Socialismo e Espiritismo

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Leon Denis - Socialismo e Espiritismo

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Os quebradores de pedras

Courbet

Lon DenisSocialismo e Espiritismo

Contedo resumido

Nessa obra, Lon Denis mostra seu pensamento sobre as importantes causas sociais.Em suas prprias palavras, Denis afirma que Socialismo e Espiritismo esto unidos por laos estreitos, visto que o primeiro oferece ao segundo o que lhe falta a mais, isto , o elemento de sabedoria, de justia, de ponderao, as altas verdades e o nobre ideal sem o qual este ltimo corre o risco de permanecer impotente ou de mergulhar na escurido da anarquia.Sumrio

3Prefcio

16Captulo I

26Captulo II

34Captulo III

43Captulo IV

53Captulo V

62Captulo VI

72Captulo VII

81Captulo VIII

Prefcio

No conheo o texto original de Lon Denis que serviu de base presente traduo de Wallace Leal Rodrigues e igualmente no encontrava motivo para esta anlise que me foi solicitada por esse dedicado companheiro de doutrina. Alis, suas observaes e notas j haviam aumentado sobremaneira o volume em relao ao texto original e includo dados histricos e biogrficos importantes sobre a matria.

Vale observar, ainda, de incio, que o trabalho de Lon Denis sobre Socialismo e Espiritismo foi redigido quando ainda no se conheciam os principais experimentos polticos originados com as teorias de Engels, Marx e Lenine, nem as distores de conceitos e mesmo de contedo. Mas o primeiro destaque deve ser dado s diversificaes do Socialismo, pois, deformado em sua anlise e aplicao, tem servido de cobertura para estruturas de Estado que no correspondem sua realidade doutrinria.

O Cristianismo tem sua base nos princpios socialistas, relativamente forma de organizao da sociedade. Allan Kardec, no tpico As Aristocracias de seu livro Obras Pstumas, analisa o processo de socializao do poder, em perfeita consonncia com o que consta do 1 captulo de A Gnese, com esta confisso to prxima de Marx: Infelizmente, as religies tm sido instrumento de dominao.

O extraordinrio criador de Sherlok Holmes, Arthur Conan Doyle, pgina 51 de seu livro La Nouvelle Revlation (Edies Payot, Paris, 1919), afirmava: O homem livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se as mos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.

Filho de operrio, j aos 12 anos de idade trabalhava Lon Denis descolando folhas de cobre na Casa da Moeda de Bordeaux. Conta-se que muitas vezes seus dedos sangravam no contato spero com o metal. Essa origem operria ajudou a marcar o sentido social de sua vida, mesmo porque at a viso deficiente foi conseqncia do esforo noturno do estudo, j que trabalhava durante o dia.

Com razes operrias e ele prprio trabalhando de dia para garantir os estudos de noite, pde mais tarde dedicar-se ao movimento cooperativista e ao servio beneficente do ensino. Por isso mesmo no lhe foi difcil compreender, conforme expe neste trabalho, que Socialismo e Espiritismo esto unidos por laos estreitos, visto que o primeiro oferece ao segundo o que lhe falta a mais, isto , o elemento de sabedoria, de justia, de ponderao, as altas verdades e o nobre ideal sem o qual este ltimo corre o risco de permanecer impotente ou de mergulhar na escurido da anarquia. E reforou essa afirmativa acentuando que o Socialismo poder tornar-se uma das alavancas que levar a humanidade para destinos melhores.

A procura de uma nova ordem social em que o homem no seja o lobo do homem, mas o seu irmo, o sonho de toda a humanidade. Nenhum cidado de sentimentos firmados nos princpios do Cristianismo pode aceitar, sem uma justa reao, as disparidades sociais e econmicas que colocam fabulosas riquezas em geral mal ganhas e mal utilizadas - ao lado de agrupamentos de prias que no tm o mnimo para sobreviver.

Kardec, em Obras Pstumas, no captulo Liberdade, Igualdade e Fraternidade, como em O Livro dos Espritos, destaca: Risquem-se das leis e das instituies, das religies e da educao, os ltimos restos da barbrie e os privilgios; destruam-se por completo todas as causas que do vida e desenvolvimento a estes eternos obstculos do verdadeiro progresso e que, por assim dizer, aspiramos por todos os povos na atmosfera social, e ento os homens compreendero os deveres e benefcios da fraternidade, e a liberdade e igualdade se estabelecero por si mesmas de qualquer forma.

Estava Kardec seguro de que chegaremos a essa fase de justia social com liberdade e igualdade e, ainda em Obras Pstumas, pode orientar para que a alcancemos, afirmando: a aspirao do homem para uma ordem de coisas melhor que a atual um indcio certo da possibilidade de que chegar a ela. Cabe, pois, aos homens amantes do progresso ativar esse movimento pelo estudo e a prtica dos meios julgados mais eficazes.

Essa compreenso das mudanas de estrutura e da prpria ordem social est profundamente comprometida com o contedo da doutrina esprita, que se baseia na justia da reencarnao, mas que atribui ao ser humano a tarefa fraterna de auxiliar o irmo, procurando eliminar as diferenas atravs de uma prtica social que permita ao homem auxiliar o semelhante necessitado com os bens que possua.

Os dogmas que envelheceram reclamam uma outra vivncia e, por isso, a revoluo que representou o Cristianismo, abalando os alicerces do poderio romano na palavra meiga do Nazareno, tem o mesmo sentido da revoluo que o Espiritismo prega, visando a destruio do egosmo e levando os homens convico de que nada possuem de seu, pois que so meros depositrios dos bens materiais e simples usufruturios da riqueza. Desse depsito e desse usufruto havero de dar conta na sucesso das reencarnaes.

No havia violncia na pregao de Jesus, embora Ele fosse claro e preciso com referncia riqueza, toda vez que lhe era propiciada uma oportunidade de manifestar-se. E os apstolos seguiram-lhe os passos.

A prpria Igreja Catlica procura atualizar-se socialmente, como se fizesse uma autocrtica na procura do Cristianismo primitivo. Tem, no entanto, dificuldades intransponveis, porque a estrutura conservadora de muitos sculos uma sria barreira ao encontro da via socialista para diminuir as desigualdades flagrantes e as injustias sedimentadas pela ordem social vigente. A introduo da Encclica Mater et Magistra seguiu a linha da Rerum Novarum e da Popularium Progresso. J o Papa Pio XI denunciava como principal vcio do capitalismo liberal o divrcio entre a ordem econmico-social e a moral, embora no pudesse a igreja passar da palavra ao.

O problema, porm, no estava apenas em diagnosticar as razes da misria e em condenar a voracidade do capitalismo, mas em procurar os caminhos para essa justia social que foi banida do planeta. A, as dificuldades se acumularam e a Igreja no passava do diagnstico...

A converso crist teria que vir com a reviso de Zaqueu, no encontro com Jesus, anulando as injustias praticadas com a restituio dos bens e a dispensa dos privilgios que mantinha.

Enquanto a converso de Zaqueu no se amplia com a repetio do gesto, a ordem estabelecida fica intocvel e o comprometimento com as iniqidades sociais e com as estruturas sedimentadas reafirmado a cada momento.

No foi uma advertncia v a de Jesus ao moo rico que pretendia segui-lo e ao qual recomendou que deixasse seus bens, nem a observao quanto ao bolo da viva que dera to pouco e no entanto fora a ddiva maior, porque enquanto outros ofertaram do que lhes sobrava, ela doara do que lhe fazia falta. No foi, tambm, sem razo que as lies se repetiram, demonstrando que a riqueza deveria estar a servio da comunidade de tal maneira que o mau uso da propriedade poderia significar maiores empecilhos para alcanar o Reino dos Cus. mais fcil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos cus (Mateus 19:24)

No Deuteronmio (15,4) est o clamor para que no haja lugar para a pobreza, com a condenao dos lucros e juros, no Levtico (25, 35, 38) ou a condenao de explorao do homem (Levtico, 19:13).

As lies do Cristianismo primitivo esto vivas, renascendo nos princpios da doutrina esprita que eclodiu praticamente com a revoluo industrial na Europa.

A substituio de um sistema social por outro no foi a soluo, porque o que se faz necessrio uma ordem social baseada na fraternidade e no amor ao semelhante.

As prprias naes ricas luxam custa da misria do denominado terceiro mundo, fornecedor de matrias-primas, mergulhado num alarmante ndice de mortalidade infantil, fornecendo uma mo-de-obra aviltada numa atmosfera de doenas, de misria e de fome, onde o homem no se diferencia do animal no tratamento que recebe. Por isso mesmo, Kardec pde comparar as naes aos homens quando advertiu que se elas seguissem o preceito de no fazer s demais o que no desejassem que lhes fizessem, o mundo viveria sob o signo da paz e do progresso.

Vencido o egosmo, ser mais fcil extirpar as outras paixes que corroem o corao humano, lembra Lon Denis.

De fato, o nosso edifcio social a ser construdo pelo Socialismo pode no excluir todas as iniqidades, porque a condio humana no de perfeio, mas, sem dvida, significar muito na edificao de uma sociedade menos injusta.

A constatao dessas iniqidades no feita apenas pelos espritas que pregam uma ordem social mais crist. Os documentos mais recentes da Igreja Catlica ("Subsdios para Puebla, Documento n 13 Conferncia Nacional dos Bispos Brasileiros Edies Paulinas, 1978, pg. 8), so utilssimos na constatao dessa realidade:

Observa-se no continente latino-americano uma exacerbao do conflito opressores e oprimidos, devido a uma situao de gritante iniqidade social.

A inqua repartio das rendas vem propiciando um perigoso afrontamento das classes sociais.

A posse dos meios de produo concentra-se nas mos de grupos poderosos ou do Estado, ao mesmo tempo em que se acelera a desnacionalizao das economias nacionais, pelo domnio crescente das multinacionais.

A revoluo que significa o Espiritismo mais profunda, porque penetra as bases do comportamento humano e implica uma reviso de princpios morais, sem o que a reviso jurdica, econmica e social no seria alcanada com eficcia.

Mas devemos compreender que o Socialismo no pode ser uma frmula artificial que deva ser imposta de forma ditatorial neste ou naquele pas, neste ou naquele continente.

Partindo do fundamental, compreendendo o Socialismo como uma reao da coletividade contra o predomnio dos interesses individuais ou grupais, teremos que admiti-lo com caractersticas prprias de cada comunidade, sob pena de copiarmos exemplos desajustados de cada uma das realidades nacionais.

Uma incurso pela histria nos faz passar pelo Socialismo de Plato, Thomas Morus, Campanella, Engels, Marx, Lenine, etc., mas as contradies que podem nos levar exatamente ao contrrio do que se procura esto nas limitaes puramente econmicas das frmulas e da anlise.

O Espiritismo acrescenta um outro elemento ao Socialismo, distinguindo-o das outras frmulas, embora reconhea que Plato no s aplicou o mtodo psicolgico para explicar o surgimento do Estado em razo das necessidades do homem, como advertiu dos riscos com a multiplicao dessas necessidades. A exatamente que, nascendo o comrcio e surgindo o dinheiro, o homem acostumou-se ao excesso e ao luxo e, com estes, adveio a ganncia, complicando a estrutura primitiva do Estado. Em conseqncia, a pobreza e a riqueza teriam que conviver, guerreando-se atravs dos tempos. Lembra Plato que nessa altura a paz interior desaparece e at o menor Estado se divide em duas partes distintas: o Estado dos pobres e o dos ricos, que se digladiam.

