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editorial A Revista Solo foi elaborada por alunos do 7º Semestre do Curso de Artes Visuais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo para a disciplina “Poéticas Contemporâneas: Linguagem da Performance” ministrada pela Prof.ª Juliana Moraes com o intuito de pensar reflexão e documentação dentro de uma linguagem tão efêmera como a performance. Os trabalhos aqui reunidos surgem de mundos particulares, onde cada artista vasculha sua memória e a compreensão do indivíduo de forma única, universos íntimos que reverberam na coletividade e vice-versa, refletem um caráter existencialista e por vezes, onírico. Nascem com movimento e resistência, da inexplicável necessidade de fazer, de alcançar algo que não se sabe, apenas se realiza, se investiga, com um gesto que se repete em toda a performance. A interação com elementos da natureza entrelaça as performances aqui apresentadas, que brotam, no solo, asfalto e areia, solitárias, de indivíduos que agem na solidão, fora do lugar comum se deslocam além do tempo, tendo a atemporalidade e o não-lugar como seu habitat natural.

índice

Sete, 2013 Sonia Costa p. 24

Migrar, 2013 Luiz Fernando Bueno p. 14

Carga, 2013 Elfi Nitze p. 6

Águas Passadas, 2013 Thainá Schulze p. 34

Carga, 2013 Elfi Nitze

A performance Carga constrói-se a partir da ideia do peso mental, onde não há consciência dos atos em si. Nascida no conceito da ligação entre mente e corpo, ela traz o pensamento de que qualquer problemática existente na mente cairá no corpo, caso não se resolva e vice-versa, ou seja, questões corporais também podem atuar sobre a mente. Busquei vivenciar este pensamento, andando de quatro, arrastando atrás de mim cabaças fechadas, ligadas por fios junto ao meu corpo. A cabaça em si traz simbologias contrárias, embora tenha uma aparência pesada possui muita leveza e seu visual que remete a algo velho e desgastado traz dentro de si sementes de procriação. Sua forma orgânica lembra órgãos internos do corpo, aquilo que trazemos escondido, algo que não quer se revelar. Na performance, intencionalmente, ignorei a relação com minha “carga”, destacando o problema do peso mental inconsciente. No mundo contemporâneo é comum que com o passar do tempo as pessoas carreguem cada vez mais tarefas e obrigações sociais, almejando sempre uma melhor posição na sociedade, independente do fato que isso aconteça voluntariamente ou não, raramente a pessoa consegue olhar pra trás para refletir se há necessidade de manter este comportamento. Andando de quatro e carregando atrás de mim as cabaças, proponho causar uma identificação no espectador estabelecendo uma relação com seus aspectos de animal domesticado, e neste sentido, demonstrar que somos escravizados por nossas próprias expectativas. Elfi Nitze

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sua carga, seu fardo por sonia costa

No centro de uma grande sala, está exposto no chão de forma circular, um cinto de couro alongado por fios de fibras de diferentes comprimentos que trazem cabaças de tamanhos variados presas a eles. Ao lado do cinto está uma cabaça em formato de cuia contendo água em seu interior. A composição que tem um tamanho aproximado de 3x2m resulta numa instalação instigante onde a natureza rudimentar das cabaças geralmente usadas como instrumentos musicais e utensílios aqui permanecem numa aura de mistério, não se revela a que veio. A performance Carga, 2013 apresentada por Elfi Nitze tem início quando a artista vestida com uma malha preta e justa ao seu corpo adentra a sala, ajoelha-se de costas para o cinto e o amarra em sua cintura, em seguida pendura a cabaça cheia de água em seu pescoço. A partir desse momento forma-se diante do espectador uma imagem de origem surrealista, a artista de quatro no chão, assume uma corporalidade animal e passa a caminhar para fora da sala, sempre de quatro, arrastando atrás de si os imensos fios carregados de cabaças, como se essas fossem a partir de agora sua carga, seu fardo. Caminhando como um quadrúpede Elfi Nitze percorre um trajeto que se inicia na sala 212 do edifício do Centro Universitário Belas Artes, como um animal de carga que carrega seu peso sem saber por que ou para quê, olhando fixo para o chão, impedida por sua condição animal de ter uma visão mais abrangente de tudo o que está a sua volta, vai lentamente pelo seu caminho carregando suas cabaças. Ao contrário das cenas que

