SOLENIDADE DE POSSE DOS MINISTROS ALDIR … · sem perda da espartana austeridade no uso do...

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOLENIDADE DE POSSE DOS MINISTROS ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO, NA PRESIDÊNCIA E SYDNEY SANCHES, NA VICE-PRESIDÊNCIA (Sessão solene realizada em 14-3-1991) BRASILIA 1993

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SOLENIDADE DE POSSE DOS MINISTROS ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO, NA PRESIDÊNCIA

E SYDNEY S ANCHES, NA VICE-PRESIDÊNCIA

(Sessão solene realizada em 14-3-1991)

BRASILIA 1993

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SOLENIDADE DE POSSE DOS MINISTROS ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO, NA PRESIDÊNCIA

E SYDNEY SANCHES, NA VICE-PRESIDÊNCIA

(Sessão solene realizada em 14-3-1991)

BRASILIA 1993

Palavras do Senhor Ministro NÉRI DA SILVEIRA,

Presidente

Declaro aberta a sessão solene do Supremo Tribunal Federal, espe­cialmente convocada para o ato de posse dos novos Presidente e Vice-Presidente da Corte, Senhores Ministros Aldir Passarinho e Sydney San­ches.

Registro as honrosas presenças de Sua Excelência o Senhor Ministro da Justiça, Senador Jarbas Passarinho, que também representa Sua Exce­lência o Senhor Presidente da República; de Sua Excelência o Senador Mauro Benevides, Presidente do Congresso Nacional; de Sua Excelência o Deputado Ibsen Pinheiro, Presidente da Câmara dos Deputados; dos Senhores Ministros aposentados deste Tribunal, dos Senhores Presidentes e Ministros dos Tribunais Superiores, de Senhores Presidentes e Mem­bros de Tribunais de Justiça, de Tribunais de Alçada, de Tribunais Re­gionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho, de Tribunais Regio­nais Eleitorais e de Tribunais de Justiça Militar de Estados. Registro, também, a presença de Sua Excelência o Senhor Presidente do Tribunal de Contas da União e Membros dessa colenda Corte de Contas, de Ma­gistrados, Membros do Ministério Público, de Advogados e altas autori­dades, pessoas da família dos empossandos e de funcionários da Casa.

Convido o Senhor Ministro Aldir Passarinho a prestar o compromis­so de posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal.

(Após prestar o compromisso e assinar o Livro de Posse, o Senhor Ministro Aldir Passarinho assumiu a Presidência e, logo em seguida, convidou o Senhor Ministro Sydney Sanches a tomar posse no cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, o qual, depois de prestar compromisso e assinar o Livro de Posse, assumiu as suas funções).

Palavras do Senhor Ministro ALDIR PASSARINHO,

Presidente

Concedo a palavra ao Senhor Ministro Sepülveda Pertence para fa­lar em nome da Corte.

Discurso do Senhor Ministro SEPULVEDA PERTENCE

Senhor Presidente Aldir Passarinho e Senhores Ministros do Supre­mo Tribunal Federal, em atividade e aposentados; Senhor Presidente da Câmara dos Deputados; Senhor Presidente do Senado Federal; Senhor Ministro da Justiça, representante do Senhor Presidente da República, e demais Ministros de Estados; Senhor Procurador-Geral da República; Se­nhor Governador do Distrito Federal; Senhores Congressistas; Senhores Presidentes dos Tribunais Superiores da União e Senhores Ministros que o integram; Senhores Presidentes dos Tribunais da União e dos Estados; Senhor Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e magistra­dos presentes; Senhor Presidente da Ordem dos Advogados de Brasília e advogados presentes; Senhores membros do Ministério Público da União e dos Estados; Autoridades, Senhoras e Senhores.

Nesta sessão solene, engalana-se o Supremo Tribunal e interrompe por um momento a linha de austera discrição, que impõe ao seu afanoso trabalho cotidiano para festejar, com o término da gestão de um presi­dente, a posse do sucessor eleito por seus pares.

Atendo, sinceramente honrado e verdadeiramente gratificado, à de­signação para falar em nome da Corte.

Permita-me, Presidente Aldir Passarinho, que comece por assinalar, com o selo do público reconhecimento de todos nós, o significado inco-mum que, é seguro prever, a história centenária do Tribunal reservará à lembrança do biênio hoje encerrado do Ministro José Néri da Silveira.

Faz dois anos, nesta sala, da honrosa cadeira de Procurador-Geral da República, coube-me saudar sua posse e dizer que sua ascensão à pre­sidência do Supremo Tribunal gerava expectativa traduzida pela palavra modernização', expectativa de experiência feita, por a antevisão renova­dora ter alicerces fincados na história recente do Judiciário brasileiro, na qual as passagens do Ministro Néri da Silveira pelas presidências do Tri­bunal Federal de Recursos e do Tribunal Superior Eleitoral constituíram marcos extremamente significativos.

Ao fim destes dois anos de dedicação missionária à tarefa assumida, à custa de canseiras indormidas a serviço de um entusiasmo que comove os mais céticos, Néri da Silveira deixa obra imorredoura.

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Se se deixam de lado os frutos colhidos do esforço de superar — sem perda da espartana austeridade no uso do dinheiro público, que é da orgulhosa tradição desta Casa —, a pobreza da estrutura material de apoio ao seu trabalho judicante, o prisma inovador da presidência que se encerra pode sintetizar-se na inédita abertura da Corte Suprema à mis­são, que é sua, de convocar e induzir todos os segmentos do Poder Judi­ciário Nacional à reflexão conjunta sobre os seus problemas globais.

O empenho infatigável do Presidente Néri da Silveira nessa missão de estadista deixa um monumento palpável no Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário; lega ao futuro, no entanto, mais importante que a obra material erigida, a semeadura definitiva, que soube espargir Brasil adentro, da consciência de que o poder político do Judiciário —, dotado pela Constituição de inéditas dimensões de autonomia e novas contrafor-tes de independência —, não se deve estiolar na mesquinhez de reivindi­cações corporativas, mas há de afirmar-se como instrumento de uma mis­são grandiosa de todos os juizes: a garantia da democratização real do acesso à jurisdição e da efetividade da Justiça.

Recebe a Corte a lição definitiva, ministrada pela presidência Néri da Silveira.

A seqüência e a intensificação desse esforço de engajamento da ma­gistratura na responsabilidade, que lhe toca, na obra comum e sem termo de construção do Estado de Direito Democrático, não pode ser atividade acessória, marginal ou episódica do Supremo Tribunal Federal: tanto quanto o desempenho de sua ingente função jurisdicional, é encargo que lhe impõe o seu papel de símbolo da unidade do Poder Judiciário e de guarda da Constituição.

Bem consciente desse cometimento, para prosseguir nele, è o Minis­tro Aldir Passarinho, que hoje se empossa na presidência da Corte: em mais de uma oportunidade declarou V. Exa., Sr. Presidente, situar-se «na corrente dos que entendem deva o Supremo Tribunal Federal assu­mir papel de liderança na condução dos assuntos que (...) se refiram a organização e funcionamento dos órgãos judiciais, bem como no tocante aos direitos, vantagens, prerrogativas e deveres dos magistrados», sem ig­norar, como acentuou, «o que de responsabilidade e desgaste poderá isso trazer, pelas críticas e incompreensões que fatalmente advirão»: «é ônus — concluiu — «a que não devemos fugir».

Cônscio, portanto, das incumbências maiores que a honra singular do posto cobra de seus ocupantes, chega V. Exa. à Presidência do Tribu­nal: bem, contudo, plenamente credenciado a responder por elas, sob o penhor de sua vida de homem, cidadão e magistrado exemplar.

Nascido em Floriano, em 21 de abril de 1921, de Almir Nóbrega Passarinho e Dulce Guimarães Passarinho, Aldir Guimarães Passarinho — depois de Sousa Mendes, da composição inaugural da Corte republi­cana, de Sousa Martins, ainda da primeira década, e de Evandro Lins e

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Silva e Firmino Ferreira Paz —, é quinto filho do sacrificado Piauí a in­tegrar o Supremo Tribunal Federal.

Com poucos anos, no entanto, sua família se transfere para a bela São Luís do Maranhão, de onde partiria o jovem de vinte anos, para a aventura carioca: no Rio, o plano de fazer-se engenheiro se desfez, na prolongada convocação do reservista para a prontidão dos tempos da guerra. Entre a Engenharia e a caserna, acabou vencendo o Direito: Al-dir Passarinho acaba bacharel, em 1950, pela Universidade do Brasil, passo inicial da caminhada que o traz hoje, de vitória em vitória — cada uma, de talento e dedicação —, à consagração da cátedra mais alta do Judiciário Nacional.

O sustento dos primeiros anos, ganhou-o no serviço público, agasa­lho quase imperativo do bacharel sem fortuna: o cargo de Inspetor Fede­ral de Seguros, não o teve, porém, como dádiva do afilhadismo político, mas como conquista do primeiro lugar obtido em concurso de âmbito nacional.

