABUR, EMOLDURADO PELO AZUL DO CÉU E PELO VERDE DA LAGOA ALTIPLÂNICA, NA BOLÍVIA

viajardestinos que transformam

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À ESQUERDA, O PRIMEIRO BANHO DE CACHOEIRA DE TOMÁS, NOS BRAÇOS DO PAI, EM PARATI, NO RIO DE JANEIRO. ABAIXO, UMA CORRIDA NA SINAGOGA MASJED-E-JAME, EM TEERÃ, NO IRÃ. AO LADO, FAMÍLIA REUNIDA: CAIO, TOMÁS, ANA E OS GÊMEOS ARTUR E MARTIN VIAJAM POR TIBAGI, NO PARANÁ

COM TOMÁS ÀS COSTAS, CAIO FAZ UMA PARADA PARA DESCANSO NA CACHOEIRA, EM UMA TRILHA DE CAPARAÓ, EM MINAS GERAIS. EQUIPAMENTOS COMO A MOCHILINHA AJUDAM A COMPLETAR O PERCURSO. JÁ A ROUPA APROPRIADA (À DIREITA) ESPANTA ATÉ MESMO O FRIO DE GRAUS ABAIXO DE ZERO, EM SVALBARD, NA NORUEGA. A LIÇÃO DE ANA E CAIO? ORGANIZAÇÃO E PACIÊNCIA. ASSIM, NÃO HÁ DIFICULDADE QUE IMPEÇA A FAMÍLIA DE CHEGAR A QUALQUER DESTINO

Pequenos em toda parte

Inspirados por essas viagens, o casal fez o livro Um Mundo de Crianças, em que conta como é a vida delas em vários países. Os textos são de Ana e as fotos, de Caio.

ACIMA, À ESQUERDA, AS CORES DO DESERTO DE ATACAMA, NO CHILE, DURANTE O PÔR-DO-SOL. ACIMA, NO COMEÇO DA TRILHA PARA O PICO DO ACONCÁGUA, O PONTO MAIS ALTO DO HEMISFÉRIO SUL, NA ARGENTINA. AO LADO, OFERECENDO SEU BICHO DE PELÚCIA, TOMÁS FAZ AMIGAS NA PRAÇA EMAN, EM TEERÃ, NO IRÃ

aprenderidéias para pensar

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Quem planta colhe. Estava escrito nas estrelas. Aqui se faz, aqui se paga. Deus quis assim... Há várias expres-sões populares que tentam explicar os motivos pelos quais as coisas acontecem em nossa vida. Elegemos as preferidas de acordo com nossa fé. Alguns ditados refletem a crença de que o destino já está traçado e que temos de nos sujeitar ao que nos foi reservado. Outros se apóiam na convicção de que as conquistas e as frustrações são conseqüência direta das escolhas que fazemos no decorrer da vida. Qual explicação você prefere?

A postura fatalista parece ser mais reconfortante nos momentos ruins. Acreditar que até mesmo as catástrofes são vontade divina ajuda

As coisas são porque

têm de ser, ou a gente

pode escolher outros

caminhos? Descubra

como as religiões

explicam a relação

entre estar predestinado

e exercer o livre-arbítrio

texto C a m i l a G o l s t e i n

e D i l s o n B r a n c o ilustração A d r i a n a K o m u r a

O destino e as escolhasa aceitá-las e, talvez, a superá-las – afinal, segundo outro ditado, Deus escreve certo por linhas tortas. Já quem acredita no livre-arbítrio, ou seja, na liberdade individual de criar a história da própria vida, talvez sofra mais diante de um infortúnio, mas possivelmente comemore com vigor dobrado os êxitos, por considerá-los a coroação de seu esforço pessoal.

Os dois pontos de vista parecem opostos, e, de fato, algumas religiões são mais identificadas com um ou outro. No calvinismo, por exemplo – doutrina cristã criada por João Calvi-no, no século XVI, que influenciou as igrejas metodista e presbiteriana –, o homem já nasce encaminhado à sal-vação ou à danação, mas só conhece

Mais do que permitir nossos prazeres individuais, o livre-arbítrio nos daria a chance de fazer o bem e, assim, evoluir espiritualmente

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conciliação dessa idéia com a do livre-arbítrio é aparentemente contraditó-ria. Afinal, se o Criador já sabe o que vai acontecer em na sua vida, não haveria espaço para improvisos. Uma parábola, porém, ajuda a refutar essa lógica: antes de uma viagem, um homem leva seu carro a uma oficina. O mecânico encontra uma falha no motor e prevê que em poucos quilômetros o automóvel vai pifar. O motorista, porém, não faz o con-serto. Em questão de minutos, ele está parado no acostamento. Quem causou a pane? O mecânico, simples-mente porque já sabia o que iria acon-tecer? Ou o motorista imprudente? Moral da história: para essas crenças, Deus não impede ninguém de fazer nada, mesmo quando vai de encontro (ou contra) ao que ele planejou.