temos na memória, dos animais de carga com seu caminhar silencioso onde só ouvimos o som de seus trotes, a artista provoca barulho, e muito barulho, durante todo o percurso os ruídos das cabaças chocando-se contra o chão ou contra si mesmas criam um som ensurdecedor, ao descer as escadarias do prédio, as cabaças ocas que trazem em seu interno apenas pequena semente, criam um caos sonoro que em muitos momentos nos remete a uma abundante cachoeira. É nessa composição, entre caos sonoro e cabaças que vão se emaranhando entre si que a performer “trota” tranquilamente, ora em movimento, ora parando para se refrescar com a água da cabaça que traz pendurada ao seu pescoço.

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Carga, 2013 demanda muita força física da artista que atinge um dos seus limites nas escadarias do edifício, ali é exigido o máximo do seu esforço físico, seu corpo precisa de equilíbrio para controlar a descida das cabaças e força para sustentar o conjunto das mesmas junto a si. Nesses instantes, carga e performer tornam-se unidade, um único volume projetando-se escada abaixo, pura corporalidade sonora. A artista segue seu trajeto até a saída principal do prédio e toma a rua causando estranhamento aos transeuntes que param para contemplar a ação finalizada assim que a performer entra no ateliê de cerâmica da unidade 13. Não é a primeira vez que Elfi Nitze apropria-se das cabaças para criar suas obras, em Te escuto, 2012 a artista cria para si um vestido com vários desses frutos aplicados nele e embalada pelos sons que saem dos atritos causados por eles executa uma delicada dança. As

cabaças já foram utilizadas também na confecção de indecifráveis objetos tridimensionais. Segundo a artista a escolha da cabaça como elemento principal dos trabalhos citados se deu graças a um imenso desejo seu em desvendar o conteúdo delas, exteriorizar o interno, outros fatores para essa preferência foram a organicidade de suas formas e suas possibilidades sonoras muito bem exploradas na performance alvo desse texto. Aqui, porém o desvendamento não acontece, as cabaças, com exceção daquela que a artista traz no pescoço continuam intocadas em seu íntimo, lacradas. Esse objeto é oferecido ao público como um enigma, um mistério que se revelado poderia responder a pergunta: o que essa mulher/animal carrega? Que carga é essa que ora parece pesada ora sugere leveza? Em alguns dos breves momentos em que a artista busca o descanso e refresca-se na água sua expressão é de contentamento, a ação é permeada por essa ambiguidade, de um lado peso, fardo e sacrifício, do outro, beleza, leveza e tranquilidade. Um contentamento de quem não se dá conta de sua sina, realiza a ação num automatismo, inconsciente de sua condição, como em Te escuto 2012 aqui vemos a ação pela ação aparentemente motivada apenas pelo desejo de si mesma. Não há relação entre a performer e sua carga, nenhum sinal de intimidade entre as mesmas, isso fortalece a incógnita, durante todo o trajeto as cabaças alternam a função de ser peso ou trazer frescor, porém nenhuma dessas condições importa para a artista que segue seu caminho indiferente a elas, deixando como rastros apenas espectadores em estados especulativos. Para Elfi Nitze sua performance “atende ao intuitivo, é uma obra aberta”, tanto que a própria artista não faz conclusões sobre ela, opta pelo silêncio.

