Sorocaba às vésperas da emancipação de escravos
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CENTRO UNIVERSITÁRIO NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIOFACULDADE DE EDUCAÇÃO
HISTÓRIA
Patrícia Leardine
SOROCABA ÀS VÉSPERAS DA EMANCIPAÇÃO DE ESCRAVOS:UMA ANÁLISE DO DIÁRIO DE SOROCABA
Trabalho orientado por Fábio Casemiro.
ITU2010
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Introdução
"(...) a ignorância do passado não se limita a prejudicar a compreensão dopresente; compromete, no presente, a própria ação".
Marc Bloch
Perguntei-me o que poderia ter acontecido aos escravos em Sorocaba após a
emancipação. Inicialmente, percebia que compreender tal processo era buscar por
eventos muito específicos numa realidade feita no plural.
Decidi utilizar algumas edições do Diário de Sorocaba considerando que, “A
imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida
social”1.
Utilizar os jornais não é fazer uma pesquisa sem rigor, tampouco é preciso
verificar verdadeiro ou falso como a produção histórica tradicional pedia. Segundo
Capelato, "todos os documentos são ao mesmo tempo, falsos e verdadeiros”2. A tarefa é
chegar à construção do significado aparente, analisar as condições de produção da fonte.
Através das edições do Diário de Sorocaba3 pretendo analisar como o jornal vê o
negro, escravo e liberto às vésperas do fim da escravidão. Durante a pesquisa a
novidade veio: Sorocaba havia emancipado seus escravos um ano antes de maio de1888. Mas por quê? Carlos Cavalheiro4 conta que,
"Às portas da abolição da escravatura, a cidade de Sorocaba já possuíaalgumas fábricas, uma das quais era têxtil de grande porte, uma estrada deferro, capital obtido com o tropeirismo (tanto no mercado de animais comona prestação de serviços e no comércio em geral) e com a produção ecomércio de algodão".
Nesse contexto de firmamento capitalista os escravos eram mais custosos porque
correspondiam a um capital que, segundo Prado Junior5, dura a vida de um indivíduo
numa forma de “adiantamento em longo prazo” de seu trabalho, enquanto que o
assalariado trabalha sem o adiantamento, portanto, o capitalismo dispensaria a
escravidão.
1 CAPELATO, Maria Helena Rolin. A imprensa na história do Brasil . São Paulo: EDUSP, 1988.2 Ibid.3 Publicações de 20 a 24 de dezembro de 1887 e de 27 a 28 de dezembro de 1887.4
CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra emSorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.5 PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.
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Segundo Cavalheiro6, a modernização capitalista se intensificou em Sorocaba a
partir do cultivo do algodão, do surgimento de máquinas, do processo de urbanização, e
também do surgimento de outras indústrias, usando o trabalho livre e assalariado. O
cultivo também precisava do transporte por ferrovia, o que implicou numa rede de
modernizações na cidade.
Segundo Andrews7, anos depois da emancipação da colônia, o tráfico de
escravos é proibido (1831), mas a lei é desobedecida. Somente em 1850 acontece o fim
do tráfico no Brasil, e o comércio de escravos continua acontecendo internamente.
Nesse momento, aumenta a pressão diplomática para abolir a escravidão. Iniciam-se as
concessões de liberdade: os escravos passam ter a oportunidade de serem ouvidos em
tribunais. Rebeliões, que anteriormente já ocorriam, continuam existindo. Diante de
uma população escrava exigindo sua libertação, a elite se preocupa com revoltas e sobre
um "futuro" após a abolição.
Segundo Cavalheiro8, após a proibição do tráfico, Sorocaba começa a receber
escravos de outros estados brasileiros. Quanto ao número, Straforini9 comenta que o
abastecimento de escravos era menor, pois a sociedade estava baseada na atividade
tropeira e na pequena propriedade rural. O escravo negro em Sorocaba foi usado tanto
no campo como na cidade. Havia escravos de ganho e artesãos. Na indústria,
trabalharam na fábrica de ferro (Fábrica de Ferro de São João do Ipanema), na produção
de chapéus e têxtil, como comenta Cavalheiro10.
