Sonali Maria de Souza - Federal University of Rio de Janeiro
Transcript of Sonali Maria de Souza - Federal University of Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social "Museu Nacional - Universidade Federal do Rio de JaneirozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
DA LARANJA AO LOTE
Transformações sociais em Nova IguaçuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Sonali Maria de Souza
Rio de JaneirozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1992
DA LARANJA AO LOTE
Transformações sociais em Nova Iguaçu
Sonali Maria de Souza
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL DO MUSEU NACIONAL DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÀ OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Aprovada por:
Prof. Afrânio Raul Garcia Jr.
Prof. Moacir Gracindo Soares Palmeira
Prof. José Sergio Leite Lopes
Rio de Janeiro, RJ - BrasilzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1992
SOUZA, Sonali Maria.
Da laranja ao Lote; transformações sociais em Nova Iguaçu. Rio de
Janeiro, UFRJ, PPGAS/Museu Nacional, 1992.
IX, 181zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAf.
Tese: Mestre em Ciências (Antropologia)
1. Nova Iguaçu, História 2. Loteamentos 3. Migração 4. Antropologia
I. Universidade Federal do Rio de Janeiro - PPGAS/Museu NacionalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
11 . Título
ERRATA zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
As referências a PEREIRA, 1970 feitas nas páginas 43, 44, 47 e 48 dizem respeito a PEREIRA,Waldick (1970) - A mudança da vila. Edição do autor.
Seguem-se as seguintes correções:
página 23
§ 2 Onde se lê "a um poder central a azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAfronteiras determinadas ..." leia-se" a um poder centrale a fronteiras determinadas ...".
página 27
§ 2 Onde se lê "importante ator político nesse período," leia-se "importante ator político nesseperíodo.".
página 31
§ 4 Onde se lê "que não havia um mapa do IBGE." leia-se "que não havia um mapa do IBGEpara aBaixada.".
página 32
§ 3 Onde se lê "lideranças históricas oposicionistas e encontraram ..." leia-se " lideranças históri-cas oposicionistas que encontraram ...".
página 34
§ 2 Onde se lê "Reportando-me Bourdieu ..." leia-se "Reportando-me a Bourdieu ...".
página 44
§ 5 Onde se lê "a estrada de ferro de Pedro II ' " leia-se " , a estrada de ferra Pedra II ' "
página 45
§ 4 Onde se lê "um exemplo demonstrativo dessa versão que pode também ser encontradaem " leia-se "um exemplo demonstrativo dessas versões que podem também ser encontradasem ".
página 48
§ 4 Onde se lê "o povoado menos insalubre, já concentrava ..." leia-se "o povoado menos insalu-bre já concentrava ...".
- 1 -
páginazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA52
§ 3 Onde se lê "(BRASIL, 1946:5)" leia-se "(IBGE, 1946:5))".
página 57
§ 3 Onde se lê "motivada pelo sucesso do cultivo da fruta. Diante da importância da produçãoe por articulações pohticas e da íntermedíações da Asssocíação de Fruticultores ..." leia-se"motivada pelo sucesso do cultivo da fruta e por articulações políticas. Diante da importân-cia da produção e das intermediações da Associação de Fruticultores ...".
página 60
§ 2 Onde se lê "viviam com suas famílias aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras de laranja ..." leia-se "viviam com suas fa-mílias nas chácaras de laranja ...".
página 61
§ 3 Onde se lê "seu pai mudou-se com a família para uma fazenda administrada pelo irmão deseu pai ..." leia-se "seu pai mudou-se com a família para uma fazenda administrada por umtio paterno de Adolfo ...'.
§4 Onde se lê "diferentemente do estudado por BASTOS (1977) ..." leia-se "diferentemente docaso estudado por BASTOS (1977) ...".
página 62
§ 4 Onde se lê "quando o marido rompeu o casamento, resolveu vender a chácara ..." leia-se"quando o marido rompeu o casamento, ele resolveu vender a chácara ...".
página 65
§ 3 Onde se lê "Miguel..." leia-se "João ...".
página 76
§ 2 Onde se lê "GEIGER & MESQUITA, 1959 ..." leia-se "GEIGER & MESQUITA, 1956 ... ''.
página 79
§ 2 Onde se lê "os filhos com famílias já constituídas recebiam então o seu terreno ... " leia-se"os filhos com famílias já constituídas recebiam então cada um o seu terreno ...".
§ 3 Onde se lê "o loteamento lucrativo." leia-se "o loteamento foi mais lucrativo",
página 91
§ 4 Onde se lê "LAGO, 1990" leia-se "LAGO, 1991",
- 2 -
página 92zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
§ 4 Onde se lê "e foram constituídos ..." leia-se ", tendo sido constituídos ...".§ 5 Onde se lê "fez retroceder os aluguéis retrocederem a ..." leia-se " fez retroceder os alu-
guéis a ...".
página 94
§ 5 Onde se lê "acontecendo, inclusive, tendo havido cerca de "leia-se "acontecendo, inclusive,cerca de "
página 103
§ 4 Onde se lê "e construção da residência, de certa forma "leia-se "e construção da residên-cia e, de certa forma ...".
página 116
§ 1 Onde se lê "para aquêles provenientes do Norte, a oposiçao com uma cultura mais clara-mente representada como herdeira de africanos, e mais, negra." leia-se "para aqueles prove-nientes dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnorte, a oposição com uma cultura mais claramente representada como herdeirade africanos e mais negra."
página 121
§ 1 Onde se lê "Essa, inclusive, é a origem do marido, que viera de Miracema ..." leia-se "Essainclusive é a origem do marido que veio de Miracema...".
página 122
§ 3 Onde se lê "A mais nova, nasceu em 1961..." leia-se "A mais nova nasceu em 1961...
página 123
§ 3 Onde se lê "bem demonstra como a história da constituição dos trabalhadores urbanos ..."leia-se "bem demonstra como conceber a história da constituição dos trabalhadores urbanos ...".
- 3 -
AGRADECIMENTOSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ao Prof. Afrânio Raul Garcia Jr., orientador de dissertação, pelo estí-
mulo e atenção criteriosa.
Ao Prof. Gilberto Velho, orientador de curso, por ter percebido rele-
vância no estudo do universo social que optei estudar desde o início do curso
de mestrado, e por indicações bibliográficas preciosas.
Ao Prof. Moacir Palmeira, pela indicação do livro OzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBACampo e a Cida-
de, para mim muito importante, não apenas pelo modelo que pude empregar
nesta dissertação, mas também pelas questões existenciais que pude melhor com-
preender através desta leitura.
Ao Prof. Otávio Velho, cUJa crítica generosa, detalhada e atenciosa a
um trabalho de curso, no período em que fazia os cursos de mestrado, me fez
avançar a pesquisa.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Antropolo-
gia Social, registro aqui meus agradecimentos na pessoa do Prof. José Sérgio
Leite Lopes.
Ao sociólogo Abdelmalek Sayad, por seus ensinamentos de dignidade.
A Tania Soares, responsável pela Seção de Ensino do PPOAS.
Ao Secretário de Obras da Prefeitura de Nova Iguaçu, Sr. Sérgio Gur-
gel, e a Aílton Alves, pela possibilidade de consultar arquivos desta Secretaria.
Aos professores Franklin Bolívar Lamounier, Maria Aparecida Rosesto-
latto, Muntaha Murad, Édila Herminia dos Santos, Maria Lydia Caulino Ramos,
Maria Beatriz Afonso Lopes, e ao solidário Prof. Silva, por terem acreditado
neste trabalho.
IV
Ao Dr. Moacyr de Carvalho que tornou possível as entrevistas em Aus-
tino
Ao Prof. Ruy Afrânio Peixoto, pelo acesso a seus arquivos.
A Associação de Moradores de Vista Alegre e Adjacências.
A todos aqueles que partilharam comigo momentos significativos de
suas vidas, possibilitando-me escrever esta dissertação, lhes agradeço desejando
que este trabalho possa ser um registro e uma tradução, mínima que seja, do
que me foi confiado.
A Cecília Boal, que ajudou a desembaraçar alguns nós que amarravam
este trabalho.
A Amir Geiger, pela revisão de grande parte do texto. e pelas paisa-
gens que pudemos trocar ao longo do curso de mestrado.
A Jurandyr Ferrari' Carv~lho Leite, que de longa data me confirma a
crença na associação possível entre' saber e justiça, pela editoraçâo.
A meus avós maternos, que me fizeram herdeira de uma nca tradição,
"real memory! like cedar feet/is shod in adamant" (E. Dickinson).
João José Fernandes de Sousa esteve pr~sente, solidaria e amorosa-
mente, em todos os dias e noites dessezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAanthropological blues. Para ele, minha
mais terna gratidão.
v
RESUMOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o trabalho analisa o processo de transformação dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras de laranja
em loteamentos urbanos, no município de Nova Iguaçu, RJ, ocorrido sobretudo
a partir dos anos 1950, avaliando-se algumas das implicações sociais da produção
de loteamentos. No primeiro capítulo, analisam-se as mudanças de sentido da
classificação Baixada Fluminense como representativas das mudanças na ocupação
da região assim denominada e estuda-se aspectos da história do município aci-
ma, a fim de se poder avaliar visões saudosistas de passado, presentes entre as
elites locais e moradores antigos. No segundo, a citriculturazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAé descrita e estuda-se
seu declínio. No terceiro, a produção de loteamentos é analisada. No quarto e
último capítulo é feita descrição de uma área de loteamentos, procura-se carac-
terizar os compradores dos lotes, representados pelas elites locais como migran-
tes, e descrever como a área de loteamentos é apropriada pelos moradores, sen-
do pouco a pouco urbanizada.
VI
ÍNDICEzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
IntroduçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 1
Capítulo I - LUGAR E MEMÓRIA . . . . . . . .
1. As Baixadas Fluminenses: construção social
dos limites de uma região . . . . . . . . . .
- Para historicizar a categoria .
- Baixada no presente: confrontos de representações
2. Aspectos históricos do município de Nova Iguaçu
- De uma velha e uma nova Iguaçu . . . . . . .
16
23
23
30
37
40
Capítulo II - DA LARANJA AO LOTE: de chácara e loteamentos
uma transformação . . . . . . . . . . . . . .
1. Do universo das chácaras de laranja.
- Exportação e beneficiamento . .
- O universo social da produção .
- O calendário da produção . . . . . . . . . . . . . .
- Citricultura e deslocamento populacional . . . . .
- Parcelamento do solo e expansão de propriedades
2. Declinio da Citricultura . . . . . . . .
- Crise a partir da Segunda Guerra
- Conversão de chácaras em loteamentos
51
56
56
59
66
67
70zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
74
74
77
CapítulozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAIII - LOTEAMENTOS E TRANSFORMAÇÕES
NO ESPAÇO SOCIAL .
- O loteamento como forma de ocupação urbana . .
- Loteamento e especulação . . . . . . . . . . . . . . . . . .
- Loteamento e vias de transportes . . . .
- Loteamento e transformação no espaço social
83
89
93
95
97
Capítulo IV - O "PESSOAL DE FORA":
construção de um novo mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1. O migrante: diferentes mundos em transformação
2. Loteamentos: construção de uma cidade . . . . . . .
Conclusão .
Notas .
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Anexos .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
106
111
124
135
143
149
160
"Tento relatar algo e, mal me calo, noto que ainda não
disse nada. Uma maravilhosa substância luminosa,
refratária,permanece em mim e escarnece das palavras.
SerázyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo idioma, que lá não compreendi e que agora
deverá se traduzir lentamente dentro de mim? Lá
existiram acontecimentos, imagens e sons, cujos
significados só agora começam a se constituir para mim ".
Elias Canetti,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAVozes de Marrakech
INTRODUÇÃOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Cuidado, diziam no fundo da memona as imagens
da Baixada Fluminense, todas nascidas da crônica
policial( ...)" (Fernando Gabeira - "Ásperos Cami-nhos da Esperança")
"For the historian comes to the interview to leam: to
sit at thezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA[eet of others who, because they come from
a different social class, or are less educated, or older,
know more about something" (Paul Thompson -The Voice of the Past)
A região hoje comum ente conhecida por Baixada Fluminense costuma
estar presente no noticiário nacional e internacional como área de forte cnmma-
lidade, e também como caso dos problemas do modelo metropolitano brasileiro.
o jornalista Fernando Gabeira chegou a escrever que os limites da Baixada se-
riam uma "fronteira mítica", tal a distância social resultante das imagens e noti-
ciários provenientes desta área.
Em que pese a dramática realidade subjacente a estas denúncias, que
fatores concorreram para a constituição de uma tal fronteira, que coloca a Bai-
xada para além dos limites da cidade, mas também fora das representações de
campo, circunscrevendo um lugar habitado por seres míticos, assim como as
montanhas de uma região do País Basco que, segundo seus camponeses, seriam
habitados pelo "gentil"?(l) ; ,
Foram perguntas como esta, feitas por muitos habitantes da Baixada,
que moveram inicialmente o trabalho de pesquisa que deu origem a presente
dissertação, e neste texto inicial, proponho-me a contar os caminhos que percorri
com elas e como pude ir encontrando os dados que me permitiram chegar até
- 1 -
aqui. Os caminhos não foram fáceis, mas à medida em que os sinais que Ia en-
contrando iam me permitindo entender aqueles pelos quais passara anteriormen-
te. pude caminhar com a convicção de que as perguntas que fazia levavam à
possibilidade de tornar' inteligível umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlugar, existencial, geográfico, social.
Para isso, além de bibliografia, muito ajudaram as pessoas com as
cuais convivi durante o trabalho de campo. Encontrar estas pessoas não foi ape-
nas a relação de uma pesquisadora em observação participante, mas a possibili-
dade de trocar experiências com aqueles que poderiam me ajudar a entender
questões deste trabalho. De minha parte, a disponibilidade, em ouvi-Ios, própria
da profissão, era muitas vezes a confirmação de que suas vidas de fato tinham
nistoricídade, uma experiência importante, que às vezes o estatuto politicamente
subalterno de uma condição, como a velhice, a pobreza, o analfabetismo, fazia
esquecer. Mas não apenas os ouvi, várias vezes conversei. Ou melhor, embora
tendo um roteiro para as entrevistas, por diversas vezes o que aconteceu foram
conversas em torno dos temas que a pesquisa propunha a essas pessoas. Com
elas, aprendi. E comigo elas tiveram a possibilidade de expor suas experiências e
de refletirmos sobre elas.
Durante todo o tempo, tinha consciência de que quem ia em busca
dessas pessoas era eu, pesquisadora, e que, portanto, elas possuíam um conheci-
mento que a mim era necessário. Sem pruridos acadêmicos, não compartilho de
idéias que pretendam dar à Ciência um estatuto de saber independente da con-
dição humana. Desse modo, como na epígrafe no início deste texto, convivi com
as pessoas que me ajudaram a escrever esta dissertação para aprender com elas.
Creio que várias das perguntas que lhes fazia eram perguntas que faziam a si
próprias e que, talvez por isso, quando entrevistava, por diversas vezes vivi a si-
tuação de ter uma ou mais pessoas escutando o relato de quem era entrevistado
e também entrevistando.
- 2 -
Vasculhando bibliotecas locais, arquivos pessoais, efetuando entrevistas,
deparei-me várias vezes com o extremo interesse de pessoas contatadas, seja em
dar-me seu depoimento pessoal, seja em ceder-me documentos, bibliografias.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAIn-
felizmente, as restrições objetivas de locomoção, tempo, e mesmo do escopo do
trabalho, levaram-me a dar um limite necessário a este levantamento, que possi-
velmente não deve ter correspondido à demanda dos grupos contatados. Realizei
entrevistas em que os entrevistados me aguardavam atenciosamente, alguns
acompanhados de amigos ou parentes que lhes "sopravam" um ou outro dado e
que ao final me indicavam listas de pessoas que poderiam também ser entrevis-
tadas, o que, dado os limites acima descritos, muitas vezes não pude fazê-lo.
Esta experiência, acontecida entre idosos mas também entre não idosos,
ou melhor, entre pessoas que se interessavam por uma "história de Nova
Iguaçu", no caso de elites locais, ou então pela história da citricultura, no caso
de parentes dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiros, ou ainda pela história de seu bairro, no caso dos mo-
radores de uma área de loteamentos onde estive no decorrer da pesquisa, deu-
me a convicção de que uma história precisava ser contada, não apenas sob o
nonto de vista da pesquisadora, mas também das pessoas entrevistadas. O que
não quer dizer que trabalhos não tenham sido feitos nesse universo social, mas
que para os agentes uma história vivida precisava ser contada. Notadamente en-
tre habitantes mais antigos de Nova Iguaçu, elites locais e chacreiros, houve mui-
to interesse nos depoimentos colhidos e naqueles que poderiam vir a ser feitos,
por parte daqueles que eram entrevistados e de conhecidos que vinham a saber
da entrevista, pois são significativos, é o que me parece, de uma experiência so-
cial importante na história do estado do Rio de Janeiro.
Inicialmente, estive mais concentrada em fazer entrevistas neste segmen-
to. Ao final dessa fase, convenci-me de que um processo de rupturas havia sido
vivenciado por aquelas pessoas e que fora este processo que informava o tomzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- 3 -
de necessidade, de ato necessário, dos depoimentos. Mais tarde, quando então
estive mais detidamente fazendo entrevistas entre moradores de loteamentos, co-
mecei a pensar neste processo como algo muito mais amplo, que encompassaria
também aqueles que tinham vindo morar nos loteamentos. Algumas das entrevis-
tas tiveram o caráter resgatador indicado por vários pesquisadoreszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(e.g.
THOMPSON, 1988; POLLACK, 1986) a respeito da importância do depoimento
biográfico para os entrevistados.
No caminho um tanto quanto poeirento (lembro-me aqui das ruas e
trilhas porque passei) desta pesquisa, foi pensada a possibilidade de ser feita
uma comparação entre trajetórias de habitantes de um loteamento e de campo-
neses de uma ocupação em Nova Iguaçu, Pedra Lisa. Isso se deveu ao fato de
ter encontrado, no loteamento em que fazia trabalho de campo, uma antiga li-
derança daquela ocupação, hoje octogenário. Felizmente, de uma empreitada
dessa monta, com todas as implicações que teria, a nível de um necessário su-
porte teórico, como também do fôlego necessário para um tal trabalho de cam-
po. tirou-me o sociólogo Abdelmalek Sayad, com quem pude conversar sobre a
pesquisa, já iniciada, durante sua estadia no Brasil, em 1990.
Assim, concentrei-me "apenas" na área de loteamentos onde já tinha
conseguido fazer contatos e entrevistas, mas, de qualquer modo, ter ido à Pedra
Lisa e entrevistado alguns de seus posseiros me foi importante, não só pela be-
leza do mundo que pude conhecer lá (a história de alguns de seus posseiros, a
geografia do lugar), mas também como um subsídio para este trabalho.
Esta dissertação procura contar a experiência dos habitantes de uma lo-
calidade que, no processo de transformação brasileiro que marcou "o fim da he-
zemcrua agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva
de base urbano-industrial" (OLIVEIRA, 1972:9), foi um locus profundamente
marcado por este processo. A cidade, Nova Iguaçu, e bairros adjacentes, faziamzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- 4 -
parte do território de um município que, até basicamente o início 'Cios anos
1950, era socialmente apropriado segundo os princípios de uma economia agrária
e que, a partir daquela década, passou a ter vastas áreas transformadas emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlote-
amentos. Ou seja, glebas de terra, várias delas com produção agrícola, tiveram
esta produção retirada e foram arruadas e divididas em lotes, a fim de serem
comercializados individualmente.
Em sua maioria, estes lotes, destinados à ocupação urbana, serviram
para o alojamento de população que deslocava-se do campo para centros urba-
no-industriais como o Rio de Janeiro, em busca de trabalho.
Através da intervenção de políticas públicas no decorrer do Estado No-
vo, como o saneamento da Baixada Fluminense, a eletrificação dos trens de pas-
sageiros, o Decreto-Lei n~58, que regulamentou o loteamento de terras, foram
dadas as bases para a aceleração desta ocupação, que recebeu novos incentivos
com a abertura ao tráfego da Avenida Brasil e da rodovia Presidente Dutra. A
nível da política local, as intervenções estadonovistas se fizeram sentir, por exem-
plo, com a deposição, em 1930, do prefeito Alberto Soares de Sousa e Melo,
que vem a ser o último representante, neste cargo, de uma família proprietários
rurais que controlavam o poder político há cem anos.
Dentro do quadro da aceleraçao da acumulação econômica promovida
a partir do reordenamento político e econômico iniciado pela Revolução de
1930, os loteamentos, sob a forma da venda de lotes sem investimentos de infra-
estrutura, articulavam-se com as estratégias de acumulação do período. A compra
do lote, pago em prestações durante 12, 15, 20 anos da vida produtiva do grupo
doméstico, e a construção da casa, feita pelo grupo, ajudariam a aumentar, con-
forme OLIVEIRA (1972), lia taxa de exploração da força de trabalho, pois o
seu resultado - a casa - reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodu-
ção da força de trabalho - de que os gastos com a habitação são um compo-
- 5 -
:-.;:::~:::importante - e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas"
OLIVEIRA, 1972:31).
A questão da habitação dos trabalhadores, nas cidades onde se concen-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
::-::'\3.m as indústrias, foi uma questão abordada por autores de diferentes corren-
:;:::s. contemporâneos do período de surgimento do operariado na Europa, tornan-
.; >5':. desde então, um tema presente na literatura sobre este segmento social,
cual a insalubridade e o caráter segregador do espaço destinado à habitação
:rabalhadores, eram dados mencionados (PERROT, 1971; LOPES, 1984).
Nesse período, com o crescimento da industrialização, verificou-se a
::-::.:-:sformaçãode terras encompassadas pelo sítio urbano em unidades parceladas
.:: serem comercializadas, sob a forma de lotes retangulares, 'o que se deu inicial-
=.::::~e na Europa, e depois Estados Unidos. Este tipo de prática já sena encon-
::-::.ja na Europa desde o século XVII, vindo a se consolidar e ampliar, no
seculo XIX, sob a forma de planos de loteamentos chamados pelos estudiosos
:~ urbanismo de planta em grade ou em xadrez (MUMFORD, 1982:456-464;
3=:LOCH, 1980:25-29).
Esta inovação articulava-se com as transformações mais gerais, promovi-
:.::s pela expansão da economia de mercado desde fins do século XVIII, em que
.:: terra foi incorporada, enquanto mercadoria, nesse sistema (POLANYI, 1980).
Na literatura brasileira sobre habitação popular, o tema dos loteamen-
:'::5 e da autoconstrução (categoria utilizada pelos estudiosos do problema da ha-
:-::ação para designar a prática de construção da casa dos trabalhadores pelos
,:,:-óprios) é recente, iniciando-se a partir da segunda metade dos anos 1970. A
.avela foi o objeto de estudo privilegiado desta literatura, influenciada, até os
::::105 1970, pela teoria da marginalidade, havendo, assim, uma bibliografia mais
vasta em relação a esta forma de moradia (VALLADARES & FIGUEIREDO,
:981).
- 6 -
Só mais recentemente, em fins dos anos 1970, é que os loteamentos
passaram a ser analisados, tendo o ensaio de Francisco de Oliveira, "A Econo-
mia Brasileira: Crítica à Razão Dualista", já referido, como um importante mar-
co teórico. Houve aqUI, na verdade, uma descontinuidade com a produção de
geógrafos que, nos anos 1950 e início dos anos anos 1960, estudaram o assunto
no período em que os loteamentos proliferaram no estado do Rio. Cabe, então,
lembrar dos trabalhos de Pedro Geiger, Myriam Mesquita e Terezinha Segadas
Soares, incorporados nesta dissertação.
Este trabalho estuda o caso da produção de loteamentos em Nova
Iguaçu, procurando mostrar como ela gerou rupturas a nível local, transforma-
ções econômicas e sociais.
Estas transformações se traduziram, inclusive, em mudanças do território
administrativo do município. O crescimento da ocupação urbana, sob a forma de
loteamentos, presente em Nilópolis e Meriti desde o início do século XX e em
Duque de Caxias a partir da inauguração da rodovia Rio-Petrópolis em 1928 e
sobretudo a partir dos anos 1930, refletiram-se na emancipação destes distritos.
A ocupação intensa destas áreas, posteriormente desmembradas, fizeram
então com que o município tivesse um crescimento populacional expressivo, re-
gistrando o maior crescimento proporcional do país no período 1920-40
(MENDES, 1950:102). Assim, em 1943, foram emancipados de Nova Iguaçu os
distritos de Duque de Caxias, Imbariê, Meriti e parte do distrito de Belford
Roxo, a fim de constituirem o novo município de Duque de Caxias. Em 1947,
Meriti veio a constituir o município de São João de Meriti, assim como o distri-
to de Nilópolis, separando-se de Nova Iguaçu, ganha autonomia municipal.
De outro modo, o crescimento populacional acima referido ocorreu
também devido ao cultivo da laranja, que atraiu população camponesa para essa
produção. Na cidade de Nova Iguaçu, centro administrativo do município, e arre-
- 7 -
dores, desenvolvia-se desde o início do século o cultivo da laranja, produção
agrícola que teve grande importância devido a sua inserção no modelo agro-ex-
portador do período anterior à Revolução de 1930.
O sucesso da citricultura, até a primeira metade dos anos 1940, res-
guardou as extensões de terra ocupadas com esta produção da onda crescente
de loteamentos como será visto mais detidamente no decorrer da dissertação. O
fim deste cultivo, com a transformação daszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras de laranja em loteamentos
urbanos, trouxe não só uma nova forma de ocupação, mas também mudanças
economicas, transformações na organização social do município, e a ruptura com
as idéias de uma cidade e de um mundo agrário.
Este trabalho procura mostrar os loteamentos sob o ponto de vista das
transformações locais que estes implicaram. A literatura sobre esta forma de
ocupação tem privilegiado as questões do parcelamento do solo, da autoconstru-
ção e dos agentes imobiliários. Incorporando estas questões, a dissertação procu-
ra dar indicações de que, a nível local, os loteamentos podem representar trans-
formações em uma organização social existente anteriormente.
Desse modo, se procurará demonstrar que os loteamentos feitos em
:\ ova Iguaçu, no pós-guerra, desencadearam um processo de rupturas com o pe-
ríodo anterior, quer seja pelo abandono de uma produção agrícola, quer seja pe-
lo crescimento populacional favorecido pelos loteamentos.
A existência prévia de uma organização social pode ser percebida atra-
ves de um sistema de classificações relacionado ao tempo em que uma pessoa
habita o lugar, freqüentemente acionado, e que remete à história da ocupação
do espaço. Esse sistema classificatório traduz, parece, as diferentes camadas, eta-
pas, em que se deu a ocupação. São as categorias: famflia tradicional, iguaçuano,
pessoal antigo e morador antigo.
As famflias tradicionais, são aquelas ligadas ao passado de proprietários
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rurais. Elites locais, têm posição de prestígio semelhante àquela descrita por
COSTAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& DIGIOVANNI (1991) a respeito doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcuritibanos de famflias conheci-
das, famílias mais antigas e de prestígio em Curitiba. A classificação família tra-
dicional, remete também à noção de uma tradição de família, de um sobrenome
de prestígio historicamente cristalizado.
A categoria iguaçuano é pouco empregada no cotidiano, em geral apa-
rece em situações de propaganda política ou em contextos de reafirmação de
uma precedência sobre o lugar.
O pessoal antigo refere-se a famílias de moradores antigos e ambas as
categorias recobrem os habitantes mais antigos de um bairro, ou da cidade, e,
independentemente de sua posição econômica, há uma relação de deferência pa-
ra com eles. Em geral, nos bairros, os moradores antigos, são aqueles pioneiros
na ocupação do loteamento, ou aqueles que estavam presentes na cidade, nos
povoados ou nas chácaras, no período que precedeu à expansão dos loteamen-
tos. Em Austin, onde fiz trabalho de campo, eram constantemente mencionados
Seu Fulano ou Dona Fulana "morador(a) antigo(a) aqui da área", e que, segundo
aqueles que me ajudavam a fazer contatos com possíveis entrevistados, seriam
"importantes" para a pesquisa.
A existências destas categorias e as relações que elas ensejam faz pen-
sar a historicidade da ocupação do espaço e como o tempo de permanência no
espaço é socialmente relevante neste contexto.
Mas, além de prestígio, estas classificações podem remeter também, pa-
ra as elites locais, a uma oposição entre iguaçuanos e o pessoal de fora em que
os primeiros representam desse modo a população que foi morar nos loteamen-
tos. Nesta oposição, os iguaçuanos atribuem aos segundos os problemas advindos
ao município sobretudo a partir dos anos 1970, como a falta de infra-estrutura
para o atendimento da população e a criminalidade.
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Esta parece ser uma constante em vários processos sociais de mudança,
:::-:1 que o crescimento populacional através da migração acontece associado à
':eterioração de uma situação tida pelos antigos como melhor que a presente.
Será então ao estranho que serão destinadas as causalidades da situação, tornan-
'::: exógenas estas causas, externas ao grupo mais antigo no espaço. KELLERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
: 9n), por exemplo, mostra a existência de uma oposição entre os moradores
:::3.is antigos de um povoado sertanejo e nordestinos, em área de frente de ex-
::-ansào agrícola, no Maranhão, em que oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsertanejos atribuem à chegada dos
:-zraibanos uma certa desordem na vida social do povoado.
A presença desta oposição se traduzem em campanhas eleitorais, no
::::SD de Nova Iguaçu. A partir dos anos 1980, têm sido feitas campanhas usan-
=:'-5e o argumento de que somente um político iguaçuano no cargo de prefeito,
seria capaz de administrar melhor o município.
Além desta oposição, uma outra permite pensar as transformações
::corridas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ a oposição entre a cidade dos laranjais e a cidade dos loteamentos.
:<"egistra-se uma valorização positiva do passado, em que este é idealizado. Esta
,::::orização se dá entre famflias tradicionais, iguaçuanos e moradores antigos, pre-
sentes no período anterior aos loteamentos, e, longe de pensar que a idealização
=:: passado seja uma total falsidade, esta questão foi abordada na dissertação
z crno um mito que remete ao passado agrário do município e que pode. ajudar
.::.compreender relações socialmente estabelecidas. Para isso, foi realizado um le-
" ::::-ltamento histórico a fim de que se pudesse compreender em que sentido, em
: ::'ntraste com um período anterior, os loteamentos representaram mudanças sig-
:-.:,:Jcativas.
Se há um eIXOtemporal, diacrônico, neste trabalho, ele se dá como in-
'.estimento para a compreensão das diferentes ocupações e representações sobre
:: espaço.
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Assim, um outro eIXOdo trabalho é o próprio espaço, objeto tradicio-
nalmente estudado pelas ciências sociais. As representações dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada, cidade, e
de um mundo rural, são abordadas no decorrer do trabalho como elementos sig-
nificativos das mudanças analisadas.
DURKHEIM (1973), ao abordar o espaço enquanto representação cole-
tiva, demonstrou que as representações sobre este são produzidas socialmente.
Em Os Nuer (EV ANS-PRITCHARD, 1978), pode-se perceber como as categorias
de tempo e espaço, articuladas, traduzem a apropriação social da natureza, e
que assim, as concepções de tempo e espaço remetem às concepções de nature-
za e às relações sociais através das quais as sociedades organizam sua temporali-
dade e teritorialidade.
Tendo em vista a ênfase espacial do objeto de estudo deste trabalho,
não se poderia esquecer a historicidade das relações sociais sobre o espaço e,
conjuntamente, a dinâmica das relações de apropriação deste, a fim de que ele
não seja substantivado na análise.
Assim, cumpre ressaltar que não passaram desapercebidos os desloca-
mentos e trocas, que tornam irredutíveis a população de um município, bairro,
loteamento, aos limites destes (CHAMPAGNE, 1975). Além deste aspecto, os
próprios limites juridicamente constituídos são aqui pensados enquanto uma cons-
trução política, social e histórica e, portanto, representando um estado da dinâ-
mica de apropriação social do espaço.
A cidade, e as possíveis particularidades das relações sociais agenciadas
por ela, têm sido objeto de reflexão constante nas ciências sociais. Presente em
clássicos como WEBER (1966), SIMMEL (1979) e Marx, a cidade teve, no de-
partamento de Sociologia da Universidade de Chicago, um importante centro de
pesquisa, já a partir do início deste século. Através de observação minuciosa es-
tudo minucioso de comunidades urbanas, estudiosos como Robert Park, Ernest
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Burguess e Roderick Mackenzie, implementaram e consolidaram os estudos mo-
nográficos, feitos por cientistas sociais no interior das cidades (BRESLAU, 1988).
No Brasil, as pesquisas em áreas urbanas têm também uma produção
expressiva. Apenas para citar alguns trabalhos relevantes de antropólogos, feitos
entre diferentes segmentos e abordando diferentes aspectos das camadas popula-
res, pode-se lembrar das pesquisas de CALDEIRA (1984), MAGNANI (1984),
ZALUAR (1985), DUARTE (1986) e LOPES (1988).
Desse modo, são amplamente empregados o método comparativo e o
trabalho de campo para o entendimento de relações sociais no contexto do es-
paço urbano. A utilização da abordagem antropológica para o entendimento des-
tas relações tem sua validade demonstrada, quando se avalia a contribuição de
diferentes pesquisadores, no sentido de possibilitar um melhor entendimento dos
microcosmos presentes na heterogeneidade das cidades surgidas com o desenvol-
vimento industrial. A possível "familiaridade" dos pesquisadores com seus "objetos
de estudo", no sentido de que compartilham uma mesma "organização sócio-es-
pacial", não oblitera, por si só, os resultados, podendo ser relativizada, se se
pensar nas inúmeras diferenciações encontradas nesse mundo heterogêneo
(VELHO & SILVA, 1977) e nos recursos analíticos e metodológicos desenvolvi-
dos pela Antropologia.
Partindo do suposto que o modelo de urbanização promovido através
do deslocamento de população para os grandes centros industriais teve como
uma de suas conseqüencias a heterogeneidade desse mundo urbano (PARK,
1979; WIRTH, 1979; VELHOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& SILVA, 1977), procura-se pensar azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcidade cria-
da pelos loteamentos como um mundo diferenciado, não apenas porque a popu-
lação que aflui para este tem diferentes origens sociais, mas também porque, co-
mo se procurará demonstrar, os loteamentos não aconteceram sobre uma área
de vazio populacional ou sem uma história de apropriação do espaço anterior a
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eles.
Assim, procurou-se esboçar um quadro onde surgissem diferentes agen-
tes envolvidos no processo: proprietário de terra,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiros, trabalhadores da
laranja, loteador, habitantes de loteamento. Assim também, registrou-se a produ-
ção saudosista dos iguaçuanos e moradores antigos, não para desqualificá-la, mas
como uma expressão que pode ser subsídio para o entendimento das mudanças.
Procura-se também, além de destacar a diferenciação interna deste uni-
verso, dar mostra de um dinamismo próprio às relações sociais. A inovação dos
lotes urbanos provocou mudanças no espaço social, nos "princípos de diferencia-
ção ou de distribuição" (BOURDIEU, 1989b:133) que organizavam a sociedade
sustentada pela citricultura e, desse modo, nas posições ocupadas pelos agentes.
O mundo retratado pela memória idealizada dos "laranjais floridos" foi
constituído através do surgimento de vários pequenos e médios estabelecimentos,
e de seus responsáveis, os chacreiros; atraía população camponesa de diferentes
lugares e nele os exportadores tinham posição dominante. Como se tentará de-
monstrar, este mundo foi sendo transformado com a entrada em cena de um
novo campo social, cujo objeto de disputa era a terra.
Os loteamentos foram produzidos através da criação deste campo, que
formou especialistas corno os loteadores (de maior ou menor capitalização) e
corretores imobiliários, com conhecimentos próprios (havendo inclusive a especia-
lização através de cursos) estes agentes trouxeram novas práticas que se traduzi-
ram em amplas mudanças.
A incorporação destas práticas por agentes locais fez com que, por
exemplo, proprietários de terra viessem a lotear suas propriedades, abrindo suas
próprias firmas de loteamento, e que também se tornasse possível que um ex-
trabalhador rural viesse a ingressar no mercado imobiliário como corretor e pos-
teriormente loteador, caso este encontrado na pesquisa.
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Assim, através da atuação desse novo campo social, foi mudado o em-
prego da terra e também a própria organização social da localidade. A força
destes agentes pode ser avaliada, inclusive, pela articulação entre estes e o po-
der público, tornando possível a adequação da implementação dos loteamentos
face às exigências de legislação.
A pesquisa procurou descrever uma área de loteamentos, a fim de
abordar o novo tipo dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcidade que surgiu através dele. Tenta-se mostrar como
este espaço é apropriado pelos novos habitantes, a origem social destes e sua
diversidade.
Para tal, foi escolhida uma área em Austin, sub-distrito de Nova
Iguaçu, cuja denominação se deve à estação ferroviária, batizada com o sobreno-
me do engenheiro inglês que a construiu no século passado. Assim também se
chamou o povoado erguido em torno da estação, cujas redondezas foram ocupa-
das por várias chácaras e pela Fazendas Reunidas Normandia, com produção de
laranja.
Os loteamentos nos quais foi feito trabalho de campo são originários
de chácaras e se encontram próximos à rodovia Presidente Dutra. Lá pude en-
trevistar remanescentes da citricultura, bem como aqueles que compraram lotes e
vieram habitar os loteamentos.
Foram realizadas cinqüenta entrevistas para esta pesqUIsa, entre habi-
tantes da cidade de Nova Iguaçu e de Austin. Trinta delas seguiram o roteiro
de um questionário com perguntas abertas e fechadas, sendo realizadas no Posto
de Saúde Rosa dos Ventos, mantido pelo Sistema Unificado de Saúde e situado
no loteamento Vista Alegre. A possibilidade de ter acesso aos habitantes doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA10-
teamentos se deu através da Associação de Moradores de Vista Alegre e Adja-
cências, através da qual foi possível a "entrada no campo" no ano de 1989.
