Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

126

description

Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Transcript of Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Page 1: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids
Page 2: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Sociedade civil: a diferença na resposta paulista ao HIV/AIDS

Page 3: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Secretário de Estado da Saúde de São PauloDavid Everson Uip

Coordenadoria de Controle de Doenças Marcos Boulos

Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS – São PauloCoordenação do Programa Estadual DST/AIDS – São PauloMaria Clara Gianna Garcia RibeiroRosa de Alencar SouzaArtur Olhovetchi Kalichman

Gerência de Planejamento e Núcleo de Articulação com a Sociedade CivilVilma A. CervantesJean Carlos de Oliveira DantasValéria Nanci SilvaSônia PizarroMara Cristina VilelaSilrene FrizãoAurineide Mantovani Gama

Sociedade Civil: a diferença na resposta paulista ao HIV/AIDS

Organização: Renato Barboza e Valéria Nanci Silva

Edição: Emi Shimma e Denis Delfran Pereira

Capa: Denis Delfran Pereira

Revisão, capa e tratamento de imagens: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Projeto gráfico, editoração e impressão: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Tiragem: 2.000 exemplares

ISBN: 978-85-99792-19-3

Sociedade civil: a diferença na resposta paulista ao HIV/AIDS

Renato BarbozaValéria Nanci Silva

Organizadores

Centro de Referência e Treinamento DST/AIDSPrograma Estadual DST/AIDS - SP

Coordenadoria de Controle de DoençasSecretaria de Estado da Saúde de São Paulo

2013

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

Sociedade civil: a diferença na resposta paulista ao HIV/AIDS/ organizado

por Renato Barboza, Valéria Nanci Silva. São Paulo:

Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS, 2013.

124p.

ISBN: 978-85-99792-19-3

1.Políticas Públicas de Saúde 2. Avaliação de Programas e Projetos de

Saúde 3. Síndrome de Imunodeficiência Adquirida 4. Organizações Não

Governamentais 5. Populações Vulneráveis 6. Prevenção de Doenças

Transmissíveis I. Barboza, Renato, org. II. Silva, Valéria Nanci, org.

Page 4: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Sociedade civil: a diferença na resposta paulista ao HIV/AIDS

Renato BarbozaValéria Nanci Silva

Organizadores

Centro de Referência e Treinamento DST/AIDSPrograma Estadual DST/AIDS - SP

Coordenadoria de Controle de DoençasSecretaria de Estado da Saúde de São Paulo

2013

Page 5: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids
Page 6: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Sumário

Sociedade civil: a diferença na resposta paulista ao HIV/AIDS

Organização: Renato Barboza, Valéria Nanci Silva

Agradecimentos .........................................................................................................................................7

ApresentaçãoMaria Clara Gianna Garcia Ribeiro, Rosa de Alencar Souza e Artur Olhovetchi Kalichman .....................................................................................................................................................9

Artigos

Parte I

Governo e Organizações Não Governamentais: resposta articulada à epidemia de AIDS no Estado de São PauloJean Carlos de Oliveira Dantas , Sonia Souza Pizarro, Vilma A. Cervantes e Valéria Nanci Silva ...........................................................................................11

Financiamento de projetos de Organizações Não Governamentais no Estado de São Paulo: uma análise do processo de descentralização dos recursosSara Romero da Silva e Valéria Nanci Silva ......................................................................................19

Monitoramento dos projetos de Organizações Não Governamentais no Estado de São Paulo: atores e estratégiasValéria Nanci Silva e Renato Barboza ................................................................................................26

Prevenção às DST/aids em comunidades: uma análise das ações e estratégias das Organizações Não GovernamentaisRenato Barboza, Olga Sofia Fabergé Alves, Ane Talita da Silva Rocha, Conceição Aparecida Santana Silva e Bruna Aparecida Gonçalves .......................................35

Projetos de Organizações Não Governamentais: um relato dos desafios, inovações e contribuiçõesValéria Nanci Silva e Renato Barboza ................................................................................................48

Page 7: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Parte II

Experiências exitosas de Organizações Não Governamentais em HIV/aids: o caminho para o enfrentamento é coletivoAne Talita da Silva Rocha .......................................................................................................................57

Redução de danos É de LeiThiago Godoi Calil da Costa, Marina Passos Sant`anna e Bruno Ramos Gomes ...............60

Vida digna – Grupo de incentivo a vidaElisabete Franco Cruz e Cláudio Pereira ..........................................................................................65

Pela vida com saúde! Unir e mobilizar para prevenir as DST e a Aids!Ilda Aparecida Fiorante Fiore e Karina Sampaio Campos .........................................................71

As meninas – Movimento itapecericano de luta contra AIDS – MILCAMary Angela Castilho Martins, Virgínia Ibanez de Santi Ferrara, Maria Claudia Arruda Pires, Solano Assis Araújo Dias e Magno Ozzyr Pedro Alves .....................................................81

No centro da prevenção – Grupo pela valorização, integração e dignidade do doente de AIDS São Paulo – Grupo pela Vidda/SPFlávio Aparecido Rodrigues .................................................................................................................88

Prevenção na roça – Ações de promoção da saúde e orientação sobre DST para população de trabalhadores rurais da Alta Paulista - Sonho Nosso – Frente de apoio comunitárioVictor Eloy da Fonseca, Josefa Feliciana Duda da Fonseca, Arnaldo Barbosa Filho, Ana Carolina Carvalho e Steffany Garcia Fernandes ....................................................................92

Promovendo a prevenção às DST/aids em unidades de privação de liberdade de adolescentes: adolescentes diferentes, porém iguais na prevençãoKelly Vanessa Kirner e Ricardo de Castro e Silva ...........................................................................98

De olho no futuro – Associação Sítio AgarAntonius Gerardus Maria Van Noije, Jussara Maria da Silva Costa Possebon e Márcia Freitas Sória Ferreira ...........................................................................................................103

Malhação Vida Nova - Uma experiência pioneira contra a lipodistrofiaAmérico Nunes Neto, Jorge Eduardo Reyes Rodriguez, Caio Dervage, Edson Timóteo e Paulo Roberto Giacomini .................................................................................106

Parte III

Lições aprendidas, perspectivas e desafios na articulação com a sociedade civilRenato Barboza e Valéria Nanci Silva .............................................................................................111

Page 8: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Agradecimentos

O enfrentamento da epidemia do HIV/AIDS no estado de São Paulo contou com a colaboração de diversos atores, representantes de instituições governamentais e não governamentais, pesquisadores, pessoas vivendo com HIV e AIDS entre outras.

A criação em 2000, do Grupo de Trabalho Assessor para a Articulação entre o governo e as Organizações Não Governamentais (GT OG/ONG) foi uma estratégia que possibilitou o diálogo, o fomento e a institucionalização das políticas públicas para responder às demandas impostas pela epidemia no estado.

Diversos atores colaboraram ativamente com o desenvolvimento deste GT. Preocupados em esquecer ou não mencionar algum ator chave desse processo, op-tamos por relacionar as instituições que compuseram o GT até o presente momento.

Agradecemos, inicialmente, o apoio do Fórum Estadual de ONG/AIDS, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+), do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) e, do Fórum Paulista de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais pela atuação dedicada e proativa enriquecendo as delibera-ções do GT.

Aos representantes dos Programas Municipais de DST/AIDS de: Araraquara, Bauru, Botucatu, Campinas, Catanduva, Diadema, Franca, Guarulhos, Itanhaém, Laranjal Paulista, Osasco, Praia Grande, Ribeirão Preto, Santos, São José do Rio Pre-to, São Paulo, São Vicente, Sorocaba, Suzano.

Aos representantes dos Grupos de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo de: Araraquara, Barretos, Botucatu, Campinas, Caraguatatuba, Santos, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto.

Ao Conselho Estadual de Saúde, em especial aos membros da antiga Câmara Técnica de DST/AIDS e, atual Comissão de DST/AIDS e Hepatites Virais pelo apoio na implementação das ações voltadas às organizações da sociedade civil no estado.

À Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, sobretudo à Coordenadoria de Controle de Doenças pelo suporte técnico e político no desenvolvimento das ações programáticas da política estadual de DST/AIDS.

Agradecemos também ao Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde pelo apoio nas diferentes fases da execução das ações de articu-lação com a sociedade civil no âmbito do estado de São Paulo.

Por fim, nosso muito obrigado a Diretoria e às equipes técnicas da Coorde-nação Estadual de DST/AIDS de São Paulo: Gerência da Admi nistrativa/Financeira; Gerência de Planejamento; Gerência de Apoio Técnico; Gerência de Apoio; Gerên-cia de Assistência Integral à Saúde; Gerência de Prevenção; Gerência de Vigilância Epidemiológica e Gerência de Recursos Humanos.

Page 9: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids
Page 10: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Apresentação

Na conjuntura dos trinta anos do Programa Estadual de DST/AIDS é notó-rio resgatar o processo de construção da resposta paulista para o enfrentamento da epidemia HIV/AIDS, destacando os cenários e a atuação de seus protagonistas, em retrospectiva histórica, sobretudo a contribuição da sociedade civil.

No campo da Aids, a sociedade civil desempenhou não apenas o papel de controle social das políticas públicas e de advocacy dos Direitos Humanos das pes-soas vivendo com HIV/aids (PVHIVA) e demais segmentos estigmatizados, mas também contribuiu ativamente para o desenvolvimento das tecnologias de preven-ção e cuidado.

Deste modo, o artigo Governo e Organizações Não Governamentais: resposta articulada à epidemia de AIDS no Estado de São Paulo descreve uma síntese do ca-minho traçado para o fortalecimento da articulação entre a Coordenação Estadual de DST/AIDS (CE DST/AIDS) no âmbito da Secretaria Estadual da Saúde (SES) e a so-ciedade civil. Explicita-se a trajetória da institucionalização e do aprimoramento dos espaços de interlocução, visando não apenas efetivar o direito constitucional de parti-cipação, mas edificar uma política de prevenção e atenção às DST/AIDS em resposta as necessidades identificadas pelas pessoas afetadas e os profissionais da saúde.

O artigo Financiamento de Projetos de Organizações Não Governamentais no Estado de São Paulo: uma análise do processo de descentralização dos recursos desta-ca os resultados alcançados pela política de incentivo, instituída em 2002, pelo Mi-nistério da Saúde, enfatizando o financiamento dos projetos de ONG. Analisa os me-canismos e as estratégias institucionais adotados nas seleções públicas, bem como o alcance das ações e os segmentos populacionais beneficiados no estado. Aborda ainda, os desafios da descentralização dos recursos no âmbito municipal, discutindo uma das primeiras experiências nacionais.

O financiamento dos projetos das ONG exigiu estruturar processos e ferra-mentas técnicas, políticas e administrativas para o seu desenvolvimento. Para tanto foram envidados esforços de múltiplos atores, com vistas a definir e implementar fluxos e instrumentos que qualificaram o processo de monitoramento. Nessa ótica, o artigo Monitoramento dos Projetos de Organizações Não Governamentais no Estado de São Paulo: atores e estratégias descreve as etapas do processo de seleção e moni-toramento das ONG conveniadas e fornece informações estratégicas para a gestão da política de DST/AIDS no estado e nos municípios, primando pela transparência no uso dos recursos públicos.

O artigo Prevenção às DST/AIDS em Comunidades: uma análise das ações e estratégias das Organizações Não Governamentais analisa os resultados das ações desencadeadas pelas entidades selecionadas na concorrência pública de 2007, as-sim como a cobertura das ações, as populações acessadas, as estratégias metodoló-gicas adotadas na condução das ações preventivas e as parcerias e interfaces inter-nas e externas ao setor saúde.

Page 11: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

10

Para monitorar os projetos além da verificação presencial das ações, da análi-se dos relatórios técnicos e financeiros, promoveram-se encontros para socialização dos resultados alcançados pelas ONG. Deste modo, o artigo Projetos de Organiza-ções Não Governamentais: um relato dos desafios, inovações e contribuições aborda as recomendações da sociedade civil no campo da prevenção primária e secundária ao HIV/AIDS consensuadas entre os pares e os profissionais da CE DST/AIDS para o aprimoramento do processo de financiamento.

A expertise acumulada desde 1980 pelas ONG na execução dos projetos vol-tados à prevenção das DST/AIDS, advocacy, controle social, Direitos Humanos e acolhimento das pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIVA) trouxe contribuições sig-nificativas para o controle da epidemia no estado.

Deste modo, na segunda parte desta publicação foram elencadas algumas ex-periências exitosas de ação comunitária voltadas às populações mais vulneráveis. As nove experiências relatadas pelas ONG discutem cenários e metodologias diversas que possibilitam um olhar ampliado sobre as lições aprendidas na construção de respostas factíveis e em consonância com as demandas apontadas na quarta década da epidemia.

Por fim, considerando a complexidade atual da articulação com as orga-nizações da sociedade civil e da gestão descentralizada dos recursos para ONG, o artigo Lições Aprendidas, Perspectivas e Desafios na Articulação com a Socieda-de Civil apresenta um balanço dos principais avanços trilhados na instituciona-lização das ações programáticas, suas fragilidades e desafios e, sistematiza uma agenda de propostas para nortear e aperfeiçoar a tomada de decisão dos gestores estadual, municipais e das próprias organizações sociais.

Dra. Maria Clara Gianna Garcia RibeiroDra. Rosa de Alencar Souza

Dr. Artur Olhovetchi Kalichman

Coordenação Estadual DST/AIDS Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS

Parte I

Page 12: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Governo e Organizações Não Governamentais: resposta articulada à epidemia de AIDS

no Estado de São Paulo

Jean Carlos de Oliveira Dantas1

Sonia Souza Pizarro2

Vilma A. Cervantes3

Valéria Nanci Silva4

Este capítulo enfatizará a relevância do papel da sociedade civil na constru-ção da política pública para Aids no estado de São Paulo. Trata-se de uma trajetória marcada por debates, ações e consensos muitas vezes permeados por emoções e perdas, incertezas e conflitos, mas também por gestos de ousadia, coragem e espe-rança.

As primeiras iniciativas para o enfrentamento da epidemia de aids, em São Paulo e no Brasil, no início da década de 1980, surgiram da mobilização de diver-sos atores da sociedade, inclusive profissionais de saúde. Envolvidos no processo de abertura política, estes profissionais advogavam por um sistema de saúde públi-co, laico e para todos. Nesta conjuntura, no que tange a organização do programa governamental foram estabelecidas no estado as primeiras diretrizes éticas, legais e políticas5 (TEIXEIRA, 1997; GALVÃO, 1997), as mesmas que seriam incorporadas pelo atual Sistema Único de Saúde (SUS) – organização descentralizada dos servi-ços, integralidade das ações, acesso universal aos serviços de saúde (a promoção, prevenção e tratamento) e garantia da participação da sociedade civil.

Em 1983, a partir da pressão social nasceu o Programa de AIDS do Estado de São Paulo, o qual tornou-se referência para a elaboração de estratégias políticas nas demais unidades federadas (TEIXEIRA, 1997).

Neste cenário, o governo e a sociedade civil propuseram e executaram as pri-meiras ações de informação, prevenção e cuidado às pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIVA), constituindo uma parceira fundamental para o enfrentamento da epide-mia no estado.

É importante ressaltar que, em 1983, foram os militantes do movimento “gay”

1 Jean Carlos de Oliveira Dantas ([email protected]), psicólogo, diretor do Núcleo de Articulação com OSC da Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo.2 Sonia Souza Pizarro ([email protected]), socióloga, mestre em Antropologia pela Universidade de São Paulo, técnica do Núcleo de Articulação com OSC da Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo.3 Vilma A.Cervantes ( [email protected] , psicóloga, especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo- USP e especialista em Gestão com ênfase em DST/Aids pela Universidade Fede-ral do Maranhão, gerente de planejamento da Coordenação Estadual de DST/Aids.4 Valéria Nanci Silva ([email protected]), psicóloga, mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades da USP e técnica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids.5 Serviços de referência para tratamento; estratégias de informação; a integração da necessidade de se combater a discriminação e o preconceito, a triagem sorológica obrigatória para o HIV nas transfusões de sangue.

Parte I

Page 13: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

12

(pelos direitos dos homossexuais) de São Paulo que deflagraram a resposta governa-mental frente à epidemia ao exigir do governo providências neste sentido (TEIXEI-RA, 1997). As vozes dos ativistas impulsionaram o diálogo crescente entre o governo estadual e a sociedade civil, norteando a construção participativa de uma política de saúde pública para Aids.

Os remanescentes do Grupo Somos e Outra Coisa destacavam-se na militân-cia pelos direitos dos homossexuais e contribuíram para a incorporação do combate à discriminação e ao preconceito já nas primeiras estratégias de enfrentamento da epi-demia de HIV (TEIXEIRA, 1997). Igualmente, militantes de movimentos pelos direitos dos hemofílicos e talassêmicos tiveram uma atuação importante nesta mobilização.

O GAPA - Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS surgiu como fruto de exausti-vas discussões públicas entre membros da comunidade e profissionais de saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e veio a ter papel fundamental na apro-vação da Lei (Lei nº 7.649/1988), a qual tornou obrigatória a triagem sorológica para o HIV no sangue a ser transfundido em São Paulo, em 1996. O GAPA foi responsável ainda pela elaboração de estratégias de informação e assistência jurídica para aten-der as emergências impostas pela nova epidemia (GALVÃO, 1997; TEIXEIRA, 1997). A ONG foi a primeira a ser criada especificamente para o enfrentamento da aids no Brasil. Instituições com o mesmo fim surgiram em São Paulo e em outros estados, durante a década de 1980 (GALVÃO, 1997; TEIXEIRA, 1997; CONTRERA, 2000).

A Casa de Apoio Brenda Lee, localizada na cidade de São Paulo, teve também um papel marcante na luta contra a epidemia e foi a primeira iniciativa para o aco-lhimento de pacientes desprovidos de estrutura social e familiar. Em 1984, o pensio-nato que a travesti Brenda Lee dirigia chamado “Palácio das Princesas” começou a receber seus primeiros moradores com aids encaminhados pelo Instituto de Infec-tologia Emilio Ribas, pelo Instituto de Saúde e outros que a procuravam espontane-amente. Em 1986, recebeu a denominação Casa de Apoio Brenda Lee, com a missão de prestar assistência às pessoas vivendo com HIV e doentes de aids, principalmen-te as travestis. Em 1988 a Casa de Apoio Brenda Lee estabeleceu um contrato de prestação de serviços com a Secretaria de Estado da Saúde. Este contrato previa o acolhimento de até 28 pacientes com aids na instituição, segundo normas técnicas e sanitárias estabelecidas pela Secretaria da Saúde (GALVÃO, 1997; TEIXEIRA, 1997).

Com o surgimento de casos de transmissão vertical foi criada em 1987, em Taboão da Serra/SP, a primeira instituição para abrigar crianças e adolescentes com HIV/aids, o Centro de Convivência Infantil Filhos de Oxum. Em 1989, na capital pau-listana, foi fundada a Aliança pela Vida (ALIVI), com oito casas para pessoas vivendo com HIV/aids - PVHIVA. O número de ONG cresceu rapidamente. Em 1989, no En-contro Nacional de ONG/AIDS (ENONG), realizado na cidade de Porto Alegre, já se contabilizavam 14 instituições voltadas ao enfrentamento da epidemia. Em 1995, 400 ONG específicas de aids ou que até então atuavam em outras áreas sociais inclu-íram a temática em seus projetos (BRASIL,1997).

A sociedade civil organizada, impulsionada pela dinâmica da epidemia (GAL-

Page 14: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

13

VÃO, 1997), protagonizou a luta por respostas governamentais, através de estratégias amplas de mobilização e ativismo político, baseadas no controle social e nas ações de advocacy6. Fizeram parte das reivindicações a assistência terapêutica, a defesa dos direitos humanos e o desenvolvimento de ações inovadoras no âmbito da pre-venção (TEIXEIRA, 1997; GALVÃO, 1997).

Em 1988, foi criado o Centro de Referência e Treinamento em AIDS, vincula-do ao gabinete da Secretaria de Estado da Saúde. Em 1995, o Centro de Referência e Treinamento às DST/AIDS (CRT DST/AIDS – São Paulo) passou a ser responsável também pela atenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e tornou-se a sede do Programa Estadual de DST/AIDS (GIANNA et al., 2012; TEIXEIRA, 1997).

Desde sua criação, em 1983, o Programa Estadual de DST/AIDS elabora, im-plementa, articula, supervisiona e monitora as políticas e estratégias relativas às DST/AIDS, nas áreas de prevenção, assistência, vigilância epidemiológica e apoio às pessoas afetadas pela epidemia, assim como desenvolve programas de formação, treinamento e aperfeiçoamento. Adicionalmente apoia pesquisa científica em seu campo de atuação e promove o intercâmbio técnico-científico com outras institui-ções nacionais e internacionais (GIANNA et al., 2012).

Como ocorre em muitos países, no Brasil, as ONG/Aids tem estado à frente da resposta a epidemia de aids, para apoiar as reinvindicações de diferentes grupos sociais e complementar e aperfeiçoar a resposta governamental (MANN; TARAN-TOLA; NETTER, 1992).

Deste modo, a história das políticas públicas para Aids em São Paulo contou com a sociedade civil não apenas como parceira para o enfrentamento da epidemia do HIV com suas ações de controle social e advocacy, mas também como proposito-ras e executoras das primeiras ações em prol dos cuidados às pessoas afetadas pelo vírus e propagadora de informações acerca da prevenção. Para tanto, foram ao longo do tempo constituídos espaços de diálogo (descritos abaixo), ou seja, de articulação, os quais são responsáveis pelos contornos, ou melhor, pelas respostas à epidemia de aids (GIANNA et al., 2012; TEIXEIRA, 1997).

Atuação do Grupo de Trabalho Assessor para a Articulação entre o gover-no e as Organizações Não Governamentais (GT OG/ONG)

É importante citar que desde o início da epidemia, a sociedade civil esteve pre-sente também em comissões e conselhos nacionais, como a Comissão Nacional de AIDS (1988) e o Comitê Nacional de Vacinas anti-HIV (1992). Em 1992, o Programa Nacional de DST/AIDS criou um setor específico para a articulação com ONG. Atu-almente, a sociedade civil participa da Comissão Nacional de DST, AIDS e Hepatites Virais (CNAIDS)7 e da Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais (CAMS)8.

6 Em linhas gerais, trata-se de um processo pelo qual, pessoas ou grupos, se unem por um objetivo único na buscam a resoålução de um problema e na defende e incorporação de direitos. 7 Participam como membros a sociedade civil, os representantes governamentais e a comunidade técnico-científica. 8 Participam como membros os representantes dos Fóruns de Organizações Não Governamentais de cada Estado; representantes de outros movimentos sociais como: RNP+ Brasil; Movimento Negro; Movimento Popular de Saúde; Mo-vimento de Populações Indígenas; Movimento da Rede de Profissionais do Sexo; Movimento LGBTT (Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Transgêneros); Movimento de Redutores de Danos e Usuários de Drogas; Movimento de Mu-

Page 15: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

14

Diante da abrangência e complexidade da epidemia, tornou-se vital para a sociedade civil e governo criar espaços de diálogo, a fim de articular e avaliar as es-tratégias para enfrentamento da Aids no estado e no país.

Neste contexto, em 1995 foi criada a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids (RNP+) e em 1996, o Fórum de ONG/AIDS do Estado de São Paulo (FOAI-DS-SP) (outros fóruns foram constituídos em outras unidades federadas). Tais es-paços propiciam ou promovem a interlocução entre as ONG/Aids e as representam diante das três esferas governamentais (nacional, estadual e municipal), asseguran-do que seus membros da sociedade civil participem das discussões e das decisões estratégicas que influenciam no rumo da política governamental.

No estado de São Paulo para atender a crescente demanda social, em 2000 foi criado o Núcleo de Articulação com a Sociedade Civil, com os objetivos de: assesso-rar as áreas técnicas e a direção da Coordenação Estadual DST/AIDS (CE DST/AIDS) na interlocução com as ONG e outras organizações da sociedade civil; apoiar as ações para o fortalecimento técnico e político da resposta social à epidemia e contribuir com as ações que visam reduzir a discriminação e o preconceito das PVHIVA e demais po-pulações vulneráveis às Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (DST/Aids).

No mesmo ano, foi instituído o Grupo de Trabalho Assessor para a Articula-ção entre governo e as ONG do estado (GT OG/ONG). Ele foi estruturado a partir de representações de programas municipais, interlocutores regionais dos Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE) da Secretaria da Saúde, técnicos do Programa Esta-dual DST/AIDS e representantes da sociedade civil. Inicialmente, o Fórum de ONG/AIDS e a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids (RNP+) eram os únicos representantes da sociedade civil no grupo. Posteriormente, integraram-se ao grupo o Fórum HSH, Fórum Paulista de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP).

Esse espaço de articulação entre o poder público e a sociedade civil foi cons-tituído com o objetivo de promover o fortalecimento das ONG, propor diretrizes e organizar técnica e administrativamente os processos de repasse dos recursos para as ONG; instrumentalizar as instituições governamentais para o estabelecimento de parcerias com as ONG e promover a aproximação das ONG com universidades, organismos internacionais e empresas privadas. Em seus treze anos de atuação, es-sas ações têm sido cumpridas satisfatoriamente pelos membros do GT OG/ONG e o mesmo foi oficializado com a publicação da Portaria Interna do PE DST/AIDS nº 03, de 6 de dezembro de 2002 (SÃO PAULO, 2002).

O GT OG/ONG realiza reuniões bimestrais, com pautas elaboradas pelos seus membros. Anualmente são realizados o balanço e a avaliação dos trabalhos desen-volvidos, assim como o planejamento e a definição das prioridades e cronograma para o ano seguinte.

Cabe destacar que a CE DST/AIDS em parceria com o GT OG/ONG desde o início dos processos seletivos de projetos informou e preparou as ONG para a apre-

lheres; Movimento de Estudantes Jovens; Movimento de Hepatites Virais.

Page 16: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

15

sentação de propostas de projetos, bem como os trâmites referentes à celebração dos convênios.

Em 2000, teve início o processo de descentralização da seleção pública de projetos financiados pelo Programa Nacional de DST/AIDS envolvendo os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Ceará. A partir de 2003, o processo de descentralização foi intensificado com a alocação de recursos financeiros oriundos do Ministério da Saúde para o apoio e financiamento das ações realizadas pelas ONG. O GT OG/ONG contribuiu para a consolidação do processo de descentralização no estado de São Paulo, bem como para a gestão des-centralizada pactuada pelo Ministério da Saúde.

A descentralização do financiamento de projetos de ONG possibilitou maior participação do movimento social de aids paulista na elaboração das regras do pro-cesso seletivo e na estruturação do processo de monitoramento (Quadro 1).

Quadro 1. Trajetória das ações realizadas pelo GT OG/ONG (2000 a 2013)

Ano Ação

2000 a

2002

Coordenação do processo de descentralização da seleção

pública do Ministério da Saúde para SES-SP;2000 Oficina de Elaboração de Projetos em Atibaia; 2001 Oficina de Elaboração de Projetos em Araçatuba; 2001 Encontro de Monitoramento de Projetos em São Paulo;

2002Seminário Estadual de Sustentabilidade das ações em DST/

AIDS;

2002Definição de estratégias e instrumentos para monitoramento e

avaliação dos projetos2002 a

2013

Apoio financeiro para a participação de ONG em eventos

estratégicos;

2002 a

2013

Apoio financeiro para fortalecimento e sustentabilidade de

Fóruns e Redes (Fórum de ONG/AIDS-SP, RNP+, MNCP e Fórum

Paulista LGBT);2002 a

2013Participação na construção da PAM estadual;

2003 a

2010

Processo seletivo para projetos de ações comunitárias e

eventos;2005 I Seminário Estadual de Controle Social e AIDS;2005 a

2010

Seleção de projetos para Casas de Apoio para crianças/

adolescentes com foco na reinserção social; 2005 a

2011

Oficina de suporte para monitoramento de projetos em

municípios com projetos aprovados nas seleções;

2006Oficinas de elaboração de Projetos Temáticos para populações

prioritárias para ONG;

Page 17: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

16

O Seminário Estadual de Parcerias e Sustentabilidade OG/ONG realizado em 2002, em Atibaia, envolveu o governo e as ONG, além de representantes de universi-dades, da saúde pública, de instituições internacionais e empresariais. Criou espa-ços regionalizados de articulação e de proposição de estratégias de sustentabilida-de das ações, no caso do término dos recursos disponibilizados às ONG, como por exemplo, o Fórum OG/ONG da Região Norte e Noroeste do Estado de São Paulo.

Vale citar que na elaboração do primeiro Plano de Ações e Metas da Secre-taria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), no âmbito da implantação da po-lítica de incentivo às DST/Aids, em 20039 pelo Ministério da Saúde, coube ao GT OG/ONG, estabelecer as diretrizes para a distribuição dos recursos financeiros de projetos e atividades das ONG, que naquele momento, representavam cerca de 10% do total dos recursos destinados à política estadual de DST e AIDS (Brasil, 2002). O GT OG/ONG pactuou, e ainda pactua o montante de recursos federais a serem in-vestidos em projetos de ação comunitária, eventos, apoio a Fóruns de ONG e Redes de Pessoas Vivendo com HIV/aids.

Em 2005, ocorreu o Seminário de Controle Social do Estado de São Paulo (SUS = Cidadania + Controle Social). Este evento foi concebido pelo GT OG/ONG e con-tou com a parceria do Conselho Estadual de Saúde. Seu objetivo foi instrumentalizar coordenadores e trabalhadores dos Programas de DST/AIDS, gestores estaduais e municipais, representantes dos usuários e movimentos sociais organizados para a formulação e o acompanhamento das políticas públicas de saúde em DST/Aids. Um dos encaminhamentos deste seminário foi a criação da Câmara Técnica de DST/AIDS vinculada ao Conselho Estadual de Saúde da SES-SP.

Com a estruturação da Câmara Técnica de DST/AIDS, o GT OG/ONG passa a ter como responsabilidades: a elaboração de editais de concorrência pública de projetos propostos por ONG; a definição do processo de monitoramento e avaliação dos projetos aprovados e financiados, bem como a efetivação do repasse de recur-sos para o financiamento de Casas de Apoio (abrigamento de pessoas vivendo com HIV/aids - PVHIVA).

A Câmara Técnica de DST/AIDS, denominada atualmente de Comissão de DST/AIDS e Hepatites Virais do CES (C-DST/AIDS/HV), por sua vez ficou encarre-gada de: acompanhar e avaliar a política estadual de DST/AIDS; formular e articular estratégias nas áreas de prevenção, assistência, vigilância epidemiológica e gestão; discutir, assessorar e encaminhar demandas oriundas de Conselhos Municipais de Saúde e ONG; atuar intersetorialmente em conjunto com outras comissões e câma-ras técnicas existentes no Conselho Estadual de Saúde; subsidiar a formulação da política estadual em DST/Aids; fortalecer o controle social e emitir pareceres e re-latórios de avaliação.

A partir de 2005, o tema da descentralização dos recursos de ONG para os municípios do estado de São Paulo começou a ser discutido em vários espaços de

9 Cabe lembrar que entre 1998 a 2002, o Ministério da Saúde e o Banco Mundial, firmaram um acordo denominado “AIDS II”, onde estava previsto o apoio as ONG/OSC.

Page 18: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

17

articulação política e técnica da CE DST/AIDS e dos movimentos sociais. Após am-plo debate junto as ONG, os municípios e as instâncias de deliberação da SES-SP, como a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), em 2009, aprovou a proposta de re-manejamento dos recursos das ONG do estado, oriundos do governo federal para os municípios de São Paulo, Campinas, Sorocaba, São Vicente, Catanduva, Ribeirão Preto, Guarulhos e Piracicaba, por meio da deliberação número 21 da CIB de 18 de maio de 2009.

Deste modo, a análise desta trajetória demonstra que a sociedade civil partici-pou, impulsionou e legitimou a construção da política pública em Aids, participando nos espaços de controle social do SUS, promovendo ações de advocacy e definindo, junto as instâncias governamentais, os caminhos para o enfrentamento da epidemia no estado. Cabe destacar que essa atuação proativa da sociedade civil no campo da Aids no estado continua desempenhando um papel protagônico na atualidade.

Sem dúvida, a questão da parceria é uma das principais alternativas para ações mais eficazes e respostas efetivas no enfrentamento das DST/Aids e melhoria da qualidade de vida e da promoção da cidadania das PVHIVA. Ela também significa o respeito às diferenças e o caminho conjunto de atores para a construção de uma sociedade mais justa, mais saudável e solidária (CERVANTES et al., 2002).

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Catálogo de Organizações Não-Governamentais. Brasília: Coordenação Nacional de DST e AIDS, 1997.