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De acordo com Freud “o homem deve libertar sua mente da lógica imposta pelos padrões comportamentais e morais estabelecidos pela sociedade e dar vazão aos sonhos e as informações do inconsciente” é essa a proposta da artista para seu trabalho. O que o público tem a oportunidade de ver em Carga, 2013 são alguns dos princípios do movimento surrealista: ausência da lógica, adoção de uma realidade "maravilhosa" e liberdade de criação. Um inconsciente manifesto, outro espaço/tempo. Elfi Nitze presenteia o público com um enigma que ela mesma recusa-se a decifrar. Para Beuys, "A arte não está lá para fornecer o conhecimento de forma direta. A arte não está aí para ser entendida simplesmente, ou não teríamos necessidade de arte”. Ao acompanhar a artista puxando sua carga em seu exaustivo trajeto que por

vezes sugere um cortejo de penitência, um pagamento de promessa, o espectador fica livre para buscar possibilidades reflexivas ou simplesmente vivenciar um deleite estético, em qualquer uma das situações possivelmente Carga, 2013 o surpreenderá. Vídeo: http://vimeo.com/89311653

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Migrar, 2013 Luiz Fernando Bueno

A performance Migrar nasceu do sensível olhar sobre São Paulo e de olhos lacrimosos de ouvir Belchior, da imensa quantidade de pessoas que chegam ali todo dia imbuídas de sonhos, esperanças e em busca de progresso. Em tempos de fácil mobilidade, para se instaurar um sonho no plano real é necessário correr, ou melhor, caminhar contrariamente aos meios de transporte e pensar que nada pode me parar, um estado autônomo e consciente. O ideal paulistano também corre em minhas veias e o maravilhamento com sua grandiosidade começou na última viagem que fiz com meu pai aos 14 anos de idade, porém, moro até hoje em Nazaré Paulista, vivo na mesma casa há 25 anos e amo sua velhice de paredes carcomidas pelo tempo. Dessa ligação que brota o trabalho, ligar duas cidades com amor, levo a mala dos meus avôs cheia de terra da minha cidade, que embora carregue comigo essa terra, derrubo-a pouco a pouco pela estrada até chegar ao coração de São Paulo no Marco Zero, na Praça da Sé. A ação é ambígua e cria-se aqui uma suspensão, sem afirmar que migrar para São Paulo é algo bom ou ruim. Carregar peso e caminhar no interior é fato corriqueiro, é só olhar para os pés das pessoas e ver as rachaduras que aparecem nos calcanhares sobre “chinelos de dedo”. Esse trabalho fala dessas pessoas humildes e cheias de força para lutar, fala dos andarilhos, moradores de rua, nordestinos, sertanejos, caipiras, hippies, romeiros, caminheiros, devotos, ciganos, mundanos, pessoas que se atiram na estrada, conscientes de que podem sofrer, de que serão julgados, mas, que também encontrarão compaixão, aventura e que não deixarão sua utopia morrer. Aos sonhadores. Luiz Fernando Bueno

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terra do interior por luciano favaro

Deslocamento e identidade. Estas são questões que permeiam e se manifestam na poética de Luiz Fenando Bueno.

Desde trabalhos mais antigos, como Constituição do Corpo Latino Americano , objeto criado pelo artista que procura, através de placas de madeira móveis e sobrepostas sobre um eixo central, discutir a relação entre indivíduo e coletivo, em busca de reflexões sobre tais temas.

Sua trajetória artística, desde então, se expandiu de materializações pontuais sobre tais questões até o ponto em que o próprio autor funde-se à obra. Um exemplo desta passagem está na obra Estudos sobre o caminhar: 25 anos, por onde andei, quando Bueno produz calcogravuras utilizando, como matriz, placas de metal presas à sola de seu sapato e gravadas pelo atrito de seus passos no chão. Assim, sua presença corporal revela-se tão relevante quanto a própria obra.