No processo para alterar as condições escravistas, havia defensores da causa
como também os que eram inflexíveis. Porém, os escravos também tentaram mudar
essas condições. Segundo Cavalheiro11, exigiam melhoria no trabalho, atraiam donos
para conseguirem carta de alforria, acumulavam ganhos para comprar a liberdade,
fugiam, organizavam levantes, quilombos, ou então, viam através da morte outra vida:
contraiam doenças incuráveis ou cometiam suicídio.
6 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra em
Sorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.7 ANDREWS, George Reid. Escravidão e abolição, 1800-1890. In Negros e brancos em São Paulo(1888-1988). São Paulo: EDUSC, 1998.8 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra em
Sorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.9 STRAFORINI, Rafael. No caminho das tropas. Sorocaba: TCM, 2002.10
CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra emSorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.11 Ibid.
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Ócio, vadiagem e desordens
Pretendo começar esta pesquisa analisando os artigos que tratam sobre as
questões de ócio, vadiagem e desordens de negros, escravos e libertos.
O comentário do Jornal dos Economistas (Rio de Janeiro) publicado na capa da
edição de 20 de dezembro de 1887 em comemoração ao aniversário do Diário de
Sorocaba diz que, “(...)É um dos jornaes da provincia que muito se sobresahe, pela parte
activa que toma nas discussões dos problemas economicos e sociaes que pendem de
solução em nosso paiz". Esse é apenas um artigo para podermos começar a
compreender a existência de articulações entre jornais de outras províncias:
compartilhamento de questões políticas da época.
Ainda nessa edição, outro artigo traz uma citação do Jornal do Commercio
(Porto Alegre) sobre “as maiores necessidades que nos opprime”: a questão dos
escravos em meio às pressões de cessar a escravidão, enquanto se perguntavam o que
fariam com seus criados e futuros libertos:
Quando se trata de libertar os escravos que ainda existem para provincia, ènecessário que tambem alguma cousa so faça no sentido de, garantindo obem-estar social, obrigal-os, libertos, ao trabalho12.
O mesmo artigo sugere a criação de colônias e estabelecimentos em que libertos
encontrem trabalho e "sejam a elle obrigados", é a ideia de que é incorreto libertar
escravos sem providências que garantam trabalho aos libertos, pois se acreditava que
eram inclinados ao ócio e desordem.
Há uma queixa sobre a "criadagem" que afirma que antes os escravos não
levantavam "clamores", mas agora com os libertos, "poucos elles servem", retiram-se ou
deixam a família (acreditavam que se o escravo não fugia era porque tinha medo dos
castigos).
Um abolicionista teria mencionado que a necessidade os levaria ao trabalho, e
que a província tampouco sofreria com a libertação. O artigo discorda, “(...) poderiamos
oppôr innumeros factos passados n'esta capital, onde crescido numero de libertos
preferem a ociosidade ao trabalho, tornando-se assim elementos de desordens”13.
12 Diário de Sorocaba, 20 de dezembro de 1887.13 Diário de Sorocaba, 20 de dezembro de 1887.
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Apesar dessa associação, o artigo concorda com a libertação, sendo o trabalho livre “o
único admissivel".
“(...) Acostumou-se a pensar que os escravos não estariam prontos para a vida
em liberdade. Entretanto, parece ser o contrário: os proprietários é que não estavam
preparados para viver sem eles”14. Era essa preocupação com a transição de trabalho
que escorria dos artigos do Diário de Sorocaba às vésperas da emancipação.
Contudo, não era somente através da obrigação ao trabalho que o jornal
representava o escravo e negro naquele momento. No artigo Magistratura15, um juíz da
comarca de Palma que “nunca julgou um só caso” é retratado como um suplente de cor
preta que mal escreve o nome. Não coincidentemente, destacar a cor e a incapacidade
era importante. Em outro, trechos do Diário de Notícias da Corte contam sobre mulher
que abandonou parto por saber que a paciente era escrava. Dentre anúncios sobre
presuntos, sabonetes, querosenes, sandalhas, lampeões elétricos, cigarros, alguém
precisava de um quitandeiro “livre ou escravo”.