BRASIL. Senado Federal. Lei nº 7.649, publicada em 25 de Janeiro de 1988, estabele-ce a obrigatoriedade do cadastramento dos doadores de sangue bem como a re-alização de exames laboratoriais no sangue coletado, visando a prevenir a pro-pagação de doenças, e dá outras providências. Disponível em:<http://legis.se-nado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=109104&norma=131929>. Acesso em: 16 fev. 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portarias n.º 2313 e 2314/GM, publicadas em 19 e 20 de dezembro de 2002, dispõe sobre a política de transferência de recursos do governo federal para estados, Distrito Federal e municípios na modalidade de financiamento fundo a fundo para DST/Aids. Disponível em:< http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/publicacoes/Legislacao/Portaria_2313-2002_PAM-Aids.pdf>. Acesso em: 20 de maio 2013.

CERVANTES, V.; TELLINI, R.; DUDA, R. O.; BARBOSA, E.; PEDROSA, R.; STANI-SE, V.; MAGNO, L.; TURIENZO, G. Decentralizing the bid process for the se-lection of projects presented by non-governmental organizations in the state of São Paulo - Brazil . The XIV International AIDS Conference [Abstract no. ThPeG8288] 2002. Disponível em: http://www.iasociety.org/Default.aspx?pageId=11&abstractId=5502 Acesso em: 20 de maio 2013.

Page 19: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

18

CONTRERA, W. F. GAPAS – Uma resposta comunitária à epidemia de AIDS no Brasil. São Paulo: GAPA BR-São Paulo, 2000.

GALVÃO, J. As respostas das Organizações Não Governamentais brasileiras frente à epidemia de HIV/AIDS. In: PARKER, R. (org.). Políticas Instituições e AIDS: enfrentando a epidemia no Brasil. Zahar Ed: ABIA, 1997, p. 69-108.

GIANNA, M. C.; KALICHMAN, A.; PAULA, I.; CERVANTES, V.; SHIMMA, E. Polí-ticas Públicas e Prevenção das DST/AIDS: Ontem, Hoje e Amanhã. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. M. (org.). Vulnerabilidade e direitos humanos – prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Livro I. Curitiba: Juruá, 2012, p. 43-70.

MANN, J.; TARANTOLA, D. J. M.; NETTER, T. W. AIDS no Mundo. Rio de Janeiro: ABIA-IMS/UERJ, Relume Dumará, 1992.

PARKER, R.; BASTOS, C.; GALVÃO, J.; PEDROSA, J. S. A AIDS no Brasil (1982-1992). Rio de Janeiro: ABIA-IMS/UERJ, Relume Dumará, 1994.

SÃO PAULO. Secretaria Estadual de Saúde. Portaria interna nº 3. Programa Estadual de DST/AIDS. São Paulo, 6 de dezembro de 2002. Institui o grupo de trabalho assessor do Programa Estadual de DST/AIDS na articulação OG/ONG do Esta-do de São Paulo e dá outras providências.

TEIXEIRA, P. R. Políticas Públicas em AIDS. In: PARKER, R. (org). Políticas, Institui-ções e AIDS: enfrentando a epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: ABIA, 1997, p. 43-69.

Page 20: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Financiamento de projetos de organizações não governamentais no Estado de São Paulo:

uma análise do processo de descentralização dos recursos

Sara Romero da Silva10

Valéria Nanci Silva11

Desde o início da epidemia, as pessoas que vivem e convivem com o HIV/aids ou estão envolvidas com seu enfrentamento propuseram alternativas e criaram tecno-logias inovadoras para a resposta a essa realidade. E mais, traduziram enfaticamente as necessidades e expectativas das pessoas acometidas e souberam apontar perspec-tivas avançadas para enfrentar este desafio. O financiamento governamental de ações desenvolvidas pelas Organizações Não Governamentais (ONG), a partir de 1990, foi um reconhecimento e uma conquista desse protagonismo. Ao longo destes 30 anos, as ONG desenvolveram projetos pioneiros, abrangentes e com capilaridade, benefician-do algumas populações estratégicas para a prevenção das DST/Aids no estado.

O presente capítulo contextualiza o processo de seleção e financiamento dos projetos de ONG/Aids no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, dis-cutindo alguns avanços e lacunas da gestão descentralizada da política de incentivo.

Até 2000, o financiamento das ações das ONG era realizado pelo Programa Na-cional de DST e AIDS, Ministério da Saúde, por meio do Banco Mundial12. Neste mes-mo ano, em Brasília inicia-se a discussão sobre a descentralização da concorrência de projetos de ONG com os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Ceará.

Além do repasse para Secretarias Municipais de Saúde (Programas Munici-pais de DST/AIDS), a política nacional definiu que 10% dos recursos destinados as Secretarias Estaduais de Saúde seriam para o apoio e financiamento de ONG13 .

No final de 2002, com a implantação dessa política de incentivo, se consolida uma política pública incorporada aos mecanismos de repasse vigentes no Sistema Único de Saúde (SUS). São estabelecidos valores proporcionais por estado, apro-

10 Sara Romera da Silva ([email protected]) é médica sanitarista, mestre em Saúde Pública e técnica da Vigilância Epidemiológica do Programa Estadual de DST-aids de São Paulo.11 Valéria Nanci Silva ([email protected]), psicóloga, mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades da USP e técnica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids.12 A parceria se consolida no período de 1994 a 1998, quando ocorre o apoio financeiro e técnico a diversas iniciativas das organizações da sociedade civil patrocinado pelo Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde e o Pro-grama Nacional e Estadual de DST/Aids, via acordo de empréstimo com o Banco Mundial. 13 Em dezembro de 2002, foi publicada a portaria 2.313 do Ministério da Saúde que cria a política de incentivo e define repasse de recursos fundo a fundo para os Estados a ser repassado às ONG. Essa foi uma das maiores conquistas que contou com a participação cidadã, da sociedade civil, na construção da história da aids no país.

Page 21: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

20

vados na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), destinados ao financiamento de ações realizadas pelas ONG.

Em 2004 e 2005, novos recursos são alocados com essa mesma finalidade, ampliando os valores anteriores e criando um novo incentivo para municípios, para financiamento de Casas de Apoio para pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIVA) (BRASIL, 2004; 2011).

O recurso de cerca de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) em 2003 passou a cerca de R$ 4.300.000,00 (quatro milhões e trezentos mil reais) em 2005, incluindo-se nesse montante R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) repas-sados pelo sistema de transferência do Fundo Nacional para o Fundo Estadual de Saúde beneficiando entidades que abrigavam PVHIVA (Tabela 1). No período entre 2003 a 2008 houve um incremento no número de projetos financiados (70 para 123) e nos municípios beneficiados (Tabela 1).

Tabela 1

Fonte: Documentos internos da Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo.

Em São Paulo, desde 2000, são realizados processos seletivos estaduais com a colaboração de pareceristas externos, para o apoio e financiamento das ações a serem realizadas pelas ONG, segundo prioridades definidas programaticamente em editais de seleção pública de projetos.

Desde o início, os processos de seleção são desencadeados a partir da divul-gação de um edital de seleção de projetos. Este contempla orientações legais, prazos e fluxos e, sobretudo especificações detalhadas das áreas temáticas e dos segmentos populacionais prioritários a serem contemplados pelos projetos. As áreas ou seg-mentos são definidos levando-se em conta diretrizes nacionais e estaduais para o controle da epidemia. Busca-se traduzir essas diretrizes e prioridades com o debate aprofundado com as áreas técnicas da Coordenação Estadual de DST/AIDS (pre-venção, assistência, epidemiologia, planejamento e articulação com a sociedade ci-vil) e representantes da sociedade civil.

Estudos indicam que um dos fatores que dificulta o controle da epidemia é a não priorização de populações mais vulneráveis, ou seja, que apresentam risco de infecção para o HIV maior do que a população em geral (GRANGEIRO et al., 2012).

Page 22: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

21

Assim, a definição de prioridades é fator decisivo para o aprimoramento do processo seletivo de projetos propostos por ONG.

Em 2005, por exemplo, o edital de seleção ressaltou alguns segmentos priori-tários para a apresentação de projetos: crianças, adolescentes e adultos vivendo com HIV/aids; homens que fazem sexo com homens; profissionais do sexo; transgêneros e travestis; usuários de drogas injetáveis ou crack na perspectiva da redução de da-nos; adolescentes em liberdade assistida, em privação de liberdade ou em situação de rua; adolescentes não escolarizados, em situação de pobreza, no próprio âmbito comunitário; população confinada em centros de detenção provisória, penitenciá-rias, presídios e centros de ressocialização; homens e mulheres adultas, em situação de pobreza, das áreas urbana e rural, no próprio âmbito comunitário.

O mesmo edital definiu, a necessidade dos projetos contemplarem alterna-tivas de sustentabilidade institucional, geração de renda e/ou (re)inserção no mer-cado de trabalho, bem como a proteção aos direitos individuais, sociais, sexuais e reprodutivos para PVHIVA. E entre os critérios de exclusão: projetos já financiados por qualquer esfera governamental ou por outros agentes financeiros, além de pro-postas destinadas exclusivamente à pesquisa.

Em 2005, o valor máximo para cada projeto com duração de 12 meses foi de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), e R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) para projetos de 24 meses. A mesma instituição poderia apresentar até três projetos, contudo ape-nas dois eram financiados mesmo que o montante fosse abaixo do teto estabelecido.

Os editais de seleção de projetos de ONG em consonância com as metas e ob-jetivos da Coordenação Estadual de DST/AIDS-SP alinhados às diretrizes do Depar-tamento de DST/AIDS e Hepatites Virais, contemplam ainda as matrizes de análise para o monitoramento e a avaliação dos recursos investidos nessas ações.

Neste sentido, cabe questionar em que medida os projetos apresentados para seleção pública refletem as prioridades estaduais e nacionais? As respostas das ONG estão em sintonia com essas prioridades? Os gestores estaduais e federais estão diri-gindo os esforços governamentais para responder aos anseios e demandas da socie-dade civil? Quais projetos considerando os interesses e as necessidades das popu-lações são apresentados pelas ONG? Quais ações estão, de fato, sendo executadas, com os recursos disponibilizados, após o projeto aprovado?

As questões desdobram-se em três momentos: os aspectos imediatos que ve-rificam se as ações foram realizadas e os de médio prazo, que identificam se ocorreu alguma mudança na realidade das populações eleitas para a intervenção e ainda, os de longo prazo, que avaliam se a resposta estadual/nacional à epidemia tornou-se mais efetiva. Algumas respostas podem ser obtidas a partir da análise quantitativa dos projetos selecionados e financiados, discutindo se há sintonia entre os projetos e os referenciais programáticos da política de Aids.

É importante apontar que no processo de análise dos projetos o Comitê As-sessor utiliza como critério o segmento populacional prioritário para política de Aids. Em geral, o pequeno número de projetos aprovados revela o baixo número de projetos apresentados pelas ONG para uma determinada população.

Page 23: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

22

A partir do levantamento feito pela Coordenação Estadual de DST/AIDS de São Paulo, é possível observar a distribuição das populações e dos municípios alcançados por esses projetos ao longo dos últimos cinco anos. Constata-se que as pessoas viven-do com HIV/aids (PVHIVA), lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis (LGBTT) e adolescentes escolarizados representam 62% dos projetos selecionados, 60% em mon-tante de recursos e 50% do número de municípios alcançados (Tabela 2).

Tabela 2

Observou-se um número reduzido de projetos voltados aos direitos huma-nos, população confinada (adultos e adolescentes/jovens), mulheres, profissionais do sexo e usuários de drogas. Menos da metade dos projetos selecionados fizeram referência a estas populações embora elas estejam destacadas no edital como prio-ridade, evidenciando a ausência de equidade na distribuição dos projetos. Diante disso, são necessárias abordagens diferenciadas para estimular intervenções nessas áreas e segmentos.

O segmento populacional de adolescentes não escolarizados em situação de pobreza representa o segundo em número de projetos e consequentemente de re-cursos vinculados, depois do seguimento de PVHIVA.

No que se refere à cobertura, observou-se concentração de projetos em 150 dos 645 municípios existentes no estado, revelando lacunas importantes a serem preenchidas considerando-se o perfil epidemiológico atual (SÃO PAULO, 2012). Por

Page 24: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

23

exemplo, a baixa cobertura de projetos realizados em Santo André, Barretos, Pira-cicaba, Praia Grande e São José do Rio Preto, que estão no ranking dos 20 municí-pios com maiores taxas de incidência de aids por 100 mil habitantes14, apenas São Paulo, Campinas, Sorocaba e São Vicente se destacam com números expressivos de projetos. As demais cidades aparecem com pequeno número de projetos ou estão ausentes como no caso de Bauru, Araraquara, Osasco, Guarujá, Diadema, Mauá e Jundiaí (Gráfico 1).

Gráfico 1

Fonte: Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo.

Essa distribuição não é necessariamente um fato desabonador. Locais com sociedade civil bastante atuante e epidemia de fraca intensidade reúnem as me-lhores condições de resposta efetiva e precisam ser estimulados, porém a ausência daqueles locais de epidemia mais intensa e antiga nos convida a pensar em novas estratégias para o desenvolvimento de ações proativas.

Após dez anos da criação dos mecanismos de transferência de recursos para financiamento de projetos de ONG na Secretaria Estadual de Saúde, avalia-se que hoje é possível e, inclusive, necessário que parte desse processo seja gerido pelos municípios, em particular onde a presença das organizações e do ativismo sejam mais atuantes.

A gestão desses recursos pela esfera municipal pode ser implementada pela existência de um grupo de articulação (composto pela sociedade civil, em especial

14 São Paulo, Campinas, Santos, Ribeirão Preto, Guarulhos, São José do Rio Preto, Santo André, Sorocaba, São José dos Campos, Osasco, São Bernardo do Campo, São Vicente, Bauru, Guarujá, Taubaté, Piracicaba, Jundiaí, Mauá, Diadema e Araraquara etc. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-e-treinamento-dstaids-sp/. Acesso em: 20 de maio. 2013. Boletim Epidemiológico, 2012.

Page 25: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

24

as ONG/Aids, municípios, instâncias regionais e estaduais de saúde) que, em con-junto auxilia na formulação dos mecanismos, regras e o gerenciamento desses re-cursos voltados para ONG. Essa composição pode ser reproduzida nos municípios, possibilitando o aprendizado que envolve os processos de financiamento, controle, monitoramento e avaliação das ações.

No estado de São Paulo, atualmente com base na análise histórica das sele-ções de projetos realizadas (Tabela 3) e no debate junto a gestores (estaduais, muni-cipais, federais) e ONG, a Coordenação Estadual de DST/AIDS aprovou junto à Co-missão Intergestores Bipartite (CIB) em 2009, a descentralização de parte do recurso de forma proporcional, para os municípios de São Paulo, Campinas, Guarulhos, So-rocaba, Piracicaba, Catanduva, Ribeirão Preto e São Vicente.

Tabela 3

Fonte: Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo

Page 26: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

25

A descentralização para os municípios, do ponto de vista político, pretende propor o desenvolvimento de políticas públicas adequadas à realidade local, de modo a otimizar e garantir o envolvimento dos diferentes atores no processo de produção de respostas, conforme características sócio-ecônomicas e culturais. Este mecanismo permite uma gestão mais participativa e democrática em consonância com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Atualmente, quase todos os municípios citados, exceto Campinas já realizaram processos seletivos de projetos propostos por ONG locais. Cada município realizou uma forma específica de seleção de projetos (chamamento público, seleção e classificação), levando em conta a realidade local, fluxos jurídicos e financeiros das secretarias de saúde.

Cabe destacar que entre os municípios com recursos descentralizados, Soro-caba, Ribeirão Preto, Guarulhos e São Paulo organizaram um Grupo de Trabalho As-sessor nos moldes do existente na CE DST/AIDS de São Paulo, para a construção do edital e também para, o estabelecimento do processo de monitoramento das ações e execução financeira dos projetos. Estas experiências têm legitimado a viabilidade da descentralização, como avanço político no que se refere a prevenção e o cuidado com as pessoas vivendo com HIV/aids.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Portarias n.º 2313 e 2314/GM, publicadas em 19 e 20 de dezembro de 2002, dispõe sobre a política de transferência de recursos do governo federal para estados, Distrito Federal e municípios na modalidade de financiamento fundo a fundo para DST/Aids. Disponível em:< http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/publicacoes/Legislacao/Portaria_2313-2002_PAM--Aids.pdf>. Acesso em: 20 de maio 2013.

BRASIL. Portaria nº 1.824, de 2 de setembro de 2004. Dispõe sobre as normas relati-vas aos recursos adicionais destinados a estados, ao Distrito Federal e a muni-cípios, qualificados para o recebimento de incentivo para o financiamento das ações desenvolvidas por Casas de Apoio para Adultos Vivendo com HIV/Aids.. Disponível em: < http://www.aids.gov.br/pagina/casas-de-apoio>. Acesso em: 20 de maio 2013.

BRASIL. Portaria nº 2.555, de 28 de outubro de 2011. Dispõe sobre o incentivo finan-ceiro destinado ao custeio das ações desenvolvidas por Casas de Apoio para Pes-soas Vivendo com HIV/AIDS. Disponível em: < http://www.aids.gov.br/pagina/casas-de-apoio>. Acesso em: 20 de maio 2013.

GRANGEIRO, A.; ESCUDER, M. M. L.; SILVA, R.S.; CERVANTES, V.; TEIXEIRA, P.R. Ca-racterísticas da resposta à Aids de Secretarias de Saúde, no contexto da Política de Incentivo do Ministério da Saúde. Saúde e Sociedade, v. 21, n.4, 2012, p. 954-975.

SÃO PAULO. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Boletim Epidemiológico AI-DST. Coordenadoria de Controle de Doenças. Centro de Referência e Treina-mento em DST/AIDS. Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. Ano XXIX, nº 1, 2012. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/centro-de-referencia-e--treinamento-dstaids-sp/. Acesso em: 20 de maio 2013

Page 27: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Monitoramento dos projetos de organizações não governamentais no Estado de São Paulo:

atores e estratégias

Valéria Nanci Silva15

Renato Barboza16

Este capítulo aborda o monitoramento dos projetos financiados pela Coorde-nação Estadual de DST/AIDS (CE DST/AIDS) - Secretaria de Estado da Saúde (SES) e descreve os instrumentos e as estratégias em parceria com os Programas Munici-pais de DST/AIDS (PM DST/AIDS) e os Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE), por meio dos interlocutores regionais responsáveis pelas ações programáticas em DST/AIDS.

As Organizações Não Governamentais (ONG) contribuíram para a consoli-dação da política pública de Aids no Estado de São Paulo e no Brasil, não somente com ações de controle social e advocacy, mas também por meio de estratégias ino-vadoras para a prevenção das DST/AIDS (TEIXEIRA, 1997; GALVÃO, 1997) junto aos segmentos mais afetados (pessoas vivendo com HIV/aids, usuários de drogas inje-táveis ou não, profissionais do sexo e homens que fazem sexo com homens). Muitas dessas tecnologias foram incorporadas nas ações programáticas como a educação entre pares, a abordagem extramuros17, os grupos de acolhimento e mais recente-mente a implantação de academias de ginástica para minimizar os efeitos adversos dos medicamentos antirretrovirais (ARV).

As tecnologias de prevenção e promoção da saúde realizadas pelas ONG, são bem sucedidas em função de sua capilaridade e das estratégias de aproximação, diálogo e uso de linguagem mais adequada para o estabelecimento de vínculos de confiança. Essas características são essenciais para a adoção de práticas de auto-cuidado e prevenção as DST/Aids, assim como para a procura de serviços de saúde que ofertam o diagnóstico precoce do HIV, o tratamento das DST e até, a inclusão de estratégias de prevenção secundária, como a adesão ao tratamento antirretroviral, essencial para a melhoria da qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/aids.

No Brasil, os primeiros apoios financeiros para ONG ocorreram via organiza-ções internacionais (agências multilaterais ou bilaterais). A partir de 1994, o Ministé-rio da Saúde por meio do Programa Nacional de DST/AIDS (denominado atualmen-

15 Valéria Nanci Silva ([email protected]), psicóloga, mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades da USP e técnica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids. 16 Renato Barboza ([email protected]) é cientista social, mestre em Saúde Coletiva, pesquisador científico V do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids da Universidade de São Paulo (NEPAIDS/USP)17 Informações sobre prevenção as DST/Aids e disponibilização de preservativos realizadas nas ruas e outros locais de concentração de segmentos populacionais mais vulneráveis as DST/Aids.

Page 28: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

27

te Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais) estruturou processos regulares de seleção para o financiamento de projetos propostos por ONG (BRASIL, 1999)18.

A descentralização desse processo tornou-se um tema emergente no ano 2000, dado o consenso de que a gestão descentralizada dos recursos, passando para a esfera estadual, possibilitaria alinhar as propostas das ONG às prioridades locais da política de Aids. Deste modo, a descentralização seguiu as diretrizes preconizadas no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece a organização de uma rede re-gionalizada e hierarquizada com direção única em cada esfera de governo.

No âmbito da SES, para a efetivação da descentralização do processo sele-tivo de projetos propostos por ONG, houve amplo debate envolvendo os PM DST/AIDS, a CE DST/AIDS, os GVE e representantes da sociedade civil (Fórum Estadual de ONG/Aids do Estado de São Paulo, Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids), visando a transparência nas decisões e a participação de todos os envolvidos.

A descentralização dos recursos para ONG foi efetivada em 2002, por meio da Portaria 2.313 (BRASIL, 2002) concomitantemente à implantação da política de incentivo com a transferência de recursos, do Fundo Nacional de Saúde para os Fun-dos Estaduais e Municipais, estimulando o desenvolvimento de ações em prol da promoção, prevenção e assistência às DST/AIDS no país. Definiu-se, então, o teto dos recursos específicos, a serem repassados para o financiamento de projetos pro-postos por ONG e as diretrizes técnicas e administrativas para efetivação deste pro-cesso (Portaria 2.314/2002, anexo III). Os primeiros estados envolvidos foram: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Ceará.

A organização da transferência de responsabilidades entre os entes federa-tivos ocorreu gradativamente. Em 2000, foi lançado o edital de financiamento de projetos propostos por ONG com gerenciamento técnico da CE DST/AIDS, contudo os recursos repassados ainda estavam sob a responsabilidade do Programa Nacional de DST/Aids.

Neste período, verificou-se a necessidade de fortalecer e preparar as ONG para participarem das concorrências públicas. Para tanto, o GT OG/ONG realizou treinamentos e oficinas abordando temas como: elaboração de projetos, sustenta-bilidade de ONG, diagnóstico de contextos de vulnerabilidade, controle social etc. Desde o início dessas concorrências, privilegiou-se o investimento técnico e político na busca de alternativas de sustentabilidade das ONG e suas ações. Cabe ressaltar que na fase anterior, os recursos destinados às organizações provinham de acordos de empréstimo sem garantia de continuidade.

Em 2003, ocorreu a primeira seleção de projetos gerenciados integral mente pela CE DST/AIDS, a qual assumiu a condução técnica e financeira do processo, bem como o monitoramento das ações executadas pelas ONG. Observou-se cada vez mais a necessidade de aprimorar as seleções públicas e o monitoramento técni-co e financeiro dos projetos.

18 Apoio do Banco Mundial, por intermédio do Segundo Acordo de Empréstimo BIRD número 4392-BR, assinado com a República Federativa do Brasil, no valor de 300 milhões de dólares.

Page 29: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

28

Processo de seleção de projetos

Para garantir a transparência dos processos seletivos e sua legitimidade, os editais foram e ainda são debatidos e avaliados pelo GT OG/ONG19, instância con-sultiva da CE DST/AIDS que tem por objetivo discutir a política de incentivo voltada ao apoio e financiamento de projetos executados pelas instituições.

O GT OG/ONG sugere e define os aspectos técnicos dos editais no que tange ao contexto de vulnerabilidade às DST/Aids, às populações que deverão ser acessa-das e à cobertura das ações no estado. Já as questões administrativas relacionadas aos documentos exigidos para o estabelecimento do convênio e os critérios para prestação de contas, seguem as normas jurídicas em curso na SES20.

A classificação e a aprovação dos projetos resultam de uma avaliação técnica realizada pela Comissão de Pareceristas Externos, cujos membros possuem experi-ência técnica ou de pesquisa no campo das DST/Aids. Os participantes dessa Comis-são são referenciados pelo GT OG/ONG.

Processo de monitoramento

É importante salientar que entre os objetivos do acordo internacional firma-do pelo Ministério da Saúde e executado pelo Departamento de DST/AIDS e Hepa-tites Virais (Projeto AIDS III), constava o de institucionalizar o monitoramento e a avaliação no âmbito da política nacional de enfrentamento da epidemia de AIDS21. Inspirado na proposta do Monitoring & Evaluation Capacity Building for Program Improvement22, a Assessoria de Monitoramento e Avaliação desse departamento re-alizou capacitações regionais, estruturando sítios de excelência para promover uma cultura de monitoramento e avaliação nas instituições públicas. A CE DST/AIDS de São Paulo foi designada como um dos sítios de excelência do país.

O processo de monitoramento implica em acompanhar, num determinado período de tempo, as ações que foram planejadas. Este procedimento possibilita ob-ter informações importantes que podem ser usadas para um novo planejamento ou

19 O GT OG ONG é composto por representantes dos Programas Municipais de DST/AIDS; interlocutores do Grupo de Vigilância Epidemiológica e representantes da sociedade civil (Fórum ONG/AIDS do Estado de São Paulo, Rede de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS; Fórum de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais; Movimento Nacional de Cidadãs Positivas). Maiores informações no capítulo 1 desta publicação.20 Para maior detalhamento verificar: a Lei nº 8.666/93; em especial o artigo 116; o Decreto Estadual nº 43.046/1.998; o Decreto Estadual nº 51.346/2006 e a Portaria GS/CG-4, de 22/12/2006.21 A partir de 2002 foi criada no Departamento Nacional de DST/AIDS, a Área de Avaliação, integrada hierarquica-mente à Assessoria de Planejamento e Avaliação. No final de 2004 a mesma foi reestruturada e passou a ser denominada Assessoria de Monitoramento e Avaliação. Para maiores informações sobre as atribuições dessa área, consulte http://www.aids.gov.br/m%26a/22 Para maiores informações consultar o documento Fild Guide, version 1, december 2003. Global AIDS Program. Cen-ter For Disease Control and Prevention OSC. Disponível em http://www.globalhivmeinfo.org/DigitalLibrary/Digital%20Library/Monitoring%20and%20Evaluation%20Capacity%20Building%20for%20Program%20Improvement%20-%20Training%20Presentations.ppt

Page 30: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

29

mesmo, para corrigir falhas no desenvolvimento de um projeto. O monitoramento, por sua vez, possibilita verificar como as atividades propostas foram executadas e quais os resultados alcançados, municiando com informações o processo posterior de avaliação. Esse processo exige estruturar e definir parâmetros e indicadores ainda na fase do planejamento, o que possibilita a comparação e a análise dos resultados alcançados para a tomada de futuras decisões.

O monitoramento e a avaliação dos projetos selecionados e financiados é uma pauta permanente do GT OG/ONG, o que garante a participação de diversos atores que colaboram no aprimoramento desse processo. Os fluxos, as informações a se-rem coletadas e a periodicidade dos relatórios técnicos e financeiros, assim como as responsabilidades das esferas estadual e municipal são objeto de discussão e de-liberação desse grupo. Tem-se como resultado o fortalecimento da articulação e o envolvimento dos gestores dessas instâncias e também, a produção de informações qualificadas sobre as dificuldades, as práticas inovadoras e os resultados obtidos nas intervenções das ONG nas diversas regiões do estado.

Assim, em relação aos instrumentos, inicialmente espelhados nas orienta-ções do Programa Nacional de DST/AIDS23, para o monitoramento, algumas mo-dificações ocorreram no decorrer desses anos no intuito de captar informações que municiassem a análise das metas definidas como prioritárias para a política estadu-al de DST/AIDS.

Os instrumentos utilizados servem como ferramenta de gestão para que a própria ONG verifique se os objetivos e ações propostas estão sendo realizadas con-forme planejado. Os instrumentos captam dados qualitativos e quantitativos sobre: as atividades realizadas; a disponibilização de preservativos (masculinos e femini-nos), gel lubrificante e kit de redução de danos para usuários de drogas injetáveis 24; o número de pessoas acessadas nas ações; o número de encaminhamentos realiza-dos para os serviços de saúde e demais equipamentos afins (ex: Centro de Testagem e Aconselhamento, Centro de Atenção Psicossocial, Centros de Referência de Assis-tência Social etc).

É importante explicitar a relevância e a conexão entre o Plano de Trabalho (aprovado no edital de seleção) e os Instrumentos de Monitoramento. O projeto ou plano de trabalho formulado pelas ONG fornece subsídios para o processo pos-terior de monitoramento e avaliação. Os pontos estruturantes para o monitora-mento e que integram o plano de trabalho25 são: os objetivos, as atividades, os produtos, os resultados, os meios de verificação, os insumos, o monitoramento e a avaliação, a articulação com o Sistema Único de Saúde e demais instituições, a sustentabilidade das ações propostas e o orçamento.

23 Maiores informações consulte o documento “Instruções para a aplicação de recursos originários de empréstimos do BIRD– acordo 4392/BR; acordo 4292/BR; SIMOP – Sistema de Informação e Monitoramento de Projetos. Manual do Usuá-rio, 2001. Ministério da Saúde/Secretaria de Políticas da Saúde. Esse sistema objetivava agilizar a aprovação dos subprojetos nas Coordenações Estaduais e assegurar o envio das informações à Coordenação Nacional. 24 Agulhas, seringas e água destilada.25 Disponível em http://www.crt.saude.sp.gov.br

Page 31: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

30

É importante frisar que o item “objetivo” é de fundamental importância, pois expressa as intenções do projeto e orienta os demais tópicos do plano de trabalho. Sugere-se que este item seja descrito como uma meta, destacando-se a temporalidade, a localidade e quando possível, os resultados esperados também sejam quantificáveis.

Os itens “produto”, “resultado”, “atividade”, “insumo” e “meios de verificação” são articulados e compõem o quadro lógico do projeto. Durante o monitoramen-to procura-se verificar se esses elementos estão sendo executados de acordo com o planejado. Assim, espera-se que os objetivos sejam alcançados por meio da execu-ção das atividades e demais informações detalhadas no quadro lógico.

Entende-se por “atividade” uma ou mais ações que conduz(em) ao resultado esperado e que está(ão) em consonância com os objetivos do projeto (exemplo de atividade: planejar e realizar 10 oficinas de sexo seguro com profissionais do sexo). Já o “produto” é fruto imediato da atividade realizada (exemplo de produto: 10 ofi-cinas de sexo seguro executadas com profissionais do sexo). O “resultado” descreve as modificações (conhecimento, atitude ou comportamento) e os efeitos esperados por meio da atividade executada (exemplo de resultado: aumento do nível de infor-mação sobre DST/AIDS entre as profissionais do sexo). Os “insumos” são todos os recursos (humanos e materiais) necessários para a execução da atividade (exemplo de insumos: pagamento do coordenador do projeto; aquisição de equipamentos e de materiais educativos; preservativos etc). Os “meios de verificação” são os instru-mentos formulados e utilizados pelas ONG para registrar e aferir se os resultados e os produtos planejados foram alcançados (exemplo de meios de verificação de re-sultados: formulação e aplicação de um questionário pré e pós-oficina de sexo se-guro; exemplo de meios de verificação de produtos: listas de presença das oficinas realizadas; fotos e relatório descritivo das oficinas).

No tópico articulação ou integração com o Sistema Único de Saúde (SUS), aborda-se a estratégia utilizada para o referenciamento dos segmentos populacio-nais acessados para os serviços de saúde, sejam especializados ou não em DST/AIDS. É um ponto relevante, pois integra a premissa de facilitar e estimular o aces-so à rede pública de saúde. Já a articulação com outras instituições, ou a parceria com Organizações da Sociedade Civil, Sindicatos, Universidades, Escolas, Presí-dios, Fundação Casa e demais órgãos governamentais ou não, visa incorporar e divulgar a cultura de prevenção das DST/AIDS em espaços diversos, bem como estruturar e fortalecer as ações do projeto visando a factibilidade e sustentabili-dade das ações.

No entanto, o campo “sustentabilidade” do plano de trabalho, refere-se as ações do projeto e não a manutenção da infra-estrutura das ONG. Compreende-se que a sustentabilidade envolve não somente a captação de recursos financeiros, mas também a capacidade de execução técnica do projeto e a articulação política com outras instituições governamentais ou não. O penúltimo tópico, de “monito-ramento e avaliação”, objetiva desenvolver essas habilidades essenciais para que as ONG possam qualificar e registrar as ações e seus resultados, avaliando durante o

Page 32: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

31

processo, se os objetivos estão sendo atingidos. Portanto, o plano de trabalho fun-ciona como um guia que norteia a lógica dos instrumentos utilizados em todas as etapas do processo de monitoramento.