O Espiritismo, embora compreenda e explique certos fenmenos sociais e econmicos atravs da lei da reencarnao, tem que ser eminentemente revolucionrio no sentido de reivindicar as mudanas da estrutura da sociedade, combatendo a concentrao da riqueza e a ausncia de fraternidade que significam a manuteno dos privilgios e dos excessos no uso dos bens.

Jesus, filho de artesos, ensinando pelo prprio nascimento a grande lio evanglica dos simples e o amor pelos pobres, foi um revolucionrio por excelncia, mas no se transformou num caudilho a servio de grupos ou partidos, porque sua misso transcendia as misrias do imprio romano e no podia, por isso mesmo, perder-se no labirinto das paixes polticas e das artimanhas da burocracia da administrao.

A vida de Jesus e dos apstolos ao lado da populao crist de Jerusalm era a demonstrao prtica e real dos ensinamentos que pregavam a fraternidade e a vida comunitria.

evidente que os tempos so outros e que com o progresso tcnico e cientfico, com a revoluo industrial e as mudanas sensveis na forma de vida e de convvio social, no se poderia reproduzir a mesma atmosfera e exigir da comunidade atual que vivesse como os apstolos.

No entanto, os princpios que fundamentavam aquela vida, ou seja, o sentido de cooperao e de auxlio, o amor pelos humildes e necessitados, a repartio dos bens com o semelhante, a predominncia do sentimento sobre a ganncia, do amor sobre o dio, so imutveis no correr dos sculos e marcam o verdadeiro sentido cristo da vida.

O Espiritismo no prega novidade quando realiza o chamamento vida simples e fraterna.

Figuras inesquecveis como So Vicente de Paulo e So Francisco de Assis, h sculos, so legendas desse amor cristo.

O fundador da Ordem dos Franciscanos era filho de um rico comerciante e, no entanto, ao invs de herdar-lhe os bens e a fartura, atendeu ao chamamento de uma voz interior, voltando-se para os pobres.

E So Vicente de Paulo teve sua biografia resumida numa frase que costumamos reproduzir pela beleza da comparao: Nele, como em certas plantas nas quais as flores nascem antes da folhagem, a caridade nasceu antes da razo.

Como, no entanto, eliminar as pragas da propriedade privada de que falava Thomas Morus na Utopia?

Como continuidade histrica do Cristianismo, o Espiritismo no seu sentido evolucionista caminhou para o encontro com os ideais socialistas e no teve dvida em afirmar atravs de Kardec que uma nova ordem de coisas tende a estabelecer-se e os mesmos que a isso se opem com mais empenho so exatamente os que mais o ajudam, sem sab-lo.

Mas onde estariam essas pragas da propriedade privada?

Einstein, citado por Humberto Mariotti (O Homem e a Sociedade numa Nova Civilizao Edicel, So Paulo, 1967), em afirmativa constante de artigo na revista Gauche Europenne, de Paris, janeiro de 1957, apontava essas causas:

A anarquia econmica da sociedade capitalista, tal como existe hoje, constitui, a meu ver, a fonte real de todo o mal.

E prossegue Einstein:

Por uma questo de clareza, chamar doravante por trabalhadores a todos aqueles que no compartilhem da propriedade dos meios de produo, ainda que isto no corresponda ao uso normal do termo.

Para o Espiritismo, os bens so concedidos em custdia e o seu usufruto apresenta valores espirituais que so creditados aos que compreenderam que esses bens no lhes pertencem, sendo o homem mero instrumento no uso da propriedade a servio do conjunto social.

Deve ter sido esse o fundamento de Cosme Marino, para afirmar que o Socialismo um captulo do Espiritismo no seu livro El Concepto Espiritista del Socialismo, editado em Buenos Aires em 1960 pela Editora Victor Hugo.

Outro no , tambm, o objetivo de Humberto Mariotti no seu j citado volume O Homem e a Sociedade numa nova Civilizao.

O Socialismo deve promover as reformas ousadas, acelerando a evoluo para a transformao, na expresso de Lon Blum, conceito que no se afasta daquele que entende que o cristo sincero e fiel s origens do Cristianismo tem que ser acessvel renovao social e s transformaes que nos levem a uma sociedade justa, como preconizou o Divino Mestre. Para isso necessrio coragem, renncia e sinceridade de propsitos.

Jean Jaurs, nos seus Discours la Jeunesse, de 1903, assim o reconhecia: coragem ir ao ideal e compreender o real... procurar a verdade e diz-la; no seguir a lei da mentira triunfante, e no fazer da nossa alma, da nossa boca e das nossas mos eco dos aplausos imbecis e dos gritos fanticos.

Reconhecemos que o capitalismo envelheceu e que muitas foram as modificaes por que passou a sociedade.

Assistimos ao surgimento do contrato trabalhista, eliminando o trabalho escravo embora ainda vigente mesmo depois da abolio da escravatura , a reduo das horas de trabalho, as frias, as licenas, o descanso semanal remunerado, etc. Mas a sociedade capitalista, por sua vez, reagiu a essas conquistas e, assim, confiou inteligncia jurdica da poca as medidas legais que lhe facultassem sobreviver e a se instalaram os trustes, as multinacionais, as sociedades annimas, os ttulos de crdito, a garantia fiduciria, as fortunas mveis, que encontram tranqilo sono no segredo dos depsitos de bancos suos, as falncias que deixam os falidos mais ricos do que antes...

Essas adaptaes de sobrevivncia justificaram afirmaes como estas de Walter Lippmann e Nicholas Murray Butler, respectivamente (Walter Lippmann, A Cidade Nova, 1938, pginas 32 e 329):

O capitalismo moderno no teria podido se desenvolver se a sociedade por aes no existisse.

A sociedade por aes foi a maior descoberta dos tempos modernos, mais preciosa que a do vapor e da eletricidade.

Um ponto, no entanto, sempre colocado em debate quando se examina o tema que foi objeto do trabalho de Lon Denis Socialismo e Espiritismo , o relativo ao materialismo histrico e interpretao do conceito econmico como fundamental e o da luta de classes como essncia do Marxismo.

Alemo de nascimento, Marx, aps os estudos no Colgio de sua cidade natal, cursou as Universidades de Bonn e Berlim, indo em 1843 para Paris, a fim de dedicar-se ao estudo do Socialismo com Arnold Ruge, em colaborao com o qual editou os Deutch-Franzsische Jahrbchen, onde publicou os primeiros estudos conhecidos depois como marxistas, particularmente A Crtica da Filosofia do Direito de Hegel.

O conceito materialista da histria no se conjuga com a doutrina esprita e, nesse aspecto, as posies so inconciliveis.

Convicto de que a economia poltica constitui a base da sociedade capitalista e que a atividade intelectual no seno reflexo da evoluo econmica, Marx dedicou-se inteiramente ao estudo dessa matria.

O conceito materialista da histria, assim exclusivamente compreendido, iria constituir-se numa irreconcilivel divergncia com o Socialismo que fosse capaz de conviver com o Espiritismo.

Estava Marx preocupado com o elemento revolucionrio da histria e no com a origem das coisas. Negava valor afirmao dos filsofos idealistas de que as transformaes provinham, antes de tudo, do esprito ou da razo absoluta, porque entendia que elas tinham origem nas condies materiais da existncia. Parecia mais preocupado em localizar a realidade ou a verdade social, mas a falha de sua interpretao do homem est exatamente na excluso do elemento moral e espiritual.

Mas essa divergncia fundamental no poder invalidar todo um acervo de estudos de interpretao econmica da histria que ele processou com dedicao e boa f. Basta aos espritas e demais espiritualistas suprir essa falha de interpretao, incluindo a viso crist dos fenmenos.

O combate ao marxismo, alis, tem sido feito de maneira sectria, em geral tendo em vista apenas a preocupao de defesa dos dogmas de certos grupos religiosos ou de interesses de grupos econmicos ameaados.

O Marxismo trabalha os fatos, mas o certo que expressou realidades sociais e econmicas, embora lhe faltando o importante suporte do fenmeno espiritual que Allan Kardec pesquisou e definiu em sua importante obra de codificao da doutrina dos espritos.

Considerava Marx o espiritualismo uma irrealidade e o responsabilizava pelo apoio aos regimes reacionrios e conservadores. Ignorou a essncia revolucionria do Cristianismo e deixou de considerar que os erros estavam na sua distoro e no na sua essncia original.

Jules Moch, em Socialisme Vivant (Editora Robert Lafont, Paris, 1960), em um dos seus captulos analisa a questo relativa ao materialismo histrico. Aponta o materialismo clssico de certos filsofos como irreconcilivel com as doutrinas religiosas que distinguem a alma eterna do corpo perecvel, visto que, segundo essa escola, a vida est indissoluvelmente ligada matria e, nesse caso, a alma s existe no corpo e pelo corpo. Assim, sublinha que o materialismo histrico de Marx a tese segundo a qual os fenmenos econmicos constituem o substrato da vida dos grupos humanos e so eles que a condicionam e que exercem uma influncia dominante na evoluo social, poltica ou moral dos homens, no tendo qualquer relao com o materialismo clssico. E afirma, ainda: No devemos, de resto, levar a teoria do materialismo histrico s suas ltimas conseqncias; seria absurdo reduzir toda a evoluo das sociedades a consideraes econmicas, assim como negar a influncia de outros fatores morais ou humanos.

O Socialismo moderno prossegue Jules Moch est longe de ser uma anlise apenas econmica. muito mais do que isso, pois visa permitir ao homem a sua livre expanso em todos os campos e sua libertao de todas as opresses econmicas, polticas e espirituais. essencialmente uma revolta contra a injustia, contra a desumanizao do homem numa sociedade que repousa sobre o proveito sem trabalho, o apetite do ganho e do lucro. Ser este protesto incompatvel com uma crena filosfica ou religiosa? Antes, pelo contrrio: o Socialismo e a religio no podem esbarrar um no outro, pelo simples fato de as suas zonas de ao no se sobreporem. As religies, mesmo quando visam moralizar a vida, tendem essencialmente a dar ao homem uma esperana depois da morte; o Socialismo quer libertar a vida e no se preocupa nem com a origem nem com o destino final do homem.

O livro de Lon Denis tem a virtude de reativar o debate em torno do Socialismo e do Espiritismo, permitindo a continuidade de uma anlise que julgamos oportuna, especialmente agora quando o Partido Socialista, na Frana, elegendo o seu Presidente, procura, sem a violncia das revolues pelas armas, as modificaes viveis para abrir caminho ao programa de socializao gradual, democraticamente, respeitada a estrutura pluripartidria.

O imposto sobre a fortuna medida adotada pelo governo socialista da Frana j um passo importante na melhor distribuio da renda, fazendo utilizar o excesso da concentrao de bens e capital em favor das camadas necessitadas e desassistidas.

