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SONIA MARIA DE MELO RICHIERI ESTUDO DO IMPACTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS NOS MANGUES TROPICAIS SÃO CAETANO DO SUL 2006

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SONIA MARIA DE MELO RICHIERI

ESTUDO DO IMPACTO DAS MUDANAS CLIMTICAS

GLOBAIS NOS MANGUES TROPICAIS

SO CAETANO DO SUL

2006

SONIA MARIA DE MELO RICHIERI

ESTUDO DO IMPACTO DAS MUDANAS CLIMTICAS

GLOBAIS NOS MANGUES TROPICAIS

Dissertao apresentada Escola de Engenharia

Mau do Centro Universitrio do Instituto Mau de

Tecnologia para obteno do ttulo de Mestre em

Engenharia de Processos Qumicos e Bioqumicos.

Linha de Pesquisa: Impacto Ambiental de Processos

Orientador: Prof. Dr. Roberto de Aguiar Peixoto

SO CAETANO DO SUL

2006

II

Richieri, Sonia Maria de Melo Avaliao do impacto das mudanas climticas

globais nos mangues tropicais / Sonia Maria de MeloRichieri. So Caetano do Sul, SP: CEUN-EEM, 2006.103p.

Dissertao de Mestrado Escola deEngenharia Mau do Centro Universitrio do InstitutoMau de Tecnologia, So Caetano do Sul, SP, 2006.

Orientador: Prof. Dr. Roberto de Aguiar Peixoto 1. Impacto Ambiental

III

TERMO DE APROVAO

IV

DEDICATRIA

s minhas filhas, Patrcia e Renata.

V

AGRADECIMENTOS

Ao universo e sua inexplicvel divindade, pela conspirao com a sade, paz de

esprito e tempo que me proporcionou.

minha famlia, pela presente ausncia durante o curso e nos diversos momentos

em que me isolava com o estudo.

Ao professor e orientador Dr. Roberto de Aguiar Peixoto, pelas sugestes e

confiana depositada na realizao do estudo e pela tranqilidade que me passou nas horas

difceis.

Ao professor Dr. Joo Vicente de Assuno, pela experincia profissional.

Ao professor Dr. Eduardo Antonio Licco, como propulsor pelo interesse inicial deste

estudo.

professora Dr. Suzana Maria Ratusznei, pelo carinho e disponibilidade em suas

aulas.

Aos poucos amigos que incentivaram e tiveram pacincia em me ouvir e trocar

idias, dar sugestes e confortar.

Aos funcionrios do Centro Universitrio do Instituto Mau, Margareth, Cleide e Jair,

pela solicitude em atender e pelo sentimento de solidariedade.

Secretaria da Educao do Estado de So Paulo agradeo pela bolsa de estudos

conferida durante parte do curso.

Aos colegas de trabalho e alunos, com quem aprendi a discutir muitas idias.

Agradecimentos especiais ao Maurcio, Patrcia e Renata.

VI

EPGRAFE

As grandes cises que dividiram os humanos dos humanos, a

humanidade da natureza, o indivduo da sociedade, a cidade do campo, a

atividade mental da fsica, a razo da emoo e gerao de gerao

devem ser agora ultrapassadas. O cumprimento da luta antiquada pela

sobrevivncia e segurana material num mundo de escassez foi uma vez

olhado como a condio prvia para a liberdade e para uma vida

inteiramente humana. Para viver ns tivemos que sobreviver. Como Brecht

disse: Primeiro a alimentao e depois a moralidade.

A situao comeou agora a modificar-se. A crise ecolgica do

nosso tempo, crescentemente, inverteu esta mxima tradicional. Hoje, se

ns temos que sobreviver, devemos comear por viver. As nossas

solues devem ser proporcionais ao nvel do problema, ou ento a

natureza vingar-se-, terrivelmente, da humanidade.

Murray Bookchin

VII

RESUMO

Os mangues apiam os processos qumicos e bioqumicos de produtividade e biodiversidade nos oceanos. Dependendo da relao entre clima, nvel do mar, e sedimentos as comunidades ecolgicas podem reduzir ou expandir, modificando seus processos, variando a biomassa e alterando a biodiversidade. Essa variao pode ser investigada, utilizando-se uma combinao de causa-efeito das mudanas climticas globais, do aumento do nvel do mar e fatores biolgicos dos manguezais. Especialistas viram-se despreparados frente a questes ambientais, no apenas na compreenso da dinmica de alguns processos naturais, mas, em ltima anlise, na relao entre os vrios processos induzidos pelas aes humanas, processos que retornam humanidade com o sabor amargo de seus efeitos. As aes antrpicas foram discutidas nesta dissertao, avaliando-se sua relao com as mudanas climticas globais, bem como o que se considera risco ou perigo para a espcie humana, a biodiversidade e ecossistemas. O objetivo central desta dissertao foi o estudo dos ecossistemas de zonas costeiras tropicais, os manguezais, e os efeitos das mudanas climticas e aumento do nvel do mar sobre a estabilidade desses ecossistemas. Na Amrica Latina, a costa brasileira tem sido tema de discusso dos efeitos das alteraes climticas e aumento do nvel do mar, chamando ateno para a diversidade de ecossistemas. Essa diversidade, no s de ecossistemas e espcies, como scio-econmicas, tecnolgicas e culturais, tornam a anlise ambiental mpar em cada local. A resposta s mudanas climticas e ao aumento do nvel do mar ser diversificada. Alguns lugares j apresentam sinais intensivos de modificaes, contribuindo para o aumento dos efeitos impactantes sobre esses ecossistemas. As taxas metablicas dos organismos e a produtividade dos ecossistemas so diretamente reguladas pela temperatura. O estudo foi direcionado a discutir os efeitos das mudanas climticas e do aumento do nvel do mar sobre os manguezais. Utilizou-se a Matriz de Leopold para avaliar os impactos ambientais sobre os manguezais e construir uma escala hierrquica entre eles. Temperatura e aumento do nvel do mar foram os fatores ambientais de maior impacto, com significncia crtica, onde se fazem necessrios mecanismos de controle ou recuperao ambiental em curto prazo. Na avaliao da vulnerabilidade dos fatores biolgicos dos manguezais recorreu-se metodologia de tomada de deciso MACBETH, chegando-se tambm a uma escala hierrquica. Fatores biticos relacionados fisiologia, desenvolvimento e distribuio vegetal foram os mais vulnerveis, podendo afetar o manguezal em curto prazo. Finalizou-se o estudo com algumas consideraes sobre a aplicao e recomendaes para a sua continuidade visando a avaliao de alternativas para novas situaes ou as j existentes.

VIII

ABSTRACT

The mangroves support the chemical and biochemical process of the productivity and biodiversity in the oceans. Depending on relationship between climate, sea level and sediments, the ecological communities could reduce or expand, modifying their chemicals and biochemical process, modifying the biomass and changing the biodiversity. This variation can be investigated by the combination of the cause-effect models of the global climate change, of the sea level rise and biological factors of the mangroves. The various experts, based on the lack of knowledge of the actual sciences, found themselves unprepared when facing environmental matters. This occurs, not only in the understand of the dynamics processes in the nature, but, on a further analysis, on the relationship between the several processes that are induced by humans actions, processes that return over the humanity with their adverse effects. The antropical actions were discussed in this dissertation, evaluating its relationship with the global climate change, as well what is considered as risk or danger for the human specie, for the biodiversity and ecosystems. The main purpose of this dissertation was the study of the ecosystems of the tropical coast zones, the mangroves, and the effects on global climate change and sea level rise on the stability of this ecosystem. In the Latin America, the Brazilian coast has been the subject of discussion of the effects of the climate change and the increase of the sea level rise, considering the ecosystems diversity. This diversity, not only of the ecosystems and species, but also the social-economical, technological and cultural, converts the environmental analysis uneven on each location. The effects by climate changes and sea level rise will be diversified. Some places already present intense signs of modifications, contributing for the increase of the impact effects on these ecosystems. The metabolic rates of the organisms and the productivity of the ecosystems are directly regulated by temperature. This study was directed to discuss the effects of the climate change and increase of sea level over the mangroves ecosystems, evaluating some changes in consequence of these impacts. Leopold Matrix was used to evaluate the environmental impacts on the mangroves and to construct a hierarchic scale between them. Temperature and increase of the level of the sea had been the ambient factors of bigger impact, with critical significance, where if they make necessary mechanisms of the control or ambient recovery in short term. On the evaluation of the vulnerability of the mangroves biological factors, the methodology of decision making MACBETH was used, providing also hierarchic scale. Related biological factors to the physiology, development and vegetal distribution on had been most vulnerable, being able to affect the mangrove in short term. This study was finished with some considerations about its application, and recommendations for further analyses of how to deal with the new situations and the ones that already exists.

IX

LISTA DE ILUSTRAES

2.1. Ciclos biogeoqumicos .................................................................................... 7

2.2. Balano energtico do sistema climtico terrestre ....................................... 11

2.3. Sistema climtico terrestre ............................................................................ 14

2.4. Aumento da temperatura global de 1850 a 2000 .......................................... 15

2.5 Aumento das concentraes de dixido de carbono e metano .................... 17

2.6. Distribuio mdia do oznio na atmosfera .................................................. 18

2.7. Reaes do oznio na atmosfera ................................................................. 19

2.8. Condies ocenicas do pacfico tropical ..................................................... 23

2.9. Condies climticas globais do el nio ....................................................... 24

2.10. Condies climticas globais de la nia ....................................................... 24

2.11. Emisses de carbono, 1996 ......................................................................... 28

2.12. Correntes ocenicas ..................................................................................... 32

3.1. Distribuio mundial de manguezais ............................................................. 39

3.2. Faixas de colonizao do manguezal ........................................................... 45

3.3. Efeitos da degradao do manguezal relacionados temperatura e umidade

relativa do ar .................................................................................................. 52

3.4. Estado de conservao, tendncias de vulnerabilidade e nvel de ameaas

sobre os manguezais da Amrica Latina ...................................................... 53

4.1. Fluxo de impactos nos manguezais .............................................................. 58

4.2. Matriz de interao dos impactos ambientais nos manguezais .................... 64

4.3. Matriz hierrquica dos impactos ambientais nos manguezais ...................... 68

4.4. Hierarquia dos impactos ambientais nos manguezais .................................. 76

4.5. Matriz de vulnerabilidade dos fatores biolgicos e de relaes ecolgicas dos

manguezais ................................................................................................... 80