Atualmente, são utilizados os seguintes instrumentos para o monitoramento dos projetos: a) Relatório de Progresso (relatório técnico do projeto com periodici-dade anual); b) Relatório Narrativo Final (entregue ao final da execução do proje-to); c) Relatório do Monitoramento Presencial (realizado semestralmente pelo PM DST/AIDS; GVE ou CE DST/AIDS); d) Relatório Financeiro (periodicidade anual); e) Parecer Técnico (periodicidade anual emitido pelo PM DST/AIDS; GVE ou CE DST/AIDS)26.

O Relatório de Progresso é um instrumento que deve ser enviado pelas ONG, conjuntamente com a prestação de contas (que engloba todos os documentos com-probatórios referente aos gastos financeiros), após a execução de 50% dos recursos repassados da primeira parcela ou após um ano da execução do projeto. Essa si-tuação não se aplica aos projetos de apoio a eventos, pois neste caso as entidades devem enviar esses relatórios ao final da execução do mesmo. Após o término do projeto, as ONG devem enviar esses instrumentos novamente acompanhados do Relatório Narrativo Final.

O Relatório Narrativo Final é um documento consolidado das ações executa-das. Sugere-se que este instrumento inclua as seguintes divisões: a) Introdução: des-crição resumida da proposta de trabalho e organização dos textos que virão a seguir; b) Método: descrição das estratégias de trabalho adotadas e avaliação resumida das ações executadas. Se for o caso, incluir o modelo dos questionários aplicados com a população acessada e a análise dos resultados; c) Resultados: descrição resumida do alcance dos objetivos e resultados do projeto.; d) Anexos: fotos e demais materiais de informação, educação e comunicação produzidos etc.

O fluxo do envio dos relatórios envolve os níveis municipais e o estadual. Os relatórios acima citados, exceto o financeiro, são enviados para os Programas Muni-cipais de DST/AIDS (local de atuação) e na ausência, sugere-se o envio para a Secre-taria Municipal de Saúde – área técnica de Vigilância Epidemiológica. No caso de projetos com abrangência regional, os relatórios devem também ser encaminhados para o GVE – Grupo de Vigilância Epidemiológica, interlocução com DST/AIDS.

As ONG devem necessariamente anexar aos relatórios (progresso e/ou final), as comprovações das ações realizadas, como a lista de presença, as atas de reuniões, fotos, e demais documentos citados no item meio de verificação, existente no qua-dro lógico do plano de trabalho aprovado.

Os PM DST/AIDS e os GVE são responsáveis pelo monitoramento presencial dos projetos e assim, preenchem o formulário de Monitoramento Presencial 27 (vide figura 1) no qual indicam os problemas ou êxito na execução do projeto.

26 Os instrumentos citados podem ser encontrados no site: www.crt.saude.sp.gov.br.27 Disponível em formsus: http://formsus.datasus.gov.br/site/formulario.php?id_aplicacao=8416

Page 33: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

32

Figura 1

Os Programas Municipais de DST/AIDS (ou Secretarias Municipais de Saú-de) e/ou GVE - Grupos de Vigilância Epidemiológica, munidos dos relatórios preen-chem o Parecer Técnico 28 (vide figura 2).

Figura 2

28 Disponível em formsus: http://formsus.datasus.gov.br/site/formulario.php?id_aplicacao=9199

Page 34: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

33

Todos os instrumentos descritos anteriormente são incorporados no Termo de Convênio dos projetos, pois darão ciência sobre a execução das ações e objetivos alcançados e arguirão para a liberação da segunda parcela dos recursos financeiros ou finalização do convênio.

O processo de monitoramento e avaliação conta, portanto com a participação de diversos profissionais da saúde (níveis estadual e municipal) e da sociedade civil através do GT OG/ONG. Trata-se de uma estratégia utilizada não somente para ve-rificação da eficiência das ações, mas para o aperfeiçoamento técnico das ONG e a troca de conhecimentos (SILVA et al., 2012).

Deste modo, verificou-se que a descentralização da seleção pública de proje-tos possibilitou a ampliação da articulação e do diálogo com as ONG, bem como um acompanhamento mais próximo das ações locais de prevenção executadas em cada município, contribuindo com a qualificação técnica das ações.

Vale destacar que a gestão descentralizada do financiamento dos projetos vol-tados as ONG/AIDS no estado de São Paulo, possibilitou também a institucionali-zação de mecanismos e estratégias sustentáveis que vem sendo aprimorados desde 2000 com a participação da sociedade civil e dos profissionais da área da saúde.

Além da estratégia de monitoramento citada acima, a partir de 2009, a Co-ordenação Estadual de DST/AIDS do Estado de São Paulo, buscou desenvolver en-contros de monitoramento para otimizar a troca de experiência entre as ONG, o fortalecimento da articulação política, bem como diagnosticar quais são as dificul-dades, inovações e resultados significativos percebidos em relação as ações desen-volvidas a partir dos projetos. Os resultados dessa iniciativa serão detalhados no próximo capítulo.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde.  A Resposta Brasileira ao HIV/AIDS: Experiências Exemplares. Brasília: Coordenação Nacional de DST e AIDS, 1999.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portarias n.º 2313 e 2314/GM, publicadas em 19 e 20 de dezembro de 2002, dispõe sobre a política de transferência de recursos do go-verno federal para estados, Distrito Federal e municípios na modalidade de fi-nanciamento fundo a fundo para DST/Aids. Disponível em:< http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/publicacoes/Legislacao/Portaria_2313-2002_PAM-Aids.pdf>. Acesso em: 20 de maio 2013.

GALVÃO, J. As respostas das Organizações Não Governamentais brasileiras frente à epidemia de HIV/AIDS. In: PARKER, R. (org.). Políticas Instituições e AIDS: enfrentando a epidemia no Brasil. Zahar Ed: ABIA, 1997, p. 69-108.

SÃO PAULO. Secretaria Estadual de Saúde. Portaria interna nº 3. Programa Esta-dual de DST/AIDS. São Paulo, 6 de dezembro de 2002. Institui o grupo de tra-

Page 35: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

34

balho assessor do Programa Estadual de DST/AIDS na articulação OG/ONG do Estado de São Paulo e dá outras providências.

TEIXEIRA, P. R. Políticas Públicas em AIDS. In: PARKER R. (org). Políticas, Institui-ções e AIDS: enfrentando a epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: ABIA, 1997, p. 43-69.

SILVA, V. N.; BARBOZA, R.; CERVANTES, V.; DANTAS, J. C. D. ; PIZARRO, S. Estra-tégias de Monitoramento de Projetos Executados por ONG voltados para o Enfrentamento as DST/AIDS no Estado de São Paulo – 2003 a 2012. Anais X Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2012.

Page 36: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Prevenção às DST/AIDS em comunidades: uma análise das ações e estratégias das

Organizações Não Governamentais

Renato Barboza29

Olga Sofia Fabergé Alves30

Ane Talita da Silva Rocha31

Conceição Aparecida Santana Silva32

Bruna Aparecida Gonçalves33

Desde a implantação do Programa Estadual DST/AIDS em 1983 as relações entre o poder público e as Organizações Não Governamentais (ONG) foram aprimo-radas quanto à sua institucionalização no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). No período mais recente, após 2002, o Ministério da Saúde publicou as portarias Nº. 2313 e 2314/GM e instituiu a política de incentivo às DST/AIDS. Essa política esta-beleceu processos de transferência de recursos da esfera federal para as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, adequando a lógica do financiamento às normas do SUS (BRASIL, 2002).

Como discutido por Silva e Silva (2013) nessa obra, a política de incentivo pre-vê a alocação de aproximadamente 10% dos recursos transferidos para o financia-mento de projetos e ações das organizações da sociedade civil nas Secretarias Esta-duais de Saúde. Na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) no período entre 2003 e 2010 foram conduzidas sob a gerência da Coordenação Estadual DST/AIDS (CE DST/AIDS) cinco concorrências públicas para seleção e financiamento de 542 projetos executados em parceria com essas entidades. Nessa perspectiva, a CE DST/AIDS desenvolveu e aperfeiçoou o processo de monitoramento e avaliação dos projetos financiados, com a estreita participação dos Programas Municipais de DST/AIDS.

O presente capítulo analisa uma amostra dos projetos das ONG financiadas no período entre 2003 e 2010 no contexto da implementação da política de incentivo às DST/AIDS no estado de São Paulo.

29 Renato Barboza ([email protected]) é cientista social, mestre em Saúde Coletiva, pesquisador científico V do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids da Universidade de São Paulo (NEPAIDS/USP).30 Olga Sofia Fabergé Alves ([email protected]) é cientista social, mestre em História Social e pesquisadora cien-tífica do Laboratório Especial de História da Ciência do Instituto Butantan da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 31 Ane Talita da Silva Rocha ([email protected]) é cientista social, mestre em Antropologia pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos dos Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS-USP) e educadora no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo (CDHEP).32 Conceição Aparecida Santana Silva ([email protected]) é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo, estagiária no Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.33 Bruna Aparecida Gonçalves ([email protected]) é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo, estagiária no Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Page 37: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

36

Percurso metodológico

Realizou-se um estudo exploratório e descritivo sobre os projetos de ONG fi-nanciadas pela CE DST/AIDS. A pesquisa foi desenvolvida em uma parceria entre o Instituto de Saúde e a gerência de planejamento dessa coordenação.

Para a seleção inicial dos projetos, unidade de análise do estudo, utilizou-se um banco de dados atualizado com informações das entidades selecionadas nas concor-rências públicas conduzidas pela gerência de planejamento. No período entre 2003 e 2010, identificaram-se 542 projetos financiados. Desse total, 246 classificados como projetos de intervenções para promoção da saúde e prevenção às DST/Aids em âmbito comunitário; 214 destinados à realização de eventos; 34 voltados às casas de apoio que atendem crianças; 30 para casas de apoio que abrigam adultos; e 18 para o fortaleci-mento das ações de advocay e controle social da política de DST/Aids no estado.

Nessa análise priorizaram-se os 246 projetos de promoção da saúde e pre-venção às DST/Aids em âmbito comunitário, excluindo-se os demais. Essa seleção levou em conta as principais características dessa modalidade de projeto, ou seja, o desenvolvimento de intervenções baseadas em ações processuais e contínuas para uma determinada população definida previamente pela instituição proponente e lo-calizada em uma área urbana ou rural. Assim, excluíram-se 296 projetos da análise.

Outro recorte utilizado, baseou-se no período de execução e no término das ações, optando-se pelos projetos da seleção pública do ano de 2007, finalizados até 2010. Dessa forma, excluíram-se 106 propostas anteriores a 2007 e 43 que ainda não haviam sido concluídas em 2010, totalizando 149 projetos. Por fim, o número defi-nido nessa amostra de conveniência foi de 73 projetos, dos quais 57 foram efetiva-mente analisados. Durante a fase de coleta, não foi possível recuperar os registros de informações referentes à 16 projetos.

Para proceder a coleta dos dados utilizaram-se como fontes de informações, os relatórios de progresso parcial e/ou narrativo final dos projetos enviados pelas ONG à CE DST/AIDS, como exigência para prestação de contas das ações executadas no período do financiamento (1 a 2 anos), em consonância com as regras do edital. Nos projetos, cujos relatórios foram considerados insuficientes para o objetivo do estudo, utilizaram-se as informações disponíveis nas apresentações do encontro estadual de monitoramento de ONG, promovido pela CE DST/AIDS em 2011. Dos 57 projetos, 32 usaram como fonte os relatórios de progresso parcial e/ou relatório narrativo final; 19 os relatórios de progresso parcial e/ou relatórios de progresso final completados com as apresentações do evento; e 6 somente as apresentações do evento.

Elaborou-se um instrumento para padronizar a coleta dos dados, pré-testado em cinco projetos com relatórios completos. Os dados foram classificados e organiza-dos em um banco de dados em planilha Excel com variáveis estruturadas em blocos, a saber: instituição conveniada; nome do projeto; população-alvo; Departamento Regional de Saúde; Grupo de Vigilância Epidemiológica; objetivo geral; ações e ativi-dades de promoção e prevenção às DST/Aids; parcerias com o SUS e outros setores

Page 38: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

37

governamentais e não governamentais; dificuldades na execução; valor conveniado; e fonte principal de informação usada no processo de classificação.

Desenvolveu-se um banco complementar com informações sobre a alocação de recursos para ONG nos Plano de Ações e Metas (PAM) dos municípios habilita-dos na política de incentivo às DST/Aids no período de 2007 a 2012.

No intuito de aprofundar a análise, novas variáveis foram incorporadas tais como: os recursos municipais próprios e do incentivo destinados às ONG no âmbito municipal; o porte do município, segundo o total da população; e a localização do município em região metropolitana no estado de São Paulo.

No presente capítulo as variáveis selecionadas para análise descritiva refe-rem-se à cobertura das ações no estado; à população alvo dos projetos; às estratégias de prevenção adotadas pelas ONG na condução das ações; às parcerias estabeleci-das; aos recursos conveniados; e aos recursos alocados na PAM dos municípios.

Resultados e discussão

Analisaram-se 57 projetos, perfazendo 78% do plano inicial de recuperação dos registros disponíveis na CE DST/AIDS. A dificuldade para recuperação das fon-tes documentais, no caso o relatório de progresso ou relatório narrativo final foi mi-nimizada com o uso de fontes complementares, as apresentações em formato power point do balanço das ações socializadas no encontro estadual de monitoramento dos projetos. Para uma análise em profundidade sobre esse tema, consultar o capí-tulo de Silva e Barboza (2013) dessa obra.

Quanto à caracterização dos municípios onde foram realizadas as interven-ções preventivas às DST/Aids e de promoção da saúde junto aos grupos sociais, observa-se na tabela 1, que 77,2% dos projetos foram desenvolvidos no município sede da ONG, ao passo que 22,8% implementados em âmbito regional. Esses projetos abrangeram de dois a dez municípios, além da cidade sede da instituição. No univer-so analisado, a cobertura das ações da sociedade civil atingiu 69 municípios paulistas.

Tabela 1. Distribuição dos projetos de ONG, segundo abrangência regional e não regional.

Projetos Nº. %

Regionais 13 22,80

Não regionais 44 77,20Total 57 100,00

Fonte: os autores.

Page 39: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

38

A distribuição dos projetos, segundo os Departamentos Regionais de Saúde (DRS) da SES-SP, revela que os mesmos foram desenvolvidos em 15 DRS de um total de 17 regionais que integram a atual estrutura descentralizada da saúde. Os DRS são responsáveis pela gestão e coordenação da política de saúde da SES-SP no âmbito regional e pela articulação de setores externos à Saúde, incluindo as entidades da sociedade civil (SÃO PAULO, 2006).

A maioria dos projetos foi realizada no DRS I, o qual corresponde à Região Metropolitana da Grande São Paulo. Cabe destacar que nessa região, 43,8% das ações (25 projetos) foram executadas por ONG sediadas no município de São Paulo, o qual concentra o maior contingente de entidades sociais que atuam com HIV/Aids no estado. Nos outros DRS, o número de ações variou entre um e cinco projetos, sen-do a maior parte desenvolvida nos municípios vinculados às regionais de Campinas (DRS VII), Baixada Santista (DRS IV) e Araçatuba (DRSII), como mostra a tabela 2.

Tabela 2. Distribuição dos projetos de ONG, segun-do o Departamento Regional de Saúde da SES-SP.

DRS Nº. projetos %

I 28 49,12II 4 7,02III 3 5,26IV 4 7,02V 1 1,75VII 5 8,77VIII e XIV 1 1,75X 1 1,75XI 1 1,75XII 1 1,75XIII 1 1,75XV 2 3,51XVI 3 5,26XVII 2 3,51

Total 57 100,00Fonte: os autores.

Nos Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE), os projetos abrangeram 19 GVE dos 28 existentes na SES-SP. Considerando-se como critério de corte, os GVE com quatro ou mais projetos executados, verificou-se que 73,68% das ações con-centraram-se em apenas cinco GVE: Capital (25); Campinas (5); Santos, Osasco e Araçatuba (4 projetos cada). Cabe registrar que seis projetos foram realizados em municípios que abrangeram mais de um GVE.

Page 40: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

39

Os projetos foram implementados em municípios heterogêneos, segundo o porte e o total da população. Constata-se na tabela 3, que 47,83% dos municípios, lócus das ações preventivas foram classificados como médio porte e possuem entre 50 e 500 mil habitantes. Os municípios de pequeno porte com contingente popula-cional até 50 mil habitantes corresponderam a 36,23% e os municípios de grande porte, acima de 500 mil habitantes, responderam por 15,94%.

Tabela 3. Distribuição dos municípios, segundo o porte.

Porte municípios Nº. Municípios %

Pequeno 25 36,23Médio 33 47,83Grande 11 15,94Total 69 100,00Fonte: os autores.

As diferenças entre os municípios também são evidentes, não apenas quanto ao porte, mas também no que se refere à vinculação a uma determinada região me-tropolitana do estado. No conjunto dos municípios, 56,52% localizam-se em áreas não metropolitanas, perfazendo um total de 39 cidades, ao passo que 43,48%, ou seja, 30 municípios pertencem à área de jurisdição das regiões metropolitanas paulistas. Um dos fatores importantes na análise dos contextos de vulnerabilidade e que tensiona as ações de prevenção primária ou secundária às DST/Aids, refere-se à dinâmica metro-politana. As especificidades dessas regiões condicionam e determinam as condições de vida e a situação de saúde das populações que habitam esses espaços, influencian-do também a organização da oferta dos serviços de saúde e o acesso aos mesmos.

Dentre as ações preventivas executadas pelas ONG nessas regiões, mais da metade ocorreram em cidades vinculadas à Região Metropolitana da Grande São Paulo, perfazendo 56,67%, sobretudo em São Paulo como referido anteriormente, a qual comporta a maior rede de serviços especializados em DST/Aids, incluindo unidades sob gestão estadual e municipal. Na sequência, em ordem decrescente, verifica-se na tabela 4, a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (23,33%), instituída recentemente e, as Regiões Metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas com 10% dos municípios cada.

Tabela 4. Distribuição dos municípios, segundo região metropolitana no Estado de São Paulo.

Região Metropolitana Nº. Municípios %

Grande São Paulo 17 56,67Baixada Santista 3 10,00Campinas 3 10,00Vale do Paraíba e Litoral Norte 7 23,33Total 30 100,00Fonte: os autores.

Page 41: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

40

No ranking das principais populações acessadas pelas entidades, destacam-

-se em primeiro lugar, as pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIVA), contempladas

em 28,1% dos projetos. Na seqüência, com 19,3%, os homens e as mulheres adultos

de baixa renda em âmbito comunitário e, as crianças e os adolescentes escolariza-

dos, responsáveis por 15,8% dos segmentos beneficiados como demonstra a tabela 5.

Outras populações vulneráveis, como os homens que fazem sexo com ho-

mens, os adolescentes não escolarizados ou privados de liberdade, os transgêne-

ros e travestis e, os adultos confinados, incluindo-se as PVHIVA, perfizeram 59,6%

dos segmentos priorizados pelas ONG. No universo investigado, considerando-se os

objetivos do edital de seleção que orienta a elaboração e a submissão das propos-

tas, esse percentual pode ser considerado satisfatório. No entanto, ainda permanece

o desafio de envidar esforços para induzir a capacidade de resposta das entidades

paulistas que atuam direta ou indiretamente com a epidemia, com vistas ao incre-

mento do número de projetos destinados a esses grupos sociais.

Tabela 5. Distribuição dos projetos de ONG, segundo população prioritária principal.

População prioritária Nº. projetos

%

PVHIVA 16 28,10

Adultos na comunidade 11 19,30

Crianças e adolescentes escolarizados 9 15,80

HSH 5 8,78

Adolescentes não escolarizados 3 5,26

Adolescentes em privação de liberdade 3 5,26

Transgêneros e travestis 2 3,50

População confinada em presídios 2 3,50

Proteção aos direitos das PVHIVA 2 3,50

Profissionais de empresas 2 3,50

Redução de danos UD e UDI 1 1,75

Sustentabilidade das ações 1 1,75

Total 57 100,00

Fonte: os autores.

Page 42: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

41

Chama a atenção que, 56,14% dos projetos beneficiaram não só a população prioritária definida inicialmente no projeto, mas também uma segunda população. A tabela 6 mostra que os profissionais das instituições públicas foram os mais aces-sados, geralmente participando de atividades de formação e atualização em DST/Aids conduzidas pelas entidades. Na sequência, destacam-se outras populações, como os homens que fazem sexo com homens e as crianças e adolescentes escola-rizados, alcançando 15,62% cada. Cabe ainda registrar a relevância da capilaridade das ações preventivas das ONG ao contemplar mais de uma população, ampliando a sua atuação.

Tabela 6. Distribuição dos projetos de ONG, segundo população prioritária secundária.

População prioritária secundária Nº. %

Profissionais de instituições públicas 6 18,76

HSH 5 15,62

Crianças e adolescentes escolarizados 5 15,62

Adultos na comunidade 3 9,38

Adolescentes não escolarizados 3 9,38

Profissionais do sexo 3 9,38

Redução de danos UD e UDI 2 6,25

Lésbicas 2 6,25

PVHIVA 1 3,12

População confinada em presídios 1 3,12

Proteção aos direitos das PVHIVA 1 3,12

Total 32 100,00

Fonte: os autores.

Observa-se na tabela 7, as principais ações desenvolvidas pelas ONG nos projetos, destacando-se em ordem descrescente a realização de oficinas e palestras (16,41%) para diversas populações; a oferta de insumos de prevenção, principal-mente preservativos masculinos (12,16%); e a formação de multiplicadores de in-formações baseada na educação por pares (11,85%). As características dessas ações reiteram a adoção de modelos e estratégias clássicas utilizadas pela saúde pública no campo da Aids, desde as décadas de 80 e 90.

Page 43: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

42

Tabela 7 . Distribuição dos projetos de ONG, segundo as principais ações realizadas.

Ações Nº %

Oficinas e palestras 54 16,41Oferta de insumos 40 12,16Formação de multiplicadores 39 11,85Material educativo 36 10,94Planejamento das ações 35 10,64Eventos e fóruns 30 9,12Campo 26 7,90Grupos educativos 22 6,69Estratégias de captação da população 18 5,47Geração de renda 13 3,95Reconhecimento do contexto social 9 2,74Prevenção e controle da lipodistrofia 5 1,52Diagnóstico com uso de teste rápido 2 0,61Total 329 100,00

Fonte: os autores.

Nessa perspectiva, a principal estratégia de prevenção secundária ao HIV/Aids desenvolvida nos projetos voltados às PVHIVA, combinou um conjunto de ati-vidades constituídas por oficinas + palestras + grupos, além de outras estratégias verificadas no quadro 1, demonstrando o predomínio do modelo clássico referido anteriormente.

Quadro 1. Distribuição das ações realizadas pelas ONG, segundo as princi-pais estratégias de prevenção para PVHIVA.

Estratégias Nº. ações

Oficinas/Palestras (15) / Grupo (12) 12Oficinas/Palestras (15) / Insumos (6) 6Oficinas/Palestras (15) / Multiplicadores (6) 6Oficina/Palestra (15) / Material educativo (7) 6Grupo (12) / Insumos (6) 5Oficinas/Palestras (15) / Multiplicadores (6) / Campo (3) 1

Fonte: os autores.

Quanto à população de homens e mulheres adultos de baixa renda em âm-bito comunitário predominaram as estratégias das oficinas + palestras + oferta de insumos de prevenção + material educativo, como mostra o quadro 2.

Page 44: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

43

Quadro 2. Distribuição das ações realizadas pelas ONG, segundo as princi-pais estratégias de prevenção para adultos na comunidade.

Estratégias Nº. ações

Oficinas/Palestras (11) / Insumos (11) 11Oficinas/Palestras (11) / Insumos (11) / Material educativo (10) 10Oficinas/Palestras (11) / Insumos (11) / Material educativo (10) / Multiplicadores (9) 8

Oficinas/Palestras (11) / Insumos (11) / Material educativo (10) / Multiplicadores (9) / Campo (8) 5

Fonte: os autores.

Em relação às crianças e adolescentes escolarizados, a principal estratégia adotada combinou oficinas + palestras + educação por pares com oferta ou não de material educativo, observado no quadro 3.

Quadro 3. Distribuição das ações realizadas pelas ONG, segundo as princi-pais estratégias de prevenção para crianças e adolescentes escolarizados.

Estratégias Nº. ações

Oficinas/Palestras (9) / Multiplicadores (8) 8Oficinas/Palestras (9) / Multiplicadores (8) / Material educativo (6) 5Oficinas/Palestras (9) / Insumos (5) 5Multiplicadores (8) / Eventos (5) 4Oficinas/Palestras (9) / Eventos (5) / Insumos (5) 3

Fonte: os autores.

Observa-se, na tabela 8, que a maioria dos projetos estabeleceu parcerias ou interfaces com as unidades da rede pública de saúde, alcançando 78,95% das ações das ONG conveniadas, contra 21,05% das que não trilharam esse caminho. Cabe sublinhar que no campo da prevenção às DST/Aids e da promoção da saúde essa estratégia desempenha um papel fundamental para maior potência e efetividade das ações.

Tabela 8. Número de projetos de ONG, segundo parcerias com o SUS.

Parceria/SUS Nº %

Sim 45 78,95Não 12 21,05Total 57 100,00

Fonte: os autores.

Page 45: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

44

A metade das parcerias com o SUS foi realizada junto aos serviços especiali-zados de DST/Aids, perfazendo 55,5% das ações nesse quesito. Na sequência, verifi-cam-se as parcerias com as unidades da rede de Atenção Básica, organizadas segun-do a Estratégia Saúde da Família, responsável por 35,56% das ações e, em menor nú-mero as unidades destinadas à atenção à saúde mental, à saúde da mulher e à saúde bucal, além do Conselho Municipal de Saúde e um hospital, como mostra a tabela 9.

Tabela 9. Número de projetos de ONG, segundo unidades parceiras no SUS.

Parcerias e interfaces no SUS Nº. %

Serviços DST/Aids 25 55,56Serviços DST/Aids e USF 14 31,11USF 2 4,45Serviços DST/Aids e CAPS AD 1 2,22Serviços DST/Aids e Conselho Municipal de Saúde 1 2,22Serviços DST/Aids e Hospital 1 2,22Serviços DST/Aids, Saúde da Mulher, Saúde Bucal e CAPS AD 1 2,22Total 45 100,00

Fonte: os autores.

Além do SUS, 52,4% das entidades também trabalharam em parceria com ou-tros setores externos à Saúde, sobretudo a Educação (40%) e a Assistência e Desen-volvimento Social (36,36%). Nessa perspectiva, também houve interfaces, porém com menor frequência, com as Secretarias da Administração Penitenciária e da Segurança Pública e da Justiça e Defesa da Cidadania, além do Juizado da Infância e Adolescência em oito projetos, totalizando 14,54% das ações, como pode-se observar na tabela 10.

Tabela 10. Número de projetos de ONG, segundo parcerias com outros se-tores, exceto Saúde.

Parcerias com outros setores Nº %

Educação 22 40,00Assistência e Desenvolvimento Social 20 36,36Administração Penitenciária ou Segurança Pública 4 7,27Justiça e Defesa da Cidadania; Juizado da Infância e Adolescência 4 7,27

Cultura 1 1,82Previdência Social 1 1,82Núcleo de Proteção Psicossocial 1 1,82Centro de Referência em Direitos Humanos 1 1,82Ministério da Defesa 1 1,82Total 55 100,00

Fonte: os autores.

Page 46: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

45

Observaram-se, também outras parcerias com uma gama de instituições pú-blicas e privadas, sobretudo as empresas (30%), as universidades públicas e privadas (22,50%), os Conselhos Municipais vinculados a outros setores exceto a Saúde (15%), além de outras entidades vinculadas ao terceiro setor, como mostra a tabela 11.

Tabela 11. Número de projetos de ONG, segundo outras parcerias e interfaces.

Outras parcerias Nº %

Empresas 12 30,00Universidades 9 22,50Conselhos municipais (Tutelar, Direitos, Criança/Adolesc.) 6 15,00Igrejas 4 10,00Senac 3 7,50Institutos ou Fundações (Telefônica, Bienal do Livro) 2 5,00Associações (mulheres, moradores, comercial) 2 5,00Sindicatos 1 2,50Fórum Costa da Mata Atlântica 1 2,50Total 40 100,00

Fonte: os autores.

A diversidade das parcerias evidencia a relevância das ações intersetoriais empreendidas pelas ONG na execução dos projetos. No âmbito das políticas pú-blicas, vale frisar que a condução de estratégias preventivas ancoradas na diretriz da intersetorialidade, ainda representa um grande desafio teórico e prático a ser al-cançado pelas entidades sociais e pelo poder público, em especial, no setor Saúde. Dessa forma, a articulação com essa rede ampliada de instituições e atores exige dos profissionais uma atuação proativa, seja no processo de planejamento ou na imple-mentação e avaliação das ações.

Outra variável analisada identificou as principais dificuldades relatadas pelas entidades conveniadas e que apresentaram execução parcial no alcance dos objeti-vos. As principais dificuldades dessas organizações, em ordem decrescente referi-ram-se à captação e à adesão das populações priorizadas no desenvolvimento das ações planejadas (31,97%); ao estabelecimento das parcerias, internas ou externas ao setor Saúde (12,30%); e aos atrasos nas parcelas dos recursos previstos nos convê-nios com a SES-SP, contribuindo para o não cumprimento de todas as etapas plane-jadas no cronograma inicial (9,02%), às vezes, associada à falta de experiência para lidar com as regras da administração pública no uso dos recursos (6,56%), conforme demonstra a tabela 12.

Em síntese, verificou-se que a metade das dificuldades elencadas pelas enti-dades referiram-se às questões técnicas do processo de desenvolvimento das ações preventivas (56,55%); seguido dos aspectos políticos, envolvendo as parcerias e a organização dos serviços de saúde no SUS (27,87%); e ainda os administrativos (15,58%), relacionados às regras do financiamento na modalidade de convênios.

Page 47: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

46

No universo analisado, considerando-se as informações disponíveis referen-tes à 46 projetos, o valor total financiado foi R$ 6.634.106,45 e o valor médio por pro-jeto, R$ 144.219,71. Quanto as principais populações destacadas anteriormente, o valor investido nos projetos voltados às PVHIVA totalizou R$ 1.210.398,20 e o valor médio/projeto R$ 75.649,88; para os adultos em âmbito comunitário, o valor alocado atingiu R$ 1.475.339,42 e o valor médio/projeto, R$ 134.121,76; e nos projetos para adolescentes escolarizados o valor total foi de R$ 1.137.582,50 e o valor médio/pro-jeto, R$ 126.398,05.

Tabela 12. Dificuldades das ONG nos projetos com execução parcial.

Dificuldade Nº. %

Captação e adesão da população alvo 39 31,97

Estabelecimento de parcerias 15 12,30

Repasse dos recursos X cronograma do projeto 11 9,02

Falta de experiência na execução financeira 8 6,56

Rotatividade dos gestores 8 6,56

Contextos de violência 8 6,56

Rotatividade da coordenação ou da equipe do projeto 6 4,92

Acesso aos insumos de prevenção 6 4,92

Vulnerabilidades da população alvo 6 4,92

Concepções de prevenção discordantes nas instituições 3 2,46

Distância e deslocamento para as ações de campo 3 2,46

Acesso aos serviços de saúde 3 2,46

Elaboração e produção de material educativo 2 1,64

Acesso a informações nos órgãos municipais 1 0,82

Identificação de grupos focais 1 0,82

Mudança da sede da ONG 1 0,82

Vendas dos produtos da geração de renda abaixo do previsto 1 0,82Total 122 100,00

Fonte: os autores.

Cabe ressaltar que 95% dos projetos das ONG foram implementados em mu-nicípios que receberam em 2007 recursos do incentivo às DST/Aids por meio da Programação Anual de Metas. Esse fato reforça a importância da articulação entre os Programas Municipais de DST/Aids e as ONG no âmbito local, com vistas a po-tencializar as ações preventivas.

Page 48: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

47

Considerações finais

A análise dos projetos de prevenção às DST/Aids e de promoção da saúde, co-ordenados por organizações da sociedade civil conveniadas pela SES-SP, evidenciou a relevância das ações implementadas em contextos urbanos, em especial nas regi-ões metropolitanas, abrangendo principalmente, municípios de médio e pequeno porte no estado de São Paulo. A tipologia das parcerias e das interfaces revelou um mix de articulações internas e externas ao setor Saúde, além de outras organizações vinculadas ao terceiro setor e ao mercado.

Quanto às populações beneficiadas nas ações preventivas, permanece o de-safio dos gestores e da sociedade civil organizada em envidar esforços para ampliar o número de projetos voltados aos segmentos mais vulneráveis. Nessa ótica, os mo-delos e as estratégias de prevenção adotados pelas entidades também devem ser aperfeiçoados, com vistas a potencializar a sua atuação.