Paralelamente ao exercício da função pública, afirma-se na prática intensa e vitoriosa da advocacia privada, de 1951 a 1964, cercado, no fó­rum tumultuado da velha Capital da República, pelo respeito dos cole­gas, a confiança da clientela e a consideração da magistratura.

Em 1964, vitorioso o movimento em que, como tantos, depusera suas esperanças de cidadão, acede à convocação para a Subchefia da Pre­sidência da República, no Governo Castello Branco, ao qual presta o concurso de suas raras qualificações morais e intelectuais e de sua dedica­ção vital à coisa pública, de par com manifestações de sua vocação para a tolerância, rara naqueles dias.

Não lhe faltou, à época, a tentativa de sedução para a aventura política, no convite para o secretariado de José Sarney no Governo do Maranhão.

Com a recusa, perdeu a vida pública maranhense; ganhou, porém, a magistratura brasileira: cedo, voltaria ao Rio, escolhido para integrar o quadro inicial da magistratura federal de primeira instância, que se resta­belecera.

Na Justiça Federal do então Estado da Guanabara, titular da 5! Va­ra, Diretor do Foro e Corregedor, Juiz do Tribunal Regional Eleitoral, não lhe custou que a admiração, a estima, o respeito granjeados pelo ad­vogado de ontem se transferissem naturalmente para o magistrado.

Em 1974, ascende ao Tribunal Federal de Recursos, ao qual serviria, na Judicatura e no Conselho da Justiça Federal, assim como ao Tribunal Superior Eleitoral, até ser nomeado Ministro do Supremo Tribunal Fede­ral, onde toma posse em 2 de setembro de 1982. Nessa condição volta ao Tribunal Superior Eleitoral e lhe atinge a Presidência, que deixa para as­sumir a Vice-Presidência do Supremo.

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Hoje, no momento culminante da sua magistratura, é a terceira vez que me toca a oportunidade grata de saudar Aldir Passarinho.

Na primeira — quando retornou ao TSE, na cota do Supremo, eu assumira, fazia pouco, a Procuradoria-Geral da República; ainda na che­fia do Ministério Publico, discursei na solenidade de sua posse na presi­dência da Corte Eleitoral: repeti, então, nesse segundo discurso, o que a seu respeito dissera, no primeiro. Mas, pude observar que, na ocasião deste, foram palavras, que, embora sinceras, traduziam apenas a soma das impressões de uma convivência distante, com o juiz, do advogado tímido, somada à dos primeiros meses da aproximação propiciada pelo exercício da Chefia do Ministério Público. Por isso, acentuei, os três anos e meio passados entre as duas saudações — que, de minha parte, já haviam convertido a simpatia em amizade —, o meu testemunho de Al­dir Passarinho ganhava a autoridade que lhe trouxera a prova da cotidia­na convivência.

É que, sublinhei, o estreitamento da convivência entre as pessoas — por triste que seja reconhecê-lo —, nem sempre confirma admirações criadas à distância: a proximidade desvela fraquezas dissimuladas pelo ri­tual da vida pública e deixa conhecer a razão verdadeira — tantas vezes mesquinha — de posturas grandiloqüentes. Não tem sido assim, jà o pu­de afirmar então, com Aldir Passarinho.

Esse segundo discurso é de fevereiro de 1989. Poucos meses depois, a tessitura imprevista do destino me faria juiz do Supremo Tribunal. Aqui, nesta vida colegiada, quase colegial — que exige o trabalho diário dos julgamentos, só interrompido para o chá compartilhado, e prolonga­do, noite adentro, pela informalidade das sessões administrativas, a por­tas fechadas —, a intimidade se impõe e a observação recíproca das per­sonalidades é inevitável.

Por isso, meu Presidente Aldir Passarinho, a homenagem que hoje lhe presto, se perde em originalidade, ganha em sinceridade: é reafirmar hoje, com o selo definitivo da ciência da intimidade, o mesmo depoimen­to sobre o homem e o magistrado. É repetir que, na sua ascensão conti­nua pelos degraus judiciários, o respeito e a admiração, que lhe prodiga­liza o mundo jurídico nacional, não são produtos de uma aparência bem administrada. São frutos maduros da exação sem concessões, da inteli­gência aliada ao senso comum, do saber jurídico posto a serviço de uma rara intuição da justiça. É redizer, com a emoção de um carinho pessoal, só multiplicado pela sucessão do tempo, que às qualidades do magistra­do, Passarinho empresta, sim, cotidianamente, a simpatia incomum da figura humana de convívio inalteradamente afetuoso, na qual o dom da modéstia e certo toque de ironia sem agressividade impediram que os êxi­tos da carreira vitoriosa deixassem laivos de arrogância. É repisar que, em Aldir Passarinho, sob a luz de perto, é que melhor se vê que, no ma­gistrado, a busca, freqüentemente sofrida, da solução mais adequada a cada caso, traduzida na minúcia dos votos, não nasce apenas da exação

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profissional do servidor dedicado: é, sim, traço que revela por inteiro, sob a toga aparentemente fria do juiz, o homem atormentado por um compromisso vital com os valores da justiça, assim como a preocupação, quase obsessiva, com a escrupulosa tutela do dinheiro público, que, nele, não ê retórica fácil para buscar figurações, mas o fruto congênito de um acendrado senso moral. É renovar a convicção de que, no homem, a mo­déstia, quase humildade, ë modéstia mesmo e não o fingimento fariseu, comum a tantas vaidades não assumidas; e a gentileza do trato, a inva­riável atenção com os amigos não é verniz enganoso de mera cortesia pa­ra uso externo, é, sim, floração espontânea de uma alma generosa, vota­da à doação contínua de afeições autênticas.

Apraz-nos, Senhor Presidente, aos seus amigos, ver presente a este momento de justa consagração de sua vida pública outra figura humana incomum, partícipe necessária do carinho que lhe dedicamos: sua compa­nheira amantíssima de todas as horas, Da. Yesis Ilcia y Amoedo Guima­rães Passarinho.

Honra-se ainda o Tribunal de ver assumir a sua Vice-Presidência o Ministro Sydney Sanches, jurista notável, juiz de carreira, de qualidades exemplares, liderança consagrada do pensamento e da atividade associati­va da magistratura brasileira, colega estimadíssimo, virtudes que o cre­denciam à sucessão, a que brevemente será convocado, do Presidente Al-dir Passarinho.

Com todos nós, entretanto, de certo lamenta o Ministro Sydney San­ches que o destino caprichoso insista em furtar ao País muito da contri­buição valiosíssima que os atributos humanos e o raro espírito público de Aldir Passarinho poderiam ter dado, além da judicatura, à administração e à representação externa do Poder Judiciário.

Vice-Presidente do Tribunal Federal de Recursos, a ascensão ao Su­premo Tribunal lhe frustra a conquista da Presidência daquela Corte, que já se avizinhava.

Aposentadoria imprevista, precipitou-lhe a chegada à Vice-Presidência do STF, mas lhe reduziu a poucas semanas a chefia da Justi­ça Eleitoral.

Agora a próxima inatividade compulsória, que o colherá na plenitu­de madura das suas qualificações pessoais, não consentirá que as dedique por muito tempo à presidência da Suprema Corte.

De qualquer sorte, a nós os seus amigos — que somos, sem exceção, todos os seus colegas nesta Corte —, lhe queremos traduzir o quanto nos apraz, pelo menos, que o tempo da sua permanência no serviço ativo do Tribunal ainda nos tenha propiciado esta hora de intensa alegria de vê-lo empossado na presidência da Casa, honraria que consagra década de en­trega total aos deveres da vida pública e à fraternidade da convivência humana.

Muito obrigado.

Palavras do Senhor Ministro ALDIR PASSARINHO,

Presidente

Concedo a palavra ao Senhor Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.

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Discurso do Doutor ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA,

Procurador-Geral da Republica

Excelentíssimo Senhor Ministro Aldir Passarinho, digníssimo Presi­dente deste Supremo Tribunal Federal, Excelentíssimos Senhores Minis­tros componentes desta Corte e Ministros que dela já se afastaram; Exce­lentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça, Senador Jarbas Passari­nho, também representando o Senhor Presidente da República; Exce­lentíssimo Senhor Senador Mauro Benevides, digníssimo Presidente do Senado Federal e Congresso Nacional; Excelentíssimo Senhor Deputado Ibsen Pinheiro, digníssimo Presidente da Câmara dos Deputados; Exce­lentíssimos Senhores Ministros de Estado; Excelentíssimos Senhores Mi­nistros dos Tribunais Superiores da União e demais Magistrados, meus Companheiros e Colegas do Ministério Público, Senhores Advogados, Senhoras e Senhores.

