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Escritos populares de Ludwig Boltzmann

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Escritos populares d e L u d w ig B o lt z m a n n

Organização e tradução Antonio Augusto Passos Videira

Editora Unisinos C o l e ç ã o F i l o s o f i a e C iê n c ia

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SOBRE O SIGNIFICADO DAS TEORIAS5

I ui prezada assembléia!Em h m Quando, há alguns dias, tomei conhecimento de que a come­moração de hoje estava sendo planejada, era, inicialmente, minha inten­ção pedir-lhes que desistissem dela, pois eu me indagava como seria possível uma única pessoa ser merecedora de uma tal honra. Somos to­dos colaboradores de uma grande obra e todo-aquele que. em seu posto, cumpre com o seu dever é merecedor de ser igualmente elogiado. Caso alguém se sobressaia à comunidade, isto não pode, de acordo com o meu ponto de vista, ser devido à sua personalidade, mas apenas à idéia que ele defende; somente por meio da total entrega a uma idéia o indiví­duo torna-se capaz de obter uma importância elevada.

Decidi, assim, renunciar a meu pedido quando relacionei todas essas distinções, não às minhas modestas contribuições pessoais, mas,

1 Discurso proferido por ocasião de uma homenagem a Boltzmann, realizada em 16/07/1890 na Universidade de Giaz, na ocasião de sua partida pari. a Universidade de Munique.

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sim, à idéia que preenche meu espírito e minha ação: a construção de teorias. Não meço sacrifício algum para enaltecê-la; já que a teoria re­presenta todo o conteúdo de minha vida, que ela seja o conteúdo das minhas palavras de agradecimento hoje. J

Eu nLao seria um autêntico teórico caso, primeiramente, não m e ^ perguntasse|o qug é ateoria?|Ao leigo, em primeiro lugar, sobressai-se o fato de que ela é de difícil compreensão, que está rodeada de muitas fór­mulas, as quais nada querem dizer para o nao-iniciado. Contudo sua es­sência nao se constitui dêJaisjÍQ rm ulas: o verdadeiro teórico evita-astanto quanto for possível. O que pode ser dito em palavras ele exprime em palavras, enquanto é precisamente nos livros dos homens práticos que as fórmulas, muito freqüentemente, figuram como meros orna­mentos. Um amigo meu definia o prático como aquele que nada enten­dia de teoria e o teórico como um entusiasta que não entende de absolu­tamente nada. Nós também queremos nos opor a esse ponto de vista extremado. _̂__ ___

Sou de opinião de que a tarefa da teoria consiste na construção ^ de uma imagem, em nós existente, do mundo externo, devendo ela nos servir de guia em todos os nossos pensamentos e"experimentos. Ou seja, de certa maneira completando o processo mental à medida que executa globalmente aquilo que é executado em pequena escala quando formamos uma representação qualquer.

E um instinto próprio ao espírito humano constituir para si uma tal imagem e ajustá-la continuamente ao mundo externo. Quando, às vezes, são necessárias fórmulas intrincadas para a representação de uma parte que se tornou complicada, estas mesmas fórmulas perm anecer^sempre como nao-essenciais, ainda que constituam formas extrema- mente úteis de expressão. Assim, para nós, Colombo, Robert Mayer e ^Fanulay são genuínos teóricos, já que o ideal deles não era o ganho prá- ^ lie o, mas a representação, em seus intelectos, da natureza. J

A elaboração inicial e o constante aperfeiçoamento dessa ima- gem são, pois, a principal tarefa da teoria. A(fantasia\é sempre o berço desta, a razão observadora, a sua tutora. Como eram infantis as primei­ras teorias de Pitágoras e Platão até Hegel e Schelling acerca do univer­so. Naquela época, a imaginação era excessivamente produtiva, faltando

o autêntico controle da experiência. Não é de admirar qu:‘ essas teorias tenham sido objeto de sarcasmo por parte dos empiristas e dos homens práticos, mesmo que elas já contivessem os germes de todas as grandes teorias posteriores: a de Copérnico, a atomista, a teoria mecanicista do imponderável, o darwinismo etc.

