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R E G I S T R O D E C A S O S
SOBRESSALTO PATOLÓGICO: ASPECTOS CLÍNICOS E
ELETRENCEFALOGRÁFICOS
FREDERICO DAHNE KLIEMANN;
NELSON PIRES FERREIRA
A influência dos estímulos sensitivos e sensoriais no desencadeamento
de manifestações convulsivas é conhecida há muito tempo. Segundo Fors-
t e r 1 0 , o termo "epilepsia reflexa" foi primeiramente usado por Hall em
1833, para designar estas manifestações. Tem sido usual classificar as epi
lepsias reflexas, segundo as características específicas dos estímulos que as
provocam 1 0 , em crises fotogénicas, crises de precipitação sômato-sensorial e
crises acústicomotoras.
Encontramos uma única publicação nacional sobre este tema, a de V a m -
pré e Tolosa, em 1938 1 8 . Os autores relatam o caso de um paciente cujas
crises consistiam em quedas súbitas provocadas por percussão no vértex do
crânio.
A importância do efeito surpresa no desencadeamento de manifestações
motoras foi salientada por Alajouanine e Scherrer, em 1952 x. Propuseram
eles a denominação de "sincinesia sobressalto" para enfeixar um grupo de
pacientes com hemiplegia cerebral infantil, com ou sem debilidade mental
associada, que apresentava espasmos musculares em flexão ou em extensão
do lado hemiplégico quando surpreendidos por estímulos auditivos ou táteis
inopinados. Alajouanine e G a s t a u t 2 - 3 propuseram o termo "epilepsia so
bressalto" para designar a situação em que os espasmos eram seguidos de
convulsão ou pós-descargas paroxísticas no E E G , ou ocorriam em pacientes
com manifestações paroxísticas espontâneas. Salientaram eles que, "além
dos estímulos auditivos e táteis, os visuais e nociceptives também podem
provocar os espasmos, desde que comportem um fator surpresa, importante
e susceptível de provocar um sobresalto" 3 .
E m 1964, Boudouresques e col. 6 relataram o caso de um paciente que
apresentava crises caracterizadas por contração global das quatro extremi
dades, desencadeadas por estímulos em que o efeito surpresa era essencial.
Traba lho do Ins t i tu to de Neuroc i ru rg i a de P o r t o A l e g r e (P ro f . Elyseu P a g l i o l i ) , apresentado na 3ª reunião da A c a d e m i a Bras i le i ra de N e u r o l o g i a (Guanabara , j u lho de 1966) : Assistentes.
Por se tratar de paciente de inteligencia normal, com exame neurológico
normal e sem manifestações comiciais espontâneas, acreditaram que não po
deria ser incluído em nenhum dos quadros precedentes, epilepsia sobressalto
e sincinesia sobressalto. E m face disto, admitiram a existência de uma
doença do sobressalto autônoma, em que o sobressalto patológico é a única
manifestação clínica.
A singularidade das manifestações clínicas do presente caso e a raridade
de comunicações nacionais sobre o tema justificam a publicação deste tra
balho.
S.M.S., sexo masculino, côr branca, com 6 anos de idade ( R e g . no 802-64), internado em 20-10-964. Desde poucos dias após o nascimento o paciente apresent a v a contrações, "parecendo assustar-se com qualquer barulho". L o g o que começou a permanecer sentado os ruídos súbitos p r o v o c a v a m inc l inação do t ronco e cabeça para a frente. Quando iniciou a deambulação , aos 2 anos de idade, os mesmos est ímulos faz iam-no cair, batendo f reqüentemente com a f ronte contra o solo. N a quela ocasião foi ve r i f i cado que es t ímulos táteis e nocicept ives t ambém p r o v o c a v a m as quedas. Estas somente ocor r i am quando os estímulos, acústicos ou sensitivos, e r a m súbitos e inesperados. A freqüência das quedas — vár ias ao dia — levou o menino a andar com insegurança, sempre em busca de apoio . O t empo não modificou o quadro cl inico. A s quedas prosseguiram, com as mesmas caracter ís t icas e freqüência, a té a data da internação. Nunca apresentou convulsão ou contração involuntá r ia espontânea. Antecedentes pessoais — P a r t o normal e a te rmo. In i ciou a fa la e a deambulação na época normal . N o passado mórbido, apenas doenças próprias da infância. Antecedentes familiares — N ã o há história de doenças heredo-famil iares . Exame clínico-neurológico — L e v e desproporção crânio-facia l , com bossa f ronta l ; pe r ímet ro cefá l ico 54,5 cm. D e s e n v o l v i m e n t o estaturoponderal normal . Ps iquismo e coef ic iente de in te l igênc ia normais . Marcha com discreto aumen to da base de sustentação. Demais dados do e x a m e normais . O l íquido cefa-lo r raqueano se mostrou normal . N o r m a i s as dosagens sanguíneas (uréia , gl icose, fósforo, c á l c i o ) e o hemograma . Reações sorológicas para sífilis nega t ivas . Estudo rad io lóg ico do c rân io : hiperostose f rontal ex terna . Caro t idoang iogra f i a e pneumen-c e f a l o g r a m a normais .