Migrar, seu último trabalho, compreende mais um avanço neste sentido. No trabalho, Luiz Fernando Bueno percorre o trajeto de sua casa, na cidade de Nazaré Paulista, no interior de São Paulo, até o marco zero da capital paulista, situada na Praça da Sé. Por todo o percurso, o artista deixa, de tempos em tempos, um punhado de sua terra natal pelos caminhos onde passa, até a chegada ao ponto final, quando descarrega o que sobrou de terra previamente armazenada

em uma mala de viagens. O deslocamento é registrado em vídeo, pelo próprio artista e por pessoas que o acompanharam por algum momento da viagem de cinco dias, e exposto como registro juntamente com a mala e os objetos utilizados durante o trajeto. No entanto, é o caminhar, e principalmente o ato de deixar o punhado de terra de sua cidade por onde caminha, que detona a maior potencialidade de sua obra.

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Terra que se transforma em guia, como um rastro deixado para não se perder em caso de retorno. Terra como memória de uma raiz que se carrega por onde se vai, como a materialização de uma identidade que não se pode - ou não se quer - se apagada ou substituída. Não à toa, a terra que resta dentro da bagagem, ao fim do percurso, é despejada no marco zero da grande cidade, lugar onde muitos vão em busca de oportunidades, de uma nova história e uma nova vida. Dessa forma, o concreto frio da metrópole recebe a terra do interior, orgânica e fértil, como mostra de troca entre quem chega e quem espera. Há, neste ato, a intenção de uma mescla entre o futuro que se vislumbra e o passado que se abriga.

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Migrar carrega um caráter íntimo do artista, fato que não é negado ou escondido por Bueno. Ao contrário, utiliza objetos familiares para potencializar tal intimidade. Este aspecto se evidencia na escolha, uma antiga mala da família, que pertencia ao seu avô, para abrigar a terra que carregará na viagem, ou então ao levar consigo objetos de sua infância, como uma fotografia de seu pai, uma homenagem àquele que, tempos atrás, fazia o mesmo percurso, buscando na cidade grande a sorte de uma vida mais próspera. No entanto, o artista utiliza-se desta atmosfera como convite a um pensamento mais amplo, a uma reflexão abrangente sobre questões existenciais, mas também sobre um aspecto social e político do mundo que o cerca. Talvez esta seja a grande beleza de Migrar. A obra consegue, ao mesmo tempo, capturar o gesto particular e solitário dentro de um universo pessoal e, ainda assim, disparar questões universais sobre vida e sociedade. Um universo rico em poesia, sobre deslocamento e identidade. Vídeo: http://vimeo.com/89032645

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Sete, 2013 Sonia Costa

A existência humana, seus mistérios e comportamentos, sempre foram objetos de profunda contemplação para mim. Eu mesma mergulho nos cantos mais ocultos do meu ser, reviro minhas memórias, para emergir de lá com algo que até aquele momento me fora desconhecido, embora esse mergulho seja individual na maioria das vezes levanta questões inerentes a todos, de ordem do inconsciente ou consciente coletivo: dores, alegrias, estados de torpor, melancolia uma infinidade de sentimentos e percepções. Sete, 2013 é resultado desses mergulhos, na vídeo/Performance/instalação lanço mão da possibilidade de travestir-me com saias muito pesadas que me cobrem da cabeça aos pés, para evocar diferentes estados internos, emoções, imagens e símbolos. Espaço e tempo são objetos de discussão nesse trabalho, busco deslocamentos espaciais que saltam da natureza ao concreto, aliados a uma narrativa não convencional. A instalação criada a partir do resquício matérico utilizado na performance também joga com o atemporal, o objeto ali inerte no centro da instalação está simultaneamente em movimento no vídeo, assim remeto a obra a um espaço indefinido, aciono sua abertura e permito que o espectador decifre-a a seu bel prazer, deixando em suas mãos a possibilidade de conclui-la ou não. Sonia Costa

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fora do tempo por luiz fernando bueno