Afinal, a natureza nos ensina com a essncia da vida, nada nos cobrando pelo ar que respiramos, pela chuva que alimenta as lavouras e mantm os rios, pela luz que nos chega todos os dias, pelo calor que o sol distribui a todos, sem indagar de origem, condio social, econmica e geogrfica, exemplificando com a gratuidade de seus servios e sem a procura de recompensa.

A lio da natureza dando o seu capital sem reivindicar lucros ou vantagens, proveitos ou benefcios, uma legenda inscrita na conscincia coletiva, reclamando do homem a exemplificao da fraternidade, que est na palavra do Divino Reformador quando aconselhou fazer ao semelhante o que desejamos que ele nos faa.

Abril de 1982.

Freitas Nobre

Captulo I

Espiritismo e Socialismo esto unidos por laos estreitos, visto que o primeiro oferece ao segundo o que lhe falta a mais, isto , o elemento de sabedoria, de justia, de ponderao, as altas verdades e o nobre ideal sem o qual este ltimo corre o risco de permanecer impotente ou de mergulhar na escurido da anarquia.

Todavia, antes de tudo, importa bem definir os termos que empregamos. Para ns, o Socialismo o estudo, a pesquisa e a aplicao de leis e meios susceptveis de melhorar a situao material, intelectual e moral da Humanidade. Nessas condies so numerosas as nuances, as variedades de opinies, de sistemas, desde o Socialismo Cristo at o Comunismo, e todo o homem cuidadoso com a sorte de seus semelhantes pode se dizer socialista, quaisquer que sejam, alis, suas predilees.

Minha inteno bem menos tratar a questo social do ponto de vista poltico ou econmico do que pesquisar qual parte de influncia o Socialismo poderia ter sobre a evoluo do esprito humano e, particularmente, sobre a educao do povo. As questes sociais, que haviam revestido h algum tempo um carter violento e ameaavam atear fogo ao edifcio que nos abriga, perderam um pouco de sua acuidade. Este o momento de consider-lo sem paixo, sem amargor, com a calma que convm aos espritos refletidos, interessados na justia, desejosos de facilitar a evoluo de todos na paz e harmonia. Como veremos, a questo social , acima de tudo, uma questo moral.

Ns subscrevemos voluntariamente as reivindicaes legtimas da classe operria reclamando para o trabalhador a sua parte de influncia e de bem estar, seu direito aos benefcios industriais e seu lugar ao sol, porm reprovamos os meios violentos e revolucionrios que seriam um perigo para a sociedade ocidental, depois de ter arruinado a sociedade russa.

O que caracteriza atualmente aos nossos olhos o estado de esprito do Socialismo, exceo de algumas raras unidades, o conhecimento insuficiente e muito rudimentar das leis universais; sem observao delas, toda obra humana est condenada por antecipao impotncia, esterilidade, quando no culmina em desordem, em caos.

A vida das sociedades, como a do Universo, equilibrada por foras opostas, foras contrrias, o equilbrio perfeito a ordem, a paz, a harmonia; mas, desde que uma dessas foras arroja-se sobre as outras, a perturbao, a confuso, o sofrimento. O estado de inferioridade de nosso mundo provm precisamente da instabilidade das foras fsicas e sociais em ao sua superfcie, pois uma se repercute sobre a outra.

Todo passado nos demonstra a predominncia das classes elevadas, ditas dirigentes, sobre o povo reduzido ao estado de misria. Hoje em dia, so as classes trabalhadoras que por vezes desejam alar-se e dirigir por sua vez a sociedade. Mas o despotismo que vem debaixo no melhor do que aquele que vem do alto; talvez pior, pois que mais brutal e mais cego.

Depois da ltima guerra o nvel intelectual e moral baixou sensivelmente, as paixes se desencadearam, os apetites e a avidez se tornaram mais speros e mais ardentes; que sua melhor parte de homens se foi; levados por seu devotamento, seu esprito de sacrifcio, eles correram para a morte como para uma festa, enquanto os outros, mais prudentes, menos desinteressados, souberam preservar sua vida. Aqueles que se ofereceram em holocausto para a salvao de outrem planam em multido acima de ns, assimilam foras e luzes novas. Eles retornaram bem cedo ao seio desta Humanidade que tem necessidade de seu concurso para trabalhar para sua evoluo. Desde j, na gerao que surge, espritos de valor tomaram seu lugar e em uma vintena de anos v-los-emos se afirmarem por seus mritos e virtudes adquiridos. Entretanto, at l, teremos que atravessar um perodo difcil durante o qual todos os que tm conscincia de seu dever de solidariedade e que nos liga a todos, os espritas sobretudo, tero de pagar por suas pessoas e guiar seus semelhantes no caminho rduo do progresso.

A grande lei da evoluo, que rege todos os seres, deve tambm servir de base a toda organizao social. Cada um tem o direito a uma situao relativa s suas aptides e suas qualidades morais. Ora, a aquisio que trazemos de nossas vidas anteriores que a educao esprita poderia esmerilhar.

O essencial seria, pois, fazer conhecer ao homem, antes de tudo, de onde ele vem e para onde ele vai, isto , qual a finalidade real da vida e a sua destinao. Somente ento surgir em toda claridade e em todas as conseqncias sociais essa solidariedade que liga os seres em todos os graus de sua ascenso, constrangendo-os por seu prprio bem a retornar Terra e a todos os outros mundos nas condies mais diversas, a fim de a adquirir as qualidades inerentes a esses meios e, muitas vezes tambm, resgatar um passado culposo.

Depois das doutrinas do passado, que no nos trouxeram seno a obscuridade e a incerteza, o Espiritismo projeta uma viva claridade sobre o caminho a percorrer; no encadeamento de nossas vidas sucessivas ele nos mostra a ordem, a justia e a harmonia que reinam no Universo. Que o socialista se torne razovel e adote esta grande doutrina, esta cincia vasta e profunda, que esclarece todos os problemas e nos fornece provas experimentais da sobrevivncia; que os seus participantes se impregnem e conformem com ela os seus atos e o Socialismo poder se tornar uma das alavancas que levar a Humanidade para destinos melhores.

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Posto que me seja detestvel, creio dever insistir sobre o estado de esprito no qual me proponho tratar deste vasto assunto.

Nasci na classe operria e nela no conheci seno lutas e privaes. Meu pai era canteiro, depois se tornou pequeno empreiteiro, mas o trabalho faltava muitas vezes e era preciso mudar de profisso. Eu mesmo, depois de ter recebido uma instruo muito sumria, me iniciei como pequeno empregado de comrcio e o labor manual no me estranho. J aos doze anos eu descolava fians de cobre na Casa da Moeda de Bordeaux e meus dedos de criana, sob o atrito do metal, muitas vezes se tingiam de sangue. Aos dezesseis anos, em uma fbrica de faianas em Tours, eu carregava o cesto nos dias em que se fazia o desenfornamento das peas. Aos vinte anos, em uma manufatura de couros, eu carregava peles nas horas de aperto ou manobrava la marguerite, grosso instrumento de madeira que serve para amaciar os couros. Obrigado, durante o dia, a ganhar o meu po e o dos meus velhos pais, eu consagrava muitas noites aos estudos, a fim de completar minha ligeira bagagem de conhecimento, e da data o enfraquecimento prematuro de minha viso.

Depois da Guerra de 1870, compreendi que era preciso trabalhar com ardor para a educao do povo. Com este fim e o auxlio de alguns cidados devotados, havamos fundado, em nossa regio, a Liga do Ensino, da qual me tornei secretrio geral; foram criadas bibliotecas populares e se iniciaram em pouco, por toda a parte, sries de conferncias; isto para demonstrar que sempre guardei o contacto com as classes trabalhadoras, que partilhei de seus cuidados e suas aspiraes para o progresso. Tornei-me muito interessado no movimento cooperativo e, por muito tempo recebi, a ttulo gracioso, os livros de um grupo de operrios cordoeiros reunidos em um empreendimento comum.

Agora que a idade branqueou minha cabea e que a experincia chegou, aprecio mais altamente as vantagens que proporcionam a toda alma as reencarnaes entre os humildes e a livre aceitao da lei do trabalho. Com efeito, o trabalho um preservativo soberano contra as armadilhas da paixo, uma espcie de banho moral, um sinnimo de alegria, de paz, de felicidade, quando realizado com inteligncia e obstinao.

Assim eu compreendo melhor porque a lei da evoluo leva imensa maioria de seres a renascer no seio de classe laboriosa para a desenvolver sadias energias, fortalecer o carter, tornar o homem verdadeiramente digno deste nome. Na luta constante contra as necessidades, no esforo cotidiano para se sair do aperto das necessidades, pouco a pouco a vontade se afirma, o julgamento se consolida, as mais belas qualidades desabrocham. por isso que as maiores almas que passaram pela Terra Cristo, Joana DArc e tantos outros nobres espritos quiseram renascer nas condies mais obscuras, para servir de exemplo Humanidade.

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Devo dizer aqui que, no curso de minha vida, desde minha infncia, em meio s dificuldades que tive de vencer, sempre fui sustentado pelo lado de l. Nos momentos em que acabei de falar, eu me sentia levado em meu caminho por uma fora invisvel, uma fora da qual ainda ignorava a natureza, pois meus guias espirituais s se revelaram um pouco mais tarde. Entretanto eu possua j uma faculdade medinica, aquela da psicografia, e obtinha comunicaes de forma bastante literria. Mas esta faculdade desapareceu de sbito quando me tornei conferencista. Meus protetores do espao me explicaram que haviam adaptado seus recursos fludicos s minhas facilidades oratrias, aos meios de improvisao como sendo mais eficazes para a difuso do Espiritismo. Pude notar muitos casos anlogos de transformao de faculdades psquicas, sobretudo entre os mdiuns de incorporao.

Nessa poca eu no tratava ainda publicamente de questes espritas, escolhia assuntos a elas relacionados, mais ou menos diretamente, tais como A pluralidade dos mundos habitados, O gnio da Glia, Joana DArc e outros assuntos que permitiam abordar, incidentalmente, o problema do mundo invisvel.

No foi seno por volta de 1880 que abordei franca e publicamente esta questo. As platias eram pouco favorveis e foi preciso, mais de uma vez, suportar os escrnios, as objees pueris e sobretudo o alarido. Hoje, os conferencistas espritas encontram um melhor acolhimento. Se seus auditores no so sempre convictos, pelo menos escutam com cortesia. Essas diferenas de atitude do a medida exata dos progressos realizados por nossas crenas em um perodo de 40 anos.

Foi sobretudo ao curso de minhas conferncias contraditrias na Blgica, com Volders e Oscar Beck, duas fortes cabeas do Partido Socialista, que eu pude dar-me conta de que este estava profundamente imbudo de teorias materialistas e, por conseqncia, na impossibilidade de estabelecer conexo com seu plano de reforma s leis gerais do Universo, cuja essncia por inteiro espiritualista. verdade que existem brilhantes excees, entre as quais citarei Jaurs que foi sempre um espiritualista convicto, eloqente e mesmo poeta em suas horas. Mas parece-me que a esse respeito ele no fez escola.