4.6. Hierarquia da vulnerabilidade dos manguezais ............................................ 81

X

LISTA DE TABELAS

2.1. Composio qumica da atmosfera atual ......................................................... 6

2.2. Causas potenciais das mudanas climticas ................................................ 10

2.3. Gases de efeito estufa ................................................................................... 14

2.4. Valores atmosfricos de algumas SDOs e seus substitutos ......................... 20

2.5. Indicadores de emisso de CO2 - 1997 ....................................................... 29

3.1. Distribuio de manguezais na Amrica Latina e Caribe .............................. 40

4.1. Fatores biolgicos e de relao ecolgica dos manguezais ......................... 78

5.1. Significncia dos impactos ambientais nos manguezais .............................. 84

5.2. Vulnerabilidade dos fatores biticos dos manguezais .................................. 85

XI

LISTA DE ABREVIATURAS

CFC - Clorofluorcarbono

FAO Food and Agriculture Organization

HCFC - Hidroclorofluorcarbono

HFC - Hidrofluorcarbono

IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change

NASA - National Aeronautics and Space Administration

NOAA - National Oceanic and Atmospheric Administration

ONU - Organizao das Naes Unidas

PFC - Perfluorcarbono

PIB - Produto Interno Bruto

SDOs - Substncias Destruidoras de Oznio

UNEP - United Nations os Environmental Protection

UNESCO - United Nations for Education, Science and Culture Organization

UNFCCC - United Nations Framework Convention on Climate Change

WCMC - World Conservation Monitoring Centre

WMO - World Meteorological Organization

XII

SUMRIO

1. INTRODUO........................................................................................................... 01

2. EFEITO ESTUFA E MUDANAS CLIMTICAS: .................................................... 05

2.1. Sistema climtico .......................................................................................... 05

2.2. Dinmica climtica e efeito estufa ................................................................. 09

2.3. Camada de oznio ........................................................................................ 18

2.4. El nio e la nia ........................................................................................ 22

2.5. Mudanas climticas ..................................................................................... 25

2.6. Impactos decorrentes das mudanas climticas ........................................... 30

3. MANGUEZAIS ............................................................................................................ 35

3.1. Caracterizao dos manguezais ....................................................................... 35

3.1.1. Definio de manguezais .................................................................. 35

3.1.2. Localizao e distribuio dos manguezais ...................................... 37

3.1.3. Dinmica dos manguezais ................................................................ 41

3.1.4. Flora e fauna dos manguezais .......................................................... 43

3.1.5. Valor dos manguezais ....................................................................... 48

3.1.6. Impactos sobre os manguezais ......................................................... 50

3.1.7. Manguezais brasileiros ...................................................................... 51

3.2. Mudanas Climticas X Manguezais ................................................................ 55

4. METODOLOGIA: AVALIAO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NOS MANGUES . 58

4.1. Matriz de Interao dos impactos ambientais nos manguezais ................... 59

4.2. Matriz hierrquica dos impactos ambientais nos manguezais ...................... 65

4.2.1. Temperatura e radiao UV-B ........................................................... 69

4.2.2. Nvel do mar ...................................................................................... 70

4.2.3. Precipitao e evaporao ................................................................ 71

4.2.4. Topografia e geomorfologia ............................................................... 72

XIII

4.2.5. Correntes ocenicas e salinidade ocenica ..................................... 73

4.2.6. Qualidade do substrato e das guas estuarinas, correntes fluviais,

salinidade estuarina e distribuio dos nutrientes ............................ 74

4.3. Matriz de vulnerabilidade dos manguezais ................................................... 77

5. CONCLUSES E RECOMENDAES ................................................................... 82

5.1. Concluses ........................................................................................................ 82

5.2. Recomendaes ................................................................................................ 86

REFERNCIAS ....................................................................................................... 88

GLOSSRIO ............................................................................................................ 96

1

1. INTRODUO

As atividades humanas, principalmente a queima de combustveis fsseis e o

manejo da terra, esto contribuindo para o aumento da concentrao dos gases de efeito

estufa na atmosfera, alterando o balano radiativo e causando o aquecimento global.

Mudanas nas concentraes dos gases de efeito estufa (IPCC, 1997), conduziro a

mudanas globais e regionais de temperatura, precipitao e outras variveis climticas,

originando alteraes nos ecossistemas e levando a um aumento do nvel do mar.

As conseqncias das mudanas climticas nos ecossistemas dependero da

magnitude e espao de tempo em que as variaes trmicas ocorrerem. A literatura aponta

modificaes na distribuio de espcies, alteraes no metabolismo orgnico e na

estabilidade do habitat, alteraes na disperso de nutrientes nas guas e na dinmica do

ciclo hidrolgico, bem como na dinmica dos demais ciclos biogeoqumicos.

As projees dos modelos climticos (IPCC, 2005) prevem aumento da temperatura

mdia da superfcie do planeta de 1,4C a 5,8C at o ano de 2100 e aumento do nvel do

mar entre 9 e 88 centmetros.

provvel que a rapidez do aquecimento seja maior que as conhecidas nos ltimos

dez mil anos, ainda que valores regionais possam diferir da mdia mundial. Esta alterao,

em longo prazo e em grande escala, induzidas pelas atividades antrpicas, iro interagir

com fenmenos naturais e temporais, como o fenmeno El Nio1, afetando o bem-estar

social e econmico.

Estudos cientficos desenvolvidos por diversas organizaes intergovernamentais

mostram que a sade humana, ecossistemas e vrios setores econmicos (recursos

hdricos, produo de alimentos, sistemas costeiros e assentamentos humanos), vitais para

o desenvolvimento sustentvel, so vulnerveis s variaes climticas, em particular

1 Fenmeno de atuao oceano-atmosfrica que se origina no Pacfico tropical, influenciando o clima regional e global, principalmente ecossistemas tropicais.

2

magnitude e rapidez dessas variaes.

Em vrias regies as mudanas climticas provavelmente ocasionaro efeitos

adversos, irreversveis em alguns casos. O IPCC prev ainda o desgaste de ecossistemas

j afetados pela crescente demanda de recursos, por prticas de gesto no sustentvel e

pela contaminao, podendo tomar igual ou maiores propores que as alteraes

climticas ou agravar os efeitos dessas alteraes.

O enfrentamento das questes ambientais exigir altos investimentos, seja para a

adaptao humana ou o abrandamento da degradao ambiental.

Mudanas do clima podem afetar a distribuio geogrfica dos sistemas ecolgicos,

a variabilidade de espcies que abrigam e mudar as condies que permitem a continuidade

de sua existncia. Os sistemas ecolgicos esto influenciados constantemente pela

variao climtica, proveniente da maior concentrao de gs carbnico na atmosfera. Se

benficas para algumas espcies vegetais, as mudanas climticas podem alterar a

composio de ecossistemas atravs da proliferao de organismos indesejveis,

enfermidades ou alteraes na cadeia alimentar.

As vrias disciplinas do conhecimento cientfico viram-se despreparadas frente s

questes ambientais, no apenas para a compreenso da dinmica de alguns processos

naturais, mas, em ltima anlise, no relacionamento da modificao desses processos pela

ao humana, modificaes estas que retornam humanidade com o sabor amargo de seus

efeitos.

Desempenhando a ao antrpica reais alteraes no clima, quais as

responsabilidades humanas frente s alteraes climticas? Qual o risco para a espcie

humana, para a biodiversidade e para os ecossistemas? Como diminuir a ao antrpica e

buscar alternativas mitigadoras de novas situaes de risco ou daquelas j existentes?

O aumento do nvel ocenico seja ele decorrente da expanso trmica das guas

ocenicas, do derretimento das geleiras ou das calotas polares, afetar as zonas costeiras.

Tais regies abrigam valiosos sistemas ecolgicos e mais de metade da populao mundial.

3

Podem ocorrer inundaes, eroso costeira e salinizao. Aves marinhas, peixes,

fitoplncton e zooplncton sero afetados. No presente j se verifica a destruio de recifes

de corais. Regies porturias podem tornar-se problemas econmicos. Ilhas ou pases-ilha

desaparecero parcial ou totalmente, bem como cidades costeiras de altitude prxima ou

inferior a zero. Estes fatos, embora paream alarmistas, podem servir como alerta na

tomada de decises que diminuam as conseqncias do aquecimento global e aumento do

nvel do mar em regies costeiras vulnerveis.

Os relatrios do IPCC (1997, 2000, 2001), utilizados como referncia para o estudo

realizado, tm como uma de suas preocupaes os ecossistemas costeiros, caracterizados

por uma rica diversidade e grande nmero de atividades scio-econmicas. Estes

ecossistemas tm uma importncia fundamental para a sustentabilidade, proporcionando

bens e servios, entre os quais:

o Fonte de alimentos, abrigo, medicamentos e energia;

o Processamento e armazenamento de carbono e nutrientes;

o Assimilao de dejetos;

o Purificao da gua e regulao de correntes;

o Formao de solos e atenuao de sua degradao;

o Atividades recreativas e de turismo;

o Diversidade gentica.

Estes ecossistemas naturais possuem ainda valores culturais, religiosos e estticos.

As zonas costeiras tropicais abrigam grande diversidade de ecossistemas, entre eles

os manguezais. A Amrica Latina chama ateno pela riqueza de ecossistemas e tem sido

tema de discusso dos efeitos de alteraes climticas e marinhas. A sua diversidade, no

s de ecossistemas e espcies, como scio-econmicas, tecnolgicas e culturais, torna a

anlise ambiental mpar para cada lugar.

As diversas morfologias costeiras respondero de maneira diferenciada ao aumento

do nvel do mar. Alguns lugares j apresentam sinais intensivos de eroso devido a aes

4

antrpicas, contribuindo para o aumento dos efeitos impactantes.

Os manguezais, ecossistemas costeiros, tpicos de regies tropicais, importantes

como sustentculos da cadeia biolgica marinha, podem sofrer variaes devido ao clima e

nvel do mar, diminuindo ou expandindo, variando a proporo das diferentes espcies que

utilizam seus recursos e, conseqentemente, modificando a cadeia alimentar e acabando

por interferir nas condies de vida da populao humana que da retira sua sobrevivncia.

Os manguezais chamam ateno por estarem a baixssima altitude e j terem sofrido

grande ao antrpica. Na maioria das zonas costeiras tropicais os espaos naturais de

manguezais j esto totalmente descaracterizados, como o caso da maioria das cidades

litorneas brasileiras, especialmente da regio sudeste, entre elas, Rio de Janeiro, Santos,

Cubato. Agrava-se o fato quando as populaes que utilizam estes recursos vivem em

nvel extremo de pobreza.

Os conhecimentos atuais sobre alteraes climticas e as interaes com os

ecossistemas que possam conduzir a interpretaes precisas ainda so insuficientes.

Buscou-se apoio na literatura especfica sobre manguezais, incluindo os conhecimentos de

ecossistemas brasileiros e de regies tropicais, para compor os dados utilizados na

avaliao do impacto das mudanas climticas e aumento do nvel sobre reas de

manguezais. O objetivo principal do estudo proposto nesta dissertao foi avaliar os

impactos ambientais sobre os manguezais.

5

2. EFEITO ESTUFA E MUDANAS CLIMTICAS.

2.1. SISTEMA CLIMTICO

A atmosfera terrestre nica entre os planetas do sistema solar; qumica e

fisicamente favorvel evoluo da vida como a conhecemos.