As religiões que pregam a existên-cia de ciclos de reencarnação, como o

espiritismo, o budismo e o hinduísmo, vêem na liberdade de escolha uma das chaves para a evolução espiritual. É ela que nos permite oferecer o melhor de nós a cada momento, a cada escolha, num processo que os espíritas cha-mam de reforma íntima. Mais do que viabilizar nossos prazeres individuais, o livre-arbítrio nos propiciaria a chan-ce de fazer o bem ao universo, se tiver-mos em mente que nossas liberdades acabam onde começam as dos outros. Essa é uma das práticas que levariam à união com o sagrado – o final feliz reservado para cada um de nós.

Com se vê, o livre-arbítrio e o destino parecem tão complementares quanto contraditórios. Pense bem: se o futuro já foi escrito, mas não foi revelado, isso não o obriga a tomar decisões no escuro a todo instante? Só sua fé pode dar as respostas. Escolher ou não, eis a questão.

sua sorte depois da morte. (Impa-cientes em esperar a sentença, seus seguidores passaram a acreditar que a riqueza era sinal de ter sido escolhi-do por Deus. Por isso, valorizavam o trabalho, o que associou a doutrina ao desenvolvimento do capitalismo.)

A maioria das religiões, no entan-to, tenta conciliar as duas maneiras de enxergar o futuro. Muito parecido em todas elas, o raciocínio pode ser exem-plificado com esse versículo do Corão, o livro sagrado dos muçulmanos: “Em verdade, assinalamos ao homem um caminho, quer seja agradecido, quer seja ingrato”. Ou seja, há um plano divino para que o ser humano atinja a iluminação espiritual, mas depende de cada um seguir ou não esse rumo.

Em doutrinas como o cristia-nismo, que se baseiam na figura de um Deus onisciente – que conhece tudo, inclusive o que está por vir –, a

brincarpequenos grandes prazeres

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Coragem para ser felizHá textos, músicas e filmes que nos transformam. Aqueles que deixam a gente arrepiado, com

os olhos marejados, cheios de idéias. Que dão uma vontade enorme de sair correndo, abraçar

uma causa, mudar de vida. Quer encontrar essa coragem? A lista nestas páginas pode ajudar.

texto d a R e d a ç ã o

Para encontrar a força

A Cor Púrpura. Livro de Alice

Walker, Marco Zero Editora.

Filme de Steven Spielberg, EUA,

1985. A vida de Celie é feita de

tragédias e opressão, que ela

descreve em cartas para Deus

e uma irmã distante. Mas duas

amizades a ajudam a transformar

o sofrimento em força e sabedoria

para redescobrir seu valor, libertar-

se do medo e se abrir para a vida.

Para dizer: dane-se!Pequena Miss Sunshine. Filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris, EUA, 2006. Trilha sonora, Lakeshore Records. Na tela, é a ótima história de uma família desajustada em uma viagem desastrosa. No som, a trilha do compositor Mychael Banna e da banda DeVotchKa começa melancólica, mas cresce para uma pressa animada, que faz a gente sentir que as coisas ainda podem tomar jeito – e, se não der, dane-se!

Para viver um grande amorO Casamento de Muriel.

Filme de P. J. Hogan, Austrália,

1994. Muriel é uma garota

com uns quilos a mais, uma

família disfuncional e nenhuma

perspectiva que passa os dias

ouvindo Abba e sonhando com

um casamento. Cansada de esperar

a vida acontecer, foge de casa com

a melhor amiga. Em suas aventuras

atrás do príncipe encantado, acaba

encontrando o amor-próprio.

Para enfrentar o mundoO Sol É para Todos. Livro de Harper Lee, José Olympio Editores. Filme de Robert Mulligan, EUA, 1962. Nos anos 1930, a pequena Scout observa o cotidiano de sua cidade com o olhar ora ingênuo, ora perspicaz da infância. A quietude do lugar muda quando seu pai, o advogado Atticus Finch, sai à defesa de um homem falsamente acusado de um grave crime. Clássico!

Para se libertar daquele pesoPost Secret. Blog no site postsecret.blogspot.com. O sociólogo americano Frank Warren distribuiu, em 2005, 3 mil cartões-postais em branco, pedindo que qualquer um contasse ali um segredo e o enviasse anonimamente a ele. Recebeu milhões de confissões em forma de arte, que se transformaram num dos blogs mais populares da internet. Divertido e libertador.

