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O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO ECONÔMICA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOLIDÁRIO: UM CAMINHO QUE PASSA

ESTRATEGICAMENTE PELA ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA.

José Raimundo Oliveira LimaIncubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual

de Feira de Santana-UEFS, Bahia, Brasil

Resumo – Este trabalho apresenta o processo de orientação econômica para o desenvolvimento local solidário, compreendido como um desdobramento da discussão de desenvolvimento do ponto de vista das contradições teóricas na perspectiva da economia popular e solidária. Objetiva, assim, discutir o processo de orientação da ação econômica a partir de uma das suas principais bases, o desenvolvimento; considerado como um processo histórico para o melhoramento das condições estruturais da vida. A estrutura deste estudo resulta das reflexões a cerca de pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, cuja problematização circunda em torno da Economia Popular e Solidária como estratégia para o Desenvolvimento Local Solidário. Além disso, incorporou-se algumas contribuições resultantes do debate sobre o processo de incubação de iniciativas Populares Solidárias no Programa Incubadora de Iniciativas de Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana-Ba.

Palavras-Chave: Economia popular e solidária – Desenvolvimento local solidário – Orientação econômica.

INTRODUÇÃO

O processo de orientação econômica é um movimento histórico e dinâmico que

remonta a uma evolução do fazer e refazer dos processos políticos e sócio-produtivos. É

também norteado por um direcionamento macroeconômico que se aproxima de um

ordenamento de totalidade produtiva, tendo em vista a mobilidade global dos fatores de

produção capital e trabalho.

Neste sentido, uma ação econômica aplicada no centro financeiro de uma dada

economia pode resultar em consequências numa localidade1 no interior do Brasil.

Entretanto, essa premissa respalda-se, essencialmente, pela economia de mercado que

considera, apenas, o encontro entre ofertantes e demandantes para a realização de uma

oferta criada, sem compromissos, com demandas de um consumo consciente da

população.

Com efeito, esse processo verticalizado desconsidera os movimentos sociais, as

classes sociais, os processos educativos de saúde, de consumo, de trabalho, bem como

outras formas de organizações socioprodutivas como a economia popular e solidária,

1 Localidade neste caso está compreendida como um lugar, uma comunidade de pessoas com estrutura administrativa ou não, mas, que tenha características próprias na sua identificação socioeconômica.

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que se guia nas ações de orientação econômica considerando outros elementos de ordem

social, cultura, educacional, ambiental, organizacional, político e, em especial, os

conhecimentos e saberes locais.

Neste contexto, questiona-se: como se dá, então, o processo de orientação da

ação econômica movido pela economia popular e solidária, com vistas ao

desenvolvimento local solidário?

A reflexão acerca dessa questão não é tão simples de ser feita, pois as referências

sobre orientação econômica têm sido muito restritas. É o que nos faz, neste estudo,

trabalhar, exclusivamente, a partir de aproximações e sínteses da obra de Miglioli

(1983), segundo a qual o processo de orientação econômica se dá através dos

instrumentos diretos (leis, decretos, normas etc.), na órbita do poder público, e pelos

instrumentos indiretos (de ordem fiscal, cambial e monetária), na órbita preponderante

da dinâmica de mercado, ou da produção associada, conforme Tiriba (2001) das

iniciativas em redes.

Nesta esteira, discute-se o processo de orientação da ação econômica a partir de

um dos seus principais objetivos, o desenvolvimento. Com efeito, estendem-se as

reflexões teóricas da orientação econômica referentes ao objetivo do desenvolvimento

para a perspectiva do desenvolvimento local solidário. Este, necessariamente, origina-se

de dois processos: ação normatizada pelo poder público local, compreendida como

instrumento direto de orientação, articulada ao movimento organizativo de economia

popular e solidária de base local que de alguma forma interage com os instrumentos

indiretos forjados na produção associada.

Estes dois processos, não raro, são entrelaçados pela ação do poder público nas

dimensões da economia popular e solidária, social, econômica, educacional, ambiental e

cultural – o que é impulsionado, de certa forma, por instrumentos indiretos de

orientação da ação econômica.