Repete-se, hoje, a bienal sessão solene deste Colendo Supremo Tri­bunal Federal, para a posse de seu Presidente e de seu Vice-Presidente.

De dois em dois anos, há a alternância na Presidência desta excelsa Corte, sendo praxe a eleição do Ministro mais antigo que ainda não a exerceu.

É rotina certificadora da solidez desta centenária instituição, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro.

Aqui, a ausência de qualquer emulação eleitoral torna indene o Su­premo Tribunal Federal quanto a cisões internas provocadas pela disputa do poder.

«Este Tribunal tem uma histórica unidade», proclamava, ontem, neste mesmo recinto, o então Presidente Nèri da Silveira, ao ocupar pela última vez a Presidência, em sessão ordinária do Pleno, em que, natural­mente, houve divergência de votos em questão jurídica relevantíssima posta em julgamento.

Mas, o paradoxo é apenas aparente já que a natural divergência de interpretação da norma jurídica não abala aquela unidade histórica a que se referia o eminente Ministro Nèri da Silveira.

Ontem, ele aqui presidia os trabalhos. Hoje cede a cátedra presiden­cial ao Ministro Aldir Passarinho, para se assentar defronte ao Ministro Moreira Alves, que, por sua vez, ocupara a Presidência em biênio ante-

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rior. E, amanhã, há de vir o Ministro Sydney Sanches, hoje empossado na Vice-Presidência.

Assim é a rotina benfazeja desta instituição! Seu vigor institucional não se abala ao mudar seu Presidente. E a razão é uma só: o vigor intelectual e moral de seus integrantes, a

atestar serem possuidores dos requisitos constitucionalmente exigidos pa­ra o exercício do cargo.

Por isso, este Supremo Tribunal Federal continuará institucional-mente forte sob a Presidência do Ministro Aldir Passarinho, juiz, há- vin­te e quatro anos.

O brilho do exercício da magistratura federal no Rio de Janeiro, ini­ciado em 1967, conduziu-o, naturalmente, ao hoje extinto Tribunal Fede­ral de Recursos, em 1974, e a esta Suprema Corte, em 1982.

O tirocínio judicante, aliado à anterior experiência em diversos seto­res da Administração Publica, constitui antevisão do pleno êxito de sua Presidência nesta Casa, lamentando-se, apenas, que a inexorabilidade de mandamento constitucional não permita o seu exercício pelo biênio regu­lamentar.

Mas, esqueça-se o lamento e se usufrua — com intensidade inversa­mente proporcional à sua curta permanência nesta cadeira — a alegria de ver o menino piauiense de Floriano ocupar a Presidência do Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil.

Relembrar o menino é não esquecer a trajetória da vida. É não olvi­dar a ida para o Rio de Janeiro, a colação de grau, a querida Yesis e o filho homônimo, hoje também juiz.

Dificuldades houve, mas relembrem-se, agora, somente as alegrias. E é com grande alegria que o Ministério Público saúda Vossa Exce­

lência neste momento. Se a saudação é formalmente breve, tenha certeza de que è ela de intensidade imensurável.

Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente Aldir Passarinho, receba do Ministério Público os votos de felicidade pessoal e de pleno êxito em sua gestão na Presidência desta Excelsa Corte.

Palavras do Senhor Ministro ALDIR PASSARINHO,

Presidente

Concedo a palavra ao Senhor Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor Ophir Cavalcante.

Discurso do Doutor OPHIR CAVALCANTE,

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Excelentíssimo Senhor Ministro Aldir Passarinho, Presidente desta Casa; Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, Senador Jarbas Passa­rinho, representando Sua Excelência o Senhor Presidente da República, Doutor Fernando Collor de Mello; Excelentíssimo Senhor Senador Mau­ro Benevides, Presidente do Congresso Nacional e Senado Federal; Exce­lentíssimo Senhor Deputado Ibsen Pinheiro, Presidente da Câmara dos Deputados; Excelentíssimo Senhor Doutor Aristides Junqueira Alvarenga, Dirigente-Chefe do Ministério Público Federal; Excelentíssimos Senhores Ministros componentes desta Casa, demais autoridades aqui presentes e representadas, Colegas Advogados, minhas Senhoras e meus Senhores.

Quiseram os fados que, menos de um mês após as galas da comemo­ração de seu centenário, esta augusta Corte conhecesse outro momento de alegria e solenidade. E também que, nesta nova oportunidade, mais uma vez se fizesse ouvir a voz dos advogados e de sua corporação, jubi-losamente se unindo às manifestações de quantos hoje aqui estejam a ex­ternar palavras de confiança e esperança na continuação do elevado de­sempenho, por esta Corte, de suas fundamentais atribuições.

Congrega-nos agora a festividade que sublinha a posse na Presidên­cia do Pretório Excelso, do Ministro Aldir Passarinho.

A essa personalidade ímpar nos aproximam duas linhas de conside­ração .

A primeira, de ordem pessoal, radica-se em que, tal como ele, o ora­dor também tem suas raízes no norte do País. Essa região, por tanto tempo esquecida ou sombreada, mas tão permanentemente acesa no culto do amor à Pátria e à suas instituições fundamentais — dentre elas agigantando-se o Supremo Tribunal Federal —, orgulha-se por ver, neste momento, um filho seu a comandar a cúpula do Poder Judiciário.

A segunda, de ordem profissional, situa-se na consideração de que ascende à cadeira mais elevada da nossa magistratura o ministro oriundo da classe dos advogados. Aliás, recentemente saudando os mais novos membros desta Casa Augusta, o Presidente e Ministro Aldir Passarinho enfatizava, logo em suas palavras vestibulares, a circunstância de ter sido sobretudo um advogado, na maior parte de sua existência profissional. Fácil é, por isso, avaliar o júbilo da Ordem dos Advogados do Brasil,

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por ver um de seus mais diletos e destacados filhos investir-se, hoje, na condição de Presidente da Corte Suprema.

Ao discursar, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, na sole­nidade comemorativa do Centenário do Supremo, tive a oportunidade de, não só fazer o elogio da Corte, mas também de nela depositar as es­peranças e aspirações da cidadania e da sociedade. Esse preito, não só de homenagem, se não também de fé, repousa na certeza de que ao Supre­mo está reservado o papel histórico de erigir, definitiva e efetivamente, no Brasil, o tão sonhado e ainda inconcluso estado de direito.

Acossado por uma atuação hipertrofiada do Executivo de um lado, pelas hesitações e contradições do Legislativo do outro, ao brasileiro res­ta, como trincheira ultima de certeza da realização de seus direitos e ga­rantias, o Supremo Tribunal Federal. Dele se espera que, sob a direção do Ministro Aldir Passarinho, prossiga com a sua tarefa de afirmação da supremacia da Constituição sobre qualquer vontade política que a ela, velada ou abertamente, se oponha.

Mas, igualmente, e como terapia às referidas hesitações, se conta com que o Supremo repense, afinal, sua orientação sobre o mandado de injunção, viabilizando sua transformação, da frustração que ele hoje na prática vem representando, em instrumento excelso de integração da or­dem constitucional e de plena realização das aspirações da nacionalidade.

Assentado nos pilares do controle da constitucionalidade e da cora­josa utilização do mandado de injunção, quando não também do habeas data, o Supremo Tribunal Federal será o arquiteto indiscutível da cons­trução de um país onde prevaleçam sem contrastes, as idéias do império da lei e do devido processo legal.

Vossa Excelência, Ministro Aldir Passarinho, recebe a Presidência das mãos honradas e dignas do seu antecessor Ministro José Néri da Sil­veira, a quem homenageamos em nome de todos os advogados brasileiros pelo tratamento respeitoso e a consideração sempre dispensada à classe.

É também com a marca da providência que divisamos a figura do Ministro Sydney Sanches na Vice-Presidência desta Corte, homem de tempera e fibra, jurista festejado, detentor das mais elevadas condições morais e culturais para o exercício do cargo.

Augurando à Corte dias gloriosos, congratulando-nos com seu novo Presidente por mais esse galardão em sua vida digna e honrada, os advo­gados do Brasil manifestam sua certeza na clarividência do novo dirigen­te do Excelso Pretório e ratificam sua confiança em que a Suprema Cor­te continuará à altura das esperanças a ela entregues pela sociedade brasi­leira.

Palavras do Senhor Ministro ALDIR PASSARINHO,

Presidente

Concedo a palavra ao Doutor Carlos Henrique Fróes, pelo Conselho Regional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro.

Discurso do Doutor CARLOS HENRIQUE FRÓES,

Representante do Conselho Regional da OAB, Seção do Rio de Janeiro

Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal; Senhor Ministro de Estado da Justiça; Senhor Procurador-Geral da República; Senhores Presidentes de Tribunais de Justiça e de Alçada; Senhores Mi­nistros; Senhores Desembargadores; Senhores Juizes; Senhores Membros do Ministério Público; Senhores Advogados; Demais Autoridades, Mi­nhas Senhoras e Meus Senhores.

