Sociedade Da Informação, Capitalismo

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Comunicação e politica

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  • 98 RAE So Paulo v. 51 n. 1 jan./fev. 2011 098-106 ISSN 0034-7590

    pensata

    sOCIeDaDe Da InFORMaO, CapItaLIsMO e sOCIeDaDe CIVIL: ReFLeXes sOBRe pOLtICa, InteRnet e DeMOCRaCIa na ReaLIDaDe BRasILeIRa

    Jos antonio Gomes de pinhoProfessor da Escola de Administrao, Universidade Federal da Bahia Salvador BA, [email protected]

    Dos vrios impactos causados pela internet, o que mais interessa neste artigo o da rea poltica, mais es-pecificamente entender como a in-ternet pode provocar mudanas nas estruturas polticas no sentido de promover uma crescente democra-tizao. Quando se fala em poltica, dois ramos so obrigatrios para a anlise: de um lado, o Estado, por meio de suas estruturas e como estas se adaptam utilizao da internet no sentido de promover a participao, interatividade, transparncia e demo-cratizao de processos. De outro, a sociedade em seus movimentos no sentido da atuao poltica e suas interaes com o Estado exercendo um juzo crtico e participativo. De antemo, pode-se perceber que temos muito mais promessas do que efeti-vaes, estando algumas delas apenas ligeiramente esboadas.

    O objetivo deste artigo discutir como a sociedade da informao, por meio das TIC, mais especificamente

    IntRODUO

    A sociedade contempornea tem sido caracterizada como uma sociedade da informao pela centralidade que a informao tem assumido com as novas Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC), principalmente a partir da difuso da internet, que vem despertando mudanas de v-rias ordens nas relaes econmicas, sociais, polticas, culturais e filosfi-cas. Essas mudanas ainda esto em aberto, e se transformam medida que a prpria internet redefine seu escopo e alcance. Parece que a in-ternet pode ser colocada como um marco civilizatrio: a vida antes e de-pois da internet, pois ela tem criado expectativas elevadas de mudanas, algumas at revolucionrias. Como estamos frente a uma realidade ain-da em construo e que muda muito rapidamente, muitas concluses de-vem ser vistas mais com um carter precrio do que perene.

    da internet, pode constituir no s uma nova forma de fazer poltica, mas de fortalecer a prpria polti-ca. No mbito nacional, a questo parece assumir foros ainda mais de-safiadores. Em uma sociedade consi-derada passiva, acomodada, a inter-net teria condies de romper essa situao estrutural? At que ponto a internet pode mudar um quadro estrutural existente e tornar-se um ponto de ruptura na forma tradi-cional de fazer poltica por parte da sociedade civil? At que ponto a internet, pelos seus conhecidos atri-butos de interatividade, facilidade de contato, funcionamento permanente e on-line, teria capacidade de ativar e promover uma participao poltica maior da sociedade civil? Por outro lado, tambm se pode argumentar que, se a sociedade civil no se mo-biliza para participar politicamente pelos canais convencionais, tradicio-nais, ser que ir, agora, recorrer internet para alterar esse estado de

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    coisas? Ainda que no encontre res-postas definitivas e completas para essas questes, este artigo objetiva fazer reflexes para o avano do seu entendimento.

    OtIMIsMO e pessIMIsMO QUantO atIVIDaDe pOLtICa na InteRnet

    Na anlise dos impactos polticos da internet, observa-se a presena de dois tipos de analistas: os otimistas e os pessimistas, entre outras cate-gorizaes. Para os otimistas, [d]escentralizao, interatividade, mul-timidialidade, transnacionalidade e transculturalidade so oportuniza-dos pelas novas tecnologias, enquan-to para os pessimistas gera-se isola-mento e alienao, comercializao sem trguas dos espaos pblico e privado, e o surgimento de novas for-mas de colonialismo digital e diferen-as sociais de classe (DOMINGUES, 1999, p. 117).

    Segundo os otimistas, estaramos prestes a viver uma transformao radical da democracia representativa em democracia plebiscitria, suporta-da pelo aumento da participao dos cidados nas decises dos governos viabilizado pelo voto eletrnico. A internet permitiria radicalizar a de-mocracia, criando um novo espao pblico construdo em torno de uma sociedade civil que se organizar margem do Estado (SORJ, 2003, p. 57). A internet ainda teria um papel significativo ao romper com o poder da mdia, que estrutura a vida poltica contempornea promovendo o rela-cionamento direto entre os polticos e os cidados, bem como o seu uso por jornalistas rebeldes, ativistas polticos e pessoas de todo tipo como um canal para difundir informao e rumores polticos (CASTELLS, 2003, p. 129).