O estudo da constituio qumica da terra primitiva passa pela questo da origem do

universo, h cerca de 15 bilhes de anos, conforme a teoria da grande exploso

denominada Big-Bang, baseada na expanso de matria densa e quente, formando

nuvens csmicas e estrelas. Estima-se que a formao do Sol tenha ocorrido h cinco

bilhes de anos, por aglutinao de uma nuvem de gs em seu campo de gravidade.

Admite-se que parte da massa solar tenha escapado sob forma de um anel incandescente e

outra parte manteve-se orbitando ao redor da recente estrela, formando os planetas e

demais corpos celestes do Sistema Solar.

Acredita-se que a terra, no princpio, possua uma pequena massa, aumentada pela

ao da fora de gravidade que exercia sobre as partculas que a circundavam. Com o

aumento de massa a atrao sobre as partculas aumentava e estas sofriam maior

compresso, levando gradual elevao da temperatura. Seguiu-se o processo de

resfriamento, durando alguns milhes de anos. Novos aquecimentos seguidos de

resfriamentos contriburam para a formao de vrias substncias qumicas.

Segundo hiptese mais aceita, a hiptese heterotrfica, a atmosfera primitiva era

constituda por metano (CH4), amnia (NH3), vapor d'gua (H2O) e hidrognio (H2). No

existia, na atmosfera da poca, oxignio (O2). De acordo com tal hiptese, molculas

proticas formaram-se nos oceanos da terra primitiva e teriam atrado molculas de gua. O

fenmeno teria como produto o coacervado2, primeira forma de organizao de molculas

2 Macromolculas com grau de polimerizao mais elevado que se agrupam ou aglutinam em solues macromoleculares.

6

qumicas capazes de nutrirem-se e reproduzirem-se caractersticas fundamentais para os

seres vivos. Contnuas reaes qumicas devem ter originado cidos nuclicos que

controlavam de maneira mais eficaz os processos vitais, originando indivduos mais

organizados. O processo de fermentao produzia gs carbnico (CO2), antes inexistente na

atmosfera terrestre. Surgiram ento seres capazes de aproveitar a gua, o gs carbnico e

a luz solar para produzirem compostos orgnicos. Tal processo, denominado fotossinttico,

promoveu o aparecimento de oxignio no planeta. O aumento da concentrao de oxignio,

atribudo evoluo de organismos fotossintetizantes, levou formao da camada de

oznio (O3) (NASA, 1999a). Embora ainda no exista um consenso, atualmente os cientistas

concordam ter sido a atmosfera primitiva formada entre 3,5 e 4,5 bilhes de anos atrs.

O modelo de atmosfera atual, apresentada na tabela 2.1, o resultado de

modificaes acumuladas ao longo do tempo geolgico da terra, acreditando-se ser a

mesma existente no perodo Cambriano3, h 500 milhes de anos.

TABELA 2.1 COMPOSIO QUMICA DA ATMOSFERA ATUAL.

Componentes % em volume % em massa

Nitrognio (N2) 78,02 75,55

Oxignio (O2) 20,99 23,13

Argnio (Ar) 0,94 1,26

Gs carbnico (CO2) 0,03 0,04

Hidrognio (H2) 0,01 0,006

Nenio (Ne) 0,0015 0,001

Hlio (He) 0,0005 0,00006

Outros 0,0080 0,01294 FONTE: NASA, 1999a.

O ciclo de consumo e renovao dos gases atmosfricos revela um processo de

transferncia de matria e energia entre solo, ar, gua, plantas, animais e demais seres

vivos. Este processo descrito pelos ciclos biogeoqumicos (figura 2.1).

3 Perodo da era Paleozica, compreendido entre 600 e 500 milhes de anos atrs.

FIGURA 2.1 CICLOS BIOGEOQUMICOS

respirao

Ciclo da gua

Ciclo do oxignio

Outras formas de

energia

Radiao

solar

fotossntese

evaporao

nuvens

chuva

Solo Oceanos

Rios Lagos

SISTEMA CLIMTICO

SERES VIVOS

Comb

nutri

VEGET

ANIMA

O3

O2

decom

ex

n

. fsse

o

AIS

IS

7

amoniaCiclo do

nitrognio

Ciclo doGs carbnico

calor

desnitrificao

biofixao

fotossntese

posio

creo

itrificao

N2

CO2

Perda dabiomassa

respiraois

combusto

8

Todos os seres vivos tm em sua constituio oxignio, hidrognio, carbono e

nitrognio. Enquanto o oxignio produzido por organismos fotossintetizantes, atravs da

fotossntese, o gs carbnico lanado na atmosfera pela respirao e decomposio de

todos os seres vivos e por processos qumicos de combusto. O oxignio participa ainda da

formao da camada de oznio, de extrema importncia como filtro das radiaes

ultravioleta do sol. Parte do gs carbnico atmosfrico dissolve-se nos oceanos e, somando-

se quele formado pelo fitoplncton4 e zooplncton5, faz dos oceanos o grande reservatrio

de gs carbnico do planeta. de grande importncia o fato do oxignio originar-se da vida

na terra, pela fotossntese e, ao mesmo tempo, garanti-la atravs da respirao, enquanto o

gs carbnico, juntamente com a luz solar, gua e nitrognio, responsvel por formar a

base da cadeia alimentar.

A relao entre terra, ar e vida fica mais evidente com o ciclo do nitrognio, o mais

abundante dos gases atmosfricos. Quimicamente, o nitrognio um elemento de difcil

combinao, no sendo utilizado diretamente pelos seres vivos, que o incorporam em

protenas. O trabalho feito por bactrias fixadoras de nitrognio, livres no solo e gua

aderidas a razes, que convertem o nitrognio do ar em compostos nitrogenados, facilmente

assimilados pelos vegetais. Os nitratos que as bactrias produzem no solo alimentam as

plantas, que por sua vez alimentam os animais, e estes retornam ao solo outros compostos

nitrogenados em forma de uria ou, tanto plantas como animais, como tecido morto. Neste

ponto comeam a atuar as bactrias nitrificantes6, decompondo os organismos mortos e

convertendo a amnia resultante em nitratos minerais. As bactrias desnitrificantes liberam

nitrognio, devolvendo-no atmosfera, completando o ciclo.

A gua, principal fonte de hidrognio disponvel, encontrada em trs estados

fsicos. Sob condies especficas de temperatura e presso atmosfrica, entre outras, a

gua das nuvens se precipita na forma de chuva, gelo ou neve, permanecendo na superfcie

4 Organismos vegetais em suspenso na gua do mar. 5 Organismos animais em suspenso na gua do mar.

6 Organismos que transformam o amonaco ou sais amoniacais em nitritos e depois em nitratos.

9

do planeta ou infiltrando-se pelo solo. O retorno atmosfera ocorre pela evaporao de

mares, rio, lagos, bem como pela transpirao e excreo de seres vivos, que a absorvem

do solo ou da superfcie.

Um sistema termodinmico aberto e macroscpico aquele que envolve fluxos de

massa e sofre efeitos em grade escala e de diversificados fluidos que dele fazem parte,

efeitos esses que podem ser percebidos pelos nossos sentidos e medidos por instrumentos

(Gordon, J; Sonntag, R; Borgnakke, C., 1997). Do ponto de vista termodinmico, os ciclos

biogeoqumicos so parte de um sistema aberto e macroscpico. O fluxo de massa ocorre

nas trocas de matria do sistema, enquanto os efeitos se fazem notar pelas propriedades

termodinmicas das substncias que compem o sistema, entre elas, temperatura e

presso.

2.2. DINMICA CLIMTICA E EFEITO ESTUFA

O conceito de energia, fundamental no entendimento dos processos climticos

globais, pode ser compreendido como a capacidade de gerar trabalho ou de transferir calor.

De modo geral, aquece, movimenta e transforma a matria. A energia que entra no sistema,

na forma de radiao solar, o suporte direto da vida na terra. Ela ilumina, aquece, forma

nuvens e chuva e ainda armazenada sob forma de calor na atmosfera, ou de combustveis

fsseis que se formaram pela decomposio de seres vivos h milhes de anos.

Um estudo geogrfico de dcada de 80 (Goudie, 1983) apontava as causas

potenciais das mudanas climticas em ordem decrescente de interferncia mostradas na

tabela 2.2.

A interferncia da evoluo do sol, ondas gravitacionais do universo, poeira galctica

e eixo terrestre so valores de escala espacial, fugindo, assim, aos efeitos que podem ser

percebidos no planeta em escalas de tempo menores. Massa e composio do ar aparecem

logo a seguir, ressaltando a importncia do conhecimento dos ciclos biogeoqumicos.

10

TABELA 2.2 CAUSAS POTENCIAIS DAS MUDANAS CLIMTICAS. ORDEM DE

IMPORTNCIA MUDANAS CLIMTICAS

1 Evoluo do sol

2 Ondas Gravitacionais do Universo

3 Poeira galctica

4 Massa e composio do ar

5 Mudanas polares

6 Gs carbnico na atmosfera

7 Elementos orbitais da terra

8 Relao mar-ar-gelo

9 Circulao ocenica abissal

10 Variao da intensidade solar

11 Cinzas vulcnicas na estratosfera

12 Variaes oceano-atmosfera

13 Dinmica atmosfrica

FONTE: GOUDIE, 1983.

O clima uma relao complexa entre o espao e a superfcie terrestre, sendo a

atmosfera a lmina de contato entre os dois meios, onde a dinmica das reaes qumicas

ocorre. A atmosfera uma faixa de 700 quilmetros de extenso que envolve a Terra,

formada por uma mistura de gases e desempenhando duplo papel. De fora para dentro, age

como filtro das radiaes solares incidentes do espao, permitindo que apenas 42,3% (146

Watt/m2) da energia total emitida pelo sol (342 Watt/m2) seja absorvida pelo solo e guas.

Os outros 57,7% da energia total so absorvidos pela atmosfera (94 Watt/m2) ou devolvidos

ao espao (102 Watt/m2), conforme figura 2.2.

O Sol emite radiao de onda curta a uma razo que varia pouco, pelo que

designada constante solar (NASA, 1999b). Os valores numricos utilizados no exemplo

compem a radiao solar mdia que chega a terra. Esses valores sofrem variaes de

acordo com a latitude, nebulosidade, caractersticas da superfcie terrestre local, tipo de

vegetao. As superfcies de regies tropicais recebem maior quantidade de radiao solar

em relao s regies polares. As regies equatoriais, com maior nebulosidade, recebem

menor quantidade de radiao solar que os desertos.

11

A entrada de energia na forma de radiao solar deveria ser equilibrada pela sada

de energia trmica sob forma de calor. Contudo, os fluxos de energia emitidos pela

superfcie da terra e retidos pela atmosfera caracterizam-se, atualmente, por altos valores,

com importantes conseqncias para o clima. Grande parte desse calor absorvida pelo

vapor de gua e dixido de carbono existentes na atmosfera.