Recebi com desvanecimento o convite para falar, nesta solenidade, em nome dos advogados do Estado do Rio de Janeiro. De dois em dois anos cumpre-se uma antiga e salutar tradição da mais alta corte do país: tomam posse como Presidente e Vice-Presidente os mais antigos de seus integrantes, em um sistema de revezamento, que permite, em tese, que todos possam exercer esses altos cargos. Antes, porém, de desincumbir-me da missão honrosa que me foi confiada, não posso e não devo deixar de dirigir uma saudação muito cordial ao eminente e digno Ministro José Néri da Silveira, que acaba de passar a Presidência desta Casa ao não menos eminente e digno Ministro Aldir Guimarães Passarinho. Todos já conheciam suas virtudes de juiz reto, independente, culto, probo e opero­so, que revelou logo após ser nomeado, muito moço ainda, Juiz Federal na Seção Judiciária do Rio Grande do Sul e, pouco tempo depois, com 37 anos, Ministro do Tribunal Federal de Recursos. Eleito Presidente desse Tribunal, que tantos e tão relevantes serviços prestou ao país, o Ministro Néri da Silveira demonstrou uma insuspeitada vocação de admi­nistrador, mais tarde ratificada, ao ser elevado à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral e, afinal, à do Supremo Tribunal Federal. Nos três tri­bunais o eminente magistrado, com sua sabedoria, seriedade e sobrieda­de, por todos proclamadas, realizou obra notável, sendo de ressaltar a implantação da informática, com o que facilitou, de modo sensível, a ta­refa dos profissionais do Direito, beneficiando, afinal, os jurisdiciona-dos. Além disso, no Tribunal Federal de Recursos, tomou a iniciativa da elaboração do anteprojeto de lei que resultou na Lei n? 6.825, de 22.9.1990, que, instituindo as causas de alçada no âmbito da Justiça Fe­deral, contribuiu para diminuir o congestionamento de feitos naquele tri­bunal e permitiu a solução mais rápida de muitas demandas. No Tribu­nal Superior Eleitoral, promoveu, com eficiência, o recadastramento elei­toral; e no Supremo Tribunal Federal, realizou um magnífico trabalho de

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coordenação com os tribunais dos estados, visitando muitos deles e pro­piciando encontros para a discussão de problemas comuns.

Foi sua presidência caracterizada pela modernização, pelo espírito de inovação e pelo progresso.

Por tudo isso, Ministro José Néri da Silveira, deixa V. Exa. hoje a Presidência do Tribunal com os aplausos de todos, que manifestam seu reconhecimento pela obra marcante empreendida.

Acredito que esteja V. Exa. experimentando, neste momento, o acer­to das palavras de Descartes, lembradas por V. Exa. em seu discurso de posse na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral:

«O bem que nós fazemos dá-nos uma satisfação interior, que é o mais doce de todos os sentimentos.»

Assume a Vice-Presidência do Tribunal o eminente Ministro Sydney Sanches. Nascido na cidade de Rincão, no interior do Estado de São Paulo, filho de modesto ferroviário, concluiu o curso primário no Grupo Escolar da cidade de Pitangueiras em 1943. Aos 11 anos aprendeu a dati­lografar e começou a trabalhar no cartório do Júri e do Registro de Imó­veis, e, também no escritório do Dr. Clóvis Guimarães Spínola.

Seus pais decidiram, com acerto, que o menino Sydney deveria pros­seguir seus estudos e, como não havia em Pitangueiras um ginásio se­quer, mandaram-no para a cidade de Araraquara, onde morou primeiro em casa de parentes e depois em pensões.

De volta a Pitangueiras, nas férias de verão, soube que o Juiz da Comarca estava precisando de um datilografo para bater fichas de juris­prudência e se ofereceu para executar o trabalho.

Ficou tão entusiasmado com o que leu nos acórdãos do Supremo Tribunal e Tribunais dos Estados que resolveu fazer o curso de Direito. Procurou o Juiz para comunicar-lhe sua decisão e lhe disse que teria que trabalhar para se sustentar e custear os estudos.

O Juiz, que muito o incentivou, deu-lhe três cartas de apresentação a amigos seus de São Paulo.

O jovem Sydney Sanches chegou à Capital do Estado em 1951 e pro­curou dois dos três destinatários das cartas, que o desalentaram, alegan­do que nada poderiam fazer se não estivesse quite com o serviço militar.

Por isso, regressou a Araraquara, concluiu o primeiro e o segundo ano do curso clássico e se pôs em dia com suas obrigações militares.

Em 1953 voltou à cidade de São Paulo, tendo, ainda em seu poder, a terceira carta, que era dirigida ao Deputado Carvalho Sobrinho, titular de um Ofício de Notas. Procurou o destinatário e explicou-lhe que essa carta fora escrita há dois anos, indagando se a recomendação ainda teria valor.

O saudoso deputado abriu a carta, leu-a e disse ao estudante: «Vin­do de quem veio, ainda vale». E empregou-o como auxiliar de cartório, passando-o depois a datilografo copista e, mais tarde, a escrevente.

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Concluído o curso clássico, Sydney Sanches ingressou na tradicional e gloriosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e, trabalhan­do e estudando, bacharelou-se em 1958.

Advogou de 1959 a 1962 e logo foi seduzido pela magistratura, submetendo-se a dois concursos, aprovado em ambos, não sendo apro­veitado em um por falta de vaga e obtendo o primeiro lugar no outro.

Sua preocupação imediata foi, então, comunicar ao juiz, que o con­tratara em Pitangueiras como datilografo e lhe dera três cartas de reco­mendação, o sucesso alcançado no concurso.

Pronuncio o nome desse magistrado, que não tenho a honra de co­nhecer pessoalmente, com o maior respeito e a maior reverência: Juiz Valentim Alves da Silva.

Ingressando na magistratura em 18 de janeiro de 1962, como juiz substituto, iniciou o exercício da judicatura na Comarca de Santo André. Foi rapidamente promovido, de entrância em entrância, chegando a Juiz de Direito da especial, na capital do estado, em 1969.

Menos de 10 anos depois era removido para o Tribunal de Alçada Criminal, em cuja solenidade de posse, em 20 de abril de 1978, fez ques­tão de manifestar, de público, ao Juiz Valentim Alves da Silva, um dos que o introduziram no recinto, sua gratidão a quem «soube dar a mão a um menino pobre, no momento em que ele precisou» (Revista dos Tribu­nais, 512/489).

Ainda em 1978 transferiu-se para o 1? Tribunal de Alçada Civil e, dois anos depois, chegou, sempre por merecimento, ao Tribunal de Justi­ça do Estado de São Paulo.

Líder de sua classe, foi eleito, pelo voto direto, Presidente da Asso­ciação dos Magistrados Brasileiros para o biênio 1982-83, sendo reeleito para o biênio 1984-85.

Em 1984 foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal. Dentre os inúmeros galardões que lhe foram conferidos avulta um, a

meu ver: a Medalha Pontes de Miranda, da Academia Brasileira de Le­tras Jurídicas, pela melhor obra jurídica do ano de 1984, «Denunciação da Lide», aferida com base no critério da pureza de linguagem e capaci­dade de comunicação.

Gostaria de destacar, ainda, a magnífica conferência que pronunciou no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre o Supremo Tribunal Fede­ral, em ciclo de estudos sobre a nova Constituição Federal, a meu convi­te, no ano de 1989, quando exercia eu a Presidência da mais antiga Casa de Cultura Jurídica do país.

Não é possível deixar de mencionar a dimensão humana do Ministro Sydney Sanches. Segundo depoimento do ilustre magistrado paulista, ho­je advogado, Dr. Cornélio Vieira de Morais Jr., que o saudou no 1? Tribunal de Alçada Civil, quando de sua promoção a desembargador, o «compadre» Sydney sempre demonstrou grandes qualidades como cantor

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de musicas populares, como, por exemplo, «O menino da porteira» e «A volta do Chico Mineiro». Mas foi sempre imbatível na interpretação de boleros, superando mesmo Lucho Gatica e Gregório Barrios.

Que belo exemplo de esforço e dedicação é a vida do Ministro Sydney Sanches!

E como é bom saber que foi por obra e graça de um concurso públi­co, aberto a todos, que o menino pobre que aos 11 anos jã trabalhava, se transformou no homem maduro de hoje, escritor, professor de Direito e juiz do Supremo Tribunal, que ascende à sua Vice-Presidência!

Só conheço um paralelo, o caso do Des. Amaro Martins de Almei­da, de origem também modesta. Seus amigos da cidade de Campos, onde nasceu, inauguraram um busto do eminente magistrado no belo Fórum dessa cidade, que tem seu nome, com a inscrição: «A Amaro Martins de Almeida: de escrevente juramentado a Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro».