    Os otimistas enxergam na inter-net um potencial criativo, libertrio, emancipatrio, de trocas de conte-do (MANEVY, 2009, p. 33). Isso no pouco, mas outros ainda vo alm. O Renascimento e a evoluo do ca-pitalismo criaram especializaes, e com as TIC, a partir dos anos 1960, ocorre uma reverso desse processo (AMADEU, 2009, p. 67), e mediante o uso da rede, que unifica o que era construdo separadamente, cada vez mais cincia, tecnologia e arte se jun-tam (AMADEU, 2009, p. 68). Uma das caractersticas da rede libertar: liberta o texto do suporte papel, li-berta a msica do suporte vinil, liberta a imagem do suporte ali da pelcula (AMADEU, 2009). As redes tambm comportam outra situao, em que existem comunidades que so des-territorializadas, que no esto ali cara a cara e que tm laos fortes, so grupos formados a partir da internet. Essa seria outra forma de fazer polti-ca extremamente animadora, por ser uma rede onde a inteligncia est na periferia, e no no centro (AMA-DEU, 2009, p. 75) e por no ter uma empresa que mande nela, mas sendo algo que est na mo das pessoas, so elas que construram (AMADEU, 2009, p. 77).

    Outra manifestao otimista v uma democratizao gigantesca na internet por conta da possibilidade de se ter acesso a livros e onde se pega tudo (CASTRO, 2009, p. 87). Na li-nha de expectativas revolucionrias, identifica-se a emergncia de outros produtores culturais situados na pr-pria sociedade, com a ausncia de intermedirios (LEMOS, 2009, p. 99). Hollywood e a Rede Globo tm que competir com pessoas que pro-duzem vdeos e os colocam no You-Tube, realizando uma transferncia de poder (LEMOS, 2009), apontan-do, porm, para o risco de a internet adotar o modelo de broadcast, o que

    elimina a possibilidade do usurio pequeno e sem dinheiro para falar com muita gente (LEMOS, 2009, p. 100). O risco de a internet vir a ser re-gulamentada que acabar sobrando espao apenas para os grandes e para os grandes que esto estabelecidos (LEMOS, 2009, p. 101). Assim, o ter-ritrio de liberdade e de criao da internet estaria correndo alto risco se esse caminho se viabilizar.

    Pode-se perceber que a ideia de revoluo, democratizao, no faz referncia atividade poltica con-vencional. Infere-se que se abre com a internet uma atividade poltica parte dos meios convencionais, os partidos polticos. Vale relembrar que estes j tm perdido espao nas ltimas dcadas para os movimentos sociais, e que, agora, a internet pode-ria ser a p de cal nos partidos. Mas, tambm, ainda no d para afirmar nada mais concreto sobre uma pos-svel revoluo na poltica a partir do meio digital.

    Nota-se que a palavra revoluo tem sido usada de uma maneira mais livre, sem rigor conceitual. A cultu-ra digital significa uma revoluo em termos de hbitos cotidianos ao quebrar a sociedade industrial trans-formando-a em uma exploso, a sociedade em rede (COELHO, 2009, p. 121). O que se infere dessas argu-mentaes a expectativa de uma mudana mais ampla, podendo-se pensar em uma sociedade sem dono, o que demandaria uma nova forma de fazer poltica, e no apenas uma mudana focada na poltica tradi-cional. A partir dessa afirmao j se pode perguntar se seria possvel uma mudana fundamental no partindo da poltica propriamente dita, mas, talvez, de movimentos mais anr-quicos ou caticos, individualizados. A mudana na poltica, na forma de fazer poltica, viria de outras reas, fundamentalmente a partir da disse-

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    minao da informao e do conhe-cimento, em direo poltica.

    Nessa linha, Andr Lemos chama a ateno para o fato de que as tecno-logias que temos agora disposio permitem a transformao comuni-cativa, poltica, social e cultural efe-tivamente (LEMOS, 2009, p. 136) devido a se poder transitar informa-o, bens simblicos, no materiais, de uma maneira indita na historia da humanidade (LEMOS, 2009). O computador e a internet geram algo que radical: A possibilidade de produo coletiva, colaborativa e distributiva da informao (LEMOS, 2009, p. 137). Podemos inferir daqui que se confirma uma ideia de que estamos vivendo de uma revoluo da informao e da possibilidade da produo coletiva e independente da informao.

    Tudo isso leva a expectativas ele-vadssimas com a internet ao se con-siderar que pela primeira vez as pessoas esto efetivamente podendo produzir ou tentar buscar sentido nas suas vidas a partir desses dis-positivos (LEMOS, 2009, p. 140). Ainda que exale esse otimismo, An-dr Lemos identifica, no entanto, um grande desafio nesse contexto que fazer com que as pessoas pro-duzam coisas colaborativamente e tambm de maneira distributiva (LEMOS, 2009, p. 140), o que se choca com o fato de estarmos acos-tumados durante muitos sculos a ser espectadores passivos dos meios de comunicao, sendo o mximo da incluso a possibilidade de ser um espectador crtico (LEMOS, 2009). Com as novas tecnologias e a interatividade, torna-se possvel, agora, no s criticar o jornal e o programa de TV, como pode a pessoa fazer seu prprio jornal, bem como filme e msica. Parece estar ficando claro que a poltica no meio digital se desgarra da poltica convencional

    baseada em partidos polticos arregi-mentando outros tipos de militantes, mais baseados em grupos ou ativida-des individuais que se distanciam das aes tpicas dos partidos polticos.