FIGURA 2.2 BALANO ENERGTICO DO SISTEMA CLIMTICO TERRESTRE.

146

FONTE: HUPFER, GRABL, LZAN, 2001.

Do calor emitido pela superfcie terrestre, 17 Watt/m so originados de fontes de

calor; 84 Watt/m da evapotranspirao de seres vivos e corpos dgua, formando nuvens

na atmosfera; 393 Watt/m da radiao direta da superfcie da terra. Desse total, a

atmosfera devolve para a superfcie terrestre 348 Watt/m2, resultando no aquecimento do

planeta.

A atmosfera atua como uma cobertura ou como o vidro de uma estufa, filtrando a

radiao externa e aquecendo o ambiente interno proporcionalmente s atividades

desenvolvidas dentro da estufa. Como resultado desse aquecimento, a temperatura do

planeta experimentou o acrscimo de 33C (de 18C a 15C) em longo prazo, benfica

12

para a instalao e desenvolvimento da vida como a conhecemos. O fenmeno descrito

conhecido como Efeito Estufa, atribudo capacidade de armazenamento de calor pela

atmosfera.

Em longo prazo, o aumento de 33C, que variou de 18C a 15C, atribuiu-se aos

gases de efeito estufa nas seguintes propores (HUPFER, GRABL, LZAN, 2001):

Vapor dgua: 20,8C;

Gs carbnico: 7C;

Oznio: 2,4C;

xido nitroso: 1,4C;

Metano: 0,8C;

Outros gases: 0,6C.

O vapor de gua um dos gases de efeito estufa mais importantes no

armazenamento de calor pela atmosfera, sendo que as atividades humanas aumentam sua

quantidade. ainda afetado pelo aquecimento do planeta.

O Dixido de Carbono (CO2) produzido naturalmente atravs da respirao, pela

decomposio de plantas e animais e pelas queimadas naturais em florestas. Fontes

antropognicas de dixido de carbono so: queima de combustveis fsseis, mudanas na

vegetao, como o desflorestamento e queima de biomassa. Estas fontes antropognicas

tm contribudo em grande escala para o aumento da concentrao de dixido de carbono

na atmosfera. Os principais receptores do dixido de carbono so os oceanos e a

vegetao, especialmente as florestas. Amostras de gelo revelaram que no perodo anterior

revoluo industrial a concentrao atmosfrica global de dixido de carbono era de

280ppmv.

O metano (CH4) formado naturalmente em regies onde existe matria orgnica

em decomposio, isto , solos midos ricos em atividades microbiolgicas e lagunas.

Somado a isso existe muitas fontes antropognicas de metano que vem contribuindo para o

aumento da sua concentrao na atmosfera, dentre estas fontes esto o cultivo de arroz,

13

criao de gado, queima de biomassa e a queima de combustveis fsseis. O principal

processo de remoo do metano uma reao qumica com radical hidroxila (OH) na

troposfera (baixa atmosfera).

O xido nitroso (N2O) produzido naturalmente pelos oceanos e pelas florestas

tropicais, sendo produto intermedirio de transformaes biolgicas. As fontes, tanto

naturais quanto antrpicas, so difceis de serem quantificadas. Fontes antrpicas de xido

nitroso so as atividades agrcolas, queima de biomassa, queima de combustveis fsseis e

vrios processos industriais (a produo de cido adpico e cido ntrico). O principal

processo de remoo do xido nitroso so as reaes fotolticas na estratosfera (IPCC,

1995).

Os gases descritos acima esto presentes na atmosfera anteriormente revoluo

industrial. Com o transcurso do desenvolvimento tecnolgico, novas substncias qumicas

chegaram atmosfera, como os clorofluorcarbonos e hexafluoreto de enxofre. Algumas

dessas substncias tm forte impacto ambiental, relacionado ao efeito estufa e, ao mesmo

tempo, destroem a camada de oznio que envolve a terra (clorofluorcarbonos).

Os gases principais de efeito estufa, discriminados na tabela 2.3, comportam-se de

maneira particular, segundo suas propriedades fsico-qumicas, interferindo nos ciclos

biogeoqumicos da matria no planeta.

TABELA 2.3 GASES DE EFEITO ESTUFA.

CO2 CH4 N20 CFCs CF4 SF6

Pr-industrial 280 ppm 700 ppb 270 ppb zero 40 ppb zero

Concentrao em 1998

365 ppm 1745 ppb 314 ppb 268 ppb 80 ppb 3 a 4 ppt

Taxa de aumento (ano) (1)

1,5 ppm

(0,4%) 7,0 ppb

(0,6%) 0,8 ppb

(0,25%) -1,4ppb

zero 1,0 ppb

(2%) 0,2 ppt

(5%)

Tempo de vida (anos)

50 200 (2)

12 (3)

114 45 50.000 3.200

FONTE: IPCC, 2001a. NOTAS: CO2 (dixido de carbono), CH4 (metano), N2O (xido nitroso), SF6 (hexafluoreto de enxofre) e CF4 (perfluoreto de carbono) so cobertos pelo Protocolo de Quioto. Substitutos do CFC tambm so substncias que destroem o oznio, sendo, portanto, tratados pelo Protocolo de Montreal e no nos acordos relativos a mudanas do clima. As taxas de concentrao e aumento dos gases so

14

expressas em ppm (parte por milho em volume), ppb (parte por bilho em volume), ppt (parte por trilho); (1) as taxas de aumento dos gases representam a mdia calculada durante a dcada de 1990 a 1999; (2) no se pode definir uma durao de vida nica para o CO2, devido as diferentes velocidades de absoro pelos processos dos vrios sumidouros; (3) foi definido o tempo de vida levando-se em conta o efeito da prpria durao do metano.

Atmosfera, oceanos, continentes e os organismos vivos so os principais

componentes de nosso meio ambiente, estando em permanente interao atravs do fluxo

de matria e energia que ocorrem nos processos fsicos e qumicos da atmosfera (figura

2.3). O clima o estado caracterstico desse sistema, podendo ser quantificado atravs de

medidas de temperatura, presso, velocidade do vento, radiao, precipitao, evaporao,

nebulosidade, concentrao de componentes, formando o conjunto de variveis

atmosfricas. Os princpios de conservao de massa e energia e as leis dos processos

fsicos e qumicos permitem explicar interaes fundamentais compreenso do sistema

climtico.

FIGURA 2.3 SISTEMA CLIMTICO TERRESTRE. FONTE: HUPFER, GRABL, LOZN, 2001.

Qualquer mudana no equilbrio deste sistema, inclusive aquelas provocadas pelo

aumento das concentraes dos gases de efeito estufa obrigaro o sistema a buscar

15

novamente uma nova situao de equilbrio, isto , modificaro as variveis do sistema por

um tempo que pode ser avaliado a partir de modelos matemticos, que fornecem projees

do futuro climtico.

O conceito de tempo descreve o estado atual da atmosfera e define variaes

conjuntas de processos que ocorrem em algumas semanas. Observaes de maior durao

fazem parte do estudo climtico, onde o clima a sntese do tempo por um perodo mais

longo, permitindo clculos aproximados de parmetros estatsticos descritivos (mdia,

variabilidade e valores extremos de: temperatura, precipitao, evaporao, insolao) e

das dimenses que descrevem o estado da atmosfera.

As medies verticais na atmosfera realizam-se desde o final da dcada de 1950,

com aceitvel exatido e quantidade suficiente de estaes, indicando aumento de

temperatura em toda a atmosfera (IPCC, 2001).

FIGURA 2.4 AUMENTO DA TEMPERATURA GLOBAL DE 1850 A 2000. FONTE: IPCC, 2001.

Entre as observaes resultantes, de acordo com a variao da temperatura global

mostrada na figura 2.4, destacam-se as seguintes:

16

Aumento, com flutuaes, da temperatura anual mdia desde o incio do

sculo XX;

O aquecimento alcanou em 1940 seu primeiro mximo;

Aps esse perodo houve uma fase de pouca variao, de

aproximadamente 30 anos;

A partir de 1970 o aquecimento aumenta;

O aumento desde 1850 varia de 0,4C a 0,7C;

O ano mais quente foi o de 1998, onde o aquecimento foi ao redor de

1,6C sobre o valor referencial;

Diferentes mtodos utilizados demonstraram que o aumento de temperatura sobre a

superfcie da terra no foi apenas por causas naturais, mas tambm pela interferncia

antrpica na composio da atmosfera. Causas naturais como o aumento da atividade solar,

erupes vulcnicas, movimentos atmosfricos internos so de efeitos reduzidos se

comparados influncia humana. O IPCC (2001a) chegou concluso de que h mais

argumentos demonstrando haver influncia antrpica no desenvolvimento atual do clima do

que o contrrio, sendo provvel que o resultado mais direto seja um aumento aquecimento

global de 1,4C a 5,8C nos prximos cem anos, somados ao aumento aparente de cerca

0,5C na temperatura desde o perodo anterior a 1850.

As principais fontes de emisso dos gases de efeito estufa atualmente devem-se a

queima de combustveis fsseis (50%), indstria qumica (20%), agricultura (15%) e

destruio de florestas (15%) segundo HUPFER, GRABL, LOZN, 2001.

O gs carbnico responsvel por 55% do efeito estufa, cabendo 15% ao metano,

20% aos CFCs e 10% ao xido nitroso, oznio e outros gases (Brasil, 2001).

interessante observar o crescimento de gases do efeito estufa, como o dixido de

carbono (CO2) e metano (CH4) indicado pela figura 2.5. (NASA, 1999a).

17

FIGURA 2.5 AUMENTO DAS CONCENTRAES DE DIXIDO DE CARBONO E METANO. FONTE: NASA, 1999a.

As florestas dependem do clima e tambm o influenciam. A vegetao de regies

midas ao desaparecer provoca seca local. Ocorre ainda a decomposio da matria

orgnica do solo, com emisses de gs carbnico, metano e xido nitroso. Presume-se que

desde 1850 tenham sido liberados 117 bilhes de toneladas de carbono fixado em

vegetao, perdendo-se simultaneamente valiosos receptores de gs carbnico e

ganhando-se importantes fontes de emisses de gs carbnico, metano e xido nitroso pela

agricultura e criao de gado. Com o aumento da populao dever crescer tambm a

produo de alimentos, levando a um aumento nas taxas de emisses.

18

Como impactos do efeito estufa, so apontados pela comunidade cientfica: elevao

da temperatura, elevao do nvel do mar e alteraes no regime de chuvas.

2.3. CAMADA DE OZNIO

O oznio encontra-se principalmente em duas regies da atmosfera. A maioria do

oznio reside a uma altitude compreendida entre 18 e 28 km, podendo ser encontrado at a

altitude de 50 km. Esta regio da atmosfera denomina-se estratosfera. O oznio restante

est em uma camada mais baixa da atmosfera, denominada troposfera. A figura 2.6. um

exemplo da distribuio do oznio na atmosfera.

