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VOZES NEGRAS SOBRE O PACOTE MORO

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VOZES NEGRAS

SOBRE O PACOTE MORO

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SOBRE A COALIZÃONEGRA POR DIREITOSA Coalizão Negra por Direitos é umareunião de entidades do movimentonegro de todo o país para a incidênciapolítica no Congresso Nacional e emfóruns internacionais.

A AÇÃO DA COALIZÃO NEGRAPOR DIREITOS NO CONGRESSONACIONAL CONTRA O PACOTEMOROEm março deste ano, representantes de30 entidades que compõem a Coalizãoestiveram na Câmara Federal parareuniões com o presidente da Casa,Rodrigo Maia, a quem foi entregue umdocumento produzido pelo grupo, e comparlamentares que compõem o GT -Legislação Penal e Processual Penal.

Na ocasião, além de alertar para asflagrantes violações de direitos humanosdo chamado Pacote Anticrime e a faltade evidências, pesquisas, fatos,elaborações acadêmicas e científicas queo embasassem, também solicitamo aparticipação de negras e negros nasaudiências públicas de análise do pacote.Somos 52% da população e os maisatingidos pelas propostas. Nossa voz é,portanto, primordial no debate público.

Assim, juristas, cientistas e ativistasnegros, indicados pela Coalizão,participaram de oito, das dez audiênciaspúblicas promovidas pelo GT,contribuindo com as análises daspropostas.

No mês de junho, representantes de 60entidades da Coalizão estiveram noSenado Federal para reuniões com opresidente da casa, Davi Alcolumbre,além de diversas senadoras e senadores.Protocolamos uma carta de organizaçõesdo movimento negro brasileiro aoCongresso Nacional e à sociedadebrasileira . E saímos com a garantia deque o pacote não seria votado sem umamplo debate, para os quaisrepresentantes da Coalizão seriamconvidados.

No início de agosto, participamos deaudiência pública na Comissão deConstituição e Justiça do Senado,contribuindo, mais uma vez, com asanálises das propostas.

A AÇÃO INTERNACIONAL DACOALIZÃO CONTRA O PACOTEMOROUma denúncia sobre as violações dedireitos humanos do Pacote Anticrimefoi protocolada à ComissãoInteramericana de Direitos Humanos(CIDH), com assinatura de 38 entidadesdesta Coalizão, em fevereiro deste ano.

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Em resposta, uma comitiva foi convocadaa participar da 172ª Sessão da CIDH.Quatorze representantes desta Coalizãoestiveram presentes em audiênciaspúblicas, encontros bilaterais e umaaudiência mediada com osrepresentantes do Estado brasileiro. Asmanifestações e questionamentos dascomissárias e comissário da CIDH foramcríticas ao pacote.

Durante a audiência com o Estado, acomissária Antonia Urrejola foi explícitaem afirmar a preocupação da Comissãocom o aumento de mortes violentas nosmeses anteriores, citando os 80 tiros quealvejaram Evaldo dos Santos Rosa comosintoma de uma situação gravíssima emcurso no Brasil. Urrejola manifestoupreocupação acerca da ampliação delegítima defesa a policiais e, maisimportante, solicitou ao Estado brasileirouma justificativa, com estudoscriminológicos, para as propostas doPacote.

A comissária Margarette May Macaulaytambém afirmou a preocupação com umPacote Anticrime, que pretendeaprimorar a segurança pública, semmencionar a questão racial, apesar dodado objetivo de que a maior parte daspessoas assassinadas e que sãocriminalizadas no Brasil são negras.

SOBRE ESTE MANIFESTOTÉCNICO DA COALIZÃOEntidades da sociedade civil organizada,representantes da população negra, aquiassociadas em uma Coalizão Negra PorDireitos, apresentam este manifestotécnico de avaliação de propostas dochamado “Pacote Anticrime”/ “PacoteMoro”, apresentadas pelo Ministro daJustiça e Segurança Pública SérgioMoro, no Projeto de Lei nº 882 de 2019,em trâmite na Câmara Federal, etambém no Senado Federal comoProjeto de Lei nº 1.864 de 2019.

Centramos nossa análise em trêspropostas:

Ampliação das excludentes deilicitude, previstas no art. 23 doCódigo Penal

Ampliação dos critérios de legítimadefesa, previstos no art. 25 do CódigoPenal

Criação do banco genético, alterandoo art. 9-A da Lei de Execução Penal(Lei nº 7.210/1984)

A gravidade que tais modificaçõespodem representar à segurança pública eà vida de milhares de cidadãos e cidadãsbrasileiras, sobretudo da populaçãonegra, nos motiva a apresentar estedocumento.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

"Eu estou mandando um projeto, que vai ter dificuldade de ser aprovado, masnão tem outra alternativa. Nós temos que dar uma retaguarda jurídica paraas pessoas que fazem a segurança: policial civil, militar, federal, rodoviário.

Em operação, o pessoal tem que usar aquela máquina que tem na cintura, irpara casa e no dia seguinte ser condecorado, não processado(...).Os caras vão

morrer na rua igual barata, pô. E tem que ser assim”

Quando analisados os estudos e dadosproduzidos até o presente momento,como Mapa da Violência, Mapa doEncarceramento, Mapa da Desigualdade,Atlas da Violência, Você Matou meuFilho, CPI Assassinato de Jovens,Relatórios da Organização das NaçõesUnidas, Relatório sobre drogas daOrganização dos Estados Americanos einúmeros outros relatórios dessa espéciee estudos produzidos na academia, poderpúblico e instituições de pesquisa dasociedade civil, todos recomendammedidas diametralmente contrárias àspropostas no chamado “Pacote Anti-Crime”/ “Pacote Moro”.

Jair Bolsonaro – Presidente da RepúblicaFederativa do Brasil, em primeiro de agosto de 2019

Como será demonstrado nestedocumento, as medidas propostas nãosão recomendáveis sob uma óticaconstitucional de segurança pública, e osúnicos efeitos que poderiam serproduzidos pela proposta legislativa emquestão seria legitimar abusos que jáocorrem sistematicamente, como odenominado “autos de resistência segui-

do de morte”, termo utilizado para casosonde há homicídio pela polícia emdecorrência de suposta oposição àintervenção policial”, que na prática setornou uma licença para matar. No livro“Indignos de Vida”, o Delegado daPolícia Civil Orlando Zaccone aponta queos autos de resistência se tornaram uma“pena de morte informal”, onde os casosincorrem em sua massiva maioria emarquivamento sem investigação dascircunstâncias. Na pesquisa “A PolíciaMata”, do sociólogo Michel Misse, foiapontado que 99,2% é a taxa dearquivamento dos casos em que houve amorte por policial e foram classificadaspor resistência seguida de morte.