    Porm, ele deixa claro que no se vive nenhuma panaceia participati-va (LEMOS, 2009, p. 141), que a mera participao e colaborao vai resolver todos os problemas (LE-MOS, 2009, p. 142). Retoma o autor o otimismo por podermos emitir livremente, nos conectar aos outros, ns conseguimos reconfigurar a cul-tura, a sociedade, a poltica (LEMOS, 2009). Concordando em tese com o autor, vale lembrar que apenas uma parcela pequena das pessoas teria disposio participativa e desejo de reconfigurar a sociedade e a poltica.

    Tambm para Andr Parente o digital mudou completamente e sub-verteu todas as ordens do econmi-co ao poltico, ao artstico (esttico, no caso), prpria relao entre as pessoas (PARENTE, 2009, p. 165). Trouxe uma transformao radical na forma como as pessoas passaram a produzir. Com a internet, ocorrem mudanas at na indstria, possibili-tando ao consumidor montar o seu prprio carro, bem como a possibili-dade de cada um fazer a sua progra-mao (filmes, documentrios, pro-gramas) baixada do computador. A rigor, pode-se perceber que, mesmo que isso esteja acontecendo, ainda uma pequena parcela da populao que o faz ou pode faz-lo.

    A informao tambm pode ser vista como ampliao das possibi-lidades de escolha, representando uma liberdade de escolha, e dis-so resulta o aparecimento de uma nova gerao muito mais crtica (SANTANA, p. 199), o que pode ser entendido com maior informao poltica para a deciso. Andr Stolar-ski observa que existe uma transfe-rncia ntida de parte importante da

    vida das pessoas para o mbito das redes, transferncia essa marcada por uma dialtica muito comple-xa, onde multides so postas em movimento (STOLARSKI, 2009, p. 217), identificando a capacidade de a internet poder desmontar a estrutura tradicional da grande im-prensa, das editoras enfim (idem, p. 18). Esse movimento poderia, ento, ser visto como um ataque ao grande capital, o que se constitui em uma atividade poltica propriamente dita. Considera o autor que existe uma boa democratizao de acesso aos meios digitais, de modo que todo mundo pode ser designer (STO-LARSKI, 2009, 226), e, estando as ferramentas mais acessveis e no estando mais o conhecimento na mo de especialistas, as pessoas conseguem produzir (STOLARSKI, 2009). Nota-se, novamente, a inter-net como um espao de manifesta-o da autonomia e da possibilidade de confrontar o capital, o que pode, por um lado, ser visto como poltico, mas tambm no podendo se enxer-gar nada muito revolucionrio at porque o capital (leia-se o grande capital) pode no s conviver com essas novas formas de produo de conhecimento, como tambm vir a se apropriar delas, colonizando-as, como ser desenvolvido abaixo.

    A cultura digital pode abalar al-guns conceitos que estavam bastan-te cristalizados na nossa sociedade, por pelo menos um ou dois scu-los (ESTEVES, 2009, p. 243). Com as novas tecnologias digitais, muda tanto o texto como o leitor, o au-tor, a leitura, todos os processos de produo, circulao e aquisio de conhecimento (ESTEVES, 2009). Na rea da cincia, uma mudana fundamental, que representa uma ameaa a um sistema muito antigo de validao do conhecimento cientifi-co, que reviso por pares idem, p.

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    245), est corporificada no arXiv, que um repositrio de artigos onde os documentos postados vo recebendo crticas, gerando uma reviso mais aberta e por um nmero maior de avaliadores do que na reviso por pares. Como se pode constatar, a in-ternet e toda a arena digital abrem um leque de possibilidades de ati-vidades colaborativas na produo de conhecimento como nunca antes experimentada na trajetria humana.

    A possibilidade de os pesquisa-dores construrem os seus prprios sites para divulgar seus interesses de pesquisa com mais liberdade, in-dependentemente das instituies a que pertencem, seria impossvel an-tes (HERCULANO-HOUZEL, 2009, p. 280) da internet e pode ser vista como outro passo para as pessoas se desconectarem das instituies, ou seja, promoverem uma desinstitu-cionalizao, onde os empregados podem prescindir de suas institui-es, criando canais de comunicao diretos com a sociedade para expor seus trabalhos, pesquisa, ideias etc.

    Outro aspecto da internet conside-rado sua invisibilidade (PRADO, 2009, p. 51): ela nasce porque ela era invisvel, no foi percebida pelo mundo corporativo como possibili-dade de negcio e nem pelo mun-do regulatrio como ameaa para nada, no sofrendo regulao nem cooptao, e quando notada j grande o suficiente para ser anrqui-ca, catica, incontrolvel (idem, p. 52). Podemos inferir aqui o carter contra-hegemnico da internet de tentar construir uma nova ordem sem que haja uma efetiva percepo do que est acontecendo por parte dos setores hegemnicos.