De minhas constantes relaes com os trabalhadores de toda ordem, uma considerao se depreende: que os operrios, sejam das cidades, sejam dos campos, tomados individualmente, isolados, so pouco acessveis s doutrinas subversivas: comunismo e anarquismo. Sem dvida, guardaram do passado, dos sculos de servido, uma espcie de atavismo intuitivo que os torna hostis a todas as formas de opresso; mas possuem no fundo de si mesmos o sentimento da realidade, amam a justia e o progresso.

sobretudo nos grandes centros industriais que os excitadores tm mais acesso sobre as massas operrias e que a palavra dos oradores inflamados, com ruim arrivismo, alcana-as melhor, propelindo-as para os excessos. Porm estes tm, geralmente, pouca durao. A Frana um pas de bom-senso e de razo e que permanecer refratria s teorias do bolchevismo e outras doutrinas estrangeiras. O que se chama de luta de classes no existe seno no papel. Em realidade no h mais classes desde a Revoluo, no h mais entre elas limites precisos, pois h penetrao recproca e contnua. Todo trabalhador econmico pode se tornar patro. A burguesia tem suas razes no povo e nele se recruta incessantemente: de seu seio que se elevaram a maioria dos homens que ilustraram a Humanidade; foi da que se alaram tantos burgueses, graas ao seu trabalho ou ao seu talento. Por outro lado, quantos pequenos rendeiros, pequenos proprietrios ento, em razo da guerra e de suas conseqncias econmicas, no caram no proletariado? Seu nmero difcil de ser fixado, pois, mudando de situao, mudam quase sempre de residncia e vo se perder no turbilho das grandes cidades.

A desgraa que os campos se despovoam e que a pletora das cidades se acresce sem cessar. Desertam-se dos trabalhos sadios para irem se confinar em locais estreitos, privados de ar e de luz. Assim, a raa se esteriliza, mngua e resvala em um declive perigoso.

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Parece que assistimos a um comeo de desagregao da sociedade. O cimento que liga os elementos do edifcio, isto , o esprito de famlia, a disciplina social, o patriotismo, o sentimento religioso, etc., se enfraquecem e se decompem.

A quem remonta a responsabilidade deste estado de coisas? Em grande parte Igreja e Escola. Petrificada em seus dogmas, a Igreja se tornou impotente para comunicar ao corpo social essa f viva que a grande fora, a prpria alma das naes. Seu catecismo, incompreensvel e incompreendido, notoriamente insuficiente para esclarecer e guiar as crianas do povo nos caminhos difceis da existncia. Certamente, verdade, podem ainda com isso se contentar; mas uma sociedade inteira no pode viver desse po ressecado e endurecido.

Falemos da escola atual, ampla e obrigatria. Ela foi uma reao contra a escola congregacionista imbuda de prejuzos dogmticos e de doutrinas seculares. Os promotores da escola laica tinham um programa e uma finalidade: fazer todos compartilharem, num mpeto de entusiasmo, sua confiana na solidariedade humana pela difuso da educao e o conhecimento dos princpios que afirmam o dever e a participao de todos na obra comum. Essa instruo era complementada por noes de moral impregnadas de ideal espiritualista. Os manuais de Paul Bert e de Compayr ensinavam a existncia de Deus, a imortalidade do ser, e procuravam reacender o fogo sagrado nas almas francesas. Seus sucessores, entretanto, em sua poltica terra-a-terra, eliminaram pouco a pouco estas noes de idealismo e a escola caiu sob a influncia materialista.

Desde ento, a instruo laica, desprovida de elevao, desenvolveu o sentimento pessoal. Do orgulho ao egosmo no vai mais que um passo e, trinta anos depois, este cresceu graas ao bem estar procurado por uma civilizao materialista. Quando a instruo desprovida de freio moral, de sano, e v-se imiscuir a paixo material, ela no faz seno superexcitar os apetites, os desejos de gozos e se traduz por um egosmo desenfreado.

preciso, pois, combater o egosmo por um ensino idealista regenerador. Vencido o egosmo, ser mais fcil extinguir as outras paixes que corroem o corao humano.

A escola neutra representa, hoje em dia, um conjunto de conhecimentos privados do bem moral necessrio para constituir uma educao, uma direo eficaz. Ela reencontrar o seu prestgio, o seu poder benfico, assimilando uma doutrina espiritualista independente, suscetvel de substituir todos os ensinamentos confessionais. Ora, essa doutrina s o Espiritismo pode fornecer. Aguardando essa fuso necessria, qual o papel de ns espritas? o de criar, de multiplicar o exemplo de nossos irmos lioneses, as escolas dominicais onde a doutrina e a moral espritas so ensinadas s crianas, assim como aos adultos.

O que dissemos da escola primria aplica-se igualmente ao ensino superior e mesmo cincia, a qual no ainda seno um conjunto de teorias passageiras, de hipteses provisrias que um sculo edifica e que o sculo seguinte destri e substitui, como o demonstra o Sr. Charles Richet, com um vigor e uma franqueza merecidos.

verdade que uma cincia se edifica pouco a pouco. Ela tem por base a experimentao psquica; mas ela se choca com tantos prejuzos, preconceitos e rotinas materialistas, que se passar muito tempo antes de realizar esta sntese necessria e esperada que religar as cincias atuais, parciais, fragmentrias, em um todo harmonioso, isto , em uma concepo geral da vida e do Universo. Ela se tornar assim um mvel de ao, um foco de luz capaz de iluminar e de guiar o homem nas vias at aqui incertas de sua destinao.

A cincia no feita, ela se faz; um dia, tornada integral e homognea, abraar em seus estudos os mundos visvel e invisvel que penetrar neste oceano de vida oculta que nos envolve. Ela conhecer as leis e, acima de tudo, essa grande lei de ascenso que convoca cada um de ns atravs dos tempos para um bem estar melhor. Ento, chegado a este domnio elevado do conhecimento, poder servir de base ao destino e educao. Pois ela ser no apenas uma lei, mas tambm uma lei moral a oferecer Humanidade.

Hoje, ela ainda um balbucio de criana ensaiando por pronunciar as primeiras letras do grande livro eterno e divino.

Esmagada sob o peso da matria, cuja densidade maior entre ns do que sobre os globos vizinhos, sufocada por uma atmosfera envenenada, pelos fluidos das paixes terrestres, como o homem poder conhecer a vida invisvel que preenche o espao? Como poder fazer uma idia dessas hierarquias espirituais que se superpem at os cumes da Sede incriada? , entretanto, isto que o homem tem mais necessidade de conhecer, pois o fim supremo de seus esforos, a sano de seus atos, a compensao reservada s suas provas e seus males.

verdade que pela descoberta das foras radiantes e dos estgios sutis da matria a cincia humana comeou a entrever a possibilidade de uma vida invisvel, mas, antes de ter analisado esse estgio da vida por seus mtodos atuais, antes de ter examinado as leis, as conseqncias morais, podem se escoar muitos sculos! Esperando que nossa cincia terrestre tenha chegado altura das necessidades sociais, eis que o ensinamento dos Espritos vem abrir mais vastos horizontes, iniciando-nos nas leis da harmonia Universal. Pouco a pouco, sobre todos os pontos do globo, uma comunho se estabelece entre os vivos e os mortos e logo da Terra inteira se elevar um hino de jbilo, o grito de reconhecimento e de amor para com Aquele que em Sua sabedoria e Sua previdncia permitiu que esta grande revelao se produzisse no momento mesmo em que a Humanidade parece se inclinar para um abismo de trevas e de dores, para Aquele que disps todas as coisas com uma Sabedoria, uma Previdncia, uma Arte infinitas.

Captulo II

Nosso mundo, dissemos precedentemente, arrastado por uma corrente poderosa para uma era de transformao social. O Socialismo, qualquer que seja a opinio que dele se faa, que se o aprove ou que se o condene, tem perseguido seu caminho a despeito das resistncias e se tornou uma fora com a qual preciso contar. Ele tem para si o futuro; ele triunfar, talvez, sob formas bem diferentes daquelas sob as quais concebido hoje e sua obra ser pacfica ou sangrenta, conforme o princpio, a idia mestra que a inspirar.

No momento, os socialistas esto divididos em escolas rivais. Eles trabalham de maneira diversa para reunir os elementos necessrios a fundar um novo edifcio social. Falta-lhes, porm, o essencial, o cimento que deve reunir esses elementos, isto , a f elevada e o esprito de sacrifcio que ela inspira. Falta-lhes o ideal poderoso que aquece, fecunda e vivifica.

Para construir a cidade futura, para fixar a lei definitiva, preciso, antes de tudo, conhecer a lei Universal do progresso e da justia e tom-la por guia, pois, se no conformarmos nossas obras pela lei eterna das coisas, no faremos seno uma obra efmera construda sobre a areia e que vir abaixo.

A cincia , por alguma razo, importante neste momento crucial que atravessa o mundo e o penetra de mais em mais? No, apenas a vontade de fazer cessar ou pelo menos minorar o sofrimento humano; o desejo intenso de pr fim s iniqidades sociais que inspira o Socialismo sob suas formas variadas.

Esse movimento, que a cincia no criou, chegar at ela indicando-lhe, dirigindo-lhe, assinalando-lhe a finalidade elevada que deve enobrecer, idealizar seus esforos? Deste ponto de vista a cincia atual impotente.

Assim, como vimos, os socialistas que se inspiram em certas teorias cientficas, erigiram o materialismo e o atesmo, altura de um princpio. Fez-se tbua rasa de todas as esperanas no Alm, de toda a idia de imortalidade, de toda concepo de um ideal divino. E esse estado de esprito que a torna estril ou funesta. Assim como j dizia Mazzini, o grande democrata italiano de seu partido, pode-se dizer de todos os partidos: Vejo em torno de mim o estado de dissoluo, o individualismo ao qual desgua, forosamente, a ausncia de um pensamento religioso, de um pensamento elevado; vejo nessa ausncia a causa da perda temporria e a encontro a explicao de todos os fenmenos que nos entristecem.

Perguntar-me-o se este sentimento elevado de justia e de solidariedade, se este ideal superior concilivel com o conflito dos interesses e a luta pela vida. Pode-se exigir do homem, em nome de princpios polticos ou de direitos econmicos, que ele renuncie ao seu egosmo, ao seu amor-prprio, ao seu spero agarramento aos bens materiais?

Para colocar um freio s paixes violentas, s cobias furiosas, a todos os baixos instintos que entravam o progresso social, no preciso apelar para a inteligncia e a razo; preciso, sobretudo, falar ao corao do homem, ensin-lo a reconhecer a finalidade real da vida, seus resultados, suas conseqncias, suas responsabilidades, suas sanes. Enquanto o homem ignorar o alcance de seus atos e sua repercusso sobre o seu destino, no haver melhoria durvel na sorte da Humanidade. O problema social , sobretudo, um problema moral, dissemos. O homem ser desgraado enquanto for mau.

E entretanto, o povo, apesar de sua ignorncia e suas falncias originais, permanece ainda acessvel s verdades consoladoras. Ele sofre, extravia-se e por vez se exaspera, mas vibra quando sabe que haver apelo ao seu sentimento generoso. Sua educao est por ser feita, por inteiro, do ponto de vista psquico. Nele o materialismo bia na superfcie. H um grande trabalho a ser empreendido atravs destas extenses quase incultas!