FIGURA 2.6 DISTRIBUIO MDIA DO OZNIO NA ATMOSFERA. FONTE: UNEP, 2001.

A camada de oznio, proteo natural da terra, composta por molculas de O3.

Apesar da pequena quantidade, o oznio estratosfrico componente chave na absoro

da radiao ultravioleta, protegendo a vida contra os efeitos nocivos desta radiao

(denominada radiao UV-B). O oznio desempenha tambm papel importante na

distribuio de temperaturas na atmosfera terrestre. Prximo superfcie terrestre, o oznio

tem poder destrutivo, altamente txico para sistemas vivos. Vrios estudos j foram

19

documentados sobre os efeitos nocivos do oznio sobre a vida humana, crescimento de

florestas e produo de frutos e vegetais.

O oznio produzido e destrudo naturalmente a partir de uma srie de reaes

fotoqumicas complexas. A diminuio da camada de oznio est associada destruio do

oznio causada pelas emisses de substncias qumicas artificiais (figura 2.7).

FIGURA 2.7 REAES DO OZNIO NA ATMOSFERA.

O oznio tambm um gs de efeito estufa, por absorver a radiao infravermelha

que liberada pela Terra. A camada de oznio sofre variaes normais, conforme a hora do

dia, estaes do ano e de ano a ano, contudo, na dcada de 60 comeou a se a verificar

uma destruio dessa camada, em quantidades cada vez maiores.

A tecnologia qumica trouxe novas substncias que chegam estratosfera,

destruindo a camada de oznio na estratosfera e tendo forte influncia sobre o efeito estufa.

Com o intuito de proteger a camada de oznio e o meio ambiente, firmou-se o Protocolo de

Montreal em 1987. O objetivo foi a eliminao gradativa do uso de substncias destruidoras

da camada de oznio, entre elas os CFCs.

Vrios produtos qumicos produzidos pelo homem so capazes de destruir o oznio

estratosfrico. Esses produtos tm duas caractersticas comuns:

o em nveis mais baixos da atmosfera so estveis, sendo insolveis em gua e

resistentes degradao fsica e biolgica;

o contm cloro e bromo, elementos extremamente reativos na forma livre,

podendo atacar o oznio.

20

Essas caractersticas facilitam a presena das substncias destruidoras de oznio no

ar por longos perodos, sendo gradativamente difundidas para todas as partes da atmosfera,

inclusive a estratosfera. L elas so degradadas pela intensa radiao UV, liberando tomos

de cloro e bromo destruidores de oznio.

As SDOs7 podem contribuir direta ou indiretamente para o efeito estufa. A tabela 2.4

rene algumas SDOs, comparando os valores estimados pelo IPCC e WMO.

TABELA 2.4 VALORES ATMOSFRICOS DE ALGUMAS SDOs E SEUS SUBSTITUTOS. Potencial de Aquecimento Global

IPCC (2001) & WMO (2003)

Nome industrial

Frmula Qumica

Tempo de

Vida

(anos) (a)

Eficincia Radiativa (Wm-2 ppb-4)

IPCC (1996)

(100 anos)

(b) (20 anos) (100 anos) (500 anos) Dixido de carbono CO2 1,55x10

-5 1 1 1 1Metano CH4 12 (c) 3,7x10

-4 21 63 (c) 23 (c) 7 (c)Substncias controladas pelo Protocolo de Montreal CFC-11 CCl3F 45 0,25 3800 6330 4680 1630CFC-12 CCl2F2 100 0,32 8100 10340 10720 5230CFC-113 CClFCClF2 85 0,30 4800 6150 6030 2700CFC-114 CClF2CClF2 300 0,31 7560 9880 8780CFC-115 CClF2CF3 1700 0,18 4990 7250 10040Halon-1301 CBrF3 65 0,32 5400 7970 7030 2780Halon-1211 CBrClF2 16 (d) 0,30 4460 1860 578Halon-2402 CBrF2CBrF2 20 (d) 0,33 (d) 3460 (d) 1620 (d) 505 (d)Tetracloreto de carbono CCl4 26 (d) 0,13 1400 2540 (d) 1380 (d) 437 (d)Metil brometo CH3Br 0,7 0,01 16 5 1Bromoclorometano CH2BrCl 0,37 (d) Metil clorofrmio CH3CCl3 5 (d) 0,06 476 (d) 144 (d) 45 (d)HCFC-22 CHClF2 12 (d) 0,20 1500 4850 (d) 1780 (d) 552 (d)HCFC-123 CHClCF3 13 (d) 0,14 (d) 90 257 (d) 76 (d) 24 (d)HCFC-124 CHClFCF3 5,8 (d) 0,22 470 1950 (d) 599 (d) 186 (d)HCFC-141b CH3CC2F 9,3 0,14 2120 713 222HCFC-142b CH3CClF2 17,9 (c) 0,2 1800 5170 2270 709HCFC-225ca CHCl2CF2CF3 1,9 (d) 0,2 (d) 404 (d) 120 (d) 37 (d)HCFC-225cb CHClFCF2CClF2 5,8 (d) 0,32 1910 (d) 586 (d) 182 (d)Hidrofluorcarbonos HFC-23 CHF3 270 (d) 0,19 (e) 11700 11100 (f) 14310 (f) 12100 (f)HFC-32 CH2F2 4,9 (d) 0,11 (e) 650 2220 (f) 670 (f) 210 (f)HFC-125 CHF2CF3 29 0,23 2800 5970 3450 1110HFC-134a CH2FCF3 14 (d) 0,16 (e) 1300 3590 (f) 1410 (f) 440 (f)HFC-143a CH3CF3 52 0,13 3800 5540 4400 1600HFC-152a CH3CHF2 1,4 0,09 140 411 122 38HFC-227ea CF3CHFCF3 34,2 (d) 0,26 (e) 2900 4930 (f) 3140 (f) 1030 (f)HFC-236fa CF3CH2CF3 240 (d) 0,28 6300 7620 (d) 9500 (d) 7700 (d)

7 Substncias Destruidoras de Oznio

21

Potencial de Aquecimento Global IPCC (2001) &

WMO (2003) Nome

industrial Frmula Qumica

Tempo de

Vida

(anos) (a)

Eficincia Radiativa (Wm-2 ppb-4)

IPCC (1996)

(100 ano ) s

(b) (20 anos) (100 anos) (500 anos) Compostos perfluorados Hexafluoreto de enxofre SF6 3200 0,52 23900 15290 22450 32780Trifluoreto de nitrognio NF6 740 0,13 7780 10970 13240PFC-14 CF4 50000 0,08 6500 3920 5820 9000PFC-116 C2F6 10000 0,26 9200 8110 12010 18280PFC-218 C3F8 2600 0,26 7000 5940 8690 12520PFC-3-1-10 C4F10 2600 0,33 7000 5950 8710 12550PFC-5-1-14 C6F14 3200 0,49 7400 6230 9140 13350PFC-318 c-C4F8 3200 0,32 8700 6870 10090 14740Outros fluorados HFE-449s1 CH3O(CF2)CF3 5 0,31 1310 397 123HFE-569sf2 CH3CH2O(CF2)CF3 0,77 0,30 189 56 17HFE-347pcf2 (g) CF3CH2OCF2CHF2 7,1 0,25 1800 540 170FONTE: IPCC, 2005. NOTAS: Parte da tabela original adaptada: (a) IPCC (2001, cap. 6); (b) valores adaptados pelo UNFCCC; (c) o tempo de vida do metano inclui emisses (IPCC, 2001, cap. 6) e efeitos indiretos de gases de efeito estufa; (d) atualizados pelo WMO (2003, cap. 1); (e) atualizado por resultados obtidos em modelos consistentes por Gohar et al (2004); (f) escala para atualizao da eficincia radiativa; (g) Tokuhashi et al (2000), IPCC(2001).

Os efeitos diretos ocorrem quando as SDOs contribuem para o aquecimento global.

Os efeitos indiretos ocorrem quando transformaes qumicas das SDOs produzem outros

gases de efeito estufa, ou quando os produtos de sua degradao provocam foramento

radiativo e influenciam a qumica atmosfrica.

Devido ao aumento do buraco de oznio, cresceram as suspeitas de que o

aquecimento global possa estar favorecendo as reaes qumicas que destroem o oznio. O

problema acompanhado de perto porque a distribuio vertical da camada de oznio

influencia na radiao UV que chega terra. O aumento da radiao UV ser tanto maior

quanto mais tnue for a camada de oznio.

Tanto a destruio do oznio estratosfrico quanto as mudanas climticas so

efeitos das atividades humanas sobre a atmosfera global. Estes so dois problemas

ambientais distintos, mas ligados de vrias maneiras:

Produtos qumicos destruidores de oznio contribuem para o aquecimento global por

terem um impacto no balano trmico da Terra, bem como na camada de oznio (os CFCs

22

11 e 12 so gases do efeito estufa e tambm os dois principais compostos

clorofluorcarbonos que destroem o oznio, tendo um potencial de aquecimento global

elevado, em relao ao dixido de carbono, para um perodo de 100 anos). Os HFCs,

produtos qumicos desenvolvidos para substituir CFCs, so tambm poderosos gases

causadores do efeito estufa.

O prprio oznio um gs causador do efeito estufa e a camada de oznio faz um

papel de manuteno do equilbrio geral de temperatura do planeta. Acredita-se atualmente

que a destruio da camada de oznio reduza o efeito estufa. Por outro lado, a maior

exposio radiao UV poderia alterar o ciclo dos gases causadores do efeito estufa, tais

como dixido de carbono, de tal modo que poderia aumentar o aquecimento global. Em

particular, maior incidncia de UV provavelmente suprime a produo primria de plantas

terrestres e fitoplncton marinho, reduzindo assim a quantidade de dixido de carbono que

eles absorvem da atmosfera.

Espera-se que o aquecimento global aumente as temperaturas mdias na baixa

atmosfera, o que poderia esfriar a estratosfera e aumentar a destruio do oznio, mesmo

que as concentraes de produtos qumicos que atingem a estratosfera fossem as mesmas.

Os HCFCs so menos nocivos camada de oznio do que os CFCs porque seu

tomo de hidrognio torna mais provvel a sua degradao em nveis inferiores da

atmosfera, impedindo que muito do seu cloro atinja a estratosfera. No entanto, por serem

SDOs, os HCFCs tambm so controlados e tm a eliminao se seu uso estabelecida pelo

Protocolo de Montreal.

2.4. EL NIO E LA NIA

A energia circulante do sistema climtico transportada pelas guas ocenicas e

movimentos do ar na atmosfera. Regies extratropicais de alta presso recebem

quantidades mais significativas das massas circulantes. De acordo com o verificado pelo

23

IPCC, no Hemisfrio Norte as variaes so maiores e mais distribudas, enquanto no

Hemisfrio Sul, esto concentradas prximo Antrtica. A localizao e o alinhamento

desses pontos de alta presso causa influencias no clima regional.