Ressalte-se que, apesar do uso frequente dos termos planejamento, planificação

e orientação quase como sinônimos, tanto Migliolli(1983) quanto a proposta deste

estudo utilizam-se preferencialmente o termo orientação, por ter aplicabilidade

inconfundível ao objetivo do desenvolvimento, especialmente, enquanto processo

politico educativo local.

O processo de organização deste estudo surge a partir das reflexões

desenvolvidas na pesquisa de doutoramento no Programa de Pós-graduação em

Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, na linha de

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pesquisa Educação, Gestão e Desenvolvimento Local, bem como no Programa

Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de

Feira de Santana-BA e no seu Grupo de Estudos e Pesquisas em Economia Popular e

Solidária e Desenvolvimento Local Solidário (GEPOSDEL), assim, inscrito no CNPq.

1. O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO ECONÔMICA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO

O processo de orientação como elemento de organização estrutural dos Estados,

das organizações, entidades, instituições de fins econômicos ou não, tem, ao longo da

história, se destacado quanto à dinâmica das relações institucionalizadas da sociedade.

Neste sentido, se bem elaborado e com coerência interna, externa e política, tem sido a

melhor forma de se conseguir o desenvolvimento de um país, de uma região ou de uma

localidade.

O planejamento ou orientação, seja nos países socialistas, seja nos capitalistas,

de forma continua ou em épocas diferenciadas e descontinuas marcadas pelas

divergências paradigmáticas, foi ou é adotado, com alguma eficácia, para o objetivo a

que se propôs com conteúdos de contradições políticas que diferenciam os modelos

socioeconômicos.

Miglioli(1983) afirma que a planificação ou planejamento, considerado no seu

início exclusivamente de relevância em economias socialistas, iniciou-se na URSS

(União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e passou a ser visto como um conjunto de

procedimentos para se atingir determinados objetivos de economia política, mas, foi se

estendendo às demais economias da Europa. Destaca que o processo de planejamento

econômico se dá em fases, como o levantamento de dados, a análise da economia a

planejar, a elaboração do plano em si e a sua implantação, consideradas as fases mais

complexas.

O plano, embora revestido de estatutos normativos, não é simplesmente um

documento e deve manter as coerências internas, externas e políticas para estar

economicamente adequado à realidade, além, de compreender a área de abrangência, o

período de duração, modo de implantação, as variáveis dependentes ou independentes,

bem como a estrutura jurídica pertinente ao instrumento formal.

Nesta esteira, demonstrando o caráter processual do plano, Miglioli(1983)

lembra o surgimento da planificação na URSS e a forma como foi desenvolvida, como

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ocorreu seu processo de elaboração e execução dos planos socioeconômicos, destacando

a importância dos procedimentos técnicos utilizados. Para ele o planejamento

econômico ou “modo de orientação da economia” é a adoção de um conjunto de

medidas para realizar determinados objetivos econômicos e sociais que envolvem os

sujeitos de forma democrática e política. Argumenta que, de certa forma, toda

orientação econômica está focada na esfera macroeconômica, mas deixa claro que pode

haver, também, orientação no sentido da esfera microeconômica e local mediante

projetos.

Com efeito, o modo de orientação da economia refere-se tanto à política

econômica, quanto aos planos e aos programas socioeconômicos. Os planos e os

programas são formas mais específicas de orientação, e para que sejam utilizadas é

necessária uma política econômica organizada.

Os economistas soviéticos consideram o plano como uma forma de orientação

apropriada da economia socialista. No entanto, o programa seria também, mas, trata-se

do principal modo de orientação adotado nas economias capitalistas, conforme Rossetti

(1986).

Nos países socialistas, até meados de 1940, não se imaginava que o

planejamento de âmbito macroeconômico fosse possível em países capitalistas. O

planejamento era definido como uma característica própria das economias socialistas,

por isso era considerado como planificação da economia. Entretanto, a planificação

deixou de ser vista como uma característica exclusiva das economias socialistas, para

ser vista como um conjunto de procedimentos utilizáveis em qualquer economia para o

alcance dos objetivos previamente fixados, por isso evoluiu para planejamento ou

orientação, não obstante haja diferenças claras entre os sistemas socioeconômicos

(socialista e capitalista) quanto ao processo de articulação e uso dos instrumentos de

orientação econômica.