Edgar Quinet via corretamente quando escrevia: Como no se aperceber de que o problema religioso envolve o problema poltico e econmico e toda a soluo deste ltimo no tem seno valor de uma hiptese h tanto tempo que ainda no se resolveu o primeiro.

Com efeito, preciso lembrar que em sua f religiosa que as comunidades crists do oriente e do ocidente e, na Amrica, as Sociedades dos Quakers, dos Chacres, etc., encontraram as regras de disciplina, o princpio da associao e de devotamento que assegura o bem-estar, a prosperidade dessas instituies e de seus aderentes.

Mas em nossa poca e em nossa Frana a f religiosa no tem mais intensidade para servir de base a uma transformao social ou a uma organizao econmica. Os ensinamentos nebulosos das Igrejas sobre as condies da vida futura, seu dogmatismo estreito, suas ameaas pueris, relativas aos castigos imaginrios, tudo isso terminou por semear, at mesmo entre seus fiis, o ceticismo ou a indiferena.

Mas eis que a revelao dos espritos vem aclarar com uma luz implacvel as condies da vida no Alm e o destino dos seres. Por ela, a lei da reparao se impe a todos; no mais sob a forma de um inferno ridculo, mas por existncias terrestres que podemos observar, constatar em torno de ns, existncias de labor, de sofrimentos e de provas em meio s quais os seres resgatam um passado culposo e conquistam um futuro melhor. Assim a sano se torna precisa. Cada um de nossos atos recai sobre ns e seu conjunto constitui a trama de nosso destino. A justia e a solidariedade a encontram sua plena e inteira aplicao. Sentimo-nos ligados aos nossos semelhantes na medida dos sacrifcios que por eles fizemos destinados a nos reencontrar, a nos unir, a nos seguir atravs de etapas inumerveis nas condies sociais as mais variadas, ao curso de nossa ascenso para uma finalidade grandiosa e comum.

Os ensinamentos do alm-tmulo exercem sobre aqueles que os recebem uma impresso profunda, pois que emanam, as mais das vezes, de seres que conhecemos e amamos na Terra, de nossos prprios parentes e amigos, como prova de identidade, detalhes psicolgicos que no permitem duvidar da natureza nem da presena dos manifestantes. Em suas mensagens sugestivas, estes descrevem suas sensaes na vida do espao, suas respectivas situaes boas ou ms, segundo seus mritos e seu grau de evoluo. Eles descrevem os sofrimentos morais causados por uma lembrana das faltas cometidas e a necessidade do retorno carne para desenvolver as energias latentes no Eu, para reparar e para evoluir. Esses ensinamentos proporcionam a todos os que deles participam uma compreenso mais ntida das grandes leis de justia e de harmonia que regem o Universo e, por isso, oferecem maior coragem na prova, maior resoluo no cumprimento do dever.

medida que tais conhecimentos se propagam, uma corrente se estabelece entre o Cu e a Terra, entre os adeptos e seus protetores invisveis. Para l se alam as aspiraes humanas e de l descem as foras, os socorros, as inspiraes. De mais a mais v-se produzir entre os participantes essa radiao da alma, essa expanso do corao, v-se criar uma atmosfera de fraternal confiana que tornar mais fcil a soluo de numerosos problemas sociais que o egosmo, a ignorncia e o dio haviam at aqui tornado insolveis. Foi isso que permitiu ao grande escritor ingls, Sir Arthur Conan Doyle, escrever a respeito do Espiritismo: Recebemos h alguns anos uma nova revelao que se distancia de muitos dos maiores acontecimento religiosos sobrevindo aps a morte de Cristo, pois ela muda inteiramente o aspecto da morte e a sorte dos humanos. Encontra-se ali uma revelao que nos faz fitar a morte face a face sem temor e uma imensa consolao, quando aqueles que amamos passam para o outro lado do vu.

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Em realidade poder-se-ia dizer que o Espiritismo um socialismo etreo baseado sobre as regras absolutas da justia e sobre as leis da conscincia e da razo. Seus princpios so imutveis. Eles mostram Humanidade o caminho do dever pelo qual ela se proporcionar a verdadeira luz e a plenitude de suas liberdades e de seus direitos. Os espritas sabem que a obra divina representa o trabalho da justia, a sabedoria e a beleza. Tudo age, progride e sobe, desde o tomo at Deus. As leis da evoluo so soberanas, mas sobre nossa Terra essa evoluo no pode ser seno lenta e gradual.

Se pusssemos ver as coisas do alto, constataramos que essa evoluo de nosso planeta segue regras fixas. Atualmente j entramos em posse de foras radiantes, de correntes de ondas que nos permitem comunicar nossos pensamentos a toda distncia e que abrem nossos horizontes cincia.

Logo, por processos anlogos, entraremos em relao com as sociedades do espao e delas receberemos exemplos e lies.

A grande iniciao assim, vertida gota a gota, a fim de que os seres sejam dela melhor impregnados e se submetam regra soberana e universal do bem e do belo. Pois nesse esforo, que faz cada um deles para se elevar alta concepo da beleza fsica e moral do mundo, que se encontra a fonte de todos os prazeres intelectuais e o mvel de todo o progresso.

Do ponto de vista social, como do ponto de vista individual, na realizao da lei do bem e do belo permanece a finalidade essencial, a regra e a recompensa dos esforos comuns. Cada um deve concorrer ao seu alcance para a ordem e harmonia do conjunto. As almas superiores, os gnios, os artistas, os poetas, trabalhando na obra da beleza, contribuem para elevar as inteligncias e tocar os coraes; outros realizam tarefas mais humildes que se lhes incumbem, tarefas no menos necessrias vida de todos, procurando elevar-se a si mesmos a um papel mais importante e mais esttico no Universo.

esta lei sublime que estabelece conexo com a noo do direito e do dever, a de todo indivduo participar na ordem social na razo do seu grau de evoluo. Uns trabalham na ordem imediata para assegurar os direitos de uma vida transitria, outros para uma finalidade mais vasta na ordem futura, para preparar a evoluo coletiva.

Se todos os homens estivessem penetrados do esplendor destas leis compreenderiam a finalidade que perseguem atravs dos tempos, associar-se-iam de todo o seu corao, de toda a sua alma obra universal da beleza e da harmonia, pois saberiam que trabalhando para o todo trabalhariam para eles mesmos. No se veriam tantos dios, resistncias, revoltas e outros males. O sofrimento seria banido da Humanidade, pois tudo est na compreenso do fim a ser atendido e de se colocar em ao os meios prprios desta realizao.

o que nos ensina a doutrina dos Espritos e nisso que ela superior s revelaes precedentes e incompletas, que nos do, sobre o futuro da alma, apenas vagas indicaes e plidas descries de parasos adequados aos estgios pouco evoludos do pensamento humano.

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Muitos leitores perguntam-me o que penso da crise atual. Minha opinio pessoal importa pouco e prefiro resumir aqui, guisa de resposta, as instrues dadas por nossos guias espirituais sobre esse assunto complexo e delicado:

As lies da guerra dizem eles em substncia , no trouxeram os frutos que se poderiam esperar. O perigo passado, a matria caiu mais pesadamente sobre o Esprito; ela superexcitou os apetites, a avidez. Como deter esse transbordamento de paixes que nos arrasta para o abismo? Suprimindo o meio que as desencadeia: o dinheiro! Da a crise financeira que sevicia a hora presente.

Deveis sentir-vos todos atingidos do ponto de vista social ou financeiro. Cada um deve fazer um retorno para trs, interrogar o passado e medir suas prprias responsabilidades. Apenas ento uma reviravolta poder se produzir. De acordo com uma lei imanente e superior, todo capital adquirido sem escrpulo, sem trabalho, ser volatilizado; pode-se prever runas sem nmero e a queda de muitos e grandes estabelecimentos.

Do ponto de vista espiritual, preciso regenerar a massa atravs do trabalho e de uma orientao nova, pois pelo trabalho que se podem criar os objetos necessrios s mudanas que so as fontes vitais da existncia. Como deter esse desbordamento de paixes que arrastam para o abismo? De que serve a troca? o dinheiro! Pois o dinheiro, que depois da guerra havia perdido o seu valor, em seguida sua grande defasagem, dever restabelecer-se gradualmente, em razo do esforo e do trabalho nacional. Vossos vizinhos intrigam contra vs, porm suas intrigas se voltam contra eles mesmos.

, em seguida, no de perda de vidas humanas, mas de perdas de fortunas, que vossa populao compreender melhor a lei do trabalho e a ela se submeter de bom grado. H ainda o medo que o incio da sabedoria. A crise se encontrar resolvida pelo prprio jogo dos acontecimentos que o Alto julgou til deixar amadurecer. preciso ainda esperar pela soluo desta crise e a de lutas econmicas e polticas.

Para o momento, importa que cada um se volte para si mesmo; para isto a Espiritualidade ajudar. Uma nao sem ideal, sem um fim elevado, logo reduzida a p. Alm disto os crculos polticos, mais opostos, devem se inspirar em um ideal superior, um ideal que se alie ao racionalismo o mais extenso.

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Da mesma forma que, para contemplar um afresco, um quadro, preciso um certo recuo da parte do observador, para julgar nossa civilizao ocidental preciso consider-la do alto. Assim, sob suas faces brilhantes v-se aparecer o longo cortejo de seus erros, de seus defeitos, de suas misrias morais. Sua maior falta a de ter dado um espao muito grande s coisas da matria, passageira e perecvel, em detrimento do esprito, cuja vida imortal e infinita. Da uma contradio com a lei suprema da evoluo e desta contradio decorre um estado social, uma situao perturbada, falseada, por vezes dolorosa.

Rendamos ao esprito sua supremacia e vejamos na matria o que ela realmente: um meio de ascenso e no uma finalidade. Aprendamos a conhecer e a nos comunicar com este universo invisvel no qual se desenrolam nossos destinos sem limites. Aprendamos a pr nossas vibraes e nossos pensamentos em harmonia com o mundo dos Espritos, no qual seremos chamados a viver nossa verdadeira vida.

Cada ser humano um pequeno plo vibratrio; entre todos os homens existem transmisses fludicas, entre os mundos existem poderosas correntes da mesma natureza. De uma maneira geral, h a relao magntica entre todos os seres vivos e tudo se religa a uma causa nica e superior, a um centro de foras que anima o Universo inteiro.

Pelo estudo do invisvel chegamos a melhor compreender esta comunho de seres e de mundos de que participamos, mesmo independentemente de ns. Com efeito, o que a intuio, o gnio, a inspirao, seno mensagens impressionantes de crebros postos em vibrao; pois no estamos mais no tempo das mesas girantes!

As relaes se dilataram entre os diferentes planos da vida espiritual e de mais alto um ensinamento se desprende, uma revelao nos chega que dissipa os enigmas sombrios da vida e do destino. Sentimo-nos mergulhados em um oceano de fora e de vida cujos recursos no conhecem limites.