© D

ivul

gaçã

o/Re

prod

ução

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Para assumir um sonhoBilly Elliot. Filme de Stephen Daldry, Inglaterra, 2000. Num subúrbio inglês, pobre e machista, Billy, de 11 anos, descobre que bom mesmo é o balé e não o boxe. Ensaia escondido, é descoberto e proibido de continuar. Para convencer o pai a aceitar, Billy precisa de coragem. E a família, para apoiar o menino bailarino, também. Para rir, torcer e chorar.

Para superar o medoO Mágico de Oz. Livro

de L. Frank Baum, Ediouro.

Filme de Victor Fleming,

EUA, 1939. Durante a

passagem de um tornado,

Dorothy vai parar na

estranha Terra de Oz,

onde faz três amigos:

o Espantalho, o Homem de

Lata e o Leão Covarde. Para

levá-la de volta, eles precisam

enfrentar uma jornada com

todas as suas inseguranças –

e descobrem uma força que

nem imaginavam ter.

Para quebrar as regrasSociedade dos Poetas Mortos. Filme de Peter Weir, EUA, 1989. Na década de 1950, um professor de literatura transforma a vida de seus alunos, garotos cheios de sonhos reprimidos pelas regras rígidas da escola e da família. Com poesia e humor, ele estimula a turma a contestar o que é dado como certo, tomar suas próprias decisões e aproveitar cada instante.

Para perder a vergonha

A Bolsa Amarela. Livro de Lygia

Bojunga, Editora Casa Lygia

Bojunga. A menina Raquel tem

uma família que não se interessa

por ela e uma porção de vontades

perturbadoras: de ser garoto, de

escrever, de crescer logo. Ao ganhar

uma bolsa, esconde nela seus

segredos. Mas amigos especiais a

ensinam que é melhor assumi-los.

Lição de vida para qualquer idade.

Para encarar a vidaSunscreen. Vídeo institucional da

agência DM9DDB, 1999. Disponível

em www.youtube.com e também

conhecido como Filtro Solar, é um

discurso de formatura que virou texto

de jornal, que virou música, que virou

vídeo publicitário, que virou um hit na

internet. Em sete minutos, conselhos

bem-humorados e sensíveis para levar

a vida animam os dias mais cinzas.

Para vencer a dorO Ano do Pensamento Mágico. Livro de Joan Didion, Editora Nova Fronteira. Poucas semanas depois de ver a filha única vítima de uma grave doença, o marido da prestigiada escritora americana Joan Didion sofre uma morte súbita. Nesse romance autobiográfico, ela conta as estratégias para superar a perda e seguir vivendo num cotidiano cercado de lembranças.

brincarpequenos grandes prazeres

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CONTROLAR O VÔO DE UM FRÁGIL PEDAÇO DE PAPEL é uma brincadeira que fascina a humanidade há milênios. Acredita-se que a pipa tenha sido criada por povos orientais na Antiguidade, por motivos místicos e religiosos, como trazer a boa fortuna. Séculos depois, ela inspirou cientistas e inventores: Benjamin Franklin fez experiências com papagaios antes de criar o pára-raios, e Santos Dumont os teria observado para construir o primeiro avião, o 14 Bis. Mas moti-vações sérias como essas são exceção: apesar de ter perdido espaço nos céus da cidade, a pipa continua divertida como sempre para crianças mundo afora. Aprenda a fazer uma e relembre como era bom ser levado pelo vento.

Você precisa de:# papel de seda# tesoura# duas varetas de bambu de 40 cm# cola# linha para pipa

Como fazer1. No papel de seda, recorte um quadrado de 40 centímetros de lado. Cole uma das varetas em uma das diagonais.

2. Envergue a segunda vareta. Amarre um pedaço de linha ligando as duas pontas para que ela permaneça curvada. Cole-a na outra diagonal do papel.

3. Faça dois pequenos furos no ponto onde as duas varetas se encontram, um de cada lado. Passe a linha pelos buracos e dê um nó, sem cortá-la. O fio deve ficar para o lado da pipa onde não há varetas.

4. Meça cerca de 55 cm de linha, a partir do nó, amarre na ponta de baixo da vareta reta e corte a sobra. Então, a partir do nó, meça cerca de 15 cm de fio, e nesse ponto amarre a linha para puxar a pipa.Para fazer a rabiola, recorte tiras de papel, amarre-as numa linha e prenda-a na ponta de baixo da vareta reta.