Não sei se o Ministro Sydney Sanches tem busto em Rincão, Pitan-gueiras, ou outra cidade em que morou. Se não tem, pouco importa. Va­le recordar a observação do Padre Antonio Vieira a propósito de Catão, que não tinha estátua no Capitólio. Os visitantes chegavam, olhavam as estátuas dos romanos ilustres e indagavam: «Onde está a estátua de Ca­tão?». Rematava o grande tribuno com a frase que se aplica também ao nosso homenageado: «Essa pergunta era a maior estátua de todas».

Foi na cidade de Floriano, no interior do Piauí, à beira das águas tranqüilas do rio Parnaíba, que nasceu o Ministro Aldir Passarinho.

Aos 3 anos mudou-se com sua família para S. Luís, a bela capital do Maranhão, onde fez o curso primário, o ginasial e o complementar de engenharia.

Desde cedo revelou seus pendores literários. Aos 13 anos fundava o Centro Literário Coelho Neto em cujo jornal, intitulado «Inûbia», publi­cava artigos de sua autoria.

Veio para o Rio de Janeiro, onde, em tempo de guerra, reservista que era, foi convocado para o serviço militar. Esse episódio, ao que pa­rece, teve certa influência em sua vida, pois, ao invés de se encaminhar para a Escola de Engenharia, como planejara, foi bater às portas da Fa­culdade de Direito da Rua do Catete, hoje Faculdade de Direito da Uni­versidade do Estado do Rio de Janeiro.

Formou-se e exerceu a advocacia na cidade do Rio de Janeiro, du­rante 14 anos, dedicando-se sobretudo à área civil e administrativa.

Inspetor Federal de Seguros, por concurso público, em que logrou alcançar o primeiro lugar, foi, ainda, Procurador do SESC e exerceu, durante algum tempo, o cargo de Chefe de sua Assessoria Jurídica.

No governo do Presidente Castello Branco, foi subchefe de sua Casa Civil, ingressando na Magistratura em 1967, como Juiz Federal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

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Desde então tenho acompanhado de perto sua vida. Como não lem­brar os primeiros tempos da recém-instalada Justiça Federal do Rio de Janeiro, em que pontificavam como Juizes Federais titulares juristas da estatura de Evandro Gueiros Leite, Jorge Lafayette Pinto Guimarães, o saudoso Hamilton Bittencourt Leal, Maria Rita Soares de Andrade e Al-dir Guimarães Passarinho? E, como Juizes Federais substitutos, entre ou­tros, Elmar Wilson de Aguiar Campos, Renato de Amaral Machado e Américo Luz?

O Ministro Aldir Passarinho logo demonstrou as qualidades que or­nam sua fascinante personalidade: simplicidade, modéstia, serenidade, lhaneza no trato, independência, profundo conhecimento de Direito e, o que é fundamental no juiz, o equilíbrio, virtude rara, a tal ponto que o grande escritor britânico Chesterton dizia: «Cair é sempre mais simples: há uma quantidade de ângulos propícios para a queda e só um em que se fica de pé».

Recordo — e o faço com absoluta isenção de ânimo, porque não fui vitorioso na causa — a substanciosa sentença denegatória de mandado de segurança impetrado por juizes e desembargadores do antigo Estado da Guanabara, que se insurgiram contra a cobrança de imposto de renda so­bre seus vencimentos. Sua orientação acabou prevalecendo no Tribunal Federal de Recursos.

Recordo, também, que foi o então Juiz Federal Aldir Passarinho o grande responsável pela fixação da tese quanto à natureza jurídica da Re­de Ferroviária Federal, que tanta polêmica então provocou.

No biênio 1973-74 passou a integrar o Tribunal Regional Eleitoral e só não foi reconduzido por ter sido nomeado Ministro do Tribunal Fede­ral de Recursos. Estive presente à sua posse e usei da palavra, em nome dos advogados, para saudá-lo, contando aos magistrados, membros do Ministério Público e advogados do Distrito Federal o que fora sua vida de juiz exemplar no então Estado da Guanabara.

Compôs o Tribunal Superior Eleitoral, a partir de 1980, mas não chegou a completar o primeiro biênio pois, a 23 de junho de 1981, foi eleito Vice-Presidente do Tribunal Federal de Recursos. Também não completou o mandato e não chegou à Presidência do Tribunal por um motivo muito relevante: é que a 2 de setembro de 1982 tomou posse co­mo Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Já nessa qualidade voltou ao Tribunal Superior Eleitoral, primeiro como suplente, depois como membro efetivo. Foi Vice-Presidente e foi eleito Presidente, tomando posse a 14 de fevereiro de 1989. Afastou-se do cargo, por imperativo legal, exatamente um mês depois, para assumir a Vice-Presidência da Corte Suprema.

Hoje, finalmente, toma posse no cargo, sumamente honroso, de che­fe do Poder Judiciário do país.

Atinge, assim, o Ministro Aldir Passarinho o apogeu de sua carreira em que sempre deu mostras de seu acendrado espírito público, de sua lu-

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cidez de jurista, de sua inteireza moral e de sua cultura profunda, como comprovou, em mais de uma oportunidade, em seus votos e em discursos proferidos neste tribunal, como na saudação ao Presidente Fernando Be-launde Terry, da Republica do Peru, de que destaco o seguinte trecho:

«O mundo de hoje, Senhor Presidente, todos sabemos, é de revisão de velhos conceitos, de reformulação de antigos valores, mas permanece ainda, na filosofia do Direito, a eterna discussão que Lessing aponta no diálogo entre Falk e Ernst, dizendo o primeiro: «Crês que os homens fo­ram criados para o Estado ou que os Estados foram criados para os ho­mens?; respondendo o segundo: «Alguns pretendem afirmar a primeira; a mim, porém, parece-me mais verdadeira a segunda».

E, mais adiante: «O que, porém, se torna inquestionável é que o homem de hoje não

aceita mais a idéia de liberdade sem justiça social, como não admite esta sem aquela. E necessita o Estado democrático, assim, atento a tais valo­res, estabelecer os justos delineamentos do primeiro, para que se obtenha o segundo, que todos almejam.

«Os magistrados, Senhor Presidente, sendo também homens do seu tempo, não podem ficar alheios a questões de tal natureza, até pela ne­cessidade mesma de saberem aplicar as leis na compreensão do meio sócio-econômico-político e cultural em que se encontram».

Como se vê, a cultura do Ministro Aldir Passarinho não se limita ao campo de Direito, mas abarca outros campos de conhecimento, a ponto de ter, certa vez, o Ministro Sydney Sanches feito referência a sua postu­ra de jus-filósofo. A Matemática não lhe é estranha. Ao contrário. Em voto proferido, como relator, no Recurso Extraordinário 98.650, de São Paulo, referente a caso de desapropriação indireta, o Ministro Aldir Pas­sarinho demonstrou, de modo inequívoco, que o consagrado jurista de hoje não sufocou o aprendiz de engenheiro de ontem, calculando os ju­ros compensatórios devidos, de maneira bastante criativa (Revista Tri­mestral de Jurisprudência, vol. 117, págs. 1150/1152).

E poeta também é, pela extraordinária sensibilidade de que é dota­do, revelada, por inteiro, na bela peça oratória que foi seu discurso na homenagem póstuma ao saudoso Ministro Victor Nunes Leal, a quem tanto deve esta Casa.

Adequa-se ao Ministro Aldir Passarinho a frase que dirigiu a seu querido amigo, o Ministro Jorge Lafayette Guimarães, na homenagem prestada pelo Tribunal Federal de Recursos ao ensejo de sua aposentado­ria:

«A magistratura não é profissão que se escolhe mas sim predestina­ção que se aceita». {Diário da Justiça de 16.10.1978, pág. 8033).

Não é possível completar o retrato do Ministro Aldir Passarinho sem fazer uma referência especial a sua admirável mulher, a Professora Yesis Passarinho, sua companheira de todos os momentos, e ao filho desse ca-

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sal harmonioso e feliz, Doutor Aldir Passarinho Júnior, juiz do Tribunal Regional Federal — Ia. Região.

O exercício da Presidência da Suprema Corte do país não provocará, todos sabemos, nenhuma alteração na personalidade do Ministro Aldir Passarinho. Continuará sendo o «gentleman» de sempre, tratando, de igual maneira, humildes e poderosos e esbanjando cordialidade, a quarta virtude teologal, de que falava Eça, com seus subprodutos imediatos, a cortesia e a urbanidade, para lembrar palavras do Ministro Evandro Lins e Silva.

Aproveito esta oportunidade para manifestar algumas preocupações quanto ao momento em que vivemos. O Instituto dos Advogados apro­vou, recentemente, indicação em sentido contrário à imediata reforma da Constituição Federal, parecendo-lhe que, antes disso, cumpre regulamen­tar muitas garantias individuais e sociais, como, por exemplo, a partici­pação dos empregados nos lucros das empresas.