Após muitos anos de pressão popular edenúncias das práticas sistemáticas deviolência do estado que sustentam umanecropolítica de genocídio negro,sobretudo dos movimentos negrosorganizados e dos setores de defesa dedireitos humanos, o Senado Federalinstituiu em 2016 a Comissão Parlamen-

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tar de Inquérito (CPI) sobre oAssassinato de Jovens. A partir de 29reuniões e audiências públicas, oresultado foi categórico: o Estadobrasileiro promove, por meio de suaspolíticas de segurança pública, aliadas àfalta de investimento e fomento deoportunidades aos mais pobres, emespecial à população negra, umverdadeiro genocídio da juventudebrasileira.

O Relatório Final, de 155 páginas,resultante dos trabalhos da CPI, trazconsiderações extremamente gravessobre os índices de violência. A políciabrasileira, que constitui o braço armadodo Estado, matou em cinco anos mais doque a polícia norte americana em 30anos de trabalho. Em média, cincopessoas são assassinadas pela políciadiariamente. Contudo, o risco de servítima de homicídio doloso não se dá demodo aleatório e indiscriminado —existe um perfil explícito dos principaisalvos: jovens (53%), negros (77%), dosexo masculino (93%). Isto fica evidentena declaração de que a “cada 23 minutosocorre a morte de um jovem negro noBrasil” (Relatório Final da CPI noSenado, 2016, p. 32). Assim, após umtrabalho grandioso e exaustivo, a CPI doSenado conclui: “o Estado brasileiro,direta ou indiretamente, provoca o

o genocídio da população jovem e negra”(SENADO, 2016, p. 145).

Muitas publicações de centros depesquisas e registros de discursos deativistas e militantes dos movimentossociais, especialmente do movimentosocial negro, há muito tempo denunciamo extermínio da população negra no país.No entanto, o relatório desta CPI possuioutro caráter. Trata-se de um documentoproduzido pelo Senado Federal e,portanto, um reconhecimento pelopróprio Estado brasileiro, no qual admitecategoricamente que os números dehomicídios “revelam uma realidade quenão podemos descrever senão pelapalavra genocídio” (SENADO, 2016, p.117). Portanto, este Relatório assumeum vulto de importância semprecedentes. Quando o próprio Estadobrasileiro admite que os jovens negrossão os principais alvos de uma política deextermínio que mata anualmente quase60 mil pessoas, e que “este processo degenocídio está umbilicalmente marcadopelo racismo institucional” (SENADO,2016, p. 146), não há mais comocontestar o que vem sendo denunciadohá décadas.

A juventude perdida — pelo assassinato,encarceramento em massa e ausência deoportunidades —é um problema de pri-

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meira importância no caminho para aredução das desigualdades sociais nopaís. Um futuro que hoje estácorrompido.

É importante evidenciar que qualquerforma de abuso e desvio de podertambém é uma forma de corrupção.Sendo essa forma de corrupção a queatinge de maneira mais cruel nossademocracia, pois atenta contra a vida,ceifando a vida de jovens e minando ofuturo do país. É um exercício decorrupção a impunidade dos agentesestatais que seguem executando penasde morte paralelas, contra todas aquelasdisposições que a Constituinte deliberouno processo de elaboração daConstituição Federal de 1988, vedandoexpressamente a existência de pena demorte.

Devemos fomentar e desenvolverpolíticas que interrompam esse ciclo deviolência, ciclo este que também colocaem constante risco a vida de policiais. Apolícia precisa estar orientada paraexercer uma política constitucional desegurança pública, não uma política deguerra. Ao invés de um combate àpopulação negra e pobre, a base dotrabalho policial precisa ser a proteção davida de toda e qualquer pessoa. Umpolítica cidadã, baseada em açõescivilizatórias. Essa é uma proposta da

Comissão Interamericana dos DireitosHumanos, que tem uma avaliação muitocrítica das políticas de segurança de todoo Cone Sul, no sentido de que elas aindaestão muito viciadas pelas heranças dosregimes militares autoritários ditatoriais.

O comando das polícias, o Ministro daJustiça e Segurança Pública e oPresidente da República, os SecretáriosEstaduais de Segurança Pública e osGovernadores dos Estados, não podemcolocar irresponsavelmente nas costas dopolicial, que está exposto nas ruas, aresponsabilidade de atirar. É necessárioque toda a cadeia de comando estejaenvolvida e responsabilizada na proteçãoà vida de cidadãos e também de policiais.Quando se observa a queda deexecuções e homicídios de cidadãos, seobserva também a queda da letalidadedo corpo policial. Se há vontade políticade exercer uma política de segurançacidadã, as possibilidades técnicasexistem. Ao invés de investir nos setoresde inteligência, no aparelhamento comperícia criminal, para reduzir, inclusive, ograu de risco a que policiais estãoexpostos, invés de propor uma políticanacional de segurança pública pautadapela sociedade civil organizada efundamentada na inovação dos órgãos desegurança — com melhoria naeficiência, eficácia e efetividade — a

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proposta aqui debatida é de aumentar aforça bruta. Não investe em condiçõesde trabalho e condições técnicas para oexercício da inteligência policial nainvestigação e contenção de crimes, aspropostas apresentadas pelo governo noPacote Moro apenas incentivam que opolicial atire, agravando o genocídio denegras e negros, e também colocandoem risco o próprio policial. Não háexperiência empírica ou evidênciacientífica de que o uso da violência deforma inconsequente melhore asegurança pública. E a população sabedisso, especialmente aquela nos espaçosde maior privação de direitos.