Na edição de 21 de dezembro de 1887, o artigo “Não temos policia” opina sobre
uma desordem ocorrida na Estação Sorocabana em que as pessoas estavam armadas, e
segundo Aluísio de Almeida16, tentavam embarcar os escravos, mesmo contra a vontade
de polícia:
A' sahida dos trens da manhã e uma hora agglomeram-se grupos de mais de300 pessoas armadas de cacetes, garruchas e navalhas que ameaçam à entradada estação sorocabana, todos quantos presumiam que iam alli impedir oembarque de escravos e depois percorrem a cidade em gritaria infernal.A policia, ou por sentir-se fraca, ou por ciminoso pacto com os anarchistas,nem lá apareceu! Triste! Triste!
Ainda na edição, um aviso sobre a Reunião Emancipadora, que acontecerá dia
25 de dezembro na Câmara Municipal, promete resolver a situação dos escravos e
impedir a vadiagem “não se permittindo vagarem pelas ruas sem occupação honesta
individuos de qualquer côr ou nacionalidade”17.
14 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra emSorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.15 Diário de Sorocaba, 20 de dezembro de 1887.16 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra em
Sorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008. Apud ALMEIDA, Aluísio de. A feira de 1852: as feiras e os jornaisda época. In Cruzeiro do Sul, 04 de janeiro de 1981, p.13.17 Diário de Sorocaba, 21 de dezembro de 1887.
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Outro conflito, dessa vez entre duas mulheres, aparece na edição do dia 23 de
dezembro. Na rua Santa Clara, uma “preta” teria atacado uma mulher com um cabo de
vassoura:
(...) a preta armada de uma cabo de vassoura convidou a dita mulher a fim dereceber - aquelle genero de pagamento; a mulher, porem vendo a moeda, nãoquiz entrar. Após algumas trocas de palavras, sahiu a dita preta enfurecida,derrubou a mulher, que pelo que parece achava-se um pouco alcoolisada,montou-a sobre a mulher que então cahira de costas, e peguando-lhe nagarganta pretendia estrangular (...)18
18 Diário de Sorocaba, 23 de dezembro de 1887.
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Manumissões
Às vésperas de emancipação de escravos os artigos que anunciavam as alforrias
de escravos são publicados em todas as edições sob o título de “Manumissões”.
Francisco, Quirino, Vicente, Joanna e Paula são anunciados na edição do dia 21 de
dezembro como libertos. Estão sob a condição de prestarem serviços por mais um ano.
Sob as mesmas condições, David, José, Candido, Brasilio, Amadeu, Firmino, Armindo,
Antonio, Ignez, Elisa, Gertrudes, Brasilia, Francisca "parda" e Francisca "preta". O
artigo ainda menciona o coronel Francisco Ferreira Prestes concedendo a liberdade a
todos os trinta escravos, inclusive aos já fugidos!
Mais declarações de manumissões são vistas em outras das edições analisadas.
Alguns ainda estavam sob a condição de prestarem serviços, tendo escravos que
receberam e não receberam suas cartas de alforria.
O dia 23 de dezembro anunciava a escrava Benedicta, 25 anos, comprando sua
liberdade por 100$000, e enquanto outros “libertos” estavam sob prestação de serviços,
um proprietário concedia liberdade sem cláusula a sua escrava, Rita, 38 anos.
As alforrias ocorriam em massa (entre 1885 e 1887), conta Cavalheiro19. As
condicionais diziam que o escravo deveria servir por alguns anos, o que dava
"segurança" ao seu proprietário, "isso porque se acreditava que os escravos não estavam
preparados para a vida em liberdade dado suas más inclinações"20.