+ Para empinar, só é preciso vento e espaço aberto. Peça a um ajudante que segure a pipa inclinada a favor do vento, e, quando sentir uma corrente vindo, puxe a linha. Conforme a pipa for subindo, vá dando linha. Se ameaçar cair, recolha um pouco dela – o importante é sempre manter essa tensão com a força do vento.

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texto d a R e d a ç ã o ilustração V a n e s s a R e y e s / E s t ú d i o M O L

Leve como o vento

“Eu amo comer fruta direto do pé. Minha lembrança mais antiga desse prazer é de duas imensas pitangueiras na Casa do Bandeirante, um museu onde meu pai me levava, em São Paulo. Eu e meu irmão brincávamos por horas ali. Nas férias ia pro Rio, onde passava tardes em cima das velhas mangueiras do quintal da minha avó. Depois, na época da faculdade, me mudei para São Carlos (SP). O campus tinha pés de jabuticaba, manga, jaca, pitanga, goiaba, caju, nêspera, laranja, limão-cravo e mexerica, que faziam a minha alegria – e a de outros alunos e funcionários.

Quando voltei para São Paulo, mantive o hábito de olhar para a cidade em busca de árvores e frutas. Tem tamareiras na Brigadeiro Luís Antônio, mangueiras no terminal de ônibus da

Praça da Bandeira e goiabeiras no canteiro central da Avenida dos Bandeirantes. Quando as frutas estão na época, e tenho tempo, eu as apanho – claro que, se estiver a caminho do trabalho, fica difícil saborear uma jaca ou uma manga, que suja muito...

As pessoas costumam achar esse hábito estranho – até minhas filhas, que às vezes me acompanham, me acham maluco. Uma vez estava comendo nêspera na calçada quando um policial me repreendeu: “Não pode fazer isso aqui!”. Depois explicou que a dona da casa em frente havia me considerado um indivíduo suspeito... Perguntam se não é sujo, falam da poluição, da chuva ácida. É claro que quem come fruta no pé não lava. Mas cria anticorpos – palavras da minha mãe!”

texto R i c a r d o R i b e i r o * Foto R o d r i g o B r a g a

*Ricardo tem 33 anos, é paulistano, biólogo e realmente comeu meia jaca no dia da foto

Comer fruta no pé

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BRAYHAN SANTANA SILVA tem 7 anos.

É de Campo Grande, capital de Mato

Grosso do Sul. Aprendeu a ler faz pouco

tempo e ainda acha algumas palavras

difíceis. Prefere os gibis do Cascão, em

que ele corre da chuva, e adorou João

e o Pé de Feijão. “Porque o João ajuda a

mãe”, explica. Na escola, só quer saber

de matemática. Gosta de jogar bola,

de esconde-esconde e de brincar de

polícia e ladrão com os primos – espe-

cialmente depois que eles criaram a

regra em que o mocinho não apenas

precisa pegar o bandido, mas também

cuspir água nele, guardada nas boche-

chas bem cheias. Quando crescer, está

decidido a jogar no São Paulo. Não

tem medo de filme de terror, mas ba-

leias assassinas o apavoram, mesmo

sem nunca ter visto o mar. Adora vi-

deogame. “Dos jogos de moto, porque

ela empina, e de carros, porque derra-

pam”, recomenda. Seu prato preferido

é bife com batata frita. “Gosto de tudo,

menos de cebola”, confessa. Não can-

sa de assistir a Esqueceram de Mim

e morre de rir com as armadilhas que

o Pica-Pau prepara. Queria muito an-

dar em um trem-fantasma, mas a

mãe ainda não deixa. “Nunca fui na

minha vida inteira!”, protesta. Tem

dois vira-latas, o Bambic e a Fofinha, e

um hamster. Teve outro rato, mas um

gato comeu. Quando está em casa,

gosta de desenhar no pé do pai, como

se fosse tatuagem. Com a irmã, Bren-

da, de 4 anos, monta barracas com ca-

deiras e cobertas, brinca de carrinho

e de dar banho nas bonecas. Há nove

meses, Brayhan está em tratamento

no hospital do Graacc. Se por acaso

encontrar a lâmpada do Aladin por

aí, vai pedir primeiro para ser curado.

Depois, para acabar com a poluição

e, por último, um teclado. Já sabe tocar

o dó-ré-mi-fá e Atirei o Pau no Gato.

Ele é uma dos milhares de crianças

que você ajudou ao comprar Sorria.

Obrigada.

© 1

Rodr

igo

Brag

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Arq

uivo

Pes

soal

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Preencha e envie esta ficha para o fax nº 0800 771 7258. Se preferir, envie pelo correio para a Rua Botucatu, 743, São Paulo, SP, CEP 04023-062

ou acesse o site www.graacc.org.br e faça a sua doação.

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