Sobre Sangue e Giz

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Sobre sangue e giz Não há como calar sobre o que aconteceu com os servidores públicos aqui do nosso estado na semana passada. A violência testemunhada na praça do Centro Cívico em Curitiba foi assustadora. Pensei em como abordar o fato para ir além do óbvio. A situação é mais complexa do que podemos imaginar. Como algo próprio do ser humano, tentamos dar sentido ao que aconteceu para que todo o absurdo possa ser compreendido. Mas me dei conta que é exatamente sobre o óbvio que devemos falar. É sobretudo do que está à nossa vista que devemos nos concentrar. A violência que foi posta para impedir que os servidores públicos chegassem até àqueles que os representam foi desumana. É deste óbvio que devemos falar. É impensável que esta seja a forma de lidar com uma situação em que o que está em jogo é a vida daqueles que trabalham e que dispõe de suas vidas para que exercerem uma função que é de interesse da própria sociedade. Acompanhem o pensamento. Professores, agentes penitenciários, técnicos-administrativos trabalham para que a sociedade que nós construímos funcione. Como todos os outros trabalhadores eles se assujeitam a condições ruins de trabalho, à baixos salários, à força do capital. E quando exigem ser ouvidos para que seus direitos não sejam violados são agredidos como indivíduos menores, desqualificados, baderneiros. Surgiram aqueles que, pretensamente politizados, disseram que isto era jogo político e que as manifestações eram fruto da organização “clandestina” dos partidos de esquerda. Nada mais absurdo pois mesmo que fosse, não importa de onde nasce uma manifestação como aquela a resposta não pode ser com tamanha violência. Não é possível que acalmemos nossa alma dizendo que isso é “culpa da Dilma” se a cena em questão é a cena de uma guerra. Ainda em que apenas um lado está armado até os dentes e o outro se segura apenas em sua indignação e resistência. Outros “politizados” dizem que os professores agrediram os policiais com pedras e paus. Faz-me rir. Ingênuo ou mal intencionado aquele que julga que isso se compara ao aparato policial composto por espingardas de bala de borracha (que podem

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Sobre sangue e giz

Não há como calar sobre o que aconteceu com os servidores públicos aqui do nosso estado na semana passada. A violência testemunhada na praça do Centro Cívico em Curitiba foi assustadora.

Pensei em como abordar o fato para ir além do óbvio. A situação é mais complexa do que podemos imaginar. Como algo próprio do ser humano, tentamos dar sentido ao que aconteceu para que todo o absurdo possa ser compreendido.

Mas me dei conta que é exatamente sobre o óbvio que devemos falar. É sobretudo do que está à nossa vista que devemos nos concentrar. A violência que foi posta para impedir que os servidores públicos chegassem até àqueles que os representam foi desumana.

É deste óbvio que devemos falar. É impensável que esta seja a forma de lidar com uma situação em que o que está em jogo é a vida daqueles que trabalham e que dispõe de suas vidas para que exercerem uma função que é de interesse da própria sociedade.

Acompanhem o pensamento. Professores, agentes penitenciários, técnicos-administrativos trabalham para que a sociedade que nós construímos funcione. Como todos os outros trabalhadores eles se assujeitam a condições ruins de trabalho, à baixos salários, à força do capital. E quando exigem ser ouvidos para que seus direitos não sejam violados são agredidos como indivíduos menores, desqualificados, baderneiros.

Surgiram aqueles que, pretensamente politizados, disseram que isto era jogo político e que as manifestações eram fruto da organização “clandestina” dos partidos de esquerda. Nada mais absurdo pois mesmo que fosse, não importa de onde nasce uma manifestação como aquela a resposta não pode ser com tamanha violência. Não é possível que acalmemos nossa alma dizendo que isso é “culpa da Dilma” se a cena em questão é a cena de uma guerra. Ainda em que apenas um lado está armado até os dentes e o outro se segura apenas em sua indignação e resistência.

Outros “politizados” dizem que os professores agrediram os policiais com pedras e paus. Faz-me rir. Ingênuo ou mal intencionado aquele que julga que isso se compara ao aparato policial composto por espingardas de bala de borracha (que podem matar sim), bombas de gás, bombas de efeito moral, drones, helicóptero, caveirão, etc.

Um grande amigo que pôde estar nas manifestações escreveu que “o governador terá que rebolar muito para comprovar que as senhoras professoras, se protegendo com panos de pratos com biquinho de crochê eram Black blocks”. Era isso que tinha lá. Professores lutando por seus direitos. O governador terá de sair de seu mundo encantado para encarar a realidade.

E nossos deputados também. Inclusive aqui em Guarapuava a população não está alienada do que aconteceu e os nossos representantes daqui terão de sair da toca para encarar a realidade em que se meteram. Nenhum representante do povo poderia se abster de se colocar contra um absurdo como este e calar.

A violência presenciada foi mais do que um jogo político. Ou os temidos socialistas estão certos quando dizem que se trata de uma luta de classes ou estamos à beira da barbárie que dará origem a uma nova raça não mais humana. Independente do que é todos devemos nos posicionar e sabemos em que lado devemos estar. São trabalhadores como todos nós. Essa é uma luta de todos. Envergonhem-se aqueles

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que se justificam dizendo que não são professores ou não são funcionários públicos. Massacres, chacinas são assuntos de todos. E não estão acontecendo na palestina, mas aqui no nosso quintal.

O sentido de um pretenso debate político não pode mascarar o horror. As diferenças ideológicas não podem servir de justificativa para não encararmos o terror das cenas que testemunhamos.