As questões e argumentos foram desenvolvidos em quatro capítulos. No
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pnmeIro busca-se demonstrar o processo histórico subjacente à construção social
dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada e para isso também procurou-se esboçar um quadro de aspectos da
história do município que deu origem à região. Este esboço talvez seja um tanto
extenso para um trabalho em Antropologia, mas o esforço da pesquisadora nesta
área fez com que resolvesse registrar aspectos que pareceram importantes para
que se pense as continuidades e descontinuidades desta história.
No segundo capítulo a citricultura foi descrita com o objetivo de bali-
zar a apreciação das rupturas presentes às transformações dos anos 1950. No
terceiro capítulo os loteamentos foram tratados, sob o ponto de vista de que as
transformações no espaço físico promovidas por eles também levaram a transfor-
mações no espaço social, promovendo deslocamentos nesse espaço, em que
alguns tiveram trajetória dec1inante, outros trajetória ascendente, e outros manti-
veram sua posição através da reconversão de capital. No quarto capítulo desen-
volveu-se uma etnografia em uma área de loteamentos que foi anteriormente
ocupada com produção de laranjas.
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Capítulo I
LUGAR E MEMÓRIAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Mal saímos da costa não podíamos esquecer o fato de o Brasil se ter
transformado, mais do que desenvolvido, durante um século"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(Lévi-Strauss - Tristes Trópicos)
Em uma publicação da agência municipal do IBGE de Nova Iguaçu,
':3.tada de 22 de setembro de 1946, pode-se ler, a respeito da situação econômi-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
:.=:. do município, que este
"(...) até pouco antes de ter sua sede transferi da para o povoado deMaxambomba, atual Cidade de Nova Iguaçu, era considerado um dos celei-ros da antiga Metrópole. Com o advento da Lei Áurea, de que resultou aescassez de braços para a lavoura, e a obstrução de seus rios, cujo extrava-samento tornou pantanosas e por isso mesmo inabitáveis, vastas regiões atéentão cultivadas, passou, a partir dos últimos anos do século XIX, a serexplorado mais para o sul, onde já se iniciava a cultura da laranjeira- que,afinal, veio a constituir sua principal fonte de riqueza.(...)Hoje, (...), nenhum daqueles produtos, que fizeram outrora a riqueza doMunicípio, revela haver resistido à esmagadora concorrência da citricultura,evidentemente mais rendosa e compensadora". (IBGE, 1946:4)
o dia 22 de setembro de 1946 fora instituído pela prefeitura local co-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
::w o "Dia da Laranja", festividade para o qual a publicação acima citada foi
"..:ma contribuição. Finda a Segunda Guerra Mundial, pretendia-se retomar a vita-
.idade "esmagadora" da citricultura naquele município, seriamente abalada pelas
:::ficuldades de exportação durante o conflito mundial. O texto em apreço figura
::orno um registro do início do processo que levaria ao fim da citricultura em
.\"ova Iguaçu.
Sem que seja desconsiderada a presença de outros tipos de exploração
~ ocupação agrárias, como por exemplo a existência de terras devolutas ocupa-
das e exploradas por camponeses, de propriedades rurais que constituíam heran-
ca de famílias tradicionais, de extensões de terras ocupadas com pasto para gado
':-ovino, etc., era marcante a importância da citricultura no município sob o pon-
:0 de vista da lucratividade que esta proporcionava, e também de uma estratégia
econômica atribuída a esta cultura por setores da República Velha.
N os depoimentos de moradores antigos de Nova Iguaçu, é constante a
oposição entre um passado mais bucólico e a atual realidade de violência e
crescimento urbano sem o acompanhamento de infra-estrutura. Através das cate-
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gonaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmorador antigo ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA[am ilia antiga, e das representações que os habitantes
encompassados por essas categorias têm de um período anterior às transforma-
ções decorrentes dos loteamentos, é possível encontrar dados a respeito das
implicações do crescimento da ocupação urbana sobre a organização social do
município.
Registros como os seguintes podem ser encontrados na produção cultu-
ral local:
"Na pacata Nova Iguaçu, ex-Maxambomba dos laranjais floridos, com ascorridas na raia e festas juninas, a vida era comum como a de qualquercidade do interior." (PEREIRA, 1981:12. Grifas meus)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Ó Nova Iguaçu, por que não ficaste sempre Maxambomba?" (PEIXOTO,s/d:3. Grifo meu)
"NasciEm teu solo fecundoRespirando o aromaDos seus laranjais(...)Eu viComo em sonho de beijoO velho realejoEm frente a estação(...)Eu viBoiadeiro valenteTanger comoventeÊ boi ê boiada( ...)Eu viNo porvir dos meus sonhosTeus frutos risonhosQuerido torrão.Meu torrão." (Meu Torrão, canção de autoria do seresteiro Altamiro
Borges de Freitas apud PEREIRA, 1981:98. Grifo meu)
Não se poderia aqui deixar de assinalar a idealização do passado e da
infância presentes nesse tipo de material. Entretanto, a freqüência de lembranças
como estas indicam a possibilidade de "perceber o verdadeiro processo de mu-
dança descrito nesses textos de memória, à medida que descobrimos o processo
comum a todos eles" (WILLIAMS, 1989:398).
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Raymond Williams, ao analisar as idéias de oposição entrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcampo e
cidade, demonstrou como tal sistema de idéias, presente desde a Antigüidade,
tornou-se mais acentuado em fins do século XVI passando desde então a simbo-
lizar transformações sociais ocorridas no contexto do desenvolvimento industrial.
Para o autor, se a constataçào da persistência das idéias de oposição campo/ci-
dade indica a persistência de relações presentes no capitalismo, por outro lado
apenas a constatação dessa permanência seria insuficiente, pois as idéias de
campo e cidade estariam condicionadas pelos processos históricos específicos que
acionam essas idéias e que condicionam sua variedade:
"(...) as idéias e imagens do campo e da cidade ainda conservam sua forçaacentuada. Esta persistência é tão significativa qttanto a grande variedade,social e histórica, das idéias em si.(...) Mas se percebemos que a persistên-cia depende das formas, imagens e idéias em mudança - ainda que muitasvezes de modo sutil, interna e por vezes, inconscientemente - podemosver também que a persistência indica alguma necessidade permanente oupraticamente permanente, que se reflete nas diferentes interpretações quevão surgindo. Creio que há, de fato, uma tal necessidade, e ela é criadapelos processos de um desenvolvimento histórico específico. Contudo, senão vemos esses processos, ou se só os vemos por acaso, recaímos em for-mas de pensamento aparentemente capazes de criar a permanência sem ahistória.( ...) Ou, em termos mais teóricos, devemos saber explicar, em ter-mos relacionados, tanto a persistência quanto a historicidade dos conceitos"(WILLIAMS, 1989:387-388).
Dessa forma, a presença de um discurso, em diferentes setores da pro-
dução cultural local, de valorização do passado agrário do município (2), pode
ser interpretada dentro de um processo histórico. Com a necessária qualificação
daqueles que são os produtores de tal produção saudosista - em geral pessoas
de origem nas [amilias tradicionais de antigos proprietários de terra; nas famílias
de chacreiros e de setores citadinos, como comércio e serviços - há, presente de
modo geral entre os moradores antigos, de diferentes setores, uma valorização
positiva do passado em oposição às dificuldades do presente, marcadas sobretudo
pela violência.
Se para muitos que lá estavam, em diferentes posições SOCIaIS,é fre-
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~üente a representação de que "antes era melhor", pode-se destacar que, tam-
:-ém para aqueles que compravam um lote e para lá mudavam-se, um processo
de dissociaçôes com a condição anterior fora vivido, seja com o trabalho campo-
nés, ou com atividades em cidades de pequeno porte vinculadas a áreas de pro-
duçào agrária, ou ainda, com o mundo urbano das favelas cariocas onde alguns
haviam nascido e tinham sido criados. Nesse sentido, podem ser encontrados re-
latos como os dois seguintes. O primeiro é o depoimento de um político a uma
revista local e o segundo faz parte do conjunto de entrevistas realizadas na área
dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAloteamentos em que foi feito um trabalho de campo para esta dissertação:
Não, eu não sou de Nova Iguaçu, mas já me considero daqui. Estouaqui há trinta e dois anos. Cheguei de Minas aos nove anos. Sou de Pa-tossi do Muriaé, região norte de Minas Gerais, cidade pequena. Viemostentar aqui na cidade grande uma possibilidade maior. Emprego em cidadedo interior de Minas não existe. Então meu velho teve a visão de vir pa-ra uma cidade que estava em perspectiva de ser uma cidade grande. (...)Era uma vida com bastante dificuldade, uma família bastante humilde mes-mo. Alugou uma casinha no Caonze onde conseguimos fazer uma casinhamelhorzinha para ele.( ...)" (Depoimento de comerciante e político local àrevista Nosso Jeito, si data:l-l1. Grifos meus.)
"- Quando eu comecei a me entender de gente, foi na época da Guerra,porque a gente do interior até os sete, oito anos não entende de nada, sóda vidinha de sempre (...). Foi no ano de 49, eu estava no milharal, foium ano em que deu muito milho, meu pai falou comigo assim: 'Jurandirvocê não quer ir para o Rio de Janeiro?' 'Eu não, vou fazer o que noRio, não tenho pai, não tenho mãe, não tenho nada!' 'Ah, mas tem teuprimo João.' 'Ah, é...Gostaria sim, de ir pra casa de meu primo João.' Aíeu pensei: 'Ele está no Rio! Tem casa lá!', pensei que ele estava numaboa. A viagem foi muito triste, levamos quase um mês, tive raiva de meupai. Andamos a pé cerca de sessenta quilômetros, depois pegamos umtrem numa cidadezinha de nome Propriá no estado de Sergipe, fomos nes-se trem até Salvador, na Bahia, em Salvador... não tinha trem para BeloHorizonte, ficamos quase quinze dias em Salvador, tive raiva, ficamos emhospedagem que mais parecia um chiqueiro, deixei minha casa de pobremas em que se tinha nossa rede limpinha (3) (...). Quando foi na épocade pegar o trem soubemos que não podia viajar sem tomar vacina, (...).Aquilo me deu uma febre, virou um hematoma( ...). Aí chegou o trem, otrem foi até o interior da Bahia e aí tinha um trecho que não podia pas-sar porque tinha caído uma barreira, tivemos que pegar esse trecho na ba-se do caminhão, aí sim!, aí é que eu vi as coisas pretas, subimos serra,(...) era um montão de gente (...), eu vi muita miséria, fiquei apavoradoporque nós éramos pobres mas tínhamos nossa terra, comecei a ter febre(...) era o sertão da Bahia, não tinha água (...). Chegamos em MonteAzul, no norte de Minas, mas não tinha trem, o trem tava atrasado, que-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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brou e ficamos uma semana em outra hospedagem, esperando o trem, e aessa altura papai já estava sem dinheiro (...). E pegamos o tal do trem,chegamos em Belo Horizonte e pegamos o trem para o Rio de Janei-ro.( ...) Chegamos na Central do Brasil, que já era a monstruosidade que éhoje, e quando eu olhei pr'aquilo pensei: "Pronto, agora é que eu estoufrito."( ...) Acho que papai não imaginava como o Rio era longe. (...)"(Jurandir, nascido em 1933 no interior do município de Traipu, Alagoas)
o relato de Jurandir, bancário aposentado, originário de área de ocu-
~:.;ão imemorial no interior de Alagoas, é uma narrativa exemplar das peripé-
:::'5 de tantos que viajaram do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo para ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
:Z::, de Janeiro e que tiveram nas canções de Luiz Gonzaga, conforme assinalou
entrevistado, uma interpretação do mundo que deixavam e da viagem, em
se afastavam do mundo anterior, que fizeram. Nos relatos de suas vidas, ao
.entarern explicar a sua presença em um determinado lugar, que enquanto espa-
;::: geográfico representa um dos atributos da posição ocupada pelos agentes no
espaço social, freqüentemente são evocadas imagens de campo, de cidade, para
zescrever e explicar a trajetória dos agentes dentro das transformações sociais vi-
",enciadas. Nos dois trechos citados, encontram-se imagens das realidades que a
",-:,Hrem deixou para trás: cidades do interior sem possibilidade de emprego,
.uiades pequenas, vidinha de sempre, milharal, rede limpinha, nossa terra. E o que
5:: imaginava encontrar no fim da viagem: possibilidade de emprego na cidade
5-r:mde,uma casa no Rio de Janeiro, prestígio.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É possível perceber que não apenas aqueles que se consideram antigos
.nterpretam sua história através das mudanças da ocupação espacial do municí-
;'10. mas também aqueles que chegaram mais recentemente descrevem diferentes
;,aisagens para explicar as transformações experimentadas em suas vidas, na me-
::ida em que tais mudanças estão associadas a deslocamentos geográficos. Estas
representaçóes, em suas variações, são significativas dos diferentes processos de
transformação vividos pelos agentes, e também fazem parte do conjunto de re-
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presentaçóes que tentam explicar a nova realidade social criada pelos loteamen-
tos, que propiciaram a invenção de uma nova cidade e que confrontaram pesso-
as de tão diferentes origens sociais. A presença de diferentes paisagens nos rela-
tos e documentação levantados, avaliadas sob uma crítica histórica e sociológica,
são assim um índice das mudanças experimentadas. Nos dados levantados pela
pesquisa, é possível ser percebida a confluência de pessoas de diferentes mundoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
em transformação, quer sejam aquelas que estavam no município no período de
cultivo expressivo da laranja, ou aquelas, de diferentes outros mundos, que para
.a se dirigiram.
A Baixada e, no caso específico dessa dissertação, o município de Nova
Iguaçu, foram palco de drásticas transformações desencadeadas sobretudo a par-
:ir dos anos 1950, dentro das quais a própria idéia de Baixada Fluminense se
:ransformou, o que pode ser interpretado como um dos elementos desse proces-
so. Assim, como as idéias de campo e cidade, a idéia de Baixada também pode
ser avalliada sob uma perspectiva histórica e, desse modo, uma questão proposta
~ Df Raymond Williams, a respeito das diferentes imagens de campo e cidade,
.ncorpora-se a este trabalho: "Que tipos de experiências essas idéias parecem in-
.erpretar, e por que certas formas ocorrem e recorrem nesse ou naquele mo-
mento?" (WILLIAMS, 1989:388).
Com esta questão, procuro analisar na primeira parte deste capítulo azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Baixada enquanto uma contrução social, e, na segunda parte, aspectos da histó-
:-ia do municípo de Nova Iguaçu, procurando demonstrar que um processo histó-
:-:.:0 de rupturas encontra-se subjacente à idealização do passado.
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1. As Baixadas Fluminenses: Construção social dos limites de uma
região
Busca-se aqui desenvolver uma análise que permita dar mostra de co-
mo as mudanças ocorridas nos usos da categoriazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada Fluminense, assim co-
mo as lutas de imposição e reconhecimento desta classificação, são um indício
de um processo histórico. A análise aqui desenvolvida pretende apenas mostrar
que as transformações sociais ocorridas propiciaram, inclusive, a transformação
das idéias e limites da região e que, o trabalho simbólico de construção destas
idéias e limites, por sua vez, faz parte da própria história da constituição da
Baixada.
Esta afirmativa, em que pese a necessária relativização ante o caso
aqUl em estudo, pode encontrar em MAUSS (1969), um balizamento. Ao refletir
sobre o fenômeno sociológico da formação da nação moderna, cujo estatuto se-
ria dado pela associação de uma sociedade material e moralmente integrada a
um poder central a a fronteiras determinadas, este autor já demonstrava que o
processo que havia formado as nações, através do qual se criava a substantiva-
ção de uma sociedade a uma fronteira, através de jurisprudência, era "econômico
de uma parte, e de outra moral e jurídico" ( MAUSS, 1969:590).
Para historicizar a categoria
Tornou-se difundido o uso dos termos Baixada e Baixada Fluminense
para designar os municípios das vizinhanças ocidentais do Rio de Janeiro, reu-
nindo-os sob a idéia de uma região, de uma área física compondo uma mesma
realidade geográfica e social.
- 23 -
Pelos noticiários da imprensa com maior poder de divulgação, azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
5_~ó:adasurge através de um repertório do qual é constante a violência generali-
::.ja e as carências de sua população. Desse modo, por exemplo, podem ser en-
~.::-:-:.tradasnotícias com os seguintes títulos:
"Em sete meses, a Baixada teve mais dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1 mil mortos"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(Jornal do Brasil,31/08/1988)
"Encapuzados matam dois na Baixada" (O Dia, 13/11/1988)
"Baixada luta contra o crime" (Jornal do Brasil, 22/08/1988)
"Freira assassinada na Baixada" (Última Hora, 09/06/1990)
Tal repertório criou o que Fernando Gabeira veio a chamar de "fron-
.e.r a mítica", demarcando para além dos limites do Rio de Janeiro um universo
.:;:: anomia, uma região sem cidadania cuja paisagem nega. as idéias e Imagens
~.cnsagradas de cidade.
Sobre o conceito de região, Pierre Bourdieu assinala que este é um ob-
eto particularmente justificado para uma crítica epistemológica às ciências sociais
BOURDIEU,1989a:107). Conceito e campo disputado por geógrafos, economistas
::: sociólogos notadamente no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando en-
::3.0. segundo o geógrafo Étienne Juillard, deixou de ser um "domínio um tanto
ccnfidencial da pesquisa geográfica" passando a pensar-se "nos meios de ação
económica e social,( ...) no desenvolvimento, em termos de planejamento do terri-
.ório, de regionalizaçâo" (JUILLARD, 1965:224).
A noção de região como objeto privilegiado pela Geografia francesa,
:-:':J período anterior ao pós-guerra, diria respeito a áreas distinguidas segundo
uma certa uniformidade natural, étnica ou econômica" (JUILLARD, 1965:224)(4).
É dentro de um contexto de classificação natural que pode-se encontrar a defini-
cáo de Baixada Fluminense operada por geógrafos brasileiros (e.g. MENDES,
- 24 -
1944, 1950; CAMPOS, 1955; GEIGER & MESQUITA, 1956; SOARES, 1962)
até meados dos anos 1960, quando passaram a utilizar, notadamente a partir
dos anos 1970, o modelozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnúcleo-periferia metropolitanos.
Assim Renato da Silveira Mendes define Baixada Fluminense:
•• A região do Estado do Rio de Janeiro conhecida pelo nome de BaixadaFluminense constitue uma área de aproximadamente 17.000km abrangendoas terras baixas que se estendem da escarpa da Serra do Mar até o Ocea-no Atlântico, numa faixa de algumas dezenas de quilômetros de larguradesde Coroa Grande, em Itaguaí, até a foz do Itabapoana." (MENDES,1950:21. Conceito operado também pelos geógrafos supra citados (5)).
Também com esta extensão estavam delimitados os trabalhos da Comis-
são de Saneamento da Baixada Fluminense, instituição federal criada em 1933 e
que em 1936 fora transformada na Divisão de Saneamento da Baixada Flumi-
nense, com o objetivo de desenvolver obras de saneamento nos pântanos e pla-
nícies de toda esta área(6) (MENDES, 1950:109-115).
Tratou-se, parece, da incorporação de uma categoria de uso comum
para os quadros conceituais de uma ciência e de instituições públicas, consagran-
do essa categoria, e regulamentando-a, estando a região agora delimitada por
atos de autoridades. Um artigo da Divisão de Geografia do Conselho Nacional
de Geografia, em que aquele órgão público apresenta a divisão regional do es-
tado do Rio de Janeiro, instituída por aquele Conselho em 1945, apresenta a
Baixada Centro Litorânea como uma das sub-regiões do estado, que, segundo o
artigo, seria a "Baixada', como é simplesmente conhecida pelos fluminenses', des-
crevendo esta sub-região por critérios fisiográficos, nos mesmos limites que MEN-
DES (1950). Ainda segundo esse artigo "a Baixada Fluminense teve uma história
ilustre e gloriosa, com sua fazendas e sua aristocracia rural" e seu futuro torna-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
va-se "novamente promissor, com a realização das grandes obras de saneamento
e recuperação econômica." (IBGE. Divisão de Geografia do C.N.G.,
1948: 15-16). Todavia, o que faz pensar o levantamento que efetuou-se no IBGE,
- 25 -
é que a categoriazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada Fluminense não foi incorporada pelos órgãos públicos
federais de geografia para denominar a região que outras instituições públicas,
como a Divisão de Saneamento, reconheceram por essa classificação.
Encontramos em FORTE (1933) referência ao "ciclo da cana" (aspas
do autor) que havia feito "a fortuna dos fazendeiros da zona da baixada, em to-
da a sua área de dezenas de quilômetros, de um e de outro lado da baía e ao
centro, como fêz também na planície dos goitacás (...)", esse autor refere-se tam-
bém à "alagadiça baixada fluminense", operando esse termo segundo o uso co-
mum acima mencionado, que circunscrevia a baixada exatamente como a área
de baixios em torno da Baía de Guanabara, mas não apenas a área mais próxi-
ma, compreendendo então, parece-me, a idéia (e a extensão) da área de produ-
ção agrícola irrigada pelos vários rios que descem a Serra do Mar.
Segundo RAPOSO (1946), haveria na área de pântanos um tipo, o mu-
xuango, que sobrevivendo ao impaludismo e outras adversidades, seria encontrado
"dirigindo barcos pequenos e obsoletos" e vivendo da exploração de madeiras co-
mo a tabebuia (7), carvão, caranguejo, pele de jacaré (RAPOSO, 1946:33-36).
Conforme o autor, esse seria "o habitante das ruínas de uma civilização que a
natureza tenaz sufocou: a Baixada Fluminense", referindo-se assim à população
que ocupava as áreas próximas aos portos fluviais que, quando abandonados,
provocaram o esvaziamento populacional das vilas e arredores desses portos,
bem como à obstrução dos rios.
Assim, ao conceituar a Baixada segundo critérios fisiográficos, os geó-
grafos parecem ter incorporado e regulamentado os limites de uma categoria
com historicidade e cuja representação usual estava ligada à evocação de um
mundo agrário. Retomando BOURDIEU (1989a:115): "as classificações mais 'na-
turais' apóiam-se em características que nada têm de natural e que são, em
grande parte, produto de uma imposição arbitrária, quer dizer, de um estado an-
- 26 -
terior da relação de forças no campo das lutas pela delimitação legítima". Para
esse autor, a região não seria tanto um produto do espaço, mas do tempo, da
historicidade das relações sociais em que o espaço é apropriado (BOURDIEU,
1989:115).
Será exatamente em um contexto de lutas por apropriação do espaço
que azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada surgirá no noticiário dos anos 1950. GRYNSZPAN (1987), em
seu estudo das lutas camponesas e competição política em torno da liderança e
votos de camponeses, no período 1950-64, indica que com esse termo é que era
denominada a área conflagrada, quer seja por parte da imprensa em geral, quer
seja pelos agentes envolvidos. O autor demonstra, entre outros aspectos, que o
campesinato surge enquanto um novo e importante ator político nesse período,
Nos conflitos e no período histórico analisados pelo autor, a classifica-
ção continuava operando no sentido de evocar o universo agrário das cercanias
do Rio de Janeiro. A classificação Baixada, utilizada pelo autor conforme a cate-
goria empregada pelos agentes envolvidos nos conflitos, encompassava as disputas
ocorridas sobretudo nos municípios de Cachoeiras de Macacu, Itaboraí, Itaguaí,
Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Magé, estudados por GRYNSZPAN (1987).
Será esse o momento em que ocorrerão as mudanças nas quais o reor-
denamento da idéia de Baixada será um dos aspectos. Dentro do contexto da
industrialização nacional, em que a acentuação das disparidades regionais foi
uma das características (8), o estado do Rio teve uma taxa de crescimento popu-
lacional, no período 1950-60, de 4,0% ao ano, taxa maior do que a média anual
do país (3,2%) nesse período (9). Esse período caracterizou-se por um acentuado
incremento do deslocamento populacional para o município do Rio de Janeiro e
municípios próximos (Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, São João de
Meriti, Niterói e São Gonçalo), o que teve como uma de suas conseqüências a
presença, detectada pelo Censo de 1960, de 1.291.670 habitantes com menos de
- 27 -
10 anos de residência nesses municípios, ou seja, 53% de toda a população nu-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I
II1
I:
grante (ABREU, 1987:118).
Tendo feito menção a um processo de industrialização, não se poderia
aqui, todavia, obscurecer-se o dado de que a população do campo no estado do
Rio será expressiva em 1950, representando 52,5% da população estadual, conti-
nuando a crescer ao longo da década, muito embora sem acompanhar o ritmo
de crescimento da população urbana. Assim, as estatísticas apontam, em 1960, a
distribuição de 31,0% de população rural e 61,0% de população urbana no esta-
do do Rio (IDEG, 1972:29). Tais percentuais ajudam a pensar a importância da
mobilização camponesa ocorrida nesse período e o impacto das mudanças supra
assinaladas.
Desde os anos 1930, com as obras de saneamento dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada, as ter-
ras nessa área passam a ser valorizadas, o que agudiza-se nos anos 1950 com a
alta do preço de imóveis nas áreas de subúrbios, ilhas da baía, e proximidades
da zona rural e com os problemas de moradia para a crescente população
(GEIGER & MESQUITA, 1956:179-180). Junto com a expectativa de valoriza-
ção, o surgimento de um movimento de especulação de terras, fez com que as
áreas da Baixada atraíssem o interesse de capitalistas para a compra de terras,
como também a atuação de grupos que, aproveitando-se das indefinições dos tÍ-
tulos de terra nessa área, reinvindicavam a propriedade de terrenos através de
operações fraudulentas em cartórios (GEIGER & MESQUITA, 1956:65). Esses
agentes denominados grileiros no contexto dos conflitos camponeses ocorridos nos
anos 1950 na Baixada, foram elementos deflagradores da revolta camponesa, na
medida em que eram percebidos como elementos estranhos, um elemento outro
na ordem mais conhecida entre camponeses e proprietários, representando aque-
les a nova ordem que desestabilizava as relações de posse da terra. Note-se que
mesmo alguns proprietários eram classificados enquanto grileiros, na medida em
- 28 -
que, desconhecidos dos camponeses, decidiam retomar as terras face à valoriza-
çáo (GRYNSZPAN, 1987:74-75).
o investimento governamental, através de obras de saneamento e o m-
cremento das vias de transporte através da eletrificação de trens e abertura de
estradas contribuiram para um processo de valorização de terras nos municípios
das vizinhanças ocidentais do Rio de Janeiro. O movimento de valorização e es-
peculação de terras foram alguns dos principais fatores que concorreram para as
transformações ocorridas nessa área, hoje encompassada mais freqüentemente pe-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
10 termozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada. Aspectos dramáticos desse processo se traduziram, no campo,
em conflitos de terra, nos despejos de lavradores entre 1950 e o início da déca-
da de 1960. Eles ocorreram em vários municípios do Estado do Rio, mas incidi-
ram sobretudo na área mais próxima à Baía da Guanabara, onde, por outro la-
do, os lavradores tinham melhor organização política (10) e ofereceram resistência
organizada. Aconteceram sobretudo em Magé, Duque de Caxias e Nova Iguaçu
e tiveram os loteamentos urbanos como principal causa (GRYNSZP AN,
1987:17-56).
Em 1952, Pedro Geiger escrevia que, enquanto companhias e fazendei-
ros vendiam seus lotes para as camadas médias e trabalhadores,
"no terreno, que pode ter sido uma antiga fazenda, o proprietário expulsaos antigos moradores para realizar o parcelamento e evitar problemas futu-ros e os terrenos abandonados vão substituir antigas zonas de plantações"(GEIGER,1952:97. O autor aqui refere-se a terrenos que seriam parceladose vendidos sob a forma de loteamentos).
Os conflitos de terra e a mobilização de camponeses, políticos e pro-
prietários de terra acirraram-se, fazendo surgir na imprensa as imagens de uma
Baixada conflagrada. Com o Golpe de 1964, esse movimento foi arrefecido, sem
que houvesse, porém, a solução dos vários problemas fundiários da área como,
por exemplo, a demanda camponesa por terras, apesar de algumas experiências
nesse sentido nos governos militares, o que fêz inclusive, que os conflitos pela
- 29 -
posse da terra reacendessem, no Estado do Rio, nos anos 1980
(GRYNSZPAN,1990, especialmente páginas 8-15).
A idéia dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada como uma região perigosa, espaço de conflitos ar-
mados, permaneceu e se acentuou, nos anos 1970, bem como o uso de milícias
e armas de fogo, anteriormente presentes nos conflitos fundiários acima meneio-
nados, agora sob a forma da criminalidade no interior do espaço urbano.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
AzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada no Presente: confrontos de representações
"Você precisa conhecer
Minha jurisdição
Vá prestando atenção
Lugar que ocupa um pedaço
Do meu coração
Do meu coração
Mas infelizmente tem fama de barra
pesada
Isso tudo é intriga da
oposição
E muita mentira e conversa
fiada"
("Baixada", samba de Édson Show e WilsinhoSaravá)
No apelo da letra do samba acima citado, pode-se perceber uma rea-
ção aos efeitos estigmatizadores da "fama de barra pesada" do "lugar que ocupa
um pedaço" do coração dos compositores. Buscando dar os limites desse lugar,
os autores enumeram, na composição, os nomes dos municípios e localidades
~I que fariam parte desse universo denominado Baixada, como uma tentativa de
tornar conhecida essa realidade, apresentá-Ia ao público de modo que, ao sim-
plesmente listá-Ias no samba, ela possa ser representada como uma realidade
tangível, habitável e habitada, um "domínio étnico" e aSSIm, um lugar (11) pro-
••
- 30 -
i
••••••~
••zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA••
priamente, e não "um limbo à beira da estrada" como fariam crer algumas re-
portagens policiais.
O samba indica os limites dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAjurisdição dos autores, que incluiria, além
dos municípios de Nova Iguaçu, São João de Meriti, Duque de Caxias e Nilópo-
lis, também os municípios de Paracambi, Itaguaí e Magé.
Importante notar que na reportagem em que a letra desse samba foi
publicada (LOPES, 1989:6) encontra-se estampado, justo acima dos versos da
composição, um mapa indicando os municípios da Baixada e estes seriam, segun-
I•t•i
do o mapa, apenas os quatro primeiros citados no parágrafo acima. Vemos ali
confrontados diferentes limites para a Baixada: um, com posição de destaque na
diagramação da página, incorporado e veiculado pela reportagem na figura do
mapa, que não tem indicação de fontes, e outro, descrito por compositores lo-
cais, que seria mais amplo, estendendo-se a Magé, Itaguaí e Paracambi. A dinâ-
mica e fluidez dessa classificação, e do mundo que ela busca classificar, podem
ser observadas, creio eu, nesse confronto e no próprio texto e diagramação da
reportagem, que ao tratar da produção musical de um lugar chamado Baixada
coloca lado a lado o mapa da reportagem e a letra dos sambistas, sem que o
texto do repórter entre em considerações sobre esse confronto, que não é objeto
do texto (Ver Anexos).
Em uma reportagem de GABEIRA (1983), também um mapa seme-
lhante é encontrado. Com esses limites é vendido um mapa detalhado, produzi-
do por uma gráfica particular, e que certa vez encontrei na agência municipal
do IBGE, ao levantar material para esta pesquisa. Perguntando a um funcionário
se o mapa fora produzido pela instituição, este me respondeu que não, que não
havia um mapa do IBGE. De fato, a Baixada Fluminense não é uma região
atualmente delimitada por esse órgão público, tendo sido, nos termos de
MENDES (1950:21) já mencionados, reconhecida em certa época sob uma pers-
- 31 -
pectiva naturalizante, enquanto uma região fisiográfica, mas não sob a perspecti-
va de um conceito de região, operado pela instituição, que pretendesse delimitar
unidades espaciais segundo princípios econômico-sociais-geográficos.
Em diferentes situações, pode-se encontrar menção aos municípios de
Itaguaí, Paracambi, Magé e inclusive São Gonçalo, como pertencendo àzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada
Fluminense. Na imprensa, tal ocorre, em geral, quando o contexto da notícia é a
criminalidade. A fluidez da fronteira também é dada pelo alcance dos interesses
dos agentes, mas, com efeito, são mais freqüentes representações em que à Bai-
xada corresponde a área do antigo município de Nova Iguaçu,
Ao universo de violência a que costumeiramente a categoria alude e
ao uso que dele se faz, por vezes discriminatório, contrapôs-se um outro, na se-
gunda metade dos anos 1970, que surgiu como reação aos efeitos de estigmatiza-
ção, e que teve no município de Nova Iguaçu o foco inicial, devido ao avanço
das articulações políticas no município que, entre outros aspectos, centralizava li-
deranças históricas oposicionistas e encontraram na Diocese de Nova Iguaçu uma
importante sustentação.
Os movimentos sociais, notadamente o Movimento de Amigos de Bair-
ro de Nova Iguaçu, cuja pnmeira grande assembléia se deu em 1978
(BERNARDES, 1983: 163), passaram a usar a categoria com fins reivindicatórios,
imputando à Baixada as características de uma "terra de promissão". A vinda de
vários militantes de esquerda para a área, bem como a articulação de políticos
locais de correntes políticas de esquerda, criou um espaço de lutas em que a
Baixada foi investida de valor como lugar de politização de trabalhadores . As-
sim, por exemplo, em fins dos anos 1970 enquanto os esquadrões de extermínio
davam manchetes aos jornais da grande imprensa, um jornal de esquerda intitu-
lava-se BERRO DA BAIXADA.
Tal movimento ocorreu também, a partir da segunda metade dos anos
32 -
~970, no campo cultural, principalmente em literatura e teatro, com manifesta-
;3es artísticas de cunho denunciativo, surgindo inclusive um movimento denomi-
::-:ado POESIA BAIXADENSE, cujos poetas pichavam os muros com inscrições
• omo "Poesia é a Fome".
Essas manifestações, ao contrário da letra do samba de Édson Show e
Wilsinho Saravá, não negavam a "barra pesada", e tentavam fazer dela objeto de
~rodução estética:
"Não havia um só dia em que nós não nos cruzássemos e eu que vivia es-condido nos romances, nas crônicas e poemas, era violentamente massacra-do pelas manchetes que me repugnavam e que os jornais sensacionalistaseditavam em letras garrafais e conseguiam, através deles, me arrancar datranqüilidade do mundo em que eu vivia para os ferozes e bárbaros acon-tecimentos do dia-a-dia." (Luiz Coelho Medina, "O Passageiro")
Compondo esses grupos de atuação no campo cultural, estavam jovens
migrantes ou filhos de migrantes, de formação política em partidos de esquerda
então clandestinos) ou através doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAgrupos jovens da Igreja Católica. Para os par-
tidos de esquerda, também esse campo era privilegiado no sentido da divulgação
política e da politização dos jovens que se interessavam pelo ingresso nas práti-
cas desse campo.
Sobre esse aspecto, em muito caberia um paralelismo com a história
de vida apresentada por SAY AD(1979) em "Les Enfants Illégitimes". O autor
demonstra, através da fala de uma filha de imigrantes argelinos nascida na Fran-
ça e que teve acesso à escolaridade francesa, cursando a universidade no perío-
do de seu depoimento, o confronto, para esses enfants illégitimes, entre o sistema
de crenças de seus pais e do universo do qual se emigra, e o novo mundo em
que esses jovens são socializados, tendo acesso a novos sistemas de representa-
ção através da escolaridade. Essa experiência fragmentadora encontraria nos có-
digos transmitidos pela escolaridade também uma possibilidade de objetivação e
alguma inteligibilidade das condições da fragmentação vivenciada. Zahoua, a jo-
- 33 -
vem que relata sua história de vida no texto produzido por SAYAD(1979)
aprende não apenas a falar o árabe, mas também a ler e escrever a língua de
seus pais, num movimento de aproximação e entendimento desse código que era,
para ela, familiar e estrangeiro. No caso doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"enfants" da Baixada não se tratou
de um movimento cultural em que se buscavam os códigos de uma cultura es-
trangeira, imigrante e mais claramente exógena, mas, talvez devido às sutilezas e
à fluidez em que se apresenta a diversidade de tantos "migrantes" nacionais no
contexto em apreço nessa dissertação, a ênfase recaiu sobre o universo em
transformação em que esses jovens foram socializados, numa tentativa de retra-
tar, explicar, codificar, o mundo adverso em que buscavam algum enraizamento.
Desse modo, passa a surgir uma outra operatividade para o termo Bai-
xada, ou seja, políticos e produtores culturais locais passaram a incorporá-Ia e a
operá-Ia com um apelo regionalista, fazendo existir a categoria, dando-lhe con-
cretude prática nos termos dos vários seminários, encontros, debates, assembléias,
manifestos, etc. Reportando-me Bourdieu, ao traçar um paralelo entre o regiona-
lismo e o sionismo:
"A reivindicação regionalista, por muito longínqua que pareça deste nacio-nalismo sem território, é também uma resposta à estigmatização que pro-duz o território de que, aparentemente, ela é produto. E, de fato, se a re-gião não existisse como espaço estigmatizado, como "província" definida pe-la distância econômica e social (e não geográfica) em relação ao "centro",quer dizer, pela privação do capital (material e simbólico) que a capitalconcentra, não teria que reivindicar a existência."(Bourdieu, 1989a: 126-7).
Em fins dos anos 1980, com o arrefecimento do movimento de associa-
ção de moradores e a consolidação de setores do campo cultural, um outro tom
passou a ser dado às manifestações desse setor. Agora, já não se trata de ter a
pobreza e a criminalidade como objeto estético, mas de disputar espaço nas ms-
tâncias consagradoras usando como recurso a reivindicação de que na Baixada
não haveria apenas pobreza e criminalidade, articulando-se um discurso de brios
regionalistas.