Descrição das crises — Os est ímulos audi t ivos , visuais e táteis, súbitos e inesperados, desencadeiam as crises. Quando o paciente está em posição or tostá t ica apresenta brusca incl inação do t ronco e da cabeça para a frente e f l exão dos m e m bros inferiores, resul tando queda ao solo c o m t raumat ismos freqüentes da reg ião f ronta l . N ã o há perda de consciência, havendo recuperação imedia ta com restabelec imento da posição inicial . Quando e m decúbi to dorsal, as manifestações consistem em crises tônicas de a t é 2 segundos de duração, carac ter izadas por f l e x ã o e adução das coxas, ex tensão das pernas e f l e x ã o p lan ta r dos pés; os membros superiores se e l e v a m e m semif lexão , havendo t a m b é m f l exão do pescoço.
Os est ímulos capazes de p rovoca r as crises dependem da surpresa. Os acústicos são os mais ef icazes, independentemente da intensidade, a l tura e t imbre . Est ímulos mín imos como o es ta lar de dedos e o ruído de um isqueiro são capazes de desencadear as crises. Est ímulos sensit ivos, como compressão brusca das panturri-lhas, f incada de agulha e percussão sobre u m segmento do corpo, t a m b é m desencade iam as crises. Com os olhos abertos, os disparos de "f lash" fo tog rá f i co p r o v o c a r a m crises.
Observamos habi tuação das respostas à repet ição r í tmica dos estímulos, que ocorr ia a par t i r do 4 ' es t ímulo, com in te rva los de 10 segundos, ao passo que, com in te rva los de 3 segundos, j á o 3» es t ímulo era p ra t i camente inef icaz . A s respostas d iminu íam progress ivamente de intensidade. N ã o observamos a ex t inção da ef icác ia dos est ímulos pela es t imulação monoaura l , tal como foi r e la tado por outros au-
t o r e s 5 . A ansiedade e a contrar iedade a u m e n t a v a m a intensidade das crises, e m -bora não tenham sido feitos estudos da habi tuação nessas circunstâncias. Duran te o sono observamos o desaparecimento dos sobressaltos.
Estudo eletrencefalográfico — E m v i g í l i a e repouso sensorial observa-se r i tmo a l fa occipi ta l mal o rgan izado e escasso, de 9 c/s, e a t iv idade teta par íe to- tempora l de 4 a 6 c/s, dominante , mui to ampla e simétrica, presente em todas as reg iões ( f i g . D .
Os est ímulos audi t ivos breves p r o v o c a m o aparec imento de potenciais evocados de grande ampl i tude que predominam no vé r t ex , tendo aí as caracter ís t icas de um complexo t r i fásico iniciado por uma onda aguda * posi t iva, com latência de 40 a 50 ms e ápice entre 100 e 130 ms do est ímulo, seguida de uma onda aguda negat i va de ma io r ampl i tude , com ápice a 180 a 200 ms do est ímulo, e seguida esta de outra onda pos i t iva com ápice a cerca de 250 ms ( f i g . 2 ) . Observa-se sempre inversão de fase no vé r t ex , t an to nas der ivações ântero-poster iores como nas transversas. Quando os est ímulos são revest idos das caracter ís t icas de surpresa necessárias para p rovoca r o sobressalto, a resposta evocada é mascarada pelos ar te fa tos musculares frontais de sobressalto. Observa-se, após estes, uma dessincronização difusa que dura de 500 a 1000 ms. Nenhuma v e z toi observada a pós-descarga de pontas-onda no vé r t ex , refer ida por Gastaut e A la jouan ine no grupo por eles chamado de epilepsia sobressa l to 3 .