Referências

SÃO PAULO. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Decreto nº. 51.433, de 28 de de-zembro de 2006, cria unidade na Coordenadoria de Regiões de Saúde, da Secre-taria da Saúde, altera a denominação e dispõe sobre a reorganização das Dire-ções Regionais de Saúde e dá providências correlatas. Disponível em ftp://ftp.saude.sp.gov.br/ftpsessp/bibliote/informe_eletronico/2006/iels.dezembro.06/iels247/E_DC-51433_281206.pdf Acesso em: 12 agosto 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portarias n.º 2313 e 2314/GM, publicadas em 19 e 20 de dezembro de 2002, dispõe sobre a política de transferência de recursos do governo federal para estados, Distrito Federal e municípios na modalidade de financiamento fundo a fundo para DST/Aids. Disponível em:< http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/publicacoes/Legislacao/Portaria_2313-2002_PAM--Aids.pdf>. Acesso em: 25 maio 2013.

Page 49: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Projetos de Organizações Não Governamentais: um relato dos desafios, inovações e contribuições

Valéria Nanci Silva34

Renato Barboza35

Em 2009, a Coordenação Estadual de DST/AIDS realizou o Encontro de Moni-toramento de Organizações Não Governamentais (ONG) com projetos financiados no período entre 2007 a 2009, voltados à ação comunitária ou organização de eventos.

Participaram do evento representantes de Fóruns e Redes (Fórum ONG/Aids do Estado de São Paulo, Rede de Pessoas Vivendo com HIV/aids, Fórum de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais e Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas); coor-denadores de Programas Municipais de DST/Aids; interlocutores de GVE – Grupo de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde (SES); especialistas e pesquisadores da área.

Durante três dias foram apresentados 67 projetos, organizados em cinco cate-gorias priorizando os segmentos populacionais36: a) pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIVA); b) homens que fazem sexo com homens, lésbicas, bissexuais, travestis e Transexuais (LGBTT), usuários de drogas (UD) e profissionais do sexo (PS); c) ado-lescentes institucionalizados ou não; d) adolescentes e jovens vivendo e convivendo com HIV/aids; e) pessoas com deficiências, idosos, trabalhadores sazonais; pessoas em cumprimento de regime sócioeducativo, instituições religiosas; mulheres e po-pulação em geral.

O presente capítulo tem por objetivo discutir os resultados do Encontro de Monitoramento quanto aos avanços, os desafios e as dificuldades relatadas pelas ONG no desenvolvimento dos projetos.

Para atingir os objetivos propostos pelo evento, cada ONG apresentou um balanço da execução do projeto seguindo esses eixos em grupos organizados por segmentos da população acessada. Em cada grupo um mediador e um relator fa-cilitaram a troca de experiências entre as ONG, os especialistas e os pesquisadores, bem como a síntese das reflexões e propostas. No último período foi realizada uma plenária para socializar as discussões de cada grupo temático. Durante o processo de discussão alguns pontos convergentes foram explicitados pelos grupos. Aborda-remos a seguir os mais relevantes.

34 Valéria Nanci Silva ([email protected]), psicóloga, mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades da USP e técnica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids.35 Renato Barboza ([email protected]) é cientista social, mestre em Saúde Coletiva, pesquisador científico V do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids da Universidade de São Paulo (NEPAIDS/USP).36 Em consonância com os editais de seleção pública da CE DST/AIDS – SES, aprovados pelo Grupo de Trabalho As-sessor de Articulação entre o governo e as ONG (GT OG/ONG).

Page 50: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

49

Participação da população prioritária nos projetos

Constatou-se que o número de participantes alcançados pelas ações dos pro-jetos foi menor do que o esperado pelas ONG. Apesar da ajuda de custo para o trans-porte e/ou alimentação disponibilizada aos participantes houve pouca adesão e alta rotatividade. Essa situação foi percebida principalmente nos projetos voltados para PVHIVA; LGBTT, usuários de drogas e profissionais do sexo.

No que se refere às PVHIVA, o baixo quórum foi justificado pela indisponibi-lidade de tempo, em função de agenda de trabalho e outras atividades cotidianas. Os grupos LGBTT, usuários de drogas e profissionais do sexo pouco participaram de atividades realizadas nas sedes das organizações, dada a socialização em espa-ços específicos (ruas, bares etc) em horários não convencionais (período noturno), bem como mobilidade para a realização das atividades profissionais ou de recrea-ção. Além disso, o contexto e as situações de violência dificultaram a participação das populações que utilizam as ruas como espaço de vivência.

Estes obstáculos exigiram das ONG abordagens de prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e do HIV/Aids diversificadas como: a disponi-bilidade de preservativos em locais estratégicos (display nos banheiros de bares e boates), prevenção entre pares (distribuição de preservativos e informações pelos próprios profissionais do sexo, por exemplo); pedido de permissão aos líderes co-munitários para atuação da equipe e formação de redutores de danos37; uso de uni-dade móvel com equipe identificada para garantir a segurança, os vínculos e o aces-so a oferta do exame anti-HIV nas ruas em horário noturno.

Verificou-se, portanto, que as atividades bem sucedidas de prevenção às DST/Aids em locais de aglutinação de determinados segmentos (ruas, bares) de-penderam da adequação do tempo, do local e das estratégias das equipes das ONG, exigindo também a sensibilização e interfaces com várias parcerias, em especial as polícias civil e militar, as instituições de saúde mental e a assistência social e usuá-rios e ex-usuários de drogas. Os projetos voltados para a população em geral, idosos, mulheres, trabalhadores sazonais, instituições religiosas e de geração de renda, tam-bém apresentaram pouca adesão.

No processo de intervenção, para contornar essa dificuldade, a escolha do mé-todo e das estratégias adequadas fizeram a diferença. Na maioria das vezes, as ONG realizaram oficinas temáticas ou de formação de multiplicadores (educação entre pa-res), atividades lúdicas e artísticas (pintura, bordado, crochê, teatro, capoeira, dança, massagem, bloco de carnaval, teatro de rua, projeção de filmes), cursos para inclusão no mercado de trabalho (informática, cabeleireiro, inglês, artesanato etc), arte-tera-pia e arte-educação (grupos de autoajuda, adesão e efeitos adversos dos medicamen-tos), atividades de socialização (festas, encontros etc). Deste modo, a flexibilidade e o replanejamento das ações foram essenciais para se atingir os objetivos propostos.

37 Usuários ou ex-usuários de drogas que são capacitados para atuarem entre seus pares e na comunidade, promoven-do informações sobre a prevenção das DST/AIDS e o uso abusivo de drogas, o acesso aos preservativos e kits de Redução de Danos (agulha, seringa, água destilada) e o encaminhamento para os serviços de saúde.

Page 51: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

50

Formação de ativistas e multiplicadores

Um grande desafio observado durante o monitoramento refere-se a formação e a participação de novos ativistas nos espaços de controle social das ações e das políticas públicas, em especial, os Conselhos Gestores das unidades de saúde, os Conselhos Municipais de Saúde e as Comissões Técnicas. As entidades constataram que poucas pessoas manifestaram o interesse de se engajar nessas atividades, evi-denciando que os novos ativistas apresentam um perfil distinto do observado nas décadas de 80 e 90. Logo, projetos que fomentaram a formação política e o protago-nismo dos atores tiveram baixa adesão. Neste contexto, observou-se a necessidade de se investir em processos de formação permanente com estratégias adequadas à realidade atual, principalmente das PVHIVA, já que dispõem de pouco tempo para militância política.

A formação de multiplicadores de prevenção é uma estratégia importante no en-frentamento da epidemia. Entretanto, observa-se perda significativa de integrantes ain-da nesta etapa. Assim, tanto o processo de formação como as atividades de intervenção programadas ocorrem com maior êxito quando estimuladas com ajuda de custo para alimentação e transporte e/ou pagamento por atividade de prevenção realizada.

As experiências relatadas pelas ONG reforçam a necessidade de estratégias diversificadas, inovadoras e permanentes diminuindo, portanto, as ações pontuais e assistencialistas tais como: doação de cestas-básicas, distribuição aleatória de preser-vativos e materiais informativos, eventos desarticulados da cultura local, entre outras.

Ampliação do diagnóstico precoce do HIV e disponibilização de preservativos

A oferta de exames anti-HIV em parceria com os Programas Municipais de DST/AIDS nos locais de encontro das populações vulneráveis que utilizam as ruas para trabalho ou lazer é uma estratégia com resultados significativos segundo as ONG e contribui para o diagnóstico e tratamento precoces.

A testagem anti-HIV para profissionais do sexo exige um trabalho específico de sensibilização e informação prévias, uma vez que é grande a preocupação com os prejuízos acarretados para o exercício profissional em caso de um resultado positivo.

As ONG também buscaram novos locais e formas de disponibilização de pre-servativos, entre os diversos segmentos, em especial os HSH e os usuários de dro-gas, demandaram estratégias mais elaboradas. A simples distribuição nos locais de concentração mostrou-se pouco eficiente, exigindo abordagens mais elaboradas, como a disponibilização mediada por pares ou por meio de displays (em banheiros, hotéis, cinemas, bares etc), os quais aumentaram o acesso ao insumo. No entanto, a quantidade disponibilizada para os profissionais do sexo foi avaliada pelas ONG como insuficiente. Em relação ao gel lubrificante, além da pouca quantidade houve descontinuidade no fornecimento desse insumo.

Page 52: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

51

As instituições escolares, os presídios e as organizações religiosas demons-traram resistência em distribuir preservativos durante as atividades de prevenção, alegando estímulo ao sexo, risco à segurança do local (presídio) e afronta aos va-lores religiosos. As ONG entendem que as regras rígidas das instituições e os po-sicionamentos preconceituosos (medos, receios, dificuldades) são barreiras para o acesso aos preservativos, encaminhamentos aos serviços de saúde e ao pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Neste contexto, para superar as di-ficuldades, coube as ONG sensibilizar e desenvolver alianças com as instituições em relação aos temas referidos.

Sistematização da informação

Constataram-se falhas no preenchimento dos instrumentos que registram o controle das atividades realizadas, dos insumos distribuídos, do número de pessoas acessadas, dos encaminhamentos para os serviços (de saúde, assistência social etc), enfim, dos resultados quantitativos ou qualitativos alcançados pelo projeto.

Neste sentido, as ONG reinvidicaram apoio técnico para o desenvolvimento de instrumentos de monitoramento e avaliação dos resultados qualitativos dos projetos, o que possibilitaria conhecer a efetividade das ações quanto as mudan-ças de comportamento e práticas de autocuidado das populações envolvidas e até, definir quais seriam as novas estratégias de resolução das dificuldades na execu-ção dos projetos.

Algumas organizações realizaram reuniões de monitoramento com seus par-ceiros e com a população acessada com o objetivo de refletir e avaliar as ações e os resultados atingidos pelo projeto.

Geração de renda e qualidade de vida

Os projetos de geração ou complementação de renda contribuíram mais para a promoção da qualidade de vida e adesão ao tratamento das PVHIVA do que para a qualificação ou inserção das mesmas no mercado formal de trabalho.

Os projetos voltados especificamente para a promoção da qualidade de vida das PVHIVA destacaram em suas ações as seguintes estratégias: a formação de agen-tes para o acompanhamento terapêutico nos serviços de saúde; o abrigamento tem-porário em casas de apoio; o estímulo à adesão ao tratamento por meio de grupos terapêuticos ou de discussão; a promoção de atividades físicas para a prevenção da lipodistrofia e lipoatrofia38; os grupos de socialização e as atividades artísticas.

38 Trata-se de uma síndrome que envolve alterações metabólicas e redistribuição da gordura corporal, associada ao uso dos medicamentos antirretrovirais em PVHIVA. Para maiores informações consultar o informe publicado por Alencar e colaboradores (2010), disponível em http://www.cve.saude.sp.gov.br/agencia/bepa74_lipodistrofia.htm

Page 53: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

52

Os resultados obtidos com os projetos de geração de renda demonstraram que são necessárias estratégias cuidadosamente planejadas para a identificação, se-leção, vinculação e permanência dos participantes nos projetos. Em alguns casos, a baixa escolaridade dos segmentos acessados demandou ações complementares não previstas no projeto original, ampliando assim, o número de atividades e o tempo destinados à sua realização e até, o encaminhamento para programas, como o de Educação de Jovens e Adultos (EJA) oferecidos na rede de ensino.

Outro problema identificado pelas ONG refere-se à inserção no mercado de trabalho (formal ou informal), principalmente em cidades menores, onde o estig-ma e as situações de discriminação são mais evidentes pela proximidade dos vín-culos sociais.

Observou-se que alguns projetos voltados à reinserção social, familiar e es-colar de crianças e adolescentes vivendo com HIV/aids redefiniram o seu campo de atuação na etapa de implementação e algumas ONG até readequaram a missão ins-titucional frente às novas exigências dessa população, não mais restrita ao abriga-mento.

Sobre os cursos ou oficinas programados nos projetos para os adolescentes e jovens ponderou-se que essas atividades não atenderam as expectativas iniciais. Constatou-se que é necessário envolver as crianças, os adolescentes e os jovens que vivem com HIV nas decisões referentes às oportunidades de formação a serem mi-nistradas, bem como nas ações incorporadas ao projeto, denotando a busca de au-tonomia e independência dos mesmos.

As estratégias de inserção familiar exigiram respostas modeladas de acordo com cada caso. Foi verificado que as adoções ou o apadrinhamento (vínculo com adultos aos finais de semana e no período de férias) se mostraram mais factíveis do que o retorno para a família de origem. Em relação aos jovens, investiu-se na promoção do protagonismo e da autonomia ou ainda em processos de transferência da Casa Abrigo Infantil para a Casa Abrigo Adolescente/Jovem (modelo república), bem como na participação em cursos escolhidos pelos mesmos, conduzidos por or-ganizações externas habilitadas para a emissão de certificação profissional.

Parcerias e articulações

Em todos os projetos as articulações e as parcerias foram enfatizadas como alternativa para otimizar as ações, fomentar a sustentabilidade e facilitar o acesso aos serviços públicos de saúde, assistência social, saúde mental etc. Portanto, a es-tratégia intersetorial mostrou-se adequada para responder às novas demandas ex-pressas pelas populações acessadas no contexto atual da epidemia.

Nesse sentido, no intuito de buscar novos colaboradores, as organizações apresentaram o seu plano de trabalho (ou projeto) para outras instituições públicas ou privadas, as quais apoiaram de diferentes formas a execução das propostas. Tam-

Page 54: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

53

bém sensibilizaram e articularam atores chave, como os líderes comunitários, os re-ligiosos e os representantes das comunidades escolares, e ainda atuaram como um elo facilitador para o encaminhamento das pessoas aos serviços de saúde e outros setores adjacentes (Assistência Social, Saúde Mental, Defensoria Pública, Assessoria Jurídica etc), colaborando assim na ampliação do acesso das populações, em espe-cial as mais vulneráveis aos equipamentos públicos.

Tais estratégias, muitas vezes propiciaram a formação e o aperfeiçoamento de redes de atenção intersetorial, envolvendo o setor governamental (Conselho Muni-cipal de Saúde, Cultura, Educação, Conselho das Entidades Civis, Secretaria de Justi-ça, Secretaria de Educação, Conselho de Direitos, Assistência Social etc) e o privado (Organizações Não Governamentais, empresas, universidades etc). Além disso, as ONG também atuaram na interlocução com várias instâncias de controle social no âmbito do setor saúde e em outros setores afins.

Prevenção com adolescentes

Os projetos de prevenção voltados para adolescentes e jovens (escolarizados ou fora da escola) ainda são desafiadores. Apesar da notoriedade dos direitos sexu-ais e reprodutivos e da relevância das ações voltadas à promoção da autonomia, do autocuidado e da prevenção às DST/Aids e da gravidez não planejada nesse grupo, observou-se que ainda há barreiras culturais que interferem no processo de traba-lho das instituições e consequentemente, no acesso aos serviços de saúde (Unidades Básicas de Saúde e Centros de Testagem e Aconselhamento). Deste modo, a oferta de espaços e ações preventivas contextualizadas e processuais nas instituições ainda são frágeis e limitadas.

Nesta ótica, em que pese a implementação dos diversos programas governa-mentais orientados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais instituiram entre os temas transversais, o debate sobre esses assuntos, a comunidade escolar ainda se posiciona refratária às ações de prevenção intramuros, exigindo um proces-so de sensibilização permanente dos gestores e dos pais.

Nas instituições socioeducativas o número de projetos de ONG foi reduzido. Nesses locais as ações de prevenção necessitaram de prévia anuência dos dirigentes e ficaram sujeitas a alta rotatividade dos gestores, dificultando e às vezes até impos-sibilitando a continuidade dos projetos.

Material educativo

A maioria dos projetos desenvolvidos pelas ONG contemplou a elaboração de materiais educativos como livros, panfletos, cartilhas, manuais e também outras estratégias de comunicação, como a produção de vídeos, documentários e exposi-ções fotográficas. Foi sugerida a organização de um “banco de materiais educativos”

Page 55: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

54

produzidos pelas instituições no intuito de ampliar a sua disponibilização via online.As populações alcançadas nas ações dos projetos avaliaram positivamente os

materiais, no que se refere à qualidade das informações técnicas veiculadas ou ain-da quanto à especificidade da linguagem. Entre os materiais produzidos destacam--se: os jogos educativos elaborados em conjunto com os usuários de drogas; a revista no formato de fotonovela; a produção de site; as oficinas de revista em quadrinhos; os anúncios publicados em jornais; a organização de um festival de cinema; a expo-sição fotográfica; a ampla utilização das redes sociais como vídeos postados no You-Tube, Orkut, Facebook, Twiter; o jogo da sedução voltado para mulheres donas de casa; a cartilha para mulheres que fazem sexo com mulheres; o cartaz/selo para os comércios (bares) que distribuem preservativos; a cartilha direcionada à população masculina; o material educativo para pessoas com deficiências; a utilização da rádio comunitária para ampliar o acesso as informações sobre prevenção às DST/Aids etc.

Deste modo, diversos recursos de comunicação foram utilizados respeitan-do as especificidades dos grupos acessados e muitas vezes, o próprio processo de elaboração e produção dos materiais informativos serviu como metodologia para sedimentar os conhecimentos abordados.

Sustentabilidade

Durante as apresentações dos projetos observou-se que várias experiências têm boas chances de se tornarem sustentáveis e contínuas, pois do ponto de vista metodológico possuem coerência técnica (factibilidade) e foram baseadas em estra-tégias consolidadas no campo da prevenção às DST/Aids. Em alguns casos, apresen-tam inovações com potencial de replicação, seja por outras ONG ou até pela política municipal de DST/Aids.

Cabe ressaltar que a sustentabilidade financeira é fundamental para a perma-nência e a manutenção de uma organização ou de um projeto de prevenção. Este é um tema recorrente e que preocupa as ONG porque uma parte significativa depende exclusivamente dos recursos públicos, acessados por meio dos convênios estabele-cidos com a SES. Um ponto relevante levantado pelas ONG refere-se aos atrasos na liberação das verbas, alterando o cronograma planejado e gerando rotatividade e/ou perda dos profissionais vinculados ao projeto, fato que dificulta ou até mesmo impede a efetitividade das ações.

Algumas ONG apresentaram dificuldades não somente para atender aos re-quisitos administrativos durante a formalização dos convênios (entrega de decla-rações e documentos para comprovar idoneidade, contabilidade em dia, etc), mas também demonstraram fragilidades administrativas e técnicas no gerenciamento dos projetos, fato que interferiu na qualidade dos relatórios técnicos e das presta-ções de contas apresentadas ao órgão financiador.

Page 56: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

55

As instituições identificaram que é relevante investir no fortalecimento polí-tico por meio da participação em espaços de controle social no SUS – Sistema Único de Saúde, com vistas ao aprimoramento do diálogo com os gestores. Contudo, para qualificar o processo de participação faz-se necessária a formação e a integração de novos ativistas.

Nessa perspectiva, cabe salientar que a sustentabilidade das ações e da pró-pria instituição dependem da busca permanente da formação e qualificação técnica dos profissionais, da capacidade de articulação política com órgãos governamentais ou outras organizações, bem como a captação de recursos em fontes de financia-mento diversificadas.

Considerações finais

Durante os relatos das experiências, constatou-se que as ações inovadoras nem sempre dizem respeito a algo original, mas referem-se a estratégias que ainda não haviam sido planejadas ou utilizadas pela instituição, contudo com potência resolutiva para induzir, ampliar ou qualificar o desenvolvimento do projeto.

As organizações recomendaram o fortalecimento das ações intersetoriais en-volvendo outros setores como a Assistência e Desenvolvimento Social, a Justiça, a Educação etc, essenciais para o desenvolvimento de ações sustentáveis voltadas à prevenção e assistência às DST/Aids.

Verificou-se que é relevante envidar esforços para o alinhamento conceitual e teórico visando a construção do conhecimento no campo das DST/Aids na quar-ta década da epidemia. Para tanto, sugeriram a realização de encontros para trocas de experiências no que se refere às ações de adesão ao tratamento, controle e pre-venção da lipodistrofia e lipoatrofia e a difusão de novas tecnologias preventivas. Recomendaram a promoção de seminários temáticos para atualizar e aprofundar as discussões sobre os direitos humanos, os direitos sexuais e reprodutivos e as novas tecnologias de prevenção implantadas recentemente nos serviços especializados em DST/Aids, como a profilaxia pós-exposição sexual (PEP).

Apesar dos esforços despendidos, nos últimos anos, na implementação das ações de prevenção e assistência às DST/Aids, algumas populações epidemiologica-mente estratégicas para o controle da epidemia, devem ser priorizadas pelos gesto-res municipais e estadual, na Programação Anual de Metas em função do contexto de vulnerabilidade, discriminação e violência em que vivem homossexuais, traves-tis, transexuais, usuários de drogas e profissionais do sexo.

Em relação ao enfrentamento da epidemia em contextos urbanos, sugeriu-se a ampliação do acesso da população às ações de prevenção primária e secundária, em especial, nas regiões metropolitanas, onde se localizam bolsões de pobreza que enfrentam problemas cada vez mais graves, como o tráfico de drogas, a exclusão social e a violência estrutural.

Page 57: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

56

As ONG destacaram que a sensibilização e a articulação junto à comunidade local é um processo urgente e deve ter caráter permanente para minimizar os pre-conceitos ainda existentes direcionados às PVHIVA (adultos, adolescentes e crian-ças), bem como mediar os conflitos familiares que envolvem situações de violência, abuso, exploração sexual e/ou abandono dos filhos.

Por fim, após a quarta década da epidemia, o estigma e a discriminação das PVHIVA permanecem como um dos principais desafios apontados pelas ONG, di-ficultando a adoção de práticas de prevenção, a busca do diagnóstico precoce, do tratamento às DST/Aids, o respeito aos direitos humanos, em especial, os direitos sexuais e reprodutivos.

Parte II

Page 58: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Experiências exitosas de organizações não governamentais em HIV/AIDS: o caminho

para o enfrentamento é coletivo

Ane Talita da Silva Rocha39

Este capítulo tem como objetivo destacar alguns dos projetos financiados pela Coordenação Estadual de DST/Aids (CE DST/AIDS), uma tarefa difícil diante de tantas experiências exitosas que foram realizadas nos últimos anos pelas Organi-zações Não Governamentais (ONG) que atuam no campo do HIV/Aids no estado de São Paulo. Gostaríamos de frisar desde já que além dos que foram aqui contempla-dos existem muitos projetos que foram implementados por todo território estadual a partir dos editais lançados pela Coordenação Estadual. Parabéns para cada equipe envolvida, pelos resultados positivos, obstáculos ultrapassados e lições aprendidas. O desafio da prevenção é coletivo e neste sentido o esforço da sociedade civil (or-ganizada ou não) se torna fundamental. Lembramos que as experiências exitosas relatadas são de responsabilidade dos autores.

A participação da sociedade civil na luta contra a Aids no Brasil tem uma lon-ga história, que começou na década de 1980 com o aparecimento dos primeiros ca-sos da doença no país. Em 1986 foi criado o Programa Nacional de DST/AIDS, e “a presença de organizações não-governamentais e suas perspectivas internacionais foram decisivas para inserir pautas contemporâneas na agenda de formulação de políticas públicas” (MONTEIRO, VILLELA, 2009, p.38).

As ONG aparecem como parceiras fundamentais neste cenário, uma vez que estão mais perto da população alvo dos programas de prevenção e tratamento. Al-gumas vezes atuam como verdadeiras executoras das políticas públicas e por isso o debate entre o governo e a sociedade civil deve ser constante. Uma tarefa que não é fácil, mas que se realizada só traz benefícios para o Estado Democrático de Direito.

Os editais públicos tornaram-se peças importantes para a viabilização e sus-tentabilidade dos projetos de muitas ONG, porém, além disso, é necessário buscar outras formas de manutenção para estas entidades, uma vez que muitas instituições sérias e comprometidas não obtêm um financiamento continuamente. Neste sen-tido, é necessário o acompanhamento e a avaliação das ações para que os recursos públicos sejam bem empregados.

Este livro é uma tentativa de fazer exatamente isso: acompanhar as experi-ências de ONG parceiras da Coordenação Estadual a fim de que um diálogo que foi aberto em junho de 2011 durante o evento de monitoramento das ações possa

39 Ane Talita da Silva Rocha ([email protected]) é cientista social, mestre em Antropologia pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos dos Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS-USP) e educadora no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo (CDHEP).

Parte II

Page 59: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

58

prosseguir frutífero e inspirador. Para tanto, o GT OG/ONG selecionou nove proje-tos executados por ONG de diversas regiões do estado e solicitou que as entidades relatassem suas experiências, enfatizando os desafios encontrados e as inovações trazidas através das atividades desenvolvidas.

O projeto do Grupo Pela Vidda, da capital paulista, teve como público prioritá-rio os homossexuais masculinos e sua ação de prevenção ocorreu nos ambientes de sociabilidade noturna; o TABA (Espaço de Vivência e Convivência), da cidade de Cam-pinas, trabalhou a atenção e atendimento sobre prevenção de DST/Aids com os ado-lescentes internos da Fundação CASA; a Associação Mulheres de Itaquera, também da capital, treinou mulheres do bairro de Guaianases para que atuassem como agentes comunitárias de prevenção e ministrou oficinas sobre saúde e sexualidade; já o MILCA (Movimento Itapecericano de Luta contra a Aids) atuou junto a profissionais do sexo que trabalham no trecho entre Juquitiba e Taboão da Serra, na BR 116, através de sua capacitação como agentes transformadores e a facilitação de seu acesso aos serviços de saúde; o Sítio Agar, localizado em Cajamar, por sua vez acolhe crianças e adolescen-tes soropositivos e lhes oferece apoio emocional e psicológico; o Sonho Nosso, de Nova Guataporanga, realizou oficinas de prevenção junto aos trabalhadores rurais da região; o Vida Nova, também localizado na capital paulista, montou espaço para atividades físicas para atender pessoas soropositivas com diagnóstico de lipodistrofia; o Grupo É de Lei, outro localizado na cidade de São Paulo, faz seu trabalho junto aos usuários de drogas no centro da capital com o intuito de criar uma cultura de redução de danos entre essas pessoas e por fim, o Grupo de Incentivo à Vida (GIV), também da cidade de São Paulo, cujo o foco foi a convivência e troca de experiências de pessoas vivendo com HIV/aids.

Homossexuais, crianças e adolescentes, mulheres, profissionais do sexo, tra-balhadores rurais, usuários de drogas e pessoas vivendo com HIV/aids... Os atores são os mais diversos, cada um com suas especificidades, demandas e vulnerabi-lidades, o que comprova que na luta pela prevenção, atenção, cuidados e direitos humanos, não existe um único modelo que deva ser seguido. Vários modelos de prevenção são possíveis uma vez que a complexidade da malha social é enorme e o desafio de todas e todos que trabalham nessa área é tentar entendê-la da melhor forma possível ao propor e desenvolver intervenções que contribuam para a adoção das práticas de prevenção entre os diversos segmentos da população.

Embora os projetos que serão apresentados tenham grandes diferenças entre si, podemos destacar algumas características que estão presentes em todos eles: o respeito e a valorização do ser humano, a ideia de pessoa enquanto sujeito de direi-tos, a noção de cuidado de si, e a questão da redução de danos, que não está presente somente no projeto realizado junto aos usuários de drogas. O acesso aos serviços de saúde também se mostrou muito importante em todas as experiências, pois inde-pendente da população atingida, as ONG relataram dificuldades no uso das unida-des da rede pública, o que traz sérias consequências para o acesso à informação, aos insumos de prevenção e ao diagnóstico e tratamento precoce. Neste sentido, nunca é demais lembrar sobre a necessidade de aprimorar as ações programáticas em cur-

Page 60: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

59

so no Sistema Único de Saúde. É importante destacar que as ações de prevenção primária e de promoção

da saúde ainda apresentam baixa cobertura junto às populações mais vulneráveis no estado como um todo. As experiências destacadas neste capítulo podem servir de inspiração para outros municípios e ONG, pois mostram o caminho percorrido pelos projetos.

O objetivo da Coordenação Estadual é reforçar a interlocução com essas enti-dades que atuam na base da prevenção, ou seja, com a população alvo e para isso crí-ticas e debates entre posições divergentes são fundamentais. O êxito das ações tam-bém depende dessa “luta” na arena política e simbólica, tão comum à democracia.

Muitos desafios colocam-se a todos que procuram pensar e atuar neste cam-po: como registrar e/ou quantificar as pessoas que acessam os serviços de saúde através dos projetos das ONG, uma vez que muitos delas atuam em grandes eventos, ou no ambiente de sociabilidade das pessoas? Como avaliar e monitorar os proje-tos contemplados pelos editais, respeitando as particularidades de cada entidade? Como garantir que ao fim dos projetos a população atingida continue utilizando os serviços de saúde? Como assegurar e desenvolver processos que promovam a susten-tabilidade das entidades nos períodos em que não recebem verbas governamentais?

Discussões acerca dos aspectos técnicos também devem ser encaradas: como se dá o planejamento das ações? E o monitoramento e avaliação internos das entida-des? Fica patente a necessidade de mais espaços para o diálogo entre os diferentes atores envolvidos, uma vez que essas são questões com as quais as organizações se deparam. O maior diálogo e preparo nestes quesitos podem resultar na maior sus-tentabilidade tanto das ações quantos das próprias organizações.

São estas questões que esta publicação pretende trazer a tona, a fim de que juntos, governo e sociedade civil, possamos chegar pelo menos a reflexões frutíferas e instigantes.

Referências

MONTEIRO, A. L.; VILLELA, W. V. A criação do Programa Nacional de DST e Aids como marco para a inclusão da ideia de direitos cidadãos na agenda governa-mental brasileira. Psicologia Política, v.9, n. 17, 2009, p.25-45.

Page 61: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Redução de danos É de Lei

Thiago Godoi Calil da Costa40

Marina Passos Sant`anna41

Bruno Ramos Gomes42

Centro de Convivência É de Lei

O Centro de Convivência “É de Lei”, primeiro espaço de convivência e inte-ração social para usuários de drogas no Brasil, apresenta um olhar diferenciado so-bre o fenômeno das drogas e seu uso. Desde 1998 vem promovendo a cidadania de usuários de diversas drogas. É uma Organização Não Governamental, sem fins econômicos, que atua na perspectiva da redução de riscos e danos sociais e à saúde associados ao uso de drogas.

A ONG, além de realizar intervenções em sua sede e trabalho de campo, sem-pre participou da construção de políticas públicas inclusivas de atenção às pessoas que usam drogas. Em 2002, por exemplo, mobilizou as ONG/Aids da cidade de São Paulo para constituir o MOPAIDS (Movimento Paulistano de Articulação e Luta con-tra a AIDS); em 2003, tomou posse em cadeira no COMUDA (Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool de São Paulo), entre 2005 e 2007 integrou a diretoria do Fórum de ONG/AIDS do estado de São Paulo. Em 2005, no Dia Mundial de Luta contra a Aids, foi agraciado com o 2º Prêmio Aids Responsabilidade Social – Saúde Brasil, do Instituto Ethos e do HSBC.

Com propostas inovadoras e ousadas, com retaguarda prática, a ONG tornou-se referência nacional em Redução de Riscos e Danos43.

Atualmente, com o objetivo de multiplicar esta forma de trabalho, a ONG re-aliza capacitação para profissionais de diversos serviços da rede pública como es-tratégia de sustentabilidade das ações propostas. A redução de danos é abordada de forma ampliada, incluindo questões de dependência, saúde mental, cultura, mo-radia e prevenção de diversas doenças como DST/AIDS, Tuberculose e Hepatites Virais. O trabalho da instituição vem sendo realizado na região central de São Paulo,

junto à população em situação de rua, principalmente usuários de crack e álcool.