Até a edição de 25 de dezembro, as manumissões acompanham um aviso aos
proprietários de escravos na cidade. Os artigos anunciam e convidam à “Reunião
Emancipadora” que acontecerá no Natal, “afim de resolver -se pacificamente a
emancipação completa de escravos (...) sem desorganização do trabalho”21. Na edição
do dia da Reunião, o aviso ainda enfatiza que os propósitos são “altamente humanitarios
e civilisadores”. A partir dos artigos do Diário, percebemos que o público que o jornal se
destinava fazia parte da classe proprietária da sociedade sorocabana, mas isso não quer
dizer que não pudessem existir outros leitores. Contudo, os avisos eram exclusivos aos
proprietários de escravos, e havia outros artigos de leitores e correspondentes que
discutiam assuntos econômicos, estrangeiros, publicados, às vezes, misturando francês
19 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra em
Sorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.20 Ibid.21 Diário de Sorocaba, 22 de dezembro de 1887.
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ou alemão ao português. Sem falar dos “Folhetins”, capítulos de romances que
prezavam “bons costumes” e delineavam suas histórias à sociedade católica, como em
“Como ella o amava”22, uma narrativa sobre soldados, tiros, Igreja e boas moças que
foram possuídas por demônios.
O artigo “Educação do Povo”23 valoriza o estudante segundo "idéias adiantadas
nos ramos que avançam para atingir a inteligência dos homens: noção do justo (direito),
princípios corretos (política), prolongar a vida (medicina), riquezas do povo (artes)”. Já
o Colégio do Santíssimo Coração de Jesus, pago e somente para mulheres, baseia-se na
“educação intelectual" tanto para o lar como para a sociedade24. Esses artigos têm seu
caráter liberal e elitista, pois fazem parte de uma realidade muito diferente dos escravos,
libertos e trabalhadores pobres. Em exemplo de oposição à cultura religiosa popular, o
artigo "Spiritismo"25 declarava que um homem teria saltado de um navio no Rio de
Janeiro por conta de "perseguição dos espíritos", esse é colocado como vítima da
"perigosa monomania spirita".
Apesar do teor abolicionista, segundo Cavalheiro26, posição mais clara a partir
de 1885 quando o Diário está contra abolição apressada e formas ilegais de tirar o
escravo do cativeiro, o jornal ainda não cede espaço aos valores culturais dos negros ou
libertos.
22 Diário de Sorocaba, 21 de dezembro de 1887.23 Ibid.24 Diário de Sorocaba, 23 de dezembro de 1887.25
Diário de Sorocaba, 28 de dezembro de 1887.26 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra emSorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.
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Sorocaba Redimida
O artigo “Sorocaba Redimida” dizia às vésperas da emancipação de escravos
que,
(...) Os genuinos sorocabanos, os legitimos herdeiros de um nome glorioso,bem assim aquelles que vieram conviver comnosco na vida do trabalhohonesto, nunca basearam as suas fortunas no sólo regado com o alheio esangrento suor27.
Porém, Sorocaba já havia sido regada sobre o alheio e sangrento suor. Para
Cavalheiro28,
"(...) é comum a tradição oral afirmar que como em Sorocaba não haviagrandes culturas agrícolas e, portanto, a economia estava calcada naprestação de serviços, no comércio e outras atividades (como artesanato,indústrias, criação de gado...) os escravos ou eram chamados 'de ganho' oudomésticos. Então, não eram maltratados, não sofriam preconceito, não eramdiscriminados".
Construída por escravos, Sorocaba só estaria “redimida” a partir da emancipação
para o trabalho livre e assalariado. Em 27 de dezembro de 1887, o artigo “Sorocaba
Redimida” vem celebrar a libertação:
Calorosos bravos se ouviram de todos os angulos do salão, e serenada acommoção electrica que produziram as palavras eloquentissimas do illustrerepresentante d'este districto, muitos fazendeiros concederam liberdadeincondicional a seus escravos e outros reduziram a um anno o praso deliberdade anteriormentes concedidas.