A o cont rár io dos ar te fa tos musculares de sobressalto que seguem as caracter ís ticas de habi tuação j á referidas, as respostas evocadas no v é r t e x não mos t ram habi tuação ( f i g . 3 ) , cont inuando a ocorrer com a freqüência de est ímulos de 5 por segundo. Nessas circunstâncias, observa-se indução ( d r i v i n g ) da a t iv idade cerebra l ( f i g . 4 ) .
Duran te o reg is t ro de sono espontâneo observa-se a l ternância monótona de f ragmentos de t raçado lento, fase D ( L o o m i s 1 1 ) , com surtos espontâneos de ponta seguida de onda lenta, no vé r t ex , que se repetem com in terva los de um segundo ( f i g . 5 ) , acompanhadas de r i tmo s igma * (sp indles) mui to escasso. Os est ímulos audi t ivos p r o v o c a m o aparec imento de surtos com as mesmas caracterís t icas.
A es t imulação luminosa in te rmi ten te não p rovoca mioelonias , mas apenas indução do r i tmo alfa ent re as freqüências de 7 e 13 c/s .
N o t raçado de sono induzido por 10 m g de benzodiazepinona, administrados por v i a endovenosa, observamos pra t icamente o desaparecimento dos surtos espontâneos de pontas no v é r t e x . Os est ímulos audi t ivos p rovocam, então, respostas breves, isoladas, com caracter ís t icas de complexos K .
Terapêutica — F o r a m ensaiados, durante o t empo de in ternamento , diversos m e dicamentos an t iconvuls ivantes , isolados e associados, em períodos suf ic ientemente longos para observação dos resultados. T a m b é m foi adminis t rada uma série de A C T H na dose de 40 U . I . ao dia, durante 20 dias. N ã o observamos resultados posi t ivos dignos de nota. A terapêut ica com benzodiazepinona por v i a oral , na dose de 30 m g ao dia, produziu aumento mui to acentuado da habi tuação aos est ímulos, com grande redução do número de crises. A mesma substância foi adminis t rada por v i a endovenosa, na dose de 10 mg . Observamos o desaparecimento das crises, efe i to que durou cerca de 1 hora, conf i rmando os resultados re la tados por Boudou-resque e col. 6 .
C O M E N T A R I O S
A onda aguda no vértex é uma resposta cortical inespecífica descrita, pela primeira vez, por P. Dav i s 9 , em 1939, com o nome de "on effect" e estudada ulteriormente por diversos autores. Sua relação íntima com a res-
T e r m i n o l o g i a proposta pelo Comi té In ternac ional da Fede ração In te rnac iona l
posta motora de sobressalto induziu alguns pesquisadores 1 5 a considera
rem-na como artefato muscular produzido pela mesma. Tal identificação,
já rejeitada por P. Davis 9 , foi objeto de estudos ulteriores de Y. Gastaut
Bancaud, Bloch e Pa i l lard 4 , e, principalmente, de L a r s s o n 1 2 , que demons
traram a individualidade dos dois fenômenos. Entretanto, é entendido que
sobressalto motor e onda aguda no vértex constituem expressões, motora e
eletrencefalográfica, de um mecanismo de ativação cortical no qual o siste
ma reticular ativador do tronco cerebral tem papel proeminente 1 3 . A res
posta no vértex, resposta cortical inespecífica ( L a r s s o n 1 3 ) ou resposta evo
cada secundária (Ciganek 7 , Contamin e C a t h a l a 8 ) , constitui "a expressão
de um mecanismo de ativação" ( a r o u s a l ) 1 3 ou "o correlato fisiológico de um
processo perceptivo indiferenciado" 1 6. Durante o sono esta resposta sofre
transformação, apresentando maior amplitude e duração, constituindo o com
ponente inicial do complexo K 4 . 7 . 8 > 1 1 .