Inquieta-nos, profundamente, o assassinato de líderes dos trabalha­dores rurais no Estado do Pará, que, além de ser um caso de Polícia, re­vela a extensão de um gravíssimo problema social, tornando impres­cindível e urgente a reforma agrária. Somos a favor de uma política de democratização da economia, «através de uma participação justa e equâ-nime na renda nacional pelo adequado e compatível uso de instrumentos fiscais e monetários», como pregou o eminente jurista Eugênio Roberto Haddock Lobo em seu magistral discurso de posse na presidência do Ins­tituto dos Advogados Brasileiros em 4 de abril do ano passado.

Nesse contexto não regateamos aplausos à recente abolição da cha­mada «ciranda financeira» e à criação do fundo de aplicação de capitais com finalidade social.

No campo específico do Poder Judiciário, comungamos, plenamente com o pensamento do Professor Nilo Batista, expresso em maiúsculo dis­curso proferido na posse do Des. Paulo Dourado de Gusmão na presi­dência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 1985: é preciso garantir que todos tenham acesso à Justiça, para que ela se torne, no futuro, «não temida e sim querida; não distante e indecifrável mas presente e inteligível; não demorada, onerosa, implacável — sim rápida, barata, redentora».

Ao terminar, Senhor Presidente, trago-lhe, com nossa afetuosa sau­dação, a certeza de que os advogados estão presentes e prontos a colabo­rar com o aperfeiçoamento da ordem jurídica, com suas vistas voltadas à realização do bem comum.

Discurso do Senhor Ministro ALDIR PASSARINHO,

Presidente

Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, Senador Jarbas Passari­nho, representando o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Dr. Fernando Collor de Mello; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câ­mara dos Deputados, Deputado Ibsen Pinheiro; Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Senador Mauro Benevides; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvaren­ga; Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal em exercício e aposentados; Excelentíssimo Senhor Governador do Distrito Federal, Dr. Joaquim Roriz; Excelentíssimo Senhor Ministro das Rela­ções Exteriores, Dr. Francisco Rezek; Excelentíssimo Senhor Ministro do Exército, General Carlos Tinoco; Excelentíssimo Senhor Ministro da Ma­rinha, Almirante-de-Esquadra Mário César Flores; Excelentíssimo Senhor Ministro da Infra-Estrutura, Ozires da Silva; Excelentíssimos Senhores Embaixadores; Excelentíssimo Senhor Ministro Washington Bolivar de Brito, Presidente do Superior Tribunal de Justiça; Excelentíssimo Senhor Ministro Guimarães Falcão, Presidente do Tribunal Superior do Traba­lho; Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Superior Tribunal Mi­litar, Almirante Raphael de Azevedo Branco; Excelentíssimos Senhores Ministros dos Tribunais Superiores acima mencionados; Excelentíssimo Senhor Desembargador Valtênio Mendes Cardoso, Presidente do Tribu­nal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e demais membros dessa mesma Corte; Excelentíssimo Senhor Ministro Adhemar Paladini Ghisi, Presidente do Tribunal de Contas da União e demais Ministros do mesmo Tribunal; Excelentíssimo Senhor Consultor-Geral da República, Dr. Cêlio Silva; Excelentíssimos Senhores Parlamentares; Excelentíssimos Senhores Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados, dos Tribunais Regionais Eleitorais, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Alçada e membros dessas mesmas ilustres Cortes; Presidente do Conse­lho Federal da OAB, Dr. Ophir Filgueiras Cavalcanti; Excelentíssimo Se­nhor Presidente do Conselho Federal de Educação, Professor Manuel Gonçalves Ferreira Filho; Excelentíssima Senhora Professora Esther de Figueiredo Ferraz, ex-Ministra da Educação; Excelentíssimo Senhor Pre­sidente do Conselho de Educação do Distrito Federal, Professor Carlos Fernando Mathias de Souza; Excelentíssimos Senhores Subprocuradores-Gerais da República e Procuradores da República; Excelentíssimos Se­nhores Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal

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e Procuradores; Excelentíssimo Senhor Presidente da Ordem dos Advo­gados do Brasil," Seção do Distrito Federal, Dr. Esdras Dantas de Souza; Excelentíssimo Senhor Representante da OAB, Seção do Estado do Rio de Janeiro e do Instituto dos Advogados do Brasil; Senhores Advogados entre os quais anoto a presença de meus antigos colegas de escritório dè advocacia; Senhores funcionários da Casa; Minhas Senhoras e meus Se­nhores.

Não sei de honra maior que possa ser conferida a um magistrado que essa de assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, o órgão de cúpula do Poder Judiciário do País. E, por isso, a natural emoção que de mim toma conta ao receber a alta investidura das mãos deste grande juiz que é o Ministro Nêri da Silveira, na sala augusta das sessões plenárias.

Renovo meus sensibilizados agradecimentos aos ilustres pares, pela confiança que em mim tiveram, o apreço que por mim demonstraram, ao conferir-me o galardão maior de Presidir esta Casa, embora soubessem que assim seria por breve espaço de tempo.

Sem mais demora, e por igual, desejo agradecer aos que nos sauda­ram, a mim e ao Ministro Sydney Sanches: o Ministro Sepúlveda Perten­ce, que para alegria de todos veio a integrar esta Corte, após ter-se tanto projetado na advocacia e à frente da Procuradoria-Geral da República; o Dr. Aristides Junqueira Alvarenga, Procurador-Geral da República, cujo justo renome tem alcançado pela sua independência, zelo e cultura; o Dr. Ophir Cavalcanti, advogado ilustre, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, cuja segurança, equilíbrio e pugnacida-de têm projetado a nobre Instituição no alto prestígio dos seus melhores dias; e o Dr. Carlos Henrique Fróes, advogado do mais alto conceito, ex-Presidente do Instituto dos Advogados do Brasil e ora representando nes­ta solenidade, também o Conselho Regional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados, a quem muito prezo e admiro pelas suas qualidades éti­cas, de cultura e retidão. Extremamente nos sensibilizaram suas orações, em que o encantamento da beleza da forma constituiu-se em lavrada moldura, para dar ainda maior realce e valor aos pensamentos e concei­tos generosos, envolvidos todos pelo tom suave e bom que só a amizade sabe emprestar.

Outro agradecimento há de externar-se, e agora não em caráter pes­soal, mas em nome da Corte, ao Ministro Nêri da Silveira, a quem suce­do.

Trabalhador infatigável, competente e culto, todos sabíamos que Sua Excelência não deixaria um dia sequer — e a expressão é para ser compreendida na sua rigorosa literalidade — de dedicar seu tempo e seu empenho em tudo fazer para que sua Presidência no Supremo Tribunal Federal se mantivesse na inexedível altura daquelas duas outras que exer­cera, no Eg. Tribunal Federal de Recursos e no Tribunal Superior Eleito­ral. É que em ambos deixou a marca singular de um juiz que, a par das

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qualidades de magistrado, que sempre o destacaram, possui as de um ad­ministrador que não desconhecendo as responsabilidades que o oneram, sabe, contudo, ser capaz de assumi-las. Propôs, entre outras realizações maiores, ultimar os serviços de informatização da Corte, e instalar um Banco Nacional de Dados, e assim o fez.

É preciso que se diga, deste modo, ao Ministro Néri da Silveira, nes­ta oportunidade solene, para que todos saibam, que a Corte lhe é grata por tão magnificamente a ter conduzido no biênio em que sua adminis­tração maior lhe foi confiada.

Meus senhores. Este ano que transcorreu é um marco secular na história das nossas

instituições. Cem anos atrás, promulgou-se a primeira Constituição repu­blicana e instalou-se o Supremo Tribunal Federal, sucedendo ao Supremo Tribunal de Justiça do extinto regime monárquico. E, por isso, as come­morações que têm sido realizadas no País.

Justo que assim seja, que se relembrem e glorifiquem os eventos maiores da Pátria, que se reavivem na memória dos cidadãos as páginas de maior realce, para que se compreenda a História.

E os dois acontecimentos — que mereceram as projeções de luz que sobre eles se fazem — se ajustam e se completam, pois são o reflexo do entrosamento indispensável à política institucional de uma centúria atrás, que se inaugurava com a proclamação da República.

A Constituição Federal, como ordenamento superior das instituições do Estado e do regime federativo, e assegurador dos direitos e garantias sociais e individuais; e o Supremo Tribunal Federal, como guardião maior dos princípios que a Carta Magna consagra, mantêm entre si liame estreito, até porque como foi já dito: «O Poder recebe o Direito da Constituição, e cria o Direito em virtude da Constituição».

Já no regime monárquico, o antigo Tribunal Superior de Justiça, não obstante as limitações de sua competência de então, foi, como assi­nala Barbalho, fonte inspiradora da primeira Carta republicana, pelos seus acórdãos, como igualmente o foram as doutrinas do Federalista e de outros autorizados expositores do direito federal americana, o ordena­mento jurídico da Suíça e escritos de publicistas brasileiros, escassos em­bora, sobre os temas constitucionais.