O entendimento sobre planejamento econômico para o Banco Internacional para

a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD)2 é que o plano, o programa e o projeto se

2 Banco Mundial é uma instituição financeira internacional que fornece empréstimos para países em desenvolvimento em programas de capital. O Banco é composto por duas instituições: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e Associação Internacional de Desenvolvimento (AID). O Banco Mundial começou a partir da criação do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) nas Conferências de Bretton Woods, em 1944, junto com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Por acordo, a presidência das duas instituições é dividida entre a Europa e os Estados Unidos, sendo o Banco Mundial presidido por um norte-americano, enquanto o FMI é presidido por um europeu.

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diferenciam de acordo com a maior ou menor amplitude do campo econômico por ele

abarcado.

O planejamento, na concepção de Miglioli(1983), apresenta um conjunto de

características comuns em qualquer economia: é voltado para o futuro, visa objetivos

determinados, implica a existência de um sujeito, sugere a escolha de um caminho ou

caminhos alternativos. As ações necessárias para atingir determinados objetivos

apresentam uma sequência lógica e são compreendidas de modo organizado. O

planejamento condiciona uma ampla diversidade de conhecimentos – os órgãos de

planejamento, quando existem, são em maioria, constituídos de especialidades e

articulação de diferentes áreas.

Nesta esteira, um método de orientação da ação econômica tende a apresentar

uma validez universal à medida que incide sobre um grupo ou caracteriza a economia de

maneira integral em diferentes países, estados ou municípios. Entretanto, com relação

aos aspectos sociológicos (trabalho com e entre grupos) do planejamento é impraticável

a aplicação de métodos iguais de mobilização social para o desenvolvimento em

sociedades que tenha diferentes padrões culturais, políticos, de valores e ideais.

Migliolli(1983), refere-se a um trabalho de Oskar Lange sobre a economia

política do socialismo, em que se apresenta uma classificação das leis econômicas com

base no seu grau de generalidades: a) leis gerais para todos os sistemas sócio-

econômicos; b) leis próprias de cada sistema econômico particular; c) leis comuns a

alguns sistemas econômicos (venda de mercadorias por dinheiro); d) leis comuns a tipos

particulares de superestrutura da economia (no capitalismo pode haver uma

preponderância da livre concorrência ou uma preponderância da organização

monopólica; no socialismo pode predominar a propriedade estatal ou a propriedade

cooperativa dos meios de produção).

Com relação aos países capitalistas, Milglioli(1983) destaca que o fim da

Segunda Guerra criou condições favoráveis à adoção do planejamento. A reconstrução

econômica dos países da Europa devastados pela guerra requeria a aplicação de recursos

em setores estratégicos e o Plano Marshall3 constitui-se num estímulo ao planejamento,

ao impor que os países beneficiários elaborassem um plano econômico de reconstrução.

3 O Plano Marshall, um aprofundamento da Doutrina Truman (Lei Americana de contenção para o avanço do socialismo no mundo), conhecido oficialmente como Programa de Recuperação Europeia, foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do Secretário de Estado dos Estados Unidos, George Marshall.

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A França saiu na frente no planejamento e a partir de 1960, os demais países

europeus decidiram seguir este caminho. A implantação do planejamento econômico na

França, país que contava com circunstâncias favoráveis, educacionais e, principalmente

políticas, pode se afirmar, de certa forma, exitoso e coerente, por isso continua

funcionando relativamente bem.

Com efeito, a evolução dos seus planos, desde a elaboração, implantação e

descrição de seus elementos básicos, pontua que o planejamento francês tem duas

vantagens: a primeira que é participativo, pois engloba toda a sociedade, inclusive, a

participação das empresas, o que o torna mais fácil de ser implantado e, a segunda, pois

aceita com facilidade o lado indicativo da orientação. A metodologia francesa se

sofisticou ao longo dos anos, uma vez que começou com uma simples junção de

programas setoriais, incorporou novas técnicas quantitativas de elaboração até chegar ao

modelo FIFI (Físico Financeiro) que projeta simultaneamente as variáveis físicas e

monetárias.

