Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

60
OJc;8" Xo I:) ~BIBUOTECA uNNERSITARIA \ U.F.M.G.' III \"I\I\\"\l~~lUl~~~I\\II\I\lI\1 NÃO DANIFIQUE EST~~ -""-_. ~- "0, {.;.~ .1". ..., CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL DA UFMG CEDEPLAR CEDEPLAR - BIBLIOTECA , SOBRE O CONCEITO DE REVOLUÇÃO IVJARGINALISTAEM SCHUPETER João Antônio de Paula \ 2.> "0'J . \" . ,!.. \ Dissertação de mestrado apr~ sentada ao IFCH-DEPE da Uni versidade Estadual de Campi- nas. Belo Horizonte Setembro / 1977

Transcript of Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

Page 1: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

OJc;8" Xo I:)

~BIBUOTECA uNNERSITARIA

\ U.F.M.G.' III \"I\I\\"\l~~lUl~~~I\\II\I\lI\1NÃO DANIFIQUE EST~~

-""-_. ~-

"0,

{.;.~ .1". ...,

CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL DA UFMGC E D E P L A R

CEDEPLAR - BIBLIOTECA ,

SOBRE O CONCEITO DE REVOLUÇÃO IVJARGINALISTAEM SCHUPETER

João Antônio de Paula

\ 2.> "0'J . \" . ,!.. \

Dissertação de mestrado apr~sentada ao IFCH-DEPE da Universidade Estadual de Campi-nas.

Belo HorizonteSetembro / 1977

Page 2: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter
Page 3: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

,SUMARIO

, .Paglna

APRESENTAÇÃO ••••••••••••••••••••••••• t •••••••••• t •••••• 1

I - INTRODUÇÃO ....................................... 4

11 - O CONCEITC DE REVOLUÇÃC MARGINALISTA EM SCHUMPETER

11.1 - A visão de Schumpeter 811.2 - Contra a Existência de uma Revolução Marg~

nalista: Marshall11.3 - A posição de Meek

•••••• 't •••••••••••• ,.,.

••••••••••••••• ti •••••••

27

34

III - UTILIDADE MARGINAL: DO ENTUSIASMO AO REPÚDIO

I I I. 1 - 111troduçao 36

111.2 - Contra a Utilidade Marginal: CasseI...... 40111.3 - A posição de Hicks 48

BIBLIOGRP.F'IA 55

Page 4: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

APRESENTAÇÃO

Esse trabalho é parte de minha dissertação de mestrado--apresentada à UNICAMPem agosto de 1977. Dela retiramos a introdu

~ão que está a merecer revisão cuidadosa que é impossível ser fei

ta no momento. Como o restante do trabalho é independente da intr£

dução que foi retirada, na medida em que a introdução discutia ap~

nas o contexto histórico do qual emerge a Revolução. Marginalista,

objeto da nossa dissertação, e como gostaríamos discutir as idéias

ce~trais do trabalho, resolvemos editar assim o trabalho,que deve

ser visto como um ensaio sobre o significado da Revolução Margi-

nalisla a partir da visão de schumpeter.

Gostaria aqui de agradecer à banca examinadora da disser

-caçãc, professores Raul Eckrman , Carlos Eduardo do Nascimento Gon

çalves, e especialmente ao professor Luiz Gonzaga de Mello Belluz

zo que tornou possível essa tese pelo estímulO e confiança em que

pudesse realizá-la.

AOScolegas Mário Possas, Eginardo pires e Maurício Cou

tinho que discutiram comigo partes do trabalho, devo, também,agr~

decer pela convivência sempre rica para mim durante o curso de mes

trado.

A Valdemar, fausto, Luiz Antônio, Maurício, flávio, Vir

gínia, João Mac~1ado, Carlos Henrique, Paulo Brant, colegas do

CEDEPLARe Deparlamento de Economia devo muito, pela paciência e

consideração com que me receberam, pelas discussões provei tosas so

bre o trabalho que fizemos.

AOSmembros do CEDEPLAR,professores, funcionários e al~

nos, agradeço pela criação de condições materiais para a realização

do trabalho e pelo clima de cordialidade e respeito que tem paut~

do esta instituição.

finalmente agradeço a Ivone pela dedicação ao decifrar

meus garranchos e datilografar a versão prel iminar do trabalho, p~

lo carinho que tem me dedicado durante esses anos e que tem sido

tão importante.