40 Thiago Godoi Calil da Costa ([email protected]) é psicólogo, coordenador de projeto “Redução de Danos é de Lei” e vice-presidente do Centro de Convivência É de Lei.41 Marina Passos Sant’Anna ([email protected]) é psicóloga, coordenadora de projetos e diretora do Centro de Convivência É de Lei.42 Bruno Ramos Gomes ([email protected]) é psicólogo, Mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, coordenador de projetos e presidente do Centro de Convivência É de Lei.43 Redução de Danos, segundo Petuco (2011, p. 128) : “... é um paradigma que constitui um outro olhar sobre a questão das drogas, instituindo novas tecnologias de intervenção comprometidas com o respeito as diferentes formas de ser e estar no mundo, promovendo saúde e cidadania”.

Page 62: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

61

Contexto de vulnerabilidade

Quando se trata de uso de drogas é imprescindível olhar para o contexto de vulnerabilidade às DST/HIV/Aids e Hepatites Virais, e de forma ampliada, não ape-nas para o uso em si, mas para o contexto de vida do usuário.

O contexto de vulnerabilidade em que vivem as pessoas atendidas pela ins-tituição é diverso: situação de pobreza, exposição à violência, violação de direitos, alvo de estigma e de preconceito; exposição às desigualdades e exclusão social por conta de gênero, raça, orientação sexual e classe social. Desta forma, o projeto se propôs a atuar não apenas numa perspectiva preventiva e de promoção de saúde junto às pessoas usuárias de álcool e outras drogas, mas também junto às instâncias propositoras de políticas públicas de saúde, no sentido de contribuir para a constru-ção de políticas inclusivas.

A questão do estigma e do preconceito é determinante na falta de acesso des-ta população aos serviços sociais e de saúde. Segundo Parker e Aggleton (2001), a estigmatização e a discriminação não devem ser entendidas como disposições psi-cológicas da parte dos indivíduos, mas como processos sociais ligados às estruturas e funcionamentos de poder. Desta forma, o estigma é atribuído pela sociedade com base no que se constitui como diferente e desviante da norma, e se dá por meio de sanções e depreciações que culminam na construção de uma identidade negativa e deteriorada por parte das pessoas usuárias de álcool e outras drogas e/ou portado-ras do HIV e Hepatites Virais.

Grande parte das pessoas contactadas pela instituição encontra-se em con-texto de maior vulnerabilidade: vivem em situação de rua, com vínculos distantes ou rompidos com a família, sem inserção fixa no mercado de trabalho e com dificul-dades para acesso aos serviços de atenção e cuidado. Os usuários abusivos de drogas concentram-se no centro da cidade, em maior número na região da Luz (cracolân-dia), distrito de Santa Cecília, e também em menor grau nas imediações da Praça da República, Sé e Anhangabaú.

Atualmente, usuários de crack são alvo de constantes ações repressivas da Segurança ública visando uma grande reforma urbanística no bairro da Luz, aumen-tando ainda mais a vulnerabilidade dessa população. Segundo Epele:

Nestes espaços sociais, tanto as condições de pobreza e marginaliza-ção, como os circuitos e aumento da violência produzem corpos frá-geis, e a multiplicação de sofrimentos, doenças, ameaças e perigos para a saúde e a sobrevivência (EPELE, 2010, p.228).

Segundo dados da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESP-SP (2011), a cidade de São Paulo contabiliza 14.478 indivíduos em situação de rua, destes 6.765 vivem na rua e 7.713, em centros de acolhimento da capital. Entre os que vivem na rua, 55,3% encontram-se na região central, área de atuação do projeto, dos quais 1.171 pessoas no distrito da Sé, 1.167 no distrito de Santa Cecília e 719 na República. Estes são os três distritos com maior densidade de população

Page 63: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

62

em situação de rua identificados pelo estudo. Ainda segundo a FESP-SP, especifica-mente no distrito da Santa Cecília, região conhecida como cracolândia e área de in-tervenção em campo do projeto, houve um aumento significativo de 888 indivíduos em situação de rua nos últimos 2 anos, 309 em 2009 e 1.197 em 2011. Em 56 distritos estudados, 35 tiveram redução nesta população.

Pode-se entender que existe um deslocamento desta população em direção ao centro da cidade, área de atuação do projeto. Em relação a sua situação de saúde, 34,6% dos entrevistados relataram algum tipo de queixa. Destes, 49,7% procurou um Pronto Socorro, Hospital ou Posto de Saúde por iniciativa própria e 19,5% necessita-ram de apoio de alguma instituição para o atendimento.

Em relação às pessoas em situação menos vulnerável, moradoras de rua, que não fazem uso abusivo de drogas, a ação informativa, a participação nas atividades do Centro de Convivência, os encaminhamentos e orientações para acesso aos ser-viços de saúde contribuem para reduzir este contexto de vulnerabilidade.

O projeto

O projeto “Redução de Danos É de Lei”, realizado entre 2009 e 2011, teve como objetivo principal reduzir os danos sociais e à saúde associados ao uso de álcool e outras drogas (crack, cocaína inalada e/ou injetada, maconha, solventes, tabaco e medicamentos) junto a 500 usuários que frequentavam o centro de convivência e 500 contactados por meio das intervenções de campo.

Na sede, o espaço de convivência oferece: acolhimento, aconselhamento e encaminhamento de usuários para serviços sociais e de saúde; grupos de discussão sobre DST/HIV/Aids, Hepatites Virais, saúde sexual e reprodutiva, questões de gê-nero, redução de riscos e danos, uso abusivo de drogas, formas de cuidado, políticas de drogas, direitos humanos, cultura etc.

Por considerar necessárias ações intersetoriais e a ampliação das alternativas de cuidado, o “É de Lei” buscou apoio junto a Secretaria da Cultura e Esporte e criou o projeto Ponto de Cultura É de Lei “da rua, na rua, pra rua”. Este oferece oficinas de vídeo e fotografia para os conviventes na sede da instituição, enriquecendo a abor-dagem do Programa Redução de Danos.

O esporte foi incorporado também como forma de cuidado, com partici-pação na Copa da Inclusão (evento que reúne diversos serviços que trabalham com saúde mental há 11 anos) nos últimos 5 anos. Além de proporcionar uma ampliação do repertório do público atendido e oferecer alternativas concretas frente ao uso abusivo de drogas, as atividades estabelecem relações saudáveis com o espaço público e com o próprio corpo.

Além das atividades propostas na sede do Centro de Convivência foram reali-zadas intervenções de campo, que possibilitaram o acesso ao usuário no contexto de uso e, portanto, de maior vulnerabilidade. A proposta foi aproximar-se do usuário, trabalhar noções de cuidado e auto-cuidado, convidando-o a conhecer e frequentar a sede da instituição, o Centro de Convivência.

Page 64: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

63

Fig 1. Equipe do É de Lei no trabalho de campo. Acesso aos usuários entre escombros, durante demolições na região da Luz em 2010.

A constante resistência dos oficiais da Segurança Pública em relação ao tra-balho de redução de danos, aliado a ações repressivas do poder público, dificultou o desenvolvimento deste trabalho e interferiu na relação e nos vínculos construídos no campo. Percebeu-se que estas dificuldades poderiam ser atenuadas com uma maior integração e diálogo entre as ações realizadas na região da Luz tanto pelo po-der público, como pelas instituições religiosas e do terceiro setor. Identificou-se, en-tão a necessidade de trabalhar intersetorialmente.

Em junho de 2010, o “É de Lei” propôs e organizou os encontros do Fórum In-tersetorial sobre Direitos Humanos e Drogas de São Paulo. O Fórum tornou-se um importante espaço para reflexão de práticas e avaliação das políticas públicas que norteiam a atenção à população em situação de rua e usuária de drogas e aproximou e possibilitou o diálogo entre diferentes esferas do poder público como: Saúde, Assis-tência Social, Segurança Pública, Habitação, Cultura, Defensoria, Entidades Religiosas, entre outras. Além da discussão de casos que se interrelacionavam entre os diferentes serviços, o Fórum estimulou tanto as pessoas que usam drogas, como as equipes que lidam diretamente com esta população no dia a dia, a participarem no controle social das políticas públicas de saúde e na construção e fortalecimento da cidadania.

Nas intervenções em campo foi possível construir um vínculo importante com os usuários de crack. A proposta do projeto estabelece junto aos usuários re-

Page 65: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

64

flexões sobre o uso adequado de cachimbo/insumos, para ampliar o autocuidado com a saúde na prevenção às DST/HIV/Aids e Hepatites Virais. Essas ações foram valiosas para entender os aspectos da cultura de uso e as possibilidades de cuidado. Esta atividade segue em construção junto à população atendida em campo.

Ao fim do projeto foram contabilizados mais de 1000 acessos durante as inter-venções de campo no contexto de uso, onde aproximadamente 10% da população acessada vincularam-se às ações propostas. Como resultados, detectou-se compor-tamentos de proteção e promoção da saúde, o que contribuiu para a diminuição da prevalência das DST/HIV/Aids e Hepatites Virais entre pessoas usuárias de álcool e outras drogas, por meio do autocuidado, construção e fortalecimento da cidadania, bem como a reinserção social.

Referências Bibliográficas

EPELE, M. Sujetar pela Herida, una etnografia sobre drogas, pobreza y salud. 1a ed. – Buenos Aires: Paidós – Tramas Sociales, 2010.

FESP-SP; SMADS; PM-SP. Censo e caracterização socioeconômica da população em situação de rua na municipalidade de São Paulo. 2011.

PARKER, R.; AGGLETON, P. Estigma, Discrimanação e Aids. Cidadania e Direitos, nº1 – Coleção ABIA, Rio de Janeiro, 2001.

PETUCO, D. Redução de Danos. In: Conselho Regional de Psicologia, Álcool e ou-tras Drogas. 1º edição São Paulo - Brasil, 2011.

Page 66: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Vida digna

Grupo de incentivo a vida

Elisabete Franco Cruz44

Cláudio Pereira45

Era uma vez dois sapinhosque moravam numa lagoa perto

de uma fazenda. Num belo dia de sol,resolveram dar uma volta na fazenda

e enquanto passeavam tiveram um acidente:caíram numa tina de leite. Os dois tomaram um susto!

Um dos sapinhos se desesperou e disse:— “Nós vamos morrer!”.

O outro sapinho disse:— “Calma, vamos tentar fazer alguma coisa! Vamos bater nossas

pernas, para ver se a gente consegue sair daqui”.Desanimado o primeiro sapinho disse:

— “Acho que não vamos conseguir”O outro sapinho insistia:

— “Vamos continuar batendo as pernas, não podemos desistir...”.Apesar dos esforços do sapinho que lutava desesperadamente para viver

e para animar o amigo, o primeiro sapinho desistiu de bater suaspernas. Mesmo triste e cansado, o sapo que ficou vivo, continuou

batendo suas perninhas.Ficou tanto tempo tentando, e batendo suas pernas, que suas

perninhas funcionaram como uma “batedeira” que fez o leite setransformar em manteiga. Assim, o sapinho conseguiu sair da tina e

voltou a viver feliz na lagoa perto da fazenda.

Em 8 de fevereiro de 1990, o sonho de José Roberto Peruzzo, fundador e primei-ro presidente do Grupo de Incentivo a Vida (GIV), se concretizou. Em uma reunião, nas dependências do Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS de São Paulo, entre pessoas que haviam participado do 10º Encontro de Pacientes, nasceu a ideia da criação do grupo para integrar as pessoas vivendo com HIV entre si e também à socie-

44 Elisabete Franco Cruz ([email protected]) é psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade Estadual de Campinas, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, voluntária e consulto-ra do Grupo de Incentivo à Vida.45 Cláudio Pereira ([email protected]) é advogado, doutor e especialista em Direitos Humanos, diretor do Grupo de Incentivo a Vida e consultor em Direitos Humanos.

Page 67: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

66

dade, buscar caminhos para a redescoberta da vida e mudanças de atitude frente à epi-demia, e ainda, alternativas para prevenção e controle do desenvolvimento da doença.

No início, nosso maior desafio foi vencer o preconceito e solidificar as rela-ções entre soropositivos, seus familiares e amigos quebrando os tabus impostos pela falta de informação e pelo medo da morte. Com Valter Galego, segundo presiden-te, foi o momento de solidificar estas discussões e estruturar administrativamente o grupo. Com José Araújo, vivemos as primeiras discussões acerca da necessidade de disponibilização de medicamentos que surgiam para todos os soropositivos, come-çando então a ganhar destaque o ativismo político.

A partir das administrações de Eduardo Luiz Barbosa, e posteriormente Cláu-dio Pereira, o ativismo do GIV ganhou proporções ainda maiores, associadas à ne-cessidade de ampliar nossa formação para melhor atender nossos companheiros. A participação e realização de encontros, com parcerias ou não, intensificaram-se nesse período, assim como os treinamentos para voluntários. Gil Casimiro como presidente seguiu a mesma linha de ação.

Desta forma, focava-se a articulação política atrelada a um trabalho de for-mação dos soropositivos, a fim de prestar um trabalho técnico e capaz de atender as demandas da convivência e da prevenção. Além disso, as representações institu-cionais, para as quais fomos indicados, possibilitaram um maior intercâmbio e o de-senvolvimento de ações voltadas para o controle social das políticas em DST/Aids.

Pessoas vivendo com aids como sujeitos

Do nascimento do grupo aos dias de hoje, há muita história para contar. Cada vez mais pessoas integraram-se ao grupo, desse modo percebemos que para os soro-positivos exercerem os seus direitos necessitavam ocupar um espaço na arena política, através de ações orientadas pela ótica do protagonismo. E esta foi, e ainda é, a marca do GIV: incentivar os próprios soropositivos a participarem e a tomarem decisões sobre sua saúde e vida, cientes de que não está apenas na mão do outro a responsabilidade sobre seu bem estar. Criamos assim, um espaço onde as pessoas vivendo com HIV/aids não são objetos de ações assistencialistas, paternalistas ou distantes do real, e sim sujei-tos que constroem e participam ativamente tanto das decisões sobre suas vidas, como da história coletiva de luta contra a Aids.

No momento inicial da constituição do GIV, era grande a falta de perspectiva de vida e recente a organização de soropositivos em grupos. A afetividade e ajuda mútua eram, predominantemente, o que se tinha para trocar. No entanto, ao longo do tempo, o grupo de pessoas que estava insatisfeito com a exclusão social, alija-mento de direitos, isolamento e falta de perspectivas de vida avaliou que somente a organização coletiva, a criação e fortalecimento de respostas comunitárias possibili-tariam a descoberta de caminhos para o enfrentamento da situação em que viviam.

Assim, o GIV, sem perder a afetividade que marcou sua constituição, ampliou sua politização e depois começou a se profissionalizar. Neste caminho, o grupo am-

Page 68: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

67

pliou suas atividades, o número de seus membros, desenvolveu projetos, criando ações inovadoras, estabeleceu parcerias com diferentes atores sociais: empresas, governos federal e estadual, mas predominantemente com outras instituições não governamentais, principalmente àquelas ligadas ao combate da epidemia.

Com o trabalho e as parcerias que estabeleceu, o GIV firmou-se e contribui para o crescimento e fortalecimento das respostas comunitárias de combate à aids assumin-do seu papel dentro do quadro de instituições da sociedade civil envolvidas nesta luta.

Estivemos envolvidos técnica e politicamente na maior parte das decisões e rei-vindicações que são importantes para as pessoas vivendo com aids, como por exem-plo, a luta por acesso gratuito a medicamentos, a constituição de fóruns e encontros de articulação nacional entre ONG/Aids e a garantia dos direitos dos soropositivos.

O GIV desenvolve trabalhos relevantes nas áreas de vacinas, ativismo, mulhe-res, crianças e adolescentes, sustentabilidade; mas o maior mérito do grupo é o tra-balho de acolhimento cotidiano, desenvolvido por seus voluntários, que garante um suporte e contribui para o empoderamento das pessoas com HIV/aids (PVHIVA).

Ao longo do tempo, o GIV acompanhou as mudanças da epidemia e está aberto às populações por ela atingidas. Hoje, o grupo é marcado pela diversidade de orientação sexual, origem sócio–econômica, pertencimento étnico/racial, de gêne-ro, idade e escolaridade.

O GIV, como um grupo de ajuda mútua, tem como missão, “propiciar melho-res alternativas de qualidade de vida, tanto no âmbito social como da saúde física e mental, a toda pessoa portadora do HIV/AIDS”.

O projeto vida digna

Dentro do escopo da nossa missão, apresentamos e fomos selecionados para colocar em prática, o Projeto Vida Digna com HIV/AIDS, que foi realizado no perí-odo de novembro de 2008 até dezembro de 2010, possibilitando a participação de pessoas vivendo com HIV/aids na região Centro Sul do município de São Paulo.

O projeto foi concebido com objetivo de promover a melhoria da qualidade de vida de portadores do HIV/aids (principalmente mulheres e gays). Cerca de 1200 pessoas foram inicialmente contactadas, no entanto a adesão as oficinas propostas foi baixa. Em contrapartida as aulas de dança de salão fizeram mais sucesso e agre-garam maior número de participantes.

O GIV oferece várias oficinas voltadas às PVHIVA: Adesão; Reuniões de Ajuda – Mútua; Atendimentos Psicossociais; Reunião Semanal para Acolhimento; Oficinas de Dança. O projeto foi divulgado nos Centros de Referência em DST/AIDS através de cartazes e folhetos.

No decorrer do projeto observou-se a necessidade de se criar um grupo de discussão, para PVHIVA com diagnóstico recente (menos de 12 meses), sob coorde-nação de um psicólogo.

Page 69: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

68

Gostaríamos de destacar alguns desafios que surgiram: as PVHIVA relataram suas dificuldades no uso e a negociação de preservativos no seu cotidiano, questões relacionadas a sexualidade, as mudanças corporais, a busca de parceiros e carências afetivas foram questões que permearam o desenvolvimento do projeto. Ficou evi-denciada a resistência das PVHIVA nas discussões sobre o tema re-infecção, tanto no diz respeito às relações estáveis, assim como nas casuais.

A sensibilização do grupo por meio da oficina de dança foi uma boa estraté-gia, assim como a implementação do grupo do Diagnóstico Recente, pois propiciou participação das PVHA em palestras e oficinas.

Como um todo, o projeto “Vida Digna” contribuiu para estimular à adoção de práticas de prevenção positivas junto as PVHIVA, fortaleceu o processo de adesão ao

Fig. 1 - Cartaz de divulgação

Page 70: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

69

tratamento e aos medicamentos antirretrovirais e ofereceu apoio psicossocial para pessoas vivendo com HIV/aids.

Gostaríamos de ressaltar que a Cartilha de Prevenção: barreiras ao HIV, pro-duzida pela equipe do GIV, teve uma excelente aceitação pelas PVHIVA. A boa qua-lidade do material, que aborda questões fundamentais e ainda pouco conhecidas como a Profilaxia Pós Exposição Sexual, levou a Coordenação do Programa Estadual DST/Aids-SP a disponibilizá-lo em seu site.

Lembramos que entre as metas prioritárias do GIV e que permearam o pro-jeto Vida Digna estão:

• Contribuir para o empoderamento de pessoas vivendo com HIV/aids para a garantia de acesso a seus direitos fundamentais;

• Promover a integração social dos(as) portadores(as) do HIV/aids entre si e seus familiares, amigos e profissionais de diferentes áreas e segmentos, no âmbito nacional e internacional;

• Desenvolver trabalhos de apoio às pessoas com HIV/aids, seus fami-liares e amigos;

• Buscar alternativas para a prevenção e controle do desenvolvimen-to da doença, instrumentalizando seus membros e a sociedade em geral com informações e subsídios atualizados;

• Buscar a integração com outros segmentos: Organizações Não Go-vernamentais, governamentais, iniciativa privada;

• Participar de instâncias do controle social para uma resposta mais efetiva frente à epidemia;

• Lutar contra quaisquer discriminação e preconceito junto às pessoas com HIV/aids;

• “Propiciar melhores alternativas de qualidade de vida, tanto no âm-bito social como da saúde física e mental, a toda pessoa portadora do HIV/aids”.

Espaços abertos de incentivo à vida

A definição e o desenvolvimento de nossas atividades estão diretamente ligadas aos anseios e às demandas trazidas pelas pessoas vivendo com HIV/aids, seus familia-res e amigos, bem como de nossa inserção nas várias esferas do controle social.

Page 71: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

70

A começar pelo apoio social, passando por questões da saúde física e mental, da cultura e lazer até a necessidade de uma formação profissional e (re)colocação no mercado de trabalho, nos fundamentamos na premissa de que somos parte da construção de uma história diferente, somos agentes de transformação. Todas as atividades visaram ao resgate e manutenção da auto-estima e exercício pleno da ci-dadania, estimularam a convivência e procuraram oferecer às pessoas informações e condições para o enfrentamento da vida em tempos de Aids.

Na constituição das propostas do grupo procuramos romper com a tradicio-nal fragmentação dos sujeitos e buscamos olhar as pessoas como seres humanos inteiros com várias dimensões. Seguindo esta perspectiva, em nossa instituição exis-tem atividades e espaços que visam incentivar a vida e a cidadania .

O projeto aqui apresentado pode ser considerado um sucesso, pois atendeu as expectativas de seus idealizadores e contribuiu para uma melhor qualidade de vida das PVHIVA. Vale ressaltar que a Oficina de Dança e o Grupo Diagnóstico Recente continuam em atividade, mesmo após o término do projeto, sem financiamento ex-terno.

Page 72: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Pela vida com saúde! Unir e mobilizar para prevenir as DST e a AIDS!

Associação Comunitária de Construção das Mulheres de Itaquera IV

Ilda Aparecida Fiorante Fiore46

Karina Sampaio Campos47

Dados do Boletim Epidemiológico da Prefeitura do Município de São Paulo apontaram que a evolução da epidemia de HIV/Aids local seguem a tendência do país. A proporção das infecções no que se refere a razão de sexo mudou dramati-camente ao longo da epidemia. Em 1985, de cada 26 homens que contraíam o HIV, havia 1 mulher. Em 2006 a proporção era de 1 mulher para cada 2 homens.

A transmissão do HIV pela via heterossexual era apontada espontaneamente por 76,19% das pessoas, em detrimento do uso de drogas injetáveis e outras formas de contágio, o que indicava a necessidade de fortalecimento dos processos preven-tivos e conscientizadores voltados às mulheres.

Desta forma, a partir da observação de que o número de mulheres infectadas vinha crescendo em nosso serviço, decidiu-se criar o projeto Pela Vida com Saú-de. O mesmo atingiu 2.200 mulheres; com idade entre 13 e 60 anos; em situação de pobreza; baixa escolaridade; a maioria declarou-se negras e pardas; moradoras do Conjunto Habitacional Fazenda do Carmo, Guaianases, na zona leste da capital.

O objetivo do projeto foi contribuir para a redução da incidência das DST/Aids, Sífilis e Hepatites B e C, por meio da ação de 10 agentes comunitárias de pre-venção moradoras da comunidade e capacitadas pela instituição.

Karina Sampaio, coordenadora do projeto, inicia a oficina

na Casa Ser (arquivo ACCMIIV) – Fig. 1

A metodologia baseou-se em capacitar 10 mulheres oriundas da região des-crita acima, com as mesmas características do público alvo, como agentes comuni-tárias de prevenção, as quais deveriam monitorar 220 mulheres cada, por meio de entrevistas e conversas realizadas durante visitas domiciliares.

46 Ilda Aparecida Fiorante Fiore ([email protected]) é psicóloga pela Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto), presidenta da Associação Comunitária de Construção das Mulheres de Itaquera IV, diretora da Federação das Mulheres Paulistas e da Confederação das Mulheres do Brasil, conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina.47 Karina Sampaio Campos ([email protected]) é jornalista pela Universidade São Judas Tadeu, diretora da Associação Comunitária de Construção das Mulheres de Itaquera IV, diretora do departamento feminino da União Estadual dos Estudantes, coordenadora do presente projeto.

Page 73: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

72

O fato das agentes serem mulheres com características semelhantes às do pú-blico alvo, facilitou muito a relação e o monitoramento das ações. As agentes foram selecionadas coletivamente, através de indicações da entidade e dinâmicas, e rece-beram ajuda de custo para realizar as atividades propostas no projeto.

Os temas das entrevistas e conversas foram: a necessidade de prevenção, os riscos de infecção e transmissão das DST/Aids e Hepatites B e C. Foram realizadas palestras e oficinas com distribuição de folhetos, cartilhas e preservativos.

O uso de preservativos masculino e feminino foi incentivado durante consultas e exames, além de testagem precoce para HIV, Sífilis e Hepatites.

Foram disponibilizados às participantes do projeto, informações sobre DST/HIV e Aids além de uma lista dos serviços de saúde para divulgação junto as suas redes de relacionamento (amigos, familiares e parceiros), com objetivo de prevenir essas infecções.

Durante a execução do projeto foram realizadas entrevistas com as moradoras do bairro e também oficinas sobre prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST/Aids, gravidez na adolescência, Hepatites B e C. Os jovens e adolescentes filhos das mulheres contactados por nossas agentes se beneficiaram também das ações, bem como seus parceiros fixos.

Fig. 1

Page 74: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

73

O primeiro treinamento realizado com as mulheres selecionadas, ocorreu na Casa Ser Dorinha48. Este foi iniciado com uma breve apresentação do projeto. Logo depois realizou-se a palestra sobre formas de exposição e prevenção às DST/Aids, a importância de conversar com os parceiros sobre o assunto, além da visita regular ao posto de saúde para avaliação e realização de testes.

Mesa que montamos com materiais do projeto e da Casa Ser (arquivo ACCMIIV) – Fig. 2

A enfermeira Monica - representante da Casa Ser Dorinha durante palestra (arquivo ACCMIIV) – Fig. 3

Em seguida iniciou-se uma dinâmica coordenada pela palestrante. Cada par-ticipante pegava um papel onde estava escrito uma letra. Depois cada uma escolhia um par. No decorrer da brincadeira, elas descobriam que cada letra correspondia a uma doença. Algumas eram DST. A dinâmica serviu para as mulheres refletirem sobre a importância do uso da camisinha.

48 Casa Ser Dorinha: Centro de Atenção a Saúde Sexual e Reprodutiva Maria Auxiliadora Lara Barcelos, localizada na Rua Dr. Guilherme de Abreu Sodre, 485- Prestes Maia -Cidade Tiradentes- São Paulo; fones: 2555-7090 / 25554806.

Fig. 2

Page 75: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

74

Fig. 4

Fig. 3

Page 76: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

75

Enfermeira Monica organiza a brincadeira (arquivo ACCMIIV) – Fig. 4

No encerramento da atividade, as participantes aprenderam a colocar corre-tamente os preservativos masculino e feminino. Mesmo neste grupo selecionado, esta última causou estranheza, mas também curiosidade em algumas participantes.

Uma das agentes manuseando uma camisinha feminina (arquivo ACCMIIV) – Fig. 5

A oficina foi realizada também no Serviço de Atenção Especializada (SAE) Lí-der. As participantes assistiram a uma apresentação sobre a sexualidade e as princi-pais características da Aids e outras DST.

Quadro utilizado durante explicação pela Dra. Cristina Lara (arquivo ACCMIIV) – Fig. 6

Num jogo de perguntas e respostas, foi possível descobrir e refletir sobre as dúvidas dos adolescentes que estão iniciando a vida sexual e das mulheres com parceiros fixos (casadas e solteiras). As principais questões levantadas foram: onde buscar tratamento gratuito, preconceitos existentes em nossa sociedade e a falta de diálogo no interior da família.

Participante durante o jogo expõe sua pergunta para ser colocada no quadro (arquivo ACCMIIV) – Fig. 7

Esta estratégia propiciou a troca de experiências. Quando uma jovem pergun-tava, uma mulher de mais idade realizava comentários com base em sua própria his-tória de vida. Essa dinâmica fez com que cada uma se sensibilizasse com as dúvidas e depoimentos das outras.

Todos bem descontraídos durante a discussão (arquivo ACCMIIV) – Fig. 8

A partir das visitas domiciliares e entrevistas realizadas pelas agentes ve-rificou-se que foi possível atrair mulheres adultas e jovens para as oficinas. Este fato impulsionou a realização de outras oficinas na própria comunidade, em espaço cedido por moradores. Numa delas foi exibido um documentário sobre prevenção de DST e Aids, com depoimento de três mulheres e dois homens so-ropositivos.

Page 77: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

76

Fig. 6

Fig. 5

Page 78: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

77

Fig. 7

Fig. 8

Page 79: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

78

No final do filme, as mulheres comentaram sobre os personagens do filme e ficaram especialmente impressionadas com uma mulher que contraiu o vírus do marido. A experiência desta personagem foi impactante para as participantes, pois retrata uma realidade próxima a delas, em sua maioria casadas.

As mulheres em oficina na comunidade (arquivo ACCMIIV) – Fig. 9

Por essa razão, as perguntas explicitadas na discussão abordaram sobre como é possível se proteger de DST, se o próprio companheiro fixo poderia estar com ela. A discussão ocorreu de modo que, ao final, o grupo concluiu que apesar das dificuldades o melhor a ser feito é conversar bastante com o parceiro sobre o assunto e utilizar preservativo sempre.

Algumas mulheres deram depoimentos sobre o uso da camisinha feminina. O produto havia sido distribuído pela equipe do projeto. Nem todas gostaram, mas concordaram que é importante introduzi-lo na vida sexual.

Fig. 9

Page 80: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

79

No final desta oficina também foram distribuídos preservativos. Todas vol-taram para suas casas bastante satisfeitas com o descontraído debate sobre vida e saúde sexual.

As participantes do projeto demonstraram gratidão aos coordenadores do pro-jeto, por meio de depoimentos e pela confraternização realizada no final das ativida-des. No caso das mulheres com mais de 40 anos, verificou-se dificuldade em relação à possibilidade de mudança do comportamento sexual e insegurança sobre a viabili-dade em incluir o preservativo na relação conjugal de tantos anos. Ao mesmo tempo, esperança de que junto com a equipe seria possível interferir na vida dos(as) filhos(as) jovens, a partir de relações mais equilibradas e diálogos abertos sobre a vida sexual.

Após o término do apoio financeiro, o projeto continuou por meio de encon-tros para discussão sobre DST/HIV na região, com o trabalho permanente, articula-do com as demais organizações sociais do local, e ainda com o esforço em estruturar novas parcerias.

A relação entre as mulheres participantes e suas famílias continuou sendo estimulada, bem como o encaminhamento das mesmas para as unidades de saúde da região, visando garantir o acesso aos preservativos, informações e assistência.

Visita de monitoramento: Cely (PM/PMSP); Leila e Valéria (PE/GESP) com Karina, Ilda e Vera da ACCMIIV – Fig. 10

Fig. 10

Page 81: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

80

Conferência em Defesa da Saúde e da Vida, que contribuiu para a elaboração dos materiais e para a organização do início do projeto: Ilda, Vera e Karina da ACCMIIV com Josi que foi fundamental na execução do mesmo (arquivo da ACMMIV) – Fig. 11

Fig. 11

Page 82: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

As meninas

Movimento itapecericano de luta contra AIDS – MILCA

Mary Angela Castilho Martins49

Virgínia Ibanez de Santi Ferrara50

Maria Claudia Arruda Pires51

Solano Assis Araújo Dias52

Magno Ozzyr Pedro Alves53

A BR-116 (Rodovia Regis Bittencourt) é uma das mais movimentadas do país. Trata-se do principal corredor de mercadorias do Mercosul para São Paulo e demais regiões brasileiras e vice-versa. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, só no trecho Juquitiba a Taboão da Serra circulam 6.020 caminhões por dia.

Ao longo da estrada há centenas de pontos de prostituição, junto a postos de gasolina e casas noturnas. Estes estabelecimentos atendem a necessidade de diver-são e prazer de caminhoneiros e seus ajudantes, em suas horas de descanso. Con-siderando os aspectos culturais (machismo e consequente dificuldade para uso do preservativo), as longas distâncias percorridas, o longo período fora do lar (em mé-dia10 a 15 dias), as condições desconfortáveis de trabalho e a solidão, os caminho-neiros e seus ajudantes constituem uma população vulnerável às DST/Aids.

Entre Juquitiba e Taboão da Serra existem 28 postos de combustível, que aten-dem em média 200 caminhões por dia, para abastecimento, refeições e descanso. No trecho pernoitam em média 700 caminhões, distribuí dos pelos 28 postos. O número constitui-se em atrativo para que profissionais do sexo masculino e feminino recorram ao local à procura de clientela.

Os profissionais do sexo que circulam nessa região estão, em geral, abaixo da linha da pobreza. Trabalham em casas noturnas, na maioria das vezes, por moradia e refeição. Além disso, tem dificuldade de acesso a informações e serviços de saúde em decorrência de vergonha e inclusive ausência de comprovante de residência.