Dentre os países desenvolvidos, Miglioli(1983) destaca o Japão, que afirma ter

promovido, assim como a França, um planejamento econômico prevendo a

concentração de capital para aumentar a produtividade. Outros países da Europa

ocidental como Noruega, Suécia, Holanda, Bélgica, Áustria, Itália e Inglaterra também

adotaram o planejamento processual nesta perspectiva.

Nos países subdesenvolvidos, segundo Migliolli(1983), os planos econômicos

não passaram de documentos oficiais intitulados de planos, feitos sem qualquer

pretensão de serem implantados, sem nenhum tipo de coerência no processo de

elaboração. Para ele, esses são “pseudoplanos” com o objetivo de conseguir

empréstimos de instituições financeiras internacionais e, uma vez adquiridos os

recursos, tornavam-se “planejamento simbólico”. Porém, alguns países, nesta

classificação, como a Índia, tentaram implantar efetivamente o planejamento, mas, não

dispunha de pessoal técnico habilitado, recorrendo a técnicos estrangeiros, o que

contribuía para o seu insucesso, além disso, a descontinuidade das etapas redundavam

em tentativas aligeiradas e sem êxitos.

Neste sentido, o principal problema do planejamento em países

subdesenvolvidos não estava na sua elaboração, mas sim na sua implementação,

principalmente devido à insuficiência de apoio governamental, falta de integração dos

organismos de Estado e inadequação dos instrumentos de política econômica.

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Com isso, a orientação da ação econômica - seja planificação, planejamento, ou

orientação democrática e educativa – tem se mostrado essencial para o desenvolvimento

socioeconômico de um país, região ou município e apresenta um processo metodológico

que tem evoluído, uma vez bem elaborados, coerentes e implantados de forma racional,

mas, democrática e amplamente debatida, trará a sociedade ou comunidade relevantes

resultados.

2. O OBJETIVO DO DESENVOLVIMENTO E SUA PERSPECTIVA LOCAL

O objetivo do desenvolvimento econômico tornou-se, talvez, o principal

elemento das orientações para as ações econômicas. Observa-se, no entanto, que a

prática quase unânime das economias de mercado confunde desenvolvimento com a

busca desenfreada pelo crescimento. Não raro, assistimos a líderes de países

desenvolvidos ou em desenvolvimento discursando em favor do aumento do consumo,

não importa o seu caráter se fugaz ou necessário. Parece ser relevante, apenas, aumentar

Produto Interno Bruto, especialmente porque quase “tudo e todos” nessas economias

estão de certa forma, indexados por ele.

No tocante ao desenvolvimento local, observamos a criação de “ilhas de

excelências”, normalmente em regiões metropolitanas dos grandes centros ou em

regiões especializadas ou de aptidão agrícola, seguindo a mesma lógica do

desenvolvimento tradicional, vinculado muito mais à ideia de crescimento do que

desenvolvimento propriamente.

Contraditoriamente, neste processo temos observado um movimento pelo

desenvolvimento local solidário orientado por uma ação econômica mais específica, que

se dá através de políticas públicas, mobilizadas por movimentos sociais através de

outras dimensões como ambiental, cultural, educacional, política e social – não apenas,

portanto, mercadológicas. Na maioria das vezes, são processos conduzidos pela

economia popular e solidária, cuja ação, embora articulada a políticas de caráter

nacional e de orientação macroeconômica, move-se e tem tido caráter eminentemente

local e de atenção mais voltada para associações, cooperativas, incubadoras e grupos

solidários, o que não deixa de ser um movimento de caráter microeconômico nas suas

bases.