Page 5: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

2

o ponto de partida deste trabalho é trecho da obra de

SChumpeterl, onde ele discute sobre a existência ou não da Revolu-

ção Marginalista e seu significado. Por "revolução Marginalista"

es tamos entendendo a ec losão simul tânea e independente de uma sé

rie de obras que vêm colocar os fundamentos de uma nova concepção

da economia, que se propõe explicitamente transformá-la numa ciên

cia exata, a Economics, vis a vis, a Physics, Mathematics, Es-

tatistics, etc ... Essa pretens~o programática, a transformação da

Economia política em Economics, tem nas obras de Menger (1871),

jevons (1871) e Walras (1874) seus momentos decisivos, e é just£

mente para designar essa explosão rrJÚltipla que se cunhou o nome "Re

volução Marginalista".

A argumentação de Schumpeter se desenvolve a partir das

respostas que dá às duas perguntas que se faz: lª) se houve revo-

lução no sentido de modificação Lotal e descontínua, e 2ª) se tal

revolução produziu UWà nova teoria do processo econômico. A essas

perguntas, Schumpeter responde af~rma ti vamente à primeira, ou se

ja, aceita a existência de uma Revolução Marginalista, e negativ~

mente à segunda, dizendo não ter havido mudança no obj eto da teo

rla econômica com a Revolução.

Nossa intenção neste trabalho é tentar responder às que~

tões de Schumpeter de forma alternativa, negando o que ele afirma

e afirmando o que ele nega. AO tentar discutir essas questões, s~

gundo essa perspectiva, pretendemos levantar algumas idéias que aj~

dem a entender o significado e os limi tes da chamada Revolução Mar

ginalista.

o capí tulo primeiro do trabalho é o núcleo de nossa expo

sição. Nele estão discutidas as questões de Schumpeter sobre o si.£[

nificado da Revolução Marginalista. Como contraponto, tratamos,ao

1 ó' A- SCHUMPETER,Joseph - HIST RIA DAANALISEECONOMICA- vol.III,trad. parto Rio de Janeiro, 1964, pág.197.

Page 6: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

3

final, de dois autores que negam a existência de uma Revolução Mar-ginalista (Marshall e Meek) , cada qual por motivos distintos.

Finalmente, o segundo capítulo trata das vicissitudes doconceito Utilidade Marginal, que é saudado como grande princípiounificador da nova escola, e posteriormente repelido como peça obsoleta, eivada de grande vulnerabilidade e capaz de comprometer aestrutura teórica marginalista. O exame das maneiras como o pens~mento marginalista tenta expulsar sua ex-grande conquista é feito no trabalho a partir das colocações de CasseI e Hicks.

Page 7: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

••

4

I - INTRODUÇÃO

Joseph Schumpeter é teórico dos mais destacados, não sópor sua grandiosa História da Análise Econômica, mas, també~ e fU£damentalmente,por suas contribuições para a teoria dos ciclos, docapitalismo monopolista, pretendendo, aO nível teórico, realizar"uma teoria que pudesse algum dia sintetizar a economia dinâmica,do mesmo modo que o sistema walrasiano sumarizou a economia estática", que é como a esposa de Schumpeter descreve suas pretensõesna apresentação da História da Análise Econômica por ela organiz~da para publicação, posto que publicação póstuma.

Harmônica combinação de erudito profundo e analista arguto da problemática do capitalismo de sua época, Schumpeter é teórico burguês de grande dignidade e largueza de visão, apesar deseus óbvios e explícitos compromissos conservadores.

Colocada como pilar metodológico central na elaboraçãoda História da Análise Econômica está a distinção feita por schu~peter entre Análise Econômica, Pensamento Econômico e Sistemas deEconomia política.

À Análise Econômica estariam afetos os problemas refere£,tes ao desenvolvimento dos instrumentos de análise cunhados parao entendimento do fenômeno econômico. Na Análise Econômica não sãolevadas em conta quaisquer considerações de natureza pOlítica ousocial, já que a teoria econômica é aqui entendida como "caixa deinstrumentos", para ficar com a expressão de Joan Robinson.

Nosso esforço no presente trabalho pretende,também,apo£, . .tar o quanto os aparentemente tecnlCOS e neutros concel tos marg~

nalistas estão envoltos e determinados por relações absolutamentepOlíticas e sociais, posto que produções historicamente datadas ecumprindo funções ideológicas inequívocas.

A ligação entre ideologia e ciência, que é rejei tada porSchumpeter, já foi assumida e certamente constituiu estímulo a maisna realização daquela obra singular, que é princípios da Economia

Page 8: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

5

polí tica e do Imposto, de David Ricardo. Essa ligação entre ciência

e ideologia é transparente na obra de Ricardo. Sua teoria da ren

da da terra é descoberta notável. É, também, e fundamentalmente, l~

belo contundente contra as restrições à livre importação de alime~

tos. A argumentação de Ricardo de que com o desenvolvimento da acu

mulação de capital e conseqüente aumento da população, terras de

pior qualidade estavam sendo incorporadas à produção, e essas ter

ras, ao ter menor fertilidade, implicavam menor rendimento, o que

estimulava a disputa pelas terras melhores, elevando, portanto, a

renda da terra, que, apropriada pelos landlords era fator decisi

vo do esmagamento dos lucros industriais na medida emque isso si,a

nifica aumentos dos custos de produção.