49 Mary Angela Castilho Martins ([email protected]) é professora com licenciatura plena em Educação Física, especialista em Gestão e Organização do Terceiro Setor pela Universidade Nove de Julho, diretor-presidente da MILCA e voluntária no projeto As Meninas.50 Virgínia Ibanez de Santi Ferrara ([email protected]) é bacharel em Direito, diretor vice-presidente da MILCA e coordenadora das oficinas de sexualidade no projeto As Meninas.51 Maria Claudia Arruda Pires ([email protected]) é pedagoga, voluntária da MILCA, coordenadora do projeto As Meninas.52 Solano Assis Araújo Dias ([email protected]) capacitado em Gestão para Organizações da Sociedade Civil pelo Instituto Gestão para Entidades da Sociedade Civil - GESC, diretor-tesoureiro da MILCA, agente de campo no pro-jeto As Meninas.53 Magno Ozzyr Pedro Alves ([email protected]) é graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Veris Faculdades - Instituto Brasileiro de Tecnologia Avançada, voluntário da MILCA e monitor de dança no pro-jeto As Meninas.

Page 83: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

82

De acordo com o Boletim Epidemiológico DST/Aids (2006) da Secretaria Es-tadual da Saúde, Taboão da Serra, Embu e Itapecerica da Serra figuram entre os 100 municípios com maior número de casos notificados de Aids, entre 1980 e 2006.

Diante desse cenário, propusemos realizar o “Projeto As Meninas” para aten-der as necessidades de profissionais do sexo que atuam na região, por meio de pro-fissionais e agentes multiplicadores de informação.

O projeto foi concebido para a realização de ações de prevenção (esclareci-mento e conscientização) sobre DST/HIV/Aids e o encaminhamento para atendi-mento clínico e testagem ao HIV/Aids voltado aos profissionais do sexo (masculino e feminino) que circulam pela BR-116, no trecho Juquitiba a Taboão da Serra, levan-do-se em conta a especificidade de gênero, além da formação dos agentes multipli-cadores entre a população atendida.

Em reunião com a Coordenação Municipal DST/AIDS e Divisão Epidemioló-gica da Secretaria Municipal de Saúde de Itapecerica da Serra foram formalizados: o fluxo de atendimento dos encaminhamentos à Unidade Básica de Saúde (UBS); as referências para consulta na especialidade DST/HIV, testagem de HIV, pré-natal (de acordo com a demanda); e a quantidade de preservativos a serem distribuídos.

Apresentou-se o projeto para os membros do Conselho Municipal de Saúde de Itapecerica da Serra e capacitou-se equipe constituída por: um coordenador e cinco agentes de campo, visando à atuação junto aos profissionais do sexo.

Estabeleceu-se parceria com as casas noturnas, após autorização prévia do proprietário para o desenvolvimento do trabalho. Foi preenchida ficha técnica com nome do responsável pelo estabelecimento, o endereço completo, contato, dias e horários de funcionamento da casa, o número de profissionais do sexo, o número de funcionários e o número de profissionais do sexo moradores da casa.

Além disso, adaptou-se um veículo utilitário com um transformador de po-tência para acoplar aparelhos eletrônicos: som, DVD, TV e microfone, além de ma-teriais necessários para o desenvolvimento das atividades (palestras, projeção de filmes). Foi criado e confeccionado material educativo adaptado à linguagem do público alvo.

Conseguiu-se cadastrar os profissionais do sexo através de abordagem em grupo e/ou individual, tarefa facilitada pela apresentação da equipe do projeto pe-los gerentes e/ou donos das casas noturnas e posteriormente, aplicou-se um ques-tionário qualitativo do Sistema de Monitoramento e Avaliação do Ministério da Saúde para avaliar o conhecimento prévio dos profissionais sobre DST/HIV/Aids. Realizou-se ainda oficinas temáticas sobre prevenção às DST/HIV/Aids, sexualida-de, métodos contraceptivos, uso indevido de drogas, abuso sexual, corpo erótico, corpo e reprodução, autoestima, cidadania e outros assuntos sugeridos pelos pro-fissionais do sexo. Como desdobramento, identificou-se e captou-se junto a popu-lação atendida agentes multiplicadores para atuação entre seus pares e na região. O termo inglês “peer education” (educação entre os pares) é internacionalmente conhecido na área da Educação para a Saúde. A educação pelos pares envolve uma minoria de pares representativos de um grupo que tenta informar e influenciar a

Page 84: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

83

maioria, promovendo uma mudança de conhecimentos, atitudes, crenças e com-portamentos (SVENSON et al, 1998, p 7).

Foi distribuído material informativo, educacional e de comunicação. Carta-zes com informações sobre a forma de transmissão do HIV e a data e horário da visita da equipe nos locais especificados foram afixados em locais de fácil acesso.

No decorrer do projeto distribuíram-se semanalmente preservativos mas-culinos para os profissionais do sexo, encaminhando-os conforme sua demanda a consultas e testagem do HIV nas UBS de referência e no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA). Mensalmente, as ações foram monitoradas e avaliadas para corrigir os desvios do processo e refletir sobre os desafios encontrados por meio de reuniões com a equipe executora do projeto.

Em relação aos resultados e a superação das dificuldades encontradas pode--se destacar:

• Em 2 anos de execução do projeto foram cadastrados 201 profissio-nais do sexo; distribuídos 43.053 preservativos masculinos e 127 pre-servativos femininos; realizados 84 encaminhamentos para diagnós-tico e tratamento de DST e 36 para testagem do HIV, Hepatite B e C e Sífilis; 2 encaminhamentos para tratamento da Aids; 7 para pré natal e 3 partos; foram realizados 3 encaminhamentos para conselhos tute-lares e 1 encaminhamento para o Centro de Referência da Mulher de Embu das Artes.

• Foram acessadas 1.194 pessoas e capacitados 78 agentes multiplicadores.

Cabe ressaltar que o maior número de testes foi coletado durante um mutirão realizado por funcionários do CTA (Itapecerica da Serra), acompanhados pela equi-pe do projeto em casas noturnas e pontos de prostituição no período vespertino. Foi providenciado um mutirão em horário e local alternativos diante da alegação dos profissionais do sexo sobre a impossibilidade de realizar o teste nos horários de atendimento do CTA, uma vez que o consumo de álcool e drogas era alto e precisa-vam ficar nas casas “até o último cliente”.

A entrega dos resultados também foi organizada no mesmo esquema do mu-tirão, em data e horário específicos. Foi disponibilizado transporte da MILCA, para levar profissionais do sexo até o CTA.

O desenvolvimento do projeto no horário de funcionamento das casas no-turnas foi estratégico. Com isso, foi possível abordar um grande número de profis-sionais do sexo, clientes e trabalhadores das casas. O horário inicial do projeto foi remanejado para atender melhor a população alvo.

É importante destacar que um integrante da equipe do projeto passou a acompanhar os profissionais do sexo na consulta para o atendimento especializado em DST. A medida foi tomada após ser detectado que muitos faltavam às consultas previamente agendadas por receio de ser tornarem alvo de preconceito.

Page 85: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

84

Fig. 1 - Equipe do projeto e do CTA no mutirão

Fig. 2 - Banner com as regras da casa

Page 86: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

85

Fig 3 - Cartaz afixado na árvore no ponto das travestis e fachada das casas noturnas

Fig 4 e 5 - Realização da testagem e cadastramento

Page 87: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

86

Foi previamente estabelecido, em reunião com a Coordenação Municipal DST/AIDS, que as consultas seriam agendadas pela coordenadora do projeto por telefone e/ou pessoalmente e as profissionais do sexo apresentariam uma carta de encaminhamento ao serviço. A equipe do projeto redigiu um impresso específico (“carta de encaminhamento”) para ser entregue a uma funcionária do CTA, com a função de preencher a ficha de atendimento e encaminhá-la diretamente à consul-ta, sem passar pela triagem da recepção da UBS.

É interessante enfatizar que ao realizar o mutirão para testagem do HIV, He-patite B e C e Sífilis, no horário da tarde, promoveu-se o acesso de um maior número de profissionais do sexo ao serviço.

Além disso, foi ofertado à população assistida uma oficina de dança, uma vez por semana, em local cedido por uma das casas noturnas, com suporte de monitor voluntário. A oficina propiciou a socialização entre os profissionais do sexo das casas noturnas e pontos de prostituição e o desenvolvimento espontâneo de discussões sobre as condições de trabalho enfrentadas por todos.

O veículo, identificado com o logo e nome do projeto, facilitou o reconhe-cimento da equipe nos pontos de prostituição e o acesso aos estacionamentos das casas noturnas. Além disso, o mesmo foi adaptado com equipamentos eletrônicos, o que propiciou a realização de ações de esclarecimento e conscientização sobre prevenção às DST/HIV/Aids.

Em retrospectiva, revisitando todas as dificuldades encontradas e superadas, podemos considerar que o projeto foi um sucesso, pelas parcerias estabelecidas e experiência adquirida pelos integrantes da equipe, o que agregou um valor intangí-vel ao trabalho desenvolvido pela MILCA.

Garantir o acesso dos profissionais do sexo aos serviços de saúde e dar supor-te técnico ao trabalho dos agentes foi imprescindível para a efetividade das ações que visam interromper a cadeia de transmissão do vírus HIV e das outras DST.

Referencias bibliográficas

SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO. Boletim Epidemiológico, CRT-DST/AIDS-CVE, ano XXV, nº1, 2006

SVENSON, G. et al. European guidelines for youth AIDS peer education. Lund: De-partment of Community Medicine, Lund University. 1998.

Agradecimentos a todos os que colaboraram para que o projeto atingisse os resul-tados esperados: Autarquia Municipal – IS; Centro de Testagem e Aconselhamen-to; Conselho Municipal de Saúde de Itapecerica da Serra; Hospital Geral de Ita-pecerica da Serra; Secretaria de Inclusão Social de Itapecerica da Serra; Conselho Tutelar de Itapecerica da Serra; Conselho Tutelar de Taboão da Serra; Conselho

Page 88: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

87

Tutelar de Embu das Artes; Centro de Referencia da Mulher de Embu das Artes; Profissionais do Sexo; Funcionários das casas noturnas; os agentes transformado-res e a equipe do projeto.

Page 89: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

No centro da prevenção

Grupo pela valorização, integração e dignidade do doente de AIDS São Paulo – Grupo pela Vidda/SP

Flávio Aparecido Rodrigues54

Em parceria com o Programa Estadual de DST/AIDS de São Paulo e com apoio do Programa Municipal de Aids do município de São Paulo, o Grupo Pela Vi-dda - SP executou, entre outubro de 2009 e dezembro de 2010, o projeto “No Centro da Prevenção”, que consistiu em intervenções diretas junto a profissionais do sexo, garotos de programa e travestis que trabalham nas ruas de São Paulo.

O projeto considerou o plano nacional, e seus respectivos desdobramentos regionais, lançado à época pelo Departamento Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais para conter a incidência da Aids e de outras doenças sexualmente transmissí-veis entre gays, homens que fazem sexo com homens (HSH) e travestis. Foram prio-rizados temas como a redução das vulnerabilidades associadas à orientação sexual, a garantia do acesso à prevenção da Aids e a produção de conhecimento sobre essas populações mais expostas ao risco de infecção pelo HIV.

Desde 2005, estudos e dados do Ministério da Saúde indicam que gays e HSH têm de 10 a 20 vezes mais chances de serem infectados pelo HIV do que homens heterossexuais. Entre os fatores de vulnerabilidade estão o desrespeito aos direitos humanos, à orientação e à identidade sexual; as dinâmicas dos espaços de sociabili-dade típicos desse grupo (ruas, bares, pontos de “pegação”, cinemas, saunas, banhei-ros públicos etc) e a ausência de prevenção entre parceiros.

Segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, desde 2006 hou-ve um crescimento do percentual de casos de Aids entre homossexuais e bissexuais de 13 a 24 anos de idade, variando de cerca de 24%, em 1996, para aproximadamente 41%, em 2006. Na faixa etária de 25 a 29 anos, a variação foi um pouco menor, mas também indicou crescimento: de 26% (1996) para 37% (2006). Já entre indivíduos de 30 a 39 anos, os índices apontam para uma pequena tendência de queda: de 30% (1996) para 28% (2006). A Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas Sexuais (PCAP), de 2004, estimou a população gay e HSH brasileira, de 15 a 49 anos, em 3,2% da população ou cerca de 1.5 milhão de pessoas. A partir dessa base populacional, a PCAP calculou a taxa de incidência da Aids desse segmento em 226,5 casos por gru-po de 100 mil habitantes, cerca de onze vezes maior que a taxa da população geral, que é de 19,5 casos por 100 mil.

54 Flávio Aparecido Rodrigues ([email protected]) é geógrafo, especialista em Gestão Escolar, assistente de coorde-nação do Centro de Referência da Diversidade (CRD) e coordenador financeiro do Grupo Pela Vidda.

Page 90: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

89

A região central da cidade de São Paulo é um antigo ponto de encontro de homossexuais, com inúmeros bares e boates para esse seguimento. A maioria desses estabelecimentos são frequentados por homossexuais de baixa renda.

Dos casos de Aids da Região Centro/Oeste da capital, cerca de 44% estavam relacionados à categoria da exposição homo e bissexual, principais públicos do pro-jeto (Boletim Epidemiológico da Cidade de São Paulo. Abril/2007).

O projeto aqui destacado buscou reduzir o grau de exposição à infecção pelo HIV desses grupos específicos, incentivar a prática sexual mais segura e ampliar a participação dos homossexuais jovens e de baixa renda, das travestis e dos garotos de programa que habitam ou frequentam a região central na realização de testagem voluntária e aconselhada para diagnóstico do HIV.

As travestis que frequentam a região de abrangência do projeto são constante-mente vítimas de violência, preconceito e discriminação mas há poucos dados e es-tudos sobre as mesmas. Um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizado entre janeiro de 1992 e julho de 2000 com 643 travestis da região central de São Paulo constatou que cerca de 40% estavam infectadas pelo HIV. Outro dado da pesquisa mostrou que 51% delas nunca haviam realizado o teste para detectar o HIV.

Na Região central, área adjacente à sede do Grupo Pela Vidda, as travestis frequentam ruas da Vila Buarque e imediações da Amaral Gurgel, mas também há um deslocamento das mesmas para Av. Cruzeiro do Sul, Av. República do Líbano e imediações, na Zona Sul.

Por fim, segundo levantamento (aleatório, por conveniência, não científico) feito pelo Grupo Pela Vidda em suas intervenções, os garotos de programa cons-tituem um público de grande mobilidade; muitos são originários das periferias da capital, interior de São Paulo e até outros Estados, com idades variando de 15 a 40 anos; muitos habitam precariamente a região central, com práticas homo e hete-rossexuais, além da multiplicidade de parceiros. Frequentam o Largo do Arouche, região da Praça da República e também se deslocam para os arredores do Parque Trianon e do Ibirapuera, na Zona Sul.

O projeto teve início com ações voltadas aos gays e HSH, travestis e profissio-nais do sexo que circulam, trabalham ou moram na região central por meio de agen-tes de prevenção, devidamente uniformizados e acompanhados do veículo do Pela Vidda/SP (financiado pelo projeto), a fim de dar visibilidade às ações de prevenção. O projeto, integrado ao Centro de Referência da Diversidade (CRD), equipamento administrado pelo Grupo Pela Vidda-SP, foi viabilizado por meio de concorrência pública e de convênio com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). O serviço contempla ações de inclusão social e geração de renda na região central de São Paulo, voltado a homens e mulheres profissionais do sexo; gays e lésbicas; travestis; transexuais e pessoas que vivem com HIV e aids em situa-ção de alta vulnerabilidade e risco social.

A partir do envolvimento e referenciamento ao CRD e das abordagens do pro-jeto, decidiu-se expandir o campo para regiões fora do eixo central, a exemplo da Avenida Indianópolis, tradicional ponto de concentração de travestis e mulheres; e

Page 91: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

90

do Autorama (na região do Parque do Ibirapuera), tradicional ponto de “pegação” de gays e michês. Além disso, foram contemplados campos até então pouco aborda-dos pelo Grupo, como a região da Avenida Cruzeiro do Sul e Santana, Barra Funda e Centro Velho. Cabe reforçar que outros campos ao longo dos dois anos foram re-alizados, como Avenida Industrial de Santo André e Via Dutra, logo atrás do posto Sakamoto em Guarulhos. Esses campos foram realizados por indicação de usuárias do CRD, pois não existiam ações de prevenção nessas regiões.

Durante a realização do projeto, foram abordadas aproximadamente 19.500 pessoas, com distribuição de 380.000 preservativos e 6.000 unidades de gel lubrifi-cante. Além da ampla distribuição de insumos e material informativo, incentivando a prática sexual mais segura, foi incentivada a realização do teste de HIV e a procura por serviços de saúde. Além disso, no decorrer do projeto foi realizado no CRD, em parceria com o Programa Municipal de DST/Aids, uma vez por mês, o teste rápido do HIV. Com a realização das atividades de prevenção juntamente com a equipe de campo do CRD, referenciamos os públicos do projeto para as atividades de geração de renda, inclusão social, convivência e defesa de direitos, mantidas pelo CRD.

É relevante destacar que como prática inovadora, durante o período do pro-jeto, a opção de conciliar a distribuição de insumos no campo, como material infor-mativo, preservativo e gel, com a ação dos educadores sociais do CRD – Centro de Referência da Diversidade. Com isso, agregamos ações de saúde com informações relevantes para essa população carente e excluída: benefício LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social; aposentadoria e INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social; como se proteger de violações de direitos; tratamento para dependência química; denúncia de exploração sexual; denúncia de violência homofóbica e transfóbica; as-sassinatos; abuso policial etc. Dessa forma, o projeto possibilitou uma ação integra-da e inédita de promoção da cidadania e prevenção em campo.

A intervenção realizada para públicos diferentes, em um mesmo projeto de prevenção (gays de baixa renda, travestis e garotos de programa), tendo em vista a peculiaridade da área geográfica abrangida e a localização de serviços de teste e aconselhamento, do Grupo Pela Vidda e Centro de Referência da Diversidade foi um desafio superado. Outro ponto positivo do projeto foi a possibilidade de com-patibilizar ações de prevenção em saúde com ações de proteção social, que é o foco do CRD, integrado ao projeto. Em que pese o perfil diferente dos interventores para cada público, as distintas formas de intervenção e de material informativo, dentre outras diferenças, o projeto otimizou as ações, a capacitação dos interventores à de-finição do trajeto das equipes.

Sobre o aprimoramento do projeto, destacamos a necessidade de aquisição de novo veículo para as intervenções. Outro avanço seria o estabelecimento de parcerias para realização de pesquisas comportamentais, de prevalência do HIV, e conhecimento mais aprofundado do público. Devemos também definir um indi-cador capaz de medir a busca da população atingida pelo projeto por serviços de saúde, uma vez que as intervenções visam, além da prevenção, a referência para exames e consultas em DST/Aids. Cabe, ainda, melhor articulação com serviços e

Page 92: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

91

ONG – Organizações Não Governamentais – que atuam com os mesmos públicos e na mesma região, visando a complementariedade das intervenções e a não mul-tiplicação de esforços. E, por fim, há um grande desafio de dar continuidade na tentativa de formar multiplicadores da própria população, sobretudo de garotos de programa e travestis.

Page 93: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

92

Prevenção na roça – Ações de promoção da saúde e orientação sobre DST para população de trabalhadores

rurais da Alta Paulista

Sonho Nosso – Frente de apoio comunitário

Victor Eloy da Fonseca55

Josefa Feliciana Duda da Fonseca56

Arnaldo Barbosa Filho57

Ana Carolina Carvalho58

Steffany Garcia Fernandes59

O Sonho Nosso – Frente de Apoio Comunitário, Organização Não Governa-mental (ONG), situada no extremo oeste do estado de São Paulo, divisa com Mato Grosso do Sul, foi criada em 2003 para enfrentar iniquidades e vulnerabilidades da população local frente às mazelas sociais que afligem a sociedade contemporânea, entre elas a epidemia de HIV/Aids.

Desde 1980, observamos alterações no perfil e tendências da epidemia de DST e Aids. Iniciou-se com a heterossexualização e feminização, passando para a migração da infecção para municípios distantes das principais áreas metropolita-nas, atingindo fortemente aqueles que vivem em comunidades menos assistidas (REIS et al., 2008; SZWARCWALD et al., 2000), e/ou ainda, a expansão da epidemia relacionada às condições sociais dos indivíduos com HIV/Aids, com disseminação progressiva nas classes menos favorecidas (FONSECA et al., 2002; GALVÃO, 2002).

Diante do acúmulo de casos de DST/Aids na região, em especial entre traba-lhadores locais, associada a mobilização social frente a esta situação, a ONG decidiu mobilizar-se para sensibilizar e informar a comunidade local.

As ações tiveram como principal objetivo convidar a população a cuidar e valorizar sua saúde, com isso prevenir-se de doenças, entre elas as DST e o HIV.

55 Victor Eloy da Fonseca ([email protected]) é zootecnista, sócio fundador e consultor da Sonho Nosso para projetos estratégicos.56 Josefa Feliciana Duda da Fonseca ([email protected]) é sócia fundadora e coordenadora geral da Sonho Nosso.57 Arnaldo Barbosa Filho ([email protected]) é bacharel em Direito e Administração, coordenador de proje-tos da Sonho Nosso.58 Ana Carolina Carvalho ([email protected]) é graduanda em Direito, coordenadora administrativa da So-nho Nosso.59 Steffany Garcia Fernandes ([email protected]) é assistente social, apoiadora técnica da Sonho Nosso.

Page 94: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Trabalhadores rurais: de olho nas DST/HIV/AIDS

A produção de açúcar, etanol e, mais recentemente, energia elétrica predo-mina na região. A atividade canavieira remonta ao período colonial e mantem-se como uma das principais do país em termos de participação no produto interno bruto (PIB), geração de emprego e inserção internacional. Cerca de 750 mil pesso-as trabalham diretamente na atividade; o setor reúne 6% dos empregos industriais brasileiros e é responsável por 35% do PIB do estado de São Paulo (ÚNICA, 2008). A produção de cana constitui-se numa das principais fontes de geração de empregos, tanto no setor agrícola, como no conjunto das agroindústrias. No ano de 2006 o setor respondeu por 10% dos novos empregos no setor industrial e por 226% dos postos criados no setor agrícola do estado (RAIS, 2006).

Contudo, embora a criação formal de empregos seja expressiva, o desenvol-vimento humano de municípios brasileiros que têm a cana-de-açúcar sua principal atividade agrícola, apresentam IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Muni-cipal) e IPVS (Índice Paulista de Vulnerabilidade Social) (SILVA, 2008) baixos, talvez pelos impactos negativos vinculados a produção.

Segundo Toneto Jr. & Liboni (2008), o setor apresenta uma concentração de trabalhadores entre 17 e 45 anos, corroborando com o perfil das demais ocupações no país, contudo, um aspecto que merece destaque é a diferença entre o grau de ins-trução dos trabalhadores, o que tem relação direta com a vulnerabilidade destes ci-

Fig. 1 – Intervenção do projeto no Canavial da Usina Alta Paulista (Foto: Arquivo Sonho Nosso)

Page 95: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

94

dadãos. Neste prisma, identifica-se elevada presença (26,2%) de trabalhadores anal-fabetos, principalmente oriundos da região Nordeste, seguido pelo estado de São Paulo, com participação de trabalhadores apenas com nível fundamental de ensino.

Nas regiões interioranas dos estados, onde o acesso à informação e insumos de prevenção são limitados, aliado às condições socioeconômicas precárias, predis-põe a população local às doenças infecciosas. A criação de novos postos de empregos nessas áreas favorece a migração de trabalhadores. O fato demanda atenção e medi-das preventivas no que se refere às DST/Aids (MIRANDA et al., 2005; BECKER, 1990).

Neste contexto, a Sonho Nosso estabeleceu em 2007, um programa de promo-ção da saúde e prevenção das doenças sexualmente transmissíveis para os trabalha-dores do setor sucroalcooleiro nos seus locais de trabalho (canaviais), em virtude do crescente aumento na instalação de empreendimentos deste setor na região.

Adotou-se estratégias de prevenção primária (uso do preservativo) e secun-dária (diagnóstico e tratamento) para o controle das DST e suas consequências. Ações nesse sentido são realizadas no país de forma pulverizada, com importantes diferenças regionais (BRASIL, 2006). O Sonho Nosso utilizou estratégias pedagógi-cas inspiradas em Paulo Freire, e desenvolveu oficinas lúdicas de prevenção às DST/HIV, buscando dessa forma, permitir que a mensagem chegue, de fato, ao público com o qual trabalhamos, aprimorando a eficácia da ação.60

60 Segundo Freire (2005), o diálogo entre o educador/educando e o objeto de conhecimento, vinculado a reconhecer a aprendizagem como um processo gradativo, em que valoriza o conhecimento de mundo adquirido pelos alunos, contri-bui para que os sujeitos se tornem construtores de seu próprio conhecimento.

Fig. 2 – Oficina Lúdica de Sexo Mais Seguro no Canavial da Usina Alta Paulista (Foto: Arquivo Sonho Nosso)

Page 96: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

95

O projeto “Prevenção na Roça” teve por objetivo a realização de oficinas lú-dicas de prevenção às DST para trabalhadores rurais e industriários do setor sucro-alcooleiro regional, com foco no aumento do conhecimento deste segmento sobre DST, sinais e sintomas e medidas de prevenção. Deste modo, por meio do projeto foram realizadas nos anos de 2009 e 2010 mais de 250 oficinas de sexo mais seguro, envolvendo mais de 14.000 pessoas, trabalhadores rurais e da indústria sucroalcoo-leira regional.

A educação lúdica integra em sua essência uma concepção teórica profun-da e uma prática atuante e concreta. Seus objetivos são a estimulação das relações cognitivas, afetivas, verbais, psicomotoras, sociais, a mediação socializadora do co-nhecimento e a provocação para uma reação ativa, crítica e criativa. Eles fazem do ato de educar um compromisso consciente, intencional e modificador da sociedade (ALMEIDA, 1990).

Acreditamos que a propagação das DST/HIV pode ser reduzida por meio de um programa efetivo de educação. Este envolve métodos que enfatizem as sérias conseqüências clínicas das DST e descrevam como os riscos de contrair essas doen-ças podem ser minimizados (PELCZAR, 1996).

As ações foram financiadas pela Coordenação do Programa Estadual de DST/AIDS de São Paulo, o que permitiu o estabelecimento da parceria entre a Sonho Nosso e os serviços públicos de saúde locais e empresas (usinas). Com isso formou-se uma rede de relacionamentos o que possibilitou concretizar o “sonho” de permitir que informação e orientação atinjam à população de cortadores de cana (“boia-fria”).

O projeto permitiu que muitos mitos e paradigmas relacionados ao desenvol-vimento de ações intersetoriais e atividades multidisciplinares fossem superados. Para além da sensibilização, do reconhecimento das vulnerabilidades e do conhe-cimento sobre as DST, as intervenções do projeto ofertaram escuta e acolhimento qualificados aos indivíduos.

O próximo passo do projeto será encarar o desafio da sustentabilidade, por meio do estabelecimento de parcerias fixas com o setor privado. É necessário que os serviços de saúde incorporem a prática da promoção da saúde para os diversos seg-mentos da população, considerando as suas especificidades, valores e princípios.

Referências

ALMEIDA, P. N. Educação Lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. 6 ed. São Paulo: Loyola, 1990.

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST/Aids. Manual de Controle das Doenças Sexual mente Transmissíveis/ Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Brasília: Ministério da Saúde. 2006.

BECKER, B. K. Amazônia. São Paulo: Editora Ática. 1990.

Page 97: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

96

CANELLA, P. Possível Evolução das DST – Uma História Incompleta. In: Dessetolo-gia, DST 5; 5ªed. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 2005.

FONSECA, M.G.; SZWARCWALD, C.L.; BASTOS, F.I. Análise sociodemográfica da epidemia de Aids no Brasil, 1989-1997. Rev Saúde Pública, 2002; v.36, n.6, p.678-85.

GALVÃO, J. 1980-2001: uma cronologia da epidemia de HIV/AIDS no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: ABIA, 2002.

MIRANDA, A.E.; GADELHA, A. M.J; SZWARCWALD, C.L. Padrão de comportamen-

to relacionado às práticas sexuais e ao uso de drogas de adolescentes do sexo

feminino residentes em Vitória, Espírito Santo, Brasil, 2002. Cad. Saúde Públi-ca, 2005, v. 21, n.1, p.207-216.

PELCZAR JR.; MICHAEL, J.; CHAN, E. C. S.; KRIEG, N. R. Microbiologia: conceitos e aplicações. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1996.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Relação Anual de Informações Sociais

- RAIS, Brasilia-Distrito Federal, 2006.

REIS, C.T.; CZERESNIA, D.; BARCELLOS, C.; TASSINARI, W.S. A interiorização da

epidemia de HIV/AIDS e o fluxo intermunicipal de internação hospitalar na

Zona da Mata, Minas Gerais, Brasil: uma análise espacial. Cad. Saúde Pública,

2008, Rio de Janeiro, v.24, n.6, p.1219-1228.

SILVA, R. Setor Sucroalcooleiro no Estado de São Paulo: Mensurando Impactos Só-

cio-Econômicos; Observatório do Setor Sucroalcooleiro, Anais: 1º Workshop

do Observatório do Setor Sucroalcooleiro, Ribeirão Preto-SP, 10/04/2008.

SZWARCWALD, C.L.; BASTOS, F.I.; ESTEVES, M.A.P.; ANDRADE, C.L.T. A dissemi-

nação da epidemia da AIDS no Brasil, no período de 1987-1996: uma análise

espacial. Cad. Saúde Pública, 2000, Rio de Janeiro, v.16, Sup. 1, p.7-19.

TONETO JR, R.; LIBONI, L.B. Mercado de Trabalho da Cana de Açúcar; Observatório

do Setor Sucroalcooleiro, Anais: 1º Workshop do Observatório do Setor Sucro-

alcooleiro, Ribeirão Preto-SP, 10/04/2008.

ÚNICA. Portal da União da Agroindústria Canavieira. São Paulo, 2008. Disponível

em: www.unica.com.br, Acesso 2 março 2008.

Page 98: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

97

Page 99: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Promovendo a prevenção às DST/AIDS em unidades de privação de liberdade de

adolescentes: adolescentes diferentes, porém iguais na prevenção

TABA – Espaço de vivência e convivência

Kelly Vanessa Kirner61

Ricardo de Castro e Silva62

O Projeto “Adolescentes diferentes, porém iguais na prevenção” foi desenvol-vido pela ONG TABA – Espaço de vivência e convivência, entre os anos de 2008 e 2010. Seu objetivo foi promover dentro das unidades de internação da Fundação CASA (ex-Febem) em Campinas, a atenção e o atendimento referente a prevenção às DST/Aids junto aos adolescentes que estão cumprindo medidas sócioeducativas de internação.

A TABA vem desenvolvendo há anos projetos e ações no campo da preven-ção e utiliza como metodologia de trabalho a participação de jovens e adolescentes enquanto sujeitos de suas próprias ações. Investe-se nos jovens para que eles sejam capazes de reeditar sua própria história, a partir de sua realidade, fonte de reflexão para um trabalho educativo com seus pares.

Esta especificidade do trabalho da TABA se contrapôs à forma de atuação es-tabelecida pela Fundação CASA, ex-Febem. Em função do método diferenciado, o desenvolvimento de oficinas junto aos jovens foi um desafio para a ONG. Aos pou-cos os profissionais da CASA foram capacitados nesta nova abordagem.

O projeto foi executado a partir de duas ações principais: a) oficinas de arte educação junto aos adolescentes internos, com diversas linguagens artísticas (gra-fite, desenho, teatro e música), por meio do desenvolvimento de temáticas relacio-nadas ao cuidado de si, prevenção às DST/Aids, drogas, prazer e temas correlatos levantados durante o trabalho; b) realização de capacitações para profissionais de diversas funções, com ênfase para os trabalhadores das áreas da segurança e servi-ços de saúde municipal.

61 Kelly Vanessa Kirner ([email protected]) é antropóloga, especialista em Gestão do Terceiro Setor, coordena-dora de desenvolvimento institucional da TABA - Espaço de vivência e convivência do Adolescente, coordenadora do projeto Adolescentes Diferentes porém Iguais na Prevenção.62 Ricardo de Castro e Silva ([email protected]) é psicólogo, especialista em Saúde do Adolescente e Doutor em Educação, coordenador pedagógico da TABA – Espaço de vivência e convivência do Adolescente e do Projeto Adolescen-tes diferentes porém iguais na prevenção.

Page 100: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

99

Durante as atividades, os educadores foram orientados a reconhecer os direi-

tos e necessidades dos adolescentes internos no que se refere ao acesso ao preserva-

tivo, uma vez que é sabido de práticas sexuais dentro das unidades socioeducativas.