Para que a sociedade terrestre prossiga nessa evoluo, deve renunciar ao materialismo, que insuficiente, e se apoiar, doravante, nesta noo mais alta das existncias sucessivas do ser e de uma vida universal regida por leis de eqidade e de harmonia.

Faamos desta lei um princpio de educao moral e de justia social, pois atravs dela tudo se explica e se esclarece. Com efeito, pela compreenso desta regra social junto noo de deveres e de responsabilidades que ela comporta, de sanes que lhe so afetas, que se revelar aos nossos olhos a grandeza e a beleza da vida. A se encontrar o remdio que supre os nossos males e a soluo dos graves problemas da hora presente e do futuro.

Captulo III

Conhece-te a ti mesmo!, dizia a sabedoria antiga; o que o homem conhece de menos ele mesmo, e dessa ignorncia decorre a maior parte de seus erros, de suas faltas, de seus males. O homem moderno no se interessa seno por seu envoltrio material, isto , o que h de menos essencial em ns. pela parte sutil, impondervel de nosso ser, aquela que escapa aos nossos sentidos, que pertencendo a este mundo invisvel de onde samos por ocasio de nosso nascimento ou aonde retornamos quando de nossa morte, e que o mundo das causas, das sanes, o nico permanente e durvel.

Essa forma invisvel, impalpvel, que sustm ainda nosso corpo durante a viglia, que dele se destaca durante o sono e depois da morte, , em todos os tempos, a sede de nossa alma e de suas faculdades: conscincia, razo, julgamento. Por ela somos ligados ordem superior e divina e como ela somos imperecveis.

Ali est tambm a fora das intuies profundas, das inspiraes que iluminam todo o nosso ser, quando sabemos nos abstrair das influncias materiais e dar livre curso s foras ocultas em ns. Mas o homem ouve raramente as vozes que falam nele, distrado que est, na maioria das vezes, pelas preocupaes exteriores.

Se soubssemos ler o belo livro da conscincia, a encontraramos o reflexo de todas as leis superiores. Mas as vozes da conscincia, as fontes da inspirao sendo abafadas, afogadas sob a onda montante dos interesses e das paixes materiais, o ensinamento dos Espritos vem restabelecer a lei moral, chamar a todos s regras da vida aqui em baixo e no Alm. E, por esse ensinamento, a justia surge-nos como uma norma do Universo, no mais a justia humana, sempre defeituosa, mas a justia divina, infalvel, temperada pela misericrdia.

Nada de penas eternas, mas a possibilidade, para todos os culpados, da reparao, da reabilitao pela expiao, pela dor; nada de parasos, de infernos, de purgatrios que se abrem ou se fecham por meio de preces pagas; tampouco o nada, onde se confundem em desordem, sem distino e sem amanh, o bem e o mal, o justo e o injusto, o assassino e a vtima! E a certeza de que no h separao definitiva para aqueles que se amaram; a perspectiva de tornar a ver, da sano comum para os destinos, para mundos mais felizes. E, tambm, a prova de que os seres afetuosos, embora invisveis, nos assistem, nos protegem, nos inspiram e guiam nossos passos nos sendeiros abruptos da vida, a prova de que nenhum de ns est sozinho, abandonado, mas que uma proteo tutelar se estende sobre todos e nos rene a nossos amigos do espao em um sentimento de confiana e de amor.

O Espiritismo bem compreendido, bem praticado, torna-se assim, para os coraes sofredores, para as almas desoladas, uma fonte imensa de fora moral e de consolaes.

Aqui uma questo se coloca: que a Moral? Em que consiste ela? apenas uma concepo arbitrria do dever, um conjunto de preceitos estabelecidos pelos homens conforme os tempos e os meios? No! A Moral uma das expresses da lei eterna, divina, de evoluo e do progresso, lei da qual ela inseparvel, visto que nela encontra seu apoio e sua sano.

Eis porque a Moral dita positiva, separada da noo da imortalidade e da idia de Deus, sempre fria. Ela no impressiona nenhum corao, nenhum esprito e permanece estril. a semente atirada sobre a rocha; foi a moral da escola laica durante uma trintena de anos e dela podemos constatar os frutos speros na mentalidade das geraes que dela saram. Para reagir contra esse estado de esprito, sonha-se em certos meios, em dar-se de novo lugar escola congregacionista, mas isto seria cair de Carybde en Scylla.

O ensino moral deve mostrar a todos a finalidade da vida, que no a procura da felicidade, como muitos supem, mas o aperfeioamento e a depurao do ser que deve sair da existncia melhor do que nela entrou. Os meios de realizao so o trabalho, o estudo, o esforo constante para o bem.

Pela observao da lei moral o homem se eleva; violando-a ele se rebaixa e se torna menor; ele condena a si mesmo a subir mais penosamente a crista sobre a qual escorregou.

No temos que atirar seno um olhar em torno de ns para ver os males, as enfermidades, os revezes, a conseqncia de existncias anteriores malbaratadas e perdidas. Mas como as verdades mais evidentes e mais rudes, as lies da adversidade so difceis de fazer o homem moderno compreender, j que seu esprito foi falseado por tantos sculos de erros dogmticos!

Destas consideraes resulta que a reforma social, para ser mais segura e mais prtica, deveria comear pela reforma do homem em si mesmo. Se cada um se impusesse uma disciplina intelectual, uma regra capaz de asfixiar, de destruir um fundo de egosmo e brutalidade que nos foram legados pelas idades, toda a bagagem mrbida que trazemos ao nascer e que a herana de nossas vidas passadas, e isso de modo a fazer renascer em ns um homem novo, a evoluo do meio social seria rpida. Poderamos a instaurar o regime que, com a ordem e a liberdade, trouxesse aos homens mais felicidade, pois acabamos de ver a causa de todos os males em ns mesmos e seria suficiente vencer o que existe de inferior e de mau em nosso ser para tornarmo-nos mais felizes. A felicidade no est fora de ns, mas, antes, em nossa maneira de julgar as coisas, em nossa mente.

A tarefa mais urgente, mais necessria para cada um de ns, seria a de trabalhar na cultura do Eu, na reforma do carter, de maneira a servir de exemplo queles que nos cercam e, de mais a mais, sociedade inteira. Agindo nesse sentido, entraremos plenamente nos caminhos de nossa destinao, j que a educao da alma a finalidade ltima, o fim supremo de nossa imensa evoluo. Recolheremos os frutos imediatos resultantes de nossos esforos, enquanto que disso negligenciando nos privamos das vantagens que dela decorre e das alegrias que a lei reserva a todos aqueles que muito trabalharam, muito amaram, muito sofreram.

O estado social no sendo, em seu conjunto, seno o resultado dos valores individuais, importa antes de tudo obstinar-nos nessa luta contra nossos defeitos, nossas paixes, nossos interesses egostas. Enquanto no tivermos vencido o dio, a inveja, a ignorncia, no se poder estabelecer a paz, a fraternidade, a justia entre os homens; e a soluo dos problemas sociais permanecer incerta e precria.

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O estudo do ser humano nos leva, pois, a reconhecer que as instituies, as leis de um povo so a reproduo, a imagem fiel de seu estado de esprito e de conscincia, e demonstram o grau de civilizao ao qual ele chegou. Em todas as tentativas de reformas sociais preciso falar ao corao do povo ao mesmo tempo em que sua inteligncia e sua razo.

A sociedade no seno um agrupamento de almas. Para melhorar o todo preciso melhorar cada clula social, isto , cada indivduo. Expusemos alhures as desordens de nossa poca, as misrias de nosso sculo atormentado, e demonstramos as suas principais causas. Falamos do egosmo de uns, da rapacidade de outros; vimos o ceticismo fluir e reinar mais alto; o alcoolismo e o deboche desenvolverem-se debaixo e por cima de tudo; a ignorncia da finalidade da vida, a incerteza do amanh, o desconhecimento dos deveres mais imperiosos, em uma palavra, o enfraquecimento do carter e a corrupo dos costumes. Se as mentalidades se encontram falseadas, se o livre arbtrio foi diminudo, se a fora radiante do homem diminuiu, que a f em um ideal superior, a causa suprema, adormeceu. As belas paixes se extinguiram, os atos generosos que alimentavam a chama vivificante se tornaram raros.

Mas, de que serviriam as recriminaes, as crticas vs? Vale melhor procurar remdio, isto , os meios de criar uma sociedade mais feliz e melhor, uma sociedade onde a Justia, o Direito e a Moral no seriam mais vs aparncias, porm realidades vividas. Onde encontrar o raio consolador que esclarece e aquece as almas em penria, detendo os desesperados sobre a crista do suicdio, opondo um freio s paixes desordenadas que invadem o mundo?

Para isso, o mais essencial seria dar ao povo uma nova educao, baseada sobre uma doutrina espiritualista vasta e racional. preciso, antes de tudo, que os pensadores que guardaram a luz projetem suas radiaes sobre seus irmos mais ensombrecidos, a fim de dissipar os maus fluidos que os envolvem; cabe, sobretudo, escola inculcar na juventude os princpios regeneradores, pois no se forma uma sociedade sem todas as suas peas e preciso comear na infncia a preparar a obra do sculo.

preciso uma concepo simples, ntida e clara da vida e do destino. Para coroar a educao popular preciso uma alta moral desprendida de preconceitos, de seitas e de castas, impregnada de piedade humana, de piedade para com tudo e com todos, os que sofrem aqui embaixo, homens e animais; estes ltimos so muitas vezes vtimas inocentes da brutalidade humana.

A inveja e o cime engendraram o dio entre as classes pobres. preciso anular o dio do corao humano, pois com ele no h paz, harmonia e felicidade possveis. O dio no pode ser vencido pelo dio, diz a sabedoria antiga; ele no pode ser vencido seno pela bondade, a benevolncia, a tolerncia. preciso que no se deixe de lembrar aos escritores, aos renovadores, seus deveres e suas responsabilidades, pois pela pena e pela palavra eles detm grande poder, tanto a servio do bem como a servio do mal. Que eles se lembrem em seus artigos e seus discursos que podem ser para cada auditor uma causa de elevao ou de regresso. O pior dos papis deste mundo consiste em trabalhar conscientemente para envenenar as almas.

Tornam-se necessrias a tolerncia em nossos costumes e a precauo em lanar antema queles que pensam de modo diferente do nosso. Faz-nos bem reconhecer, por nossa parte, que entre os contraditores h pessoas de mrito, dignas de considerao e de estima. A nova educao dever insistir sobre a noo das vidas sucessivas, pois enquanto essa grande doutrina no vier esclarecer o caminho do homem na Terra a incerteza persistir para ele com os tateamentos, os erros e todos os males que decorrem da ignorncia e da finalidade ltima.

Do mesmo modo que devemos nos destacar, pelo pensamento, de nosso minsculo planeta e considerar o conjunto dos mundos para entrever a unidade do Universo e a majestade de suas leis, apenas abraando com o olhar o panorama de nossas existncias que poderemos conhecer o lao que as religa entre si e as prende ao princpio de justia que rege todas as coisas. Ento compreenderemos que construmos, ns mesmos, nossos destinos e que nossos atos, bons ou maus, recaem sobre ns atravs dos tempos com suas conseqncias. Nossa maneira de viver e de agir, desta forma, sem dvida, seria profundamente modificada.