A combinação de ciência e ideologia não é negada. Pelo

contrário, é explicitada. Ricardo não nega estar defendendo os i~

teresses da burguesia industrial. A questão é que Ricardo aprese~

ta os interesses da burguesia como interesses gerais, do progre,2,

so. E efetivamente naquele momento o são, na medida em que signi

ficam a destruição dos privilégios da velha ordem feudal ainda re

manescentes.

Falar, então, pela burguesia num momento em que esta apl~

ca gOlpe de misericórdia na velha ordem, é falar emnomedo progre,2,

so, que se confunde aqui com a hegemonia do modo de produção capi

talista. A partir daqui, sozinha/dona absoluta do poder, a burgue

sia presc inde da ciênc ia, rej ei ta seus ideólogos mais importantes,

como Ricardo e Hegel, e se encerra nos muros da reação aberta e ln

disfarçável.

Essa reação a Ricardo terá, nas obras de Menger-Walras-

-Jevons, um complemento e uma SOlução. A partir daí as formulações

que partam de uma concepção do valor objetivo serão vistas como ex

cêntricas ingenuidades, só desculpáveis pelo fato de terem surgido

na infância, na pré-história da verdadeira ciência econômica. Aten

tativa de Marshall de conciliar Ricardo com os marginalistas, ln

troduzindo a idéia das lâminas da tesoura comandadas uma (a da ofeE

ta) pelo princípio do custo real subjetivo (desutilidade-espera e

Page 9: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

6

risco), outra (demanda) comandada pela lei da utilidade marginal d!:,, •• roJ

crescente, e conclllaçao na qual o supostamente reabilitado Rica!

do corre o sério risco de perder totalmente a especificidade e ri

queza de seu pensamento.

A época da Revolução Marginalista é época de crise para

o capitalismo, crise tanto pOlí tica quanto econômica. A experiê!!,

cia da comuna de Paris era chaga aberta no corpo exangue de um ca

pitalismo combalido, incapaz de encontrar novas e lucrativas OPO!

tunidades de investimento, depois de encerrado o boom das ferro

vias. A "Revolução Marginalista" é pensamento que surge e se desen

volve no momento mesmo da vigência da chamada grande depressão.

Assim, como divisor de águas, a grande depressão é ta!!!

bém momento em que o processo de concentração e centralização do

capital tornam-se expedientes decisivos na recuperação do capit~

lismo, o pórtico da etapa de dominação do capital monopolista.

E é sintomático que, no momento de dominação do capital

monopólico, o pensamento marginalista, cada vez mais e com maior

rigor, insista nas condições de concorrência perfeita como press~

postos essenciais de suas construções teóricas. A completa diss£

ciação da teoria marginalista com as preocupações com o funciona

mento de um sistema econômico cada vez mais distante dos limites

e simplificações da teoria da concorrência perfeita.

Esse divórcio absoluto entre teoria e realidade é neces

sidade e opção de uma classe que, vitoriosa e isOlada no pod er,

precisa impor ideologia que referende o capitalismo como supremo

estágio da evolução da humanidade, sistema per fei to dominado por

racionalidade, que garante a maximização das satisfações de todos

os indivíduos, a mais eficiente alocação de recursos.

Esse programa ideológico, em que o pensamento mar gina-

lista se consolida como escola de apologia aberta, negando o cará

ter cíclico da evolução capitalista, negando a própria possibili-

dade de crise, a absoluta desconsideração comrelação aos aspectos

do funcionamento real do capitalismo, teve derrota séria com a cri

se dos anos 30.

Page 10: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

7

Diante das proporções gigantescas da crise, das falências

enormes, do desemprego imenso, do acúmulo de estoques, da queda dos

salários (remédio inútil do recei tuário marginalista) não houve c.£mo evi tar a dec laração de falênc ia. A "Revolução Keynesiana" é mal

menor. Reconhece-se o fracasso, saúda-se a recei ta keynesiana co

mo i~dispensável, e a Keynes como filho dileto. A partir daí, no

va proposta teórico-ideológica se coloca: absorver Keynes, fazer

de suas idéias tijOlos a mais na construção marginalista.