Pesquisa do DataFolha de abril de 2019indicou que 79% dos brasileirosconcordam que policiais devem serinvestigados caso matem em serviço e82% entendem que alguém deve serpunido se atirar em outras pessoas porestar muito nervoso. Tais resultadosmostram que a população é contrária àspropostas do chamado pacote anticrimee que o povo está, acima de tudo, emdefesa da vida.

A LEGALIZAÇÃO DA LICENÇAPARA MATAR: SOBRE A PROPOSTA DE EXPANSÃO DA EXCLUSÃO DE ILICITUDEE LEGÍTIMA DEFESA - ALTERAÇÃO DO  ARTS 23 E 25 DOCÓDIGO PENAL

Em 2018, os Atlas da Violência,produzido pelo Ipea e pelo FórumBrasileiro de Segurança Pública (FBSP)relata que o Brasil alcançou a marcahistórica de 62.517 homicídios em 2016.Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortespara cada 100 mil habitantes, quecorresponde a 30 vezes a taxa da Europa.Apenas nos últimos dez anos, 553 milpessoas perderam suas vidas devido àviolência intencional no Brasil. Quandoanalisamos a violência letal contra jovens,verificamos, sem surpresa, uma situaçãoainda mais grave e que se acentuou no

"Nós estamos voltando ao período históricoque foi a antessala dos regimes que nos

impulsionaram a positivar os direitos e asgarantias fundamentais na Constituição de

88 e nós sabemos o que foram as violaçõesde direitos e garantias provocadas por essemodelo de defesa do Estado [...] o modelo

de Estado Democrático de Direito que aConstituição de 1988 tentou nos trazer

também nos exige e exige até da senhora edos senhores legisladores um papel contramajoritário, contra majoritário na defesa

dos direitos e das garantias fundamentais"Gabriel Sampaio - Advogado - Em audiência públicana câmara para debate do Pacote Moro.

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Vinculada à questão da interpretaçãopelo juiz sobre o conceito de legítimadefesa, a ampliação do “excludente deilicitude” deverá diminuir asinvestigações de mortes cometidas porpoliciais, dando margem para o aumentoda letalidade policial, que já é uma dasmaiores do mundo.

xa de vitimização da população negraaumentou 23,1%. Assim, em 2016,enquanto se observou uma taxa dehomicídio para a população negra de40,2, o mesmo indicador para o resto dapopulação foi de 16, o que implica dizerque 71,5% das pessoas que sãoassassinadas a cada ano no país sãopretas ou pardas.

Na nova proposta do Pacote o § 2º doart. 23 do Código Penal, autorizaria o ju-iz, ao analisar requisitos de legítimadefesa, deixar de aplicar a lei e a penaprevista caso o “excesso decorrer deescusável medo, surpresa ou violentaemoção”. Tal proposta contrariasentenças e recomendações de cortesinternacionais que tratam justamente dacriação de mecanismos mais efetivospara investigação e punição destes casos,

último ano: os homicídios respondem por56,5% da causa de óbito de homensentre 15 a 19 anos. Quando consideradosos jovens entre 15 e 29 anos,observamos, em 2016, uma taxa dehomicídio por 100 mil habitantes de142,7, ou uma taxa de 280,6, seconsiderarmos apenas a subpopulação dehomens jovens.

A adição da questão racial escancaraainda mais uma desigualdade baseadaem cor.. Os dados demonstram que ataxa de homicídios de indivíduos nãonegros diminuiu 6,8%, ao passo que a ta-

O Índice de Vulnerabilidade Juvenil àViolência, ano base 2015, demonstrouque o risco de um jovem negro ser vítimade homicídio no Brasil é 2,7 vezes maiorque o de um jovem branco. Já o AnuárioBrasileiro de Segurança Pública analisou5.896 boletins de ocorrência de mortesdecorrentes de intervenções policiaisentre 2015 e 2016 - correspondente a78% do universo das mortes no período—, e, ao descontar as vítimas cujainformação de raça/cor não estavadisponível, identificou que 76,2% dasvítimas de atuação da polícia são negras.

""O corpo negro é o alvo, é o centro, tantodesse sistema declarado, que eu chamo deDireito Penal Declarado, quando o sistemapenal paralelo que é o que provoca porexemplo  genocídio"Luciano Góes - Professor - Em audiência pública nacâmara para debate do Pacote Moro.

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Já a nova proposta considera comolegítima defesa que agentes policiais oude segurança pública previnam agressõesem conflitos armados. Entende-se comoprevenção agir antecipadamente, a fimde impedir um provável ataque, ou“atirar primeiro” na situação em que oagente, individual e subjetivamente,entender necessária.

Esse dispositivo, ao excluir a ilicitude daconduta de indivíduos que matam forado específico caso de proteção daprópria vida, está autorizando a pena demorte no Brasil. E pior, sem o devidoprocesso legal. Trata-se de ofensainequívoca à Convenção Americanasobre Direitos Humanos, em especial aosincisos 1 e 3 do artigo 4, que garante atoda pessoa o direito à vida e proíbe oretorno à pena de morte nos países que aaboliram. Também viola-se assim oartigo 5,1 que garante a integridadefísica psíquica e moral da pessoahumana.

Não é de hoje que ouvimos falar, outraspessoas já presenciaram — basta morarem uma das periferias do Brasil, ou jáassistimos nos noticiários, policiaisexecutarem pessoas negras sobjustificativa de terem confundido comarmas objetos como guarda-chuva, sacode pipoca, taco de sinuca, furadeira,celular, skate, macaco hidráulico. Há dese mencionar os 80 tiros contra toda umafamília. A morte de 12 jovens na Chacinado Cabula, em Salvador/BA. Nesteúltimo caso, de nove policiaiscondenados, oito estão trabalhandonormalmente nas ruas. Ou seja, essaalteração no Código Penal Brasileiro émais uma brecha para autorizar, agora deforma institucionalizada, o genocídio deuma população.

Hoje a Lei que define legítima defesa acoloca como situação em que a pessoa,"usando moderadamente dos meiosnecessários, repele injusta agressão, atualou iminente, a direito seu ou de outrem".