A obra “Sete, 2013” da artista Sonia Costa permeia as linguagens da performance, a audiovisual e a tridimensional, e tem como resultado uma instalação com seis saias confeccionadas a partir de cobertores do mesmo tipo que aqueles doados a moradores de rua e as saias estão arrumadas uma sobre a outra no centro da sala criando um volume escultórico. Embaixo das saias há 40 kg de terra escura espalhada um pouco além do fim das bordas das saias e sobre essa instalação caem dois focos de luz, um do lado esquerdo e outro do direito. Além disso, a 3 m de distância atrás das saias se encontra um vídeo sendo projetado em looping na parede que contém a artista performando em três lugares: Parque

Ibirapuera, Centro Histórico de São Paulo e Sala 2012 da Unidade 1 do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (Sala de Performance). No vídeo, Sonia Costa inicia sua performance pisando numa pilha de terra, pisadas que começam a virar giro e quase uma dança. Após ficar tonta ou atingir um estado entorpecido, a artista se abaixa e puxa para si através de um fio de nylon a primeira saia, ao seu redor estão espalhadas as outras. A artista veste a saia na cintura e recomeça as pisadas e giros. Logo, puxa mais uma saia e veste abaixo do seio, repete-se o giro, e puxa mais uma saia que agora vestirá acima do seio e gira novamente. A performance segue esse ritmo até a artista cobrir seu corpo dos pés a cabeça.

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A performance reflete uma transmutação, ao colocar as saias, a artista se transforma e cria imagens que sugerem ao público uma série de memórias visuais, que até mesmo subverte a ideia inicial do cobertor de morador de rua, embora a mesma ainda esteja presente, e nessas transmutações surgem em nosso imaginário associações com figuras masculinas e femininas, é a dançarina do jongo, é uma moça arrumada para a festa, é o morador de rua cobrindo até o rosto do frio, é o viajante com sua capa nas costas, é Obaluaiyé/Omulu o orixá com o corpo coberto de traje de palha, e tantos outros. O cobertor carrega consigo o urbano,

porém, as três situações que a artista insere a performance, na clareira de uma bananeira, no centro de São Paulo e num estúdio fechado, deixa essa característica matérica ambígua entre o rural e o urbano, traz consigo a ideia de ritual, de dança, do tribal, da cultura popular, num tempo atípico, fora do tempo, um acontecimento no universo do realismo fantástico, algo tipicamente brasileiro. Esteticamente a performance oferece uma plasticidade mediante a colocação das saias que vão revelando camadas e peso, texturas e acúmulo. A transmutação dispõe uma massa escultórica, que se modela através do movimento.

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A instalação com as saias e a terra no centro da sala dão o indício do fato, do instante anterior e o vídeo editado numa linha narrativa que hora mostra um único plano na tela e hora mostra vários da performance em diferentes lugares, gerando um contraste visual que instiga ainda mais a atemporalidade e o não-lugar. Sobre o título, “sete” é um número que dentre muitas crenças, cultos e filosofias tem diferentes significados e simbologias, mas, interessa a artista o nascimento e a morte, assunto que reverbera em sua poética na criação e destruição, é necessário construir para se destruir e a vida mundana é feita desse processo cíclico, e justamente o mesmo é que mantém o equilíbrio da vida, balanço de forças que também tornam os trabalhos de Sonia Costa, orgânicos e dinâmicos. A pesquisa de Sonia Costa envolve o mergulho na materialidade do espaço urbano arrancando dele questões de identidade, memória e existencialismo. “Sete, 2013” comporta também essas inquietações que aparecem em sua série “Em obras” produzida no período entre 2012 e 2013, que dentre os trabalhos que a compõe podemos citar “Cumeeira, 2012”, instalação que instaura a situação em que um objeto de forma esférica está preso suspenso por uma viga de ferro que sai de dentro do objeto e está amarrado com um cordão ao teto. O objeto esférico confeccionado com gesso e tecido está rompido na sua parte inferior de onde pendem tecidos e pedaços de gesso até o chão. No chão se encontra esparramado em círculo moldes de partes do corpo humano em cerâmica, tecidos, cascalhos de cimento e gesso. Medindo 3 X 3 X 1m e pesando18 kg, “Cumeeira, 2012”, assim como “Sete,