Page 11: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

8

11 - O CONCEITODE REVOLUÇÃOMARGINALISTAEMSCHUMPETER

11.1 - A visão de Schumpeter

Entre os defensores da existência de uma Revolução Mar-

ginalista destaca-se Schumpeter. Para entender a posição de Schu~

peter é preciso ter clara que a sua perspect i va ao escrever a His-

tória da Análise Econômica é inventariar a evolução da "análise eco

nômica", os progressos au tên ticos da técnica analítica, da cons tru

ção da "caixa de ferramentas" a que foi reduzida a economia pOlí-

tica com suas elasticidades, curvas de indiferença, curvas de con-

trato, isoquantas, funções de produção, etc. Há, segundo Schumpe-

ter, um ganho líquido para a "teoria pura'~ a introdução da lingua-

gem matemática na análise econômica, o que torna mais rigorosos e

precisos os esquemas analíticos, chegando mesmo, no caso de Walras,

a equiparar a economia à física teórica, talo grau de rigor for-

mal e exatidão: "Entretanto, no que respeita à economia pura, Wal-

ras é, na minha opinião, o maior de todos os economistas. Seu sis-

tema de equilíbrio econômico, unindo a qualidade de sua criação re-

volucionária com a qualidade de síntese clássica, é a única obra

de um economista que pode ser comparada com as realizações da fí-

sica teórica. Emcomparação com a sua obra, a maioria dos traba-

lhos teóricos do período, e fora dele, apesar de seu valor pr6prio

e não obstante, originais, possam ser subjetivamente, assemelha-se

a uma série de botes ao lado de um transa t lân tico, ou a tenta ti vas

inadequadas de atingir algum aspecto particular da verdade walra-

siana. A obra de Walras é o marco principal no caminho seguido pe-

la economia rumo ao status de uma ciência exata e, embora hoje ob-

soleta, constitui o alicerce de boa parte do melhor trabalho te6-" 2rico contemporaneo".

2 - SCHUMPETER,Joseph. op. cito p. 100.

. ,

Page 12: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

9

Física teórica, ciência exata, essa a meta que deveria

ser perseguida pela economia. De novo a renovação do ideal comte~

no, de transformar as ciências sociais em ciências exatas. Para

Schumpeter, então, duas coisas são fundamentais na avaliação das c0!2,

tribuições ao desenvol vimento da análise econômica: o rigor lógico

e a elegância formal da análise. O caráter explicativo ou não da

teoria, as questões substantivas sobre o caráter social da econo-

mia não são questões da "teoria pura", da teoria do equilíbrio, da

mecânica social a que foi convertida a economia, estudo das condi-

ções de equilíbrio, determinação da possibilidade da existência do

equilíbrio.

No capítulo 6 do livro 111 de Schumpeter há i tem que le-

va o sugestivo nome de "A Revolução na teoria do valor e da distrl-

buição"; é sobre este item que nossa atenção centrar-se-á a partlY

daqui.

Schumpeter começa sua análise pela discussão da teoria

da utilidade marginal tal comofoi formulada pela escola austríaca

(Menger, Wieser e Bohm-Bawerk). O primeiro e insubstituível fato

da nova escola foi o postulado - ou lei - da nova teoria do valor

que di z: "ã medida que vamos adquirindo incrementos sucessivos de

cada bem, a intensidade de nosso desejo por uma "unidade" adicio-

nal declina monotonicamente até que alcança zero - sendo concebí-

vel que caia abaixo de zero". 3 Esta a "lei das necessidades saciá-

veis" como a chamou Marshall ou a primeira lei de Gossen. A part lr

desse postulado, ergue-se estrutura teórica complexa que Schumpeter

analisa com o subtítulo de "A teoria do valor de troca".

Todos os adeptos da teoria do valor utilidade aspiravam

provar que "o princípio da utilidade marginal é suficiente para es-

tabelecer relações de troca entre bens, que irão ser estabelecidas

em mercados competitivos e, também, as condições em que a amplitu-

de das possíveis relações de troca devem ser substituídas por re-

lações de troca uni vocamente determinadas. Emoutras palavras, eles

3 _ SCHUMPETER,joseph. op.cit. p. 190.

Page 13: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

10

estabeleceram o que AdamSmith, Ricardo e Marx acreditaram ser im-

possí vel, ou seja, que o valor de troca pudesse ser apresen tado em

termos de valor de uso". 4 A análise da teoria do valor de troca

feita por Schumpeter termina por dar importância essencial à teo-

ria da utilidade marginal: "O ponto essencial é que, nesta nova teo-

ria das trocas, a análise da utilidade marginal criou um instrumen

to analítico de aplicabilidade geral aos problemas econômicos". 5

Esta cOlocação é crucial para nossa argumentação posterior. O peso

e a importância da teoria da utilidade marginal não são incidentais

e descartáveis. B a teoria da utilidade marginal o alicerce sobre

o qual se ergue a teoria marginalista.