Também é grave o consentimento àautoridade policial para, no caso deprisão em flagrante, afastar anecessidade de efetuar a prisão nos casosconsiderados como legítima defesa ououtra razão de excludente de ilicitude.Não se vislumbra qual benefício àsegurança pública se obtém com oafastamento do controle jurisdicional,realizado por magistrado, de legítimadefesa, permitindo à autoridade policial,dos mais diversos rincões brasileiros,livrar o acusado segundo seu próprioarbítrio.

econhecendo o grau de impunidade esugere capacitar os agentes policiais,dentre outras medidas. A propostacaminha na direção contrária a taisrecomendações.

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De todos os casos citados acima, esseabuso de poder foi manifestadobasicamente em um tipo de corpo, quepossui traços semelhantes e cor, o quedemonstra que a polícia do Brasil éseletiva. Ou seja, o policial que entrarános “requisitos de legítima defesa”,argumento excludente de ilicitude jáusado pela PM brasileira, de maneirainconstitucional, em que é possívelcometer excessos, enganos e porconsequência, homicídios, já vem com opacote pronto do estereótipo do corpoque deverá ser eliminado. Aoacompanhar um caso de latrocínio ondeas testemunhas descrevem o perfil docriminoso (cabelos loiros, alto, magro,branco), a Juíza Lissandra Reis Cecconrebateu que: “Réu não possui estereótipopadrão de bandido”. Se aprovada estacláusula, segue em curso o genocídio dapopulação negra sob aval do Estado, oque configura racismo institucional.

""o conjunto de proposições oferecidas pelosdois PLs aponta exatamente para orecrudescimento penal, aponta exatamentepara o avanço, para um Direito Penalautoritário, que cada vez mais ameaça ademocracia. Que cada vez mais em nomede uma urgência na contenção da violênciasolapa direitos, fragiliza garantias,inviabiliza as possibilidades de que ademocracia floresça e se desenvolva emnosso país."Samuel Vida- Professor - Em audiência pública nacâmara para debate do Pacote Moro.

BANCO DA DADOS GENÉTICOSE A NECESSIDADE DEPROTEÇÃO DOS DADOSPESSOAIS: SOBRE A PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DO ARTIGO 9-A DA LEI DEEXECUÇÃO PENAL (LEI 7210/1984)

A Lei de Execução Penal (Lei nº7.210/1984), em seu artigo 9-A,determina a identificação do perfilgenético de condenados por crimedoloso com violência de natureza gravecontra a pessoa. A proposta do PL nº882/2019 é de realizar essa identificaçãoem condenados por crimes dolosos, sema exigência de que o crime tenha sidopraticado com violência, antes mesmo dotrânsito em julgado da sentençacondenatória estendendo a presosprovisórios, (aguardando julgamento).Além disso, a recusa do condenado emse submeter ao procedimento de doaçãode material genético para identificaçãodo perfil genético, será considerada faltagrave, o que acarretaria reflexosnegativos na progressão da pena. Taisalterações não indicam qual é a realnecessidade de pessoas presas seremsubmetidas ao procedimento de coletade amostra de DNA e, por consequência,os dados obtidos e suas informaçõespessoais estarem disponíveis no BancoNacional de Perfis Genéticos.

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Fato é que o Brasil utiliza pouco e mal omaterial biológico coletado, mesmoquando este material poderia ser útil nasinvestigações policiais para elucidação decrimes. Mais importante que aumentarindiscriminadamente, e sem justificativacientífica, o material coletado, seriautilizar de forma eficiente os dados jáproduzidos. Segundo o VIII Relatório daRede Integrada de Bancos de PerfisGenéticos (RIBPG), de junho de 2018,estavam disponível no Banco Nacionalde Perfis Genéticos dez mil amostras deDNA de suspeitos de crimes no Brasil. Jáhaviam sido coletados, desde 2014,6.800 vestígios, mas apenas 10 decisõesjudiciais foram tomadas com base emtodo esse aparato (a partir dos resultadosobtidos através dos exames de DNA). Ochamado pacote anticrime não apresentanenhuma proposta para aprimorar o usodos dados já existentes. Em vez disso,propõe expandir indiscriminadamente acoleta de amostras de DNA, semjustificativa científica.

O Genoma Humano é consideradoPatrimônio da Humanidade pelaUNESCO, que, no ano de 2004, aprovoua Declaração Internacional sobre osDados Humanos com o objetivo deresguardar as informações contidas nogenoma humano, pelo seu alto potencialinformativo.

A proposta tem efeitos retroativos, ouseja, seriam recolhidas amostras das maisde 841.000 pessoas encarceradasatualmente, ⅓ delas, ressalta-se, semcondenação judicial definitiva. Além doscustos altíssimos de tal ação, cabeperguntar qual o objetivo de terinformação genética de tantas pessoas.Considerando que cada presidiária oupresidiário compartilha informaçãogenética com cerca de 50 pessoas de suafamília, estariam registradas asinformações genéticas de praticamente2% da população brasileira.

Temos, no Brasil, um longo históricoeugenista. Não podemos desconsiderar,portanto, o risco de que informaçãogenética seja preditiva decomportamento social. O processoeugenista no curso da história brasileirafoi um dos responsáveis por manter apopulação negra do Brasil em umasituação de vulnerabilidade social eeconômica. Ao coletar dados genéticosde uma pessoa, tem-se a possibilidadede acessar informações seusdescendentes e familiares, e abre-se apossibilidade de usos de dados para alémdo contexto de investigação criminal.Proporcionando o mapeamento genético,poder-se-á acelerar ainda mais as açõesde “prevenção à criminalidade”, com aostensividade da repressão policial juntoa determinado grupo de indivíduos.

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Por mais que a proposta explicite aproibição da venda de dados, não hámenção sobre parcerias. Caso asinformações sejam utilizadas, porexemplo, por departamentos de direitoshumanos de órgãos públicos e privados,poderiam passar a ser considerados nosprocessos de demissões ou contratações.E a já sabida discriminação sofrida porpessoas negras ou parentes de pessoasencarceradas poderia ser elevadadrasticamente. Mais uma vez, ao invésde corrigir desigualdades ediscriminações, as propostas emquestões podem aprofundá-las.

Na prática, o Estado de obrigar umapessoa, mesmo quando já condenada, ase submeter a procedimentos de coletade DNA tem o objetivo de alimentar umamplo banco de armazenamento defonte probatória que possa servir, aindaque no futuro, como prova em processosjudiciais criminais. A Lei de número12.654/12 já aponta a violação à garantiado nemo tenetur se detegere, queintegra o princípio da ampla defesa,concebido como parte do sistema deproteção destinado a estabelecer ocontrole do poder punitivo e assegurar oexercício das liberdades públicasfundamentais.