    Com a conectividade que se gera, uma pessoa pode voltar a ser um agente de cultura, o que re-presenta um deslocamento radi-cal (DOWBOR, 2009, p. 57), pois

    quanto mais se generaliza o conhe-cimento [...], mais toda humanidade enriquece (DOWBOR, 2009). Aqui, a generalizao do conhecimento pode ser vista como uma atividade poltica. O conhecimento se enri-quece em processos interativos de pesquisa (DOWBOR, 2009) e leva ao deslocamento do paradigma da competio para o paradigma da co-laborao (DOWBOR, 2009, p. 64). Ainda que jamais a competio desa-parea, a prtica colaborativa pode ser dominante (DOWBOR, 2009), a evoluo para a sociedade do conhe-cimento no garante, mas abre sim a possibilidade de sociedade muito mais democrtica (idem).

    At aqui examinamos uma viso predominantemente otimista. Os pes-simistas, por sua vez, entendem que a nova sociabilidade virtual destri as bases da interao que permite a construo do espao pblico e au-menta a capacidade de controle da populao pelo Estado (SORJ, 2003, p. 49). O problema reside fundamen-talmente no fato de que a internet destri as relaes face a face, que se-ria a nica fonte de comunicao ca-paz de gerar grupos slidos e estveis, com memria histrica (no lugar do mundo atemporal da internet), que seria a nica base possvel de susten-tao de uma vida publica e de ao poltica constante. Da resultaria o controle crescente do Estado e das empresas sobre os cidados (SORJ, 2003, p. 57). Para outro pessimista, as interaes na rede so somente um plido substitutivo das interaes cara a cara, isto , das verdadeiras in-teraes (SARTORI, 2001, p. 40). O interagir um contato empobrecido que afinal nos deixa sempre sozinhos diante de um teclado (idem), ainda que, relativizando, as potencialida-des da internet so quase que infi-nitas, tanto no mal quanto no bem (SARTORI, 2001, p. 42). Como posi-

    tiva pode ser vista a obteno de in-formaes e conhecimentos, contudo a maioria dos usurios da internet no deste tipo e, na minha previso, nem vai ser (SARTORI, 2001), mas analfabetos culturais que mataro o tempo na internet, um tempo vazio na companhia de almas gmeas esportivas, erticas, ou entretidos em pequenos hobbies (SARTORI, 2001, p. 43).

    A participao poltica possibili-tada pelas TIC tem sido considerada como uma das promessas da inter-net. No entanto, os resultados, como colocado abaixo, tm sido muito modestos. A participao tem quer entendida no contexto da contem-poraneidade, onde se tem detecta-do um abandono ou desvalorizao da poltica. A poltica est em crise tanto por fora de uma situao ob-jetiva, estrutural, quanto por fora da ativao de projetos ideolgicos bem especficos e da dissoluo, ainda que relativa, das utopias fundamentais da modernidade (NOGUEIRA, 2001, p. 18). Na sociedade contempor-nea, a combinao de informtica, internet, grandes redes de comuni-cao, mdia, televiso e indstria de entretenimento ajuda decisivamente a deslocar a poltica, convertendo-a num espetculo dentre outros, bana-lizando-a, tirando-lhe eixo e substn-cia (NOGUEIRA, 2001, p. 18). Isso posto, o cidado perde seus referen-ciais e fica confuso, entediado com o roteiro e empanturrado de infor-maes que no consegue decifrar, foge da poltica (NOGUEIRA, 2001, p. 22). Para aqueles que acreditam na participao poltica dos setores mais populares, as expectativas no so animadoras. Os mais pobres, permanentemente insatisfeitos com o que tm e com o que recebem dos governos, do Estado ou da comuni-dade, no encontram motivos para se interessar pelo jogo poltico ou para

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    ser leais s instituies polticas (NOGUEIRA, 2001, p. 22).

    Ademais, observa-se uma radi-calizao do processo de individua-lizao, no qual o individuo no se sente mais pautado pelos valores tra-dicionais ou nas normas, instituies e ideologias da modernidade (ptria, partidos, trabalho, famlia patriar-cal)... (SORJ, 2003, p. 38). Por ou-tro lado, o indivduo, ao se conectar no contexto das informaes globais e ao proporcionar o aumento de seus contatos com diversas redes sociais, participa do processo de radicaliza-o do individualismo, na medida em que o desvincula do contexto local, aumentando suas possibilidades de insero nos mais diversos tipos de mundos significativos (SORJ, 2003, p. 39). Assim, a internet, ao mesmo tempo que possibilita uma insero maior do cidado, tambm repre-senta uma fuga do enfrentamento de seus problemas mais prximos e imediatos.

    aLGUMas eXpeRInCIas e ResULtaDOs

    Em meados da dcada de 1990 j era constatada a existncia de milhares de comunidades virtuais, perceben-do-se, no entanto, o carter efmero dessas redes quanto participao dos interessados, pois a maior par-te das contribuies para a intera-o espordica, com a maioria das pessoas entrando e saindo das redes para atender s mudanas de inte-resses e expectativas no satisfeitas (CASTELLS, 1999, p. 386). Pinho e Winkler (2008), analisando uma lista de discusso de docentes da Univer-sidade Federal da Bahia, detectaram tambm uma verdadeira anemia par-ticipativa, mesmo em um grupo ho-mogneo, sem problemas de cognio nem de incluso digital.