- 34 -
Por exemplo, em 1985 é lançada em Nova Iguaçu a revista mensalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Sosso Jeito que tratava de questões culturais e da divulgação da produção local,
assim como temas da política e entrevistas com políticos. Nova Iguaçu constava
inicialmente como lugar de publicação mas a partir do terceiro número, com
melhor lay-out, já passa a figurar Baixada Fluminense como local de publicação,
embora a circulação continuasse restrita ao município.
Passa-se a encontrar, nos veículos de imprensa de maior circulação, re-
portagens com matérias diferentes daquelas que dão conta dos crimes, indicando
que "apesar da violência" haveria uma produção cultural regional(12). Também a
presença de camadas mais abastadas passa a ser um dado apresentado em re-
portagens (e.g. Veja, 23/05/1990:17-18; Programa Documento Especial nl? 50, leva-
do ao ar pela TV Manchete-Rio em 27/7/90). O regionalismo encontra-se em as-
censão, de tal modo que um deputado de São João de Meriti chegou a propor,
segundo notícia de jornal, a criação de um órgão estadual específico, "uma supe-
rintendência da Baixada Fluminense, como a Sudene é para o Nordeste" (Jornal
do Brasil, 1990, Caderno Cidade:6).
De fato, as práticas que tentam inverter o sentido da dominação sim-
bólica vêm assumindo a forma regionalista. Criticando esta postura uma poeta
então radicada em Nova Iguaçu escreveria em sua apresentação à uma antologia
de poetas regionais:
"Sem querer ensaiar aqui especulações mais detalhadas, ou avaliar a espes-
sura do fio que isola o que ou quem assim foi denominado (poesia ou po-
eta baixadense?), lembramos que o brado do poeta [que lançou esse movi-
mento literário], à época 'bairrista', retumbou numa espécie de sirene.( ...)
Longe de insistirmos no préstimo desse "anacrônico" manifesto separatista,
cabe lembrar também que vemos hoje os novíssimos poetas da revistazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAAr-
rulho, de Duque de Caxias, por exemplo, com receptividade merecida e ga-
rantida onde quer que se apresentam, itinerar sob o estigma de Poetas
Baixadenses. Não há dúvida de que o 'apelido' ficou selado no inconsciente
literário da região." (SIQUEIRA,1987. O grifo no termo Baixada Flumi-
nense é meu.)
De fato, além dos movimentos literários, um processo de absorção da
- 35 -
~:assificação, por parte de agentes locais, vem acontecendo. A construção socialzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- Baixada Fluminense enquanto região se faz, no presente, não apenas através
agências externas ao território assim representado, mas também pela incor-
::.::'ração da categoria por agentes de diferentes campos que se propõem a ser
=-;:~resentantes da região, fazendo operar o regionalismo. Importante indicar que
::s habitantes afastados das esferas de formação política não utilizam costumeira-
:-:-:cnteesta categoria para seu lugar de moradia, havendo, isso sim, uma identifi-
: ação e relação de pertencimento mais acentuada com o bairro. Para essa gran-
.:c maioria, a Baixada, como uma representação da periferia urbana do Rio de
.!aneiro, embora possa ser por elas operada situacionalmente em oposição ao
.entro do Rio de Janeiro, é uma categoria externa, veiculada pela imprensa,
::-elos políticos e movimentos sociais, e pouco empregada em seu cotidiano.
- 36 -
- - Aspectos históricos do município de Nova IguaçuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Nova Iguaçu,
onde sai um bêbado homem
de um boteco aos trancos ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA[barrancos,
tropeçando nos tamancos do dia a dia
da baixa do cruzeiro e da alta do
[dólar,
do custo horroroso da vida.
Inflação ...
E cai num outro boteco,
d'onde aparece um garçon
sorridente
a lhe servir de antemão.
onde se vive infeliz no que se diz,
porque não mais hd nesse momento
aquele distante vôo placêntico do
[ontemlaranjal...
Nova IguaçuzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(...)De LA's, Ducal's, BB's, Casas Matos,
Delfin 's, Sesc 's, Bob 's,
Chicletes de bola,
Engraxates de arma na mão,
pivetes, candinha 's, loucos,
bispos seqüestrados e
e um tal de etc...e tal.
Que tal,
Nova Iguaçu
que tal?!? ..
("Nova Iguaçu" - Paulo Silva Filho)
Se a laranja tornou-se para as [am ilias tradicionais, moradores antigos e
:=-:-odutoresculturais do município de Nova Iguaçu o símbolo de um "ontem pla-
.éntico'', tais sentimentos se dão através da idealizaçào das relações sociais desse
:=-assado, em que, por exemplo, as relações de trabalho da citricultura não são
estudadas pela historiografia local. Na verdade, existe mesmo uma versão, de
:=-arte de setores das [am ilias tradicionais, segundo a qual o que fez piorar a
- 37 -
qualidade de vida tenha sido a chegada "desse pessoal de fora".
A seguinte fala de um antigo funcionário da Prefeitura de Nova Igua-
çu, pertencente a umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA[amilia tradicional, não é individual, mas uma interpreta-
ção corrente, presente nesse grupo. Este é um trecho de uma entrevista concedi-
da à imprensa do município:
Revista - Se Nova Iguaçu já teve uma sociedade que gostava das grandes
festas, hoje em dia está muito modificada. Só se fala da violência do lugar,
da bagunça administrativa, do esquadrão, da corrupção. Por que você acha
que as coisas mudaram assim?
Entrevistado - A culpa não foi dos administradores, não foi dos empresá-
rios. Houve por aqui uma expansão territorial r?] e populacional muito
grande e muito deficitária para o município. Ficou muito difícil para os
governantes fazer qualquer coisa. Para os governantes estaduais, também.
R - Mas quem deu facilidades - e continua dando - para os loteamen-
tos irregulares, foram os administradores, os poderosos, que deveriam ter
previsto o caos urbano para o qual estavam contribuindo.
E - Bem, dentro da lei havia a exigência de que os loteamentos fossem
todos dotados de infraestrutura básica, de água, luz, saneamento. Mas havia
uma procura muito grande e a maioria dos que vieram para cá - era ca-
da tipo! - era gente sem recursos, carente, que a gente via que não tinha
uma preocupação com a cidade na qual tinham vindo parar. Aí foi que a
coisa degenerou. A cidade cresceu incontrolavelmente. As pessoas já não se
conheciam. Eu, felizmente, ainda me param muito na rua, me cumprimen-
tam, mas em geral é difícil você reconhecer qualquer pessoa num centro
movimentado como o de Nova Iguaçu." (Nosso Jeito, 1986:3)
Segundo esta interpretação, os problemas contemporâneos teriam como
causa a vinda de tanta "gente sem recursos", sem que se coloque em questão a
intrincada teia de relações que presidiram a implantação dos loteamentos, em
que proprietários de terra habitantes do município e funcionários da Prefeitura
Municipal foram alguns dos agentes envolvidos.
Além de tal aspecto, verifica-se também a oposição entre uma cidade
rural e uma cidade predominantemente urbana, que "cresceu incontrolavelmente",
tornando anônimos os tradicionais (essa também é uma queixa corrente entre es-
se grupo). Encontra-se aqui uma das questões centrais abordadas pelos autores
que tornaram a cidade um objeto sociológico, quando apontavam o anonimato
como uma das características das metrópoles (SIMMEL, 1979:14-15; PARK,
- 38 -
:979:45; WIRTH, 1979:101).
Inegavelmente, o crescimento das cidades a partir da Revolução Indus-
.rial trouxe para os habitantes de áreas metropolitanas um mundo mais hetero-
;êneo, com o desenvolvimento da divisão social do trabalho e crescimento popu-
.acional devido à migração (sobre esses aspectos ver, por exemplo, WIRTH,
: 979). Mas cabe também, quando se adota uma perspectiva relacional e se bus-
ca. desidealízação de imagens de campo e cidade, indicar que a afirmativa do
entrevistado, segundo a qual com o crescimento da cidade "as pessoas já não se
::.mheciam'', não se encontra isolada de noções de senso comum generalizadas a
;:-:-óposito do mundo rural.
Em relação a esse aspecto, poder-se-ia assinalar à idealização presente
::-.3. noção de uma cidade "em que todos se conheciam", indicando-se que, embo-
:-3. anteriormente a cidade e o município tivessem um menor número de habi-
.antes, sendo mais facilmente identificáveis, certamente não se tratava de uma
::rganização social de tão pequena população e tão incipiente divisão social dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA,
.rabalho, a ponto de toda a população poder se conhecer.
Em outros termos: se, para aqueles que estavam na cidade antes dos
z.nos 1950, o número de pessoas desconhecidas aumentou, isso não significa que
anteriormente haveria uma comunidade em que todos as pessoas se conheciam,
r ois na verdade a trajetória social e a divisão do trabalho filtravam as redes
:::'ossíveis (13).
De qualquer modo, é constante, entre pessoas que ocupam diferentes
~osições SOCIaIS,a valorização da cidade do passado em oposição à cidade surgi-
.ia a partir dos anos 1950. Tal oposição não se deve apenas a uma idealizaçâo,
mas é um indicador, como já foi mencionado, das transformações que marcaram
com violência a passagem da baixada agrária para azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada predominantemente
urbana. Diante disso, o estudo da história do município mostrou-se necessário
- 39 -
para uma compreensão dos sentidos dessa mudança, representada por tal con-
traste.
Na primeira parte desse capítulo procurou-se sinalizar como as práticas
territoriais, de nominação e políticas, traduziram espacialmente aspectos desse
processo. Nesta segunda parte o percurso do estudo se dará através de um
levantamento de dados a propósito de uma história do município, buscando-se
levantar elementos que permitam compreender, dentro do escopo desse trabalho,
a que mudanças referem-se as visões saudosistas, não apenas da produção cultu-
ral local, mas também dos relatos dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmoradores antigos. O segundo capítulo da
dissertação é uma continuidade desta segunda parte, aprofundando a abordagem
a respeito da citricultura. Desse modo, os elementos históricos buscam resgatar
alguns dos sentidos subjacentes às transformações que tiveram no reordenamento
dos sentidos da categoria Baixada Fluminense uma tradução.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
De uma Velha e uma Nova Iguaçu
Em Waldick Pereira encontra-se a referência de que o topônimo
"Iguaçu'', nome de um dos principais rios do município, significaria rio grande, e
que tal nome teria sido estendido ao município. (PEREIRA, 1969:14-15).
A mais breve consideração da história de Iguaçu faz saltar aos olhos a
importância estratégica desta localidade do ponto de vista do transporte, já a
partir do século XVII, quando se tornou área de acesso a São Paulo e Minas
Gerais. Mercadorias como ouro, cana, café, bovinos e suínos eram escoadas por
vias como o Caminho de Terra Firme, a Estrada Geral da Polícia e a Estrada
do Comércio, em direção aos portos fluviais dos rios que desaguavam na Baía
de Guanabara (e.g. SOARES, 1962:11-12).
- 40 -
A ocupação se inicia paralelamente ao povoamento da cidade do Rio
de Janeiro. Em fins do século XVI os beneditinos adquirem áreas às margens
do rio Iguaçu, onde se instalam e passam a desenvolver a pecuária, bem como
plantações de cana e engenho de açúcar. Durante os séculos XVII, XVIII e
XIX a principal cultura da área foi da cana-de-açúcar, mas desenvolveu-se tam-
bém o cultivo de diferentes espécies, desde o café até hortaliças e legumes. A
prosperidade agrícola e a importância das estradas e rios como escoadouros da
produção de Iguaçu, Minas e São Paulo para o porto do Rio de Janeiro, trou-
xeram o florescimento dos primeiros aglomerados, notadamente aqueles próximos
aos portos fluviais, como foi o caso das freguesias de Iguaçu e Pilar (FORTE,
1933; MENDES, 1950 e PEREIRA, 1977).
As fazendas de açúcar fizeram ou solidificaram fortunas de famílias
proprietárias de terra de longa data, herdeiras de sesmarias, como ramos das fa-
mílias Souto Maior, Azeredo Coutinho e Paes Leme, ou de famílias que vieram
a controlar terras mais recentemente, como as famílias Mesquita, Sayão, Bulhões,
Caldeira Brant, entre outras (FORTE, 1933:99-110).
A vitalidade da agricultura canavieira e do tráfego fluvial estava presen-
te não apenas em Iguaçu, mas em toda a área circunvizinha à Baía de Guana-
bara. EmzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAPresença de Alberto Torres, LIMA SOBRINHO (1968) descreve o flo-
rescimento de Itaboraí devido ao porto das Caixas, que servira como importante
entreposto para os produtos, entre eles o café, que vinham das cercanias do rio
Macacu, como também das serras de Cantagalo e Nova Friburgo (LIMA
SOBRINHO, 1968:7-9).
Do mesmo modo, Iguaçu deveu sua prosperidade à produção agrícola e
mais especialmente à navegabilidade de seus rios, por onde, através de inúmeros
pequenos portos, escoava-se essa produção. O sucesso dos portos de Estrela,
Pilar e Iguaçu enquanto importantes entrepostos comerciais, fez com que Iguaçu
- 41 -
viesse a se tornar Vila e uma das "mais opulentas da Província" (PESSOAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAapud
FORTE, 1933:59). A Vila de Nova Iguaçu foi criada por decreto regencial em
:5 de janeiro de 1833.
Entre os habitantes de Iguaçu e Vassouras configurava-se uma área de
:rocas, não apenas econômicas em sentido restrito, mas simbólicas de maneira
geral, possivelmente incluindo casamentos. Cumpre mencionar que, assim como
Iguaçu, também em 15 de janeiro de 1833 foi criada a Vila de Vassouras, e
dentro da economia cafeeira Iguaçu desempenhou importante papel.
Segundo STEIN, com a expansão do café, Vassouras possuía pelo me-
nos seis estradas descendo a Serra do Mar rumo à baixada (STEIN,
1961:116-117).
"Alguns dias mais tarde a poeira e o suor cobriam os homens que chega-
vam às portas do comissário do Rio, ou de Iguaçu, onde o café descarre-
gado era imediatamente pesado e a pesagem conferida com a relação do
fazendeiro. Depois de alguns dias de descanso era iniciada a viagem de
volta, com a tropa carregada de mercadorias." (STEIN,1961:111-112)
Durante a primeira metade do século XIX, o café de Minas Gerais e
do Vale do Paraíba era conduzido por tropas em viagens perigosas, até chegar
aos portos de Iguaçu e Estrela. Este último foi o mais importante porto fluvial
da Província, cuja freguesia foi elevada à categoria de Vila da Estrela em 20 de
maio de 1846 (PEREIRA, 1969:29).
Além do intenso movimento de transportes nesses portos, a econorma
cafeeira encontrava em Iguaçu um importante centro comercial. Na Vila de
Iguaçu casas comissárias tão importantes quanto as do Rio agenciavam as trocas
econômicas dos cafeicultores, suprindo-os de mercadorias para consumo e sendo-
lhes mais "próximas" do que o comércio de Vassouras (STEIN,1961:97,98,110 e
115).
"Fazendeiros mantinham laços [com a cidade de Vassouras] mais estreitos
do ponto de vista social do que econômico (...) - a produção cafeeira saía
do município diretamente para Iguaçu e Rio de Janeiro" (:115)
- 42 -
Até os anos 1850, os fazendeiros obtinham empréstimos entre os co-
missários do Rio e de Iguaçu, alguns deles membros de suas famílias, sendo es-
tes últimos o mais poderoso setor comercial do período (STEIN, 1961:285).
Com o sucesso do café, a sede da Vila, às margens do porto Iguaçu,
tornou-se um importante entreposto comercial, tendo a concorrência do comércio
dos portos de Estrela, Pilar e Inhomirim (FORTE, 1933:58). Segundo PEREIRA
(1970):
"Depósitos e armazéns abarrotavam-se de café, fazendas, vinhos, couros,
produtos manufaturados, sal e produtos agrícolas que desciam a Serra do
Mar, vindos de fazendas mais interioranas e até Minas Gerais para a Cor-
te e desta para aquelas, com artigos necessários e importados" (PEREIRA,
1970:19).
Esse período propiciará o enriquecimento de famílias ligadas ao comér-
cio, também proprietárias de terra, como os Soares, MeIo e Pimenta. As duas
pnmeiras se consolidarão unindo-se por casamentos e na casa comercial SoareszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
& MeIo, que estendia seus negócios de Iguaçu "aos municípios de serra acima",
tendo "estreitas relações de amizade" com os clãs do café (FORTE, 1933:112-113
e depoimento de membro da família).
As relações políticas entre proprietários de terra e políticos locais com
a política nacional já se faziam presentes desde a criação da Vila. Vários "vul-
tos" da política do século XIX eram proprietários de terra em Iguaçu; igualmen-
te ao longo da Primeira República as articulações envolviam políticos da locali-
dade. Assim, por exemplo, Alberto Torres contava com o apoio político da famí-
lia Soares (LIMA SOBRINHO, 1968: 175), que chefiou a política de Iguaçu du-
rante todo o século XIX e início desse século, quando a Revolução de 1930 re-
ordenaria a arena política local.
Atualmente, azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada é indicada como uma área politicamente impor-
tante, cuja concentração populacional ajuda a "decidir" eleições estaduais (14). No
entanto, essa importância política não é recente. Em que pese os diferentes mo-
- 43 -
delos eleitorais e políticos historicamente constituídos, a presença política dessa
área vem já do século XIX, quando o café tornara a Vila "uma das mais opu-
lentas da província do Rio de Janeiro", segundo um prospecto distribuído em
1840.
Apesar do caráter apologético de tal prospecto, material de propaganda
que VIsava a subscrição de ações para a construção de uma estrada de ferro
que ligaria a sede da Vila à Baía de Guanabara (FORTE, 1933:59), a prospen-
dade da Vila e sua importância na Província encontra-se registrada em docu-
mentos de época (sobre esse aspecto, ver, por exemplo, PEREIRA, 1970:18-19).
Esta ferrovia, entretanto, não se concretizou, devido às poucas subscri-
ções. Tal iniciativa, contudo, traduz as dificuldades de transporte e manutenção,
na Província, das estradas freqüentadas pelos tropeiros, que implicavam prejuízos
financeiros para os cafeicultores, fazendo-se presente, então, a cogitação das fer-
rovias como uma solução para esses problemas (STEIN, 1961:113-114 e 116-123).
Em 1854 foi inaugurada, por iniciativa do Barão de Mauá, a estrada
de ferro que ligava a Baía de Guanabara a Raiz da Serra, o que concorreu pa-
ra o esvaziamento do porto de Estrela. Em março de 1858, atendendo às de-
mandas dos fazendeiros do café, é inaugurado o primeiro trecho da Estrada de
Ferro Pedro 11, ligando o Rio de Janeiro a Queimados. A ferrovia foi sendo es-
tendida, até alcançar o Vale do Paraíba em 1864 (FORTE, 1933:60-63).
Ainda em 1857, Estrela e Iguaçu apresentavam "bastante animação", se-
gundo relatório do presidente da Província. Todavia, ele indicava que a estrada
de ferro de Mauá tinha feito decair o porto de Estrela e que lia navegação feita
por 24 lanchas de dois mastros, muitos saveiros e grande número de barcos" pe-
lo rio Iguaçu, teria "muito que decair logo que (funcionasse) a estrada de ferro
de Pedro 11" (João Manoel Pereira da SILVAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAapud PEREIRA, 1977:88).
A chegada da estrada de ferro ao Vale concorreu para que gradativa-
- 44 -
mente o perigoso transporte de tropas até os portos fluviais fosse abandonado, o
que também se deu pela possibilidade de entrega direta ao Rio de Janeiro. De
maneira geral, a implantação das estradas de ferro nas áreas cafeeiras do esta-
do do Rio marcou um reordenamento dos centros comerciais e citadinos. A ci-
dade de Vassouras, por exemplo, teve seu comércio esvaziado e até mesmo fe-
chado, ao não ser incluída como estação da ferrovia Pedro II (STEIN,
1961:132-136). Também as estradas serranas, caminhos de tropas e de carros de
boi, perderam importância e junto com esse processo ocorreu o abandono dos
portos fluviais e dos centros comerciais que se desenvolveram em torno deles.
Porto das Caixas, Estrela e Iguaçu, os três maiores portos fluviais do
estado, desapareceriam ao fim do século e com eles também a vida dessas loca-
lidades. A descrição de Barbosa Lima Sobrinho sobre Porto das Caixas é tam-
bém um retrato do abandono das antigas vilas de Iguaçu e Estrela:
"Se o viajante relembra esses dias antigos, os barcos que chegavam e par-
tiam, os mastros, as velas, o cordame, (...) o lufa-lufa dos entrepostos co-
merciais, os ouvintes abrem olhos espantados e não conseguem acreditar
que tudo isso pudesse ter ocorrido naquele pedaço de rio, em que os pró-
prios cais afundaram, em que os armazéns desapareceram, e o silêncio to-
mou conta da paisagem, com uma ou outra parede apontando no meio da
vegetação (...)" (LIMA SOBRINHO, 1968:10).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
A historiografia local indica como fatores dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAdecadência (15) de Iguaçu,
as epidemias de cólera e malária em fins do século XIX (16), favorecidas pela
devastação das matas, que, associada ao decréscimo da navegação, favoreceram o
depósito aluvional nos rios e a conseqüente obstrução destes. Outro fator apon-
tado é a abolição da escravatura. O trecho do opúsculo comemorativo ao Dia
da Laranja, reproduzido no início desse capítulo, é um exemplo demonstrativo
dessa versão que pode também ser encontrada em SOARES (1962:51) e
- 45 -
PEREIRA (1970:73), entre outras publicações
Esses argumentos centralizam-se na ferrovia como um fator importante
para o declínio do porto de Iguaçu e de seu centro comercial, uma vez que ela
teria causado um deslocamento de eixos comerciais e populacionais. Se as estra-
das de ferro implantadas na segunda metade do século XIX sem dúvida agen-
ciaram novas formas de intercâmbio e instauraram novos eixos de ocupação da
população, parece-me, todavia, que um importante filão explicativo, no caso par-
ticular de Iguaçu, reside na crise da economia cafeeira atravessada pelo estado
do Rio de Janeiro, quando terra, cafeeiros e escravos sofrem desvalorização e
bancos fazem restrições ao crédito agrícola (STEIN, 1961:285).
Juntamente com a queda do preço do café processou-se também a fa-
lência das casas comissárias - "antigos procuradores, representantes e financiado-
res dos fazendeiros, expulsos pelas novas condições do mercado internacional"
(LIMA SOBRINHO, 1968:203-218) - que sofreram com a política anti-inflacio-
nária dos anos 1860.
Com as dificuldades de crédito, esse setor comercial nacional passou a
perder o lugar de importância que ocupava na cafeicultura, na qual atuava como
intermediário entre fazendeiros e exportadores e entre. fazendeiros e banqueiros,
havendo grande número de falências nesse setor nos anos 1870. As casas comis-
sárias sofreram a concorrência dos exportadores, que passaram a atuar junto aos
produtores sem intermediários, notadamente, segundo STEIN, a partir dos anos
1890. Casas americanas enviavam seus agentes ao interior para negociarem dire-
tamente com os fazendeiros, comprando o café diretamente dos produtores e
impondo seus preços, o que consolidou sua supremacia em detrimento das casas
comissárias e mesmo dos fazendeiros (STEIN, 1961:285,338-341 e LIMA
SOBRINHO, 1968:209-217). Este pareceu-me ser um ponto importante para
compreender as ruínas da velha Iguaçu, uma vez que os principais portos do rio
- 46 -
eram controlados por proprietários de trapiches de café, sendo um desses arma-
zéns da firma SoareszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MeIo, destacadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcasa comissâria.
Embora a Estrada de Ferro Pedro lI, ao atingir o Vale do Paraíba,
possa ter abalado a importância do porto enquanto escoadouro da produção ca-
feeira, o rio continuou sendo via utilizada para o transporte de pessoas, assim
como para a saída da produção agrícola local e para o ingresso de bens de
consumo para os habitantes da Vila. Essa via foi efetivamente obstaculizada na
segunda metade dos anos 1880, quando uma ponte que faria parte do trajeto da
Estrada de Ferro do Norte foi construída sobre o rio na localidade de São Ben-
to, impedindo a passagem das lanchas. Tal evento gerou, inclusive, a reação ine-
ficaz da Câmara Municipal (PEREIRA, 1970:74-75).
Teria havido aqui uma articulação de fatores que, parece-me, seriam
melhor interpretados se se levasse em conta a importância dos comissários para
a própria vitalidade da Vila, que se traduziu, neste caso, no poder político local
dessas famílias ao longo de um século. Entre as questões que concorreram para
a crise que levou ao esvaziamento da sede da Vila, estava, no quadro de desar-
ticulaçâo de setores da economia agrária do estado do Rio de Janeiro ao final
do século passado, o esvaziamento das casas comissárias.
A ponte da estrada de ferro sobre o rio Iguaçu, impedindo o trânsito
das embarcações, poderia ser um símbolo do confronto de interesses desse pe-
ríodo e da supremacia de setores mais capitalizados. Como escrevem GEIGER
& MESQUITA:
"Transformações importantes tomaram vulto no século XIX na Baixada
FIuminense, num processo geral pelo qual passava o país, já diretamente
integrado na economia mundial, pela conquista de sua emancipação.r ...)
Não se pode caracterizar a evolução econômica da Baixada FIuminense
desde o fim do século passado, a partir da abolição da escravatura, e du-
rante o início do atual, como de decadência. O que houve nesse período
foi uma série de transformações que significaram decadência de certos gru-
pos sociais, como o de "senhores de engenho", e, geograficamente, nova
distribuição da ocupação e utilização da terra, observando-se tendências à
- 47 -
concentração de certas atividades econômicas; por exemplo, na produção do
açúcar, concentração de usinas na planície campista. Isto explica também o
progresso de certas áreas, enquanto ocorreu a regressão de outras (...)"
(GElGER & MESQUITA, 1956: 28 e 30).
Hoje conhecida como Iguaçu Velha pelos habitantes do município, es-
ses restos arqueológicos muito significam dentro da história do estado do Rio de
Janeiro.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
Com o abandono dos portos, obstrução dos rios, declínio da produção
agrícola nas fazendas e proliferação de epidemias, o núcleo urbano de Iguaçu
foi abandonado por sua população no limiar do século XIX, verificando-se mes-
mo um decréscimo geral de população na área predominantemente agrícola em
que esse núcleo se situava (MENDES, 1950:82-83).
o povoado de Maxambomba, em que fora construída uma estação da
Estrada de Ferro Pedro lI, passou a centralizar atividades de comércio e servi-
ços, bem como as residências da elite municipal. Situado na parte ocidental do
município, nos contrafortes da serra de Madureira, e mais distante da baía de
Guanabara do que Iguaçu, o povoado menos insalubre, já concentrava as ativida-
des acima citadas quando se tornou sede administrativa do Município, em 1zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc.: de
Maio de 1891 (PEREIRA, 1970:76).
Na primeira década do século XX, verificam-se iniciativas que indicam
o florescimento da sociabilidade para os setores citadinos, como a inauguração
do Cine Central em 1911, a criação do Iguaçu Foot-Ball Club em novembro de
: 912, temporadas de circo, surgimento de novas bandas musicais e conjuntos re-
gionais e crescimento da popularidade da procissão e festa de Santo Antônio
PEREIRA, 1981). Em 9 de novembro de 1916 o nome da cidade é substituído
- 48 -
~~':":\"ova Iguaçu (IBGE, 1964-1965:197), deixando de lado o rústico nome dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
".:zxambomba.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É desse período a fixação de famílias de origem portuguesa e italiana,
- ..- juntamente com algumas famílias mineiras, outras do interior do estado e
.::..:::..:elasproprietárias de terra residentes no município desde o século passado,
.er arn constituir o conjunto que atualmente se denomina de [amilias tradicionais.
~:..::npre assinalar que famílias que atuaram no ramo das casas comissárias eram
~':"::,prietárias de terra no município e, embora abaladas economicamente pelas
:-:-:...:dançasdesencadeadas no fim do século passado, continuavam presentes en-
.;...:::nto elites políticas e famílias de prestígio na organização social local.
No período mencionado, já se cultivava a laranja no município. Essa
-=-=- odução localizou-se exatamente na parte ocidental, na serra de Madureira e
:-::-5 morros pequenos adjacentes a essa serra, onde eram encontradas condições
;::ográficas propícias para o cultivo. Colaborando para a manutenção de uma
-=-:-Jdução agrária em Iguaçu, a citricultura seria implementada, no entanto, se-
;· ...:ndo novos princípios, através de um maior parcelamento do solo, empregando
::-::rceiros e assalariados, atraindo população e investimentos. Se as áreas mais
::'aixas e próximas à Baía de Guanabara encontravam-se em esvaziamento, novas
esperanças surgiriam nas encostas da serra de Madureira quando então a
:-rópria sede do município deixaria de ter o nome de um antigo engenho para
:-:ominar-se conforme as expectativas de revitalização de Iguaçu. GEIGER &
\IESQUITA (1956) ao demonstrarem que a decadência da Baixada Fluminense
era, sobretudo, o declínio de determinados setores agrícolas, indicam a laranja
.omo uma cultura que, ao contrário das formas mais tradicionais de exploração
ca cana-de-açúcar, viria a desenvolver-se com sucesso (GEIGER & MESQUITA,
1956:30).
Com efeito, o levantamento de aspectos históricos do município permite
- 49 -
· ':",a.iar algumas implicações das transformações experimentadas em nível
.:...ss:=:.as oposições entre uma cidade onde "todos se conheciam" e aquela
:::-:':la e bagunça", entre o "ontem placêntico" dos "laranjais floridos" e a
.: :::"':-: dos "bispos seqüestrados", podem ser entendidas como índice de
- .s.cr.a. em que o passado agrário do município foi econômica e politica-
- : -':: s.znificativo dentro da história do estado do Rio de Janeiro, A idéia de
: ... ., .:.~ ~anha historicidade ao serem puxados escrupulosamente os fios que en-
.::na história onde muito pode ser conhecido.
- 50 -
Conforme já mencionado, o cultivo da laranja estava presente no mum-
cípio desde fins do século XIX. No início da República a citricultura surgia co-
rno uma atividade promissora, dentro de um quadro de expectativas, por parte
de setores da política do estado do Rio de Janeiro, de revitalizaçâo da agricultu-
ra nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada Fluminense.
Nilo Peçanha teve importante atuação nesse sentido, promovendo ges-
tões junto a companhias transatlânticas a fim de obter a redução dos fretes de
laranja e melhores condições para o transporte da fruta, iniciando trabalhos de
saneamento nos rios Iguaçu, Sarapuí, Inhomirim e Pilar e estabelecendo acordo
alfandegário com a Argentina, no qual as frutas do Brasil e daquele país passa-
ram a ter isenção de direitos alfandegários (SOARES, 1962:53 e FORTE,
1933:68-69).
Durante o primeiro quartel de nosso século essa atividade teve franco
desenvolvimento em Nova Iguaçu, chegando a ter o município, em 1940, 17.442
ha. ocupados com laranjeiras (BRASIL, 1946:5). Tal produção concentrava-se no
distrito sede (17), que em 1932 reunia 83% das laranjeiras do municipio, das
quais a metade estava ao redor da cidade de Nova Iguaçu (SOARES, 1962:56).
Essa ocupação fazia com que a cidade tivesse em seu sítio pequenas chácaras e
a paisagem dos laranjais que subiam a serra de Madureira, em cujo sopé está a
cidade.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ ilustrativo desse quadro o depoimento de um antigo comerciante, se-
gundo o qual na época da floraçáo - em março -, o centro da cidade ficava
tomado pelo aroma das flores de laranjeira, de tal modo que "chegava a dar
enjôo".
Até o início dos anos 1940, quando foram emancipados os atuais muni-
cípios de São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias, o município apre-
sentou três tipos de ocupação. Nos distritos de Cava, Queimados, Xerérn e Es-
trela, área de montanhas e pântanos, com extensões recobertas de florestas e
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mangues, predominavam os latifúndios com fraco povoamento. Em Nova Iguaçu,
distrito mais ocidental, a terra tinha intensa exploração agrícola devido à citricul-
tura, sendo fortemente parcelada e abrigando maior população. Nos distritos de
São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias havia expressiva densidade po-
pulacional já no início década de 1930, com características urbanas (SOARES,
1962:57-58).
A importância da citricultura não se deu apenas devido ao dinamismo
econômico trazido pelo cultivo da fruta, mas também devido ao modelo de ex-
ploração fundiária que ela gerou, através do parcelamento do solo com vistas à
venda ou arrendamento, e também devido às atividades de beneficiamento da
laranja. Quanto a este aspecto, foram implantados em toda a área ocupada pela
citricultura oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAbarracões de laranja, ou seja, grandes galpões onde se processava
o beneficiamento. Esses centros de beneficiamento foram construídos nas proxi-
midades das estações ferroviárias' dos pequenos núcleos urbanos da área produ-
tora e ainda hoje podem ser vistos, em geral ocupados por supermercados.
O beneficiamento a princípio dirigia-se apenas à produção do municí-
pIO, mas passou também a receber a produção de Campo Grande, Santa Cruz e
Bangu, áreas agrícolas do Distrito Federal limítrofes a Nova Iguaçu. Somente na
cidade de Nova Iguaçu registrava-se a presença de quatorze barracões, em 1932,
crescendo o número para vinte, em 1940 (SOARES, 1962:55).
Vários desses barracões eram de propriedade dos maiores produtores
de laranja, que em geral controlavam também as firmas de exportação do
produto. Neles eram beneficiadas a produção do proprietário do barracão ou as
laranjas que eram compradas por ele, além de ser beneficiada a produção de
pequenos proprietários, de arrendatários e parceiros que pagavam ao dono do
barracão em dinheiro ou em laranjas.
Toda essa produção se deu através do parcelamento do solo em cháca-
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raszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAde laranja, o que, entre outras decorrências, favoreceu o crescimento popula-
cional do distrito. Esse crescimento se deu pela atração de trabalhadores rurais,
assim como de agricultores interessados em investir na citricultura. Portugueses e
italianos, atuando na produção e na exportação, passaram a despontar no uni-
verso da citricultura. Algumas das firmas de exportação atuavam também nas zo-
nas citrícolas de São Paulo, tendo sua sede naquele estado.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ necessário assina-
lar que nem todos esses investidores tinham sua residência no município, muito
embora vários deles estivessem fixados em Nova Iguaçu, vindo a constituir um
grupo de prestígio na cidade: proprietários de terra e camadas médias citadinas
que, com a ruptura desse mundo que aqui procuro descrever, passaram a ser
denominados como tradicionais.
As famílias proprietárias de terra desde o século passado, estabe1ecidas
no município, não foram as que mais lucraram com esse processo, muito embora
dele também participassem. As propriedades na área de expansão da citricultura,
de propriedade dessas famílias, foram subdividas e vendidas ou arrendadas para
produtores de laranja, assim como essas famílias passaram também a cultivar
seus laranjais (SOARES, 1962:53).
Os maiores produtores foram, entretanto, a Companhia Fazendas Reu-
nidas Normandia - de capital proveniente da cidade do Rio de Janeiro -, e
Antônio de Oliveira e Irmãos - de origem portuguesa. Ambos, através da com-
pra e arrendamento, controlavam extensões de terra originárias de latifúndios do
século passado.
O tipo de exploração fundiária desenvolvida por essa atividade econô-
nuca promoveu um forte parcelamento do solo, através de várias modalidades de
transações fundiárias, entre as quais, por exemplo, o arrendamento de chácaras
promovido pelos principais investidores. Além do aspecto da fragmentação da
terra, outros aspectos eram inovadores em relação à situação anterior, como por
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exemplo o caráter empresarial da Companhia Normandia, a utilização de mão-
de-obra através do sistema de parceria e contratação de trabalhadores perma-
nentes e temporários.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÀ frente desse processo econômico não estavam as elites
locais oriundas do século passado, mas foram encompassadas pelo referido pro-
cesso; ou melhor, não perderam seu estatuto político e aderiram às oportunida-
des de revitalização econômica ensejadas com a citricultura.
Desse modo, embora tratando-se de uma produção inovadora, ela não
representou a ruptura de um mundo agrário, sendo mesmo uma possibilidade de
continuidade dele. Waldick Pereira chega a apontar como uma das "razões socio-
econômicas" da implementação do cultivo da laranja em Nova Iguaçu, ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"tradi-
cionalismo de famílias de origem rural" (grifo meu) e mais adiante indica que
esse cultivo provocou profundas mudanças sociais, sem que entretanto fossem
comprometidas as "características rurais" de Nova Iguaçu (PEREIRA, 1977:118).
Na verdade, o sucesso da rentabilidade da laranja concorreu para con-
ter a expansão de loteamentos urbanos na área citrícola, o que não se verificava
na área dos futuros municípios de Nilópolis, São João de Meriti e Duque de
Caxias, que, tendo uma ocupação urbana mais acentuada, estarão emancipados
do município de Nova Iguaçu nos anos 1940.
Assim, este capítulo busca traçar uma descrição do umverso das cháca-
ras de laranja, que na memória de tantos figura como o emblema do passado
agrário em oposição ao mundo criado pelos loteamentos. Além dessa descrição
nrocurar-se-á articular o declínio da laranja e a implantação dos loteamentos em
áreas de chácaras.
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1. Do Universo das Chácaras de LaranjazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Exportação e Beneficiamento
Havia a clara intenção, por parte de setores da Primeira República, de
incentivar o plantio da laranja que surgia, ao final dos anos 1920, como promIs-
sor produto dentro do modelo agro-exportador. Nesse período, o plantio da la-
ranja no estado do Rio era feito em São Gonçalo, Campo Grande (no atual
município do Rio de Janeiro) e Nova Iguaçu. Paralelamente, no estado de São
Paulo também se desenvolvia o cultivo da fruta nos municípios de Limeira, So-
rocaba, Taubaté e Caçapava, que obtinham, inclusive, maior produtividade por
pé de laranja que a obtida no estado do Rio, muito embora este tivesse maior
produção devido ao maior número de árvores cultivadas (BRASIL, 1929:19;
Y1ENDES, 1950:3).