Este reconhecimento mobilizou alguns profissionais em relação a disponibilização

de preservativo em uma das unidades trabalhadas. No entanto, sua efetivação foi

impossibilitada por questões institucionais.

Ao longo de nosso trabalho observamos que a estrutura de atenção à saúde

para jovens nas unidades da Fundação CASA eram limitadas. Identificou-se uma

relação tensa entre a Fundação e a Secretaria Municipal de Saúde, sobretudo na área

da saúde mental. Por outro lado, observamos em 2010 mudanças importantes, por

exemplo, um melhor fluxo para atendimento dos adolescentes nos centros de saúde

e o aumento de cargos na Fundação na área da saúde (enfermeiros, dentistas e mé-

dicos clínicos gerais).

Para melhorar ainda mais o atendimento aos jovens foram firmados entre o

município, a Fundação CASA e o Ministério da Saúde convênios para cooperação e

recursos para ampliação do número de profissionais da saúde para o atendimento

aos adolescentes. Nos sentimos parte desse processo de transformação da atenção à

saúde do adolescente dentro das unidades da Fundação CASA de Campinas.

Fig. 1 – Oficinas na Fundação CASA

Page 101: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

100

Oficinas de arte educação junto aos adolescentes

Nas ações desenvolvidas junto a mais de 210 adolescentes internos foram realizadas oficinas de diversas modalidades artísticas: grafite, teatro e música. Nas oficinas de grafite, por vezes, os temas relevantes ao projeto ficavam esquecidos. Os meninos queriam fazer, produzir, desenhar, pintar – era o único momento do dia no qual poderiam fazer algo prazeroso. No entanto, um tema destacou-se: Drogas, por que usar drogas? O que a droga faz comigo? A droga mata? Não consigo parar de usar drogas! Abstinência da droga!

Na oficina de teatro, a arte educadora contou com a colaboração e participa-ção dos profissionais das unidades e com o acompanhamento dos “agentes educa-cionais”. Os temas foram apresentados através das conversas sobre sexualidade, cor-po do homem e da mulher, prazeres, relações sexuais, uso de drogas, gênero e saúde.

O teatro inicialmente não atraía os meninos. Para eles era coisa de menina, tinham vergonha, não se imaginavam participando de peças. Percebeu-se que os adolescentes gostavam de conversar sobre as práticas sexuais. Com isso, reformu-lou-se as propostas de atividades dessa oficina. Os participantes produziram másca-ras em gesso para utilizarem em apresentações públicas, preservando sua identida-de. Foram produzidos contos eróticos e o diálogo sobre a prática e a saúde sexual foi estabelecido entre os jovens. Esta atividade que começou tímida, acabou por atingir plenamente os objetivos do projeto.

As oficinas de música foram desenvolvidas nos primeiros e nos últimos meses do projeto. Foi interessante observar a relação que os adolescentes faziam entre os temas das músicas e os já trabalhados nas oficinas de teatro e grafite. As oficinas pro-moveram encontros e descobertas. Um profissional da área de segurança, que envol-veu-se com a oficina, foi além de seu papel e descobriu-se como educador e músico. Os adolescentes mantiveram sua relação de respeito em relação ao profissional.

Cantar de forma despreocupada fez os meninos refletirem sobre suas vidas, pensarem em suas vulnerabilidades. Observou-se que as oficinas abriram portas para os jovens para novos amigos e possibilidades.

Formação dos profissionais das unidades da Fundação CASA

A formação dos profissionais da Fundação CASA teve como principal foco ampliar o olhar em relação à saúde do adolescente e estimular os profissionais a repensarem sua atuação e sua visão sobre a saúde e a sexualidade desta população. A atualização abrangeu desde os agentes de segurança até os coordenadores de uni-dade. Foram apresentados e discutidos temas relacionados ao trabalho com adoles-centes, além de propostas para oficinas incentivando os profissionais da segurança sobre seu papel de educadores frente aos meninos. Participaram dessas formações 118 funcionários das unidades CASA Rio Amazonas, CASA Maestro Carlos Gomes, CASA Jequitibás, NAISA e Centro Saúde Jardim São Marcos.

Page 102: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

101

Durante a formação, os funcionários explicitaram as dificuldades do trabalho nas unidades. Em diversos momentos ocorreram debates sobre as possíveis formas de trabalho de prevenção às DST/Aids. Percebeu-se a diferença de ideias e posições sobre os métodos de prevenção às DST/Aids.

Durante oficina sobre a visita íntima foi realizado um tribunal simulado, com conselho de jurados e advogados de defesa. O resultado foi contrário a visita ínti-ma. As justificativas da defesa e da oposição eram iguais. O argumento é de que a Fundação, por deter a tutela do adolescente, considera-se igualmente responsável pelo corpo do mesmo. Portanto, preocupa-se com a gravidez ou DST que os jovens possam desenvolver. Ao final de cada turma foram entregues Kits de materiais edu-cativos e pedagógicos para os profissionais das unidades, para que eles pudessem continuar desenvolvendo as ações apresentadas nas capacitações.

Nossos princípios de atuação

Mais do que métodos é importante falar dos princípios que fundamentaram a atuação com o grupo de profissionais e com os adolescentes. Estes foram:

O respeito e a valorização do ser humano e de sua capacidade de pensar, re-fletir sobre sua realidade, ter uma visão crítica sobre as questões macro e micro. Isto é questões relacionadas à cultura e sociedade e questões pessoais, individuais de seu cotidiano. A cada instante, novas informações e novos acontecimentos desenca-deiam mudanças pessoais e sociais. Acompanhar este ritmo é função do educador. A função do educador é provocar, fazer pensar e refletir.

Pessoas são sujeitos de direitos e de compromissos pessoais e sociais, ao mesmo tempo estão sujeitos a estes. A cultura ocidental estabelece a possibilidade de cidadãos conquistarem direitos humanos, sociais, políticos e individuais. Diante de toda e qualquer situação de discriminação, violência (em suas múltiplas formas), e risco de vida, todos e todas têm o direito de se organizarem socialmente para exer-cerem sua função como cidadão.

Participação social juvenil. Todo ser humano e, portanto as crianças e os adolescentes/jovens, têm a necessidade de constituir marcas e produções no mun-do, conferindo sentido e significado às suas vidas. O que observamos no caso da adolescência e juventude é o descaso e abandono, fortalecendo a cultura “de sobre-vivência”, de “salve-se quem puder”. Este processo começa nas creches abarrotadas, passa pelas escolas autoritárias e desinteressantes, que cumprem a função de “de-pósito”, a família sem condições de garantir o mínimo para os seus filhos, projetos sociais que se iniciam e depois são interrompidos. Não construímos e nem cons-tituímos uma rede de defesa e proteção dos direitos da criança e do adolescente, definido como obrigação do Estado e da sociedade civil. Enquanto não assumirmos nossos deveres como Estado e como geração, os jovens institucionalizados serão di-zimados na medida em que colocamos neles e em suas famílias a responsabilidade e culpa que também deve ser compartilhada com a sociedade.

Page 103: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

102

O prazer como constituição de vida. O ser humano, para a constituição de

sua saúde, necessita de prazer em sua vida. Ao longo do desenvolvimento devemos

encontrar diferentes formas de prazer, o que possibilita o fortalecimento do que cha-

mamos de mundo interno e a possibilidade de ver o mundo como um lugar viável e

positivo. Na adolescência e juventude isso também ocorre, e cabe ao mundo social

e adulto promover possibilidades de experiências de prazer, sem riscos de vida. É

preciso oferecer aos jovens e adolescentes lugares e momentos prazerosos e seguros.

Neste projeto procuramos trabalhar com estes princípios. Com os(as)

educadores(as), efetivamos ações no sentido de comprometê-los como

educadores(as). Nos grupos e oficinas de adolescentes, sempre se respeita sua voz,

a opinião e a liberdade de pensamento. Desenvolvemos também uma ação com os

grupos de familiares, e pudemos aliviar o peso de “ter que dar conta” de jovens e

suas precárias condições financeiras, sociais e afetivas. Uma frase que ouvimos com

frequência: “perdi meu filho para a rua e para o tráfico”. Podemos dizer para estas

famílias: perdemos uma geração de pessoas dignas e potentes. Matamos nossos me-

ninos e meninas.

Apesar da descontinuidade de financiamento para o projeto, a TABA mantém

uma estreita relação com a Fundação CASA, tanto na assessoria pedagógica como

na execução direta de atividades. Em 2011 foi realizada, pela primeira vez, uma con-

ferência de direitos de crianças e adolescentes dentro das unidades da Fundação,

com a participação de todos os adolescentes internos, através de atividades organi-

zadas pelos mesmos. Os adolescentes internos também têm participado de grupos

de formação de educadores sociais promovidos pela TABA, fora das unidades, e re-

aplicado oficinas de direitos, saúde e autonomia social dentro e fora das unidades.

Acreditamos que o desenvolvimento desse projeto produziu uma mudança im-

portante na Fundação CASA, na postura dos profissionais e na ampliação das possibi-

lidades dos adolescentes internos. Avaliamos o impacto dessas ações junto aos ado-

lescentes que delas participaram ao recebê-los na TABA após sua saída da instituição.

O modelo de atuação da Fundação CASA já vem sendo discutido há anos. É evi-

dente a necessidade de revisão de métodos e princípios adotados. A participação qua-

lificada da sociedade civil organizada é importante para a atualização das instituições.

Page 104: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

De olho no futuro Associação Sítio Agar

Antonius Gerardus Maria Van Noije63

Jussara Maria da Silva Costa Possebon64

Márcia Freitas Sória Ferreira65

“Aqui as crianças crescem para conquistar o mundo.”

Muitas crianças e adolescentes tem suas vidas marcadas por diferentes tipos de violência e abandono, o que gera sequelas no seu desenvolvimento intelectual e emocional. A perda do pai ou da mãe implica muito mais do que apenas o desapare-cimento de uma pessoa que cuida. Ela permeia todos os aspectos da vida: bem-estar emocional, segurança física, desenvolvimento mental e saúde em geral.

Alguns fatos vivenciados nesse período, se não forem elaborados, podem difi-cultar a construção de vínculos afetivos duradouros. Através da terapia elas poderão reconhecer e elaborar suas histórias de vida e assim encontrar formas saudáveis de construir um projeto de vida para o futuro, no qual não se repita, o ciclo de violência e abandono vividos.

O objetivo do projeto é o de possibilitar às crianças e adolescentes soropositi-vos uma boa qualidade de vida, oferecendo-lhes um ambiente saudável e acolhedor, respeitando e acatando todos os seus direitos. Visa ainda proporcionar dignidade, conforto, carinho e proteção, preparando-os para um futuro promissor a partir da formação intelectual, educacional, política e religiosa, a fim de que possam convi-ver e exercer todos os direitos e deveres enquanto cidadãos. Pretende-se também, quando possível, propiciar o retorno à família de origem ou a inclusão em família substituta (adoção).

Faz parte da estratégia o atendimento psicoterápico para as crianças e ado-lescentes, orientação e suporte emocional aos familiares e assessoria psicológica aos educadores. O trabalho de atendimento psicoterápico é desenvolvido sema-nalmente e possibilita aos acolhidos um espaço de discussão e reflexão sobre suas dificuldades, preconceitos, estigma da morte, mitos e crenças sobre a Aids, abando-no, sexualidade, família, dentre outros. Essa abordagem é decisiva para que tanto os acolhidos quanto os profissionais se sintam mais preparados para lidar com a delicada questão do HIV, bem como conviver melhor no abrigo, com a família e até mesmo com a soropositividade .

63 Antonius Gerardus Maria van Noije ([email protected]) é missionário e presidente da Associação Sítio Agar.64 Jussara Maria da Silva Costa Possebon ([email protected]) é pedagoga, coordenadora e supervisora do proje-to Sonho Nosso.65 Márcia Freitas Sória Ferreira ([email protected]) é assistente social, coordenadora do projeto Sonho Nosso.

Page 105: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

104

A participação em atividades externas junto a comunidade, ajuda-os a perce-ber que todos são iguais e que todos no decorrer da vida enfrentam desafios, como preconceito, doenças, família etc. O círculo de amizade fora do abrigo também per-mite-os vivenciar diferentes modelos de configuração familiar e possibilita o enri-quecimento de experiências. Assim a aproximação e a construção dos vínculos com a família biológica ou a adoção, quando possível, é como água fresca da fonte em dia de calor. Nesse sentido o projeto se torna eficaz, contribuindo para a construção de um plano de vida.

O projeto é contínuo, desafiante e necessário. Nosso grande passo, com a aju-da da Rede Social e Fórum, é buscar ativamente as famílias que há anos deixaram seus filhos no abrigo.

Destinos mudados

“Abrigo, um cobertor com cheiro de AMOR”

“Quando cheguei ao abrigo, há muitos anos atrás era para ter um teto. Muito rebelde, minha família não queria cuidar mais de mim. Eles nunca me chamaram de filho ou de João. Minha mãe era doente de AIDS e eu portador do vírus. Ela nunca se cuidou e eu como ela também queria mor-rer . Queria ter uma mãe, um pai mas ninguém me deu. Chamei atenção para ser corrigido mas faltou o Tapa dado com AMOR. Cheguei ao abrigo com a roupa do corpo e um velho cobertor, com o cheiro de minha mãe. Todos achavam um lixo, mas é a única lembrança dela. Viver no abrigo não foi fácil, sofri muito, mas com a ajuda de todos percebi que o proble-ma estava comigo. Até entendi minha família. Descobri que o Abrigo não é só um teto, mas que pode ser um cobertor com cheiro de amor.”

O caso acima é um dos resultados do projeto de Olho no Futuro da Associa-ção Sitio Agar, organização não governamental que acolhe crianças e adolescentes que vivem com HIV/Aids . Em pouco mais de duas décadas, 169 pessoas passaram pela instituição, uns ainda bebês, outros adolescentes. Destes, 83 registraram carga viral indectável, foram adotados e não desenvolveram a doença, pois foram manti-dos os cuidados médicos necessários.

Isso é possível entre os filhos de mulheres soropositivas que recebem trata-mento médico especializado e carinho desde o nascimento, um fenômeno que tem se verificado especialmente entre bebês encaminhados para adoção em tenra idade. O Sítio Agar também alcança esse resultado com crianças que ainda permanecem na instituição, demonstrando a qualidade do trabalho desenvolvido pela equipe. Dos demais, 26 retornaram a família de origem, ocorreram 18 óbitos, 2 transferên-cias para outra entidade, 7 adoções (soropositivos) e 3 completaram a maioridade. Uma se casou e tem filhos (gêmeos) e 3 jovens residem no projeto Casa dos Adoles-centes, um deles é o autor do relato acima.

Page 106: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

105

Page 107: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Malhação Vida Nova – Uma experiência pioneira contra a lipodistrofia

Instituto Vida Nova – Integração social, educação e cidadania

Américo Nunes Neto66

Jorge Eduardo Reyes Rodriguez67

Caio Dervage68

Edson Timóteo69

Paulo Roberto Giacomini70

O projeto Academia Malhação Vida Nova é uma experiência inovadora do Ins-tituto Vida Nova – Integração Social, Educação e Cidadania (IVN), que promove assis-tência, prevenção e atividades dirigidas às pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIVA). Essa experiência foi desenvolvida com o objetivo de prevenir e minimizar os efeitos colaterais e adversos dos antirretrovirais que causam a lipodistrofia71, melhorar a au-toestima, proporcionar melhor qualidade de vida e adesão aos medicamentos.

O projeto foi criado em abril de 2006, a partir da identificação da necessidade de realização de um trabalho com essa perspectiva, até então inexistente na instituição.

Em meados de 2005, percebemos que algumas PVHIVA estavam com sinais de lipodistrofia, mas não havia nenhuma ação para minimizar seus efeitos. Idealiza-mos uma proposta de atividade física que fosse realizada na instituição. Por ser um trabalho inovador, o começo foi muito difícil. Além disso, as referências nacionais eram praticamente inexistentes, os resultados dos estudos eram inconclusivos e o preconceito era grande. Depois de elaborado, o projeto foi submetido ao Programa Municipal de DST/AIDS de São Paulo, que o financiou por dois anos. A partir de 2008, o projeto passou a ser financiado pelo Programa Estadual de DST/AIDS de São Paulo.

No início, sem conhecimento e experiência em relação a prática de exercícios físicos voltados as PVHIVA, ocorreram alguns equívocos. Adquiriu-se equipamen-tos impróprios para a prática diária de exercícios (esteiras, bicicleta ergométrica,

66 Américo Nunes Neto ([email protected]) é coordenador do Projeto Academia Malhação Vida Nova.67 Jorge Eduardo Reyes Rodriguez ([email protected]) é presidente do Instituto Vida Nova.68 Caio Dervage ([email protected]) é educador físico pela Unicastelo, graduado em Educação Física pela Uni-castelo e orientador físico da Academia Malhação Vida Nova.69 Edson Timóteo ([email protected]) é educador físico pela Unicastelo, especialista em Fisiologia do Exercício pela Unifesp e orientador físico da Academia Malhação Vida Nova.70 Paulo Roberto Giacomini ([email protected]) é jornalista, mestre em Ciências pelo ICICT/Fiocruz e cola-borador do Instituto Vida Nova.71 Perturbação no metabolismo das gorduras corporais, que resultam em acúmulo de gordura na metade inferior do corpo ou redução de gordura subcutânea na face, e em regiões acima da pélvis, face. http://www.infopedia.pt/termos--medicos/lipodistrofia)

Page 108: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

107

Figura 1 – PVHIVA praticam atividades físicas na Academia Malhação Vida Nova (fotos: Américo Nunes Neto)

halteres, colchonetes, espelho, aparelho de som, balança e adipômetro). A partir de 2008, aparelhos indicados e específicos para a população atendida foram incluídos. A Academia Malhação Vida Nova torna-se a primeira experiência realizada por uma ONG voltada para PVHIVA com lipodistrofia no país.

Para a seleção de instrutores, entramos em contato com os coordenadores da Faculdade de Educação Física da Universidade Camilo Castelo Branco (Unicastelo), enviamos anúncio de seleção e recebemos 17 currículos. Entrevistamos todos os es-tudantes do último ano de Educação Física que responderam ao anúncio.

Na seleção, além de entrevistas, também foi realizada uma capacitação de 12 horas (um dia e meio) sobre transmissão do HIV e suas formas de contágio, conheci-mento sobre lipodistrofia, questões sobre estigma, preconceito, discriminação e con-vivência com PVHIVA. O processo de entrevista e treinamento teve duração de três meses.

Nesse período, nos preocupamos em elaborar um roteiro com questões sobre habilidades pessoais, interesse, grau de conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis (DST)/HIV/AIDS e se a pessoa já havia desenvolvido algum trabalho voluntário. Para cada item foi estabelecida uma pontuação. Os que obtiveram mais pontos permaneceram no processo. A avaliação era realizada também a partir de con-versas informais, visando identificar se havia sensibilização em relação às questões específicas das PVHIVA, homossexuais e dependentes químicos. Observou-se tam-bém o grau de interesse e disponibilidade, pois se pretendia manter um bom nível em relação a pontualidade, execução das atividades e tarefas.

A metodologia de trabalho foi desenvolvida a partir das necessidades de cada PVHIVA. Os professores de educação física necessitaram obter maior conhecimento

Page 109: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

108

sobre a lipodistrofia para poder determinar a intensidade dos exercícios que prescre-veriam. Não haviam experiências anteriores descritas para exemplificar tais ações.

No dia a dia, por meio de avaliações físicas, foi possível identificar as neces-sidades de cada PVHIVA e avaliar caso a caso. Assim, foi estabelecido um método para desenvolvimento das atividades e de avaliação física dos praticantes.

Foi possível identificar e diferenciar a lipodistrofia, a obesidade mórbida, dis-túrbios metabólicos (triglicérides, colesterol, hiperglicemia). Deste modo, o trabalho foi considerado efetivo, consistente e de qualidade.

Quem chega ao Instituto Vida Nova, em busca de informações sobre a aca-demia, preenche uma ficha, cujas informações são avaliadas. Por que procurou a academia? É uma das perguntas a serem respondidas.

Várias pessoas buscam ajuda para resolver problemas relacionados a oste-oporose, triglicérides, colesterol. Poucas PVHIVA respondem que buscam solução para lipodistrofia. Explicamos aos interessados que o projeto é voltado a minimiza-ção de efeitos colaterais do tratamento antirretroviral, no caso a lipodistrofia.

Para frequentar a academia é preciso que a PVHIVA traga um laudo médico, atestando sua aptidão para atividades físicas, além de informações sobre CD4, carga viral, triglicérides e colesterol.

Semestralmente é realizada uma avaliação corporal geral dos participantes, que inclui as medidas das circunferências e dobras de sete pontos do corpo: coxa, tríceps, medial axilar, peitoral, abdominal, supra-ilíacas (culotes) e subescapular (costas). Essas medidas são protocolares e referem-se à população geral, pois não há protocolo específico para avaliação física de PVHIVA. Ainda que preliminar, o proto-colo criado permite avaliar o corpo e identificar pontos de lipodistrofia. As dobras do tronco das PVHIVA geralmente têm gordura em excesso, ao mesmo tempo em que observa-se perda de gordura e de massa muscular nos braços e nas pernas.

A partir do laudo médico e da avaliação física é elaborado um programa de atividade individualizada para cada PVHIVA. São programas personalizados, pois as pessoas tem perfil e necessidades diferenciadas. Há aquelas com traços de obesida-de, outras com sinais de desnutrição e ainda as que apresentam deficiências físicas ou motoras. A cada seis meses, as PVHIVA são avaliadas.

Verificamos que o trabalho individual aliado ao grupal (a integração e a afeti-vidade), vinculam o praticante a instituição.

Os interessados recebem orientações sobre normas e regras de participação que vão do número de faltas à advertência. A frequência mínima, por exemplo, é de duas vezes por semana. O projeto também proporciona atividades complementares, como fisioterapia, suporte psicológico, aula de dança, acupuntura, participação em ativida-des externas de atletismo, cultural, oficinas sobre a lipodistrofia, adesão e nutrição.

Atualmente, o Instituto Vida Nova tem parceria para realização de estágios com a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH- USP Leste) e com o Centro de Reabilitação e Educação Nutricional - CREN, organização não governamental que oferece suporte aos praticantes com orienta-ções e oficinas sobre nutrição.

Page 110: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

109

Fig. 2 – Na academia, participantes praticam exercícios

Outra atividade que faz parte do projeto é o “Dia Saudável”. Trata-se de uma proposta de integração com familiares e a comunidade, que consiste em um dia in-teiro de atividades físicas, lúdicas e recreativas, desenvolvidas em parceria com ou-tras instituições. A atividade envolve os praticantes, um de seus familiares e toda a equipe do IVN.

A cada seis meses, a coordenação se reúne com os participantes, sem os ins-trutores. Essa reunião tem por objetivo avaliar o desenvolvimento pessoal, a inte-gração da turma, a relação aluno e professor, além de colher críticas e sugestões. Bimestralmente, a coordenação e equipe técnica se reúnem para discutir o desen-volvimento do projeto.

Os educadores do Instituto Vida Nova, além de desenvolverem atividades técnicas, tradicionais voltadas para a academia, também atuam de modo lúdico, promovendo festas e atividades externas.

No início da academia, havia apenas cinco turmas: quatro para adultos e uma para crianças de 8 a 12 anos. Esta foi interrompida devido a discordância dos pais em relação ao protocolo da instituição. Os pais queriam que os filhos fizessem mus-culação, atividade contraindicada para crianças em fase de crescimento.

Havia transporte para buscar as crianças em casa, na tentativa de reduzir suas faltas. A estratégia não atingiu os resultados esperados. As crianças chegavam can-sadas, desmotivadas e em cima da hora. Esta turma encerrou-se por falta de alunos.

Page 111: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

110

Os pontos altos do projeto foram: a manutenção e a elevação da contagem de

CD4 aliada a queda da carga viral, o estabelecimento de novos vínculos e maior afeti-

vidade, além de melhora da autoestima, socialização, aumento do autocuidado, ade-

são ao medicamento, nutrição balanceada, maior nível de informação sobre a lipo-

distrofia, maior interesse no tratamento médico e na busca de direitos. Houve também

melhora no aspecto motor, no condicionamento físico e na capacidade cardiovascular.

Percebemos que a PVHIVA que praticam atividade física regular ganham

massa muscular, conseguem manter a lipodistrofia e a composição corporal sob

controle. Além disso, há relatos de melhoria da qualidade do sono e do desempenho

sexual.

O resultado do projeto foi considerado positivo, pois mesmo sem oferecer

cesta básica ou vale-transporte, a frequência média às aulas foi de 70%, com pessoas

provenientes de todas as regiões da cidade. As PVHIVA que aderiram ao projeto ob-

tiveram resultado clínico e estético positivo, e estabeleceram novos vínculos.

Aos poucos, a Academia Malhação Vida Nova tornou-se referência nacional e

internacional. Em 2006, o projeto foi finalista do 3º Prêmio AIDS e Responsabilidade

Social – Saúde Brasil. Em 2007, obteve o 1º lugar no Prêmio Nacional de Adesão do

então Programa Nacional de DST/AIDS. A academia recebeu a imprensa interna-

cional e comitivas de ONG da China e de Angola. O Departamento de DST e AIDS

do Ministério da Saúde também esteve no Instituto Vida Nova e fez uma reportagem

para Resposta+, revista distribuída em conferências internacionais sobre Aids.

Atualmente, o Instituto recebe várias solicitações para prestar consultoria

sobre o tema. A RNP+ Médio Paraíba, do Rio de Janeiro, foi a primeira a requisitar

nosso know-how. Todas as solicitações são atendidas. No estado de São Paulo já há

outras academias vinculadas às ONG.

Em 2011, o Programa Municipal de São Paulo implementou projetos simila-

res em alguns Serviços de Assistência Especializada (SAE). O Programa Municipal

de Guarulhos também recorreu ao Instituto para auxilio na implantação de uma

academia no serviço.

Para as PVHIVA, a atividade física é tão importante quanto os antirretrovirais.

Cerca de 350 pessoas já passaram pela academia do Instituto Vida Nova. Atualmen-

te, 96 PVHIVA praticam atividades físicas em cinco turmas, algumas delas estão no

grupo desde o início do projeto. As veteranas incentivam as novatas e são a prova

viva de que a prática de exercícios é fundamental.

Parte III

Page 112: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

Lições aprendidas, perspectivas e desafios na articulação com a sociedade civil

Renato Barboza72

Valéria Nanci Silva73

O presente capítulo analisa a trajetória do processo de articulação entre a Co-ordenação Estadual DST/AIDS de São Paulo (CE DST/AIDS) e as Organizações Não Governamentais (ONG) e apresenta um balanço dos principais avanços e desafios trilhados na construção da resposta paulista, e as perspectivas atuais dessa interface para o controle da epidemia.

No final da década de 70 e início dos anos 80, na transição política do regi-me militar para o democrático, os movimentos sociais brasileiros ganharam desta-que, suas reivindicações por direitos foram inscritas na nova Constituição de 1988 (GOHN, 2004). No campo da saúde, o movimento da Reforma Sanitária corroborou para o processo de redemocratização do país e reorganização do sistema de saúde, com a posterior implantação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Neste período, os movimentos sociais e as Organizações Não Governamentais sofreram profundas mudanças no que se refere ao foco de atuação e as estratégias de organização e mobilização comunitária. As manifestações de rua diminuíram, houve a organização de grupos com reivindicações diversas, seja por categoria profissional (educação e saúde), temas específicos (indígenas, mulheres, negros etc) e outros glo-bais (ecologia), todos buscando a efetivação ou ampliação de direitos (GOHN, 2004).

Nos anos 80, no campo do HIV/AIDS, os militantes responderam a crise das relações sociais abaladas pela AIDS, buscaram dar respostas a epidemia com a pro-pagação de informações, mas a ação principal foi a de acolher as pessoas acometi-das pela AIDS. As respostas foram impulsionadas integrando esforços de pessoas vivendo com HIV/aids (PVHIVA), seus familiares e amigos, as quais se transforma-ram em ativistas, dos profissionais de saúde, dos pesquisadores e das lideranças de outros movimentos sociais.

No âmbito da Secretaria de Estado da Saúde (SES), a implantação do Progra-ma Estadual de AIDS, em 1983 resultou das demandas vocalizadas primeiramente por militantes do movimento homossexual (grupos “Somos” e “Outra Coisa”), aco-lhidas pelo poder público. Desse modo, a articulação com a sociedade civil consti-tuiu-se em um dos pilares da resposta paulista ao enfrentamento da epidemia do HIV/Aids. Tal integração propiciou “as condições necessárias para que o estado in-

72 Renato Barboza ([email protected]) é cientista social, mestre em Saúde Coletiva, pesquisador científico V do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids da Universidade de São Paulo (NEPAIDS/USP).73 Valéria Nanci Silva ([email protected]), psicóloga, mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades da USP e técnica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids.

Parte III

Page 113: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

112

corporasse as demandas sociais e as traduzissem em políticas de saúde desenhadas e planejadas em conformidade com as necessidades da população” (GRANGEIRO; SILVA; TEIXEIRA, 2009, p.93).

A nova conjuntura política da década de 1990 mostrou a importância de mo-vimentos sociais mais propositivos e com uma cultura política baseada em valo-res educacionais e culturais, formatados como organizações sociais (GOHN, 2006). Assim, a experiência dessas organizações propicia “a capacidade de fazer sínteses, previsões, desenhar resultados (...). E os movimentos sociais são o espaço, por exce-lência, da inovação, da criatividade” (GOHN, 2006, p. 323).

A sociedade civil foi responsável pelas primeiras ações de prevenção ao HIV/Aidse atuou na propagação de informações entre os pares e com a população geral, e no desenvolvimento de tecnologias inovadoras.

A luta no campo da Aids também contemplou reivindicações por justiça so-cial e efetivação de direitos, sobretudo no combate ao preconceito, à homofobia, ao racismo e à estigmatização de grupos sociais. O ativismo dos atores envolveu a co-nexão com redes nacionais e internacionais e possibilitou a expressão das pessoas vivendo com HIV/aids (CÂMARA, 1998).

Segundo Gohn (2006), os movimentos sociais passaram a direcionar suas ações para as questões éticas e da vida humana com base na solidariedade e as-sumiram uma posição diferente da década de 1980, baseada em projetos político-partidários. Assim, a ação social coletiva perdeu o formato de movimento social e passou a atuar em grupos organizados com a constituição formal de Organizações Não Governamentais (ONG), inseridas no terceiro setor e “voltadas para a execução de políticas de parceria entre o poder público e a sociedade, atuando em áreas onde a prestação de serviços sociais é carente ou até mesmo ausente” (GOHN, 2004, p. 7).

Entre as vozes que advogavam em prol do enfrentamento da epidemia nas décadas de 1980 e 1990, inúmeras ONG/Aids nasceram conformando um campo singular de atuação, funcionamento e propósito, diferente dos movimentos sociais, grupos de autoajuda e demais Organizações Não Governamentais, existentes até então, construindo “um novo cenário associativo” (CÂMARA, 2002, p.61).

Neste contexto, o período de 1985 a 1989 são denominados como “anos he-roicos (...) por envolver uma diversidade de iniciativas, muitas delas estruturadas na atuação mais pessoal que institucional, e com boa parte das organizações traba-lhando em base voluntária” (GALVÃO, 2000, p. 61). Por outro lado, durante a década de 1990, novas formas de cooperação e parcerias são realizadas, envolvendo desde a formalização de convênios para a execução de projetos, até a participação em co-mitês técnicos e políticos no Ministério da Saúde (GALVÃO, 2000).

Gohn (2006) enfatiza o incremento das transferências de recursos governa-mentais para realização de projetos de ONG, em especial aqueles direcionados à intervenção comportamental. Nessa lógica, a partir de 1992 foram iniciados os acor-dos de empréstimo entre o governo brasileiro, sob a gestão do Ministério da Saúde e o Banco Mundial (Projetos AIDS I e II), contemplando a participação das entidades na prevenção, sobretudo junto às populações mais vulneráveis.

Page 114: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

113

Gestão descentralizada dos recursos para projetos de ONG

No contexto da consolidação do SUS, durante as décadas de 1990 e nos anos 2000, houve avanços significativos na gestão descentralizada dos recursos para o fi-nanciamento das ações de prevenção à saúde integral e aos direitos humanos pro-postas pelas ONG, e nas ações programáticas em DST/Aids no estado de São Paulo.

Nesse período, os acordos de empréstimo firmados pelo governo brasileiro junto ao Banco Mundial (Projetos AIDS I e II, 1994 a 2002) e a execução dos pla-nos operativos anuais, colaboraram na estruturação da resposta no âmbito da SES, envolvendo inicialmente 37 municípios estratégicos no controle da epidemia. Após a edição da política de incentivo às DST/Aids em 2002 (BRASIL, 2002), houve um aumento considerável na cobertura dos municípios, perfazendo atualmente, 145 municípios no estado.