No i tem b, trata Schumpeter dos problemas do custo, pro-

dução e distribuição. Aqui ele coloca o tratamento que Menger dá

aos bens de produção (bens de ordem superior) como,també~ atende~

do à satisfação dos consumidores (por meios indiretos, por ajudar

a produzir coisas que satisfazem diretamente às suas necessidades)

como também regidas pela lei da utilidade marginal. Tal colocação

permi te, então, dar ampli tude ao princíp io da utilidade marginal, po~

sibilitando-o a tratar de problemas "da área de produção" e da "dis-

tribuição". Nas palavras de Schumpeter: "Aosfatores ou agentes de

produção são dados valores de uso: adquirem seus índices de signi

ficância econômica e , portanto, seus valores de troca, por meio do

mesmoprincípio da utilidade marginal que confere índices de sig-

nificância econômica e, portanto, explica os valores de troca dos

bens de consumo. Mas esses valores de troca, ou preços relativos

dos fatores, constituem os custos de produção das firmas produto-

ras. Significa isto que, de um lado, o princípio da utilidade mar-

ginal passa a cobrir o fenômeno dos custos e, conseqüentemente, a

lógica da destinação de recursos (estrutura de produção), resul tan

4 _ SCHUMPETER,Joseph. Op. cito p. 191.5 h'- SCHUMPETER,Josep • Op. Clt. p. 191.

Page 14: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

11

do em que o "lado da oferta" do problema econômico passa a ser de-

terminado por considerações econômicas. Significa, também/que, por

outro lado, considerando-se que os custos das empresas são as ren-

das das unidades de consumo, o mesmo p:tincípio da utilidade margi-

nal, com a mesma condição, cobre automaticamente os fen8menos da

formação, ou da "distribuição", da renda, que realmente deixam de

ser ~m t6pico à parte, embora possam, certamente, ser tratados de

forma separada, a bem da conveniência de exposição. O conjunto da

economia pura encontra-se, assim, unificado sob a luz de um único

princípio - em uma forma jamais conseguida anteriormente".6

A teoria da produtividade marginal foi formulada pelos

aust:tíacos (Menger) analogamente à teoria da utilidade marginal.

Menger construiu a sua teoria das perdas que é a embrionária teo-

ria da produtividade marginal, a partir de críticas que forma fei-

tas à teoria da utilidade marginal: "•.• a teoria da utilidade mar-

ginal seria inaplicável para medir o valor de quaisquer bens que

não bens de consumo, presentes em quantidades dadas, e, portanto,

inaplicável à produção, deveria ter sido suficiente para mostrar

que aqui se tratava de um fato de dificuldade real, e não superfi-

cial, cuja remoção era o pré-requisito para que a idéia fundamen-

tal se tornasse analiticamente operacional. Menger removeu-a, apl~

cando o análogo do método que usou para resol ver o paradoxo do va-

lor. Aceitou a impossibilidade de separar as contribuições dos fa-

tores, ao produto que resulta de sua cooperação. Mas observou que,

para remover a dificuldade, era suficiente determinar as suas con-

tribuições marginais (Grenzbeitrag, de Wieser). E estas podem ser

facilmente encontradas se se retirarem, sucessivamente, pequenas

quantidades de cada requisito de produção, mantendo os outros cons-

tantes, e medindo a perda de satisfação que isto causará aos con-

sumidores do produto ou produtos". 7

6 - SCHUMPETER,Joseph. Op. cito p. 192.7 - SCHUMPETER,Joseph. Opa cito p. 193.

Page 15: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

12

Da colocação de Menger decorre o "princípio da imputa-

ção", nas palavras de Dobb: "El principio de la pérdida de Menger,

para imputar o derivar los valores de los bienes de producción a

partir de los valores de los bienes de consumo, es desarrollado en

direcci6n a una teoría de la producti vidad marginal - aunque en una

versi6n especial suya - la de la "producti vidad marginal con una

diferencia" de schumpeter".8

Schumpeter, entretanto, criticará o princípio da imputa-

ção como não sendo realista, como não correspondendo ao processo

real mental dos agentes econômicos; diz ele: "Todavia, a constru-

ção envolvida em aplicar o método da imputação estava não s6 mui-

to longe de qualquer processo mental real que possa ser creditado

a qualquer agente atuante - o que não importa muito, considerando-

-se o "como se" que entra nesta, comoemmuitas outras cons truções

científicas - mas era, também, desnecessária. Para determinar os

preços dos fatores e suas partes distributivas, não necessitamos

conhecer primeiro seus valores de uso. Tudo o que precisamos saber

são os gostos dos consumidores, as condições tecno16gicas de pro-

dução, e a distribuição inicial da propriedade dos "fatores"; en-

tão, o princípio do máximo de renda líquida, implicando no princí-

pio de mínimo custo, fará o resto".9

o que está implícito aqui é a idéia de quantidades dadas

de capital que não foram produzidas, "caíram do céu" e, portan-to, po

dem adquirir qualquer preço de oferta, até zero, ou seja, a idéia

de que as mercadorias chegam ao mercado sem valor.