O fenmeno El Nio, de atuao ocenico-atmosfrica, um dos fatores, embora

ocorrendo de tempos em tempos, que influencia a mudana no clima do Pacfico-Leste. Tal

mudana provocada pelo aumento anormal da temperatura da superfcie da gua do mar

nessa regio, prximo a linha do Equador, na rea central do oceano Pacfico, conforme

figura 2.8.

FIGURA 2.8 - CONDIES OCENICAS DO PACFICO TROPICAL FONTE: NOAA, 2001.

O que ocorre normalmente sobre as guas da faixa tropical do Pacfico, o vento

soprando de leste para oeste, acumulando guas mais quentes, de toda a superfcie da

faixa tropical que foi aquecida pelo Sol, no setor oeste, deixando o nvel do oceano na

Indonsia meio metro acima do nvel da costa oeste da Amrica do Sul. Assim, na costa sul-

24

americana a temperatura da gua cerca de 8C mais fria e rica em nutrientes para o

ecossistema marinho.

Em anos de El Nio, os ventos leste-oeste enfraquecem em algumas reas na faixa

tropical, invertem o sentido e sopram de oeste para leste. Logo, a gua mais quente do

oeste empurrada para o leste, deixando a gua da costa oeste da Amrica do Sul com

temperaturas acima da mdia, e as guas da regio da Indonsia e norte e nordeste da

Austrlia abaixo da mdia trmica (NOAA, 2000). A anomalia da temperatura dessa parte do

oceano provoca mudanas climticas regionais e globais, conforme figura 2.9.

Quando h anos de El Nio, logo aps quase sempre ocorre La Nia. Tal fenmeno

caracteriza-se por um resfriamento da gua na faixa equatorial do Oceano Pacfico, mas de

magnitude bem menor, parecendo no afetar tanto o clima global, conforme figura 2.10.

FIGURA 2. 10 CONDIES CLIMTICAS GLOBAIS DE LA NIA. FONTE: NOAA, 2001.

FIGURA 2. 9 CONDIES CLIMTICAS. GLOBAIS DE EL NIO. FONTE: NOAA, 2001.

25

Durante o sculo XX foram registrados 29 episdios de El Nio e 20 de La Nia. S

agora diversos institutos climticos esto montando o perfil desses acontecimentos.

2.5. MUDANAS CLIMTICAS

Desde o incio da Revoluo Industrial as concentraes de gs carbnico na

atmosfera aumentaram 30%, concentraes de metano duplicaram, concentraes de xido

nitroso cresceram 15%, somando-se as SDOs. Ao que se deve essa taxa de crescimento

dos gases de efeito estufa? Levando em conta as caractersticas da sociedade humana do

passado e de hoje, acompanhando sua evoluo tecnolgica, v-se que a introduo de

novas formas de energias originadas a partir do uso intensivo de combustveis fsseis,

principalmente na industria, e nos transportes, foi responsvel por quase 98% das emisses

de dixido de carbono nos Estados Unidos, 24% das emisses de metano e 18% das

emisses de xido nitroso.

difcil o clculo de emisses futuras, uma vez que depende de demografia,

economia, tecnologia, poltica e desenvolvimento institucional. Vrios cenrios de emisses

foram desenvolvidos com base em diferentes projees destes fatores e suas

sobreposies. Por exemplo, na ausncia de controle poltico de emisses, as

concentraes de dixido de carbono podem estar de 30 a 150% mais altas que hoje.

Quando se alerta para riscos associados ao efeito estufa, o foco sua possvel

intensificao causada pelo homem e a conseqncia para o clima da terra. Do ponto de

vista quantitativo, a hiptese do aumento dos gases de efeito estufa simples: quanto maior

for a concentrao de gases, maior ser o aprisionamento do calor e, conseqentemente,

mais alta a temperatura mdia do globo terrestre. O problema que estamos adicionando

cada vez mais dixido de carbono na atmosfera ao queimarmos combustveis fsseis para

obter energia. Adicionamos tambm outros gases como o xido nitroso, metano e outros e

continuamos, ainda, a cortar milhares e milhares de rvores por dia.

26

A energia, vital para o homem, inicialmente foi obtida com sua fora fsica, depois

com animais domesticados, queima de lenha para cozimento e aquecimento de casas,

rodas e moinhos de gua. No sculo XVIII, com a Revoluo Industrial, a madeira forneceu

energia para as mquinas a vapor, fato que deu incio s discusses ambientais quanto ao

destino das florestas europias. Aos poucos, a energia do carvo mostrou-se mais eficiente

e substituiu a madeira no final do sculo XIX. A partir do sculo XX, com o uso de motores

de combusto interna, cresce o uso do petrleo, ultrapassando o consumo de carvo na

metade do sculo. Outras formas de energia, hidrulica, nuclear, de biomassa, elica, so

utilizadas em menor escala atualmente.

A matriz energtica de uma poca ou pas depende de fatores ligados poltica,

economia, recursos naturais e tecnologia. Deveria estar relacionada conscincia das

mudanas climticas causadas pelos diferentes energticos e do compromisso com o

desenvolvimento limpo e sustentvel como soluo ambiental benfica ao planeta e a vida.

Em junho de 1992, durante a Cpula da Terra, no Rio de Janeiro, foi negociada e

assinada a Conveno Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima. A mudana

climtica foi reconhecida como uma preocupao comum da humanidade e 175 pases mais

a Unio Europia propuseram-se a elaborar uma estratgia que visasse garantir a vida de

geraes presentes e futuras em condies climticas favorveis (BRASIL, 2000).

Em 1995, na Alemanha, a Conferncia de Berlim examinou a adequao de

obrigaes estabelecidas e props a constituio do Protocolo. Seriam estipulados limites

de emisso dos gases do efeito estufa, principalmente o CO2. Em 1996, na Sua, foi

assinada a Declarao de Genebra, visando a criao de obrigaes legais e apresentando

o Segundo Relatrio de Avaliao do IPCC, considerado o mais autorizado documento

sobre a cincia da mudana do clima.

Na terceira Conferncia, realizada em dezembro de 1997 em Quioto, no Japo,

elaborou-se o compromisso de 39 pases desenvolvidos quanto reduo ou limite de

emisses futuras de CO2 e outros gases responsveis pelo efeito estufa, exceto os j

27

controlados pelo Protocolo de Montreal. O Protocolo estabelecido durante a conferncia

estabelece 5,2% de reduo nas emisses entre os anos de 2.008 e 2.012, com relao aos

nveis de 1.990 para CO2, CH4 e N2O, e aos nveis de 1995 para SF6, PFCs e HFCs

(UNFCCC, 2000).

O Protocolo de Quioto inclui trs mecanismos: implementao conjunta, comrcio de

emisses e mecanismos de desenvolvimento limpo. Este ltimo desenvolvido a partir de

proposta brasileira, onde seria institudo o princpio de poluidor-pagador. Esta proposta

transformou-se na possibilidade de um pas desenvolvido financiar projetos em pases em

desenvolvimento.

Os maiores emissores de gases do efeito estufa so cautelosos no combate s

mudanas climticas por temerem altos custos e destruio do atual modelo energtico.

No fcil calcular os custos das polticas de combate ao aquecimento global, a forma com

que os juros afetam o planejamento e o investimento corporativos e como os investidores e

consumidores respondero s iniciativas tomadas. Contudo, devem ser calculados tambm

os custos ambientais e de sade relacionados s mudanas climticas.

A quarta conferncia, na Argentina, em novembro de 1998, resultou no Plano de

Ao de Buenos Aires, onde foi ratificada a necessidade de considerar as atuais emisses e

o conceito de responsabilidade histrica das emisses. Foi avaliada a real contribuio de

cada pas no aumento da temperatura global, de acordo com a figura 2.11.

O histrico de emisses tambm deve ser lembrado, uma vez que faltam dados

anteriores a 1990, e no sendo garantido que a previso de emisses futuras ocorra. Por

um lado, os pases industrializados no querem se responsabilizar pelo custo futuro de

emisses que no faro devido ao seu estgio de desenvolvimento. De outro lado, pases

em desenvolvimento no concordam em assumir 150 anos de emisses que no

produziram.

28

FIGURA 2.11 EMISSES DE CARBONO, 1996. FONTE: UNFCCC, 2000.

Pases industrializados, como Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e Frana,

vm consumindo energia por mais tempo, desenvolveram-se pelo consumo energtico,

sendo maior o acmulo das emisses. O Japo atingiu pico menor que os demais pases,

sendo retardatrio no processo de desenvolvimento, tendo provocado menos emisses que

seus precedentes.

E quando se compara o desempenho de alguns pases quanto emisso de dixido

de carbono, de acordo com a Tabela 2.5, Estados Unidos e Japo possuem a maior mdia

de emisses por habitante e tambm por rea territorial.

29

TABELA 2.5. - INDICADORES DE EMISSO DE CO2 1997.

ESPECIFICAO BRASIL EUA JAPO AM. LATINA MUNDO

t CO2 / HAB. 1,8 20,5 9,3 2,2 4,0

t CO2 / tep Oferta Int. Energia 1,8 2,5 2,3 2,0 2,4

t CO2 / 10^3 US$(85) de PIB 0,52 0,83 0,35 0,77 0,90

t CO2 / Km de superfcie 35 595 3107 48 113

.

FONTE: BRASIL, 2000

O xito conseguido no que se refere reduo das emisses de substncias que

destroem a camada de oznio, nos termos do Protocolo de Montreal, baseou-se no fato dos

pases desenvolvidos liderarem a ao de eliminar os CFCs nocivos e em dar apoio

financeiro e tcnico, tendo em vista ajudar os outros pases a procederem da mesma

maneira. Os pases em desenvolvimento aceitaram metas semelhantes de reduo das

emisses, com um perodo de graa de quinze anos. O Protocolo de Quioto pode no ser

to bem sucedido quanto o de Montreal, uma vez que os interesses envolvidos nas

negociaes so de maior complexidade e envolvem decises que poderiam alterar a

posio de hierarquia no mundo globalizado.

Finalmente, Canad, Japo e Nova Zelndia decidiram ratificar este acordo

internacional. Estados Unidos, apesar de tentar bloquear o processo, decidiu atualizar-se na

luta contra as mudanas climticas.

Com a ratificao por parte da Rssia, em setembro de 2004, o Protocolo de Quioto

converteu-se em Lei internacional, entrando em vigor aos 16 de fevereiro de 2005, sem a

participao dos Estados Unidos e Austrlia.

O debate internacional sobre as mudanas climticas continuar intenso, medida

que as negociaes sobre o Protocolo de Quioto prosseguem. A perspectiva do aumento da

temperatura e do nvel do mar, com impactos sobre as pessoas e ecossistemas, podero

30

levar alguns governos a tomarem medidas no sentido do desenvolvimento limpo, mas as

preocupaes com os custos econmicos e polticos destas medidas persistiro, at que

pases desenvolvidos que se recusam a ratificar o Protocolo de Quioto percebam que as

mais drsticas alteraes climticas ocorrero no hemisfrio norte.