Através dos tempos, na história da Humanidade, foram inúmeras as vezes em que as grandes decisões judiciais contribuíram para que se re-traçassem rumos, se modificassem legislações, se eliminassem iniqüida-des, refletindo os reclamos do povo e da consciência social.

Mas nada é conseguido sem esforço, e é lento, demasiadamente len­to, o progredir.

Os anseios de justiça e de liberdade, conceitos que se irmanam e confundem, vêm dos primórdios dos séculos. E até hoje perduram as lu-

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tas pelas conquistas desses direitos fundamentais, embora se inscrevam como princípios basilares no ordenamento jurídico dos Estados moder­nos.

Desde quando os escravos — os vencidos nas guerras ou trazidos de suas glebas nativas — procuravam sacudir o jugo dos senhores, quebran­do as grilhetas que infamavam, livrando-se do açoite cruel e degradante, até hoje, em que a ignorância e a miséria também aprisionam e humi­lham, vê-se como é demorado o despertar das consciências, embora a ur­gência que se impõe, a fim de que as marcantes desigualdades sociais, que estigmatizam e envergonham, possam desparecer.

É o eterno caminho do homem pelas mesmas estradas, no presente fugidio que logo será «outrora», depois de cada amanhã, procurando que seja coisa do passado a época em que «todos os ricos eram herdei­ros» e os pobres também, mas estes do não «status», do não-saber, do não-acesso às condições sociais e humanas, do não-direito à cidadania. (Georges Duby).

O Judiciário, por certo, tem aí, também, o seu papel a cumprir. Inú­meros os episódios, atuais alguns, antigos outros, mas que rompem a né-voa do tempo e chegam até nós, revelando que caminhos são abertos, es­paços são conquistados, pois embora o juiz não legisle — que esta não é sua missão — tem dado às normas de direito o sopro renovador. É que assim é necessário para que se possa prosseguir, dentro da lei e da or­dem, não apenas no reconhecimento dos direitos essenciais — que é pou­co apenas estarem no papel — mas que eles sejam realmente assegura­dos.

Nos Estados Unidos, a grande democracia americana, todos sabe­mos, foi intensa e dramática a luta pelos direitos individuais, com res­quícios que ainda hoje não estão de todo apagados quanto à discrimina­ção racial. E ninguém ignora o fundamental papel da Suprema Corte pa­ra eliminação ou minimização das desigualdades existentes, e que se es­tendiam desde o direito de voto ao do ensino.

Lembra Clóvis Bevilacqua (Linhas e Perfis Jurídicos, pág. 110) que juiz da Capital de Pernambuco, «com a serenidade augusta de quem cumpre um alto dever, recusou-se a aplicar, em 1985, o art. 60 do Códi­go Penal em vigor, que mandava converter em açoites a pena em que ti­vesse incorrido o pária negro da nossa organização social». Não ficou impune o juiz desassombrado, mas, prossegue Clóvis, «os magistrados resolveram afastar a pena iníqua, sentiram que era indigno de suas fun­ções passar, com as formalidades de uma lei anômala, o azorrague às mãos do carrasco para que, diante do povo revoltado e compungido, re­talhasse as costas do escravo delinqüente, salpicando de sangue o armi-nho da toga do executor da cruel sentença».

Já alertava Jefferson que «as leis e as instituições devem ir de mão com o progresso da mente humana. Com a mudança das circunstâncias também devem avançar as instituições, para manter-se ao ritmo dos tem-

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pos», mas acrescenta que se não houver uma conscientização geral «do que é necessário fazer ou deixar de fazer, com vistas ao bem comum, pouco adiantam planos, idéias, sistemas ou métodos».

E este é um pensamento que se ajusta, como luva à mão, à realidade brasileira.

Debatem filósofos e juristas, através dos tempos, e mais recentemen­te sociólogos e cientistas políticos, sobre os princípios basilares que mais de perto dizem com a própria natureza humana, quais os da igualdade, liberdade e justiça. Esta última, tomada na sua acepção mais ampla, so­brepuja a todas, pois se é certo que os conceitos de igualdade e liberdade se condicionam aos estágios das civilizações, o ideal de justiça é que for­ça as linhas do conservadorismo egoísta, ocupando espaços cada vez mais largos. É que a justiça que é o objeto do Direito — chegando a dizer-se que o Direito é o justo — possui o conceito «estreitamente entre­laçado com o drama da vida, onde o sentimento de sobrevivência e de ordem grita, emocionalmente, como inauferíveis, pela consciência coleti­va».

E é por isso que Stammler situa o Direito em plano de primazia den­tro da vida social.

Lembrei certa feita, ao saudar, em nome da Corte, os Ministros Cordeiro Guerra e Moreira Alves, em solenidade igual, as palavras que Manoel Bernardes atribui a Xisto V, quando o conclamou o povo roma­no a distribuir pão e justiça:

«Pão daremos com graça, justiça, por natureza. Uma e outra são coisas tão preciosas na República, que sem qualquer delas, não seria Re­pública. Não havendo justiça, quem terá pão, nem para seus filhos? Não havendo pão, quem guardará, nem com os seus próprios filhos, Justi­ça?».

Estas palavras que atravessaram séculos pela densidade do que de verdadeiro dizem, servem relembradas como um alerta para fazer pensar e agir, antes que, se assim continuar, o irremediável aconteça. E por isso mesmo é que José Guilherme Merquior — que tanto vazio deixa com seu precoce falecimento — advertia:

«O pensamento moderno precisa aderir com urgência à ética respon­sável, precisa afastar de si a tentação das convicções sem fibra para su­portar o peso da ação coerente. O humanismo da liberdade não saberia ser senão um humanismo da responsabilidade».

E acentuou: «O processo histórico não é um álibi». Estas reflexões as fazemos pelo momento de prementes redefinições

que se lançam, e pela crucialidade dos problemas que nos afligem e de sua magnitude, e que de muito transcendem os de cunho estritamente econômico — embora em grande parte deles dependam — «pois o Direi­to» — como defende Stammler — é o elemento incondicionado e neces­sariamente incondicionante de toda possível organização social.

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Nós, juizes, havemos de saber o que ê justiça, pois assim não sendo, e como advertia Sócrates, o homem não pode ser justo.

Mas como a Justiça não há de compreender-se apenas nos limites da aplicação da lei — embora seja esta a competência do Juiz — este há de conhecer o panorama, projetando sua visão analítica para a conjuntura política, social e econômica, no estudo dos fenômenos contingentes.

Não se imagine, portanto, que sob a austera singeleza da toga, no debate das questões jurídicas que nos estão afetas, encontramo-nos alheios à realidade circundante, mas, ao contrário, procuramos conhecê-la, para que possa ser dada à norma jurídica a interpretação adequada à contemporaneidade do fato social.

E só deste modo poderão os magistrados praticar seu ministério, tendo a lei como sede de onde irradiarão as decisões magnas assecurató-rias dos direitos fundamentais.

E assim sempre tem sido neste Supremo Tribunal Federal. Pouco mais de dois anos transcorreram desde que a nova Constitui­

ção foi promulgada. A expectativa que se formou em torno de sua elabo­ração, de tal modo enganosamente se agigantou, que parecia que ela — só por si — seria instrumento suficiente para resolver as nossas amplas dificuldades.

Compreende-se que tal acontecesse, no meio do povo em geral, pelo reacender de esperanças.

Mas não è bastante que passem a emergir, no mundo jurídico, nor­mas e preceitos que objetivem o fortalecimento das instituições, a segu­rança e o bem comum.

Muito é necessário fazer para que tais metas sejam alcançadas, desde a existência de amplos recursos, à edição de legislação complementar, a fim de que os novos institutos jurídicos criados na Carta de 88 possam ter força e vigor.

Ao Supremo Tribunal Federal — cuja preeminência no sistema judi­ciário do nosso país — encontra sede na própria Lei Magna — foi con­fiada, como já antes ocorria, mas agora com maior expressão, à guarda suprema da Constituição da República.

O controle da constitucionalidade das leis e dos Estatutos Funda­mentais dos Estados, é que, dentre todas as suas importantes competên­cias, por certo assume maior destaque. Nos Estados Unidos, de onde nos veio o modelo de nossa Corte Suprema, como, aliás, nas suas linhas mes­tras, a nossa primeira Carta Republicana, tal controle fez-se por impera­tivo da organização judiciária e política do país, sem que se encontrasse expresso, no texto da Lei Maior, tal função, tendo a construção jurispru-dencial fixado o princípio de que não poderiam prevalecer normas das leis ordinárias que divergissem das regras da Carta Magna.

A Marshall, ao decidir no caso pioneiro Madison v. Marbury, ficou a palma de definir a regra da supremacia da Constituição, eis que esta, resultante da vontade do povo, limitava o próprio Governo.