No item c, "Interdependência e Equilíbrio", Schumpeter

discu te o sistema walrasiano. Para Schumpeter, a "hist6ria do esfo,£

ço analí,tico" da evolução da análise econômica é a história da "cres

cente percepção, parcial, a princípio, e mais geral por fim, da pre-

sença de um processo econômico logicamente coerente, percepção que

primeiramente conseguiu uma formulação consciente nos trabalhos de

8 - DOBB,Maurice. Idem. p. 212.9 - SCHUMPETER,Joseph, op. cito p. 195.

Page 16: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

13

. h . d 10 .homens como Cantillon, Quesnay, A. Smlt e Rlcar o". Contlnua

Schumpeter seu argumento: "Mas foi somente no período em discussão

que a concepção de um cosmo econômico, que consistia num sistema

de quantidades interdependentes, foi elaborada, e todos os seus pro-

blemas, se não satisfatoriamente solucionados, pelo menos clarame~

te esboçados, e com a idéia de umequilíbrio geral, entre estas qua~

tidades, claramente estabelecido no centro de uma teoria pura. Foi

essa 3. obra de walras".ll

Clara então a intenção de Schumpeter, de apresen tar toda

a evolução da análise econômica como preparação para as "alturas"

do sistema walrasiano, toda a história da análise econômica até Wa,!

~as não é senão a his tória dos erros e acertos rumo a "suprema cons-

trução" do equilíbrio geraL

Depois, consolidado o sistema walrasiano, pode então

Schumpeter prescindir do princípio da utilidade marginal como fun-

damental, afirmando ser esse princípio senão "umateoria embrioná-

ria do equilíbrio geral". Deixemos falar Schumpeter: "Tão logo com-

preendamos ser o sis tema do equilí brio geral o realmen te importan-

te, descobriremos que, em si, o princípio da utilidade marginal não

é, afinal, tão fundamental como Jevons, os austríacos e o próprio

Walras acreditavam. Mas a análise do esquema de Walras nos mostra

o fato de que a utilidade marginal foi a escada pela qual Walras

se elevou ao nível do seu sistema de equilíbrio geral. Se o prin-

cípio da utilidade marginal deixou de ser importante depois que e~

te nível foi alcançado, a sua importância heurística, entretanto,

foi totaL Esta observação lança umanova luz sobre as realizações

de Jevons e dos austríacos. Eles também encontraram a escada. Ape-

nas a técnica defei tuosa proibiu que chegassem ao topo. Mas eles

10 _ SCHU~~ETER,Joseph, op. cito p. 196.

11 _ SCHUMPETER,Joseph, op. cito pp. 196-197.

Page 17: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

14

subiram até o ponto que sua técnica permitiu. Emoutras palavras:

devemos ver a teoria da utilidade de Jevons-Menger como uma teoria

embrionária do equilíbrio geral ou, em todo caso, como uma forma

particular do princípio unificador que se encontra na base de qual-. d o, b . 12quer slstema e equl1l rlO geral".

Finalmen te, Schumpeter c o lo c a duas ques tões que pre-

tendemos discutir e que dizem respeito à existência ou não da re-

vOlução jevoniana e qual o significado dessa revolução, caso tenha

existido. Diz ele: "Emque sentido foi efetuada umarevolução'? Pro-

duziu esta revolução uma nova teoria do processo econômico'? ,,13

À primeira pergunta, responde: "Se nos referimos a uma mo-

dificação que seja total e descontínua, então a reivindicação da-

queles pioneiros da teoria moderna - reivindicação .de haver revo-. d' dm' 'd 14lucionado a parte "pura" da economla - everla ser a 1tl a".