2.6. IMPACTOS DECORRENTES DAS MUDANAS CLIMTICAS

Informaes indicam que o clima muito mais instvel do que se imagina e altera-se

de forma rpida no presente, mostrando marcas das atividades humanas no planeta.

Satlites facilitam a observao das correntes martimas, monitoram o clima, margrafos

do informaes sobre o nvel do mar, modelos computacionais mostram a distribuio do

gelo polar e de florestas, o homem percebe as sensaes do aquecimento global em seu

organismo, nos extremos do tempo e nas modificaes de ecossistemas.

A principal conseqncia das alteraes climticas, segundo as pesquisas, o

aumento do nvel do mar a partir da dilatao trmica e alteraes das placas de gelo nos

plos.

Com o aquecimento, prev-se maior quantidade de neve na Antrtida, hemisfrio sul.

Na regio rtica, no hemisfrio norte, as temperaturas so da ordem de 10C a 15C mais

elevadas, predominando o degelo, em relao ao plo sul. Como a regio rtica possui,

hoje, maior extenso de gelo, haveria um dficit nas massas de gelo, conseqentemente ao

aquecimento do planeta, ou seja, o degelo prevaleceria formao de novas placas de gelo.

O processo de degelo lento, levando a ocorrer fissuras nas lminas, que passariam

a flutuar, aumentando o nvel do mar ainda neste sculo. Vale lembrar que a gua no estado

slido ocupa maior volume, isto , sua densidade menor. Segundo prev o IPCC, esse

aumento pode variar de 50 a 90 centmetros acima do nvel atual e ser ocasionado pela

dilatao trmica da gua e pelo degelo das placas ocenicas e de glaciares localizados nos

topos de cordilheiras. Os glaciares de cordilheiras constituem importantes indicadores de

31

mudanas climticas por responderem rapidamente ao aquecimento.

Monitoram-se instrumentalmente as caractersticas ocenicas, com nvel de certeza

bem confivel, observando-se aumento da evaporao de 1973 a 1988, na regio dos

trpicos, e conseqente aumento de temperatura na superfcie do mar. O gelo marinho

tambm diminuiu entre 1973 e 1994, de acordo com relatrio do IPCC (2001), e o nvel do

mar subiu de 10 a 25 centmetros durante o sculo XX, com base na leitura de margrafos

em diversas reas costeiras.

As regies equatoriais recebem mais energia do que as polares, contudo, h um

balano energtico que transfere essa energia, recebida com maior intensidade no equador,

para os plos, atravs da atmosfera e tambm dos oceanos. Nas baixas latitudes, a

evaporao da gua ocenica o principal mecanismo de remoo de calor da superfcie

terrestre, fato que ocorre graas ao calor latente de vaporizao, alto para a gua. Quando

evapora, a gua retira do ambiente parte do calor, transportando-o at regies mais frias do

planeta. Nessas regies o vapor de gua se resfria e se condensa, liberando o calor. A

evaporao ocorre, neste caso, sobre os oceanos e viaja pela atmosfera devido ao

dos ventos.

A atmosfera gera, por atrito com as guas ocenicas, as principais correntes

superficiais marinhas (figura 2.12), hoje bem conhecidas. Ventos alsios formam as

correntes equatoriais comuns a todos os oceanos (Campos, 1995). Nos oceanos Atlntico e

Pacfico essas correntes so interceptadas pelos continentes e desviadas para norte e sul,

sendo responsveis por formarem as mais intensas correntes. Ao soprar em sentido oeste,

os ventos alsios levam junto as guas, provocando um aumento mdio de quatro

centmetros a cada 1.000 quilmetros percorridos no mesmo sentido. Esse acmulo de

gua, ao retornar, gera as contracorrentes equatoriais. Ocorrem giros sub-polares no

hemisfrio norte, o que no acontece no hemisfrio sul por no haver barreiras de terra

obstruindo o fluxo de gua.

32

FIGURA 2.12 CORRENTES OCENICAS. FONTE: HUPFER, GRABL, LOZN, 2001.

Os maiores volumes de gua transportados esto na regio rtica, 100 milhes de

metros cbicos por segundo. A corrente do Brasil transporta o volume mximo de 14

milhes de metros cbicos por segundo, sessenta e duas vezes a quantidade de gua

movimentada pelo rio Amazonas.

guas menos densas tendem a ocupar altura mais elevada na coluna de gua.

Assim, alm das correntes marinhas superficiais, existem as profundas, causadas por

diferenas de densidade da gua do mar. Estas correntes so produzidas por alteraes na

temperatura ou salinidade, podendo ocorrer devido ao resfriamento ou aquecimento da

gua. O movimento vertical, pela densidade, e, depois, horizontal, pelo deslocamento. So

correntes importantes no estabelecimento das caractersticas profundas do oceano, fazendo

com que o alto teor de oxignio circule.

De modo geral, correntes de guas profundas so formadas em altas latitudes e

correntes de guas superficiais so formadas em latitudes menores. As correntes de guas

superficiais no so consideradas verdadeiras massas de gua por estarem freqentemente

submetidas a constantes alteraes de temperatura e salinidade.

33

Oceanos desempenham papel importante no armazenamento de calor e carbono.

Sua atuao frente o aquecimento global ser a de difundir os efeitos da variao de

temperatura por grandes distncias, seja atravs da circulao vertical ou horizontal. Em

conseqncia dessa capacidade, levar mais tempo para que este meio retorne s

condies normais. Ainda h o que ser resolvido sobre o estudo do aumento do nvel do

mar, mas h fortes evidncias de que, realmente, est ocorrendo, includa a regio Sudeste

brasileira e, nela, o litoral de So Paulo (Mesquita, 1997).

O aumento do nvel ocenico afetar regies costeiras, onde so encontrados

valiosos sistemas ecolgicos e mais de metade da populao mundial. Podem ocorrer

inundaes, eroso costeira e salinizao. Aves marinhas, peixes, fitoplncton e

zooplncton sero afetados, bem como j se constata a destruio de recifes de corais.

Regies porturias podem tornar-se problemas econmicos, ilhas ou pases-ilhas

desaparecero parcial ou totalmente, bem como cidades costeiras de altitude zero. Estes

fatos, embora paream alarmistas, podem servir como alerta na tomada de decises que

diminuam as conseqncias do aquecimento global e aumento do nvel do mar em regies

de preservao ambiental ou que abriguem, principalmente, populao de baixa renda,

como os manguezais,rea de estudo desta dissertao.

Contudo, as alteraes climticas desencadearo uma srie de modificaes

globais, como reao em cadeia, segundo Hupfer, Grabl, Lozn (2001) e IPCC (2001).

Prev-se que a agricultura ser o setor da economia mais suscetvel s

variaes do clima, podendo sofrer fortes oscilaes no volume das

colheitas e na qualidade dos diferentes cultivares;

Aumento da desertificao;

Intensificao da circulao global de gua, isto , maior evaporao e

precipitao (3 a 15%), com distribuio diferenciada nas regies

intertropicais, onde deve ocorrer aumento de precipitao, e diminuio

de chuvas nas regies subtropicais, levando a problemas de escassez de

34

gua;

Mudanas na cobertura vegetal do globo terrestre, dependendo da

capacidade adaptativa das espcies;

Conseqncias econmicas ocasionadas pelo aumento de catstrofes

climticas em relao dcada de 1960; danos de bens assegurados

contra temporais extremos, aumento do nvel do mar e intensificao das

tormentas e chuvas juntam-se a esse processo outros fatores, como o

crescimento populacional, crescimento de valores materiais, urbanizao

e aumento da vulnerabilidade de uma regio;

Biodiversidade ameaada, levando extino total ou regional, adaptao

seletiva, oportunismo ou migrao um dos ecossistemas mais afetados

pelo efeito das mudanas climticas o de manguezais;

Influncias sade humana por ondas de calor mais freqentes e

intensas, alm de condies extremas do tempo os efeitos das ondas

de calor podem agravar-se nas grandes cidades, causando ilhas de

calor urbano;

A distribuio geogrfica de diversas enfermidades infecciosas tropicais,

como a malria, ou invaso de reas humanas por zoonoses, como

infestaes de carrapatos que podem converter-se em grandes problemas

para a Europa Central;

Ainda persistem dvidas sobre a quantificao dos impactos causados e em que

escala de tempo devem ocorrer. Mesmo assim, medidas de proteo e preveno devem

ser tomadas, partindo-se das evidncias j conhecidas. No preciso explicar todas as

questes para se tomar atitudes. Algumas j podem ser adotadas com base na primeira

compreenso do problema. Implica ainda em colaborao por parte dos pases

desenvolvidos cooperarem com os ainda no industrializados.

35

3. MANGUEZAIS

3.1. CARACTERIZAO DOS MANGUEZAIS

Os manguezais so ecossistemas costeiros das regies de clima quente do planeta,

tpicos de zonas tropicais, estimando-se que ocupem uma rea de 165.530 quilmetros

quadrados, distribudos entre o Trpico de Cncer e o Trpico de Capricrnio. Esto

localizados na faixa entre a mar alta e a mar baixa, junto foz de rios, no interior de

baas, esturios e locais protegidos da ao direta das ondas do mar, mas expostos ao

contato entre rios e mares, onde gua doce e salgada se misturam em diversificadas

propores.

Devido sua estrutura, os manguezais vem h muito tempo despertando interesse. A

primeira descrio de manguezais (Shaeffer-Novelli, 1995) foi realizada em 1526, por

Oviedo, na obra Histria Geral e Natural das ndias. Outra obra de 1587, Trabalho Descritivo

do Brasil, do historiador portugus Gabriel Soares de Souza, conhecida como uma das

referncias mais antigas sobre os manguezais brasileiros.

3.1.1. Definio de manguezais

Snedaker (1985) define os manguezais como bosques de plantas lenhosas tolerantes

ao sal, caracterizados pela habilidade comum de crescerem e desenvolverem-se ao longo

de litorais protegidos das mars e localizados em meio a sedimentos salinos

freqentemente anaerbios.

Os manguezais esto dominados por um grupo de espcies arbreas que

desenvolvem adaptaes fisiolgicas, reprodutivas e estruturais que lhes permite colonizar

36

substratos instveis e reas alagadas, sujeitas s mudanas de mars das costas tropicais

e subtropicais protegidas das foras das ondas (Mainardi, 1996).

Devido localizao costeira destes ecossistemas, sempre em contato com massas

de gua ocenica em combinao com guas que chegam atravs de correntes fluviais ou

desembocadura dos rios, tambm podem ser denominados bosques hidrfilos. Neste

sentido Von Prahl (1990) define os manguezais como sistemas estuarinos naturais, onde

ocorrem etapas larvais de inmeras espcies marinhas e de gua salobra.