Mas isto impossvel por duas razes: uma moral e outra fisiolgica. De acordo com a situao da maioria de ns, sobre os degraus inferiores da escala da evoluo, nossas vidas passadas no so, em geral, seno um tecido de erros, de fraquezas, cujo conhecimento, em nos hipnotizando, paralisam nossa iniciativa, enfraquecendo nossos esforos.

Do ponto de vista fisiolgico, nosso crebro material incapaz de reproduzir a lembrana de acontecimentos dos quais ele no participou. Mas nas profundezas de nossa memria, no que est em moda chamar o subconsciente, todas as aquisies anteriores subsistem e da provm nossas atitudes, nossas faculdades, os traos de nosso carter, todos os elementos de nossa personalidade, isto , o que h de mais essencial para o cumprimento da tarefa de cada nova vida.

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Possumos agora, nas manifestaes dos Espritos, provas inumerveis da sobrevivncia, mas, a despeito destas provas preciso que permaneamos sempre atentos, sem idia preconcebida, para constatar que nossas necessidades intelectuais desbordam os limites de nossa vida, que nossas aspiraes, nossas tendncias, ultrapassam o quadro estreito da existncia atual.

Em todo o ser pouco evoludo observa-se como um reflexo, um resumo, uma sntese das foras universais: matria, fora e esprito; e por esses trs aspectos ns nos sentimos arrebatados a esse Universo imenso e sua finalidade. As formas apenas passam e se esvaem, as foras se afinam, a alma permanece indestrutvel.

preciso compreender que tudo no Universo justia, verdade, moral se combina e se funde em um princpio nico que a lei viva do Universo e se identifica em Deus. Apenas quando o homem gravou essa lei em sua conscincia e dela fez o mvel de suas aes que ele entra em comunho divina e goza as alegrias espirituais que dela decorrem.

Certamente, este fim, este resultado longnquo; ele difcil de ser realizado plenamente na Terra. Entretanto, todas as grandes obras nele se inspiram, sem que sejam destinadas a perecer. Os socialistas devem pois adotar essa lei natural acima de tudo e dela fazer a regra de seu trabalho, a base de suas organizaes.

Com efeito, como poder-se-ia vencer o mal, o erro e a injustia no mundo se no se comear a venc-la em cada ser em particular?

Esta luta, entre todas, meritria e fecunda. A cada passo frente, isto , a cada conquista sobre suas paixes, o homem sente se acrescerem suas foras radiantes e a influncia benvola que ela exerce em seus semelhantes.

Ele aprende pouco a pouco a unir seus esforos queles do mundo invisvel para a realizao da obra comum: o aperfeioamento social.

Deste ponto de vista repetimos que o Socialismo teria um grande papel a desempenhar. Este seria o de fazer penetrar na alma do povo o culto da beleza intelectual e moral, sob formas simples, porm capazes de reagir contra esses prazeres malsos em que o esprito se corrompe, em que o gosto se perverte. Seria o de elevar o pensamento para o ideal onde converge toda a evoluo universal, para as alturas onde irradiam a luz, a verdade e a bondade. Pois no basta assegurar o bem-estar material, preciso tambm dar ao homem a fora moral que o sustentar nas provas, nos revezes, nas molstias, como diante da morte daquele que ele amou.

Todas as vantagens materiais, os maiores salrios, no so suficientes para preservar o homem do desencorajamento, do desespero nas horas dolorosas, por exemplo, quando ele descer tumba o caixo morturio daqueles que lhe foram queridos; quando ele se sente atingido em seus sentimentos ntimos, em seus afetos mais profundos.

No h doutrina que possa nos trazer tanta consolao e reconforto quanto o novo espiritualismo, pois ele nos demonstra que tudo sobrevive para evoluir. As almas que nos antecederam no Alm guardam-nos os tesouros de sua ternura, nos protegem, nos assistem em circunstncias difceis e ns as encontraremos um dia para percorrermos juntos novas etapas ascensionais. Podemos mesmo obter provas de sua sobrevivncia e do interesse que continuam a ter para conosco.

Muitas vezes notei que para a maioria dos operrios o trabalho manual puramente maquinal e deixa toda liberdade ao pensamento. Se este fosse regularizado, disciplinado, orientado para um fim elevado, ele poderia tornar-se um meio poderoso de aperfeioamento para o indivduo e, por reflexo, sobre todo o meio ambiente, enquanto que o pensamento flutua quase sempre sobre assuntos pueris e vos, perdendo assim todo seu poder educativo e social.

Assim como o adgio da sabedoria oriental, Somos o que pensamos, aquele que fala e age segundo um pensamento puro, a felicidade segue-o como sua sombra. Mas os ocidentais no sabem administrar o jogo de suas faculdades e esta a razo porque a existncia muitas vezes to estril para o seu avano. Eles vieram Terra para aqui se engrandecer intelectual e moralmente, e daqui saem como chegaram sem cuidar de suas recadas possveis, renascimentos em meios grosseiros e inferiores, onde as tarefas sero mais penosas e mais rigorosas.

A lei sobre a jornada de oito horas oferece ao operrio mais lazeres para o trabalho intelectual e a cultura do Eu. Que ele saiba disso tirar partido; preciso no perder de vista que nossas responsabilidades se medem pela extenso de nossa liberdade e de nossos meios de ao. E isto se aplica aos homens de todas as classes e de todas as condies.

preciso que todos aprendam a desprender, por vezes, seus espritos dos burburinhos terrestres, a lanar seus olhares para os vastos horizontes onde o destino chama, sem o que arriscariam a se reencontrar, para alm da tumba, no estado de tantos humanos descuidados da lei moral, isto , em um estado prolongado de perturbao, de inquietude e de obscuridade.

Desnecessrio dizer que toda a destinao do ser, as condies de sua vida futura, sua situao no Alm, tudo regido por uma lei imanente que traz em si mesma sua sano. O homem, por seus atos, faz nele prprio, em sua alma, a luz ou a treva.

Esta lei imanente, que no seno a lei moral, no , pois, o resultado de uma conveno terrestre, porm qualquer coisa de mais alto e maior, o reflexo do pensamento divino, a forma suprema da beleza eterna. Apenas atravs dela chegaremos a triunfar sobre os baixos instintos e foras inferiores, a orientar nossas foras a uma finalidade sempre mais elevada. Atravs dela nos sentimos livres e responsveis, verdadeiramente filhos de Deus, Dele emanados e destinados a Ele retornar.

Captulo IV

A rivalidade entre os partidos desperta, por vezes, paixes bastante violentas para obscurecer as mais altas inteligncias e falsear os melhores julgamentos. Assim, convm no tocar as questes sociais seno com grande seriedade. preciso aproximar-se do trmino de uma longa carreira, ter adquirido uma madura experincia dos homens e das coisas, ter se afastado por antecipao das contingncias terrestres, para disso falar com uma serena imparcialidade.

Este um pouco o meu caso e por isso me propus a abordar essas questes com inteira franqueza. Recebi sobre este assunto um certo nmero de cartas que apresentam as nuances mais variadas de opinio, desde as aprovaes mais calorosas at as crticas mais amargas. No podendo responder a todas, envio aos seus autores, indistintamente amigos e adversrios, aprovadores ou crticos, uma radiao do corao, um pensamento igualmente simptico. Eu pediria, apenas, a meus contraditores que prestassem muita ateno na finalidade dos artigos que escrevo antes de julgar-me e de condenar-me.

Em todos os tempos, em todos os meios, a questo social foi objeto de preocupaes de pensadores, filsofos e de homens polticos; deu nascimento a uma multido de teorias e sistemas; caos confuso onde o pesquisador encontra dificilmente o fio de Ariadne que os impedir de se desgarrarem.

Ainda hoje os socialistas dividem-se em escolas diversas. Os alemes, em nmero importante, prendem-se s teorias de Karl Marx, que se inspiram no materialismo brutal, preconizam as lutas de classes e sua concluso, logicamente, desemboca em uma ditadura do proletariado, isto , no bolchevismo. Ora, sabe-se o que este regime proporcionou Rssia. Voltaremos mais tarde a tratar deste assunto.

Depois do sucesso das foras armadas alems em Sadova e logo aps em Sedan, as teorias marxistas ganharam uma grande extenso. A Sozial Demokratie tinha se tornado bastante poderosa para impedir a grande guerra, mas, apesar da promessa feita a Jaurs, ela no apenas voltou os crditos militares, pedidos pelo Imperador em vista dessa guerra, como tomou nela uma parte prfida e cruel. Por este fato ela assumiu, diante da histria, uma pesada e terrvel responsabilidade.

Os socialistas franceses adotaram, de preferncia, as doutrinas de Fourier e de Proudhon. Seu fim comum a supresso do salariado em proveito de um novo regime de propriedade em sentido coletivo com a socializao dos meios de produo e de troca. Mas, desde o comeo, v-se passar nos modos de aplicao, tanto entre os unificados como em outros agrupamentos, divergncias de opinio que se revelam e contradies que aparecem.

a, sobretudo, que lhe falta um ideal superior que religasse todos os esforos e vantagens e se fizessem sentir; pois no o materialismo em voga nestes meios que susceptvel de inspir-lo. Pelo contrrio, os apetites se fazem luz e o Socialismo muitas vezes serve de trampolim a ambiciosos destitudos de brio que o utilizam para chegar a seus fins polticos, sem cuidar dos engajamentos tomados, o que muitas vezes contribui para o desacreditar na opinio geral.

Estamos, pois, em presena de duas grandes correntes opostas, uma germnica e russa, outra ocidental. A primeira, vimos, inspira-se num dogmatismo estreito e brutal, formado de teorias preconcebidas, sem relao com as necessidades sociais. Ele conduz retamente dominao exclusiva de uma classe, aos terrorismos e ao nivelamento.

O Sr. Hesnard, em seu estudo muito documentado sobre Les partis politiques alemands, faz notar que no Reischetag os socialistas, pouco inclinados a reconhecer o Tratado de Versailles e o direito da Frana s reparaes de guerra, sustentaram todos os governos que aludiram s obrigaes, e no exagerado pretender que todos os partidos polticos (alemes) tinham apenas um desejo: o de fazer fracassar a paz.

A corrente ocidental, francesa e inglesa, , todavia, organizadora, construtora. Ela se estende por todos os seus meios, sindicalismo, cooperativismo, participao, mutualidade, seguros sociais, proporcionando aos operrios de toda a ordem uma parte crescente dos benefcios da produo e no regime da propriedade. Pretende essa organizao de prximo em prximo criar uma vasta organizao internacional que seria a sociedade das naes vivendo e agindo pacfica e mediadora.

Seu erro acreditar que se pode atingir o resultado somente atravs de medidas polticas e econmicas. Esquece-se de que preciso, acima de tudo, uma f ardente, um ideal elevado capaz de fecundar todos os esforos; esquece-se de que preciso o esprito de devotamento e sacrifcio para fazer nascer o sentimento de altrusmo que o cimento necessrio a toda edificao social.