À essa resposta de Schumpeter pretendemos invocar argu-

mento que antes de ser pura pesquisa de antecedentes é essencial-

mente demonstração de característica decisiva da ideologia burgue

sa que é o fato dela jamais ter sido inteiramente cristalina, que

mesmo quando a dominância é o pensamento progressista de Descartes

-Hegel de petty-Ricardo a presença de pascal-Berkeley, de Say.- Se-

nior, são inequívocas manifestações da opacidade da ideologia burgu~

sa o Assim, o pensamento burguês, mesmoemsua etapa heróica, é terri-

tório onde progresso e reação coexistem, onde os germes da pura apo-

logia em que se transformará a economia já existem, como que a pre-

nunciar os tempos futuros feitos de fetichização do objeto da eco-

nomia, da exarcebação do individualismo, da abolição da história

e a entronização do capitalismo como sistema da harmonia e da fe-

12 SCHUMPETER,Joseph. Op. cito- p. 197.

13 SCHUMPETER,joseph. Op. cito 197.- p.

14 - SCHUMPETER,Joseph. Op. cito p. 197.

,1

Page 18: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

15

licidade, onde todos estão a maximizar suas satisfações, onde a re£

da e os recursos estão otimamente distribuídos, a partir dos cri-

térios absolutos da eficiência e racionalidade.

Nossa preocupaçã~ então, é mostrar que a explosão múlti-

pla e simultânea representada pelas obras de Menger-Jevons-Walras

é, na verdade, momento em que a economia vu.lgar encontra complemento

e sOlução. Sofistica-se pelo uso das matemáticas, pela formalização,

pele pretenso rigor analítico.

Em 1854, Hermann Heirinch Gossen publicou obra como tí-

tulo "Desenvolvimento das Leis da Ação Humana e dos Conseqüentes

Princípios do Comércio Humano",que permaneceu desconhecida até a

publicação das obras de Jevons, Menger e Walras, publicadas em 1871,

as dos dois primeiros, em 1874 a do úl timo. Pretende Gossen ter rea-

lizado feito ao nível da teoria econômica semelhante ao de Copér-

nico na astronomia. Nesta obra, à semelhança de Copérnico, Gossen

espera estar destruindo séculos de ignorância e obscuridade, colo-

cando no centro das preocupações da teoria econômica "o sol" do cál-

culo do "prazer e da dor" como verdadeiro objeto da economia. Mau-

rice Dobb dá notícia da proposição de Gossen nos seguintes termos:

Gossen "presentaba una teoría semimatemática del placer y del do-

lor, con la noción de la saciedad de las necesidades o de la uti-

lidad decreciente (su "primera ley") y el principio de que en el

momento en que se quiera obtener el maximo placer, esto se logrará

igualando los incrementos finales de todos los placeres (o en forma

más correcta, como hemos visto, los incrementos finales del ingre

so monetario gastado en adquirir di versos disfrutes). Por analogía

se extendi6 este principio a los bienes utilizados en la producci6n

(a los cuales llamaba Gossen "bienes de tercera clase") y al traba

jo; y puesto que el trabajo involucraba una compensaci6n de la de-

sutilidad del trabajo adicional contra el placer adicional resul-

tante del fruto de ese trabajo. El valor depende por intero de las. . b. . t 15relaClones entre las relaClones entre el o Jeto y el sUJe o".

15 - DOBB,Maurice. Teorias del Valor y de la Distribuicion .... idem.p. 211.

Page 19: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

16

A "revolução" de Gossen pretende ameaçar o sistema da eco

nomia política clássica. Ameaçaseu objeto: já não se trata de pensar

as relações econômicas como relações sociais, relações entre pes-

soas intermediadas pelas coisas, senão que se trata de pensar a eco-

nomia como tratando de relações entre homens e objetos que lhe dão

prazer. Aqui, o segundo traço do rompimento de Gossen: o valor dos

objetos é sempre avaliado subjeti vamente, devendo a economia, agora,

se ocupar das relações éntre os objetos e a satisfação que eles pro-

porcionam, sua utilidade. A "revolução" de Gossen significa subs-

ti tuir a teoria do valor objetivo determinado ao ní vel das relações

sociais de produção, por teoria do valor subjetivo, onde os "obje-

tos" serão avaliados a partir do cálculo do prazer (utilidade) que

eles nos proporcionam. Os custos serão avaliados a partir da dor

(desutilidade, abstinência, risco) que nos custa obtê-los, tal co-

mo aparece em sua versão mais acabada, através do concei to de cus to

real "subjetivo" de Marshall.