    Na Cidade Digital de Amsterd (DDS), implantada em 1994, basea-da em parmetros slidos de cons-truo de transparncia, os residen-tes expressavam seus sentimentos, formulavam suas opinies, organi-zavam protestos e votavam em pro-postas (CASTELLS, 2003, p. 121). Nos primeiros anos o grau de inser-o e de participao cidad na DDS foi impressionante, caindo, no en-tanto, rapidamente nos anos seguin-tes (CASTELLS, 2003, 125). Essas experincias parecem apontar para um aparente paradoxo: por um lado, foram bem-sucedidas nos primeiros anos, produzindo uma sociedade ati-va, com cidados dispostos a partici-par e expressar seus pontos de vista polticos. Por outro lado, com o passar do tempo, perderam o interesse e o engajamento poltico minguou, para-doxalmente em um perodo em que os recursos digitais se aperfeioavam. Possivelmente saram os cidados e ficaram os usurios.

    Dessa forma, as potencialidades e possibilidades democratizantes da internet esto longe do esperado, j que os governos usam a internet ape-nas como um quadro de avisos, o mesmo acontecendo no Legislativo, onde os parlamentares respondem aos e-mails de forma protocolar, como no caso do Reino Unido (CAS-TELLS, 2003, p. 128). Do ponto de vista da sociedade, tem-se a mesma situao com a utilizao de infor-maes polticas presentes na rede apenas de forma marginal (CAS-TELLS, 2003, p. 128).

    Isso tem levado a se relativizar o papel e o potencial da internet, pois seria surpreendente se a internet, por meio de sua tecnologia, inver-tesse a desconfiana poltica profun-damente arraigada entre a maioria dos cidados no mundo todo (CAS-TELLS, 2003, p. 129). A internet no pode ser vista como uma tbua de

    salvao para os problemas da falta de participao poltica. Alm disso, dada a crise generalizada de legiti-midade poltica que marca o mun-do contemporneo, e a indiferena dos cidados por seus representantes, poucos se apropriam do canal de co-municao interativo, mutidirecio-nal, fornecido pela internet, de ambos os lados da conexo (CASTELLS, 2003, p. 129). Assim, os polticos divulgam suas declaraes e respon-dem burocraticamente, enquanto os cidados no veem muito sentido em gastar energia em indagaes po-lticas, exceto quando atingidos por um evento que desperta sua indigna-o ou afeta seus interesses pessoais (CASTELLS, 2003, p. 129). Ento, o problema no estaria em falhas da internet, em promessas no atendi-das por esta, mas na prpria crise da democracia (CASTELLS, 2003, p. 129). J se mostrou que existe tecnologia suficiente para promover interaes entre cidados e governos, mas pouca democracia no sentido de que esses canais no so ativados para criar uma verdadeira democracia di-gital (PINHO, 2008).

    Considerando todos esses argu-mentos, parece ser possvel afirmar que o to decantado potencial re-volucionrio da internet deve ser relativizado. Para esse potencial se realizar, depende da predisposio poltica do Estado e da sociedade civil, por meio de suas instituies, associaes e movimentos sociais. No contexto brasileiro, assistimos a deficincias e limitaes histricas e estruturais nos dois componentes dessa equao poltica. Em sntese, a internet pode ser vista como instru-mento facilitador da participao da sociedade no governo e do exerccio do controle social, com conscincia, no entanto, de que no ser por meio da tecnologia que se criar a partici-pao, nem o controle social, mas,

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    se j existem mecanismos para isso, ento ela pode facilitar sua concreti-zao (CHAIN, CUNHA, KNIGHT e PINTO, 2004, p. 49).

    a pOLtICa eM pRIMeIRO pLanO

    Como podemos perceber, a questo poltica no aparece de forma expli-cita, repousando as percepes e ex-pectativas sobre o papel da internet muito mais nas possibilidades de acesso informao, produo de conhecimento fora dos padres tra-dicionais da empresa capitalista e nas transformaes radicais nas relaes sociais que o instrumento enseja. No se visualizam maiores expectativas com possibilidades de transforma-es na forma de fazer poltica por meio da internet

    Eugenio Bucci traz uma perspec-tiva mais abertamente poltica ao re-lembrar que o capitalismo no sabe existir sem se revolucionar a cada segundo, a cada dia (BUCCI, 2009, p. 204). Estaramos vivendo, na atu-alidade, uma revoluo equiparada Revoluo de Gutemberg (BUCCI, 2009), constatando uma ebulio utpica em torno da internet e em torno das novas tecnologias digitais, como se elas trouxessem a igualdade, a voz para todos (BUCCI, 2009). No entanto, no necessariamente essa tecnologia trar mais democratiza-o, mais acesso ao poder, incluso. Isso no est embutido no DNA da tecnologia (BUCCI, 2009), sendo mais correto trabalhar com a ideia de continuidade, como nas tecnologias do cinema e televiso, do que hiper-valorizar a ruptura (BUCCI, 2009).