2013”, apresenta uma cena suspensa no tempo que coloca o espectador de encontro com sinais de um momento anterior, constrói-se o presente para falar do passado, daquilo que ocorreu. Em ambos os trabalhos revela-se o uso de materiais urbanos misturados a elementos naturais, seja a terra ou a cerâmica. Mesmo em “Cumeeira, 2012” existe o ato performático de quebrar o objeto esférico que dá origem a obra. Nascimento e morte criam a narrativa desses trabalhos de Sonia Costa, inquietações que caminham com a humanidade desde tempos e ainda encontram coerência na contemporanei-dade, num sensível olhar sobre a cidade, seus fragmentos e a memória que carrega, tudo aquilo identifica algo por uma impregnação simbólica, fruto da sociedade. A instalação “Sete, 2013” de Sonia Costa possui a potência necessária para abarcar o valor de sua performance, o rigor plástico de sua montagem e a visão subjetiva que às vezes aparece em seu vídeo constrói o fio condutor com o público que permite experimentar o processo da artista. Pensar os vestígios da performance e à sua frente assistir ao vídeo cria uma relação hermenêutica que supre o papel de ligar o acontecimento da performance ao objeto que foi usado para a mesma como um legitimador. Vídeo: http://vimeo.com/89766999

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Estas imagens constituem parte de uma série realizada a partir de frames capturados da vídeo-performance “Sete, 2013” e manipulados digitalmente.

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Águas Passadas, 2013 Thainá Schulze

Existem situações e questões em nossas vidas que damos por encerradas, mas que, quando menos esperamos, voltam à tona abalando nosso equilíbrio. São questões que de certa forma fazem parte da nossa história, das nossas origens, daquilo que somos e de onde viemos. O tema da performance "Águas Passadas" está diretamente associado à questões familiares e sentimentos antigos de angústia que, de alguma forma, teimam em reaparecer em momentos aleatórios da minha vida. Assim como a onda no mar, essas questões ora recuam, ora ressurgem com força. Trata-se de um ciclo sem fim, de algo que no fundo eu sei que estará presente por toda a minha vida. As raízes utilizadas na performance foram retiradas do jardim da casa onde cresci, e simbolizam problemas, situações e decisões que envolvem minha família e eu. A ação parte do desejo de solucioná-los, mesmo sabendo que por tempo indeterminado. A tentativa de enterrar minhas raízes se torna inútil a partir do momento em que a faço na beira do mar. A força das ondas retira da areia tudo aquilo que até então eu havia conseguido cobrir. É uma luta constante entre poder e querer, que nos faz refletir sobre nossos limites e superações. O que é a vida senão uma sequência de idas e vindas? Thainá Schulze

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idas e vindas por silvana abdal

A obra consiste em uma instalação numa pequena sala de 2 x 3 m, de paredes brancas e piso claro. Nessa sala, na parede à direita de quem entra, se dá a projeção na altura do chão, que está coberto de fina camada de areia branca da praia onde a artista nasceu, passa uma ação de performance gravada em vídeo. Nas imagens, a artista caminha, carregando raízes nas mãos, em direção ao mar. As raízes são de plantas da casa onde viveu, durante anos. Na altura onde as ondas se espraiam na areia ela se senta sobre os joelhos e, vestindo bermuda jeans e camiseta verde-musgo, tenta durante todo o tempo da ação enterrar as raízes que trouxe. As imagens foram produzidas com uma câmera de vídeo instalada em tripé e enterrada na areia o que aos poucos altera o centro do foco. O foco é fechado numa área pequena próxima ao corpo da artista. Há o som do mar e do vento. Numa sala pequena nos fundos da grande sala em que acontecem nossas aulas, está a instalação. O espaço expositivo pequeno e branco, embora tenha as luzes apagadas, recebe o clarão azulado da projeção do vídeo