A Lei n. 12.654/2012, que introduziu o“artigo 9º-A à Lei de Execução , dispõe

A Lei n. 12.654/2012, que introduziu o“artigo 9º-A à Lei de Execução Penal,dispõe que os condenados por crimepraticado, dolosamente, com violência denatureza grave contra pessoa, ou porqualquer dos crimes previstos no art. 1ºda Lei nº 8.072/1990, serão submetidos,obrigatoriamente, à identificação doperfil genético, mediante extração deDNA - ácido desoxirribonucleico, portécnica adequada e indolor.

A Lei n. 12.654/2012, que introduziu o“artigo 9º-A à Lei de Execução Penal,dispõe que os condenados por crimepraticado, dolosamente, com violência denatureza grave contra pessoa, ou porqualquer dos crimes previstos no art. 1ºda Lei nº 8.072/1990, serão submetidos,obrigatoriamente, à identificação doperfil genético, mediante extração deDNA - ácido desoxirribonucleico, portécnica adequada e indolor.

A Lei n. 12.654/2012, que introduziu oartigo 9º-A à Lei de Execução Penal,prevendo o banco de dados com perfilgenético por meio da extraçãoobrigatória de DNA de condenados porcrimes praticados dolosamente, comviolência de natureza grave contrapessoa, ou aqueles rotulados legalmentecomo hediondos, tem sido questionadana Corte Suprema em recursoextraordinário (RE n. 973837)

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O Recurso Extraordinário mencionadoencontra-se pendente de julgamentopelo Supremo Tribunal Federal, desde2016, cuja repercussão geral foireconhecida, por decisão assimementada:

Recurso extraordinário. Direitos fundamentais. Processo Penal.2. A Lei 12.654/12 introduziu a coleta de material biológico paraobtenção do perfil genético na execução penal por crimesviolentos ou por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A). Oslimites dos poderes do Estado de colher material biológico desuspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo perfilgenético, de armazenar os perfis em bancos de dados e de fazeruso dessas informações são objeto de discussão nos diversossistemas jurídicos. Possível violação a direitos da personalidade eda prerrogativa de não se incriminar — art. 1º, III, art. 5º, X, LIV eLXIII, da CF. 3. Tem repercussão geral a alegação deinconstitucionalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, introduzidopela Lei 12.654/12, que prevê a identificação e o armazenamentode perfis genéticos de condenados por crimes violentos ouhediondos. 4. Repercussão geral em recurso extraordinárioreconhecida. RE 973837 RG / MG – MINAS GERAIS.REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIORelator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 23/06/2016.Órgão Julgador: Tribunal Pleno — meio eletrônico.

Em 2012, a Comissão de Reforma da Leide Execução Penal no Senado a qual foipresidida pelo ex-ministro do SuperiorTribunal de Justiça, Sidnei Beneti, reuniu –se com diversos juristas,promotores de justiça,advogados,defensores públicos onde foi sugerido asupressão do artigo 9º-A da LEP, sob oseguinte fundamento:A revogação do art. 9º-A é fundada em entendimento pela suadesnecessidade e inconstitucionalidade frente o princípio daigualdade (art. 5º, caput, CRFB) e dignidade da pessoa humana(art. 1º, III, CRFB), bem como quanto à vedação daobrigatoriedade da produção de provas contra si mesmo (art. 5º,LXIII, CRFB), inadmitindo-se a pressuposição, sem qualquerfundamento científico, de que apenas os condenados pordeterminados tipos penais pré-estabelecidos seriam responsáveispor outros delitos ainda não elucidados. Considerou-se que aidentificação civil, na forma regulada pela Lei nº 12.037, de 30 deoutubro de 2009, atende às necessidades da execução penal esegurança pública nesta seara.

A coleta de material genético previstana Lei de Identificação Criminal doCivilmente Identificado e, no mesmocontexto, na Lei de Execução Penal, nãoimporta em restringir o seu uso apenasàs hipóteses relacionadas à identificaçãoda pessoa. Na prática, o que aponta e aautorização que será conferida ao Estadode obrigar a pessoa, mesmo quando jácondenada, a se submeter aprocedimentos de coleta de DNA tem oobjetivo de alimentar um amplo bancode armazenamento de fonte probatóriaque possa servir, ainda que no futuro,como prova em processos judiciaiscriminais. A Lei de número 12.654/12 jáaponta a violação à garantia do nemotenetur se detegere, que integra oprincípio da ampla defesa, concebidocomo parte do sistema de proteçãodestinado a estabelecer o controle dopoder punitivo e assegurar o exercíciodas liberdades públicas fundamentais.

O Ministro Sérgio Moro propõe que setorne regra a coleta de material genéticoque, atualmente, é exceção. Encontra-setambém em tramitação o PL 888/2019que prevê a extração compulsória dosdados genéticos seja realizada em todosos condenados por crimes dolosos, aproposta propõe que Presos Provisórios oque, afronta o princípio da presunção deinocência e estende-se também a presoscondenados, porém não especifica qual a

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importância para a redução dacriminalidade. A Lei proposta peloMinistro Sergio Moro não leva emconsideração que encontra-se emdiscussão o Recurso Extraordinario- no STF, há de ser ainda, portanto, umaprodução legislativa inócua, diante daiminente possibilidade de ser declaradamatéria inconstitucional pelo STF.

A banalização deste procedimentoenvolve, também, uma delicada discussãoem torno da proteção dos dadosrecolhidos, eis que os dados genéticossão, conforme reconhece o artigo 5º, II,da Lei 13.709/2018, dados pessoaissensíveis, o que requer um tratamentoespecífico, na forma dos artigos 11 a 13da mesma Lei, e complexas medidas desegurança e sigilo.

Cabe observar o autoritarismo absolutouma vez que tal obrigatoriedade nadoação de perfil genético se aplica apresos que não forneceram DNA nomomento de sua entrada noestabelecimento serão obrigados afornecer mesmo na condição decondenados no decorrer do cumprimentoda pena.