    Trazendo o debate da questo para a realidade especfica do pas, o au-tor aponta uma barreira no fato de termos um pas onde os analfabe-tos funcionais so muitos, ou seja,

    uma pessoa que l, mas no com-preende o que l (BUCCI, 2009, p. 205). Em outras palavras, a pos-sibilidade de revoluo relativiza-da tanto por conta da condio da tecnologia propriamente dita como das condies objetivas da socieda-de brasileira. Essa situao agora se transporta para a rede. Tem algum que entra no computador, que aces-sa o e-mail, mas ainda excludo de uma srie de vantagens s quais no tem acesso (BUCCI, 2009), entre elas a manifestao poltica. Em sua viso, seria um outro nvel de anal-fabetismo (BUCCI, 2009), que pode-ramos chamar aqui de analfabetismo funcional digital. Alm do mais, a imagem exerce um peso muito gran-de na internet, o que pode facilitar a navegao dos analfabetos funcio-nais digitais. So includos digital-mente, mas apenas aos acessos mais fceis de compreender, aqueles que no exigem muita cognio. Seria o equivalente a manusear apenas uma revista com muitas fotos e pouco texto, acessvel a pessoas com baixo nvel de escolaridade. Dessa maneira, a mesma tecnologia que veio para permitir que mais pessoas tivessem acesso ao espao pblico estabeleceu tambm uma diferenciao vertical que antes no estava posta (BUC-CI, 2009), expressa pelo grau de tecnologia que voc pode manusear, depois pela familiaridade com que voc tem acesso a milhes de dis-positivos (BUCCI, 2009, p. 206), ou seja, pela cognio do usurio. Assim, para ter um acesso privile-giado ao mundo digital, voc precisa contar com essas coisas: mais tecno-logia e mais poder de mobilizao (BUCCI, 2009). Dessa maneira, no est prevista a criao de nenhuma espcie de utopia socialista digital (BUCCI, 2009), dado que tudo que vem ocorrendo no revoga as leis do capitalismo, muito pelo contr-

    rio, a internet turbina os processos pelos quais o capitalismo vai operar, o que vai se dar pela diferenciao (BUCCI, 2009). H um reconheci-mento de que fazer associaes ficou mais fcil com a era digital, no que-rendo isso dizer, porm, que a lgica solidria ou colaborativa suplante a lgica acumulativa (BUCCI, 2009), pois continuar a prevalecer a lgica da remunerao do capital (BUCCI, 2009). Em outras palavras, no a tecnologia que muda a sociedade. Nunca foi. A sociedade, ou os movi-mentos sociais ou as relaes sociais, o que d sentido social e histrico para a tecnologia, e no o contrrio (BUCCI, 2009).

    A questo da liberdade de produ-zir contedos para postar na inter-net s ter viabilidade econmica se despertar mobilizao do pblico (BUCCI, 2009, p. 209). Em outras palavras, sem dvida a internet cria possibilidades infinitas de participa-o, mas estas s se cristalizam se despertarem o interesse de um gran-de nmero de usurios. Temos, as-sim, sem dvida uma liberdade, mas que no conduz necessariamente a mudanas coletivas. Ento, passado esse deslumbramento, ir incidir a nova forma de concentrao de ca-pital e a acumulao vai acontecer outra vez (BUCCI, 2009).

    A internet no tem a ver com o que Habermas chama de esfera p-blica, mas, sim, com o conceito de mundo da vida, sendo que [o] mun-do da vida est posto desde antes de se pensar a internet (BUCCI, 2009, p. 211). Relembrando que o mundo da vida o lugar em que as coisas acontecem, em que as pessoas se en-tendem, onde se tecem os sentidos o mundo feito das coisas mais ou menos naturais, dos repertrios no problemticos (BUCCI, 2009). Com a internet, esse mundo da vida ga-nhou visibilidade (BUCCI, 2009, p.