Busca-se, com isso, dar mais ênfase aos projetos, ao desenvolvimento de ações a

partir dos grandes planos, trabalham-se, assim, as especificidades que identificam as

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necessidades de cada fragmento social ou do poder público local, conforme Dowbor

(1995). Lida-se, desta forma, com uma totalidade integrada, de “baixo para cima”, num

caminho inverso ao processo econômico imposto pela globalização (especialmente)

financeira, tendo em vista que o processo financeiro ou creditício, que sustenta o

desenvolvimento local pela economia solidária, advém de fundos específico, próprios e,

na maioria, locais ou regionais em dinâmicas de finanças solidárias.

Com efeito, os recursos federais liberados através de editais ou demandas

espontâneas, embora tenham alguma relevância nos processos de desenvolvimento de

base local, não têm ajudado muito a este seguimento, pois os seus efeitos na ponta do

processo socioeconômico tornam-se muito lentos (diferentemente, por exemplo, as das

reduções e isenções de tributos para a grande indústria tradicional, de eficácia imediata).

Quanto a evolução das discussões sobre desenvolvimento, de maneira geral este

tem sido compreendido como um processo socioeconômico que qualifica os elementos

que compõe a dinâmica socioprodutiva, dentro ou fora dela, uma vez que busca

melhorar as condições de infraestrutura como estradas, escolas, equipamentos de saúde

etc., para a própria ampliação e melhoramento dos processos sociais e produtivos

agregados. Também atua sobre as condições da força de trabalho como formação,

qualificação, informação, tecnologia, adequadas a cada tempo e processo, com isso,

melhorando a vida do sujeito trabalhador considerando-se a dinâmica democrática do

processo de orientação. Entretanto, “os desenvolvimentos” tem sido focados, de regra,

não nos sujeitos, mas no processo produtivo sob a lógica do mercado.

Observa-se que algumas categorias de desenvolvimento, agrupadas e pensadas a

partir do conceito relacionado ao processo de produção capitalista que ao longo dos

anos procura se afastar da dependência da relação com desenvolvimento das forças

produtivas, conforme Furtado (1981) que remete a um vínculo essencial com o

crescimento econômico pelo movimento exógeno de capital, ainda que no caso do

desenvolvimento local solidário se encontrem bases para uma orientação contra-

hegemônica aos modelos de desenvolvimento predominantes, porque se articula numa

ordem de “baixo para cima” em movimentos tanto endógenos quanto exógeno de

investimentos integrados as dimensões de uma outra economia.

Os modelos predominantes (crescimento, desenvolvimento tradicional,

desenvolvimento local), entretanto, articulam-se de “cima para baixo”, numa clara

imposição hierarquizada e orquestrada globalmente, da maior para a menor acumulação

de capital, através de grandes planos de regra indicativos, orientados exclusivamente

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pelo movimento do capital em busca da maior lucratividade possibilitada pelos

instrumentos indiretos (fiscal, cambial ou monetário).

Com efeito, o processo de desenvolvimento sempre esteve ligado à lógica do

modo de produção capitalista que classifica a evolução da economia numa ordem de

setores (primário, o setor agrícola voltado para as atividades de extração primária dos

insumos para elaboração; o setor secundário, como a indústria responsável para

transformação dos insumos em bens elaborados; e, por fim, o setor terciário, como

sendo o setor de serviços acompanhado de tecnologias, conhecimento científico,

comércio, financeiro etc.). Queira ou não os setores secundários e terciários marcam o

desenvolvimento nas economias dominantes e são amparados por uma estrutura de

elevada tecnologia e mais simples de manutenção e “progresso”, relativamente, natural,

potencializador da chamada “inovação tecnológica”.

Esta lógica, mesmo ultrapassada e já tendo sido abandonada pelas teorias

econômicas, hierarquiza e classifica as relações produtivas entre economias nacionais,

regionais e locais e as coloca numa escala de poder de acordo com seu nível de

acumulação de capital, o que estabelece distâncias e critérios praticamente impossíveis

de serem alcançados por diversas nações/economias nos processos de busca de

vantagens comparativas.