Já nas primeiras décadas do século a citricultura atraiu italianos e por-
tugueses para Nova Iguaçu, que investiram nas atividades da citricultura e se ra-
dicaram no município, estando alguns presentes no enriquecedor negócio doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
barracões de laranja e firmas de exportação. As famílias proprietárias de terra
oriundas do século passado, como já foi assinalado, também passaram a cultivar
a fruta. Nos anos 1920 esse cultivo já se encontrava radicado, verificando-se o
registro, em 1923, da fundação do Sindicato Agrícola de Nova Iguaçu que busca-
va organizar e viabilizar os interesses de citricultores e exportadores. Tal orgaru-
zação teve seu nome mudado para Associação dos Fruticultores de Nova Iguaçu,
em 1924 (PEREIRA, 1977:130). Encarregando-se do transporte e venda das fru-
tas de seus associados para o comércio interno e externo, esta Associação figura-
va em 1929 na lista das firmas de exportação de laranja pelo porto do Rio de
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Janeiro (BRASIL, 1929).
Naquele ano era nítida a importância atribuída pelo Ministério da
Agricultura à laranja:
"A atual orientação dos poderes públicos, procurando amparar eficazmenteos produtores, quer orientando-os no sentido de serem melhorados os pro-cessos culturais, quer instruindo-os quanto ao preparo do produto para aexportação, de acordo com as exigências dos mercados consumidores, fazcrer que muito em breve, o Brasil será um dos maiores centros produtoresde laranjas do mundo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( ...)O governo federal e alguns governos estaduais estão empenhados na inten-sificação das culturas frutíferas no país, educando e protegendo os peque-nos produtores, facilitando a exportação, melhorando os processos, fiscali-zando o transporte e a embalagem e obtendo a standardização nos centrosexportadores.(...)O Sr. Ministro da Agricultura acentuou, recentemente, que 'para os produ-tores brasileiros, raros são os negócios que lhes possam oferecer com pro-babilidade de maiores lucros. Um hectare, plantado de laranjeiras, é maisvantajoso do que se fosse plantado de cafeeiros'" (BRASIL, 1929:7-8).
No mesmo ano da publicação acima citada efetuou-se a visita do presi-
dente da República Washington Luís e comitiva a Nova Iguaçu, motivada pelo
sucesso do cultivo da fruta. Diante da importância da produção e por articula-
ções políticas e das intermediações da Associação de Fruticultores, o Governo
Federal encaminhou a instalação de máquinas para a criação de um importante
centro de beneficiamento e embalagem da fruta, controlado pelo Ministério da
Agricultura, a exemplo do que também resolvera instalar em Limeira, estado de
São Paulo (BRASIL, 1929:7; PEREIRA, 1977:130-131).
Além desse aperfeiçoadozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAbarracão ou "packing house", como era mais
sofisticadamente chamado, outro muito importante era o da Companhia Fazen-
das Reunidas Normandia, de investidores da cidade do Rio de Janeiro, cuja fa-
zenda possuía nos anos 1930 o maior número de pés de laranjeiras (por volta
de 82.000).
Nessas casas de embalagem desenvolviam-se as seguintes operações: se-
leção dos frutos pelo tamanho padronizado para comercialização, seleção pelo
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aspecto, lavagem, brunimento, embrulho em papel de seda, encaixotamento. A
caixa de laranja continha em média 250 frutos, e nela era imprimida a marca
do proprietário dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAbarracão e a localidade de procedência. Eram empregados
em cada centro de beneficiamento cerca de cem trabalhadores, entre homens e
mulheres, constituindo um mercado de trabalho importante, assim como a indús-
.ria de confecção de caixas (MENDES, 1950:101).
O transporte era feito por caminhões das áreas de cultivo para os cen-
:ros de beneficiamento e de lá para a estação ferroviária, seguindo de trem para
.:" Rio de Janeiro. A demanda por estradas de rodagem para o transporte da
:-rodução fez com que fossem construídas várias estradas municipais na área Cl-
.rícola, e assim, somente no ano de 1931 foram inauguradas quatorze estradas,
S ornando cerca de 90 quilômetros, pela Prefeitura Municipal (SOARES, 1962:56).
A produção era voltada principalmente para a exportação. Inicialmente
exportava-se para Argentina e Uruguai, ampliando-se as vendas, na segunda me-
.ade dos anos 1920, para países europeus. Em 1929 o principal país importadorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
':.i produção de laranjas brasileiras era a Argentina, seguida da Inglaterra, Ale-
::",3.nha e Holanda (BRASIL, 1929:64; MENDES, 1950:99),
Em 1928, o estado de São Paulo exportou 205.379 caixas e o Distrito
::-e.íeral e estado do Rio 432.738. A produção nacional, particularmente a de
"J\'a Iguaçu, esteve em franco desenvolvimento durante a década de 1930. O
::::~nicípio citado exportou, em 1931, 700.181 caixas de um total de 1.281.461 cai-
'. .15 de laranjas exportadas pelo porto do Rio de Janeiro naquele ano.
A produção e exportação cresceram no decorrer da década de 1930.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
'<= ano de 1934 o Brasil exportou 2.631.827 caixas e quatro anos mais tarde es-
, _ exportação alcançava um total de 5.487.043 caixas de laranja. Em 1938 e
. -:-9 a exportação de laranjas teve seu ápice, antes que esse comércio fosse obs-
~::-"::20 no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Há indicações de que em 1939
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o estado de São Paulo exportou 2.593.556 caixas e que somente o município de
Nova Iguaçu exportou 2.111.618 caixas de laranja, apresentando-se esse município
como maior centro exportador nacional (SOARES, 1962:55 e 61). Note-se que
nesse período, em 1938, o município deixou de se chamar Iguaçu, passando a
receber a denominação do distrito-sede, Nova Iguaçu,
Uma das mais lucrativas atividades desenvolvidas no município era en-
tão a do beneficiamento e exportação de laranjas. A exportação era um setor
em que se destacavam os italianos, cuja atuação estava mais concentrada no be-
neficiamento e exportação do que no cultivo da fruta.
Em 1934, o jornalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBACorreio da Lavoura, de Nova Iguaçu, indicava como
os principais exportadores locais as firmas de Alberto Cocozza (que também
atuava no estado de São Paulo), Francisco Baroni, Pantaleão Rinaldi, Antonio
de Oliveira Carvalho e Antonio Vaz Teixeira, em uma lista de vinte exportado-
reszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(Correio da Lavoura apud PEREIRA, 1977:128).
o universo social da produção
A revitalizaçáo econômica e social trazida pelo cultivo da laranja criou
um universo próprio, quer seja sob o ponto de vista da organização das relações
sociais que estruturavam essa atividade econômica, quer seja sob o ponto de vis-
:a da organização social local, que teve na laranja, durante cerca de cinqüenta
anos, sua principal atividade econômica. A descrição que se segue está baseada
em bibliografia e depoimentos colhidos na cidade de Nova Iguaçu e na área de
.oteamentos em Austin, onde foi realizado o trabalho de campo.
O desenvolvimento da citricultura teve na exportação um importante
motor. Os maiores produtores controlavam também firmas de exportação e as-
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S:=:-:. nos rótulos impressos nas caixas de laranja, nos papéis timbrados pelas fir-
::::2.5 de exportação, nas propagandas do produto, podiam-se encontrar referências
~crno: "Victorino de Mello, citricultor e exportador", "Victorino de Mello, pomi-
~·..:ltore exportador", "Francisco BaronizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& Filha, plantadores e exportadores".
Os produtores de laranja eram localmente denominadoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiros, mas
::sta denominação era mais empregada para denominar os pequenos e médios
-::-odutores (proprietários, arrendatários e parceiros) que viviam com suas famílias
2.5 chácaras de laranja, cujas dimensões variavam de 2,5 a 100 hectares, variando
.:- número de laranjeiras de 1.000 a 15.000 pés (MENDES, 1950:102). Os maio-
:-::5 produtores, que controlavam grandes extensões de terra arrendadas e/ou
compradas por eles, eram denominados fazendeiros.
Os fazendeiros atuavam em diferentes setores da produção: como culti-
..adores, como proprietários de centros de beneficiamento (os barracões), como
.::omerciantes em entrepostos no Rio de Janeiro e como exportadores (GEIGER
6.: MESQUITA, 1956:109 e conforme entrevistas colhidas no trabalho de campo).
Além da própria produção, os negociantes de laranja beneficiavam aquelas que
.::ompravam de pequenos e médios produtores, e podiam também beneficiar a
produção de chacreiros mediante pagamento em dinheiro ou laranjas. Os citricul-
:ores que atuavam diretamente no beneficiamento e exportação obtiveram os
maiores lucros da citricultura, tendo inclusive maior poder de barganha nas ne-
gociações de compra da produção dos chacreiros.
A lucratividade e a propaganda em jornais, onde podia-se encontrar o
iema "laranja no pé, dinheiro na mão", fez com que chácaras fossem arrendadas
ou compradas por pessoas que não tinham na agricultura sua principal atividade
econômica, como comerciantes e funcionários públicos, que viam na citricultura
um investimento econômico quer seja através da produção dos cítricos, ou pela
especulação com terras (MENDES, 1950:100). Esses não foram a maioria daque-
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les que se fixaram e efetivamente produziram enquanto pequenos e médios pro-
dutores. Entre oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiros observa-se a importante presença de portugueses.
Muitos vieram diretamente de seu país de origem para o município, através de
cartas de chamada de parentes ou conhecidos lá implantados (SOARES,
1962:55). A história de vida de um tradicional feirante do município, comercian-
te de laranjas, é demonstrativa:
••- Os grandes fazendeiros mandavam carta de chamada. Foi o caso daminha mãe, ela veio trabalhar para a casa de dona Joaquina [esposa deum importante citricultor e exportador]. Meu pai, também português, já es-tava aqui, êles se conheceram e se casaram [em Nova Iguaçu]. Eram doPorto." (Adolfo Pereira).
O paI de Adolfo cultivava laranja em um sitio do qual havia comprado
o direito de usufruto. O termo sitio indicava então uma área de dimensões me-
nores que a chácara. Posteriormente, em 1946, seu pai mudou-se com a família
para uma fazenda administrada pelo irmão de seu pai, a fim de trabalhar no
preparo de canteiros de laranja e vindo a trabalhar depois, nesta mesma fazen-
da, também como administrador.
O acesso do chacreiro à terra se dava, muito freqüentemente, através
do arrendamento. Em Nova Iguaçu, diferentemente do estudado por BASTOS
(1977), que analisa as unidades de produção familiar de produtores de laranja
de um município fluminense, dificilmente o arrendatário seria identificado como
um trabalhador, mas sim como um proprietário, que poderia ou não utilizar o
trabalho doméstico.
Como mão-de-obra básica os chacreiros empregavam a parceria e traba-
lhadores assalariados, temporários e permanentes.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ necessário assinalar que ha-
\ia diferenciação entre os chacreiros, havendo aqueles que controlavam maiores
extensões de terra e maior número de empregados e aqueles que contavam ba-
sicamente com o trabalho do grupo doméstico em extensões de terra menores.
Os arrendatários que entrevistei, que se reconheciam como chacreiros, passaram
- 61 -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
••--------••----••~------====--=======-~~~~~~~----~~----------------~------
_ controlar de fato as áreas arrendadas, chegando a loteá-las posteriormente.
Quanto aos parceiros, muitos também eram portugueses, alguns minei-
:-.:;s. outros do estado do Rio. Eram chamadoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmeeiros. Entrevistei uma senhora
.:::uehavia trabalhado dessa forma e cuja perspectiva, em seu relato, era a do
trabalho:
Nasci em 25 de agosto de 1912, aqui em Nova Iguaçu. Meu pai traba-lhava com engenheiro, fazendo medição de rua, minha mãe era lavadeira.Meu pai era português, do Minho, minha mãe era brasileira. Desde peque-na trabalhei à beça. Com 8 anos fui trabalhar em casa de família lá
embaixo [Rio de Janeiro]. Com 12 anos fui trabalhar [como empregada do-méstica] com Antonio de Oliveira Carvalho, o exportador de laranja. Tra-balhei até 19 anos, só vinha aos domingos. Quando fui trabalhar com elesmoravam na estrada de Madureira, depois mudaram para aquela casa boni-ta [em área residencial do centro de Nova Iguaçu] . Meu irmão trabalhavano barracão fazendo caixas de laranja. Minha irmã trabalhava em casa defamília também.Casei em 1932, meu marido era padeiro, não queria que eu trabalhasseem casa de família. Fomos para São Caetano, São Paulo, tive um filho lá,em 1933. Meu marido foi trabalhar na fábrica de tecidos Matarazzo.Mais ou menos em 1936 voltamos. Trabalhamos em meação de laranja, ti-nha também plantação de pimenta, aipim, milho para a miudeza [consumodoméstico]. Capinei muita laranja. Ficamos 5 ou 6 anos no sítio. O maisnovo nasceu no sítio.Fui morar em Belford Roxo, mudamos pra lá porque meu marido foi tra-balhar com o irmão num bar. Os pais de meu marido eram portugueses,eram de um lugar chamado Seixas. Aqui [referindo-se ao lotemento ondereside] era a chácara deles, meu marido fêz a casa, viemos pr'aqui. Planta-ção de laranja tinha, tinha aipim, pimenta malagueta, tinha árvores da ma-ta: cabuí, espinheiro.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA laranja era trabalho. Se trabalhava a terra, fazia asvalas, alinhado, fazíamos os enxertos. Trabalhei muito. (...)" (Maria).
Para Maria, a laranja representou trabalho dentro do grupo doméstico
de produção, tal como nos casos de meeiros e arrendatários analisados por
BASTOS (1977). Posteriormente, quando o marido rompeu o casamento, resol-
veu vender a chácara herdada dos pais, onde viviam, para uma companhia imo-
oiliária. A área foi loteada pela companhia, cabendo a Maria um terreno e
parte do dinheiro adquirido com a venda da chácara. Este processo de rupturas,
todavia, fez com que Maria voltasse a trabalhar como empregada doméstica. Se-
gundo informou, a quantia pela qual a chácara fora vendida por seu marido não
implicou melhorias econômicas para os dois.
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A cerca de um quilômetro da residência de Dona Maria em Austin, vi-
ve Agostinho Matos, filho dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiro arrendatário cuja chácara fora loteada.
Corno a de Maria, a casa de Agostinho se encontra no interior da área que fo-
ra anteriormente a chácara de seus parentes.
"- Nasci em 10 de fevereiro de 1918, em Juiz de Fora. Meu pai era por-tuguês de Trás-os-Montes, minha mãe era mineira. Quando viemos de láeu tinha quatro anos, viemos para Nova Iguaçu. Minha mãe era parteira econhecia homeopatia. Meu pai era funcionário da Central do Brasil.Meu pai arrendou dois ou três alqueires do Conde Modesto Leal. Era ma-ta virgem. Meu pai fêz uma casa, coberta de sapê, viemos morar lá... Bem,quando chegamos moramos no centro [de Nova Iguaçu] por cerca de trêsmeses, depois arrendamos essa área.Meu pai colocou gente abrindo a mata, começou a trabalhar. Pequenalavoura, depois começou a trabalhar no enxerto e plantio de mudas de la-ranja. Em 1924 plantou laranja, os empregados eram moradores da cháca-
ra, começamos com três, depois passamos para dez, quinze.Na época da floração, em março, fazíamos contato com os exportadores,não havia contrato escrito, êles vinham aqui, diziam: "Dô tanto". Na co-lheita vinham os caminhões [dos compradores], com os catadores, apanha-
dor de laranja, com as caixas, eram principalmente dos Oliveira. A colheitacomeçava em julho, até setembro. Era laranja pêra, para exportação, usa-vam o nome do dono [referindo-se aos exportadores]. Não havia agrôno-mos, era o próprio conhecimento dos plantadores" (Agostinho Matos).
A trajetória de Agostinho teve um percurso diferente da de Maria,
pois embora ambos estivessem ligados a famílias de chacreiros, o paI de Agosti-
nho contava com maiores recursos, urna vez que era funcionário da Central do
Brasil. Seu pai, arrendatário, ocupava no espaço social a posição de empregador.
A família Matos fazia parte da comunidade portuguesa de proprietários, partici-
pando dos eventos sociais da cidade, "trazendo o santo" na prestigiada procissão
de Santo Antônio (18), podendo pagar os estudos de seus filhos no Colégio
Leopoldo, ainda hoje urna importante instituição educacional local e que durante
décadas, desde a sua fundação, teve a peculiar característica de congregar, entre
·JS alunos matriculados, os filhos das famílias espíritas kardecistas do município,
dado ser esta a inserção religiosa de seu fundador.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
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( "Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiraszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÀ sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"Meus Oito Anos", Casimira de Abreu )
Se os filhos das famflias tradicionais, de alguns chacreiros e de setores
.radinos podem lembrar com saudade dos laranjais, a representação das crian-
: :::5. mulheres e homens que compunham a mão-de-obra básica da citricultura
~arece ser menos bucólica. Segundo SOARES, "o sistemazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"de trabalho adotado
:-.::;5 maiores laranjais incluía um grande número de assalariados e meeiros"
SOARES, 1962:54).
Entre os parceiros verificava-se a presença de portugueses, mas também
ce mineiros e fluminenses, que podiam desenvolver cultivos para o consumo do-
::1éstico nas áreas ocupadas. A parceria, entretanto, não era amplamente empre-
~ada, havendo maior utilização do trabalho assalariado de empregados perrna-
nentes ou contratados por empreitada. Em alguns casos o trabalhador poderia
.er uma casa na chácara, sendo um morador, com direito a cultivar as miudezas
para o consumo doméstico. (GEIGER & MESQUITA, 1956:107; entrevistas do
trabalho de campo).
Os empregados eram de Minas Gerais, havia muita gente de Carango-Ia, ou do interior do estado, de Casimira de Abreu, Itaocara, São Fidélis,Itaperuna. Geralmente vinha um na frente - dizia-se ''procurar colocação"
- , voltava e depois vinha com a família. O forte mesmo era de Minas."(Adolfo Pereira).
O relato de um ex-trabalhador da citricultura não trouxe em nenhum
momento da entrevista a lembrança e saudade de "laranjais floridos". Pelo con-
trário, esse foi um momento de difícil abordagem na entrevista, pois não se sen-
- 64 -
tia à vontade em falar das relações de trabalho que sua família experimentara
nesse período; mudando de assunto, preferia falar de sua trajetória ascendente:
" - Quem me trouxe pr'aqui foi a laranja. Saí de Minas com doze anos,de fazenda, onde nasci em 1923. Casimiro Meirelles, região de Juiz deFora. Tive um irmão acima de mim, que não conseguiu se desenvolver [fa-lecido]. Foram duas moças, eu e mais quatro homens. Éramos tudo ismir-rado, porque na roça não tem fartura não (...). Fiquei como chefe da fa-mília, meu pai morreu. O filho do interior tem mais amor aos pais que osde hoje.( ...)Minha mãe ouviu falar da laranja, que a laranja tava dando dinheiro. Che-gavam as notícias, tava todo mundo vindo p'ra cá.Viemos num trem, "maria-fumaça". Chegamos à noite. Saltamos em Austine fomos para Cabuçu à pé. Ficamos todos num quartinho onde pernoita-mos... [O entrevistado ficou emocionado e mudou de assunto, posterior-mente esclareceu que foram trabalhar para a Companhia Normandia]AlgunszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcolonos às vezes tinham casa e tudo, com luz! Viemos morar emAustin. Todos tinham que trabalhar. Na verdade, ninguém tinha direitonem de chupar uma laranja" (João Carvalho).
Conversamos um pouco mais sobre a citricultura, mas não quis voltar a
abordar as relações de trabalho desse período. Com trajetória de ascensão social,
Miguel passou de trabalhador rural (trabalhou para a Fazenda Cabuçu, de pro-
priedade da Companhia Norrnandia, por três anos) a loteador nos anos 1950.
Nesse intervalo, trabalhou em Volta Redonda em 1940, voltou para Austin por
querer viver perto dos irmãos e mãe e foi trabalhar na eletrificação da estrada
de ferro Central do Brasil a partir de 1941. Serviu ao Exército "por volta de
1946" e depois voltou a trabalhar para a mesma firma responsável pela eletrifi-
caçào, então como almoxarife na fábrica de locomotivas. No início dos anos
1950, o crescimento do mercado imobiliário e uma doença, devido a parou de
trabalhar e passou a receber auxílio da previdência social, o levaram a ser cor-
retor de imóveis, em Nova Iguaçu, de uma empresa lote adora do Rio. Posterior-
mente ele próprio tornou-se um loteador, e assim, segundo ele, teve lia oportuni-
dade na vida de deixar de ser empregado".
o recrutamento de trabalhadores temporários, pagos por empreitada,
era grande. Trabalhavam principalmente na capma e na colheita, sendo recruta-
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dos homens, mulheres e crianças peloszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiros, meeiros ou pelos comerciantes
que, ao comprarem o produto, traziam uma turma para efetuar a coleta. Como
foi verificado ao longo do trabalho de campo, eram chamados catadores ou apa-
nhadores de laranja e ocupavam uma posição de menor prestígio na hierarquia
da produção.
A maior parte dos trabalhadores eram de empreitada. O meeiro arru-mava pessoas para trabalhar e esse pessoal ele pagava por tarefa, por cadapé de laranja capinado, recebiam uma importãncia. A safra também erafeita de empreitada. Na época da colheita havia aquela turma. Chamava-seturma de coLher Laranja, então eles colhiam por caixa, iam mulheres, crian-ças, todo mundo. Recebiam por caixa. Eles colhiam, traziam na cesta ouna bolsa e iam enchendo as caixas ali na banca, que costumava ficar pertodo caminhão. Depois, na hora que ia carregar o caminhão o apontador
apontava: A senhora? Quantas caixas?Tanto.O outro?Tanto.
Cada um ganhava o correspondente à quantidade que havia colhido."(Adolfo Pereira).
Outra possibilidade de trabalho encontrava-se nos barracões de benefi-
ciamento e de confecção de caixas de laranjas, que também empregavam
crianças e mulheres, além de homens. Alguns dos trabalhadores rurais que se
empregavam por empreitada no processo de produção da laranja, alternavam es-
sa atividade com o trabalho nos barracões.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBACalendário da Produção
Nos pomares de laranja, os principais trabalhos eram o plantio, o en-
xerto, as capinas, a poda e a colheita. O plantio era feito entre os meses de
março e setembro, plantando-se as mudas em carreiras e distanciadas umas das
outras cerca de seis metros. As mudas plantadas demoravam por volta de quatro
anos para começarem a produzir frutos. Em março, época da floraçáo, os co-
- 66 -
:::~rciantes visitavam aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras, avaliando a produção, e pagando um adianta-
:::~nto como sinal. Condicionada pela exportação, a produção era então voltada
:::-edominantemente para o cultivo da laranja pêra, cultivando-se outras espécies
::::: menor escala, para venda no mercado interno. Também a época da colheita
estava condicionada pela exportação. Quando havia contratos com a Europa a
z : .heita começava em junho, julho, indo até dezembro. Após a Segunda Guerra,
'::~3.ndo estes mercados se retraíram e a Argentina tornou-se basicamente o úni-
~:: mercado de exportação, a colheita era iniciada em setembro (MENDES,
::'50:102-105; GEIGERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MESQUITA, 1956:107-108; entrevistas de trabalho de
~~:npo).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Citricultura e Deslocamento Populacional
As possiblidades de trabalho na citricultura implicaram um deslocamen-
::' de população rural em direção a Nova Iguaçu. Entre os anos 1920 e 40 esse
::i o município que mais cresceu percentualmente no país (MENDES, 1950:102),
saltando de uma população total de 33.396 para 140.606 habitantes. Nesse pe-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~odo, tal crescimento deveu-se em parte ao crescimento de população urbana
ern São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias, que já apresentavam cres-
.ente processo de loteamento urbano, notadamente em áreas próximas às esta-
; 5es ferroviárias, e para o qual também concorreram as obras federais de sanea-
::lento na década de 1930 e a eletrificação da Central do Brasil a partir de
: 935 (ABREU, 1987:107). Entretanto, é inegável a atração populacional devida à
.::.ranja, o que se pode concluir através de depoimentos como alguns aqui já ci-
.ados, ou através da verificação de que o crescimento populacional se deu tam-
::,ém nos distritos essencialmente agrícolas (Nova Iguaçu, Cava, Queimados e
- 67 -
Bonfim), sendo mais acentuado no distrito de Nova Iguaçu, onde se concentrava
- cultivo de laranjeiras.
Segundo SOARES, entre os anos 1920 e 1940 verificou-se um cresci-
::::ento populacional nos quatro distritos acima mencionados, que passaram de
~S.707 habitantes em 1920, para 43.167 em 1940. Desses quatro distritos, o que
experimentou maior crescimento foi o de Nova Iguaçu, distrito em que se con-
.entruva a produção de laranja, que teve um acréscimo de 22.585 habitantes
SOARES, 1962:54-55).
GEIGER & MESQUITA, comparando os salários de diversas áreas ru-
rais nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada Fluminense (19) nos anos 1950, verificaram que os municípios
cue tiveram maior crescimento de população rural foram aqueles que pagavam
~s melhores salários para os trabalhadores rurais, caso de Nova Iguaçu e do Nú-
clco Colonial Santa Cruz, em Itaguai, e de Itaboraí (GEIGERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MESQUITA,
~956:41).
O trabalho na laranja mobilizava um grande contigente de assalariados.
GRYNSZPAN permite perceber, na tabela indicativa de pessoal ocupado e par-
ceiros nos estabelecimentos rurais em 1950 e 1960, que, dos municípios analisa-
dos pelo autor (Itaguaí, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Magé, Itaboraí e Cacho-
eiras de Macacu), Nova Iguaçu era o que detinha o maior número de trabalha-
dores permanentes e temporários. Assim, o município apresentava, em 1950,
1.533 trabalhadores permanentes e 3.897 temporários enquanto Itaguaí, o segun-
do nesse tipo de contratação de mão-de-obra, tinha 948 permanentes e 850
temporários (GRYNSZPAN, 1987:61). No decorrer da década de 1950, quando a
laranja estava em dec1ínio em Nova Iguaçu, houve uma grande dispensa de
trabalhadores, em índices bem maiores que a média do estado.
Parece-me que a convergência de população promovida pela citricultura
- 68 -
foi um dado de implicações políticas importantes dentro do contexto dos confli-
tos camponeses ocorridos nos anos 1940-50. O sucesso dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlaranja "correu
mundo", atraindo populações que vinham sendo expulsas de diferentes áreas de
produção agrária.
GRYNSZPAN indica dados sugestivos: um líder camponês entrevistado
em sua pesquisa apontara que em Pedra Lisa, área de luta de ocupação campo-
nesa em Nova Iguaçu, vários dos posseIros que para lá se dirigiram nos anos
1940, chegaram ao município atraídos pela possibilidade de emprego na produ-
ção de laranja. A família de outro líder entrevistado por esse autor possuía um
sítio com plantação de laranjas em Nova Iguaçu e com a morte do pai e a
queda do preço do produto, teve que vender o sítio e mudar-se para Duque de
Caxias (GRYNSZPAN, 1987:29).
Em fase inicial da pesquisa, estando em contato com antigos posseiros
de Pedra Lisa, relatava-me um deles, participante dos conflitos desde os anos
1940, que dirigira-se para Caramujo (a então localidade de Engenheiro Pedreira,
a que pertence Pedra Lisa) para trabalhar em chácaras de laranja, fazendo en-
xertos e podas, trabalhando com alguns fazendeiros por volta de quatro anos.
Segundo seu relato, começara a trabalhar nessas chácaras por volta de 1944 e
participara em 1948 de uma ocupação organizada em Pedra Lisa, quando então
foi preso durante cerca de três horas, junto com as principais lideranças, em Ni-
terói. O principal líder, José Matias, teria ficado preso por 19 dias nesta ocasião.
Pedra Lisa vinha recebendo ocupantes desde, pelo menos, fins dos anos
1930. No desenrolar da década de 1940, os conflitos pelo controle da área entre
posseiros (que alegavam a origem pública das terras ocupadas), exploradores de
lenha, fazendeiros e a Companhia Fazendas Reunidas Normandia, maior produ-
tora de laranjas no município, acirraram-se. Em 1948 foi criada pelos campone-
ses a Sociedade dos Lavradores e Posseiros do 6~ Distrito de Nova Iguaçu, que
- 69 -
importante atuação nos conflitos de terra de Pedra Lisa e mesmo na orga-
- ~.::.ção camponesa estadual nos anos 1950 e primeira metade dos anos 1960
:-::.::-aum histórico dos conflitos em Pedra Lisa, ver GRYNSZP AN, 1990).
Segundo "seu" Ignácio, o clima dos conflitos, já nos anos 1940, "era co-
:-:-:~ na canção famosa na época: 'Dentro de minha cerca/Mexer ninguém imagi-
:-::.:Os arames são de bala/E os moirâo de carabina', do Jacó e Jacozinho."
Assim, uma das implicações do cultivo da laranja em Nova Iguaçu foi
motivado o deslocamento de população camponesa para esse município, em
:.:-;:ção às possibilidades de trabalho no campo. O desativamento desse cultivo,
:::.=-:dolugar a loteamentos urbanos - processo detonado nos anos 1950 - foi,
:-::'::-ece-me,um fator considerável dentro do conjunto de elementos que geraramzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
= s conflitos camponeses ocorridos nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada nos anos 1950. Ao perguntar a um
::"•.-líder camponês o que passaram a fazer os trabalhadores da laranja com o
.:eclínio dessa produção, ele respondeu: "uns se tornaram trabalhadores urbanos,
= "..::rosforam trabalhar de meia, de terça, e alguns foram para as ocupações",
'::55e ele referindo-se às ocupações organizadas de camponeses verificadas nos
::':-.J5 1950.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Parcelamento do Solo e Expansão de Propriedades
Segundo Renato da Silveira Mendes a implantação das chácaras de
.aranja se deu em um período em que antigas propriedades, desvalorizadas, "fo-
:-.::.:nsendo compradas por preços insignificantes por capitalistas residentes na ci-
':.lde do Rio de Janeiro", contando com valorização certa (MENDES, 1950:100).
A subdivisão dessas terras deu origem a um processo de parcelamento
':J solo que teve duas vertentes: uma urbana, que levou ao crescimento, nas pri-
- 70 -
meiras décadas do século XX, de povoados próximos às estações ferroviárias, co-
mo São João de Meriti, Nilópolis e Mesquita, através da venda de lotes de
lOx50 metros. A outra vertente corresponde à expansão da laranja, cuja face es-
peculativa acentuou-se a partir dos anos 1930, quando a propaganda em jornais
cariocas a respeito da possibilidade de enriquecimento com o cultivo de laranja
atraía setores heterogêneos, como pequenos negociantes, funcionários públicos,
camadas médias em geral (MENDES, 1950:100). Na década de 1930 a citricultu-
ra em Nova Iguaçu ganhou notoriedade, década em que os laranjais da Compa-
nhia Fazendas Reunidas Normandia começaram a produzir e essa companhia
encaminhou a venda dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras, já plantadas ou não, dentro das grandes exten-
sões de terra que controlava e buscava controlar no município desde, pelo me-
nos, fins dos anos 1920.
o cultivo de laranja, sob a forma da ocupação do solo em chácaras,
promoveu um processo de fracionamento da terra, verificado entre os anos 1920
e 1940
Estabelecimentos Agrícolas em Nova Iguaçu (1920-1940)
1920 1940Até De 41 Mais de Total Até De 41 Mais de Total
40 ha. a 200 ha. 200 ha, 40 ha. a 200zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAhal 200 ha.
213 29 38 280 1.451 62 18 1531
Fonte: MENDES, 1950:101
Deve-se destacar a importância dos arrendamentos, como já foi assina-
lado, para o acesso dos chacreiros às extensões de terra que cultivavam. No dis-
trito de Nova Iguaçu, em área contígua à cidade, quatro fazendas, do espólio de
Francisco Soares de Sousa e MeIo, foram deixadas em usufruto a parentes, mas
legadas à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Um negociante de la-
ranjas comprou o direito de usufruto de parte dessas fazendas e, parcelando a
- 71 -
área emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras cultivadas, arrendou-as. A própria Santa Casa comprou o direi-
to de usufruto da parte restante e teve o mesmo procedimento do negociante,
arrendando chácaras (SOARES, 1962:54). Desse modo, as cercanias da cidade fi-
caram recobertas de laranjais e de pequenos e médios estabelecimentos produti-
vos.
O arrendamento foi uma estratégia largamente empregada na fase de
implantação da citricultura e no seu período de maior produção, nos anos 1930.
Nesse período, o número de estabelecimentos sob responsabilidade de arrendatá-
rios, em Nova Iguaçu, foi um dos maiores do estado, chegando mesmo a apre-
sentar uma proporção de equilíbrio face ao número de estabelecimentos contro-
lados por proprietários, proporção essa raramente verificada no estado do Rio,
no período em apreço.
É interessante observar-se que em 1950 essa proporção se modifica,
com o aumento do número de estabelecimentos dirigidos por proprietários e di-
minuição do número de arrendatários. Durante os anos 1940 a crise desencadea-
da pela Segunda Guerra fez com que vários chacreiros desistissem de seus arren-
damentos, foram vendidas várias chácaras, ensejando-se então a articulação das
condições que levariam à implantação de loteamentos urbanos em fins dos anos
1940 e sobretudo a partir dos anos 1950.
Estabelecimentos Agrícolas sob responsabilidade de proprietáriose arrendatários - Nova Iguaçu (1920-1950)
Proprietário161704zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1.289
Ano192019401950
Arrendatário101
523241
FONTE: Recenseamento de 1920 e Censos Agrícolas de 1920 e 1940.
Em 1940 os arrendatários eram responsáveis por 7.531 ha., e os pro-
prietários respondiam por 13.162 ha.; dez anos mais tarde as áreas correspon-
- 72 -
---~.__zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA.. - ------~.-.~~~---.---
diam a 1.828 ha. e 15.613 ha., respectivamente. Observa-se, em 1940, que os ad-
ministradores eram responsáveis por 302 estabelecimentos, sendo omitida, no
Censo Agrícola, a informação da área que tais estabelecimentos compreendiam.
Em 1950, verificou-se a presença de 317 estabelecimentos dirigidos por adminis-
tradores, equivalentes a uma área de 10.324 ha.
Somente em 1950 os ocupantes viriam a ser registrados em recensea-
mento: tinham 54 estabelecimentos sob sua responsabilidade, em uma área total
de 317 hectares.
Com efeito, o parcelamento do solo graças à citricultura é um dado,
notadamente entre os anos 1920-1940. Por outro lado, também um processo de
expansão de propriedades se deu, o que parece ter sido desencadeado a partir
da Segunda Guerra.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAFazendeiros estenderam suas propriedades, comprando
outras, contíguas ou não. Tal foi, por exemplo, o caso da família Oliveira, regis-
trado por GEIGERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MESQUITA (1956:55) e no relato de um entrevistado,
segundo o qual metade da fazenda em que seu pai trabalhava como administra-
dor, em que se cultivava laranja e outras frutas, foi vendida a um membro da-
quela família. Posteriormente, nos anos 1960, essa área foi loteada passando de
Fazenda Ipiranga a Parque Ipiranga.
Segundo os autores acima:
"Posteriormente, o loteamento afetou muitas das grandes propriedades quese dedicavam à fruticultura. Aliás, parece-nos que, diversas transações comlatifúndios da Baixada da Guanabara, mesmo quando relacionadas à expan-são da cultura de frutas, visavam ao mesmo tempo indiretamente à especu-lação imobiliária" (GEIGER & MESQUITA, 1956:56).
Os autores assinalam uma provável articulação entre a expansão dessas
?ropriedades e a possibilidade de conversão das terras em loteamentos, indican-
do que o preço da terra em área de cultura da laranja variava independente-
mente das condições de qualidade do solo, em função da localização do imóvel
tendo em vista um futuro loteamento (GEIGER & MESQUITA, 1956:56).
- 73 -
2.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBADec1ínio da Citricultura
Crise a partir da Segunda Guerra
Como a produção era fundamentalmente voltada para a exportação, a
interrupção do transporte marítimo (efetuado por navios frigoríficos estrangeiros)
durante a Segunda Guerra Mundial trouxe uma séria crise para o escoamento
da produção para a Europa, agravada com a ingerência de organismos federais
criados então para a proteção dos produtores, como a Comissão Executiva de
Frutas, cuja ineficiência era denunciada pelos grandes jornais (inclusive na im-
prensa argentina) e associações de classe.
Dificuldades de transporte, devido ao racionamento de combustível, e a
falta de uma estrutura de consumo interno invibializavam a distribuição e comer-
cialização no mercado nacional da produção não exportada. De outro lado, a
concentração das exportações no mercado argentino fazia com que o preço da
fruta baixasse acentuadamente em certas épocas (SOARES, 1962:62).
Um somatório de fatores como esse levou à obstaculização da comer-
cializaçâo do produto. NaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras, laranjas maduras não eram colhidas, levando
a um quadro que se repetiu em muitos desses estabelecimentos.
Quando eu era menino, durante a guerra, assisti muitas vezes meu paienterrando as laranjas que caíam, de maduras, por não ter como vender."(Adolfo Pereira).
O apodrecimento das frutas nos pés, o abandono relativo dos trabalhos
de limpeza dos pomares, levou à proliferação de pragas como a "mosca do Me-
diterrâneo" (20), que nas versões locais sobre esse período é representada como
o agente personificador da destruição e derrocada da citricultura.