  • pensata sOCIeDaDe Da InFORMaO, CapItaLIsMO e sOCIeDaDe CIVIL: ReFLeXes sOBRe pOLtICa, InteRnet e DeMOCRaCIa na ReaLIDaDe BRasILeIRa

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    212), e os conceitos de esfera pblica, de sociedade civil, entre outros, esto, na concepo habermasiana, conecta-dos ao mundo da vida, se abastecem do mundo da vida (BUCCI, 2009). Cita o autor como assuntos, interes-ses do mundo da vida, coisas prosai-cas, tais como a criao de canrios, filmes alemes da dcada de 1950 ou pessoas que querem fazer a peregri-nao de Santiago de Compostela. O que mais fascina as pessoas que pensam e que olham para a tecnologia essa efervescncia de tantas coisas diferentes, tantas pessoas falando ao mesmo tempo, se manifestando. Ora, isso o mundo da vida (BUCCI, 2009). Alm de causar fascinao, nos faz ter a iluso de que a internet uma forma de comunicao iguali-tria. E, assim, a internet posta em seu devido lugar por dar visibilidade para processos que estavam a e que passaram a ser interconectados, mas ela no inventou esses processos. Ela d visibilidade e permite que eles afluam mais rapidamente para uma projeo para possveis espaos p-blicos (BUCCI, 2009). E que no se caia no deslumbramento de que um outro espao pblico. No bem assim, o que houve foi uma com-plexificao desse espao (BUCCI, 2009). E o autor coloca as coisas em seu lugar, dando uma ducha fria nos otimistas, ao asseverar no ter havido uma refundao da humanidade ou das comunicaes (BUCCI, 2009).

    A poltica explicitamente inseri-da na abordagem da questo digital ao considerar a nossa brutal diferena de classes (RISRIO, 2009, p. 295). Para tornar vivel a incluso digital, torna-se necessrio ter incluso so-cial. Ao lado de ser o Brasil um polo produtor de informaes originais para o mundo (RISRIO, 2009), tais como o futebol, a bossa nova, a poe-sia concreta e Braslia, no consegue resolver as questes mais bsicas

    (RISRIO, 2009, p. 296), configuran-do-se um atraso social, em que, ao lado de uma economia das maiores do mundo, tem-se um povo roto e esfarrapado (RISRIO, 2009, p. 301). Assim, para se viabilizar como um novo projeto civilizacional, o pas precisa se resolver como povo e nao (RISRIO, 2009, p. 301). Nesse contexto, a questo digital tem que ser colocada, sem medo, na arena da discusso de classes, pontificando o problema da educao como central. Se a internet pode ser aproveitada para tentar reinventar o mundo, para superar a realidade brasileira existente, tem-se que sa-ber lidar com o difcil, pois no pas tudo mgico: solues mgicas, sa-das mgicas, o povo mgico, o povo resolve (RISRIO, 2009, p. 301). Em outras palavras, no existe sada vo-luntarista a partir do povo, ou, mais rigorosamente, da sociedade civil, enquanto mudanas substanciais no ocorram nesse mbito.

    Na linha essencialmente poltica, Laymert Garcia dos Santos assevera que a tecnologizao da sociedade intensa (SANTOS, 2003, p. 17) e, relembrando Lnin, o comunismo era definido como os sovietes acrescidos da eletricidade. Ser que, agora, po-demos substituir a eletricidade pela internet, e os sovietes pelas comuni-dades de base e teramos o caminho para o socialismo atual? (SANTOS, 2003, p. 74). Assim, a internet es-taria para o socialismo no mundo atual como a eletricidade estava para a dcada de 1920. Em sua reflexo, entende ser ingnuo acharmos que a internet um territrio livre, que vamos conseguir fazer uma revoluo usando a internet (SANTOS, 2003, p. 74), ainda que no negue o as-pecto democrtico de circulao da informao que existe na internet e as conexes que ela possibilita (SAN-TOS, 2003). Existem brechas dentro

    dos sistemas que devem ser aprovei-tadas, mas no se deve esquecer que a internet uma tecnologia nova e que o capital est comeando a co-loniz-la agora (SANTOS, 2003, p. 75), e que haver um desfecho quan-do houver uma grande capilaridade nos pases industrializados, quando a vida for impossvel sem a internet, ento a que vai comear a regulao da internet (SANTOS, 2003).

    Aponta, ainda, Santos, a existn-cia de um mito, o mito do progresso, que apresenta as tecnologias como democrticas, discordando da ideia de que as novas tecnologias sejam todas para o bem. Discorda tambm da ideia de que os indivduos sejam todos iguais ao constatar diferenas entre um operador de computador do Primeiro Mundo e do Brasil devido s desigualdades educacionais. Em sua percepo, o fato de existir uma rede no significa que ela necessa-riamente democrtica (SANTOS, 2003, p. 76).

    Vale observar ainda que, mesmo que a internet seja um instrumen-to efetivamente novo, ela vem para aprofundar tendncias historicamen-te presentes na sociedade capitalista contempornea, no existindo, no entanto, indicaes de que seja um fator de transformao radical da estrutura social, do sistema de es-tratificao e das normas e valores da sociedade (SORJ, 2003, p. 41). Assim, como em outros perodos histricos, o capitalismo se apropria das tecnologias em seu favor. Ainda que a internet aparea com um r-tulo de territrio livre, democrtico, isonmico, a questo que se coloca o que o capital vai fazer para exercer o controle? Se no d para controlar, ou controlar plenamente, e tem que conviver com essa realidade, como vai se posicionar? So questes para as quais, efetivamente, ainda no se tm respostas conclusivas.