Apesar de todas essas ironias, o instinto de formar uma concep­ção teórica das coisas externas permaneceu invencível no seio do ho­mem, no qual brotaram continuamente novas flores. Da mesma manei­ra que Colombo, que conduziu as suas naves sempre mai:> para o oeste, esse instinto fez o mesmo conosco, dirigindo-nos para essa grande

| meta.j ^ y Quando, no final, surgiram, com seus devidos direitos, a judicio -j ̂ sa razão experimental e a habilidade manual necessária pa::a a manipula-jV y ção dos vários apareUhos e máquinas inventados, as antigas c coloridas

produções da fantasia foram eliminadas e retocadas, ganhando, eotíi surpreendente rapidez, importância e veracidade na natu:;eza. Hoje eiü dia, pode-se asseverar que a teoria conquistou o mundo.

^ Quem não vê com admiração como as estrelas eternas obrde cem servilmente a leis que não lhes foram dadas pelo espírito humano,

f . A. mas que este formulou? Quanto mais abstrata, tanto mais poder< >sa I nr na-se a investigação teórica. Quando, sem confiar muito n<> caminho pelo qual somos conduzidos pelas fórmulas, em vez dc direeiotiá !*in

nós alcançamos um teorema de aritmética, nós o testamos contra vá ri o h

exemplos, ficamos, então, ainda mais surpreendidos com a sensaçao de que os números, sem exceção, precisam inevitavelmente se curvar pe­rante as nossas fórmulas.

Inclusive aqueles que prezam a teoria apenas como uma vaca leU teira não podem duvidar de seu poder. Não estão, agora, rodas as disci­plinas práticas invadidas pela teoria, não as seguem todas como um guia seguro? As fórmulas de Kepler e Laplace não apenas mostram às estro las as suas órbitas no céu, mas também mostram, unidas aos cálculos dc Gauss e de Thomson sobre o magnetismo terrestre, aos navios os seus caminhos pelo oceano. A construção gigantesca da ponte do Brooklyn, que se prolonga sem ser vista em seu comprimento, e a construção da torre Eiffel, que se prolonga indefinidamente pelo alto, não se baseiam

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apenas sobre a sólida estrutura do ferro forjado, mas também na estru­tura ainda mais sólida da teoria da elasticidade. Químicos teóricos tor­naram-se homens ricos por meio das aplicações práticas de suas sínte­ses; sem mencionar o eletrotécnico. Não oferece ele à teoria a sua ho­menagem constante quando, ao lado do marco e do centavo (Pfennig), rornn familiares os nomes de Ohm, Ampère etc., fazendo com que os nomr.s de importantes teóricos permaneçam à margem da grande sorte nUatiçiula pelos químicos? As suas fórmulas só frutificaram após as suas mortes. Talvez níio se esteja distante do tempo em que se prestará, nos tcrÜiuji das contas domesticas, a devida homenagem a cada um desses yrj ni)ilrs iróricos da eletricidade; talvez, no próximo século, cada cozi­nhai u saiba com quantos “volt-ampére” a carne deve ser assada e quan­tos “olun” possui a sua lâmpada.

H justamente o técnico prático quem, via de regra, trata as com­plicadas fórmulas da teoria da eletricidade com maior segurança do que muitos cientistas, já que ele não paga cada um de seus erros com uma re­preensão do professor, mas, sim, com dinheiro à vista. Da mesma ma­neira, quase todo carpinteiro ou cada serralheiro já sabe atualmente o quanto cresce a sua capacidade de concorrência por meio do conheci­mento da geometria projetiva, da teoria das máquinas etc, Devo tam­bém mencionar o maravilhoso domínio das ciências médicas, onde também a teoria parece chegar progressivamente a ser vigente.