criando um ambiente íntimo e despojado, no qual se entra e senta no chão, sozinho, dada sua pequena dimensão, para assistir as cenas do vídeo de 10 minutos mantido em looping. Sentado no chão a imagem invade o espectador tornando-o testemunha. A viagem começa pela areia da praia, presente, e o som do mar e do vento. Estou com a artista, partilhando o momento de reflexão. O vento e o horizonte aberto do mar são associações de memória, a luz natural também. Presente mesmo é o campo visual restrito, instável nas ondas que vem e vão. A relação entre o corpo da artista e o ambiente aberto, de fato e por associação da memória, é extremamente limitado tanto na sala pequena quanto no foco do vídeo, e representa elemento potente na obra, criando uma percepção que se movimenta ora do espaço fechado e restrito, ora amplo, livre e arejado, num contraponto equilibrado. O horizonte amplo do mar que a artista vislumbra ao chegar na praia, ela não oferece ao espectador, que fica só como percepção indicial dos elementos que a imagem e o som trazem, um signo. Ela parece tensa, algo desanimada.

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A casa da família fornece as raízes em espécie, mas na praia estão suas referências pessoais, como indivíduo. As raízes da casa estão mortas, não mantém acesso algum, nem com o lugar, nem com planta alguma, nem com ela. A não ser na tentativa infrutífera de plantar uma relação. Há força envolvida na ação física de afundar as raízes que são ora empurradas pelas ondas, ora tragadas por elas. A areia na qual a artista as enterra, escapa na pressão enquanto seu corpo afunda nela. O foco fechado garante que o movimento das ondas, que vem e vão seja elemento muito presente, unindo-se à ação da artista, na construção de sentido.

É esforço sem fim, é pergunta sem resposta, é só uma tentativa. Logo os sinais da ação vão se evidenciando no corpo e nos gestos da artista. A relação física, a princípio propositora e ativa, vai se mostrando passiva e angustiada, passando por fim à ansiedade. Aos poucos, enquanto o tripé vai afundando na areia, o foco vai se perdendo da artista até que a água, instável, seja o único foco com uma sombra que aos poucos se dissipa. A ansiedade que provoca é questão aberta e permanece como um nó.

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Apresenta uma coerência poética através da ligação com a natureza que é a motivação forte e conhecida em seu trabalho representando o ponto de intersecção entre essa obra e as anteriores, embora tenha tido um salto em qualidade. Além disso, a boa “matemática”, nos poucos elementos colocados em pontos acertados. Excelente trabalho, com uma única ressalva para a quantidade de areia que compõe a instalação. Embora conheça a dificuldade que a artista teve para trazê-la do Guarujá, sua cidade natal, a sala toda com areia aumentará o impacto que a obra já apresenta.

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Ficha Técnica Geral Criação e Direção de Arte Elfi Nitze Luiz Fernando Bueno Sonia Costa Thainá Shulze Diagramação Luiz Fernando Bueno Texto Editorial Luiz Fernando Bueno Sonia Costa

Ficha Técnica - Thainá Schulze Texto Crítico: Silvana Abdal Imagens da instalação: Silvana Abdal Imagens da Performance: Autoria da artista (retiradas do próprio vídeo) [email protected]

Ficha Técnica – Elfi Nitze Texto Crítico: Sonia Costa Imagens: Daniela Troya Marques e Sonia Costa [email protected]

Ficha Técnica – Luiz Fernando Bueno Texto Crítico: Luciano Favaro Imagem da Sé: Sonia Costa Imagem pg.: Leandro Roman Imagem Mapa: Google Maps Outras Imagens: Autoria do artista [email protected]

Ficha Técnica – Sonia Costa Fotos: Elfi Nitze Artista colaborador/Edição: Juliana Terra [email protected]

São Paulo, 2014