Destaca-se que pela proposta o artigo 4ºpassará a constituir em falta grave arecusa do condenado em submeter-se aoprocedimento do perfil genético. O presojá condenado em cumprimento de pena,

tem uma série de direitos desde cumpracom o que é previsto na Lei deExecuções Penais, dentre eles aprogressão de regimes, o livramentocondicional, o indulto e comutação depenas, a remição, entre outros. A faltadisciplinar poderá a vir prejudicar aperspectiva de progressão e reinserçãodo preso ou presa prevista pelo Estado,em face do sentenciado ter cometidouma falta durante o cumprimento depena, favorecendo assim a política deencarceramento em massa.

"Essa informação genética não épreditiva de comportamento social. É

fundamental nós pensarmos isso porque oBrasil tem um longo histórico de uma escola

eugenista, em que nós tínhamos aciência respaldando essas informações

antropométrica das pessoas e que éutilizada até hoje, em algumas carreiras as

pessoas são escolhidas de acordocom o seu biotipo, ainda hoje, a eugenia,

ainda é, ainda tem o seu laço nasociedade brasileira em alguns serviçospúblicos e ela foi extremamente danosa,

porque ela condenou uma parcela dapopulação, parcela pobre da população ao

encarceramento e isso acontece até os dias dehoje. Então o processo eugenista

foi responsável por colocar a populaçãonegra e a população pobre deste país

numa situação de vulnerabilidade social eeconômica até os dias de hojeis"

Maria José Menezes- Bióloga e Geneticista- Emaudiência pública na câmara para debate do PacoteMoro.

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Pela proposta legislativa se osentenciado ou sentenciada se recusar afornecer DNA cometerá uma falta grave.E terá prejudicado o seu direito deprogressão de regime. Uma vez quemacula seu prontuário, onde o seucomportamento será avaliado comoreprovável, tem impedido o pleito aobenefício que faz juz, afetando aoportunidade de ter acesso a qualquerbenefício. Reforçando a questão doencarceramento em massa, a falta gravealém de afetar critério subjetivo, tambémimplica em uma interrupção dacontagem de lapso para concessão debenefícios ao apenado em regime(fechado). Será então realizada umanova contagem ao benefício a partir dadata em que ele foi sancionado pela faltacometida no caso a recusa de fornecerDNA.

Tal medida é um desrespeito a preceitosconstitucionais como o da legalidade eda reserva legal, insculpidos no art. 5º, IIe XXXIX da Constituição da República,segundo os quais "ninguém será obrigadoa fazer ou deixar de fazer coisa algumasenão em virtude de lei" e “não há penasem prévia cominação legal”.

Cabe destacar a necessidade doaprimoramento de novas técnicas deinvestigação principalmente na resoluçãode crimes o que é extremamenteimportante, porém deve ser preservadostodas as garantias constitucionais que

devem ser intransponíveis, bem comoonde a legitimidade, na fase deinstrução, no processo penal e naexecução penal deverão ser observados epreservados.

Nessa dimensão da investigaçãosatisfatória e bem sucedida, outroproblema na interpretação no exame deDNA está nas amostras de materialgenético coletadas em cenas de crimesque, geralmente, contêm o DNA demúltiplos indivíduos. Quando énecessária uma análise interpretativa poranalistas para designar o número e ascaracterísticas dos vários contribuintes,torna-se mais insegura a capacidadeprobatória do exame de DNA.

Mesmo na situação relativamentesimples de analisar uma amostragenética deixada na cena do crime, ecompará-la à outra amostra de DNA dealguém suspeito, alarmantes problemaspodem ocorrer, de forma a colocar emquestão a confiabilidade dessasevidências de DNA. Problemas como acontaminação de amostras, erroslaboratoriais e a criação de perfis parciaissão importantes exemplos dos riscosexistentes no processo de exame dematerial genético.

Assim como outros tipos de provamaterial forense, o exame de DNA estásujeito a contaminação de suas amostrasantes, durante e até depois da realização

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e sua análise. A diferença, entretanto, sedá em razão da sensibilidade específicada amostra de DNA; situaçãoincomparável com qualquer outro tipo deprova.

A extraordinária sensibilidade do DNArequer cuidados extremos em suamanipulação; justamente em razão dessasensibilidade é que, frequen- temente,perfis de DNA desenvolvidos a partir deevidências de casos antigos (cold cases)acabam sendo, na verdade, perfis deanalistas ou técnicos que analisaram aamostra inicialmente.

Uma das principais supostas utilidadesidentificadas no banco de dadosgenético, diz respeito à possibilidade deidentificação e resolução de casosantigos, através da análise de materialgenético colhido nas cenas de crimes.Esses materiais, porém, até poucotempos atrás, eram manipulados deforma completamente distinta danecessária para a criação de perfisconclusivos.

Outro ponto para se destacar são oscustos ao erário da implementação de talproposta. Embarcar em uma empreitadade tamanha proporção requereria,portanto, um cuidado extraordinário porparte do poder público na capacitação,credenciamento e treinamento dasmilhares de pessoas que se envolveriam

no processo de coleta, transferência,ampliação e análise dos perfis genéticos– uma tarefa que está longe de ser viávelem solo brasileiro.

Em meio a grave crise econômica epolítica que país atravessa, não existemrecursos para questões básicas, como aPrevidência Social, ou para osfundamentais setores da educação esaúde. Acerca da segurança pública, osEstados brasileiros sofrem com umlimitado orçamento para a realização depolíticas penais equivocadas, custosas, esem retorno. De forma notória, o egrégioSupremo Tribunal Federal sinalizoureconhecimento um Estado de CoisasInconstitucional na realidade carceráriabrasileira, sem nenhuma mudança tersido realizada para sanear essa gravesituação.

Tampouco se pode olvidar a presentesituação das polícias científicasbrasileiras – principais responsáveis pelosexames de DNA no Brasil – de ausêncianão só de recursos, mas também de mãode obra para a concretização dogigantesco (e crescente) volume deprocessos e análises.

A criação de um banco de dados para agestão de material genético de presosincumbiria uma reformulação de toda aExecução Penal brasileira, já que acoleta, transferência e análise do DNA

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de centenas de milhares de presos teriade ser feita. Se considerarmos osmandados de prisão em aberto, onúmero cresce exponencialmente.