Segundo o artigo, essa decisão refletia a união entre senhores e escravos. O texto
glorificava a história sorocabana e o presidente da Assembleia, Ferreira Braga, que
discursou durante a Reunião. O mesmo artigo afirmava que foram declaradas 460 cartas
de liberdade que seriam entregues aos escravos no dia 1 de janeiro.
Quanto aos festejos de libertação de escravos, Capelato29 conta que,
“(...) os interesses que efetivamente nortearam o projeto abolicionista não
aparecem: as antigas e constantes pressões da Inglaterra, as exigências dos
27 Diário de Sorocaba, 24 de dezembro de 1887.28
CAVALHEIRO, Carlos C. A escravidão negra em Sorocaba. In Biblioteca Sorocabana - História. v.1.Sorocaba: Crearte, 2005.29 CAPELATO, Maria Helena Rolin. A imprensa na história do Brasil . São Paulo: EDUSP, 1988.
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setores mais dinâmicos da economia (cafeicultores paulistas, em especial) aosquais convinham novas relações de trabalho - estes e outros fatores queexplicam o movimento abolicionista não são mencionados nas páginas dos
jornais”.
Portanto, a “redenção” de Sorocaba se relacionava com a festividade do Natal de1887, e o acontecimento só foi possível graças aos libertadores de escravos, o que
legitimava os feitos dos abolicionistas e ex-proprietários de escravos, desconsiderando,
mesmo que implicitamente, a participação dos próprios escravos nesse processo. No
artigo “Festa de Natal”, a comemoração e a missa "Concorreu sem duvida para isso o
facto grandioso da Redempção da cidade"30.
Ainda no artigo “Sorocaba Redimida”, a aposta ao trabalho do imigrante é citada
como a "concessão illimitada para a introducção de immigrantes". Cavalheiro31 explica
que ao mesmo tempo em que acontecem os debates abolicionistas, surgem projetos que
facilitam a entrada de imigrantes. Segundo Fausto32, a opção pela mão-de-obra
imigrante em regiões de economia dinâmica refletiu em desigualdade social negra, pois
o término da escravidão não suprimiu o problema dos negros, pelo contrário, reforçou o
preconceito.
Azevedo diz sobre a transição de mão-de-obra que,
“Até meados da década de 1880 temos como enfoque privilegiado aescravidão, o negro e sua rebeldia, o movimento abolicionista e as sucessivastentativas imigrantistas, enfim, o chamado momento de transição para oestabelecimento do trabalho livre. A partir da data abolição, o tema datransição deixa subitamente de existir e o negro, como que num passe demágica, sai de cena, sendo substituído pelo imigrante europeu. (...)”
33.
Entretanto, a imigração incentivada era, essencialmente, a imigração europeia.
No artigo "A Loucura na China"34 afirma-se que os chineses não seriam tão bons quanto
os europeus, pois não possuíam "febre de ambição ou especulação". Associada à
libertação dos escravos, a imigração europeia era a promessa de trabalho numa
Sorocaba livre, já que o negro estava marginalizado ao ócio.
Quanto às manumissões em seguida, é anunciada a liberdade “sem condição
alguma” ao escravo Delphino, e o Ministério da Agricultura passa a dispensar a
30 Diário de Sorocaba, 27 de dezembro de 1887.31 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra em
Sorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.32 FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2008.33
AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites doséculo XIX . São Paulo: Annablume, 2008.34 Diário de Sorocaba, 28 de dezembro de 1887.
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coletoria de impostos dos senhores que libertarem seus escravos. Na próxima edição,
dia 28 de dezembro de 1887, as manumissões anunciam um senhor reduzindo em um
ano o prazo de serviços dos escravos, enquanto outro; retira a condição de prestação por
mais cinco anos.
Nessa edição, a última que analisei durante a pesquisa, também pude observar
que o jornal passa a se preocupar em repudiar a ideia da venda de escravos, ou melhor,
agora trata de "homens livres vendidos como escravos"35, como anuncia o artigo de
capa, uma crítica à província do Amazonas que já cantou seu "hymno da liberdade",
mas que ainda vendia seus homens.