Assim, se em 1939, ano da maior produção comercial, o município pro-
74 -
~ .~. ,__ ~n, __ ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA---" ...-~..-
duziu 2.111.618 caixas, das quais um pouco mais da metade era destinada à ex-
portação, em 1941 a produção caiu para 1.554.644 caixas, das quais 888.844 para
exportação e 665.800 para o mercado interno. A inversão da direção da comer-
cialização é visível no decorrer do período da guerra, de uma vez que o merca-
do nacional passa a ser o principal comprador do produto.
Comercialização das safras de laranja (1941-1945)
Safra Mercados Mercados TotalzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA* * Cr$(ano) Externos Nacionais Caixas
1941 888.844 665.800 1.554.644 38.2171942 553.142 690.000 1.243.142 22.8101943 546.175 580.000 1.126.175 23.1081944 550.161 610.000 1.160.161 22.9161945 554.147 780.000 1.334.147 29.966
FONTE: Agência Municipal/IBGE, 1946:5.* - em número de caixas
Com o término da guerra, a maioria dos produtores acreditava ainda
na possibilidade de reinício do ritmo anterior de exportações. Em 1946, a Prefei-
tura Municipal, sendo então prefeito Paulino de Souza Barbosa, instituiu o dia
22 de setembro como "Dia da Laranja", promovendo então azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAI Exposição de
Frutos Cftricos. Essas expectativas, porém, não se concretizaram, esbarrando no
que SOARES chamou de "golpe de misericórdia" para os chacreiros, ou seja, a
proibição de exportação de laranjas, o que parece ter ocorrido em 1947.
Apelos dos produtores foram feitos às autoridades municipais, estaduais
e federais, veiculados pela imprensa e através de políticos municipais, no sentido
de que esforços fossem feitos conjuntamente no combate às pragas; entretanto,
não obtiveram medidas eficazes (SOARES, 1962:62; PEREIRA, 1977:146-147).
Os reflexos desse período logo se fizeram sentir: são acelerados a par-
tir dos anos 1940 os processos de desmembramento de terras e os loteamentos,
- 75 -
que estiveram contidos em Nova Iguaçu devido à citricultura. Assim, entre 1926
e 1940, apenas três loteamentos haviam sido registra dos no distrito-sede, enquan-
to entre 1941 e 1945 registraram-se 18 loteamentos (SOARES, 1962:64).
Os produtores de laranja não tiveram como resistir ao processo de va-
lorização de terras e expansão dos loteamentos que, nos anos 1950, tornaram-se
"a atividade de maior expansão nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada da Guanabara" (21) (GEIGER,
1952:96). Tal fenômeno deveu-se a dois fatores principalmente: a inflação, que
valorizou terras e tornou-as objeto de especulação, e o crescimento populacional
urbano do Rio de Janeiro, que teve nos loteamentos urbanos da Baixada uma
das respostas para a habitação (GEIGER, 1952; GEIGERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MESQUITA,
1959:179).
ABREU (1987), indica quatro fatores que impulsionaram o deslocamen-
to populacional em direção aos municípios da Baixada: as obras de saneamento
do governo federal nos anos 1930, a eletrificação da Central do Brasil a partir
de 1935, a instituição da tarifa ferroviária única para todo Grande Rio e a
abertura da Avenida Brasil em 1946 (ABREU, 1987: 107).
O dec1ínio da citricultura no pós-guerra pode ser avaliado pela acentua-
da queda do número de estabelecimentos voltados para essa lavoura, em vinte
anos. Desse modo, em 1939 o recenseamento registrava 1.414 estabelecimentos
voltados para essa produção, em 1950 eles diminuíram para 1.281 e em 1960 re-
gistravam-se 742 estabelecimentos.
A colheita em 1949 foi de 5.960.518 centos (2.384.207 caixas) e dez
anos mais tarde ela somou 2.829.532 centos (1.131.812 caixas). Em proporção se-
melhante foi o decréscimo da área cultivada com laranjeiras, que se contava co-
mo sendo de 5.410 ha. em 1949 e 2.117 ha. em 1959. Para que se possa ter
uma melhor visão das mudanças ocorridas, é importante lembrar que estimava-
se, em 1940, uma área de 17.442 ha. ocupada com laranjeiras, o que representa-
- 76 -
va então cerca de 22% da área do município, ainda não desmembrado.
O sentido desse processo é flagrante ao comparar-se o número de lara-
jeiras em produção e com o número de laranjeiras novas, nos anos de 1939,
1950 e 1960. Nota-se a grande proporção de novos pés de laranja em 1939, o
que evidencia expectativas de continuidade do ritmo de produção, e o decrésci-
mo abrupto de árvores novas em 1950, o que sinaliza uma nítida e drástica re-
versão daquelas expectativas.
Laranjeiras em Produção e Novas - Nova Iguaçu (1940-1960)
Ano LaranjeirasEm produção Novas
1939 3.303.963 1.395.9391950 3.143.525 324.8361960 1.500.175 254.698
Fonte: Censos Agrícolas.
Conversão dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAChácaras em loteamentos
Na verdade, para o pequeno e médio chacreiro, o loteamento não im-
plicou enriquecimento, mas um processo a que tiveram que aderir ou se subme-
ter, dada a força das transformações sociais que presidiram a ruptura desse uni-
verso agrário. Não foram esses setores os que mais lucraram (GEIGER &
MESQUITA, 1956:62), assim como não estiveram à frente desse processo.
No universo social da citricultura, dominado pelos comerciantes e ex-
portadores, o chacreiro dependia desse setor para a comercialização e financia-
mento de sua produção. Segundo Adolfo Pereira, informante aqui já citado,
quando o exportador pagava uma quantia como adiantamento, ficava o chacreiro
comprometido com aquele; além disso, era comum que os chacreiros recorressem
77 -
aos comerciantes a fim de obterem empréstimos. Na crise desencadeada durante
a Segunda Guerra, os pequenos e médios produtores encontraram dificuldade de
venda da produção, quedas no preço do produto, endividamento, além de pro-
blemas e gastos com o combate às pragas.
Houve, assim, nesse período, um relativo barateamento e movimento de
venda de terras, confirmado por GEIGER (1952) em visita a cartórios. Confor-
me esse autor;
"Mesmo os fazendeiros que cultivavam suas terras, propriedades médias, fo-ram tentados ao negócio para obter um capital razoável com lucro que suaprodução pouco valorizada, dominada pelo comerciante, não lhes conseguiaoferecer. Os laranjais não resistiram ao loteamento em nenhum local ondeeste se desenvolveu." (GEIGER, 1952:99)
A decisão de lotear era tomada diante da desvalorização da laranja de-
vido à inflação e a valorização das terras em um contexto em que o loteamento
teve forte propaganda. O assédio dos corretores, convencendo oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiros, tam-
bém os induzia nesse sentido.
Além disso, há indícios de que processos menos escrupulosos aconte-
eram. Uma ex-chacreira, cuja produção era fruto do trabalho do grupo domésti-
co, conta que ela e o marido desistiram da laranja, loteando a chácara, após um
incêndio no pomar. Segundo ela, "tinha um sujeito perturbando, ele só vivia aí,
ficava cercando a gente, queria isso aqui", aludindo que o incêndio poderia estar
ligado a esse assédio. Perguntada sobre quem era o "sujeito", ela desviou o as-
sunto, como se o incêndio, o "sujeito", e a situação pela qual tiveram de desistir
da chácara, estivessem ainda próximos.
Ao perguntar a João Carvalho, o loteador já citado nesse capítulo, co-
mo convencia os chacreiros a venderem os terrenos, respondeu-me que "chegava,
conversava, fazia a proposta, depois voltava" e de repente acrescentou em forte
exclamação: "Porque eu não! Que eu não iazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAtirar chacreiro". Essa afirmação,
que o entrevistado não estendeu em explicações, sinaliza que além de procedi-
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mentos mais negociados, oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiros também podiam ser "tirados" de suas chá-
caras, o que, embora eu não tenha tido acesso a informações mais objetivas de
como tal podia ocorrer, parece indicar que, no mínimo, é provável ter havido
formas menos negociadas - e nesse sentido, mais violentas - de transformação
de chácaras em loteamentos.
Para o pequeno e médio chacreiro, o loteamento nos anos 1950 não
levou a uma trajetória ascendente, sendo, em muitos casos, dec1inante. Vários
deles continuaram tendo sua residência na mesma área das chácaras, em geral
na mesma casa onde residiam, combinando-se com o loteador a área do terreno
que comporia o seu lote. Os filhos com famílias já constituídas recebiam então o
seu terreno, onde construíam suas casas. As ruas desses loteamentos recebiam,
em vários casos, os nomes do chacreiro e de membros de sua parentela.
Para o fazendeiro, que controlava maiores extensões de terrra, o lotea-
mento lucrativo. Alguns deles instituíam, sob seu próprio controle, companhias
imobiliárias para implantar e administrar loteamentos feitos em suas terras. Al-
guns citricultores, ao lotearem suas fazendas, estenderam seus pomares para ter-
ras adquiridas em outras áreas, como por exemplo o caso da família Oliveira,
que, loteando propriedades em Nova Iguaçu e São Gonçalo, passou a cultivar
laranjas em Maricá (GEIGER, 1952:100). Segundo Adolfo Pereira, alguns mora-
dores da fazenda em que trabalhava, de propriedade daquela família, foram
transferidos, por ocasião do loteamento dessa, para estabelecimento de produção
de laranja na região dos lagos fluminense, controlada pelos Oliveira.
Tal transformação no espaço social, que no espaço físico se traduziu
pela transformação de pomares em terrenos baldios e em novos bairros, também
teve como uma de suas decorrências a grande dispensa de trabalhadores rurais.
Pode-se constatar que, entre os municípios estudados por GRYNSZPAN (1987),
Nova Iguaçu será aquele que dispensará, entre os anos 1950-60, o maior número
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de parceiros (-97,9%) e trabalhadores temporários (-85,3%). Quanto à dispensa
de trabalhadores permanentes (-31,1%), esta só será superada por Magé
(-49,5%). Os índices de dispensa no município foram bem mais elevados do que
os verificados na área de estudo do autor, bem como em todo o estado do Rio,
que teve um decréscimo de 21,4% entre os trabalhadores permanentes, 20,8%
entre os temporários e menos 56,1% de parceiros (GRYNSZPAN,1987:61-62).
Embora as dispensas de trabalhadores e os despejos tenham ocorrido
em todo o estado, e embora os efeitos da especulação de terras se fizessem
sentir em toda a área circunvizinha à Baía de Guanabara, não se poderia deixar
de indicar aqui que, no caso de Nova Iguaçu esse processo mobilizou um maior
contingente de trabalhadores, o que é melhor compreendido no contexto de de-
sativação da citricultura.
Com o loteamento de áreas de cultivo de laranja, houve casos dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmo-
radores que continuaram nas propriedades que ocupavam, através da compra de
um lote. Para alguns, essa nova forma de ocupação se articulava com a mudan-
ça da condição de trabalhador rural em urbano. Em outros casos, algumas pro-
priedades reservavam, na parte da propriedade mais distante da via de transpor-
te mais próxima, os chamados "lotes agrícolas", que podiam ter 15x50 metros
(como em um caso mencionado em entrevista). Alguns moradores fixaram-se nes-
ses lotes um pouco maiores, podendo manter algum roçado (GEIGER, 1952:98;
GEIGERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MESQUITA, 1956:62; entrevistas e observações feitas no trabalho
de campo).
Por outro lado, como já mencionado, há indicações de que camponeses
que perderam trabalho e morada nas áreas de produção de laranja dirigiram-se
para áreas de ocupação camponesa organizada.
Um tal processo de desativaçào de uma economia, como o que aqUI
procurou-se estudar dentro dos limites de escopo desse trabalho, parece ter cola-
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borado, articulando-se a diversos outros fatores (como o investimento político da-
do aos camponeses por parte dos partidos políticos), para o contexto de resis-
tência e revolta camponesa presente nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada nesse período.
Esse tampouco foi o único processo de mudanças fundiárias ocorrido
em Nova Iguaçu, em um período de acentuada expansão de loteamentos, espe-
culaçâo com terras e mobilização política do campesinato. Veja-se, por exemplo,
a luta e disputa entre diferentes agentes pela ocupação de terras públicas, o 10-
teamento de propriedades ocupadas pelo gado, o parcelamento das propriedades
daszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA[amilias tradicionais, os conflitos em torno da titulação de terras. As áreas
de citricultura não recobriam todo o município, concentrando-se no distrito-sede.
Todavia, o sucesso e as expectativas geradas por ésse cultivo sustenta-
ram, parece-me, a idéia de um mundo agrário, ou melhor, as representações so-
cialmente consagradas e difundidas de uma cidade e município que eram pensa-
dos como agrários; sua desarticulação, dentro do contexto das transformações
acima mencionadas, implicou a ruptura da idéia de um mundo, de um símbolo
que o representava enquanto agrário, o que concorreu para a revolta de uns ou
para a idealização do passado por parte de outros.
Assim, talvez se possa compreender porque o redator do verbete Nova
Iguaçu, da Enciclopédia dos Municípios, tenha escrito em 1959:
"A principal fonte de renda do município é a cultura da laranja, que, ape-sar do declínio paulatino que vem tendo seu comércio no exterior, conti-nua sendo o símbolo da economia municipal' (IBGE, 1959:352; grifo meu).
Embora a laranja pudesse ser então um s!mbolo municipal, tabelas
apresentadas na página seguinte da publicação acima, referentes à produção eco-
nômica do ano de 1956, indicam que o valor total da produção industrial soma-
va quase quatro vezes o total dos produtos agrícolas, muito embora o valor da
produção de laranjas (Cr$ 372.000,00) somente fosse superada pelo valor dos ar-
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tefatos de borracha (Cr$ 517.560,00), entre os produtos das indústrias do municí-
pio (IBGE, 1959:353).
- 82 -
CapítulozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAm
LOTEAMENTOS E
TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO SOCIALzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Todas essas cidades da Baixada são (...) pequenas e têm uma politicagem
muito grande"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(depoimento de um loteador in "Os Loteamentos de Periferia")
A primeira vez em que fui à casa do Sr. Agostinho Matos, o filho dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
chacreiro mencionado no capítulozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlI, segui até lá acompanhada, pois tinha rece-
bido anteriormente a advertência, por parte de membros de associação de mora-
dores, de que na área em que ele mora não seria prudente andar sozinha e
permanecer até o anoitecer, pois não me conheciam por lá. As advertências de
cuidado referiam-se a uma certa barra pesada da área, aludindo à presença de
bandidos.
Ao longo do trajeto, a paIsagem que encontrei pareceu-me menos as-
sustadora do que os avisos que recebi. Terrenos baldios, árvores frutíferas, ruas
sem calçamento deixando à mostra a argila e a areia do terreno, casas antigas
avarandadas e casas que em muito se pareciam com as casas de moradorzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(22),
com muros baixos ou sem muros, circundadas de flores pelo lado da rua, fize-
ram-me pensar que ali estavam formas de há quarenta anos atrás. Próximas à
casa de Agostinho - de varanda e muro baixo -, estavam novas casas, de tijo-
los aparentes.
Era um dia de semana, à tarde. Encontrei-o jogando cartas em frente
a uma birosca ao lado de sua casa. Ele era o único branco, com um anel dou-
rado e bengala, entre os homens negros com que jogava ou que assistiam ao jo-
go. Disse-lhe sobre o que era a pesquisa e que gostaria de entrevistá-Io. Um
dos rapazes que assistiam ao jogo olhou-me e murmurou: "- Pesquisa ..." Agosti-
nho pediu-me que voltasse outro dia, pois naquele momento estava ocupado.
Quando voltei e conversamos, perguntei-lhe como sua família havia re-
solvido lotear a chácara. Ele me respondeu então:
"- Depois da guerra, com a desvalorização do dinheiro, a laranja já nãoestava mais 'dando'. Fiz a conta pra ver quanto meu pai ganharia se lote-asse e daria pra ele viver mais cem anos só desse dinheiro. Que nada ..."
As transformações sociais decorrentes dos loteamentos ou, sob outro as-
pecto, as transformações sociais em que os loteamentos foram um dos processos
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envolvidos, propiciaram mudanças no espaço social local que podem encontrar
uma tradução ao compararem-se os loteamentos na trajetória de Agostinho e na
trajetória de João, ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAloteador já referido.
O primeiro habita na área em que sua família VIVIa e cultivava laranja,
tendo se casado, inclusive, com a filha do chacreiro vizinho. O segundo tem sua
casa no centro comercial, próxima à estação de trem. A casa de João, de três
andares, tem o muro alto protegendo todo o primeiro andar e o movimento do
portão controlado por um pequeno aparelho eletrônico que ele carrega na cintu-
ra. Na época da entrevista, segundo seu relato, era proprietário de diferentes es-
tabelecimentos comerciais e de um sítio onde praticava suinocultura pois, confor-
me dissera, "o filho do campo não esquece, quer retomar" à sua origem". Per-
guntando-Ihe como surgiram os loteamentos, respondeu:
"- A idéia surgiu de pessoas inteligentes. A febre dos loteamentos come-çou praticamente há quase cinqüenta anos. A gente colocava anúncio e lo-go chegava gente. A eletrificação do trem foi importante pra isso, a laran-ja não deu possibilidade, o loteamento rendeu mais que a laranja. Quandoacabou a laranja, veio o trem, veio o progresso."
João, que juntamente com seus irmãos e a mãe, saiu de Minas Gerais
em busca de trabalho na laranja, empregando-se em fazenda da Companhia
Normandia, encontrou no loteamento das chácaras, e em todo esse período de
especulação com terras, a oportunidade de "deixar de ser empregado" e passar a
ser proprietário (23).
Para Agostinho, cuja família também VIera de Minas Gerais (e da mes-
ma região que João), através de transferência do local de trabalho de seu pai,
funcionário da Central do Brasil, a laranja representou um período de prosperi-
dade. Sua família mantinha um estabelecimento com moradores e trabalhadores
assalariados; a decisão de lotear se deu face à constatação de que o valor da
terra superava a rentabilidade da laranja, e pela crença de que o loteamento da
chácara poderia vir a ser, para eles, um negócio enriquecedor.
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De fato, os loteamentos foram mais lucrativos para aqueles que contro-
lavam maiores extensões de terra, como os grandes proprietários e as compa-
nhias imobiliárias (GEIGER & MESQUITA, 1956:62). Tal, porém, não acontecia
somente pelo estoque de terras que estes podiam colocar no mercado de lotes,
mas também devido à capitalização (em sentido amplo) desse segmento, o que
lhe permitia ter maior controle e participação nas operações do mercado imobi-
liário.
Assim, ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacreiro, ante a decisão de vender a chácara, tomava, em ge-
ral, dois procedimentos: vendia-a a um comprador, ou promovia o loteamento,
através de uma companhia imobiliária que, atuando como intermediária das ope-
rações, decodificava (e operava) códigos diferenciados como aqueles da burocra-
cia dos órgãos públicos, da clientela para o qual os lotes eram vendidos e dos
chacreiros, tendo assim maior domínio dos diferentes procedimentos necessários à
realização das vendas e recebendo, por essa intermediação, parte expressiva das
vendas - em geral 50% (24). O pai de Agostinho adotou os dois procedimentos:
vendeu parte da chácara a um comprador que posteriormente veio a lotear a
área adquirida, e loteou a outra parte através de uma firma de loteamentos.
A expansão de loteamentos nos municípios ao redor da Baía de Gua-
nabara provocaram profundas mudanças na organização social desses municípios
e, mais basicamente, desencadearam um processo de transformação nas relações
fundiárias. No caso de Nova Iguaçu, o cultivo de laranjas conteve, até o pós-
guerra, a incorporação das áreas de laranjais a esse processo.
A cidade era até então um pequeno centro administrativo e comercial
rural, que atendia sobretudo à população das chácaras e fazendas de laranja que
se estendiam ao redor da cidade. Além de centro residencial das elites locais e
centro de serviços, a cidade era também um núcleo de beneficiamento de laran-
jas e posterior transporte da fruta. Na época da safra, a população local afluía
- 86 -
para a cidade, e nela hospedavam-se representantes de firmas COmerCIaISinteres-
sadas na compra de laranja.
O parcelamento do solo e o arrendamento dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras trouxeram con-
dições propícias à produção de loteamentos, mas estes ensejaram a descontinui-
dade de uma relação inovadora na qual a terra passou a ser pensada sem as
mediações do trabalho agrícola, como uma mercadoria claramente disputada se-
gundo princípios de um mercado próprio.
Assim, pode-se perceber continuidades e rupturas nesse processo. O
parcelamento do solo, a rede de estradas que serviam às chácaras e fazendas, a
estrutura de serviços da cidade, serviram à implantação dos loteamentos. Os cha-
creiros estavam subordinados aos grandes proprietários, por um lado, porque ar-
rendavam terras destes, por outro, pelo controle exercído pelos proprietários do
comércio de exportação e financiamento. Nesse sentido, os chacreiros não esta-
vam livres de uma ordem econômica subordinada aos interesses de setores capi-
talizados. Também subordinados estavam os parceiros, e o grande número de
trabalhadores assalariados dos quais grande parte não tinha morada nas fazen-
das, habitando nos pequenos povoados próximos às estações ferroviárias.
Essa era uma ordem que, embora permitisse aos parceiros e moradores
o cultivo de espécies para o consumo doméstico (as "miudezas" ou "lavoura
branca"), estava sujeita aos interesses dos grandes proprietários, produtores de la-
ranja, que não estavam desvinculados do processo de especulação. Como foi
mencionado, eles próprios expandiram suas propriedades no município, com vis-
tas a futuros loteamentos.
Desse modo, o processo em que se deram os loteamentos não esteve
desvinculado de condições encontradas na própria citricultura, quando a terra fo-
ra fragmentada e ela e o trabalho encontravam-se regulados como mercadorias
(25).
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Pensar a existência de continuidades permite melhor avaliar o processo
sem comprometê-l o com visões idílicas como aquela que opõe os laranjais aos
loteamentos, representando o período de cultivo daqueles como umazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAidade de
ouro, e evita que sejam retomatas, assim, oposições de campo e cidade em que
o primeiro é representado como mais "natural" e menos afeito às relações de
exploração (26).
Feitas essas considerações, a questão que se busca analisar nesse capí-
tulo são os loteamentos sob o ponto de vista da descontinuidade que representa-
ram. Além dos aspectos da divisão e venda da terra se acirrarem, eles se deram
através da consolidação de um novo campo social organizado segundo operações,
disputas e agentes próprios, e romperam com a utilização agrária da terra.
Nesse sentido, significaram uma ruptura com a tradição e através deles,
e da rodovia Presidente Dutra e dos trens elétricos, a ocupação urbana foi ex-
pandida. A terra pensada como loteamento e sobre ela, as vias de transporte,
levaram ao surgimento de uma nova cidade, articulada ao crescimento industrial
do pós-guerra e alojando os trabalhadores recrutados nesse processo e algumas
indústrias.
A história das cidades mostra que no desenvolvimento do capitalismo o
crescimento das cidades e das indústrias levou à polarização das imagens de
campo, como associado à natureza e ao bucolismo, e de cidade, associada ao de-
senvolvimento, ao novo, à modernização, ao progresso (WILLIAMS, 1989:397).
Nas próprias correntes modernistas, a cidade aparece como encarnação dessas
transformações, registrando-se o burburinho das multidões, o tráfego, a pobreza,
as indústrias, o novo, o progresso (BERMAN, 1987).
No século XIX, nos Estados Unidos e Europa, a ampliação de parcela-
mentos especulativos e rede de transportes ampliavam e fundavam cidades. Ruas
e avenidas largas eram construídas em pequenas cidades nos Estados Unidos, e
88 -
recebidas como um símbolo de progresso (MUMFORD, 1982). Assim, a fala dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
loteador, usando progresso como uma metonímia dos loteamentos, mostra como a
cidade que surgiu através deles era outra:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"Depois da laranja, veio o trem, veio
o progresso".
Assim também pode-se compreender um sentido para a palavra progres-
so no hino de Nova Iguaçu, que em sua segunda e última estrofe fala da histó-
ria do município:
"A Maxambomba!Dos engenhos do passado,Nova Iguaçu!Dos doirados laranjais,Hoje feliz, com teu rico alvorecerCom teu progresso e belezaFiz consulta à naturezaÉs grande, desde o nascer."
o hino é recente, elaborado quando os "doirados laranjais" já faziam
parte do passado.
o loteamento como forma de ocupação urbana
o termo loteamento refere-se ao desmembramento de propriedades
com vistas à venda das parcelas a compradores individuais. Na literatura sobre
urbanização (e.g BELOCH, 1980; CAVALCANTI, 1980; ABREU, 1987;
VALLADARESzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& FIGUEIREDO, 1981; LAGO, 1991) e no uso comum, o ter-
mo refere-se, em geral, ao parcelamento com destinaçáo à ocupação urbana,
muito embora possa-se também encontrar propriedades rurais desmembradas em
pequenos sítios chamados "lotes agrícolas". Nesta dissertação, emprega-se a acep-
ção urbana da categoria.
BELOCH (1980), define loteamento como uma
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"operação pela qual o loteador, proprietário ou não da gleba, procede suadivisão em certo número de parcelas ou lotes, após a abertura das vias decomunicação e da implantação de certos equipamentos, tendo em vista alocação ou a venda dessas parcelas" (BELOCH, 1980).
Foi através dos loteamentos que áreas de antiga utilização rural foram
sendo incorporadas à expansão urbana metropolitana, e que se constituiu um es-
paço destinado à habitação popular, devido ao custo relativamente baixo das
prestações doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlotes, possibilitando, assim, o acesso à casa própria para trabalha-
dores.
No município de São Paulo verificaram-se, desde fins do século XIX,
loteamentos ocupados por população de mais baixa renda, em áreas mais distan-
ciadas do centro. No município do Rio de Janeiro esta não foi a forma mais
acentuadamente dominante, havendo a possibilidade de ocupação proletária no
próprio centro da cidade, através dos cortiços e favelas (BELOCH, 1980:34-36).
.Mas logo nos primeiros vinte anos do século XX, começaram a surgir
loteamentos em Nilópolis e São João de Meriti, dentro de um processo que
também se verificava em subúrbios do Rio de Janeiro como Irajá e Inhaúma, e
do outro lado da Baía de Guanabara, em Niterói e São Gonçalo (que desde
1890 era município, desmembrado de Niterói) (ABREU, 1987:80-82).
Foram obras federais como o saneamento da Baixada, a eletrificação
da Estrada de Ferro Central do Brasil - iniciada em 1935 -, a abertura da
Avenida Brasil e da Rodovia Presidente Dutra, que impulsionaram os loteamen-
tos das terras ao torná-Ias acessíveis para a população de diferentes áreas que
migrava para a cidade do Rio de Janeiro em busca de emprego, e para aqueles
que eram expulsos, por políticas públicas, das favelas cariocas.
Em 1937 foi editada a primeira lei federal que regulamentava a prática
de loteamentos e a compra e venda de terrenos em prestações: o Decreto-Lei
n~ 58/37 (LAGO, 1991:42). Os loteamentos onde fiz trabalho de campo foram
- 90 -
implementados sob essa legislação, nos anos 1950, década de maior número de
loteamentos aprovados em Nova Iguaçu.
Essa lei visava à proteção dos compradores dos lotes, uma vez que já
aconteciam procedimentos ilegais dos loteadores. Assim, por exemplo, esta legis-
lação obrigava o loteador a dar a escritura definitiva do lote ao final das presta-
ções: o que, entretanto, não acabou com irregularidades, uma vez que não eram
estabelecidas sanções para o loteador que descumpria esta exigência (LAGO,
1991). Em Austin, pude encontrar famílias que guardavam com cuidado os reci-
bos de pagamento, como prova de estarem quites com o terreno.
Além desse aspecto, outro que também contribuiu para a continuação
de irregularidades foi a atuação de Cartórios de Registro de Imóveis, registrando
loteamentos independentemente de terem sido ou não observada todas as exi-
gências legais (LAGO,1991; a autora assinala a presença dessas práticas na Bai-
xada Fluminense). Quando fazia pesquisa em arquivos da Prefeitura Municipal,
sobre a área de loteamentos em Austin, fui aconselhada por um funcionário a
desistir de levantamento em cartórios devido aos inconvenientes que esse proce-
dimento poderia provocar.
O decreto estabelecia que que o loteador deveria depositar nos Cartó-
nos de Registro de Imóveis, entre outros documentos, a relação cronológica dos
títulos de domínio, planta do imóvel (loteamento) e o plano do loteamento refe-
rido. Do plano de loteamento deveria constar o programa de desenvolvimento
urbano ou de aproveitamento industrial e agrícola, e somente neste último caso
é que a legislação continha requisitos específicos, ficando as restrições urbanísti-
cas a cargo dos municípios (BELOCH, 1980; LAGO,1990).
Devido a essa autonomia dada ao poder municipal era possível
encontrar maiores facilidades face às exigências dos Códigos de Obra, para im-
plementaçáo de loteamentos em áreas fora do município do Rio de Janeiro
- 91 -
(CHINELLI, 1980:53). Entretanto, a meu ver, essa não foi uma questão determi-
nante para o grande crescimento de áreas loteadas, pois mesmo com exigências
mais brandas, raramente os loteamentos obedeciam a todos os quesitos regula-
mentais, o que também se verificou no município do Rio de Janeiro, como por
exemplo nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAZona Oeste, onde está situado a maicna dos loteamentos ilegais do
Rio, conforme demonstra o estudo de LAGO (1991).
Também é importante ressaltar que o loteamento, além de ter sido um
processo através do qual se constituiu um mercado de terras, foi uma "forma de
produção imobiliária (...) não se tratando apenas de uma venda de terras"
(LAGO, 1991:22), o que implica pensar que sezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAtransforma o uso da terra, e
que o retorno do investimento dependerá da quantia que o loteador pôde inves-
tir na compra de terras e nos equipamentos e infra-estrutura, e, talvez, no tráfi-
co de influências, como admitiu um loteador a CHINELLI (1980):
"influências políticas (...) tráfico de influências (...) facilita para um, me-diante vantagens que oferecem aos funcionários municipais. Na Guanabarajá não acontece isso porque é um município maior. Não há uma politica-gem pequena. A legislação é mais completa. Todas essas cidades da Baixa-
da são pequenas, mas têm uma politicagem muito grande (...) são favoreci-dos por políticos ou pelo próprio Prefeito" (CHINELLI, 1980:54).
Nesse sentido, considerados enquanto uma produção, os loteamentos es-
tiveram então condicionados a variações históricas e sociológicas, havendo, por
exemplo, momentos mais ou menos propícios e foram constituídos através de
agentes e relações próprias.
Surgiram como uma das "soluções" para a questão da habitação popu-
lar, que teve no Estado Novo pelo menos três medidas importantes: a criação
das Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e Previdência, em 1938; a
Lei do Inquilinato, de 1942, decreto-lei que fez retroceder os aluguéis retrocede-
rem a valores de 31/12/1941, congelando-os por dois anos (o que foi prorrogado
até 1946) e que desencadeou despejos de inquilinos por parte de proprietários;
- 92 -
e o Decreto-lei 58, já mencionado (BONDUKI, 1988).
Os loteamentos cresceram sobretudo após a II Guerra, quando houve
uma elevação nos preços de aluguéis e alta dos preços em geral. Sua expansão
proporcionou o surgimento de uma forma de ocupação urbana, marcada pela
distância do espaço destinado à habitação popular em relaçõa aos centros de
decisão onde estão concentrados os melhores recursos.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Loteamento e Especulação
Uma questão importante a ser analisada é que se os loteamentos im-
plicaram a ocupação urbana do espaço, nem por isso eles devem ser pensados
como um sinônimo de ocupação. Embora articulados às necessidades de habita-
ção popular, eles representaram a invenção de um mercado específico, assim co-
mo desencadearam um processo de especulação com lotes e, por outro lado,
ocorreram em um contexto generalizado de especulação com terras no estado
do Rio.
Durante a II Guerra, a cnse de escoamento da produção de laranjas
fez com que muitos produtores vendessem seus estabelecimentos a preços relati-
vamente baixos, registrando-se então um forte movimento de compra de terras
por setores mais capitalizados, da mesma forma "particulares e Bancos recebe-
ram terras por hipotecas", de produtores falidos (GEIGER, 1952:99; GEIGER &
MESQUITA, 1956:60).
Mesmo quando a compra de terras estava associada à continuação de
exploração agrária, várias vezes esta atividade visava indiretamente à especulação
imobiliária (GEIGERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MESQUITA, 1956:60). Este parece ter sido o caso -
encontrado no trabalho de campo - dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácara que teve uma parcela vendida
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a um proprietário de terras que, segundo diferentes relatos, tinha propriedades
em Casimiro de Abreu e Paracambi, atuando em Nova Iguaçu não só como
produtor de laranja mas também como loteador. A área dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácara vendida a
este senhor foi, depois de algum tempo, loteada.
Nos anos 1950, o crescimento de áreas loteadas foi tão intenso - pos-
sivelmente o mais forte desse século, que esse processo ficou registrado, pelos
geógrafos e na memória social daqueles que viveram e estavam atentos a essa
transformação, como um boom imobiliário, uma febre. Esse movimento crescente
foi verificado em São João de Meriti, Duque de Caxias, São Gonçalo, Zona
Oeste do Rio de Janeiro e, em Nova Iguaçu, na década mencionada, alcançou
proporções surpreendentes. O município de Nilópolis já tinha sua área quase to-
talmente loteada nessa fase.
A implantação de loteamentos se deu de forma tão desenfreada que
nem todos os investimentos, neste setor, tiveram retorno imediato, ocorrendo,
por exemplo, loteamentos de áreas insalubres, onde houve dificuldade de comer-
cialização.
Nem todos os lotes vendidos foram adquiridos por trabalhadores que
VIsavam à construção da casa própria. A compra de um ou mais lotes, por pes-
soas das camadas médias e até mesmo por trabalhadores que encontravam lotes
acessíveis e os tornavam uma forma de economia, era também feita como In-
vestimento. Vários compradores apenas visitavam o loteamento por ocasião da
compra, e alguns contentavam-se em efetuar o negócio na própria imobiliária,
sem nem sequer conhecer o terreno.
Por outro lado, nem todos os lotes eram vendidos, acontecendo, inclusi-
ve, tendo havido cerca de 111 reloteamentos ao longo dos anos 1960 e 1970,
em Nova Iguaçu.
Os loteamentos não aconteceram apenas em áreas de cultivo de laran-
- 94
p,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmas estas foram as mais claramente disputadas e valorizadas, devido à proxi-
midade da cidade e por ter uma estrutura favorável, implantada pela citricultura,
como as estradas de acesso e os terrenos drenados.
De qualquer modo, mesmo nas localidades originadas dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras, é
possível encontrar vários lotes não ocupados, que vão diminuindo, à medida em
que a população do município vai crescendo e a ocupação vai se adensando. Os
terrenos baldios ganham sentido, dado pela população local no contexto do tipo
peculiar de cidade que se construiu através dos loteamentos. São espaço para a
brincadeira de crianças, jogos de futebol, pasto para gado e porcos, roçados, des-
pejo de lixo e de mortos pelos grupos de extermínio. Assim, fico com uma visão
menos melancólica que a de GEIGER (1952), que escreveu sobre eles, em uma
detalhada análise sobre os loteamentos na Baixada da Guanabara:
"Muitos terrenos loteados já estão há longo tempo desocupados e certa-mente assim ficarão. O loteamento que transforma paisagens rurais em ur-banas também transforma terras cultivadas em terrenos baldios" (GEIGER,1952:96).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Loteamento e Vias de Transportes
""O meu companheiro de viagem, passageiro de trem, passa-
geiro da vida, que se chamava João, Antônio, Gustavo, Jorge,
Silva, José, Jesus, um homem comum, que embarca em qual-
quer estação, indo para qualquer lugar e que viaja no meu,
no seu horário, perdido no meio de tantos outros (...)" ("OPassageiro" - Luiz Coelho Medina)
Na história local consagrada há uma versão socialmente difundida e
aceita, segundo a qual as pragas é que teriam sido a causa principal do término
da citricultura e que, como solução econômica, surgiram os loteamentos.
O filho do proprietário de uma das maiores redes de açougue do mu-
- 95 -
nicípio até os anos 1940, tendo a experiência de quem loteou propriedade da
família e foi genro de um representante comercial de firmas de exportação de
laranja, tem uma visão mais balizada e menos romântica:
"- O ciclo da laranja acabou com a construção da rodovia Presidente Du-tra, porque a Presidente Dutra trouxe uma super-valorização imobiliária.Então deixava de ser econômico voce ter um sítio com plantação de laran-ja se voce podia vender aquele terreno loteado. Então começou ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAboom
imobiliário (...) A verdade nua e crua é essa" (Rafael Campos).
A rodovia foi aberta ao tráfego em 1951 (ABREU, 1987:121) e, nessa
década, como foi visto, houve um grande aumento no número de loteamentos.
o caso dessa rodovia bem mostra o impacto social das vias de transporte e a
relação destas com os loteamentos.
As vias de tráfego e os transportes coletivos viabilizaram a expansão
horizontal das cidades e a localização dos trabalhadores nas áreas de implanta-
ção de loteamentos. Esse processo não foi apenas brasileiro, foi produzido ao
longo do desenvolvimento industrial e não será por acaso que as imagens do
tráfego estarão presentes em autores do modernismo (BERMAN, 1987;
WILLIAMS, 1989).
No caso em apreço, a eletrificação dos trens e o aumento de linhas de
ônibus foram de grande importância para a criação de loteamentos, assim como
para valorização de terrenos. Os mais procurados foram aqueles localizados pró-
ximo às principais estradas de rodagem e ferrovias, assim como essa foi a locali-
zação da maior parte deles.
A instituição da tarifa ferroviária única também ajudou a viabilizar o
alojamento de trabalhadores em áreas distanciadas de seus trabalhos. Em 1952
pagava-se Cr$1,00 na viagem de trem de Japeri à Estação Pedro II no Rio de
Janeiro, enquanto a passagem de ônibus de Nova Iguaçu para a Praça Mauá,
também no Rio de Janeiro, era de Cr$7,00 (GEIGER, 1952:98).