Não bastassem essas questões, ainda sefaz necessário alertar para aimpossibilidade de reconhecimento desuficiência de material genético nasamostras coletadas. Mesmo quandoarrecada por perito altamentecapacitado, seguindo todos os padrões eprotocolos necessários, existe grandepossibilidade de a amostra não conterDNA suficiente para a constituição deum perfil genético, e sua posterioranálise. Apesar disso, todos os custosrelativos ao processo de coleta,transporte e análise subsistem, apenaspara terem seus objetivos frustradosantes mesmo de qualquer tentativa deidentificação.

A coleta de material Genético terá umpúblico alvo definido, jovens e negros,serão aqueles que irão inaugurar o maisnefasto período no que se refere aosresquícios de Estigmatização com opensamento de Cesare Lombroso,

A partir da extração de material genéticonão são poucos os juristas e criminólogosque interpretam como como umresquício severo do pensamento deCesare Lombroso o qual taxava decriminoso/delinquente através de suascaracterísticas físicas.

É possível observar, que a construçãodeste banco de perfil genético, tem oobjetivo de impactar tornando-se umamedida de efeito, uma medida midiática,idealizada por um legislador, queacredita impressionar a sociedade comum “Banco de Perfil Genético” e a partirdaí a criminalidade será totalmentecombatida acredita que com auxílio daciência, numa imitação barata e mal feitaque ser igual ao EUA com um dosMaiores Bancos Genéticos do Mundo, eque infelizmente tem uma populaçãoprisional composta majoritariamente pornegros e latinos (descendentes de povosindígenas) enquanto as reais causas docrime , se mantém totalmente intocáveis.

O Brasil mantém o traço equivocado,altamente racializado, com o seu destinohistórico cruel e altamente torturantesangrante racializado, em que a cor dapele, definida bem antes de CesareLombroso nascer, já recebia as marcasnão só do ferro em brasa mas também, amarca social relativo ao tratamento a eledesferido na condição sub humana”.

Nos países que as “biotecnologias”modernas contra o crime são utilizadascom sucesso há muito tempo foramtomadas providências no que se refere àimplementação de políticas públicas,sociais e raciais, muito mais eficazes nocombate a criminalidade, que nada maisé do que um fenômeno coletivo,

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com raízes principalmente no Brasil naescravidão que perdurou por mais de 300anos, a coleta de material genéticotorna-se um assinte.

Nada mais é do que providências severasde controle estatal que ameaçamradicalmente a privacidade das pessoas eem particular a população negra e jovemo efeito imediato das ideias positivistasracistas do médico italiano, CesareLombroso, que no século XIX acreditavaser possível definir os caracteres físicas ecomportamentais de pessoas cuja a peleseria escura os determinava como dos“criminosos natos”, isto é propensos àprática de crimes.

Afirmam ainda que tal lei traz resquíciose tem escopo na ideologia de CesareLombroso que no século XIX acreditavaser possível definir os caracteresmorfológicos e comportamentais dos“criminosos natos”, naturalmentepropensos à prática de crimes.Vivenciamos no nosso cotidiano casos deexcessos provocados pelo controlepolicial, baseado em perfis raciais, ondeas forças policiais, fazem uso e abuso daforça, por se mantém sob a égide daimpunidade, a postura da JustiçaCriminal Brasileira que é altamentepunitivista, seletiva e racializada, é clara amanifestação da discriminação tantopelos órgãos de segurança como naJustiça Penal, onde tais posições são

inseparáveis, o estigma racial, seguidapela violência, que se perpetua emespaços de privação da liberdade, queviveram em situação de pobreza que éracializada através de uma discriminaçãoclara e presente nas esferagovernamentais.

Observamos as prisões arbitrárias abusosonde prevalece a seleção racial nasabordagens, onde os jovens homensnegros são historicamente acusados deserem aqueles que cometerem crimes,onde não são em momento algumresguardados os direitos humanos.Aforma degradante com que são expostosnos meios de comunicação,principalmente nos programassensacionalistas onde fazer questão degarantir a sua audiência através de umjornalismo sensacionalista que imprime omedo. Porém, não agem da mesmaforma quando ocorre os assassinatos dejovens negros, existe a imparcialidadeque reflete a construção e a manutençãoda identidade criminosa negra.

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CONSIDERAÇÕES FINAISNa sociedade brasileira prevalece aestigmatização para com a populaçãonegra, na medida que são etiquetados,conhecidos como “elemento cor padrão”a pedra que precisa ser removida dasociedade. Onde os jovens queencontram-se atualmente presos noscentros de detenção provisória oumesmo nas Penitenciárias.

A perpetuação da situação de miséria epobreza no pós abolição e adiscriminação racial que é estrutural sãoproblemas sério que não são tratadoscom a seriedade necessária pelos nossosgovernantes. Apesar do apelido “PacoteAnticrime”, em proposta não se propõe àprevenção da criminalidade e nem tãopouco propõe medidas no combate àcorrupção, não trata com seriedade a

esfera pública e o controle do meio quepossam propiciar o fim da corrupção é naverdade um Pacote Seletivo ePenalistico, O Pacote Moro é o “OCódigo Negro do Século XXI” se durantea escravidão o Código Penal,amplamente utilizado foram asOrdenações Filipinas, onde estipulava os‘Castigos a serem aplicados aos EscravosInsurgentes” disciplinando as Chibatadasaté 300, o Pacote Anti Crime reclassificaa população negra tendo alvopreferencial, jovens negros,consideradinimigos públicos número 01,vitimas das abordagens truculentas,traumatizantes, onde a prática da torturacom suas novas metodologias, queincluem o assédio moral, criam novostipos penais que serão aplicados àpopulação negra, através de umalinguagem que tem como objetivo“acabar com a Corrupção”. Semconsiderar que a corrupção também semanifesta do abuso de poder que opacote protagoniza.