Nesta esteira, faz-se necessária outra perspectiva de valorização das riquezas de

cada nação/economia, que quebre esta ordem hierárquica a partir da institucionalização

de outra lógica produtiva. Uma perspectiva que, por exemplo, faça com que um país

bem posicionado mundialmente quanto às riquezas naturais (preservação da natureza),

como é o caso do Brasil, ou de preservação histórico-cultural como é o caso da África –

ambos os casos que na estrutura global da economia tradicional estão situados em um

amplo setor primário (fadados ao baixo valor dos bens e do trabalho) – possam

posiciona-se em outra escala de valores que transcenda a classificação por setores e

possam colher créditos que recomponham suas relações e com isso revertam sua

situação de pobreza.

Nesta perspectiva, o conhecimento livre, os saberes, o conhecimento popular e a

educação popular, os saberes locais, passam a assumir uma posição com sentido

específico para outra realidade que prefira uma economia voltada para a reprodução da

vida e satisfação das necessidades, que não despendam esforços com a produção fugaz.

Nesta situação, a informalidade, bem como os “grande setores primários” e “ambientes

históricos” que permeiam todos os setores da economia tradicional passam a representar

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um potencial organizativo para uma economia em outra perspectiva: a economia

popular e solidária, cuja dinâmica organizativa politica e educativa pode conduzi-las aos

parâmetros de uma outra economia.

2.1 O DESENVOLVIMENTO LOCAL SOLIDÁRIO ENTRELAÇADO À ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA

A Economia Popular e Solidária, apesar das dimensões que ocupa e do

contingente potencial de trabalhadores que pode atingir, ainda é uma economia

considerada periférica, tendo em vista a sua dinâmica que emerge de reações adversas

às imposições do neoliberalismo globalizante. Além disso, as características ou traços

referentes aos laços de pertencimento, culturais, geográficos, políticos, educacionais, de

demandas às políticas públicas específicas etc., favorecem o movimento contra-

hegemônico pelo desenvolvimento local solidário em detrimento do desenvolvimento

tradicional.

Na perspectiva de Singer (2002), outras tipologias como cooperativas,

associações, empresas recuperadas, grupos informais permitem gestões mais

democráticas e solidárias capazes de abrigar trabalhadores fora do mercado formal de

trabalho, mas, situados nas diversas dimensões de atuação humana, por isso necessitam

de investimento público para organizá-los. Ressaltamos que estes trabalhadores pagam

o preço pelo endividamento público da estrutura produtiva vigente, mas, não são

responsáveis pelo déficit público existente, ou despendido no quadro infraestrutural da

economia tradicional.

Ressalte-se, ainda, que o desenvolvimento local solidário não tem potencializado

o déficit público, o desequilíbrio fiscal, nem o endividamento público, até porque as

condições orçamentárias dos municípios ou localidades, especialmente no Brasil, não

permitem e, além disso, o controle normativo e regulatório sobre o endividamento está

de certa forma sobre o poder da União ou dos Estados.

Esta forma de desenvolvimento solidário, na compreensão de Lima (2011) se

contrapõe à ordem imposta pelo crescimento econômico tradicional permeado de grande

endividamento e inversão de capital, que não beneficia toda população, mas, um

pequeno grupo, como, aliás, tem sido a construção de riquezas em vários lugares do

mundo.

Segundo Santos (2005), a localidade não compreende apenas um espaço físico

de delimitações geográficas, mas, elementos que se articulam para a formação política

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do sujeito na sua integralidade com o meio, propiciando-lhe condições de agir de forma

contra-hegemônica ao modelo de globalização neoliberal, na perspectiva do processo de

desenvolvimento humano.

Para Teixeira (2001), embora o desenvolvimento local esteja inteiramente

relacionado ao desempenho político do poder público local, ele não se dá “por decreto”,

constrói-se com os cidadãos. Não depende somente da combinação de recursos e fatores

de produção, mas, também, de fazer aflorar e viabilizar recursos e capacidades diversas.

Significa dizer que não há localidades previamente condenadas à pobreza ou ao

desprezo, mas, espaços sem projetos de desenvolvimento ou orientação de uma ação

socioeconômica eficaz.