Os manguezais so formaes de transio da terra para o mar, protegendo as

costas tropicais com rvores e arbustos que crescem abaixo do nvel mximo das mars de

primavera. Seus sistemas radiculares esto em contato regular com gua salobra. Apenas

um nmero reduzido de espcies vegetais pode sobreviver em condies fisiolgicas to

adversas, sendo a formao de bosques de manguezal pouco variada. No mundo so

conhecidas 90 espcies, das quais 55 encontram-se geralmente em manguezais

pantanosos. Os gneros mais importantes so Rhizophora, com razes arqueadas que

servem como suporte, Avicennia e Sonneratia, ambas com razes respiratrias

(pneumatforos) que brotam da superfcie do solo (Christensen, 2002).

Na realidade, no existe uma definio precisa sobre manguezais. Os autores valem-

se, para sua caracterizao, de elementos em comum, como os benefcios oferecidos por

este ecossistema, mecanismos de adaptao das espcies vegetais que o constituem,

condies ambientais adversas como a salinidade, entre outras. A dinmica destes

ecossistemas est ainda determinada por vrios fatores marinhos, atmosfricos e terrestres,

como o clima local, a geomorfologia, salinidade, freqncia e durao das inundaes e

distncia do mar. Estas caractersticas determinam a distribuio das espcies e a sua

sucesso na geologia terrestre.

37

3.1.2. Localizao e distribuio dos manguezais

A distribuio dos manguezais corresponde de florestas tropicais, estendendo-se

ao norte e sul do Equador. Raras vezes encontram-se alm dos trpicos, uma vez que estes

ecossistemas so sensveis a baixas temperaturas. Os limites de latitude so determinados

pela temperatura, estendendo-se ao norte ou sul apenas naquelas regies em que as

correntes costeiras modificam o clima (Snedaker, 1985).

Sustenta-se a teoria de que a diferena de espcies dos mangues orientais e

ocidentais deve-se a correntes ocenicas que evitam o movimento de migrao de espcies

(FAO, 1994). Mundialmente podem ser distinguidas duas zonas de distribuio de

manguezais:

Zona Ocidental, incluindo a frica Ocidental, as costas da Amrica e o Caribe;

Zona Oriental, compreendendo as costas da frica Oriental, sul da sia e

Pacfico, incluindo desde ilhas at a Austrlia e onde est concentrada a

maior diversidade.

Cuatrecasas (1958) em seu estudo sobre os manguezais da costa ocidental afirma

que os manguezais da costa do Pacfico americano estendem-se desde a Baixa Califrnia

at o norte do Peru, tendo seu mximo desenvolvimento nas costas do Panam, Colmbia e

norte do Equador, cobrindo uma larga faixa lateral cortada por uma rede de rios e canais

chamados esturios. A Rhizophora brevistyla, espcie de mangue vermelho, constitui as

formaes mais importantes destes manguezais e ocupa a posio mais prxima ao mar.

Segundo Bernardi (1959), os manguezais da costa do Pacfico tem seu ponto mais

baixo de localizao a 3048'S, no delta do rio Tumbez, Peru. O ponto mais baixo na costa

Atlntica situa-se a 2820'S, ao sul de Florianpolis, apresentando um manguezal j muito

empobrecido. O motivo dessa desigualdade foi atribudo corrente fria de Humbolt que

percorre a costa sul-americana ocidental e tornaria difcil o crescimento de rvores tropicais.

s plantas lenhosas dos manguezais associam-se outros componentes da flora e

38

fauna altamente adaptados a condies especiais de solo periodicamente inundado e

grande variao de salinidade, sendo a temperatura considerada como um dos principais

limitantes, no se desenvolvendo satisfatoriamente em regies onde a mdia anual seja

menor que 19C e normalmente no toleram flutuaes trmicas que excedam a 10C

(Adaime, 1985). Rey (1999) escreve sobre a teoria de que as espcies de manguezais

originaram-se na regio Indo-Malasia e, atravs das correntes ocenicas, os propgulos8

chegaram a ndia e Leste da frica. Devem ter chegado Amrica Central e do Sul durante

o perodo Cretceo superior e a poca do baixo Mioceno, entre 66 e 23 milhes de anos

atrs.

Andrade (1965) faz referncias aos estudos dos manguezais brasileiros, sendo os

estudos realizados do ponto de vista florstico e carecendo de informaes ecolgicas ou

fisiolgicas.

A distribuio mundial de manguezais est ilustrada na figura 3.1, (WCMC, 1997).

Os manguezais no existem em costas rochosas como as da costa colombiana,

(Bernardi, 1959). Nas costas arenosas do Pacfico podem ser encontrados manguezais em

lagoas ribeirinhas, separadas do mar aberto por bancos de areia.

Os manguezais da Amrica Latina e Caribe, apresentados na tabela 3.1, constituem

58.310 quilmetros quadrados, 35,27% da rea total ocupada pela distribuio deste

ecossistema no mundo (FAO, 1994). As maiores extenses de bosques de manguezais

encontram-se no Brasil (25.000 quilmetros quadrados) e no Mxico (6.600 quilmetros

quadrados).

8 rgo destinado multiplicao vegetativa das plantas.

39

FIGURA 3.1. DISTRIBUIO MUNDIAL DE MANGUEZAIS.

3

2

FONTE: WCMC, 1997. NOTAS: (1) frica e sia; (2) Amricas; (3) sia e Austrlia.

1

40

TABELA 3.1. DISTRIBUIO DE MANGUEZAIS NA AMRICA LATINA E CARIBE.

Superfcies aproximadas de manguezais na Amrica Latina e Caribe

rea Pas Superfcie (quilmetros quadrados) % na Amrica

Latina % mundial

Belize 750 1,286 0,454

Brasil 25.000 42,874 15,124

Colombia 3.070 5,265 1,857

Costa Rica 390 0,669 0,236

Cuba 4.480 7,683 2,710

El Salvador 360 0,617 0,218

Equador 1.960 3,361 1,186

EUA (Flrida e Porto Rico) 1.780 3,052 1,077

Guadalupe 30 0,051 0,018

Guatemala 500 0,857 0,302

Guiana 1.500 2,572 0,907

Guiana Francesa 550 0,943 0,333

Haiti 180 0,309 0,109

Honduras 1.450 2,487 0,877

Jamaica 70 0,120 0,042

Martinica 20 0,034 0,012

Mxico 6.600 11,319 3,993

Nicargua 600 1,029 0,363

Panam 4.860 8,335 2,940

Peru 280 0,480 0,169

Repblica Dominicana 90 0,154 0,054

Suriname 1.150 1,972 0,696

Trinidad e Tobago 40 0,069 0,024

Venezuela 2.600 4,459 1,573

total 58.310 35,275 Total mundial 165.300

FONTE: FAO, 1994.

41

3.1.3. Dinmica dos manguezais

Os manguezais so ecossistemas muito variados quanto sua composio e

estrutura, sempre marcando a transio entre terra e mar. Vrios so os fatores ambientais

que determinam a dinmica dos manguezais. Cuatrecasas (1958) refere-se ao solo dos

manguezais que aparece na mar baixa como sendo um lodo negro azulado, macio,

completamente saturado de abundantes colides, minerais e restos orgnicos, ricos em

bactrias e pobre em oxignio, com substncias putrefatas.

Lamprecht (1959) associa os solos lamacentos, enriquecidos pela matria orgnica e

partculas finas de solo levadas pelas guas, ao estabelecimento propcio de manguezais.

Temperatura e precipitao so os fatores bioclimticos fundamentais na

caracterizao da dinmica destes ecossistemas. A temperatura mnima no inverno maior

que 20 C, sendo constante durante o ano, com variaes menores que 5C. Altas

temperaturas combinadas com alta radiao solar aumentam a evapotranspirao e,

conseqentemente, aumenta os nveis de salinidade do solo, condio que pode ser

prejudicial para o desenvolvimento do manguezal. Segundo Mainardi (1996), pode haver a

formao de crostas salinas na superfcie do solo. A temperatura mnima e a variao de

temperatura ao longo das estaes do ano so fatores importantes para o crescimento dos

manguezais. Chapman (1976), refere-se ao melhor crescimento e desenvolvimento dos

manguezais quando a variao estacional9 da temperatura no superasse 10C e a

temperatura mnima tambm no fosse inferior a 10C.

Ribeiro e Costa (2001) analisaram aspectos climticos dos manguezais e, em termos

de temperatura, o manguezal apresentou-se sempre mais ameno em relao a reas

desmatadas ou urbanizadas, com cerca de 2C de diferena. O manguezal apresentou

tambm maior umidade em todo ciclo dirio. O aquecimento do solo em reas desmatadas

chegou a amplitudes de at 39C, atingindo 27C em manguezais intactos.

9 Relativo s estaes do ano.

42

A precipitao desempenha papel fundamental no controle da salinidade do solo. A

FAO (1994) sustenta que manguezais desenvolvem-se melhor em regies onde a

precipitao supera os 2.500 mm anuais, enquanto em regies com precipitao inferior a

1.500 mm anuais formam-se salinas, como ocorre em Cuba e parte do Panam. Lacerda

(1993) refere-se regio costeira da Costa Rica, de estaes menos pronunciadas e

precipitaes anuais entre 2.100 e 6.400 mm, onde as rvores superam os 35 metros de

altura, assim como na Guiana Francesa e norte do Brasil.

Os solos de manguezais so classificados por Von Prahl (1990) como orgnicos e

inorgnicos. Os primeiros formam-se pela grande acumulao de restos orgnicos,

caracterizados pelo pouco contedo de argila, limo e areia; e mantidos por processos

anaerbios. Os nutrientes dos solos orgnicos so liberados pela decomposio de matria

orgnica, sendo periodicamente inundados, mas sua drenagem lenta, fazendo com que

mantenham uma saturao permanente de gua.

Os solos inorgnicos formam-se por depsitos de limo e argilas em terrenos aluviais,

definidos como terraos de sedimentos que se depositam ao longo dos rios como produto

da eroso. Estes solos so geralmente ricos em nutrientes, como clcio, magnsio e

potssio, retidos temporariamente. Nesta categoria de solos h um tipo que perde os

nutrientes por lixiviao, acumulando elementos txicos como ferro e alumnio. Existem

manguezais que se desenvolvem neste tipo de solo pobre em nutrientes.

Geomorfologicamente, os manguezais crescem em regies litorneas de deltas

formados a partir de sedimentos fluviais provenientes da eroso, resultado da passagem

das guas pelas rochas. Estes sedimentos so transportados pelos rios em direo ao mar,

depositando-se na desembocadura de rios protegidos das ondas ocenicas e quando o rio

diminui a velocidade de suas guas. O formato dos deltas depende dos sedimentos

carregados, sendo determinantes na estrutura dos bosques formados.

Bernardi (1959) afirma que a formao de ma