Está ao fundo a reescravização,devidamente disfarçada de “fim daimpunidade”, em que os defensoresdeste pacote criam sistemas de controledos corpos negros. Estamos vivenciandoo processo de reconstrução daescravidão, restabelecido por meio deleis de segregação racial, pela privaçãode políticas públicas, e a manutenção da

" O pacote anti-crime apresentado por SérgioMoro por esse governo e a lógica estabelecidapor esse governo em relação ao papel que oestado deve ter conversa drasticamente com atarefa histórica das elites brasileiras em negara vida e a dignidade ao povo negro , do pontode vista da ação repressiva do estado esselugar que deveria ser um espaço de diálogo dosdiferentes, o espaço de busca por consenso dediminuição de conflitos esse lugar tem sidohistoricamente espaço da profecia daelaboração e da prática do genocídio contra ospobres e os negros no Brasil"

Douglas Belchior - Professor - Em audiência públicana câmara para debate do Pacote Moro.

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A discriminação racial e o racismo seaplicam de maneira generalizada noSistema Penal Brasileiro, acompanhamospelos jornais a seletividade de CesareLombroso nas abordagens policiais, entreelas o uso da força, a detenção arbitrária,a presença dos meios de comunicaçãoque reforçam a conduta delitiva dejovens negros homens e mulheres, o

A sociedade brasileira está ampliandosentimentos de ódio racializado.Nãopodemos retroagir, nem tão poucoadmitir, o descumprimento dos nossosdireitos, nem apoiar incentivar leis quediscriminam o indivíduo ou mesmo ogrupo, a necessidade a manutenção dosprincípios que regem os direitoshumanos, as legislações internacionais,que respeitam as liberdades e asindividualidades, da dignidade humanada, promoção contínua dos valoreséticos, sobretudo em particular apopulação negra.

Mesmo sem a explícita garantia jurídica,atirar para matar já é prática recorrentedas polícias de todo o país. A criação demecanismos que favoreçam e protejamesse tipo de comportamento pelas forçaspoliciais, longe de respeitar osparâmetros normativos existentes, só irágerar mais violência.

O Pacote Moro no que se refere a aoArtigo 9 da Lei de Execuções Penais noque se trata da Coleta de MaterialGenético no momento da Prisão não serefere a coleta de DNA nos casos dehomicídios praticados por policiais, umavez que a elucidação dos crimespraticados por policiais as investigaçõessão extensas,nos casos de prática detortura por agentes do estado, mesmoque ofereçam resultados positivos, dasua autoria, dificilmente os agentes doEstado que praticam a tortura e os maustratos, são condenados, os crimes deTortura e Racismo no Brasil,lamentavelmente não são punidos, ondepodemos observar principalmente no quese refere aos crimes praticados pelosagentes do estado que estes sempredetém uma proteção especial.

exploração econômica e violenta. Aimplementação do Pacote Moro traránovas restrições que serão impostas paraa população negra, incluindo asmanifestações como terrorismo.

efeito intimidatório, e a perseguição aliberdade de expressão com aperseguição ao funk como nos meadosdo século XX ao samba, capoeira e aosterreiros. Estamos vivendo as tendênciaseugenistas e lombrosianas.

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COALIZÃO NEGRA POR DIREITOSAFROUNEB - Núcleo Interdisciplinar de Estudos Africanos e Afro-

Brasileiros da Universidade do Estado da BahiaAGANJU - Afro Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica]

Agentes de Pastoral Negros do Brasil - APNsAlma Preta - Portal de mídia negra

Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras -AMNBArticulação Nacional de Pescadoras e Pescadores

Articulação Nacional de Psicólogas(as) Negras(os) e Pesquisadores -ANPSINEP

Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê AiyêAssociação Cultural de Mulheres Negras - ACMUN - RS

Associação de Amigos e Familiares de Presos/as - AmpararBamidelê - Organização de Mulheres Negras na Paraíba

Casa Laudelina de Campos MelloCentro de Estudo e Defesa do Negro do Pará - CEDENPA

Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERTCírculo Palmarino

Coletivo de Juventude Negra Cara PretaColetivo Luiza Bairros - CLB

Coletivo Negro AfromackColetivo Sapato Preto Lésbicas Amazônidas

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras RuraisQuilombolas - CONAQ

Conselho Pastoral de Pescadoras e PescadoresCriola

Cursinho Popular Carolina de JesusEducafro - Edicação e Cidadania de Afrodescendentes

Evangélicos Pelo Estado de DireitoFaremos Palmares de Novo

Frente de Mulheres Negras do DF e EntornoFrente Favela Brasi

lFrente Nacional de Mulheres do FunkFrente Nacional Makota Valdina

Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares- GajopGeledés - Instituto da Mulher Negra

Grupo de Mulheres Negras Mãe AndresaIDEAS - Assessoria Popular

Ilê Omolu Oxum - Rio de JaneiroIniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas

Instituto AMMA Psique e NegritudeInstituto de Mulheres Negras de Mato Grosso - IMUNE

Instituto Marielle FrancoInstituto Negra do Ceará - Inegra

Irohin - Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro-brasileira

Kombativa - Cooperativa social latino-americana de Direitos HumanosMães da Bahia

Mahin Organização de Mulheres NegrasMandata Quilombo da Deputada Estadual Erica Malunguinho - SP

Marcha das Mulheres Negras de SPMovimento dos Atingidos pela Base Especial de Alcântara

Movimento de Mães do Socioeducativo do CearáMovimento Nacional de Pescadoras e Pescadores

Movimento Negro Unificado - MNU NEGRARIA - Coletivo de Artistas Negros de Belo Horizonte e Região

Metropolitana/MGNovaFrente Negra Brasileira

Núcleo de Consciência Negra da USPOdara Instituto da Mulher Negra

ONDJANGO - Núcleo de Estudos Afro-BrasileiroOkan Dimó - Coletivo de Matriz Africana

Pretas em MovimentoPrograma Direito e Relações Raciais - PDRR-UFBA

Protagonismo Negro da UFSMPVNC - Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes

Rede AfirmaçãoRede de HistoriadorXs NegrXs

Rede de Mulheres Negras da BahiaRede de Mulheres Negras de Pernambuco

Rede Mulheres Negras do ParanáRede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e

Nutricional Rede de Proteção e Resistência ao Genocídi

oRede Fulanas NABRede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde - Renafro

Rede SapataRede Ubuntu

Teatro Negro e Atitude, BH/MGVoz da BaixadaUnião de Negros pela Igualdade - Unegro

União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e ClasseTrabalhadora - UNEafro Brasil

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