A superlotação dos trens não é um fenômeno recente, sendo uma
- 96 -
constante, desde pelo menos os anos 1940. De caráter vital para os trabalhado-
res, as deficiências dos transportes coletivos geraram e ainda geram revoltas po-
pulares, corno aquelas estudadas por MOISÉSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MARTINEZ-ALIER (1978),
Sobre a associação entre loteamentos e transportes, esta às vêzes se
dava concretamente, através do controle de emprêsas de ônibus por parte de
proprietários de terras e loteadores (GEIGER,1952:101). Em alguns casos, o 10-
teador, ao criar um loteamento, organizava também urna linha de ônibus para a
localidade recém-criada.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Loteamento e Transformações no Espaço Social
o crescimento do número de loteamentos nos anos 1950 ocorreu de
forma tão intensa que, corno foi mencionado, é referido por expressões corno
"boom imobiliário" e "febre dos loteamentos". Expressões fortes corno estas tra-
duzem as transformações experimentadas em nível local, quando aszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácaras de
laranja deixaram de fazer parte da paisagem e da economia do município, dan-
do lugar à produção de loteamentos e ao comércio de lotes.
Essa transformação se deu através da entrada de novos agentes, oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA10-
teadores, que passaram a despontar no espaço social corno outrora despontaram
os chacreiros. Trouxeram, assim, o surgimento de um novo campo social, um
novo elemento: os corretores imobiliários e as firmas de loteamento. Essa trans-
formação, rápida, não ocorreu sem confrontos e sem operações pouco lícitas.
"- Fiz um curso na rua Erasmo Braga [centro do Rio de Janeiro] chamado'Como Vender Terrenos', na firma Operações Imobiliárias Ltda .. A firmafaliu, por não pagar aos chacreiros. Foi quando eu comecei a trabalhar porconta própria. O Fulano, filho de mestre da rede ferroviária, comprava osterrenos dos chacreiros e depois não pagava" (Sr. João carvalho)
N a cidade de Nova Iguaçu, nos centros comerciais dos bairros adjacen-
- 97 -
tes, proliferaram os escritórios das firmas de loteamento e corretores imobiliários,
dos quais alguns ainda hoje podem ser encontrados; lojas de material de
construção foram instaladas nos loteamentos, sendo, até o tempo presente, um
negócio importante. SOARES (1962), descreve o crescimento da economia dos
loteamentos, no início dos anos 1960:
"Verdadeira febre de construções proporciona trabalho em Nova Iguaçu a27 firmas construtoras, 11 fabricantes de esquadrias, assim como a inúme-ras olarias e pequenas fábricas de artefatos de cimento, existentes emlocalidades próximas. Muitos são aqueles, em Nova Iguaçu, que vivem deatividades ligadas à indústria de construção e aos negócios imobiliários.Numerosas, também, são as lojas-escritórios, instaladas no 'centro', que exi-bem planos de numerosos loteamentos, muitos deles situados em outrosdistritos (...)" (SOARES, 1962:37).
Como sugere a autora, muitos seriam aqueles que investiriam na nova
economia. Comerciantes e proprietários de terra ingressaram no novo campo
através de firmas loteadoras, lojas de material de construção e emprêsas de ôni-
bus. Também um novo mercado de trabalho foi constituído, seja para a produ-
ção de loteamentos, seja para a construção, que possivelmente absorveu alguns
trabalhadores da citricultura. De maneira geral, a organização social se transfor-
mou com o crescimento populacional e o crescimento do comércio e indústria:
"- Desaparecendo os laranjais, veio a construção civil. Então, quem nãotinha mais emprego no caminhão de laranjas, ou como embaladeira dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAbarracão, ia trabalhar no comércio, em pequenas fabriquetas. E veio umamigração" (Rafael Campos).
Outros agentes que faziam parte do novo campo eram os técnicos con-
tratados para a confecção dos projetos e implantação dos loteamentos: engenhei-
ros, topógrafos, firmas de terraplanagem. Os loteadores mais capitalizados, como
bancos e companhias, tinham seus próprios técnicos para os projetos que diri-
giam, enquanto os pequenos proprietários e loteadores recorriam a escritórios
particulares. Pude entrevistar o ex-proprietário de uma firma de terraplanagem,
sediada na cidade do Rio de Janeiro, que teve seus serviços contratados por 10-
teadores de Nova Iguaçu, nos anos 1970:
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"- Estive em vários lugares, Miguel Couto, Cabuçu, e mais lá p'ra dentroainda. Foi em 1970, 1975, 1976. Você ainda via as marcas dos pés de la-ranja no chão. Quando estive lá [em Nova Iguaçu], em 1950, falavam quesaíam cinco navios diários de laranja para a Argentina, o pessoal de lá éque dizia isso. Bem, quando chegava uma máquina no local, todo mundochama [os proprietários da redondeza]. Eu não fazia os loteamentos, oprojeto. Eu fazia os arruamentos, conforme o traçado dos projetos. Osproprietários de terra e os loteadores é que procuravam meus serviços.( ...)A maioria eram especuladores, compram aquilo, dão uma entrada e... man-da brasa ... o negócio depois é só o trabalho de recebimento [de dinheiro],de venda dos lotes (...) Tinha muita malandragem nesse negócio (...)"(Carlos Maia).
A entrada e a ação das máquinas das firmas de terraplanagem, nos
terrenos a serem loteados, é uma imagem presente nos relatos que colhi. Elas
concretizam a transformação, o fim dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchácara, a implantação de um loteamen-
to, e parecem simbolizar um novo universo social, aquele da máquina, da cons-
trução. Contava um ex-chacreiro:
"- O 'Seu' Melo [loteador] me perguntou se eu não queria lotear. Aí euresolvi, vieram as máquinas, e loteamos isso aí tudo" (Antonio dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAAndra-de).
o comprador de um lote na área, em Austin, onde fiz trabalho de
campo, contava que ao chegar no loteamento a primeira vez, "ainda estavam as
máquinas aí, fazendo os arruamentos, derrubando pé de laranja, ficaram ainda
alguns pés, no meu terreno mesmo tinha alguns".
Se até 1950 a distribuição das populações rural e urbana no município
ainda guardava um certo equilíbrio, essa situação é alterada durante os anos
1950, década em que se acirraram os despejos de camponeses e na qual se ve-
rificou o maior número de loteamentos aprovados no município. Desse modo, foi
constatada uma maior concentração de população urbana no recenseamento de
1960. Entretanto, a população rural teve ainda um crescimento absoluto no de-
cênio 1950-60, o que não ocorreu entre os anos 1960-70, quando decresce drasti-
camente.
Dentro dos limites dos dados levantados, tudo faz crer que, para os
- 99 -
chacreiros,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo loteamento não levou a uma trajetória ascendente, e, em alguns ca-
sos, ele marcou uma trajetória declinante. Para as famflias tradicionais, esse pro-
cesso não implicou, considerado como um fator isolado, em trajetórias declinan-
tes, de uma vez que, como no caso analisado por GUILLEMIN (1980):
"Ies représentants de I'aristocratie, fortement implantés au niveau local, ma-nifestent Ia capacité d'occuper des positions de pouvoir dans tous leschamps sociaux et assoient leur autorité sur Ia richesse fonciere et unetradition familiale consolidée parzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAun reseau d'alliances constamment entre-tenu" (GUILLEMIN,1980:16).
Presentes no funcionalismo municipal, em cartórios e na política parti-
dária municipal, mesmo aqueles setores que perderam a propriedade de grandes
extensões de terra e até a posição dominante dentro do espaço social ocupado
pelos grupos dominantes, não perderam a notabilidade decorrente da posição
ocupada na história social do município e alguns membros desse estrato pude-
ram converter seu capital em investimentos diversificados.
Uma questão que gostaria de ressaltar, em relação a esses dados, é
que a "febre" dos loteamentos não significou somente a venda de lotes para
uma população de trabalhadores, contribuindo para a criação de um espaço de
moradia proletária dentro do contexto de desenvolvimento econômico do Rio de
Janeiro.
o que acredito ser importante destacar é que a década de 1950 aSS1-
nala o maior número de loteamentoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAaprovados pela Prefeitura Municipal até
hoje, ou seja, a "febre" dos loteamentos alastrou-se também através da atuação
de setores públicos. Em que pese a existência de loteamentos clandestinos, ou
seja, nem sequer aprovados, o dado de tão grande proporção de loteamentos
aprovados pode ser desnaturalizado e tornar-se um indicador das articulaçõeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA10-
cais que concorreram para o fenômeno.
Requerimentos solicitando a aprovação dos loteamentos à Prefeitura
Municipal, na área em que foi desenvolvido trabalho de campo, indicam que es-
- 100 -
tes ocorreram em área considerada, nos anos 1950, zona rural. As exigências
(em anexo), não eram muitas, mas as descrições dos moradores a respeito do
lugar nos anos 1950 assinalam que estas não eram executadas. Assim, por exem-
plo, a 6~ condição ("promover livre curso às águas nascentes e pluviais, além de
evitar a sua estagnação") não confere com as descrições do brejo existente no
local nesse período.
A aprovação dos loteamentos nesse período era condicionada à assina-
tura de um termo de compromisso, segundo o qual o loteador comprometia-se a
fazer posteriormente as obras exigidas. Tal termo, entretanto, permanecia "letra
morta". CHINELLI, em artigo em que analisa os atores envolvidos nos lotea-
mentos, notadamente os lote adores e os compradores dos lotes, menciona a exis-
tência dessa prática (CHINELLI, 1980:53).
Um outro dado pode ser acrescentado: alguns loteamentos eram inicia-
dos, sendo inclusive vendidos os lotes, sem que fossem aprovados ou sem que
fosse sequer dado início ao processo de aprovação, o que criava uma situação
de fato. No trabalho de campo, pude encontrar duas famílias que compraram o
lote em 1952, começando a tomar posse deles a partir de então, mas a firma
imobiliária somente deu entrada ao requerimento de aprovação do loteamento
em 1954.
Como se enseja, a constituição dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAperiferia traz, no caso em apreço,
um significado que vai além da criação de um espaço de moradia proletário.
Ela significou rupturas, transformações no espaço social, além de intermediações
políticas, a nível local.
João Carvalho: - A "febre dos loteamentos" começou a quase 50 anos. Agente colocava anúncio e logo chegava gente. A eletrificação do trem foiimportante para isso.P.: - "Seu" João, por que fêz tanto sucesso? Por que vinha tanta gente?João: - Olha, as pessoas do interior preferiam ser proprietárias."
- 101 -
Nas análises sobre a constituição da periferia, uma das indicações a
respeito da importância da compra do lote e autoconstrução, para os trabalhado-
res, está referida a necessidade de segurança face às dificuldades de pagamento
do aluguel (sobre esse aspecto ver, por exemplo, LIMA, 1980). Se esse é um
dado inequívoco, assim como as conseqüências de políticas de remoção de fave-
las, deslocando a população das favelas cariocas (VALLADARES, 1978), um ou-
tro sentido pode ser explorado.
A compra de um lote, de umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAterreno, dentro das condições encontradas
- ou seja, sem luz, saneamento básico, distante do lugar de trabalho como
também dos serviços oferecidos pelo centro metropolitano, tais como hospitais,
escolas, comércio e lazer diversificado -, traze " uma questão adicional. Se esse
espaço, sem investimentos em infra-estrutura urbana por parte daqueles que acu-
mularam com sua venda, serviu para a instalação de população de baixa renda,
pode-se entretanto perguntar de que maneira o loteamento tornou-se uma possi-
bilidade para essa população, como a assim o são favela e o conjunto habitacio-
nal.
Obviamente a questão referente àquilo que historicamente era possível
pagar (seja o aluguel, a compra da casa ou apartamento nos conjuntos habita-
cionais construídos pelos institutos de previdência, ou o lote), era uma das con-
dicionantes. Entretanto, creio que se poderia ir mais adiante e, além das ques-
tões a propósito das limitações econômicas, tão importantes, assinalar que outros
princípios também poderiam operar, a fim de que não se reproduzam interpreta-
ções em que a prática dos agentes seja concebida pela exclusividade de uma ra-
zão econômica.
GEIGER (1952), em sua análise dos loteamentos, menciona que muitos
daqueles que construiam suas casas nos loteamentos queriam "ficar bem longe
do grande movimento, aspirando pOSSUIrum jardim, uma horta ou um quintal
- 102 -
em torno de casa" (GEIGER, 1952:99).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A explicação do loteador também é uma pista. Ele próprio vindozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAdo
interior, indica que aquele que comprava o lote queria ser proprietário, que essa
é a vontade de quem vem do interior. Um outro entrevistado, Jurandir, contando
como imaginava que estava o primo no Rio de Janeiro, diz que pensava que es-
te "estava bem, tinha uma casa no Rio de Janeiro".
Gerardo, habitante de um loteamento em Austin, explicava que ele, o
paI e o irmão, compraram cada um o seu lote, mas o tio "não quis, foi morar
lá embaixo [cidade do Rio de Janeiro], lá num morro, jogado por lá, mas foi,
queria morar perto do trabalho." Enquanto uns preferiam morar perto do traba-
lho, outros escolheram as dificuldades decorrentes da distância do centro do Rio
e do esforço de poupança e trabalho que implica a autoconstruçáo.
Notadamente no período em questão, em que os trabalhadores tinham
oportunidades de emprego oferecidas pelo crescimento industrial, e os lotes eram
vendidos a prestações fixas, esse era um esforço possível (27). Entretanto, esse
empreendimento exigia também a mobilização de toda a família e a existência
de um orçamento doméstico para o pagamento do lote e construção da residên-
cia, de certa forma, a crença de que ter um terreno para construir uma casa on-
de se criaria a família era mais importante que as dificuldades decorrente da 10-
calização em uma cidade ainda rural.
As firmas loteadoras investiam na divulgação e propaganda dos lotea-
mentos:
"Laerte: - A firma era do Rio, era na rua dos Andradas, Imobiliária Pro-
gresso. (...) Soube do loteamento através de um amigo que já tinha com-prado o lote dele. (...).Naquela época a gente trabalhava sábado, saímosem um domingo, da Candelária. Tinha um ônibus da imobiliária esperandoa gente lá. (...) Era assim: a gente vai na firma, tem aquele convite, aque-la propaganda, e diz 'eu vou', aí eles vão te mostrar os terrenos. Chegan-do lá eles te mostravam os terrenos num mapa, apontavam onde era, vocêgostava de um e comprava."
- 103
Em um período de transformações e rupturas, creio ter havido, nesse
processo, a junção de expectativas em torno de umzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAprogresso anunciado pelo
crescimento industrial com as práticas de uma população que, de diferentes
origens, tinha em comum a relação com o espaço e a terra próprios da experi-
ência camponesa. Somente aSSIm não se estranharia um espaço de moradia
sem equipamentos urbanos, e se poderia ter esperança de nele construir casa e
família.
- 104 -
Capítulo IVzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o "PESSOAL DE FORA"
Construção de um novo mundozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Quando eu vim do sertão,
seu moço,
do meu Bodocô,
a maleta era um saco,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo cadeado era um nó.
Só trazia coragem e a cara
viajando num pau-de-arara,
eu penei, mas aqui cheguei"
(Luiz Gonzaga e Guio de Moraes"Pau de Arara")
A cena, descrita no capítulozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAllI, em que conheci Agostinho Matos, en-
contrando-o jogando cartas com seus novos vizinhos, assinala uma das questões
dessa pesquisa: a implantação dos loteamentos não aconteceu sobre um vazio
sociológico. Na área do trabalho de campo ainda se encontram antigoszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAchacrei-
TOS, famílias de trabalhadores da laranja e aspectos da história desta ocupação
podem ser percebidos através da arquitetura: algumas casas da primeira metade
do século podem ser encontradas entre as casas mais recentes de contornos reti-
líneos e laje aparente, algumas sem emboço.
A estrada municipal Austin - Estrada de Madureira, que contorna e dá
acesso à área foi construída para dar escoamento à produção de laranja. A geo-
grafia do lugar era a preferida pela citricultura: o terreno arenoso, os pequenos
morros (as "meias-laranjas"), os córregos, valões que hoje escoam o esgoto de
cozinha.
Os loteamentos geraram novas unidades sociais a partir de condições
locais: físicas, econômicas e políticas. As transformações sociais que eles assina-
lam, implicaram a trajetória dec1inante de pequenos e médios chacreiros, arren-
datários ou meeiros, e na diversificação e manutenção (através da conversão) do
capital daqueles que controlavam grandes extensões de terra, além da constitui-
ção de um mercado político, na medida em que as demandas da população dos
loteamentos são atendidas através de trocas c1ientelistas.
Sob uma perspectiva relacional, a etnografia buscou uma aproximação
de um outro pólo: aqueles que, também vivendo rupturas, viram no lote a POSSI-
bilidade de construção da casa própria e construíram um novo mundo.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
Os traçados de um loteamento não definem as redes de interaçào dos
- 106 -
moradores. De extensão relativamente pequena pode-se passar de um para o
outro em cinco minutos. Muito raramente um habitante refere-se ao seu lugar
de moradia pelo nome do loteamento, somente ouvi estas referências entre os
militantes das associações de moradores ou quando, fazendo entrevistas no posto
de saúde local, eu lhes perguntava onde moravam. Como já pressupunham que
eu soubesse que moravam nos arredores, avaliavam que solicitava-se uma respos-
ta que demarcasse mais precisamente seu seu lugar de moradia.
A referência usada para denominar este espaço imediato ézyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAárea, que
seria equivalente ao pedaço descrito por MAGNANI:
"Enquanto o núcleo do 'pedaço' apresenta um contorno nítido suas bordassão fluidas e não possuem uma delimitação territorial precisa. O termo narealidade designa aquele espaço intermediário entre o privado e (a casa) eo público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que afundada nos laços familiares, porém mais densas, significativa e estável queas relações formais e individualizadas impostas pela sociedade." (1984:138)
A categoria usual para designar seu lugar de moradia é o nome da es-
ração de trem mais próxima, Austin, em torno da qual está () comércio e a fei-
ra cotidianos. Como o nome e a pronúncia são ingleses, abrasileirou-se o termo,
e assim, um dia em que lá chegava para mais algumas entrevistas, pude ouvir
de uma senhora que varria sua calçada:
Minha senhora, como se chama esse lugar?Aqui? Aqui é Austim!zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
A área em apreço é bem servida de VIaS de transporte, encontrando-se
entre a Via Dutra, a estrada de ferro Central do Brasil e uma estrada munici-
pal, Onibus que passam por essa estrada dão acesso ao centro de Nova Iguaçu,
Austin, Nilópolis, Duque de Caxias, Rio de Janeiro e bairros mais próximos de
Nova Iguaçu. Na Via Dutra, ônibus ligam à Queimados, Japeri e Paracambi,
- 107 -
bem como ao Rio de Janeiro e São João de Meriti.
O comércio principal é o das vendinhas, onde compra-se suprimentos
de alimentos, miudezas do dia-a-dia e também bebidas, e o das biroscas, minús-
culos estabelecimentos de venda de bebidas, ambas lugares de sociabilidade mas-
culina (MACHADO DA SILVA, 1969). SOARES (1962), já indicava o grande
número de botequins no distrito-sede (SOARES, 1962:42), e pude verificar que
em sua maioria são construídos na frente da casa, em geral quando o chefe da
família se aposenta. Freqüentemente seus proprietários são nordestinos. O dono
dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABar Ponto Certo, um dos maiores da localidade, é cearense, e uma outra lo-
ja do setor tem nome sugestivo: Bar e Mercearia Kaktos do Nordeste. Nele, o
consumidor de bebidas encontra um lembrete pintado na pârcde em grandes le-
tras: "Se bebe para esquecer/Pague antes de beber."
A principal escola é também uma das principais escolas de Austin, o
Colégio Estadual São Judas Tadeu, única escola pública de Austin que oferece
cursos dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA2':. Grau. A clientela dos cursos de Formação Geral e Formação de
Professores, de 2':. Grau, vem de outros bairros, pois os alunos que entram no
pré-escolar em geral não chegam à 5~ série do 1':. grau. As vagas são disputadas,
com pais pernoitando nas filas de inscrição para matrícula. Nos horários de en-
trada e saída dos turnos, pode-se ver, em diferentes pontos, cnanças e adoles-
centes uniformizados encaminhando-se para essa escola ou de lá saindo. Os ôni-
bus chegam e saem com vários estudantes, que em geral andam em grupos.
O Posto de Saúde Rosa dos Ventos, mantido pelo Sistema Unificado
de Saúde, é outra instituição importante, com atendimento médico e odontológi-
co.
Como em várias localidades do município, as ruas não são pavimenta-
das, utiliza-se fossas para o depósito dos dejetos sanitários e não há coleta de
lixo, sendo despejado em terrenos baldios. A iluminação pública chegou nos anos
- 108 -
1980 e só mais recentemente, durante a campanha eleitoral de 1990, instalou-se
rede de água em alguns trechos. (28)
Entretanto, a descrição não poderia aqui se limitar à indicação das au-
sências dos serviços públicos. Por outro lado, verificam-se práticas que não pode-
riam estar presentes em uma cidade tomada pelo asfalto: nos terrenos baldios,
cavalos pastam a qualquer hora do dia; ao final da tarde houve-se o aboio de
um boiadeiro urbano recolhendo o gado para um bairro mais ao interior, o Ria-
chão; a qualquer hora, pode chegar a entrega de alguma compra em uma carro-
ça, das muitas que têm o seu ponto no centro de Austin; esbarra-se de vez em
quando em algum porco ou porca que são "criados soltos" e que, conhecendo-se
ou não seus donos, não são furtados.
Em algumas famílias, as donas-de-casa mantêm criação de porcos ou
de galinha, e é comum encontrar-se árvores frutíferas nos quintais, sendo as
mais comuns mangueiras, coqueiros e goiabeiras. O popular vira-latas está quase
sempre presente, "dando sinal" quando alguém chama ao portão. Os muros são
baixos ou inexistentes, usando-se também em algumas residências, cercas com
arame farpado e madeira.
Entre a escola estadual e o posto de saúde há um campo de futebol,
aberto, onde se pode assistir a jogos de futebol nos sábados e domingos. Duran-
te os jogos, as bandeiras dos times são desfraldadas e fincadas nas bordas do
campo, rapazes e suas namoradas, dos bairros a que pertencem os times, bem
como os habitantes do próprio bairro, costumam assistir às partidas. Ali há pelo
menos dois times que disputam esses torneios, o Royal e o Vila Rezende. Há
também um campo de futebol particular, que aluga sua quadra para times de
diferentes localidades.
Nos fins de semana, como acontece nos bairros populares, as ruas fi-
cam mais alegres e cheias. Crianças brincam, de roda, pipa, bola de gude. Ho-
- 109 -
mens e rapazes, de folga do trabalho, ficam nas ruas conversando, e o movi-
mento dos bares e biroscas aumenta. Também aumenta o trânsito de protestan-
tes, que nos fins de semana têm atividades como ensaios de coral, Escola Domi-
nical, pregações públicas e cultos. Encontra-se também grupos de rapazes, vários
deles vindo de diferentes bairros e municípios vizinhos, dirigindo-se animadamen-
te para os campos de futebol.
Além da crise econômica, a preocupação presente nos comentários coti-
dianos são os crimes de morte, que segundo a versão mais tranqüilizadora de al-
guns só envolveriam aqueles que "devem", mas que, de fato, faz com que o coti-
diano seja conduzido com o cuidado de um equilibrista em uma corda bamba
pois muito embora haja um código regulando alguns desses assassinatos, o mais
prudente é estar o mais distante possível de uma realidade que está, paradoxal-
mente, tão próxima.
- 110 -
1. O Migrante: diferentes mundos em transformaçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(...) população de um arraial baiano, inteira, que
marchava de mudada - homens, mulheres, as crias,
os velhos, o padre com seus petrechos e cruz e a
imagem da igreja - tendo até bandinha de música,
como vieram com todos, parecendo até nação de
maracatú! Uns tocavam jumento de almocreve, ou-
tros carregavam suas coisas - sacos de mantimen-
tos, trouxas de roupa, rede de cará a tiracol. (...) Re-
zavam, indo da miséria para a riqueza." (GuimarãesRosa - Grande Sertão, Veredas)
Para a população pobre que passou a residir nos loteamentos é que
foram dirigidas algumas das versões das elites locais a respeito das causas dos
problemas do município. Associando-se à vinda dessa população a idéia de que
esta não teria "uma preocupação com a cidade em que vieram parar" formula-se
uma oposição entre os "de fora" e os "de dentro" em que pobreza e migração
estão associadas, compreendendo-se a pobreza como externa à história do muni-
cípio.
SAYAD (1991), tratando do estatuto sociológico e político dos imigran-
tes argelinos na França, indica como esta migração criou a noção de uma po-
breza "exótica", não nacional, exógena aos fatores de riqueza da própria França,
ao corresponder ao movimento de busca por parte de uma população mais po-
bre por lugares com trabalho melhor remunerado, em um período em que essa
imigração não implicava ainda a fixação de famílias argelinas e conseqüentemen-
te dos descendentes argelinos nascidos franceses (SAYAD,1991).
A existência de uma oposição como a acima indicada, no município,
remete a existência de classificações como a de iguaçuano, que pressupõe uma
oposição entre naturais e não n uurais, encobrindo as relações em que uns de-
- 111 -
têm um capital historicamente constituído no lugar, enquanto outros lá se locali-
zaram quando buscavam trabalho.
A partir dos anos 1930 o desenvolvimento industrial expandiu o merca-
do de trabalho, mas sob a acentuação das disparidades regionais através da con-
centração industrial no eixo Rio-São Paulo, tendo como conseqüências, entre ou-
tras, a maior concentração de emprego e maior dependência dos mercados "re-
gionais" do pólo industrial concentrador (PEREIRA,1970).
Esse processo levou ao crescimento da população urbana do país como
um todo (29), e ao crescimento expressivo das grandes cidades, através da migra-
ção, o que passa a ser verificado a partir do recenseamento de 1940
(DURHAN, 1978). Durante esta década, se registrará o maior crescimento das
favelas no Rio de Janeiro, com 52% da população verificada ao final do perío-
do, oriunda dos estados do Rio, Minas Gerais e Espírito Santo (ABREU,
1987:106). Note-se que o estado de Minas Gerais foi o estado brasileiro que
apresentou, em 1950, o maior número de naturais residindo fora do estado e
que o Espírito Santo teve, entre as unidades da federação, um dos maiores cres-
cimentos proporcionais de população emigrada (119,2%), ou seja, de 67.459 na-
turais residindo fora do estado em 1940 para 147.854, em 1950. (DURHAN,
1978:31-32).
Será nos anos 1940 que Nova Iguaçu e os municípios de Duque de
Caxias, São João de Meriti e Nilópolis terão um expressivo crescimento de po-
pulação. A população urbana nesses municípios crescerá significativamente, assim
como nos dois primeiros haverá também uma maior ocupação das áreas rurais.
ABREU dá indicações de que a grande maioria da população que chegou à ci-
dade do Rio de Janeiro nessa década irá deslocar-se para os subúrbios mais dis-
tantes como Engenho Novo, Madureira, Penha, Anchieta, Pavuna e Realengo, e
para azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada (1987:107-110).
- 112 -
Destacando-se entre os migrantes estaduais segundo o censo 1980, re-
gistra-se em Nova Iguaçu a presença de mineiros (87.336), paraibanos (47.386) e
capixabas (41.096). Em geral, a vinda para o muncípio se dá através de uma
outra cidade, e assim, dos 601 mil migrantes contabilizados em 1980, apenas 83
mil residiam anteriormente em domicílios rurais.
O dado que caracteriza a predominância da migração urbana-urbana no
município, é melhor interpretado ao se levar em consideração que a população
que para lá se dirige em muitos casos não tem uma trajetória de vinda do cam-
po diretamente para esta cidade, passando anteriormente em outros centros ur-
banos, como a cidade do Rio de Janeiro.
Na verdade, sob a categoria migração se encontram diferentes proces-
sos, em geral homogeneizados sob categorias como imigração, emigração, migra-
ções rural-urbana, rural-rural, urbana-urbana. DURHAN (1978) assinala "as varia-
ções e particularidades" desse processo, em que se encontra, por exemplo, o des-
locamento de populações de áreas rurais para outras, ou para pequenas cidades,
bem como o deslocamento entre as populações destas cidades, e ainda por
exemplo, a vinda de uma população heterogênea para centros metropolitanos
(DURHAN, 1978:33-34). A autora optará por dar ênfase, ao abordar o fenôme-
no dos deslocamentos da população nacional, ao aspecto macrosociológico das
transformações dos setores produtivos nacionais como um processo de natureza
encompassador das particularidades assinaladas.
Com outras perspectivas PALMEIRAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& ALMEIDA (1977), indicam a
heterogeidade dos processos reunidos sob tais categorias. A partir de uma exten-
sa revisão da bibliografia sobre o tema da migração, realizada pelos pesquisado-
res do projeto "Emprego e Mudança Sócio-Econômica no Nordeste" (Convênio,
UFRJ, FINEP, IPEA, IBGE), os autores constataram que uma série de fenôme-
nos englobados por essas categorias eram, de fato, "pensados, também vividos e
- 113 -
'administrados' como movimentos (...) diversos pelos agentes sociais" (PALMEIRA
& ALMEIDA, 1977:3). O trabalho demonstra os lugares comuns das tipologias
referentes ao tema, como, entre outros aspectos, a consagração de pontos de
partida e chegada (áreas de emigração e de imigração); a naturalização da cate-
goria migrante associada a idéia de que este seria um tipo "desenraizado", "de
fora", caracterizado pela ausência de positividades ou como um tipo cultural, fol-
c1orizado e homogeneizado, quando comparados aos naturais; o voluntarismo
atribuído ao ato da migração.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
Em algumas interpretações locais e até mesmo em interpretações inte-
lectualmente mais elaboradas, é dentro de um conjunto de lugares comuns que
procura-se dar conta explicativamente ou problematizar o espaço, físico e social,
ocupado pelos habitantes pobres que vieram morar nos loteamentos. Associando-
se pobreza à migração, os loteamentos, azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAperiferia, ganham o estatuto de lugar
de moradia do migrante, uma população que aparentemente, ao ser reunida por
essa categoria e afins, seria homogênea e que, dentro desses discursos, estaria
separada, ao utilizar-se uma categoria naturalizante como a de migrante, daque-
les considerados como herdeiros naturais de uma territorialidade anterior à mi-
gração.
É dentro desse sistema de idéias naturalizador, que encontra-se algumas
das versões que opõe tradicionais aos de fora
"- (...) havia uma procura muito grande e a maioria dos que vieram paracá - era cada tipo! - era gente sem recursos, carente, que a gente viaque não tinha uma preocupação com a cidade na qual tinham vindo parar"(Entrevista já citada).
Na oposição entre a história anterior e a posterior aos loteamentos, é
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o migrante que aparece como o elemento disruptivo, cuja diferença, que surge
associada ao momento de crescimento industrial do próprio município, valoriza-
ção de terras, disputas políticas, é resumida simbólicamente em uma categoria
naturalizadora por excelência. Como argumentam SAYAD & FASSA (1982), a
propósito de estatuto do imigrado na sociedade francesa, de todas as especifica-
ções que o imigrado é identificado, seria a de não-nacional a
caractéristique qui, à elle seule contient au fond toutes les autres et les ré-sume symboliquement (SAYADzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& FASSA, 1982:71)
Sendo, no caso, característica de distinções mais importantes, por suas
implicações jurídicas.
No caso em questão, categorias como a de migrante não operam em
um plano legal, mas, situacionalmente, demarca as causas de fenômenos sociais
de modo que aquêles que estão no outro pólo da oposição não se compreen-
dem envolvidos, ou seja, a pobreza é exótica, a criminalidade é exótica, a cidade
piorou pela vinda de "gente sem recursos". De fato, esta é uma teoria histórica
e sociológica operada por grupos nativos quando tratam de explicar sua própria
história, mas, de algum modo também presente em análises teoricamente mais
elaboradas, quando caracterizam a população dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAperiferia enquanto migrantes.
Uma outra associação comum é a que se estabelece entre periferia e
migrante nordestino. BELOCH (1986), ao traçar um perfil do município de Ca-
xias, aborda a questão da presença de nordestinos nesse município (16,6% em
1970) e indica:
"Chama a atenção a participação relativamente baixa de nordestinos noconjunto de migrantes, pois era dada como certa, especialmente nas déca-das precedentes, uma maior participação desse grupo regional" (BELOCH,1986:37).
No caso de Nova Iguaçu os migrantes interestaduais mais expressivos
são os mineiros, e é interessante indicar-se que, no caso dos nordestinos, estes
são pensados como um grupo étnico, quando na verdade, apresentam interna-
- 115 -
mente distinções que operam significativamente. Há, por exemplo, uma distinção
muito demarcada entre ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnorte e a Bahia (o Recôncavo Bahiano), que tem em
seus sinais diacríticos, para aquêles provenientes do Norte, a oposição com uma
cultura mais claramente representada como herdeira de africanos, e mais, negra.
Outra oposição que encontrei, também por exemplo, foi a demarcação de um
grupo que, segundo uma maranhense e um potiguar, seriam migrantes por exce-
lência: os cearenses. Estes são associados a retirantes e comerciantes.
Maria:"- Sou de Caxias, região de babaçu. Lá aparecia muito cearense. Namigração, o mais constante é cearense.Carlos: - O cearense é nômade por natureza.Maria: - O cearense sai com jóia, ele gosta muito de ouro, de andar ar-rumado. O cearense às vezes era obrigado a trocar jóia por cabaça d'á-gua.- Carlos interfere e conta que quando trabalhava para a rádio Mosso-ró, do Rio Grande do Norte, em Icó, 'alto sertão do Ceará', tinha notíciasde famílias que iam buscar água a 36 km. de distância.Maria: - Tem uma característica no nordestino: ele nunca maldiz a sorte.Tudo ele diz: graças à Deus. No nordeste, quando se diz assim:'- De ondeo fulano vem? -zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ do Ceará. - Ih! Então carrega a casa na cabeça'. En-contra-se muitos cearenses no Maranhão, no Rio Grande do Norte, porquemuitos não têm condição de vir pra cá.( ...) Os retirantes também são cha-mados de 'ciganos'. Para negócio como o cearense, só mesmo portugueses,estrangeiros.( ...) Tem um grupo, que ainda tem alguma jóia [ressalta o gos-to do cearense por jóias de ouro], aí eles formam aquela comunidade. Jun-tam aquelas jóias e fazem um comércio. Os mais miseráveis, que vão sedeslocando, param pra trabalhar na zona rural".
Heterogêneos, oriundos de diferentes experiências, os migrantes em seu
conjunto não compõem um grupo étnico, e não se identificam por esta categoria
em seu cotidiano. A referência mais importante, para identificar o mundo do
qual se veio, é o nome do estado da federação e o território recoberto pelas
relações de parentesco. Mesmo quando são nordestinos (nortistas) esta não será
uma categoria através da qual busquem constituir grupamentos em seu bairro de
moradia.
o confronto de pessoas de diferentes origens sociais, bem como o coti-
diano extenuante do trabalho, cria uma nova ordem, em que práticas anteriores
têm que ser adaptadas. Aqueles que compraram os lotes têm em comum o
- 116 -
mundo rural do qual estão se afastando, mas este é um mundo heterogêneo, de
experiências diversificadas, intraduzíveis pelo termo migrante. Por outro lado, a
confrontação com esta diversidade e com as adversidades cotidianas encontradas
por trabalhadores alojados em um espaço de habitação desprovido de luz elétri-
ca, água encanada, saneamento básico e transporte coletivo, trouxe questões ime-
diatas, em que a solidariedade assume uma nova configuração, tal como no caso
dos reagrupamentos de populações rurais promovidos na Argélia entre os anos
1955 e 1962:
"le rassemblement en un même espace de groupes jusque-là séparés etl'accroissement du volume de l'unité sociale élérnentaire affectent directe-ment Ia vie social e et les formes de sociabilité.( ...) un noveau type de soli-darité tend à se développer qui repose, non plus sur les liens de parente,mais, comme dans les bidonvilles urbains, sur le sentiment de partager lesmêmes conditions d'existence, sur Ia conscience de Ia misére commune etsur Ia révolte commune contre Ia rnisére" (BOURDIEU & SAY AD,1964:130-134).
Tratou-se, nos loteamentos, da criação de novas formas de sociabilida-
de, o que, se não levou ao abandono completo das práticas que cada migrante
trouxe de seu mundo de origem, informou a necessária criação de novas práticas;
de novos relacionamentos. O relato de "Seu" Gerardo, cearense, proprietário do
Bar Ponto Certo é ilustrativo:
"- Primeiro veio meu irmão, depois ele trouxe meu pai. Eles trabalhavamno Luxor Hotel, em Copacabana. Meu irmão era garçom e meu pai traba-lhava na cozinha. ["Seu" Gerardo foi trabalhar lá] Nós morávamos emOlinda, de aluguel. Fiquei lá um ano. Aí a gente decidiu: "vamos procurarterreno pra comprar". Foi em 1952, março. Saímos procurando, fomos àGramacho, Vilar dos Telles, fomos lá por causa do nosso sobrenome, queé Teles. Soubemos dese loteamento [Vista Alegre] por anúncio de jornal.A imobiliária era lá de baixo [Rio de Janeiro], mas o corretor estava aqui.Aqui era um laranjal. Quando chegamos as máquinas ainda estavam aqui,fazendo arruamento. A gente comprava o terreno com os pés de laran-ja.( ...) Cada um comprou o seu lote. A opinião de papai, era deixar tudonum nome só, por causa daquele negócio: tradição, família. Queria deixartudo no nome de um só, mas eu não, que eu já tinha uma noção de vida.Papai chamava aqui de Vila dos Teles, tinha Vilar dos Telles, então elechamava assim. Ele queria tudo num nome só, pra não dizer "família desu-nida", essas coisas de tradição".