Seriamos quase tentados a afirmar que a teoria, pondo de lado a sua missão intelectual, é igualmente o que de mais prádeo se pode ima­ginar - ela é, por assim dizer, a quintessência da prática - , já que a preci­são de suas conclusões não pode ser alcançada por meio de nenhuma rotina nas avaliações feitas por tentativa e erro; ainda mais que, dado as partes ocultas de seus caminhos, estes somente são conhecidos por aquele que se decide a trilhá-los. Um simples erro em um- símbolo pode multiplicar por mil um resultado, enquanto o empírico nunca erra tanto. Por isso nunca desapareceram completamente os casos nos quais um pensador, imerso em suas idéias e atentando sempre para o geral, é su­perado por um prático cioso de si próprio, tal como Arquimedes, que caiu vítima do assaltante romano, ou ainda como um outro filósofo gre­go, o qual, ao observar as estrelas, tropeçou em uma pedra. Que se cale

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ante a questão “para que isso serve?”, a qual é usualmente lançada aos esforços mais abstratos. Em que é útil, poder-se-ia replicar perguntan­do, o fomento da vida por meio do ganho de vantagens práticas às ex- pensas daquilo que dá vida à vida, daquilo que unicamente a faz digna de ser vivida: o cultivo do ideal?

---- A teoria, no entanto, está longe de sobreestimar a si mesma, Ena sua natureza que estão fundadas também as suas deficiências e. é ela mesma quem revela os seus próprios erros, tal como Sócrates, que enfa­tizava o conhecimento das falhas de seu próprio saber. Todas as iioslâi representações são puramente_ subjetivas. Mesmo a nos.1 a enncepçftn sobre o ser e o não-ser é subjetiva, mostra-nos o budismo, > qual veníW o nada como sendo o verdadeiro existente. Eu denomin i n icorU de uma imagem puramente intelectual interna pura, e nós vir i< n mio ek pode ser enormemente aperfeiçoada. Como, então, seria possívrl evífftf que, continuamente mergulhado nas profundezas da teoiia, iomiifiBe a imagem como sendo o próprio existente? Nesse sentido, já liegel deve- ter lamentado que a natureza não possui capacidade suficirntr para tivar em toda a sua completude o seu sistema filosófico.

Assim pode ocorrer que o matemático, continuamf.nlr. o< upãtjo com suas fórmulas e cegado por suas perfeições internas, lume a.H iela= ções mútuas pelo verdadeiro existente e se distancie do mundo Pêâl, Aquilo que é lamentado pelo poeta vale também para o i intrmátiçri; i sua obra é escrita com o sanguedo coração e a sabedoria mais elevada |i situa no limite da maior insanidade. Nesse sentido eu inter irei u u úkHm de Goethe, inevitável quando se fala sobre esse assunto, acerca da opa­cidade da teoria quando comparada à vida; ele era um teóri zot < le acorde com a nossa concepção, de cabo a rabo, ainda que evitando toda abewi* çao. Incidentalmente, Goethe põe esse sentimento na boca tio demè® nio, que depois dirá sarcasticamente: “Despreze apenas a razão e a ciên­cia ... você será meu incondicionalmente!’5.

Tendo, inicialmente, me posicionado como defensor da leoria, também não quero negar agora que eu experimentei em rr im mesmo as nefastas conseqüências de seus encantos. Mas o que seria nais eficiente contra um tal encanto, o que mais poderosamente poderia levar a que sr retorne à realidade do que o vivo contato com uma assembléia tão ho-

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norável como essa? Pelo benefício que os senhores me proporcionam, exprimo todos os meus agradecimentos: em primeiro lugar ao senhor, magnífico reitor, que organizou essa comemoração, em seguida ao se­nhor palestrante que me homenageou, a todos os colegas e convidados que acolheram seu chamado e, finalmente, aos corajosos filhos de nossa alma mater,; cujo fervor e nobre entusiasmo foram, durante dezoito anos, um apoio para mim. Que a universidade de Graz cresça e floresça, que ela seja sempre aquilo que, a meus olhos, é o mais elevado: “um tesouro da teoria”.