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E diz Barbalho que se não houvesse o freio do Judiciário, seriam quimeras direitos e liberdades.

Com a Constituição de 1988, se é certo que foi subtraído da compe­tência do Supremo Tribunal Federal o julgamento dos temas referentes à legislação ordinária, que passou ao Superior Tribunal de Justiça, insti­tuído naquela mesma Carta, veio a alargar-se enormemente o campo de possibilidades de a Corte Suprema examinar, por meio de ações diretas, preceitos legais e de constituições estaduais em relação às quais fosse ale­gado contrariarem a Lei Maior Federal. É que, enquanto anteriormente somente o Procurador-Geral da República poderia ajuizar representação para tal fim, com a nova Carta ampliou-se largamente o elenco dos que passaram a possuir legitimidade para propor aquele tipo de ação.

Com isso, já desde a nova Constituição Federal, até agora, ou seja, apenas dois anos e cinco meses decorridos, quatrocentas e cinqüenta e seis ações daquela natureza até ontem — número realmente impressio­nante — já haviam sido ajuizadas, algumas de enorme repercussão no âmbito federal e muitas de importante reflexo nos Estados.

A análise fria, imparcial, das decisões desta Corte, embora a maioria delas ainda não tenha ultrapassado os limites de medidas cautelares, tem certamente mostrado a altura com que se tem conduzido o Tribunal. Encontra-se ele imune a opiniões externas que tendem a formar-se em torno de determinados temas, pois, se assim não fosse, significaria, afi­nal, abdicação da competência que a Constituição lhe confere. Os exem­plos a respeito são vários e recentes.

E assim deve ser em qualquer dos graus da hierarquia do Judiciário. É preciso, de outra parte, que se compreendam as limitações existen­

tes no exercício do poder jurisdicional, mormente agora, quando se dis­cutem os novos institutos processuais que a Carta de 1988 criou, entre eles destacando-se, a par da referida ação direta de inconstitucionalidade, o mandado de injunção.

Sempre há de ter-se como norte de orientação primeira, que uma das pedras angulares da democracia, segundo o sistema que adotamos, é o respeito à harmonia e à independência entre os Poderes, Órgãos da sobe­rania nacional. E por esse motivo é que as Constituições brasileiras siste­maticamente têm isso deixado expresso, desde a de 1891, como um dos seus princípios sensíveis. Assim, não há de procurar o Supremo Tribunal Federal substituir o legislador na formulação de atos normativos que a este caiba elaborar, sob pena de subversão daquela regra primordial da tripartição dos poderes do Estado, que Montesquieu construiu e que pas­sou a ser adotada nos Estados democráticos.

A solução a ser obtida, mediante elaboração exegética do texto cons­titucional, não oferece a simplicidade que seria de desejar.

De um lado, no caso específico que venho de considerar, prevê a Carta o mandado de injunção, a ser requerido por aqueles que, já pos­suindo um direito, não o possam exercer por falta de disposição normati-

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va que assim o possibilite. De outra parte, tem-se a dificuldade existente, exatamente pela impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal vir a baixar normas com tal característica, substituindo-se ao Legislativo, suprindo-lhe a omissão.

Há, contudo, de encontrar-se o exato ponto de equilíbrio, a fim de que não sejam postergados os direitos que se reconheça como existentes, e que protejam determinadas situações jurídicas, mas sem que haja intro­missão do Judiciário no campo delimitado como de exclusiva competên­cia do Legislativo.

Creio, senhores, que não pode haver demora maior na pronta elabo­ração das leis complementares que a Carta prevê — e são muitas — a fim de que possa ela, efetivamente, corresponder às aspirações do povo, no quanto ficou consignado no seu texto, embora todos saibamos, das di­ficuldades que surgem, e que já se revelavam presentes quando dos tra­balhos do novo Estatuto Fundamental, até pela natureza de algumas das matérias nela inseridas, mais próprias da legislação ordinária. Mas, de outra parte, sentimos nos embates cotidianos que se travam nas Cortes de Justiça, e talvez mais acentuadamente neste Supremo Tribunal Fede­ral, que medidas legislativas urge sejam aprovadas, para dar efetividade a muitas das disposições constitucionais que disso dependem, para que não continuem inermes, causando desenganos.

Magnos problemas referentes à organização e funcionamento do Po­der Judiciário ainda subsistem, embora alguns já tenham sido resolvidos com a concessão da autonomia administrativa e financeira admitida pela Constituição Federal. O legislador constituinte, sensível aos reclamos da magistratura, que procurava que se tornasse efetivo o princípio de inde­pendência entre os Poderes, de certo modo tolhido pela falta da autono­mia, veio a deferi-la, reconhecendo ser indispensável à melhoria do fun­cionamento do aparelho judiciário, o que se revelou como providência extremamente salutar. Não fora isso, as dificuldades que estão surgindo em certos Estados, algumas de indiscutível seriedade, seriam ainda maio­res, talvez insolûveis.

De outra parte, porém, a autonomia não impede que se estabeleçam princípios gerais, de comum acordo entre os diversos tribunais federais, a fim de que critérios uniformes sejam seguidos, no tangente à administra­ção, com o objetivo de que se evitem desigualdades entre eles, sob vários aspectos, de vez que, integrando o Poder Judiciário da União, devem to­dos atender a determinados delineamentos, sem prejuízo das adaptações que estritamente caibam, para atender à peculiar situação de cada um.

Quando da saudação de posse que, em nome da Corte, proferi em oportunidade pretérita, entendi cabível acentuar, à base de experiência anterior, adquirida quando Ministro do Eg. Tribunal Federal de Recur­sos, que a fixação de tais critérios se fazia necessária. Após mais de oito anos nesta Corte, estou absolutamente convencido de que a providência indicada — embora bem possa imaginar que isso não será fácil — é de todo em todo salutar.

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Recordo, agora, a iniciativa do Sr. Ministro Cordeiro Guerra, na sua brilhante gestão à frente do Supremo Tribunal Federal, no sentido da criação de uma Escola de Magistratura, que considerou de «relevo no plano de valorização dos magistrados brasileiros», não tendo sido possível, contudo, a concretização da providência.

Creio que não só na ãrea federal, como na estadual, a necessidade da Escola se impõe, pois as dificuldades são notórias para preenchimento de vagas no quadro de juizes. Alguns Estados já a possuem; em outros deveriam ser instaladas, sendo de pensar-se em um sistema de regionali­zação, para diminuição de custos, e serviriam elas, não só para o aperfei­çoamento dos magistrados, mas ainda — e talvez principalmente — para funcionar como cursos preparatórios para o ingresso na carreira, suprin­do as deficiências dos candidatos, e lhes proporcionando ensinamento mais dirigido às funções judicantes.

Tal fórmula talvez seja a mais viável, para que os quadros da magis­tratura estadual, alguns com vagas que chegam a 25% do total — como é o caso do Estado de São Paulo — possam ser preenchidos. De minha parte procurarei dar mais um passo para tal objetivo.

Nada do que aqui foi dito é novidade, sei-o bem. Pareceu-me, con­tudo, que seria conveniente reiterar as mensagens para que elas se mante­nham vivas e possam, em futuro próximo, quem sabe, tornarem-se reali­dade.

O Supremo Tribunal Federal, ante a nova Constituição Federal, en­frenta um novo desafio. Constantemente será chamado — como já vem ocorrendo — a debater e julgar grandes questões constitucionais, e não podem subsistir dúvidas de que ainda mais se engrandecerá — no ofereci­mento de suas decisões. De grandes juizes sempre foi pontilhada a sua história, e ela se projetará sempre na senda da independência, da prudên­cia e da judiciosidade.

Tendo ao meu lado, na Vice-Presidência, o Ministro Sydney San-ches, que em breve assumirá a Presidência e ao qual me liga a mais fra­terna amizade, terei a tranqüilidade de uma colaboração extremamente valiosa, pois S. Exa. é um magistrado de qualidades excepcionais, pela sua cultura, capacidade de trabalho, senso jurídico e espírito público.

Agradeço, em meu nome e no do Ministro Sydney Sanches, às altas autoridades que aqui compareceram e que tanto prestigiaram esta soleni­dade, assim como a todos os demais e às Exmas. Sras. que aqui se en­contram.

Peço a todos os presentes que permaneçam em seus lugares, até que a Corte se retire, em companhia das autoridades, para o Salão Branco ao lado, onde haverá a confraternização da Corte, com os convidados, e os empossados receberão os cumprimentos.

Está encerrada a Sessão.

ESTA OBRA FOI COMPOSTA E IMPRESSA PELA

IMPRENSA NACIONAL, SIG, QUADRA 6, LOTE 800,

70604-900, BRASILIA, DF, EM 1993, COM UMA TIRAGEM

DE 200 EXEMPLARES

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