  • JOs antOnIO GOMes De pInhO

    ISSN 0034-7590 RAE So Paulo v. 51 n. 1 jan./fev. 2011 098-106 105

    COnCLUses

    As novas TIC, e a internet, tm pro-vocado mudanas significativas em todas as dimenses da vida, quais sejam, econmica, social, poltica, cultural, psicolgica etc. A internet tem se constitudo em um ponto de inflexo na trajetria humana pelo potencial revolucionrio que encerra. Ainda que os interesses participantes na rede possam ter um contedo p-blico e coletivo, parece predominar a busca do interesse do indivduo. As maiores promessas da internet e que vm sendo cumpridas residem na exponencial capacidade de comuni-cao, disponibilizao e circulao de informao nunca dantes expe-rimentada na experincia humana. A internet (e as TIC em geral) vem embebida de um potencial criativo, libertrio e emancipatrio, mas, pos-sivelmente, mais fortemente no plano individual. A internet tem o potencial de quebrar estruturas de poder con-vencionais ao democratizar o acesso informao. Permite tambm uma desinstitucionalizao ao possibili-tar aos cidados se manifestarem li-vremente e enquanto indivduos ou grupos independentes da fora e dos parmetros do capital.

    Outro aspecto recorrentemente apontado seria a ausncia de inter-medirio, o que permite emissores falarem com um pblico amplo, em vrios ramos da atividade humana, sem intermedirios, sem instituies. Ainda que essas mudanas, muito significativas, no estejam ligadas atividade poltica convencional, ha-veria a possibilidade de, como em um incndio, as chamas se propagarem pela atividade poltica explcita. A in-ternet possibilitaria a emergncia de cidados ativos. Tambm se localiza o surgimento de uma postura cola-borativa, cooperativa, na produo na internet.

    Existe uma tendncia forte de se referir ao que est acontecendo na internet como uma revoluo. Se esta existe, mais no sentido de o capitalismo revolucionar os meios de produo e, assim, a tecnologia, a internet nela presente, estaria a fa-vor do capital, e o movimento deste colonizar a internet seria deflagra-do to logo fosse oportuno. Assim, a discusso da questo digital passa necessariamente pelo contexto dos interesses do capital e das classes.

    A internet comporta ainda um para-doxo, uma contradio. Por um lado, parece ser um territrio de liberdade e igualdade; por outro, aponta um risco de aprofundamento do individualismo convivendo com uma agregao de in-teresses de grupos, o que geraria gue-tos de interesses e no um ambiente de ampla democratizao. Como algo tpico de uma sociedade de classes, parece que temos e teremos um pou-co de cada coisa. Quanto a resultados polticos propriamente ditos, estes so pfios, desanimadores, mesmo no con-texto de pases mais desenvolvidos. Na especificidade da situao brasilei-ra, pelas nossas condies histricas e pela presena de vastos grupos de analfabetos funcionais com problemas srios de cognio.

    Assim, o problema (e a salvao) no da internet, deve ficar claro para no anular suas conquistas e avanos, e sim da especificidade da situao sociopoltica brasileira, re-forada ainda pela posio assumi-da pela poltica na sociedade global contempornea, marcada pelo fim das grandes narrativas, das utopias. Cabe observar que a ideia da ocorrncia de uma revoluo, ou ao menos uma mudana, com a democratizao do acesso informao que a internet efetivamente possibilita depende fundamentalmente do nvel de cog-nio e formao educacional dos cidados, o que pede uma deciso

    poltica nesse sentido. No h, assim, nenhum automatismo possibilitado pela tecnologia.

    Trabalhando com a ideia de uma metfora, vale a pena uma compara-o com a experincia do Speakers Corner de Londres. Antes restrito a poucos lugares, poucos manifestan-tes, poucos ouvintes, e falando sob uma relativa vigilncia, agora a inter-net seria o Speakers Corner amplia-do, muitos lugares (portais, sites, blo-gs, twitters, e-mails), muitos manifes-tantes, muitos ouvintes, e falando, at agora, com muito mais liberdade. E funcionando 24 horas por dia, todos os dias, tanto para a emisso como a recepo de contedos. Baseado em inseres rpidas, fugazes, tpicas, que podem se desmanchar rapida-mente. Essa seria a forma moderna de fazer poltica aps o esgotamento das grandes narrativas, que implicam grandes lutas, mobilizando grandes contingentes por longos perodos de tempo. Com a internet, a quebra das grandes narrativas, o surgimento de demandas e lutas por questes mais especficas (feminismo, ambientalis-mo etc.), as inseres so mais varia-das e rpidas, durando enquanto se mantm o interesse dos participantes. A internet tem um papel fundamental em viabilizar esse direcionamento. Este artigo objetivou trazer algumas posies na apreenso do fenmeno da internet, mas ao mesmo tempo deixa mais indagaes e inquietao, at porque estamos no meio do fura-co e ele muda muito rapidamente.

    ReFeRnCIas

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