35 Diário de Sorocaba, 28 de dezembro de 1887.
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Conclusão
Considero esse trabalho com valor fundamental por contribuir na minha
experiência com a imprensa como fonte de pesquisa histórica. Deixou-me outro olhar
em relação à cidade em que moro: o alicerce de Sorocaba parte, sem dúvida, de uma
raiz negra e escrava. É muito comum que se apresente o tropeiro e o bandeirante como
agente formador da região, omitindo, quase que sem querer, histórias de outros grupos.
Contudo, valorizar a identidade afro-brasileira também é considerar que
escravidão não é um elemento “do passado”. Se voltarmos há algumas gerações
constatamos memórias na própria família ou amigos sobre a escravidão. Isso porque ela
foi forte base para sociedade brasileira até o final do século XIX.
Através da análise do Diário de Sorocaba observamos que às vésperas da própria
emancipação, os conteúdos de alguns artigos propõem atenção às propensões de ócio e
desordem do escravo e liberto para “educá-los ao trabalho”, concomitante ao incentivo à
entrada de imigrantes. Entretanto, encerro a pesquisa sem me aprofundar nas relações
entre o jornal e o abolicionismo sorocabano, como a influência da loja maçônica
Perseverança III citada por Cavalheiro36. Acredito que dar continuidade a essa pesquisa
permitiria o estudo sobre a emancipação meses antes de maio de 1888. Encerro o
trabalho com a certeza de que muita coisa ficou à deriva, tanto nas páginas do jornal
como em outras fontes não analisadas, como as cartas de alforria e inquéritos da época.
Perguntas surgem: Sorocaba teria integrado seus escravos a partir da
preocupação com a desorganização de trabalho? Quais seriam as relações entre o Diário
de Sorocaba e os abolicionistas? Quem representava e quais investidas tomaram os
membros da Reunião Emancipadora37? Muitas hipóteses vêm à tona me levando a
imaginar a conclusão como outro ponto de partida.
Compreendo que os ideais civilizatórios da transição de século passam adeslegitimar a escravidão, enquanto que a incerteza sobre a mudança se apresentava, e
esse temor vindo da elite reforçava a crença de que o negro era ocioso, dando
legitimidade ao trabalho forçado e castigos.
36 CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra em
Sorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.37 Nos artigos sob o título de “Reunião Emancipadora” são apresentados nomes como um abaixo-assinadoa favor da emancipação. Quais seriam as relações dessas pessoas no processo abolicionista sorocabano?
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Se hoje presenciamos uma profunda desigualdade social é porque existem raízes
históricas para tanto, mas sua transcendência só pode acontecer através do presente, por
isso a importância da consciência junto à memória.
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Referências Bibliográficas
ANDREWS, George Reid. Escravidão e abolição, 1800-1890. In Negros ebrancos em São Paulo (1888-1988). São Paulo: EDUSC, 1998.
AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro noimaginário das elites do século XIX. São Paulo: Annablume, 2008.
CAPELATO, Maria Helena Rolin. A imprensa na história do Brasil. SãoPaulo: EDUSP, 1988.
CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. A escravidão negra em Sorocaba. InBiblioteca Sorocabana - História. v.1. Sorocaba: Crearte, 2005.
_________. Scenas da escravidão: breve ensaio sobre a escravidão negra emSorocaba. Sorocaba: Crearte, 2008.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2008.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,1994.
STRAFORINI, Rafael. No caminho das tropas. Sorocaba: TCM, 2002.
Documentos
Diário de Sorocaba. Periódico. 20 de dezembro de 1887. Gabinete de LeituraSorocabano, Sorocaba, SP.
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Anexos
Artigo “Aos Proprietarios de escravos” sobre aviso da reunião para emancipação dos escravos.Diário de Sorocaba, 21 de dezembro de 1887.