"Seu" Gerardo, diferentemente de seu paI, percebia uma nova ordem,
- 117 -
tinha uma noção dos princípios de cálculo mais racionais, e de uma outra rela-
ção com o tempo (SAYADzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& FASSA, 1982:11-60), em que a tradição por SI SÓ
não seria determinante, por exemplo, nas questões de herança e aquisição de
terra. Quanto a seu pai, talvez se aplicasse a ele a análise de BOURDIEU &
SAYAD a propósito da relação dos mais velhos com os deslocamentos, notando-
se inclusive que, no caso da titularidade dos lotes, foi a opinião do filho mais
velho, "Seu" Gerardo, que foi vitoriosa:
"Les anciens, gardiens de Ia tradition, sont les plus gravement affectés parle déplacement, Particulierement mal préparés à s'adapter à des situationsinsolites, en raison de leur âge et leur attachernent à I'ordre traditionnel,ils sont particulierment désarmés: Ia situation quasi-urbaine crée par le
regroupement opere un renversement des hiérarchics traditionnelles: deprotégés, les plus jeunes deviennent protecteurs" (BOURDIEU & SA Y AD,1964:141). -
* * *
Não é, portanto, enquanto migrante que os habitantes de um loteamen-
to se reconhecem em seu cotidiano, muito embora possam inclusive utilizar cate-
gorias como esta com a pesquisadora, ao relatarem sua experiência de desloca-
mento. A referência maior é o lugar de onde se veio, ou seja, a territorialidade
recoberta pelas relações de parentesco e' pelas trocas de sua parentela.
'''Seu' Gerardo: - (...) naquela época tinha uma pracinha, que chamavasse"pracinha dos paraíbas", a Serzedelo Correa, em Copacabana. Eu gostavade ir pra lá, dia de domingo, porque tudo que era conhecido daquela áreaia pra'li, gente de minha cidade.( ...) O prazer da gente quando tava aquihá pouco tempo era rever os amigos, ia pra pracinha. "Chegou Fulano!",então a gente ia pra pracinha rever o amigo.( ...) Ouvi muito Luís Gonza-ga. Eu vivi essa época e ainda hoje ainda vivo, ele não morreu. Era muitosucesso. Quando a gente chegava aqui, oszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA''paraíbas,'' que de lá pra vocês étudozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAparaiba, a primeira coisa que a gente fazia era comprar o radinho.Aí eu comprei, pra escutar música, os programas da época".
Como assinala DURHAN (1978) os deslocamentos geográficos são tam-
bém deslocamentos dentro de um universo social e, portanto, também orientados
- 118 -
por princípios culturamente estruturados. Eles se dão em um mundo socialmente
mapeado, do qual se tem algum conhecimento. Seja através de parentes, conhe-
cidos, que retomam, mandam cartas, "chegam as notícias" que logo se espalham
e assim, a vinda para o centro onde se busca trabalho se dá com um conheci-
mento prévio, mínimo que seja, das possibilidades de trabalho e alojamento.
As redes de parentesco são importantes nestes deslocamentos (ver por
exemplo, DURHAN, 1978; RIDLEY,1979), o conhecimento de pessoas da área
de origem, ou então a contratação prévia para um trabalho. No trabalho de
campo, foram verificados casos de contratação de empregadas domésticas em
que adolescentes foram trazidas, sem suas famílias, para esse tipo de trabalho, o
que, de qualquer modo, se dá através de uma rede de conhecimentos (30). Em
geral, é um empreendimento familiar, e quando acontece individualmente, ou se-
Ja, quando o migrante se desloca sem um antecedente de parentesco servindo
de apoio ou sem a expectativa de trazer parentes, tal fato acontece em um con-
texto de crise familiar. Esse foi o caso de Orlando:
"- Nasci em Pernambuco, Tipió, há 15 minutos de Recife, é um subúrbio.Nasci em 1931. Deu uma vontade de andar, de conhecer mundo, haviamuitos amigos meus que saiam a pé, e me deu vontade de conhecer oRio de Janeiro.( ...)Me aborreci, meu pai morreu em 1941, fui criado sem pai. Trabalhava nu-ma loja, estava pintando, entornei um galão de tinta, brigaram comigo, euresolvi vir, eu tinha 23 anos. Quando cheguei aqui fiquei quatro dias semcomer. Comi quase 1 quilo de amendoim. Fiquei procurando um colegaque trabalhava num frigorífico no Rio, fiquei procurando, fui no frigoríficoda Marinha, fui no cais do porto. Eu estava no Albergue da Boa Vontade.Fiquei uns dias com ele, trabalhando no frigorífico".
Para alguns, a vinda é planejada como provisória, como possibilidade
de fazer-se poupança para conversão em terra ou comércio. GARCIA Jr.(1990), ao
analisar o caso concreto de camponeses no Agreste e Brejo paraibanos, demons-
trou como a vinda para o Sul pode muitas vezes estar inserida em estratégias
eficazes de reprodução camponesa, ao invés de uma irreversível adesão a mode-
los de industrialização e urbanização. Este foi o sentido da vinda de "Seu" Ge-
- 119 -
rardo:
"- No ano de 1942, naquela época eu estudava na cidade de Sobral, eu iabem, papai tinha um recursozinho, botava o pessoal pra trabalhar na terrae tinha um comércio de tecidos, aqui é aviamentos [parece referir-se a ma-terial para acabamentos de costura] foi seca no Ceará, papai com aquelepessoal dele, trabalhador dele, fomos para o Piauí, Maranhão, e rodamos,ficamos sem nada! E a gente veio rolando até chegar aqui no Rio em1952.P:- E como é que foi a decisão de vir pro Rio?- Rodamos os Maranhão e o Piauí, voltamos novamente pro mesmo lugar,eu já tava com 21 anos, me casei( ...). A decisão era vir aqui,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsobreviver edepois voltar, mas não deu pra voltar. A intenção era voltar, muitos volta-ram, meu irmão mesmo, depois de quatro anos eu aqui no Rio, ele vol-tou. Mas a família foi crescendo [o entrevistado tem 10 filhos] e depoisque o primeiro casou [refere-se a um filho], acabou a ilusão de voltar".
Nos relatos surgem as diferentes experiências de roças e cidades daque-
les que são encompassados pelo termo migrante.
Entre as mulheres, é possível encontrar-se histórias de vida em que a
dominação masculina, do pai ou marido, é um dado destacado em suas trajetó-
rias:
"Sebastiana: - Sou de Alagoas. Trabalhava na Usina Central Leão, planta-va cana, colhia cana, cortava, era moradora. Casei aos 14 anos, o maridocom 26 anos, bebia muito, era mulherento. Tive 3 filhos nas canas, sozi-nha. Nasceram 8 filhos lá em Maceió, um só não se criou. Me enjoei da-quela vida. Tinha uma moça que era crente, vivia me chamando [para in-gressar no protestantismo]. Resolvi fazer um trato com Deus: se Deus memudasse de Estado, eu aceitaria Jesus quando chegasse aqui".
o paI de Dona Irene, por exemplo, "era uma espécie de jagunço". Vi-
gia da Usina Estiva, no Rio Grande do Norte, não concordava que os filhos es-
tudassem e tratava a família com violência, de tal modo que certa vez "cortou o
cabelo de mamãe com a faca, pedaço por pedaço". Foi dele que fugiram, sua
mãe, ela e os dois irmãos, tomando um trem para Pernambuco, sob a proteção
da esposa do proprietário da Usina.
O migrante pode ser também um canoca. Habitantes das favelas do
Rio de Janeiro dirigiram-se para os loteamentos, devido à política de remoção
de favelas ou então, mais "voluntariamente", como opção de compra de um ter-
- 120 -
reno. Pude entrevistar uma senhora, "nascida e criada" no Engenho Novo cUJo
namorado comprou um lote de 12 x 30m no loteamento Vista Alegre em 1952.
Embora, após o casamento, tivesse morado lá durante 28 anos, ela "nunca se
acostumou" ao lugar e aos vizinhos que, conforme sua narrativa "reparavam tu-
do". Desde 1985 ela, o marido e filhos mais novos estão morando no Engenho
Novo e esta senhora não vai costumeiramente à Austin, onde alugaram a casa
em que viviam. O marido costuma ir aos fins de semana para visitar o filho,
que mora em uma das casas construída por ele no terreno, e rever amigos. De
fato, esta senhora, socializada desde a infância entre estratos operários do Rio
de Janeiro, criada no contexto da cultura urbana carioca, pouco identificara-se
com os novos vizinhos e espaço de moradia, que recendiam às práticas campo-
nesas. Essa, inclusive é a origem do marido, que viera de Miracema, "região de
café, que depois passou a ser região de boi", aos 18 anos. Conta Dona Madale-
na sobre a primeira vez em que viu o loteamento;
"- Em 1953 fui fazer a visita lá. Pegávamos o trem, fazia-se a baldeaçãoem Engenho de Dentro, para pegar o Japeri [nome da linha do trem quevai para Nova Iguaçuj. Chegando lá, era 45 minutos andando. Não tinhailuminação, não tinha esgoto. A estrada era de barro vermelho - quandochovia era lama, mas a gente passava pela linha do trem . No primeirodia que cheguei, saltei na estação, vi o povoado [o centro comercial deAustin], t6 achando que ia ser "aquilo"! Viemos pela linha, t6 andando, tóandando, comecei a sentir vontade de desmanchar o namoro, mas comoera um passeio, tudo bem".
As transformações sociais experimentadas por aqueles que se dirigiram
para os loteamentos podiam não estar tão distantes, em algum Norte longíncuo,
mas no próprio estado do Rio, onde lavouras de café passavam a ser substituí-
das pelo pasto para gado, assim como a especulação com terras fazia expulsar
camponeses.
Para os loteamentos não se dirigiram apenas camponeses vindos de
áreas mais distantes, mas este migrante associado ao loteamento pode vir do
próprio município, das plantações de laranja e das áreas de ocupação campone-
- 121 -
sas que foram desarticuladas no período pós-64.
No posto de saúde local foram entrevistadas duas mulheres de famílias
camponesas que trabalhavam no próprio município. A família da mais velha,
nascida em 1935 em Cachoeiras de Macacu, foi para Nova Iguaçu atraída pelo
trabalho na citricultura. Seu pai era meeiro na Serra de Madureira e quando "a
laranja acabou" ele e sua mãe foram para Xerém, Duque de Caxias, em área
de ocupação.
A mais nova, nasceu em 1961 "no Rio, em Marechal Hermes" (31),
seus pais eram de "Minas", trabalharam em sítios de laranja e depois foram pa-
ra "um lugar chamado Coletivo". Segundo ela:
"- Não pude freqüentar escola, na roça era difícil. A gente plantava e co-lhia pimentão, berinjela, aipim, lá no Coletivo. Saí de lá com 11 anos, to-do mundo chorou, as crianças, os adultos, meu irmão chorou muito.P:- Onde era?- Não lembro, era o Coletivo, a gente ouvia o barulho da variante [aRodovia Presidente Outra]. Tivemos que sair de lá porque a terra foi ven-dida pelo INCRA. Meu primeiro namorado era de lá, era de roça, enxa-deiro, vivi 10 anos com ele. Sou a caçula de 9 filhos. Nenhum de meus ir-mãos quis continuar na roça. Ninguém quis continuar porque é uma vidamuito sofrida.Do Coletivo fomos morar em Japeri, uma região chamada Carretão. De-pois fomos para Tinguá, em Xerém. Depois que a gente já estava lá co-meçou a briga, o Brizola deu muito apoio à gente, depois que deu muitotrabalho a gente desistiu, foi muito trabalho.muita luta, as mulheres faziamaqueles panelão de comida. Ah! No Coletivo tinha um posto, com leite,comida, polícia, a polícia vinha revistar. Tinha igreja católica e muito cen-tro de macumba. - Foi chamada para o atendimento médico e saiu dizen-do:- Tenho muita história pra contar, história de luta."
o Coletivo a que ela se refere parece ser o Coletivo Santa Alice, área
de luta de posse nos anos 1950-60 no município de Itaguaí, próxima à Nova
Iguaçu, que se tornou o Núcleo Colonial Santa Alice.
A história de lutas por ocupação do espaço, é muito presente entre es-
ta população, que diante de espaços geográficamente inexplorados, traduz na lu-
ta pela ocupação do espaço físico a própria luta pela existência no espaço so-
cial. Ali mesmo, no loteamento de Vista Alegre, o posto de saúde encontra-se
- 122 -
em uma pequena área de ocupação urbana, organizada em 1982.
Há alguns metros do posto vive "Seu" Leonardo, octogenário nascido
em 1903. Ele participou da ocupação e conflitos ocorridos em Pedra Lisa, distri-
to de Japeri, nos anos 1950.
Sua trajetória bem demonstra como a história da constituição dos tra-
balhadores urbanos como um fluxo inexorável do campo para a cidade, o que
sena pouco explicativo a respeito das variações encontradas (GARCIA Jr.,
1990).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o pai de "seu" Leonardo vem de Luanda aos 24 anos "pra ser cafeei-
ro, plantava o café" em Conceição de Macabu (RJ).
"Seu" Leonardo trabalhou em usinas de cana, olarias em Conceição de
Macabu e quando o pai morreu, foi trabalhar na Estrada de Ferro Leopoldina,
"socando linha". Depois trabalhou na implantação de estradas de rodagens no
norte fluminense, Espírito Santo e Minas Gerais. Em 1940, através de um anún-
cio de jornal, foi empregar-se na Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Re-
donda. Com outros trabalhadores desta companhia, ia nos fins de semana traba-
lhar na construção da rodovia Presidente Dutra. Foi pedreiro, construtor de
obras em fazendas, teve uma pequena olaria em Japeri. Ao fim dos anos 1940
participou da ocupação de Pedra Lisa, estando presente em vários dos momen-
tos históricos deste movimento naquele período. Uma de suas filhas foi alfabeti-
zadora na escola municipal de Pedra Lisa.
- 123 -
2. Loteamento: Construção de uma CidadezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Não é portanto apenas de maneira metafórica que
é possível comparar - como se fez muitas vezes -
uma cidade a uma sinfonia ou a um poema; são
objetos de natureza idêntica. A cidade, talvez mais
preciosa ainda, situa-se na confluência da natureza e
do artifício." (Lévi-Strauss- Tristes Trópicos)
A importância da compra do lote e do processo de contrução da casa
própria para os trabalhadores têm sido abordadas em literatura recente. Mesmo
com as dificuldades decorrentes da distância do local de trabalho e a falta de
infra-estrutura nos loteamentos acessíveis aos trabalhadores, a busca por seguran-
ça, diante das incertezas do aluguel, é uma das causas apontadas para a compra
de lotes e o empreendimento da autoconstrução (ver por exemplo LIMA, 1980).
Além da casa, também o próprio bairro está por se construir em um
mundo rural que se desagrega. As ausências de infra-estrutura, de atuação dos
serviços públicos, aparecem nos relatos acompanhadas de formas que bem cabe-
nam em uma cidade rural:
"- Quando mudei pr'aqui, no dia 10/01/1970, não havia nenhuma escola, opastor da igreja da Assembléia de Deus de Queimados, a que eu perten-cia, incentivou a criação de uma escola pelo MOBRAL, para alfabetiza-ção.( ...) O bairro não tinha luz, era luz de querosene, não tinha água, háum ano mais ou menos é que chegou a água, não tinha a ponte [fala deuma ponte de concreto construída pelos próprios moradores sobre um va-lão de cerca de três metros de largura]. Atrás aqui de casa era chácara -tinha feijão, horta, era do "Seu" Malaquias. O "Seu" Salvador também ti-nha horta, um lavrador importante pro bairro. Onde hoje tem uma igrejada Assembléia de Deus era uma grande chácara de um japonês, tinha pe-pino, berinjela" (Zíbia, professora do MOBRAL no loteamento de 1972 a1979).
"- Daqui pra Austin a gente ia a pé, porque não tinha condução, a estra-da era de barro. Calçamento só chegou com o Roberto Silveira [Governa-dor do Estado], foi ele inaugurando isso aqui e logo morrendo. Escola, sóem Austin, meus filhos iam a pé." ("Seu"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAGerardo)
"- Em 1953, quando fui lá a primeira vez só tinha o trem, não tinha maisnada. Casei no dia 8 de junho de 1957, no dia 9 fui embora para casa.
- 124 -
Cheguei lá, tava tudo bem, cumprimentei minha sogra, cumprimentei os vi-zinhos, aí vem a noite. Sem luz, água de poço, passei a noite toda semdormir, ouvindo o barulho dos sapos. Quando fiz 15 dias que estava mo-rando lá, vim passear no Rio, no Engenho Novo. Quando cheguei em De-odoro, deu aquela tristeza, começei a chorar.( ...) Em 1959 meu maridocomprou a primeira égua, por motivo de transporte. Saía de casa, pegavao trem às 4:10 hs., para chegar no trabalho às 7 hs., ia nela para Austin.pelos conhecimentos, ele começou a comprar uns bezerros. Tinha um ter-reno no lado de casa de um colega dele. Fechou o terreno, ficavam as va-cas que estavam dando leite o resto ficava no pasto. A gente vendia leite,eu mesma é que vendia. Às 5hs. da manhã eu ia cortar capim para os be-zerros no loteamento chamado Arruda Negreiros" (Madalena).
Esse é um universo em transformação. No loteamento, coexistem práti-
cas camponesas , muitas vezes exercidas pelos próprios trabalhadores, não ape-
nas por uma razão utilitária, visando a cornplementação do orçamento doméstico,
mas por haver a possibilidade de reatualização de saberes camponeses, que os
agentes trazem consigo.
Uma tarde, caminhando pelo bairro a fim de fazer mais uma entrevista
tive que sair da rua a fim de dar passagem a uma boiada de cerca de 50 cabe-
ças. De um cavalo, um rapaz conduzia com velocidade a boiada, entoando inter-
jeições em tom de aboio.
Como assinala LIMA (1980:83), a auto construção mobiliza toda a famí-
lia, que durante anos estrutura o orçamento doméstico em função da construção
da casa própria. O trabalho feminino, em geral como empregadas domésticas, é
fundamental neste período.
A história familiar fica periodicizada pelas etapas de construção da ca-
sa, e vice-versa. Ao tentar lembrar datas a respeito da construção, evoca-se
acontecimentos da história da família e assim é possível encontrar-se periodiza-
ções como: "foi quando comprei o lote", "estava fazendo o poço", "a casa ainda
não tinha piso" ou então, "comprei o lote em mil novescentos e tanto porque
meu filho mais novo tinha nascido e estava com oito meses", "pintei a casa para
a festa de quinze anos de minha filha". A construção comumente inicia-se em
- 125 -
período no qual os filhos são ainda crianças e costumeiramente a construção
acompanha todo um ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico, sendo fre-
qüente poder observar-se que a casa só estará relativamente pronta quando os
filhos encontram-se na adolescência, quer seja porque pode-se contar com sua
colaboração para as tarefas da construção, quer seja por que já podem trabalhar
e colaborar no orçamento doméstico.
"- Fizemos nosso primeiro barraquinho no terreno em 1968. O 'falecido'[um filho] já tinha nascido, tinha oito meses quando demos entrada noterreno. Vínhamos todo domingo trabalhar. Ele 10 marido] trocou uma ra-diovitrola por material de construção. Compramos de uma firma chamadaLindolfo Collor, no Rio. O terreno era 1.800,00, acho que era cruzeiros naépoca, pagávamos 18,00 por mês. Continuamos trabalhando, minha filhacomeçou a trabalhar com 13 anos, pr'eu ficar em casa, fiquei anêmica, elaficou trabalhando até 16 anos. O marido trabalhava, ás vezes desemprega-va, a gente atrasava a prestação. Aí eu fiz -mais uma proposta praDeus: "Quando eu conseguir um terreno pra construir uma casa eu aceitoJesus". Hoje eu tenho uma casa completa, mas o quartinho da promessa,onde moramos no início, ainda está lá" (Sebastiana).
Assim como as casas dos trabalhadores, feitas lentamente e autocons-
truídas, também a vida de bairro é construída pelos moradores, ou seja, lenta-
mente, através de lutas organizadas ou pelas relações de troca clientelistas com
políticos locais, são implantadas instituições e infra-estrutura para atender às de-
mandas da população da área, que adensa-se a partir da segunda metade dos
anos 1960.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
"O bairro era uma selva, era selvagem mesmo", conta Wanderley, que
chegou na área aos 7 anos, em 1958, e cuja família viera ser vigia de uma fa-
zenda que estava sendo loteada.
"- Essa rua aqui era caminho de boi, de um lado e outro era laranjal. Ti-nha uma fábrica, uma metalúrgica que fazia serviços para a Central doBrasil. Tinha os antigos, a falecida Vovó, morava em uma casinha de bar-ro. Tomava conta do sítio, sozinha. Sexta, sábado e domingo, tinha baile
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na casa dela, com luz de candeeiro. Era um regional: tinha bongó, sanfo-na, pandeiro, violão, cavaquinho. Os moleques viviam pescando, caçandopreá, catando fruta. O "rio da metalúrgica" [atualmente um valão], todostomavam banho, depois desviaram, o rio. A Vovó era rezadeira, qualquercoisinha a gente ia lá e era curado.( ...)Quando viemos, a fazenda já tinha sido loteada.( ...) Mas nem todos os quecompravam vinham logo morar. Quando viemos só tinha uns cinco mora-dores. Os compradores vinham de Ônibus [da firma loteadora], de carro.( ...)Até 1964, mais ou menos, não tinha linha de õnibus para o bairro. NaCacuia [bairro próximo] moravam um irmão e irmã de Tenório Cavalcanti,em 1964, teve gente deles que se escondeu por aí".
Este relato registra um momento de rupturas. Em 1958 grande parte
dos loteamentos da área já haviam sido efetivados, mas a venda e principalmen-
te a ocupação se dão lentamente entre os anos 1950-60, acelerando-se nos anos
de 1970. Alguns dados poderiam ser indicados como fatores: alguns dos compra-
dores dos lotes o faziam apenas enquanto investimento, para os trabalhadores
nem sempre era possível a construção imediata no terreno, e a inexistência de
transporte até a área deve ter também colaborado para retardar o processo de
ocupação.
Os primeiros ônibus, ligando ao centro de Austin, só irão surgir na se-
gunda metade dos anos 1960. Anteriormente esse trajeto era feito a pé, cavalo
ou carroça. Além da estrada municipal, difícil de transitar quando chovia, havia
também o costume de caminhar-se pela estrada de ferro, que contorna uma
área de morros nos limites de alguns dos loteamentos.
A água encanada chegou, para a maioria das ruas, em fins dos anos
1980. A iluminação elétrica chegou a área em 1970, durante a Copa do Mundo,
o que é uma lembrança sempre destacada entre os moradores.
A ausência de escolas parece ter sido a primeira maior demanda senti-
da no bairro, mobilizando a organização popular. As escolas concentravam-se no
centro de Austin, e para fazer o percurso a pé, com as crianças, as mães costu-
mavam se revezar. Na primeira metade dos anos 1960 a Associação de Morado-
res de Vista Alegre, segundo informações, uma das quatro existentes em Austin
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nesse período, criou uma escola comunitária, atendendo crIanças e adultos.
Esta é ainda uma necessidade sentida pelos moradores. Como a escola
estadual e a municipal mais próxima não conseguem atender a toda clientela, e
as escolas particulares estão distantes dos recursos de vários dos moradores, é
comum o recurso de professoras particulares, que organizam escolinhas em suas
residências. Zíbia, filha de "Seu" Leonardo, é uma dessas professoras. Sua escola
chama-se Oliveira Neta, pois, segundo ela, Oliveira é seu sobrenome e ela dese-
Java que uma de suas filhas fosse professora. Na área dos fundos de sua casa
encontram-se as carteiras e as paredes são decoradas com cartazes para a moti-
vação dos alunos. Ela leciona de manhã e uma de suas filhas à tarde. Zíbia foi
professora na escola da Sociedade de Lavradores de Pedra Lisa, entre os anos
de 1957 a 59 e em maio de 1972 começou a lecionar pelo MOBRAL para seus
vizinhos de loteamento:
"- A escolinha ficava na igreja Assembléia de Deus. Era tanto aluno! Pare-cia uma festa! Tinha três turmas de alunos, de manhã, de tarde e de noi-te. Só aceitávamos de 14 anos a 100 anos, mas depois criei uma turmapara crianças. Em 1979 voltei a morar em Queimados e parei de dar aula.Voltei para cá em 1980 e de 1982 a 84 voltei a dar aula pelo MOBRAL.Em 1988 dei aula pela Fundação Educar e em 1989 comecei a dar aulaem casa".
Somente na segunda metade dos anos 1970 é que será construída uma
escola pública. Segundo uma moradora, "foi uma luta pra se conseguir uma es-
cola", e o que me parece é que tal se deu através de gestões com políticos lo-
cais. A escola chama-se São Judas Tadeu, santo de devoção do político mumci-
pal que. segundo uma coordenadora da escola, "trouxe" a escola para lá.
Em 1980 começaram as articulações entre os moradores para a reorga-
nizaçâo de associações de moradores, contando-se com a formação política de
alguns habitantes, remanescentes da associação de moradores que existira ante-
riormente, durante a primeira metade dos anos 1960, e com a participação dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
grupos jovens da Igreja Católica e de partidos políticos que se articulavam no
- 128 -
período de redemocratização política. Assim, entre os anos 1980/81, os morado-
res buscam financiamentos para a reforma da escola estadual, começam a orga-
nizar mutirões para aterro de valões, limpeza das ruas ( em algumas delas o
mato estava tão alto que mal podia-se ver o arruamento), constroem uma ponte
de concreto sobre o riacho que passa na área.
No início dos anos 1980, também através da iniciativa de associações
de moradores, as ruas começam a ser iluminadas.
As ligações de água da rede estadual só começaram a chegar em fins
dos anos 1980, expandindo-se lentamente de trecho a trecho, notadamente nos
períodos eleitorais.
Na segunda metade dos anos 1980 foi instalado o Posto de Saúde Ro-
sa dos Ventos na sede da Associação de Moradores de Vista Alegre. A então
coordenadora do posto, administrado por verbas conveniadas pela Cá ritas Dioce-
sana, é filha de uma das primeiras famílias habitantes do loteamento. O Posto
atualmente é mantido pelo Sistema Unificado de Saúde e dado sua importãncia
para a população da área e recursos que mobiliza, é disputado pelas lideranças
locais.
A demanda por infra-estrutura cna um mercado político. Ao longo do
trabalho de campo pude observar que, em períodos eleitorais, surgiam pequenas
obras públicas, como por exemplo, o prolongamento da rede de água até uma
determinada rua. Não apenas a política c1ientelista tem um motor nas ausências
de equipamentos urbanos, mas também as asssociaçôes de moradores, em suas
lutas, cnam lideranças políticas.
A política não está distante desta população. Nas eleições, costumam
colocar cartazes de seus candidatos nas janelas e nos postes. Várias pessoas que
conheci tinham aspirações políticas, quando não para si próprios, para seus fi-
lhos. Em que pese a rede através da qual aproximei-me do bairro, ou seja, atra-
- 129 -
vés da associação de moradores, é entretanto muito alta a concentração "por
metro quadrado" de pessoas que militam ou militaram politicamente, sendo uma
das formas mais comuns de ascensão social e prestígio.
A absorção de estilos de vida mais urbanos, com maior apelo ao con-
sumo, maiores trocas e comparações com centros como Rio de Janeiro, além
das disputas políticas, em nada distantes dessa população, reforçam antagonismos
e rivalidades (32).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
Um bairro popular é um bairro recoberto pelas relações de parentesco.
Mesmo para aqueles que deixaram seus estados de origem , essas relações são
reconstituídas, na medida em que, como já foi assinalado, a própria migração se
dá através de redes de parentesco.
DUARTE (1986) indica como estas relações incorporam o membro de
uma família através de relações de complementariedade e reciprocidade, e não
pela presença de um sobrenome (DUARTE,1986:203). Cotidianas, as relações
com a família extensa também são feitas através do lote, da casa.
Ao crescerem e constituirem sua própria família os filhos vão morarzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nos fundos, no quintal. Na ocasião dos noivados é ritualística a oferta da possibi-
lidade de construção da casa da nova família que irá se formar, no terreno dis-
ponível, seja por parte da parentela do noivo ou da noiva. Embora também te-
nha verificado a ênfase na matrilocalidade, esta entretanto é nuançada pela
maior ênfase na endogamia local, e assim, os noivos irão construir onde de fato
haja essa possibilidade, seja no terreno dos pais da noiva ou do noivo.
A importância da escolaridade, do estudo, assinalada em diferentes pes-
quisas sobre trabalhadores urbanos, denota a meu ver, aspectos desta relação
130 -
com o novo universo que é construído. Não apenas sob o ponto de vista da as-
censão social, mas porque a escola é a instituição em que, acredita-se, os filhos
poderão obter os conhecimentos necessários para esse mundo diferente, descontí-
nuo em relação à infância daqueles que chegaram aos loteamentos. No período
das inscrições para matrícula na escola estadual, as filas são feitas na madrugada
e mesmo famílias de bandidos, aparentemente desvinculados de algum compro-
misso social, matriculam seus filhos. O Colégio Estadual São Judas Tadeu tem
grande importância na socialização de jovens, formando turmas de amigos. Seus
professores são conhecidos por todos os jovens e mães da área.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
* * *
Uma professora da escola estadual contava certa vez:
"- É fogo, a gente vê esses meninos todos pequenos, e depois vem saberque eles estão nazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAbandidagem.
P: - E como é que é isso? Como é que eles se tornam bandidos?- A maioria se cria sozinho. As mães têm que trabalhar, a maior partesão domésticas, deixam os filhos mais novos com os mais velhos cuidando.Ou então, é a própria família mesmo. Uma vez. há alguns anos, pedi queeles escrevessem o que queriam ser quando crescessem, um deles respon-deu 'bandido.' Conversei com ele, quis saber como é que ele tinha pensa-do isso, aí ele me respondeu: 'o meu pai é bandido, o meu irmão é ban-dido, então eu também vou ser".
Este, sem dúvida, é um dos principais problemas desta população, ou
seja, a proximidade cotidiana com o crime, informando inclusive as práticas pos-
síveis de existência no cotidiano dos bairros. A atuação dos matadores pode fa-
zer de um vizinho que tenha aparecido na janela e assistido a um assassinato,
uma testemunha eliminada ou alguém que tenha a vida em perigo.
A escola e a igreja, notadamente as protestantes, são as instituições em
que pais e jovens confiam, como possibilidade de construção de redes de solida-
riedade e condutas cuja ética permita escapar deste drama.
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"- Por volta de dezembro de 1972, fui assaltada com meu filho mais novono colo. Estava ali no ponto do ônibus, estava escuro ainda, ia levar eleao médico. Durante esses anos, os anos 1970,0 lugar tinha muito assalto.Um vizinho chegou a ser assatado 9 vezes em um mês.Tenho uma filha que morreu aos 17 anos. Foi devido a um acidente, fa-zendo física no colégio teve sobreposíção da médula, fez vários tratamen-tos, teve que fazer drenagem, mas veio a falecer no Pedro Ernesto.Sabe, acho que ela talvez tenha ido por um chamado de Deus. com lágri-mas nos olhos cheguei a pedir a deus que, se fosse para minha filha en-vergonhar a família e a igreja, que o melhor era que a levasse. Minha fi-lha foi criada dentro da Igreja Assembléia de Deus e por isso não tinhaaquela "psicologia", não sabia diferenciar o certo do errado. Ela se envolviacom más companhias.Nos quinze anos dela, em 1976, enquanto a casa estava cheia de gente,ela não chegava. Tinha ido de tarde pagar uma conta de luz e só chegouàs 3 horas da manhã, com alguns rapazes. Perguntei a ela o que estavaacontecendo e os rapazes, armados, me disseram que eu não me preocu-passe, que eles estavam fazendo um "trabalho" na Dutra quando minha fi-lha chegou, mas que estava tudo bem. Perguntei à minha filha quem eramaqueles rapazes, ela disse-me que conhecia eles dos bailes e que estava tu-do bem".
"P:- Sebastiana, tenho percebido que muitos são os jovens que estão seconvertendo, ingressando nas igrejas protestantes, independentemente desuas famílias, por que será?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA- É que o jovem tem mais contato com o mundo que o adulto, que temque estar trabalhando, tem família, eles sabem como é que estão as coisasaí fora. Eu mesma, tenho um sobrinho que saiu pra ir a um baile, a al-guns anos, e está desaparecido até hoje." (Capixaba, originária de área defazendas de café, Sebastiana é membro da Igreja Assembléia de Deus.
No campo, não constatei nenhuma valoraçào positiva, mesmo situacio-
nalmente, como a verificada por ZALUAR (1985) em que o bandido, na medi-
da em que é "um dos nossos", é representado como defensor, protetor do
bairro.
ZALUAR, bem destaca as relações complexas entre trabalhadores e
bandidos, que não configuram uma oposição "rígida e absoluta ou que exista, no
plano das relações sociais, uma segregação claramente dernarcada, separando-os
completamente" (ZALUAR, 1985:132). O bandido é alguém próximo, no sentido
de ter família e cotidianos partilhados no bairro.
Além disso, o crime é uma das posições possíveis no espaço social,
uma conversão possível na trajetória de trabalhadores e assim não se trata de
- 132 -
-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um processo exógeno.
"- Outro dia eu estava passando lá na Curva da Morte [trecho de uma ruaem área considerada perigosa], me levaram pra uma festa lá naquelas ban-das, e aí eu encontrei uma porção deles, de ex-alunos, por alí. Eles mexe-ram comigo, ficaram contentes quando me viram :'Aí professorinha, tá per-dida por aqui?'" (Professora do Colégio estadual São Judas Tadeu, habitan-te de Austin).
Todavia, no caso em questão, não há valorações positivas, nem sequer
para se tentar demonstrar que, na medida em que o bandido pode ser "um dos
nossos", a realidade não seja tão violenta.
Este é um tipo de criminalidade que não congrega trabalhadores e
bandidos. Com exceção de áreas de trabalhadores pobres, de ocupação mais re-
cente, como por exemplo as favelas que começam a surgir nos anos 1980, azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Baixada, já desde fins dos anos 1960, VIve experiências de criminalidade diferen-
tes do que se indica, por exemplo, em relação aos morros cariocas.
Já há algumas décadas, o trabalhador deparou-se, com o cotidiano dos
assaltos e mortes, o que significa que não estavam protegidos. A própria escola
estadual foi assaltada por um bando da área. Um ex-comerciante da localidade
conta:
"- A partir de 1970 e 80 a criminalidade aumentou. Vendi minha loja porter sido assaltado, em uma delas levei uma coronhada na cabeça que medeixou com um caroço até hoje. Aí eu desisti, aluguei o ponto.P:- E quem são esses que assaltam?- São daí mesmo. Uns morrem, aparecem outros. Isso só vai acabar quan-do tiver pena de morte".
Em um tal contexto de anomia, a crença na pena de morte se traduz
na proliferação dos grupos de extermínio, que só fizeram agudizar os conflitos.
Esta é de fato uma experiência que amedronta e silencia. Fui levada a
um bar situado na casa de uma senhora que há alguns anos atrás promovia bai-
les de forró. "Por que acabaram?" perguntei ao informante que me acompanha-
va e que passou a estar presente em várias das entrevistas que fiz, me ajudan-
do, completando dados, ele próprio dialogando com os dados da pesquisa. Ele
- 133 -
respondeu que tinha havido "crime de morte por lá". Quando chegamos, VI que
o bar era cercado por barras de ferro e que seus proprietários atendiam pelo
lado de dentro. Contei que querIa conversar sobre o forró, saber como é que
era. O marido da mulher dirigiu-se ao interior da casa, para chamá-Ia, mas vol-
tou com a informação de que ela não estava.
Talvez, a "fronteira mítica" dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada realmente exista. Exista no coti-
diano destes trabalhadores, que a despeito de tantos signos que negam azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApôlis,
construíram uma cidade, um mundo em cuja esperança é a esperança nas coisas
cotidianas e familiares, que dão sentido à existência. Eles sabem que estão sós!
em sua experiência de classe, mas, magicamente, são ricos em esperança em si
próprios.
- 134 -
CONCLUSAOzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
''Aprendi que a verdade de uma situacão não se en-
contra através de uma observacão cotidiana, e sim
nessa destilacão paciente ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAfracionada (...) A explo-
ração é mais uma busca que um percurso (...) "zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(Lévi-Strauss - Tristes Trópicos)
Os loteamentos poderiam ser pensados através da crítica de Francisco
de Oliveira à acentuação do modelo de relações centro-periferia, segundo o qual
as questões do desenvolvimento do país seriam preferencialmente explicadas pe-
las relações externas. O autor ressalta que, antes de ser uma relação entre na-
ções, as transformações da economia brasileira se dão através da conjugação de
fatores internos, e só através deles é possível explicar esse processo com causali-
dades próprias (OLIVEIRA, 1972:7-9).
Assim também, a produção dos loteamentos urbanos em Nova Iguaçu e
a inserção desta área como uma periferia da metrópole, segundo o critério desi-
gual e segregador da distribuição espacial dos equipamentos urbanos (LOJIKINE,
1981:171), poderia ser pensada através das intermediações locais que tornaram
possível essa produção.
LOJIKINE (1981) aponta a necessidade deste tipo de análise, para
compreender como as políticas urbanas vêm a se concretizar, ou seja, pensá-Ias
não apenas sob o ponto de vista da atuação do Estado, mas também dos dife-
rentes agentes envolvidos.