Qualquer que seja o ponto de vista em que nos colocarmos, pode se organizar a vida aqui em baixo sem saber qual sua finalidade e suas leis, para quais horizontes ela nos conduz. Um conhecimento mais extenso da vida universal e da solidariedade que nos religa todos os seres mostrar aos socialistas que preciso elevar-se acima dos interesses de casta e de classe para realizar qualquer obra de maior vulto e mais durvel.

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Todos os partidos socialistas tm a ambio legtima de conquistar o poder e substituir-se aos governos burgueses. Pelos cartazes verborrgicos, prometem aos eleitores gerar empregos pblicos com um esprito de ordem, economia e progresso. Mas, em quase toda parte onde os administradores socialistas se instalaram pde-se constatar uma recrudescncia de processos arbitrrios e de desordens nas finanas.

Neste mesmo momento, queixas se levantam em toda a Alemanha, queixas que um jornal popular, liberal, resume nestes termos: A experincia socialista deu resultados lastimveis. A poltica de Partido agita as paixes e provoca recriminaes generalizadas. Os grupos do meio reprovam o direito dos dirigentes de exercer uma autoridade interclasses e colocam os interesses de seu partido acima dos interesses do Estado; por exemplo, as nomeaes efetuadas, que testemunham um verdadeiro nepotismo de favoritismo. O Ministro da Instruo Pblica outorga at mesmo diplomas de doutor e usurpa, assim, um direito que no pertence seno s faculdades. Os protestos e os pedidos de controle, visando os atos dos socialistas, dirigidos em Berlim, so sofismados pelo chanceler.

Poder-se-ia lembrar, na Frana, o fato das municipalidades terem se tornado socialistas em muitas de nossas grandes cidades, onde as finanas decaram, e mesmo em certos departamentos pela gesto do Conselho Geral.

Na Inglaterra, o caso Poplard est em todas as memrias. A administrao da Cmara Municipal de Leicester no foi muito edificante. verdade que o Ministrio Trabalhista manifesta intenes muito louvveis e um ardente desejo de solucionar problemas difceis que pesam sobre a situao da Europa.

preciso tambm notar que a inexperincia dos socialistas, que no tiveram seno raramente a ocasio de adquirir o conhecimento dos processos e o manejo dos interesses, a parte das velhas classes dirigentes.

Est na tradio da raa anglo-saxnica cultivar a livre iniciativa individual e desenvolver a fora e a vontade de cada um. Quanto aos socialistas franceses, estes esperam quase tudo do Estado. Qual a teoria que responde melhor grande lei da Evoluo? A primeira assegura no apenas a riqueza e prosperidade das naes, mas tambm a conformidade com o princpio universal que conclama todos os seres para o melhor, para o bem, fazendo crescer sem cessar o haver pessoal e coletivo.

O encampamento de todas as coisas pelo Estado paralisa os esforos laboriosos, extingue a livre concorrncia e o esprito de emulao. A nacionalizao das Minas e das Estradas de Ferro se traduz quase sempre por um dficit; ela resulta na elevao das tarifas e, por isso, acresce ainda mais as dificuldades da vida pblica.

Na realidade, o Estatismo enfraquece o poder das Naes, sua livre expanso e sua afirmao diante do mundo. O Estado entre as mos de um partido e de uma classe que se apia sobre a fora, sobre a violncia, em proveito de uma nica frao do pas, como vimos acontecer na Rssia e na Hungria, leva aos piores excessos, destri a obra dos sculos e conduz um pas runa, regresso, barbrie.

Se h uma nao que tenha sofrido paixes polticas exageradas bem a Rssia. As tempestades que ali ocorreram so incalculveis. Podemos lembrar as convulses que este pas teve que sofrer e como as massas ali foram excitadas por ambiciosos cnicos que, no fundo, bem sabiam que suas teorias eram falsas, mas que delas se serviram como de uma escada para atingir o poder.

O governo dos soviticos havia proclamado solenemente a supresso do capital, da propriedade individual, o nivelamento social, em uma palavra, o comunismo mais integral, mais rigoroso e eis que, cinco anos passados de misria, de fome, de cruis sofrimentos para o povo, foi constrangido a fazer apelo aos capitalistas estrangeiros, a recorrer aos tcnicos de todos os pases a fim de reconstruir penosamente o que havia destrudo. No se poderia sonhar uma falibilidade mais completa e h a uma grande lio para as democracias ocidentais.

Longe de ns o pensamento de criticar os comunistas de convico sincera que desejariam estabelecer na Terra o regime social que reina, provavelmente nos mundos superiores, l, onde todos trabalham para cada um e cada um por todos, no esprito de devotamento absoluto a uma causa comum. Esse regime exige qualidades morais e sentimento de altrusmo que no existe seno em condies excepcionais em nosso mundo egosta e atrasado.

Poder-se-ia fazer das teorias comunistas, parte, aspiraes generosas, mas seria fcil demonstrar que elas so prematuras e inaplicveis na sociedade atual. Fora preciso sculos de cultura moral e de educao popular para levar o esprito humano ao estado de perfeio necessria a uma tal ordem de coisas e, da, a posse individual dos frutos do trabalho permanecer como estimulante indispensvel, o meio de emulao que assegura pr em ao o equilbrio das foras sociais.

Pelo momento, o comunismo, como dissemos precedentemente, no realizvel seno no seio de grupos restritos, cuidadosamente recrutados, nos quais todos os membros so animados por uma f intensa e esprito de sacrifcio.

No se poderia sonhar com a possibilidade de estender a aplicao a naes inteiras, a milhes de homens nos quais as variedades de caracteres e de temperamentos fariam laboriosos e sbios os estpidos, os preguiosos, os imprevidentes e os debochados. Em todos os casos, no ser atravs do crime e pelo sangue que se poder fundar um regime de fraternidade, de solidariedade e de amor!

As instituies no so realmente vivas e fecundas seno quando os homens, por uma vida interior verdadeira, sabem anim-la. Um comunismo sem ideal elevado no poderia ser construdo sobre uma areia perpetuamente movedia. As tendncias soviticas parecem ser inseparveis da doutrina materialista, que s v o horizonte limitado da vida presente, e ignoram toda perspectiva para o lado de l, para a evoluo superior. Disso resulta uma ausncia de princpios morais, uma supresso de todo o freio contra o desregramento, que explicam as paixes furiosas e mesmo as atrocidades que so levadas conta do bolchevismo.

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Em resumo, o que caracteriza o movimento socialista oriental a absoluta ausncia de toda filosofia verdadeiramente humanitria e conciliatria, e as conseqncias funestas desse despojamento surgem a todos os olhos no preconcebidos. Desse ponto de vista, a Rssia nos oferece uma lio dolorosa. Quanto Alemanha, no temos elogios para as idias que h mais de um sculo nos vm deste lado. Seja seu militarismo brutal e devastador ou o materialismo grosseiro de Buchner e Moleschott, ou ainda aquelas mais refinadas, porm no menos egostas, de Nietzche e, sobretudo, o socialismo de Karl Marx, homem cido e odioso, cujo objetivo principal a guerra de classes, tudo isso desprovido de generosidade e de grandeza e no leva seno investida, ao esmagamento de uns pelos outros.

Lucien Deslinires, conhecido pelos seus antecedentes socialistas, acaba de publicar um livro intitulado Livrai-nos do Marxismo, do qual ele d um resumo no repertrio politcnico do 1 trimestre de 1924.

Ao curso de uma permanncia de cerca de um ano (1920 - 1921) na Rssia Sovitica, onde o marxismo lei, constatei que ele tinha por efeito um desconhecimento absoluto pelos princpios fundamentais da economia socialista e, por conseguinte, uma inaptido total quanto a todas as obras reconstrutivas.

Uma vez sedimentada essa convico em meu esprito, no hesitei em romper com meu partido para proclamar a verdade; da a publicao do meu livro. Seu interesse principal incide nos pontos seguintes:

O marxismo, pretendendo tudo inovar, permaneceu na orla das cincias econmicas e sociais, que nelas tem a observao dos fatos e se recusa pesquisa de idias e, por isso, estril.

Antes de Karl Marx o socialismo era profundamente simptico; graas a ele, hoje execrado. A luta de classes uma ttica perniciosa que desviava do Socialismo aqueles que seriam seus melhores elementos, sem lhe conceder a mnima fora. A classe operria sozinha incapaz de transformar a sociedade e dirigir o mundo novo.

o marxismo o responsvel pelo malogro econmico da Revoluo Russa.

O socialismo deve rejeitar tudo quanto demagogia e violncia e se tornar um partido da justia e da razo. Em criticando-se o regime atual, deve-se, antes de tudo, apresentar as bases positivas de um regime melhor.

Felizmente, todos os socialistas no so marxistas; Ramsay MacDonald, o chefe inconteste do Partido Trabalhista, Primeiro-Ministro da Gr-Bretanha, refere-se enfaticamente a este propsito em seu discurso de Brighton fazendo um relatrio do processo do materialismo.

Um despacho de Londres, com data de 7 de maro, anuncia-nos que ele falou nestes termos em uma reunio do Conselho nacional das Igrejas Livres: Sou daqueles que tem f no Estado Socialista; no me sinto envergonhado nem amedrontado por isso. Mas h dois Socialismos: um uma filosofia e um sistema de vida; o outro um meio eleitoral. A idia de classes um txico para o esprito social.

A respeito da atmosfera de recolhimento moral do domingo britnico ele acrescenta que gostaria de ver um Estado de Sociedade mais conforme a esta atmosfera, melhor para a formao do carter e da disciplina mtuos do que aquela do domingo francs caracterstico da necessidade moderna de distraes.

Compreende-se, sob sua forma corts, o sentido crtico destas ltimas palavras, visando o pblico francs; que Ramsay MacDonald no ignora que ns socialistas perdemos de vista o ideal espiritualista dos homens de 89 e de 48. preciso tambm confessar que muitos dentre eles, na hora atual, adotariam voluntariamente a senha: detestar e possuir. A massa cega procura acima de tudo o dinheiro e seus prazeres; ela no tem outro deus que no seja o lucro e outra regra que no seja o apetite. O belo entusiasmo que reinava entre ns durante a guerra, em todas as classes, e produzia a admirao do mundo, essa unio patritica que salvou a Frana, foi afastada para dar lugar debilidade, de uma parte, e o desencadeamento da cobia, de outra. Nas horas de decadncia do imprio romano, a multido gritava: Po e circo! Em suma, chegamos, em nosso pas, a essa situao e o que se passa em torno de ns seria o ndice de uma runa prxima?

Depois do grande exemplo de herosmo e de uma unio sagrada, triste oferecer ao mundo o espetculo de nossas divises. Ao invs de atiar as ms paixes e impelir a luta de classes, aprendamos todos a grande lei que regula o destino dos indivduos e dos povos e faz tombar sobre eles as conseqncias das aes cometidas.

Temos todos necessidade uns dos outros. Um mal-entendido profundo existe entre os diferentes meios sociais. Ora, toda demarcao entre eles arbitrria. Entre os burgueses, muitos trabalham tanto quanto os operrios. O homem que possui um capital e que o faz produzir, pode parecer desocupado, entretanto ele presta servio ao seu pas,