Embora definida inicialmente como uma ponta negativa no vértex 1 1 , a
resposta inespecífica é, realmente, um potencial trifásico 8 > 1 6 , "constituído
de uma primeira resposta positiva situada a 45-70 ms do estímulo, seguida
de ampla deflexão negativa, a 70-160 ms e, por fim, de onda positiva a
160-270 ms" 8 . Correspondendo a um fenômeno fisiológico, esta resposta é
encontrada em vigília em 20% 1 6 a 50% 4 das pessoas normais, com ampli
tudes de 10 a 100 e até mais de 100 u v 4 ; "entretanto, essa onda pode se
tornar inusualmente grande em amplitude e ser associada a uma resposta
de sobressalto exagerada" 1 9 . Gastaut e Alajouanine 3 referem, nos casos
de sincinesia sobressalto, ponta evocada de grande amplitude no vértex, se
guida de breve período de dessincronização. Da mesma forma, Bancaud,
Bloch e P a i l a r d 4 consideram que em certos epilépticos se pode observar
todos os intermediários entre a simples exageração de amplitude do poten
cial do vértex e a descarga de complexos ponta-onda.
As crises apresentadas pelo paciente são crises tônicas em flexão, acompanhadas de extensão em certos grupos musculares, provocadas por estímulos auditivos, sensitivos e visuais, de qualquer intensidade, caracterizados pelo efeito de surpresa. As manifestações eletrencefalográficas consistem apenas na exageração dos potenciais evocados ao nível do vértex, acompanhados de dessincronização breve e generalizada quando o estímulo é revestido das características necessárias para desencadear uma crise.
A ausência de lesões motoras do tipo hemiplegia cerebral infantil e de
deficiência mental, por um lado; a inexistência de manifestações epilépticas
espontâneas ou de pós-descargas epilépticas seguindo-se aos potenciais evo
cados, por outro, dificultam o enquadramento de nosso paciente em qualquer
um dos dois grupos estabelecidos por Gastaut e Alajouanine. Ao mesmo
tempo, observamos a grande semelhança desta situação com aquela descrita
por Boudouresques e col.6. Acreditamos que, da mesma maneira como no
caso por eles descrito, estamos em presença de uma síndrome em que o so
bressalto patológico é a única manifestação clínica, doença do sobressalto
autônoma. E m face do longo período de evolução do nosso caso sem mo
dificações do quadro clínico, acreditamos que estas manifestações não cor
respondem a uma fase de evolução de uma doença neurológica provável-
mente degenerativa. N ã o desejamos estabelecer hipóteses fisiopatogênicas.
Queremos apenas referir que, em vista dos achados relatados por Gastaut
e Alajouanine 3 na região inter-hemisférica de alguns pacientes, realizamos
angiografia e pneumencefalografia em nosso paciente, e estas foram normais.
Quanto à eficácia dos estímulos visuais, juntamente com os auditivos
e táteis, para o desencadeamento das crises, lembramos que já foi citada \
embora seja muito rara. Julgamos este achado coerente e importante, uma
vez que não se trata de resposta específica relacionada com um determinado
tipo de estímulo, mas sim de resposta inespecífica relacionada com o cará
ter de surpresa, eficaz na provocação do sobressalto
R E S U M O
Os autores relatam o caso de um paciente apresentando crises de so
bressalto provocadas por estímulos auditivos, sensitivos e visuais, sem crises
epilépticas espontâneas nem retardo psicomotor. Estudam os aspectos clí
nicos e eletrencefalográficos e revisam a situação da entidade entre as assim
chamadas epilepsias reflexas.
S U M M A R Y
Startle seizures: clinical and electroencephalographic studies
T h e case of a patient presenting startle seizures provoked by acoustic,
sensitive and visual stimuli who did not present spontaneous epileptic sei
zures and had no psychomotor retard is reported. T h e clinical and electro
encephalographic aspects wi th special mention to the finding of exaggerated
evoked potentials in the ver tex are discussed. T h e situation of the disease
among ref lex epilepsies is revised.
R E F E R Ê N C I A S
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Instituto de Neurocirurgia — Pavilhão São José, Hospital São Francisco — Porto Alegre, RS — Brasil.