Para Miglioli(1983), a orientação econômica, bem como seus resultados, estão

diretamente relacionados à sensibilidade do planejador e pode ser demonstrada nas

coerências internas e externas dos planos, programas ou projetos constituídos com bases

nos instrumentos de orientação econômica diretos ou indiretos. Desta forma, o poder

público, seja oferecendo, seja negando apoio, de alguma forma interfere na orientação

econômica de determinada localidade ou sociedade.

A produção e a comercialização de bens primários como alimentos, por

exemplo, entre tantas outras atividades de mesmo grau, tem demonstrado ser um dos

seguimentos da economia mais promissores e com características de respostas mais

rápida aos investimentos, constituindo-se, portanto, em elemento fundamental para

implantação de políticas de fortalecimento da economia, principalmente, em nível local,

capazes de influenciar, decisivamente, no aumento da produtividade e condições que

viabilizam menores custos, preços justos e consumo consciente, facilitando, então,

conforme argumenta Mance (2004) a evolução das redes o desenvolvimento local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho ora apresentado aponta algumas inferências no sentido da coerência e

integralidade do conjunto de ações que pode dinamizar o poder local ou o movimento

da economia popular e solidária, para uma orientação da ação econômica local. Esta

economia é pensada a partir de diversas dimensões da vida humana – social, cultural,

ambiental, política e educacional, e, com isso, move-se através de uma orientação

econômica mais ampla e flexível com base nos projetos que se caracterizam, conforme

observado neste estudo, pelo aspecto da especificidade e da amplitude local. Possibilita-

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se, desta forma, uma fuga oportuna das armadilhas para a exclusividade do movimento

das leis de mercado gerais. Nesta esteira, estão ações como o orçamento participativo,

as compras públicas locais, as cooperativas de trabalhos e produção.

Os projetos que, conforme observado, são parte integrante do processo de

planejamento, constituem-se em políticas públicas orientadas e atingem as esferas

microeconômicas, na medida em que lidam com unidades de cooperação, associações,

grupos informais e sujeitos que fazem um consumo consciente e solidário.

Com efeito, o envolvimento do cidadão, atrelado à possibilidade de mobilização

do poder público local, propiciando uma articulação integrada de coerências, tornam-se

elementos estruturantes da ação contra-hegemônica para o enfrentamento dos grandes

planos verticalizados e de natureza indicativa, dinamizados, essencialmente, por uma

pressão privada por parte de grupos econômicos de origem externa ou de fora do

circuito (monopólios e oligopólios externos).

Portanto, verifica-se que a ação econômica orientada pela dinâmica da

economia popular e solidária torna-se uma estratégia política de coerência interna e

externa para o desenvolvimento local solidário, desde que envolva o sujeito no processo

de orientação através de mecanismos conduzidos por instrumentos diretos,

especialmente, mas, sem desconsiderar os impactos dos indiretos de uma produção

associada.

REFERÊNCIAS

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FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.LIMA, J. R. O., SILVA, J. M. L da.A EFICIÊNCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO INDICATIVO DE ORIENTAÇÃO ECONÔMICA NO PERÍODO DE 1994 A 2002. Sitientibus (UEFS). , v.01, p.p. 209-226 - 226, 2011.MANCE, Euclides André. Fome Zero e Economia Solidária – O Desenvolvimento Sustentável e a Transformação Estrutural do Brasil. Brasília: DF, 2004. Disponível para acesso livre em http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/fomezero.pdf.MIGLIOLI, Jorge. Introdução ao Planejamento Econômico. São Paulo: Brasiliense, 1983.ROSSETTI, J. Paschoal. Política e programação econômicas. 7 ed. São Paulo: Atlas, 1986.SANTOS, Boaventura S. (org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.82-129.

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SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 1 ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2002. TEIXEIRA, E. C. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. São Paulo: Cortez; Recife: EQUIP; Salvador: UFBA, 2001.TIRIBA, L. V. (2001) Economia popular e cultura do trabalho: pedagogia (s) da produção associada. Ijuí: Unijuí.