Esta dissertação procurou mostrar como a produção de loteamentos e
o crescimento populacional favorecido por eles podem ocorrer sobre um espaço
- 135 -
anteriormente ocupado e propiciarem transformações sociais. Desse modo, o es-
tudo aqui desenvolvido trouxe indicações de que, no caso do distrito-sede de
Nova Iguaçu, os loteamentos concorreram para a desativaçào de uma produção
agrícola. Pode-se, também, pensar a existência de uma organização social ante-
rior aos loteamentos, que se faz perceber, entre outros dados, nos textos de me-
mória.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É possível refletir sobre a heterogeneidade social deste universo através
da história da ocupação do espaço e da presença de uma elite local historica-
mente constituída. É perceptível uma tradução política desta diferenciação quan-
do se registra a presença de candidatos a cargos eleitorais que têm como uma
de suas propriedades na disputa política o fato de serem- representados comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
iguaçuanos. Tal classificação, que se constitui implícita ou explicitamente em opo-
sição à população de migrantes, ou seja, à população que foi morar nos lotea-
mentos, ajuda a pensar que a produção destes aconteceu em uma prévia organi-
zação. A classificação migrante é utilizada pelas elites nativas para explicar as
transformações ocorridas, associadas ao crescimento populacional. Cumpre, entre-
tanto, lembrar que várias daquelas famílias consideradas iguaçuanas chegaram ao
município neste século, tendo sido migrantes em algum momento.
A heterogeneidade da periferia não se dá apenas sob () ponto de vista
de uma diferenciação entre as elites locais e a população dos loteamentos, mas
também no interior desta. Uma implicação profunda dos loteamentos foi o agru-
pamento de população de diferentes origens que tinha apenas nas relações de
parentesco através das quais foi feito o deslocamento, a possibilidade de parti-
lhar sua memória social.
O trabalho de campo feito em Austin fez pensar que as deficiências de
equipamentos urbanos se fizeram mais agudas a partir dos anos 1970. As descri-
ções levam a crer que até meados dos anos 1960 havia recursos naturais, como
- 136 -
córregos e árvores frutíferas de sítios ainda não ocupados, e baixa densidade de-
mográfica, o que parece ter possibilitado uma apropriação coletiva dos recursos
naturais do espaço e a formação de redes de solidariedade.
A partir dos anos 1970 a densidade populacional aumentou, assim co-
mo a criminalidade, com assaltos e assassinatos. Ao longo dos anos 1960 a po-
pulação total de Nova Iguaçu dobrou, passando de 359.364 para 727.140 habi-
tantes. Nesse período, registrou-se o decréscimo acentuado da população rural
do município enquanto a população urbana sofreu um crescimento inédito em
valores absolutos. Possivelmente exista uma articulação deste crescimento com o
aumento das demandas da população alojada nos loteamentos, já que as políti-
cas públicas não acompanharam esses Índices. Assim, por exemplo, na primeira
metade dos anos 1970 ocorrem várias revoltas de usuários dos trens da Rede
Ferroviária Federal, culminando com a depredação simultânea de nove estações,
em julho de 1975 (MOISÉS & MARTINEZ-ALIER, 1978:36).
Os equipamentos dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcidade não foram obtidos pelos habitantes doszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA10-
teamentos no ato da compra do lote. No trabalho de campo, observou-se que a
história da ocupação da área é contada em seus meandros pelos habitantes mais
antigos. As dificuldades encontradas por todos aqueles que se confrontaram com
as novas condições de habitação e as relações de solidariedade encontradas cole-
tivamente fazem parte dessas lembranças, como a idosa que era a parteira da
localidade e os mutirões para a capina das ruas. Do mesmo modo, lembram
com clareza da ausência de escolas e do grande número de crianças e idade es-
colar, além de jovens e adultos analfabetos, e do esforço das mulheres letradas
em ensinar o que sabiam, muitas vezes à luz de candeeiro. Lembram também
das caminhadas a pé até o centro de Austin, onde encontravam ônibus e trem
para locomoção para outras localidades. As mulheres que tinham filhos matricu-
lados nas escolas do centro de Austin revezavam-se, nessas caminhadas, a fim de
- 137 -
levarem seus filhos a escola. Lembram-se da dificuldade em fazer este trajeto
quando chovia, devido ao terreno barrento. Fazer um poço, no quintal da casa,
é um saber que quase todos os homens e rapazes dominam, a fim de que seja
obtida a água para a unidade doméstica.
Mas, além dos equipamentos, o próprio lote não foi uma aquisição ple-
namente adquirida através do pagamento das prestações. Vários loteamentos são
irregulares, ou seja, tiveram sua aprovação definitiva condicionada à vistoria de
técnicos da Prefeitura Municipal, que não era requisitada. O que os agentes
imobiliários obtinham era uma aprovação provisória ante a assinatura de um ter-
mo de compromisso, segundo o qual os quesitos necessários para a aprovação
seriam posteriormente efetuados podendo, só então, ser feito o registro no Car-
tório de Imóveis.
Como os quesitos necessários para obtenção dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAhabite-se não eram efe-
tuados e a vistoria não era requerida, vários dos loteamentos ficaram, assim, em
condição de irregularidade, sem que os compradores pudessem obter escrituras.
Esta situação começa a mudar através da mobilização social em torno da ques-
tão e da legislação. A Lei Federal 6766, de 1979, tornou possível que as Prefei-
turas regularizem loteamentos não autorizados ou efetuados em desacordo com
os termos da licença, a fim de defender os direitos dos adquirentes dos lotes
(LAGO, 1991:45). Recentemente, para viabilizar a regularização dos lotes irregu-
lares, o Código de Obras da Prefeitura de Nova Iguaçu tornou possível a regula-
rização individual do lote, bastando para isto que o adquirente deste requisite
uma vistoria do corpo técnico da Prefeitura, na qual não são avaliadas as condi-
ções do loteamento, sendo na verdade um instrumento que torna possível a re-
gularização da propriedade do lote.
Tudo se passou como se a oposição entre iguaçuanos e o pessoal de
fora tivesse tido no acesso à terra uma de suas traduções. Lembrando SIMMEL,
- 138 -
"the stranger is by his very nature no owner of land - land not only in the
physical sense but also metaphorical1y as a vital substance wich is fixed, if not in
space, then at least in an ideal position within the social environment"
(1971: 144).
Os loteamentos criaram uma imagem própria de cidade. Além de inú-
meras casaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAem construção, é possível ver, por exemplo, as extensões de terreno
sem cultivo, onde o capim cresce alto, esperando alguma construção. Faz pensar
a oposição feita por LÉVI-STRAUSS(1986) entre os terrenos baldios da Améri-
ca e a paisagem européia ordenada, em que os primeiros seriam fruto de uma
história de ocupação recente e predatória.
Todavia, o que aparentemente pode parecer caos, é também positivida-
de, possibilidade, para os moradores de um loteamento, de espaços a serem rea-
propriados. Os terrenos baldios servem também para o pasto do gado, para
brincadeira de crianças, jogos de futebol. Cabe pensar, portanto, no mundo que
se criou através dos loteamentos.
Desse modo, para que se possa fazer um exercício de comparação, po-
de-se refletir sobre a experiência do loteamento e autoconstrução como um tipo
de espaço para a habitação popular distinto da disciplina das vilas operárias.
LOPES (1988), estudando o caso do sistema fábrica-vila operária em Paulista
(PE), assinala :
"O estabelecimento de uma vila operária de 'pedra, cal e telha', e mais doque isto, a exigência, como regra geral - embora não cumprida totalmentena sua totalidade - de que todo operário que trabalha na fábrica more ne-cessariamente na vila operária, permite que o controle e a disciplina habi-tualmente exercidos sobre o produtor direto no sistema fabril, estenda-sede forma direta e eficiente sobre o mesmo produtor no domínio de suamoradia" (LOPES, 1988:164).
Assim, pode-se avaliar contrastivamente os loteamentos sob o ponto de
vista da autonomia que eles representam para os trabalhadores. Construir uma
casa e ter um terreno e assim poder habitar em um universo próprio é uma
- 139 -
questão presente em todo o esforço da compra do lote e auto construção da ca-
sa, para os trabalhadores. Não seria apenas uma razão econômica, mas o que
parece estar presente na autocostrução é, além da possibilidade de ter um espa-
ço doméstico organizado segundo seus próprios princípios, a possibilidade de ha-
bitar um espaço socialmente apropriado segundo os critérios de uma cultura de
classe, pois não apenas azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcasa, mas também a rua, complementa a espacialidade
que constitui este universo.
A rua não é antagônica à casa, mas antes seria um espaço comple-
mentar a esta. Nesse sentido, a rua da área em que a casa está construída, não
é individualizante.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ um domínio de encontros onde vizinhos conversam, crianças
brincam, rapazes jogam futebol, moças conversam sobre namorados, constituindo
o espaço dozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlúdico.
MAGNANI (1984:139) descreve a rua de um bairro popular como um
espaço de reconhecimento público, onde todos da área são conhecidos.
ZALUAR(1985) também esteve atenta para esta espacialidade, assinalando que
a rua é o espaço onde se pode "travar extensos diálogos (...) que gostam de
chamar animadamente de 'trocas de idéias' " (ZALUAR, 1985:31).
Esta cultura de classe, que, como argumenta ZALUAR (1985:31), não
seria unívoca, nem " homogênea, completamente sistematizada" , e a autonomia
em relação à apropriação do espaço, faz com que, a terra nua e arruada pelos
loteamentos se constitua um território (RONCA YOLO, 1986), onde se constrói o
cotidiano de trabalhadores.
A idéia de territorialidade abrangeria dois aspectos: o da ligação a lu-
gares precisos "que pode ser o resultado de um longo investimento material e
espiritual" e, por outro lado em "princípios de organização que modelam o terri-
tório, mas que podem ser transferidos de um lugar para o outro"
(RONCAYOLO, 1986:271).
- 140 -
Este território, é modelado também nas relações que estão no limite
da própria sociedade, como os assassinatos, às vezes indiscriminados, que podem
vitimar transeuntes; vizinhos observadores não voluntários de um assassinato ou
assalto; jovens em suas idas aos bailes.
Uma manhã, deparei-me estarrecida com a notícia do assassinato de
uma família no bairro da Cacuia, onde havia estado no dia anterior, a fim de
entrevistar a proprietária de um bar onde teria existido um "forró" (situação
mencionada no capítulo IV). Foi a constatação de uma violência inegável, que
se faz presente, por exemplo, no batizado dado pelos moradores a uma rua:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Curva da Morte.
Contra a possibilidade de ingresso dos jovens na trajetória de bandidos,
duas instituições são tidas como importantes: a escola e a igreja, católica ou
protestante.
A crença na escola foi retratada por um compositor de Nova Iguaçu
em um samba de ritmo lento e triste:
"Mas como é lindover você tão pequeninocom seu corpo de meninocomeçando a florescernão vejo a horade levá-Io pra escolacarregando uma sacolacom merenda pra comer.
Só fico tristeem saber que vai crescere o seu corpo é quem padecepra poder sobreviverpois chega a horaque não dá prá interviro destino é quem decideo caminho que vai seguir" (Derley - "Você Menino")
- 141 -
Ouvir a memória social daqueles que viram os laranjais, e nos lote a-
mentos perguntar para aqueles que construíram a nova cidade: "qual é sua his-
tória?", "como fizeram seu bairro?", fez pensar em diferentes territorialidades.
Uma, dos grupos historicamente constituídos e politicamente consolidados que es-
tão ligados a uma idéia dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAmunicfpio, e sentem-se competentes para falar de
uma "história de Nova Iguaçu". E outra, presente entre aqueles que constroem o
seu espaço nas lutas cotidianas da construção dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAum bairro, ligada à idéia de
área, o lugar onde vivem e se relacionam parentes e vizinhos, e que seria um
espaço, geográfico e social, a ser apropriado, construído, pois não está dado por
nenhuma herança aparentemente natural.
Os loteamentos fizeram surgir uma nova cidade, construída pelos traba-
lhadores em seu cotidiano e em suas associações, muito distante daquela dos "la-
ranjais floridos", se não no tempo, certamente no espaço que foi transformado
pelas máquinas de terraplanagem.
- 142 -
NOTASzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1) Cf. BAROJA, Júlio Caro - Analisando a oposiçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAcampo-cidade no contexto
das culturas mediterrâneas, este autor indica a existência de um terceiro ter- \i II
mo nas teses clássicas, como por exemplo em Platão e Estrabão. Esse termo
evocaria um lugar anterior à própria organização social, habitados por seres
ciclópicos e mais primitivo que o campo,. O autor menciona a presença de
uma tal noção em diferentes povos da Europa meridional, entre eles os ha-
bitantes de uma área do País Basco, cujos camponeses, comparando-se aos
seres míticos que habitavam as montanhas, o "gentil", consideravam-se ho-
mens de sabedoria (1963:30).
2) Note-se a existência do Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu.
Fundado, em 1963, pelos professores Ruy Afrânio Peixoto, Ney Alberto de
Barros e Waldick Pereira (falecido), o Instituto possui acervo considerável,
fruto do esforço arquivológico e arqueológico de seus fundadores. Estes são
porta-vozes consagrados de uma história do município, sendo convidados pa-
ra palestras e desenvolvendo colunas em jornais e revistas locais a respeito
do tema.
Um revival histórico foi iniciado na segunda metade dos anos 1980, através
de alguns produtores culturais. Ocorreram, assim, excursões para visita a sí-
tios arqueológicos, um centro cultural promoveu palestras sobre "a história
de Nova Iguaçu", um artista plástico pintou e expôs uma série de quadros
retratando resquícios arquitetônicos de Iguaçu Velho. No mesmo período, o
Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural promoveu o levanta-
mento e o tombamento de bens artísticos, cuturais e ecológicos do município
quando, então, um político de bases eleitorais em Nova Iguaçu ocupava o
cargo de Vice-Governador do Estado do Rio.
3) Para uma extensa etnografia da rede, ver CASCUDO (1959).
4) Para este autor, tal noção não explicaria "realidades precisas", sendo muito
mais uma espécie de realidade pré-concebida, já dada. Tal crítica, parece-
me, deve ser entendida pelo fato de que o autor postula uma nova corrente
- 143 -
para a definição de região, presidida por princípios econômicos desenvolvi-
mentistas.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
5) No trabalho citado, Renato da Silveira Mendes indica as dificuldades de de-
marcação das sub-regiões dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada Fluminense segundo princípios fisiográfi-
coso A divisão regional levando em conta apenas caracteres naturais seria,
para o autor, muitas vezes restrita, fugindo á realidade. Dever-se-ia conside-
rar nos estudos geográficos "a noção de região ou 'país' (existente) na mente
dos moradores de uma determinada área( ...)". De qualquer modo, embora
levando em conta essas considerações para a divisão das sub-regióes da Bai-
xada, o autor conceituará essa região mais ampla segundo critérios fisiográfi-
cosozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
6)zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ importante lembrar a continuidade histórica de obras e de um discurso
"saneador" em relação à Baixada, presentes desde o Império, quando a ma-
lária e a cólera faziam com que surgisse uma oposição, ainda hoje operante
para os habitantes de Petrópolis, entre a serra e a baixada, ou seja, entre a
cidade serrana que abrigava a Corte dos perigos da epidemias, e a planície
pantanosa logo abaixo. (ou) com seus perigos.
7) Entrevistando posseiros do primeiro movimento de ocupação de Pedra Lisa,
Nova Iguaçu, um deles contava-me que ao chegar na área em meados dos
anos 1930, explorava a tabebuia para a confecção e venda de tamancos.
8) Segundo PEREIRA, no ano de 1958 um percentual de 66,4 do valor da
produção industrial brasileira concentrava-se no eixo Rio-São Paulo (1970:
129-136).
9) Tal ritmo desacelerou-se, conforme a tendência nacional, no decênio seguin-
te: 3,3% ao ano no Estado do Rio e 2,7% no Brasil. Durante o decênio
1950-60 a taxa brasileira geométrica de crescimento anual foi 3,2% (IDEG,
1972:26).
10) Para uma análise da trajetória e formação política das lideranças campone-
sas envolvidas nesses conflitos, bem como das articulações de demais lideran-
ças políticas envolvidas, ver GRYNSZPAN (1987).
- 144 -
11) Sobre a noção dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAlugar notadamente no contexto das cidades, há um suges-
tivo ensaio de BRIGGS (1972) em que o autor aborda as cidades sob a
perspectiva destas serem "coleções de lugares, bem como lugares em si mes-
mas", considerando os lugares enquanto "domínios étnicos", tradução espacial
de diferenças sociais constituídas historicamente.
12) Surgem matérias com títulos como os seguintes:"Baixada teambém é cultura",
"Terra do pagode e do samba, a Baixada Fluminense também é fértil em poe-
sia, teatro e artes plásticas", ''A Baixada é linda", "Banda para inglês ver: este é
o Lumiar, o grupo da Baixada Fluminense que tocou na BBC de Londres".
13) Sobre este aspecto ver WILLIAMS (1989), especialmente capítulo XVI, do
qual retirei a idéia de comunidade cognoscfvel. Segundo ele, a ficção inglesa
que retrata o campo tem a concepção de que a comunidade rural seria
"transparente", de relacionamentos diretos e inteiramente conhecida, quando
na verdade o que haveria "na literatura rural não [seria] apenas a realidade
da comunidade rural: é também a posição do observador nela e em relação
a ela" (:229). Tal suposto não estaria apenas na literatura, sendo mesmo
uma idéia convencional, de ampla difusão.
14) No ano de 1988, a soma dos eleitores inscritos em Nova Iguaçu, Duque de
Caxias, São João de Meriti e Nilópolis correspondia a 1.341.289 (CIDE,
1988:170 e 173).
15) Para uma análise das visões que retratam a economia da Baixada Fluminen- \
se como decadente no período de transição entre os séculos XIX e XX ver,
por exemplo, GEIGERzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA& MESQUITA (1956), LIMA SOBRINHO (1968) e
GRYNSZPAN (1987).
16) As versões locais apresentam as epidemias como se estivessem restritas à re-
gião alagadiça, mais próxima à baía de Guanabara. Entretanto, elas estavam
presentes em toda a baixada em torno da baía. Também a cidade do Rio
de Janeiro vivia em condições insalubres em fins do século XIX, verificando-
se surtos epidêmicos de varíola e febre amarela na última década do século,
associando-se às costumeiras presenças da tuberculose e malária (CARVA-
- 145 -
LHO,1991:19).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
17) Até 1938 o distrito de Nova Iguaçu incluia a área dos atuais distritos de
Belford Roxo e Mesquita.
18) Em Nicanor Gonçalves Pereira pode-se encontrar urna descrição da festa e
da procissão de Santo Antônio nesse período:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(...)Em suma: tudo era festa regional, que, pela manhã, tinha salva de 21 ti-ros, repicar dos sinos, foguetes durante a procissão e os romeiros que vi-nham dos pontos mais afastados do centro da cidade sobre o lombo de ca-valos, em carros de boi ou mesmo a pé. Era comum nesses dias de festaa Central do Brasil colocar à disposição dos festeiros trens especiais ru-mando do Rio de Janeiro a Queimados até às 23 horas" (PEREIRA,1982:27-28).
19) Os autores trabalham com a concepção mars ampla dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBABaixada Fluminense,
tal corno a empregada por MENDES (1950), definindo-a como a "região do
estado do Rio situada entre as encostas da Serra do Mar e o oceano", ocu-
pando "metade da área do estado do Rio, cerca de 17.000 quilômetros qua-
drados" (GEIGER & MESQUITA, 1956: 5 e 7).
20) Doença do laranjal. Anastrepha fraterculus (GEIGER & MESQUITA,
1956:103).
21) Segundo a divisão regional promovida em 1945 pelo Conselho Nacional de
Geografia, a Baixada da Guanabara corresponderia a urna subdivisão de
uma sub-região do estado do Rio, a Baixada Centro Litorânea ou "Baixada"
(corno seria popularmente conhecida). Esta unidade geo-econômica (ou área)
seria composta por municípios limítrofes à Baía da Guanabara : Duque de
Caxias, Itaboraí, Magé, Niterói, São Gonçalo, Cachoeiras de Macacu e Nova
Iguaçu.
22) Em MENDES (1950), encontra-se urna descrição das casas de morador en-
contradas por esse autor nos laranjais de Nova Iguaçu, que em muito se as-
semelha a habitações que podem ainda ser encontradas entre os loteamen-
tos, nesse município:
"As casas são na maior parte construídas de tijolos, caiadas de branco,
- 146 -
com portas, janelas e batentes pintados de azul; nos telhados predominamas telhas de tipo francês.( ...). Constam de poucas peças; um a dois cômo-dos, além da cozinha. Um traço que dá uma certa uniformidade a esas ha-bitações é a disposição do telhado em duas águas, sendo que a parte pos-terior na maioria se prolonga numa espécie de 8puxado' que é destinado ã
cozinha. Ás vezes esses 'puxado' fica ao lado, quando o terreno não permi-te o prolongamento para a parte posterior." (MENDES, 1950:107).
23) Houve menção de que ele teria atuado comozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAgrileiro. Sobre esta categoria
no contexto da Baixada ver GRYNSZPAN (1987:74-77).
24) Pedro Geiger apresenta com espanto essa percentagem (GEIGER, 1952:101)
e, de fato, foi a que encontrei nos relatos dos chacreiros entrevistados.
25) Para uma análise da transformação de terra e trabalho em mercadorias, no
processo de constituição do capitalismo, ver POLANYI (1980).
26) WILLIAMS (1989), ao abordar interpretações nostálgicas de campo, mostra
que elas também estão presentes em várias das explicações sobre os cerca-
mentos ingleses, e a análise que desenvolveu sobre este aspecto lança luz
sobre a questão da transformação de chácaras em loteamentos. Segundo o
autor:
"Em certo sentido a questão dos cercamentos, situados no período específi-co de eclosão da Revolução Industrial, pode ter o efeito de desviar nossaatenção da verdadeira história e tornar-se um elemento de uma visão míti-ca muito sedutora da Inglaterra moderna, segundo a qual a transição dasociedade rural para a industrial é encarada como uma espécie de deca-dência, a verdadeira causa e origem dos nossos problemas e convulsões so-ciais.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ imensa a importância deste mito para o pensamento social moder-no. É uma das fontes principais daquela estrutura de sentimentos que co-meçamos por examinar: um perpétuo recuo a uma sociedade "orgânica" ou"natural". Mas é também uma fonte importante daquela última ilusão pro-tetora da crise de nossa época: a idéia de que não é o capitalismo quenos está prejudicando, e sim o sistema mais visível e mais facilmente isolá-vel do industrialismo urbano." (WILLIAMS, 1989:137).
27) A compra do lote é de importância crucial na trajetória dos trabalhadores
entrevistados. Com facilidade lembram-se do nome e local da firma loteado-
ra, do preço das prestações e quantas eram.
28) Em 1970 apenas 35% dos domicílios do município encontravam-se abasteci-
dos pela rede pública de água, passando para 43% em 1980. Nesse mesmo
- 147 -
ano apenas 33,13% dos domicílios estavam ligados à rede de esgotos, en-
quanto 43,49% utilizavam fossas sépticas, o restante utilizavam fossas rudi-
mentares ou "outros escoadouros" (LOPES, 1988:9).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
29) Note-se que esse crescimento ocorre nas cidades como um todo, não apenas
nas capitais. No decênio 1970-80 é que o número de pequenas cidades di-
minuirá e se verificará crescimento das áreas metropolitanas.
30) DURHAN (1978), menciona esse tipo de contratação de mão-de-obra.
31) A falta de uma rede hospitalar que possa atender à população provoca uma
distorção em relação a dados como este. Várias mães têm que recorrer a
hospitais públicos do Rio de Janeiro a fim de dar à luz.
32) BOURDIEU & SAY AD (1962: 136-137), assinalam a especificidade da soli-
dariedade fundada sobre a "urgência da situação" em comparação à solida-
riedade camponesa, fundada nas relações com a terra. Os autores também
assinalam, dentro do contexto dos reagrupamentos argelinos, o surgimento de
antagonismos e acirramento de disputas, na medida em que os camponeses
estão confrontados com uma nova ordem econômica .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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ANEXOSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
TABELAS
- TABELA 1 - Evolução da população de Nova Iguaçu (1892-1980).
Observação: Em 1950, Nilópolis, São João de Meriti e Duque de Caxias estavam
emancipados de Nova Iguaçu.
- TABELA 2 - Área loteada, número de lotes e lote médio dos loteamentos re-
gistrados nas Prefeituras de Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, São Gon-
çalo e São João de Meriti. Valores acumulados: 1937, 1950, 1955 e 1977.
Fonte: BELOCH, 1980.
MAPAS
- MAPA 1 - Território administrativo de Nova Iguaçu em 1933.
- MAPA 2 - Atual território administrativo do município.
Observação: Esta configuação será modificada em novembro de 1992, quando os
atuais distritos de Belford Roxo, Queimados e Japeri estarão efetivamente eman-
cipados através da eleição dos representantes das respectivas Câmaras Municipais
e Prefeitos.
DOCUMENTOS
- DOCUMENTO 1 - Cópia de requerimento solicitando aprovação de loteamen-
tos à Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu no ano de 1954.
- DOCUMENTO 2 - Quesitos necessários, em 1954, para aceitação de lotea-
mentos em zona rural. A listagem encontrava-se anexada em processo de pedido
de aprovação de loteamento em Austin.
- 160
•zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAMATÉRIAS DE JORNAL
••
- O Dia
- Jornal do Brasil
ILUSTRAÇÕES
- Rótulo de caixa de laranja.
- Fotos do centro de Nova Iguaçu no período do cultivo da laranja.
- Fotos do loteamento Vista Alegre, Austin :
Na rua, a liga de cimento preparada para a continuidade de obras em uma
casa.
Fachada do Posto de Saúde Rosa dos Ventos.
Crianças e mulheres aguardando o atendimento no Posto de Saúde.
Fachada da Escola Estadual São Judas Tadeu.
Professora da Escola Estadual São Judas Tadeu em um momento de descanso.
Campo de futebol.
Vendinha instalada pelo proprietário da residência na parte térrea de sua
habitação.
Parentes conversando no quintal de casa. O idoso é bisavô das crianças e a
mulher, sua nora, é avó.
- 161 -
tabela 1:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
População Urbana População Rural PopulaçãoAno Total
Absol. % Absol. %
1892 24.2261920 33.396
1940 140.6061950 77.783 53,40 67.866 46,60 145.649
1960 257.516 71,66 101.848 28,34 359.3641970 724.326 99,61 2.814 0,39 727.140
1980 1.091.865 99,73 2.940 0,27 1.094.789
~UUC1PIOSzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tabela 2:
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PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇUDIVISÃO DE ENGENHAHII\
\ ''---.....
CONDIÇÕES PARA ACEITAÇAO DOS ARRUA~mNTOS E l.OTEA:-'lE>:TOS
EM ZONA RURAL,
fI!\:
1·0 - Abertura e abaulamento das ruas com as respectivas sarg ctas, li,lJIeiO i'dlullJ cscoumcn-
to ás aguas, obedecendo aos greJcs constantes do projeto, lic.mdo l.cru deter minados as
caixas de ruas c passeios.
2.0 - ldanillldmcnto em todos os cruzamentos ou embocaduras de 1LLI', I!~I ;1111,,;1, em qual-
quer travessia onde houver tcndencia a escoamento de ~gUJ,.
3.0 Construção de todas as obras de arte que se fizerem lIC((5';III;;'.
4.0 - Destocameruo nas ruas projetadas c: nas faixas de recuo da,; C:Hllllc-, que interessem
ao lotearnento em apreço,
5.° - Conservar o mesmo nivel entre os dois alinhamentos de rUJ, [1;1', Il'LI', c, a cr nvenicn-
te sublevação nas curvas. r,
6.0 - Promover livre curso ás aguas nascentes c pluviais, afim lic n'i,,;; " 'LI: c,l;::;lla-;J,"r'
~ "l : - Os serviços estarão completamente acabado no prazo de pru, l>
solicitado.
-------------- -~/(Oracy! Souza d,l ClilYUr,,)
Eng. Chef e J,( D, 1-.
~= ..,...,
Chacina em Austin: 3
enforcados e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1 baleado zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
!\OVA IGUAÇC: - Três pes-soas foram estranguladas e outramorta a uro ontem, pela manhana casa 3 da Estrada das Pedrci-ras. bairro da Cacuia, em Aus-zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAun, Nova Icua;u. Apenas un:menino de CInCO anos escapouda chacina aue foi praticada 'porquatro homem. tres negros e umbranco, que fugiram num Che-vette branco, placa não anotada,levando um televisor a cores,um videocassete e um aparelhode som.
Os assassinos chegaram pou-co antes das 10h, arrombando aoorta da sala e rendendo seusocupantes. Depois de prenderemo garoto F, F. M .. de cinco
anos, no banheiro, eles estran-gulararn sua mãe. Fátima Fe li-zardo de MeIo. 20 anos. comum fio de ferro de passar. "13m·bem com um fio, eles estrancu-lararn o avô do menor. Jo~,'Mello. e o empregado deste. un:homem negro. identificado apc-nas como Wilson, de aproxima-damente 35 anos.
O último a morrer, segundoapuraram os policiais, foi OsniJorge Magalhães de Sá. 28 anos.marido de Fátima. proprietáriode uma padaria na Rua Turiaçu.em Rodilândia. na Cacuia. ondejá havia trabalhado de manhã.Ele chegou em seu Chevette.
placa QF 6:;-71, li """"lêU":;:':,estacionado er.' :~::':.J, ,· 'L..Sem descnnn..r c:,' :.,',: .. , c r.tr,n,pela cozinn ci , ,-,': '-~:;ilu·,~
tazer. Lace) 2,' cn:: ..; ri., ,beu um ur» r:.. ..
Segunoo ~ -"'li .rn ror .:LUIS de Sa. _'.' an: (J"f11 n~l'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAtinha inimicos e nUII;:;l 'l' l'n\;\!-
veu em nesocr«- ilic uo-. Ll ••contou que Osni tr:,bJlnau tam-bém com vendas ele- (arCO'; U'CI-
dos. Na garaccrn l •.. Clisa havi.;
um outro carro d"'l, l' :'",c OL-5890, placa do k i. i'lIli.:illS d.:
55' DF (QUCIl:I,lv'" "~:':':::,I'"porém. que o crtrn.. l'\:::d ilf:a,;.'a vingança
6 o Cidade o sábado, 27/5/89zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAII
JORNAL DO BRASIL
Baixada rima coração com 'tresoitão'zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"Quem quer trocar um craFO branco pelo meu canluioUma dúli« amarela na minha escopetn
..E um buquê de rosa no meu tresoitão"'{C1áudio Joaquim Correia. orerúri". morador em Belford Roxo)
A idéia, depois do pn1cL''is(\ de rvoduçào. é 'conseguir gravadora que C{I!(lqUC (l diSCO naslojas. "Se isso não acontecer. eu mcsn:« banco",garantiu o comerciante. O produtor Tuninho.que já trabalhou com cautorr« da ~II'B. estáconfiante no sucesso do cmprrcndimcnto. princi-palmente por ser o rcspons.ivcl pela coleta dasmúsicas nos lugares onde n\ compo-itorcs seinspiram. "A gente (em que Ir munido de !!Ia\a-
dor e fitas para nâo perder li .iporuuudadc decolher as poesias em estado bruto ", explica."Nâo é por eu ser daqui. mas l' dCI1l:li", i'isn aqui éum caldeirão de sensiblida.lc" di! Tuninho. 11<.1"-
cido c criado em São Joâo de f\lcriti. P,lrazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAele, J
Baixada tem cultura própria. onde n extremosofrimento convive com uma alq,!1 ia de \ ivcr in-terna muito grande. "Isso, p.ua num, é limagrande sabedoria".
Quem não se lembra de "r úgua do mar Ô, émaré cheia Ô, areia Ô, areia ... ". sucesso em todo oBrasil pela voz da !!Ilcrrcira Clara Nuncs? Poisesse samba foi feito por Romihlo Sou,a Bastos.ou simplesmente Romildo, e Tunho, que também
compôs Flor misteriosa, CIIÍC'ac violú», gravadas
por Elizeth Cardoso, entre outros. "A ll.iix.rda é
o meu torrão Vim saber o que era cheiro aqui,Catinga eu já sabia", diz l{lIltlildo. qUl' H'j\) dePcrnarnbuco num dm ultim.« !,au'i dr ;IT;II,t. rlembra de Jackson do 1\\lltkllI1. Liunlutinh.r t- (l
cIlldcli"ta Azulâo.
Corno Romildo, de (;111!11<" <u.rv-o-. !1];I~ denome cnnhecidll arell;l" na- I(,,! I', dt' \.I'lib.1 (' de1',lJlidt) ,11111. R.l'lJ11I.' d.r P;n.Ii!\1 1.1I1'h' ... ·1 l' (11('111
.h- t.lkll111. llc se ir:tlllll.l R ".I'Il' d,\ 1'.lr ub.r.pt'l'td el':I!1Udllr tIL- 111ell)Ik h-u I. l' !l'\·I.1 h I tu.ude ~() ano- em r-.kSqllllil.. \ l/j, I: 01(, ,,1:111',1 !'l'!'l
numero de bares. hinh(,l\ c J"t,r I, Inl·l~·ll1l'nl.llh;
por pequenos grupos nos fin-, de sem.tua "t\ll
meio da violência a arte resiste IJrtlla. r como avida. Resiste à fome, à miséria, A arte é ClH110
uma criança, e o sorriso de Deus", desabafa, emtom de poesia, Daniel Roque do Nascimento. 43anos, com saudade de Sapé, sua cidadezinha nointerior da Paraiba, "A Baixada é Nordeste. éBrasil. c existe, existe mesmo", enfatiza Roque.
Ti m LOjJ"'<
o som da Baixada Hurnincnsc náo é apenas oestampido de revólveres e cscopctas N;10 é dehoje que muitos cantores, como a inesquecivelClara Nunes, Bcth Carvalho, J divina Hi/cth
"Cardoso, Roberto Ribeiro, João No!!ueira e AI·.cione, entre outros, percorrem ('IS botequins, as
biroscas 011 visitam compositores n;IS SlI;lS casas,• participando de batuque, em fundos de quintal.;'onde queixas e sofrimentos se tran-Iorm.un em: versos. Para o cantor Hczerra da Silv«, o maior;divulgador desses poetas do cotidiano. a Baixada:e o "quartel-general do samba", onde os cornpo-:'mtores que ganham a vida corno operários. ser-.vcntes, balconistas. aposentados e biscntciros ra·um verso" "cantando o que não podem dizer fa-lando".
Para confirmar que a Baixada faz samba tam-.bérn, com uma vitalidade única no Rio de hoje. o. produtor e arranjado r luninho Galante. Pauli-nho Bel King, Roberto Lara e Evandro de Limaselecionaram 10 músicas entre as 200 inscritas eenviadas para o Bar Terra Vibra. em Nova lgua-ÇtL Gente COl110 Nelson Sargento, o partidciroAniceto, João do Vale. Romildo, Roque da Pa-raiba, Sérgio Fonseca. Edson Show ou l.uisGrande íazcm parte de um disco a ser produzidopela Tuninho Gnlanic Produções. () comerciantePedro Paulo Mariin«, morador em '\io\'a IgU;IÇU,
vai drsl'lllhnklr ~1f)rn\illl;ldall1l'l1te \( ';S ~(l mil
pai;! ~I 1'1(ldu~',111 ",\ B,li\ad.\ !l,i,) 1l'1ll <.,(.) cri-me. 'I cm culuu.r. 11.'111rl\I,It,;,il'. l' m 111·11111;1 c 1('111
gente. t'ilq~;1 dtO f!lt·\..I'lll"l'll(1" di,' I'!tli". U1l1
apaiwll:tdll 1'['1(1 '.,11111\1(PIL' ILt',l't' "I('ri,
EI1I0U:.\I1dll dd~(/I1I"(/ (' O 1\(1111(,' d\l dr-ro quecomeçou a ser produ/ido em U111 evtudio de La-ranjeiras. na Zona Sul do Rio. A aprcscutaçào dodisco ficará por conta do intelectual AnióuioFraga, morador em Queimados, também na Bai-xada, autor do antólogico livro O dcsabrig», es-
:Crito só em girias, publicado em 1943 e objeto de- pesquisa nas aulas de português do filólogo Celso- Cunha, recentemente falecido.
~.--~
Baixada(Édson Show-Wilsinho Sarava)
~ "ocr precisa conhecer
Minh:1.juriçdlçJo~j prestando arcnção
LUf!.1rque ocupa um pedaçoDo meu coração. do meu coraçãoMas infelizmente tem fama de barra pesadaI~.'i(1 tudo é intriga da oposiçãoE muita mentira e com'asa fiadaEu explico por quêO melhor fugar para morar e na minha BeixedsPodes crer.4 Baitada começa em OlindaOnde tem o Csbrsl e o Portugal Pequeno,'h1ápolis da Beira-florOnde o ssmbs é agasalhoPrs quslcucr sc.reno
Pussundo por Edson PassesSe ari5t;J a Cbatube. o wdá de Mesquitalu-cclino K, O!l?C Corei: c Novs tgueçu(lI/C é lima !lt1r tio botnte\I{l/TO Arlldt\ Oucim.uk» e AlN,'/J
( ~\li,i.:Uc/Cout!l c Ltpcri()I!u S.i,l\!;/{cllse l· i1JJl>C".II.//?d/;'râ R,'\I'. ldef7/ e !1.r;ll':Jm,h!
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I: .s oJJdt' mal/Clril dl: lt.seuei4rCla Brsnc«, Banco de Are/<J.\"crém. Ssnt: Rifa e t.unbém Totnsrintio
l'ila Norma, Augustinho Porto
Olha Vilar dos Tclcs e Rocha SobrinhoSsrscutune. Magé e Cscuis, Campos EliseosPonto Chie e PiabctáTem também Vila Emil, Santa EliasE Lage e a linda paisagem de Tinguá( Domingo eu tô Iú)
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