Após a descentralização dos recursos efetuada pelo Ministério da Saúde vá-rias Secretarias Estaduais ainda enfrentam dificuldades administrativas, jurídicas e legais para assegurar um processo efetivo e eficaz de gestão e gerência dos recursos destinados ao financiamento das ações da sociedade civil, por meio da Programa-ção Anual de Metas (PAM). Nessa modalidade, cerca de 10% do valor global trans-ferido pelo Ministério da Saúde aos estados devem ser investidos em concorrências públicas para o financiamento das entidades (BRASIL, 2002).

Assim, no país, o financiamento municipal das entidades sociais que rece-bem recursos da PAM ainda é muito restrito, com baixo investimento dos recursos próprios ou do incentivo para essas ações. No entanto, “devido a importância es-tratégica das OSC [Organizações da Sociedade Civil] são necessárias medidas para garantir que o processo de descentralização não represente um impacto negativo no curso da epidemia” (GRANGEIRO, 2012, p.973).

Nesse cenário é preciso considerar que desde a década de 1990, no âmbito fe-deral, a inserção da política de DST/Aids e o financiamento das ONG passaram por mudanças significativas que implicaram na revisão dos papéis e das responsabilida-des dos gestores. Os resultados alcançados com os projetos viabilizados pelo acordo de empréstimo do Ministério da Saúde com o Banco Mundial e posteriormente com o processo de descentralização dos recursos em 2002, intensificaram a transferência dos recursos da União para os estados e municípios e a adequação do financiamento às normas do SUS (BRASIL, 2002).

Essa política ainda está em vigência e sua execução demanda dos gestores um olhar e uma posição mais apurada sobre os novos desafios programáticos e os impactos no “nível de institucionalização das ações de ONGs dentro da política go-vernamental” (CAMPOS, 2008, p.88).

Em que pese esses problemas, é mister registrar que na Secretaria de Estado da Saúde a gestão descentralizada dos recursos foi exitosa, provavelmente, em fun-ção da experiência acumulada, fruto das lições aprendidas ao longo dos anos pela equipe da CE DST/AIDS. A implementação, o monitoramento e a avaliação contí-

Page 115: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

114

nua dos projetos de intervenção realizados em âmbito comunitário beneficiaram várias populações. Assim, como as outras modalidades complementares, a exemplo do financiamento de projetos de eventos, fóruns regionais das ONG/Aids e ONG/LGBTT e o apoio ao desenvolvimento e fortalecimento de redes de pessoas vivendo com HIV/aids, essenciais para o envolvimento das pessoas comprometidas com o enfrentamento da epidemia nas várias regiões do estado.

Na ótica da gestão das políticas públicas, houve um avanço significativo na institucionalização dos processos gerenciais operados pela CE DST/AIDS. Como discutido nessa obra, por Silva e Silva (2013) e Silva e Barboza (2013), no período anterior ao ano 2000, o financiamento dos projetos era centralizado no Ministério da Saúde. Posteriormente no novo cenário, a definição, a implementação, o monitora-mento e a avaliação das ações voltadas à articulação com as organizações sociais foi impulsionada por novos desafios, a exemplo da condução das concorrências públi-cas para seleção e financiamento dos projetos.

Para assumir o desenvolvimento dessas novas ações, a CE DST/AIDS envi-dou esforços, incorporando à estrutura a gerência de planejamento e os núcleos de articulação com as organizações da sociedade civil e o de projetos, responsáveis pela coordenação e desenvolvimento das ações e dos processos técnicos, políticos e administrativos na interface com as ONG. Assim, pode-se afirmar que em 2000 foi inaugurada uma etapa inédita e mais complexa na articulação com a sociedade civil, assegurando que os objetivos e os desafios demandados pela descentralização do financiamento fossem efetivamente alcançados.

Inicialmente, novos mecanismos e estratégias foram conduzidos pelas equi-pes da CE DST/AIDS para implantar a primeira concorrência de seleção de proje-tos. Foram definidos e implementados: os editais de seleção com a participação de diversos atores governamentais e não governamentais (Programas Municipais de DST/AIDS, Grupos de Vigilância Epidemiológica, representantes dos Fóruns e das Redes da sociedade civil; os comitês técnicos de pareceristas externos à instituição para avaliação dos projetos; os treinamentos e as oficinas técnicas de elaboração de projetos; os encontros para socialização dos resultados das ações financiadas entre as próprias entidades, gestores governamentais e acadêmicos quanto aos aspectos técnicos, políticos e financeiros; e o monitoramento técnico e financeiro das ações.

Os espaços de pactuação e decisão também foram aprimorados para que as funções gestoras fossem desempenhadas a contento. Criou-se um Grupo de Traba-lho Assessor para a articulação entre governo e as ONG do estado (GT OG/ONG), incorporando-se além dos representantes do Fórum Estadual de ONG/AIDS, a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids (RNP+), Fórum HSH, Movimento Na-cional das Cidadãs Posithivas e o Fórum Paulista de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Tra-vestis e Transexuais.

As definições e recomendações da CE DST/AIDS e do GT OG/ONG foram e ainda são pactuadas no Fórum de Dirigentes do Programa Estadual DST/AIDS, o qual também cresceu significativamente, após a implantação da política de incenti-vo, com o aumento dos municípios, além dos representantes regionais dos Grupos

Page 116: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

115

de Vigilância Epidemiológica e outros parceiros externos ao Setor Saúde. Constata-se nessa trajetória, o quanto a gestão descentralizada das ações exi-

giu estrutura gerencial e incrementou a agenda paulista e as prioridades da política de DST/Aids. Assim, cabe sublinhar que esse grau mais complexo de instituciona-lização do processo de repasse de recursos para ONG foi alcançado graças a uma atuação proativa de todas as gerências da CE DST/AIDS, bem como o esforço de articulação contínua junto as várias coordenadorias do nível central da SES. Essas coordenadorias proporcionaram as condições técnicas e políticas para implemen-tação das ações programáticas voltadas à articulação com as entidades, sobretudo a Coordenadoria de Controle de Doenças e a Coordenadoria de Gestão Orçamentária e Financeira, responsável pelos convênios estabelecidos.

Corroborando com os avanços da gestão descentralizada, constatou-se que a capacidade de alocação e execução dos recursos para o financiamento de ações da sociedade civil foi satisfatória. Das concorrências públicas sob a condução estadual, entre 2003 e 2010, os recursos investidos pela política de incentivo foram crescen-tes e resultaram no financiamento de 542 projetos, como referido por Silva e Silva (2013) nessa obra. Atualmente, não há acúmulo de recursos no Fundo Estadual de Saúde, evidenciando que os valores provisionados e repassados pelo Fundo Nacio-nal de Saúde para o apoio e financiamento de ONGs foi executado à contento.

Em 2009, em consonância com os princípios organizativos do SUS, a SES e a CE DST/AIDS, após discussões densas junto ao GT OG/ONG, implantaram a primei-ra experiência brasileira de descentralização dos recursos para fomento das ações das ONG do Fundo Estadual de Saúde para os Fundos Municipais. Atualmente, esse processo encontra-se em curso em oito Secretarias Municipais de Saúde, sob a ge-rência dos Programas Municipais de DST/Aids, com base em critérios epidemioló-gicos, de gestão, e existência de organizações com capacidade técnica para absorção dos recursos e desenvolvimento de ações em prol do enfrentamento da epidemia, a saber: São Paulo, São Vicente, Sorocaba, Ribeirão Preto, Guarulhos, Piracicaba, Ca-tanduva e Campinas.

A execução dessa estratégia enfrentou dificuldades de ordem técnica, admi-nistrativa e jurídica. No entanto, na maioria das Secretarias Municipais os proble-mas foram superados, sobretudo entre aquelas que assumiram uma atitude mais proativa no envolvimento das equipes administrativas e das próprias entidades res-ponsáveis pelas propostas.

Nos editais anteriores sob gestão estadual, as ONG do município de São Paulo captavam em torno de 60% do valor global de cada processo seletivo. No atual pro-cesso de descentralização, fatores como a estrutura técnica, o conhecimento do fun-cionamento da máquina pública e a articulação estreita com a Assessoria Jurídica do Gabinete do Prefeito e Secretaria Municipal de Planejamento, contribuíram para agilizar os convênios firmados em parceria com as entidades.

Quanto aos demais municípios, destacam-se Sorocaba e Ribeirão Preto, os quais estabeleceram processos na modalidade de “chamamento público” aberto a todas as ONG locais e com o diferencial de promover um debate coletivo das propostas técnicas e da pactuação dos recursos, adequando-os à demanda epide-

Page 117: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

116

miológica local. Cabe ainda sublinhar a participação ativa dos profissionais das áreas admi-

nistrativa e financeira das Secretarias Municipais de Saúde envolvidas, dos repre-sentantes dos Conselhos Municipais de Saúde, dos interlocutores estaduais dos Grupos de Vigilância Epidemiológica, da CE DST/AIDS e dos representantes de Fó-runs e Redes em todas as etapas desse processo de descentralização. A expertise desses atores enriqueceu as discussões e a produção de consensos, propiciando as condições necessárias para a readequação técnica e financeira dos projetos, bem como a racionalização dos recursos.

O diferencial da experiência da descentralização no âmbito municipal de-monstrou que o investimento em processos de trabalho que primaram pela partici-pação ampliada dos atores e com estreita condução do respectivo Programa Munici-pal de DST/Aids foi mais eficiente e eficaz na condução dessa política.

“Nessa perspectiva, a definição de competências na esfera municipal se tor-na mais complexa, na medida em que as relações entre as coordenações de DST/Aids e as ONG que atuam neste campo se estreitam” (BARBOZA, 2013, p.239). Essa situação também tem desdobramentos na incorporação ou não das ações de DST/Aids na agenda municipal de saúde. É fato que esse processo não ocorreu de forma homogênea em todos os municípios e está vinculado, necessariamente, à visibili-dade das ações de prevenção e assistência; à sensibilização contínua dos gestores e da sociedade; e ao amadurecimento das pactuações, com o fato de absorver a com-plexidade desse problema de saúde e dos seus impactos no quadro sanitário local.

“Por fim, a descentralização pode contribuir para a integração e a interlocu-ção entre as organizações governamentais e não governamentais. Porém, convém recomendarmos o aprimoramento dos papéis, das responsabilidades e das relações solidárias entre essas instituições” (BARBOZA, 2013, p.242). Faz-se necessário atuar na gestão da política de DST/Aids, desenvolvendo processos sinérgicos que envol-vam todos os atores estratégicos, governamentais e não governamentais, para suprir as lacunas e os desafios programáticos, com vistas à consolidação da resposta pau-lista ao enfrentamento da epidemia nessa quarta década.

Sustentabilidade financeira, técnica e política: tecnologias de prevenção, parcerias e intersetorialidade

No estado, os incentivos financeiros também colaboraram para a articulação política do movimento social de luta contra Aids, por meio de projetos específicos, os quais fomentaram a atuação dos Fóruns e Redes, em especial o ativismo das PVHIVA.

Nesse contexto, cabe ressaltar que na década de 90, as representações sociais também foram institucionalizadas com a consolidação do SUS nos conselhos e em outros colegiados. A inserção do tema Aids nas políticas públicas de saúde impul-

Page 118: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

117

sionou o desenvolvimento de um modelo inovador de articulação entre o poder pú-blico e a sociedade civil representada pelas ONG/Aids, as quais buscaram assento nesses espaços (VILLELA, 1999).

Entretanto, o financiamento público dessas ações trouxe questionamentos não somente em relação à atuação política num cenário de um possível enfraqueci-mento do ativismo, mas também no que tange à liberdade das propostas de preven-ção, as quais passaram a ser formatadas pelos editais de seleção de projetos (CÂMA-RA, 1998). Neste contexto, as questões políticas e ideológicas são deixadas, muitas vezes, de lado e ganha importância a eficiência e o êxito na execução das ações.

Além desses pontos, durante os acordos de empréstimo e no presente mo-mento, permanece a preocupação com a sustentabilidade das ONG, seja pelo re-ceio da descontinuidade do incentivo financeiro ou mesmo, pelas dificuldades para acessar tais recursos.

As ONG/Aids foram “organizações criadas especificamente com a finalidade de trazer uma resposta organizada da sociedade civil à epidemia do HIV, embora este conjunto englobe organizações muito diferentes entre si em termos de filiação política, religiosa, tamanho, atividades desenvolvidas, tipos e modos de estrutura-ção” (BRASIL, 1999. p 148).

Em 1995, o catálogo nacional de ONG indicou a existência de 400 entidades, ampliadas para 600 em 1999 (BRASIL, 1999). No ano de 2013, o Departamento Na-cional de DST/AIDS e Hepatites Virais contabilizou cerca de 700 ONG atuantes no país e dispôs a informação dos recursos repassados de 1999 a 2012, perfazendo um total de R$ 407.045.404,68. Em relação à sustentabilidade, as informações mostra-ram que o orçamento anual dessas instituições é menor que R$ 100 mil por ano e 77% dos recursos provêm de fonte pública. Já a Coordenação Estadual de DST/AIDS de São Paulo identificou, em 2013, 120 ONG e repassou cerca de R$ 30.000.000,00.74

Os recursos alocados no financiamento das ONG permitem o pagamento de recursos humanos, bens duráveis e o custeio das ações aprovadas nos convênios, impossibilitando gastos com a manutenção da infraestrutura das instituições, dife-rente da lógica adotada por algumas agências internacionais. Esse cenário corrobo-ra para se refletir sobre os desafios da sustentabilidade das ONG/Aids.

O Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Fede-ral (SICONV) foi instituído em 2008 (Portaria Interministerial Nº 127 de 29/05/2008), como um mecanismo de regulação do repasse dos recursos públicos da União para os estados, municípios e ONG (BRASIL, 2008). Essa ferramenta eletrônica organiza e processa as informações sobre os contratos, os convênios e os termos de parceria celebrados, possibilitando conhecer os recursos alocados e a prestação de contas, bem como os objetivos e as ações de cada projeto, programa ou serviço contratado.

Atualmente, para pleitear o financiamento em nível federal, exige-se que as ONG cumpram todos os requisitos necessários para inclusão da proposta via SI-CONV. No entanto, percebe-se o despreparo de muitas organizações para efetuar

74 Disponíveis nos documentos de gestão da gerência de planejamento da CEDST/AIDS.

Page 119: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

118

esse cadastramento e compreender a lógica do sistema. Há a crítica de que este pro-cesso ocorreu sem a devida qualificação técnica das instituições.

Cabe sublinhar, que essa estratégia de gestão, voltada ao acompanhamento e à fiscalização, sobretudo dos recursos financeiros, ainda encontra-se em processo de implementação nos estados e municípios e os gestores e as equipes técnicas das diversas pastas estão conhecendo as funcionalidades do sistema, com vistas à sua incorporação no processo de trabalho. Esse percurso dependerá necessariamente da capacidade técnica e política instalada em cada localidade.

No que tange aos aspectos técnicos, questiona-se também, como serão incor-porados e analisados os dados do SINCOV quanto à verificação da qualidade e dos resultados alcançados pelos projetos financiados e executados pelas organizações da sociedade civil.

A modalidade vigente de convênio com as ONG/Aids segue a lógica dos ins-trumentos de repasse de recursos da administração pública, ou seja, como entida-des prestadoras de serviços, voltadas ao alcance de objetivos sociais de interesse coletivo. Não obstante, a seleção de projetos implica estabelecer processos de ava-liação que considerem os contextos de vulnerabilidade, a dinâmica da epidemia e as estratégias para acessar as populações, valorizando a autonomia e o conhecimento acumulado pelas ONG/Aids.

Os projetos de prevenção às DST/Aids realizados pelas ONG, evidenciaram tanto a relevância do conhecimento prévio dos aspectos sociais e culturais de cada grupo comunitário na definição das ações, quanto os novos conhecimentos e tec-nologias de prevenção produzidos com base nessas singularidades. Esses elemen-tos demonstram a complexidade das ações direcionadas aos vários segmentos da população, inseridos em contextos de vulnerabilidade social. Tal situação implica o aperfeiçoamento contínuo das instituições não só no planejamento das ações, mas também na execução das estratégias de prevenção.

Nessa perspectiva, “os projetos de prevenção desenvolvidos pelas ONGs es-tão baseados na implementação de respostas imediatas que buscam atuar quase que com a mesma velocidade da ação do vírus. Por isso mesmo, são marcas desses projetos a transitoriedade e o deslocamento, tanto de estratégias quanto de objeto”. (GALVÃO, 2000, p. 109).

Deve-se ressaltar que a ampliação da cobertura das ações de prevenção, so-bretudo junto às populações mais vulneráveis depende de uma atuação mais pro-ativa dos gestores nessa área. Em diversos municípios as ações foram delegadas às ONG e com pouca participação direta dos mesmos na execução, principalmente após a intensificação das parcerias e da prestação de serviços, induzida pelo finan-ciamento do Ministério da Saúde na década de 1990 (BARBOZA, 2006).

Entretanto, no cenário atual de uma epidemia concentrada, faz-se necessário que os gestores estadual e municipais, priorizem na agenda local, o desenvolvimen-to de ações preventivas às DST/Aids e de promoção à saúde voltados aos grupos mais vulneráveis (GRANGEIRO, 2013). Portanto, “modificar essa situação requer in-vestimentos dos gestores na formação, fixação e fidelização de quadros profissionais especializados no campo da prevenção” (BARBOZA, 2013, p.242).

Page 120: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

119

A densidade tecnológica das ações de prevenção às DST/Aids, implica de-senvolver ações de caráter processual, contínuo e contextualizado, baseadas no planejamento de estratégias de educação em saúde, direcionadas aos diversos gru-pos sociais e populações, visando à redução de vulnerabilidades (PACCA e BAR-BOZA, 1999).

As regras do financiamento público exigem das entidades maior capacida-de de execução administrativa e financeira. O desenvolvimento dos projetos é uma das principais responsabilidades dos profissionais das ONG, os quais dependem de qualificação e atualização permanentes. Contudo, há carência de recursos financei-ros para garantir a permanência desses quadros assalariados em consonância com a legislação trabalhista vigente.

A estratégia de monitoramento e avaliação presencial dos projetos das ONG pelos gestores, assume nesse cenário, um caráter estratégico quanto à produção e o uso de informações capazes de qualificar as ações em curso, como abordado nessa obra por Silva e Barboza (2013). Portanto, a informação é uma ferramenta funda-mental para o gestor público analisar o contexto em que se desenvolvem as ações, os seus resultados e as lacunas, possibilitando fornecer respostas aos atores gover-namentais e não governamentais envolvidos no enfrentamento dos contextos de vulnerabilidade às DST/Aids.

Nessa ótica, o aprendizado da prática do processo de monitoramento pre-sencial conduzido pelos gestores estadual e municipais e a análise descritiva dos projetos de educação preventiva executados demonstraram a relevância e o papel estratégico desempenhado pelas parcerias no alcance dos objetivos das entidades.

As parcerias e as interfaces estabelecidas pelas ONG foram internas e exter-nas ao setor Saúde e abrangeram, desde os serviços municipais de DST/Aids e da rede de Atenção Básica, até o envolvimento e a articulação com outros setores, à exemplo da Educação, da Assistência e Desenvolvimento Social, da Justiça, das Uni-versidades e das empresas privadas.

Não obstante, ao papel estratégico das parcerias no SUS, cabe ainda men-cionar que as tecnologias de prevenção adotadas pelas organizações estão em dife-rentes estágios de desenvolvimento. O quadro sanitário local, as especificidades das populações acessadas e o perfil dos profissionais envolvidos na condução das inter-venções na entidade são alguns dos elementos que podem explicar essa questão.

No cenário atual é consenso entre os gestores, que um dos grandes desafios para consolidar o SUS, refere-se à ampliação da cobertura e da qualidade das ações implementadas na ótica da intersetorialidade. As ações intersetoriais ainda são inci-pientes, porém, essenciais para alavancar a promoção da saúde, por meio de inter-venções com maior potência para uma atuação continuada das equipes, com vistas à estimular a adoção de práticas de prevenção.

Contudo, algumas organizações da sociedade civil apontam, que em alguns municípios, ainda persistem dificuldades para um diálogo profícuo e uma interlo-cução contínua com os gestores e as equipes da rede de saúde. Essa situação produz tensões nas relações interpessoais e interfere negativamente nos encaminhamentos

Page 121: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

120

das pessoas acessadas aos serviços especializados ou não em DST/Aids. Corrobora também para a perda de oportunidades que poderiam incrementar e qualificar o acesso aos cuidados de saúde na perspectiva da integralidade da atenção no SUS, não circunscrita às DST/Aids.

Assim, faz-se necessário avançar em processos sinérgicos que promovam uma maior articulação entre os gestores, as equipes de saúde e as ONG para o apri-moramento contínuo das tecnologias adotadas pelos profissionais nas práticas de prevenção às DST/Aids em curso.

Esse olhar poderá facilitar e ampliar o acesso dos vários segmentos da popu-lação às ações de prevenção e assistência no SUS, assim como o (re)conhecimento das necessidades de saúde. Também contribuirá na organização do processo de tra-balho das equipes nos serviços de DST/Aids e na sua interface com outras unidades da rede municipal, elementos ímpares para reduzir a vulnerabilidade programática das instituições (BARBOZA, 2013).

Em grande angular, o fortalecimento da gestão da política de saúde, após a publicação da Portaria Nº. 399/GM, a qual instituiu o Pacto pela Saúde (2006), esta-beleceu um conjunto de reformas institucionais no SUS com o objetivo de promo-ver inovações nos processos e instrumentos de gestão, com vistas a alcançar maior eficiência e qualidade na saúde (BRASIL, 2006). Essa normativa vigente, engloba os Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão e avança na corresponsabilidade das esferas gestoras. Define um conjunto de diretrizes sanitárias a partir das prio-ridades pactuadas para melhoria da situação de saúde da população, bem como o financiamento das ações para redução das desigualdades sociais nos municípios.

Assim, com a criação de novos espaços de decisão, a exemplo dos Colegiados de Gestão Regional e com a redefinição das regiões de saúde na SES, a agenda pau-lista de saúde foi fortalecida. Essas condições também foram favoráveis à política de DST/Aids em âmbito regional e local, alocando-a no bloco da vigilância em saúde, no entanto, todo esse processo depende em última instância do processo de pactu-ação entre os gestores.

Assim, nas diretrizes do SUS, “essa junção dos recursos fundo a fundo em blocos, independente do tipo de incentivo, e no caso das DST/Aids em um bloco único de vigilância em saúde, de certa forma, se radicalizou a necessidade de se negociar limites e reforçar a conquista da destinação dos recursos específicos para DST/Aids se renovou e tornou-se vital para os programas municipais e estaduais” (SILVA, 2013, p.294).

No período mais recente, com a edição do decreto 7.508 de junho de 2011 foi instituído o Contrato Organizativo da Ação Pública (COAP) (BRASIL, 2011). Nesse contexto, almeja-se aprimorar a execução programática, sobretudo o pro-cesso de regionalização e o uso efetivo dos indicadores de saúde, os quais são elementos norteadores para um planejamento eficiente na organização das redes e das linhas de cuidado, orientadas pela integralidade da atenção às DST/Aids no SUS.

Page 122: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

121

Desafios e perspectivas

Os desafios e as perspectivas da articulação entre os gestores estadual e mu-nicipais e as organizações da sociedade civil foram elaborados em consonância com os objetivos e as metas publicados no plano estratégico do Programa Estadual DST/AIDS (2012 a 2015), o qual está em implementação, com vistas ao aprimoramento da resposta paulista às DST/Aids e o fortalecimento da missão institucional (SÃO PAULO, 2012).

A missão do Programa Estadual DST/AIDS-SP, definida em 2001, norteia o de-senvolvimento da política estadual de DST/Aids, com o fito de “diminuir a vulnerabili-dade da população do Estado de São Paulo em adquirir Doenças Sexualmente Trans-missíveis (DST) e HIV/Aids; buscar a melhoria da qualidade de vida das pessoas afe-tadas e reduzir o preconceito, a discriminação e os demais impactos sociais negativos das DST/HIV/Aids, em consonância com os princípios do SUS” (SÃO PAULO, 2002).

É mister registrar a participação dos representantes do movimento social de luta contra Aids em todas as etapas do processo de definição das prioridades nas áreas da prevenção, assistência, gestão e desenvolvimento humano e institucional, direitos humanos e parcerias com organizações da sociedade civil, elencadas no re-ferido plano.

As demandas vocalizadas pelas representações do Fórum Estadual de ONG/Aids, do Fórum de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, da Rede Na-cional de Pessoas Vivendo com HIV/aids e do Movimento das Cidadãs Posithivas foram fundamentais na produção de consensos e na definição das propostas elabo-radas em conjunto com os gestores estadual e municipais, além dos parceiros exter-nos ao setor Saúde.

Em que pese os avanços alcançados no período analisado nos capítulos dessa obra, ainda restam vários desafios para consolidar as ações programáticas e as polí-ticas públicas em DST/Aids no âmbito dos municípios prioritários:

a. investir em estratégias e ações programáticas para ampliar a cobertu-ra das ações de prevenção às DST/Aids voltadas às populações mais vulneráveis nas diversas regiões do estado em parceria com as ONG.

b. investir em ações que promovam o respeito aos direitos humanos, visando reduzir o estigma, o preconceito, a violência e a discrimina-ção contra as pessoas que vivem com HIV/aids e as populações mais vulneráveis, colaborando para a melhoria da qualidade da atenção integral à saúde.

c. estimular as ONG a submeter propostas de projetos para as popula-ções mais vulneráveis por meio dos editais de seleção pública, prin-cipalmente nas cidades paulistas de médio e grande porte.

d. fomentar o desenvolvimento de projetos regionais das ONG para po-

Page 123: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

122

pulações prioritárias nas várias regiões do estado.

e. apoiar processos para qualificação técnica, política e administrativa das ONG aperfeiçoando a capacidade de planejamento, execução, monitoramento e avaliação dos projetos.

f. investir na participação ativa das áreas técnicas, administrativas e jurídicas das Secretarias Estadual e Municipais de Saúde no que se refere ao processo de seleção, convênio e prestação de contas técni-ca e financeira dos projetos, considerando-se às especificidades das ONG, com vistas ao alinhamento das propostas e ao alcance de resul-tados significativos para o enfrentamento da epidemia local.

g. aperfeiçoar o processo de monitoramento e a avaliação dos projetos de ONG no intuito de fortalecer a condução dessas atividades pelas equipes de DST/Aids.

h. aperfeiçoar os meios de verificação e registro dos resultados das ações dos projetos de ONG.

i. investir na análise dos dados do monitoramento dos projetos para a produção de informações estratégicas visando à tomada de decisão dos gestores municipais e estadual na condução das ações progra-máticas e da política de DST/Aids na interlocução com a sociedade civil. Essas informações devem retroalimentar o processo de monito-ramento e avaliação das ações.

j. promover e intensificar o apoio técnico, financeiro e político aos Pro-gramas Municipais de DST/AIDS no desenvolvimento das ações das ONG, assegurando a participação das entidades locais.

k. aprimorar a articulação entre os Programas Municipais de DST/AIDS e as ONG, visando o fortalecimento da participação e do con-trole social na política local e regional em DST/Aids.

l. investir no desenvolvimento de processos que qualifiquem a potên-cia técnica das ações de saúde em DST/Aids para responder à com-plexidade das demandas colocadas pela epidemia no contexto atual.

m. aprimorar o processo de descentralização em consonância com as diretrizes do Decreto 7.508/2011 que instituiu o Contrato Organiza-tivo da Ação Pública de Saúde (COAP), o qual preconiza o aperfei-çoamento dos indicadores de saúde e dos processos de pactuação e regionalização no SUS, com vistas à otimização dos recursos.

Page 124: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

123

Referências

BARBOZA, R. Gestão do Programa Estadual DST/AIDS de São Paulo: uma análise do processo de descentralização das ações no período de 1994 a 2003. Disser-tação (Mestrado em Ciências) - Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. São Paulo, 2006.

BARBOZA, R. Relação Estado e Sociedade Civil: as parcerias com Organizações Não Governamentais no campo da AIDS e o controle social no SUS. In: PAIVA, V.; FRANÇA Jr., I.; KALICHMAN, A.O. (org.). Vulnerabilidade e direitos humanos - prevenção e promoção da saúde: planejar, fazer, avaliar (livro IV). Curitiba: Juruá, 2013, p. 213-248.

BRASIL. A resposta brasileira ao HIV/AIDS: experiências exemplares UNAIDS. Bra-sília: Ministério da Saúde, 1999.

BRASIL. Ministério da Saúde. Decreto nº 7.508, publicado em 29 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a or-ganização do Sistema Único de Saúde-SUS, o planejamento da saúde, a assis-tência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Dispo-nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm Acesso em: 13 agosto 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 399/GM, publicada em 22 de fevereiro 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e aprova Diretrizes Ope-racionais do Referido Pacto. Brasília, 2006. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prtGM399_20060222.pdf Acesso em: 15 outubro 2009.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portarias n.º 2313 e 2314/GM, publicadas em 19 e 20 de dezembro de 2002, dispõe sobre a política de transferência de recursos do governo federal para estados, Distrito Federal e municípios na modalidade de financiamento fundo a fundo para DST/Aids. Disponível em:< http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/publicacoes/Legislacao/Portaria_2313-2002_PAM--Aids.pdf>. Acesso em: 25 maio 2013.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Portaria nº 127/MP/MF/MCT, publicada em 29 de maio de 2008, dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repas-se, e dá outras providências. Disponível em: http://www.stn.fazenda.gov.br/hp/downloads/Portaria_Convenio.pdf Acesso em: 30 maio 2013.

CÂMARA, C. Articulações entre Governo e Sociedade Civil: um diferencial na res-posta brasileira à aids. Impulso, 2002, v. 13, n.32, p. 57-67.

CÂMARA, C. ONGs/Aids, intervenções sociais e novos laços de solidariedade social. Cad Saúde Pública, 1998, v. 14, supl.2, p. 129-139.

Page 125: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids

CAMPOS, L. C. M. ONGs/Aids: acesso a fundos públicos e sustentabilidade de ações. Rev de Adm de Empresas, 2008, v.48, n.3, p.81-93.

GALVÃO, J. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. Rio de Ja-neiro: ABIA; São Paulo: Editora 34, 2000.

GOHN, M. da G. Sociedade civil no Brasil: movimentos sociais e ONGs. Nómadas, 2004, n. 20, p. 140-150.

GOHN, M. da G. Teoria dos Movimentos Sociais: Paradigmas clássicos e contem-porâneos. São Paulo: Edições Loyola, 5ª edição, 2006.

GRANGEIRO, A. Será possível o fim da epidemia de AIDS na quarta década? In: PAI-VA, V.; FRANÇA Jr., I.; KALICHMAN, A.O. (org.). Vulnerabilidade e direitos hu-manos - prevenção e promoção da saúde: planejar, fazer, avaliar (livro IV). Curitiba: Juruá, 2013, p. 83-103.

GRANGEIRO, A.; ESCUDER, M. M. L.; SILVA, R.S.; CERVANTES, V.; TEIXEIRA, P. R. Características da resposta à Aids de Secretarias de Saúde, no contexto da Política de Incentivo do Ministério da Saúde. Saúde e Soc, 2012, v. 21, n.4, p. 954-975.

GRANGEIRO, A; SILVA, L. L.; TEIXEIRA, P. R. Resposta à aids no Brasil: contribuições dos movimentos sociais e da reforma sanitária. Rev Panam de Salud Publica, 2009, v.26, n.1, p. 87-94.

PACCA, J. C. B.; BARBBOZA, R. Prevenção à AIDS: Um Desafio para a Saúde e Seus Profissionais. Prática Hospitalar, 1999, v.1, n. 5, p. 24-28.

SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Planejamento estratégico do Progra-ma Estadual DST/AIDS (2002-2005), Coordenação dos Institutos de Pesquisa - Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS, fevereiro de 2002 (mimeo).

SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Plano estratégico do Programa Estadual DST/AIDS/SP. Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS, Programa Esta-dual DST/AIDS, janeiro de 2012 (mimeo).

SILVA, S.R. Gestão e sustentabilidade das ações de prevenção em DST/AIDS. In: PAI-VA, V.; FRANÇA Jr., I.; KALICHMAN, A.O. (org.). Vulnerabilidade e direitos hu-manos - prevenção e promoção da saúde: planejar, fazer, avaliar (livro IV). Curitiba: Juruá, 2013, p. 287-308.

VILLELA, W. V. Das interfaces entre os níveis governamentais e a sociedade civil. In: PARKER, R.; GALVÃO, J.; M. S. Bessa. (org.). Saúde, Desenvolvimento e Po-lítica – Respostas frente à AIDS no Brasil. Rio de Janeiro: ABIA; São Paulo: Editora 34, 1999.

Page 126: Sociedade Civil - A Diferença na Resposta Paulista ao HIV/Aids