A "revolução" de Gossen significa, então, a liquidação da

economia pOlítica, o abandono de suas preocupações, a redefinição

de seu objeto. Já não se trata de pensar as relações econômicas co-

mo relações sociais que os homens travam numasociedade específica

(a sociedade burguesa), já nao se trata de pensar a sociedade eco-

nômica como sendo regida por leis que refletem os interesses das

classes sociais. A "revolução" de Gossen é sobretudo a destruição

dos princípios e procedimentos metodológicos que tinham feito da

economia pOlítica a ciência da sociedade civil. Neste sentido, cre-

mos que a "revolução" de Gossen é, na verdade, subversão do objeto

da economia política significando substituição dométodo, das preo-

cupações e das categorias centrais da economia política pela teo-

ria do valor subjetivo (utilidade), de importância crucial para a

ciência econômica, ou economia, que é como passa a ser chamada a

economia política.

Temos até esse ponto, então, uma "revo lução" e um revo lu-

cionário - Gossen. Não para aí, entretanto, a rei vindicação de pa-

ternidade de uma revolução na economia. William Stanley Jevons ao

Page 20: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

17

publicar em 1871, Theory of Political Economy, também é tido como

revolucionário. E "revo lução Jevoniana" é o nome com que hq je em

dia se identifica a nova economia que surge simultânea e indepen-

dentemente nos textos de jevons e Menger (1871) e Walras (1874).

Entre as con tri buições que são imputadas a Jevons, a for-

mulação da "teoria do grau final da utilidade" (utilidade marginal)

é certamente o seu carro chefe. Dobb, em seu livro citado, assim

se refere ~ teoria do valor de jevons: "En su tercer capítulO jevons

desarrolla con más detalles su teoría deI valor. Abre este capít~

lo con la afirmación de que "el placer y la pena son sin duda al-

-ma los objetivos últimos deI cálculo de la economia y continúa

diciendo que I satisfacer nuestras necesidades al máximo, con el

mínimo esfuerzo ..• o en otras palabras, lograr la máxima satisfac-

ción y placer, es el problema de la economía I; define a la utilidad

(citando a Say y a Bentham) como 'la cualidad abstracta por la cual

un objeto sirve a nuestros propósitos y adquiere el rango de una

mercancía; más adelan te afirma que' aunque la utilidad es una cua-

lidad de las cosas, no les es inherente. Más adecuado sería des-

cribirla, quizá, como una circun.9tancia de las cosas, que surge de

sus relaciones con las necesidades deI hombre,,,.16

Do texto citado podemos depreender que a idéia de utili-

dade tem antecedentes mais remotos emSay e Bentham, além da notó-

ria proximidade com as colocações de Gossen. Então a questão a se

discutir é se houve realmente "revolução"no sentido da "transfor-

mação radical dos conceitos artísticos ou científicos dominantes

numa determinada época". À época não havia dominância de qualquer

conjunto de conceitos que pudesse ser chamado}em toda a sua exten-

são, de um sistema coerente e acabado da economia política clássi-

ca, senão que coexistiam na "época" da chamada economia política

16 _ DOBB,Maurice. Idem, p. 203.

Page 21: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

18

clássica autores e sistemas comoos de Say, Bast ia t, Carey, o pró-

prio John S. Mill, que com seu ecletismo já são, em muitos pontos,

intérpretes, representantes dos princípios e métodos que caracte-

rizarão a "revolução Jevoniana". Então, não há "transformação ra-

dical dos conceitos", senão que sistematização de idéias e concei-

tos que vinham se impondo desde Condillac e mesmo antes, ou seja,

evolução lenta, secular mesmo, de problemas e concei tos que es ta vam. .

presentes.no próprio momento da consolidação da economia política

clássica no ecletismo de Smith, na obra de Say, na multiplicidade

que é a obra de JOhn Stuart MilL Nãoháportanto, uma época de do-

minação da economia política clássica que seria seguida da época

da economia vulgar, senão que existem autores clássicos como Sis-

mondi, Ricardo, Boisguillebert, petty, Smith, vivendo em países e

épocas diferentes. Outra idéia que julgamos importante para disc~

tir a questão da existência ou não de uma "revolução jevoniana",

ou seja, a "revolução da teoria do valor utilidade" é o fato de ser

Jevons, como também Gossen, adeptos do utili tarismo de Bentham. Acr~

di tamos que é certamente impossível não admitir a influência do

utilitarismo na obra de Gossen e Jevons. Mais ainda, a influência"

de Gossen na formulação de suas próprias idéias é admitida por Je-

vons como também por Walras. Assim, temos uma "revolução jevoniana"

que é precedida por uma "revolução gosseniana" e que, por sua vez,

é precedida por uma série de antecedentes que vieram estabelecendo

idéias e princípios, que vieram a se constituir nos traços essen-

ciais do "marginalismo".

Sobre a questão de se a revolução marginalista significa

uma mudança de objeto assim se coloca Schumpeter: "A segunda per-

gunta, como foi colocada, deve, certamente, ser respondida de for-

ma negativa. Nenhuma teoria no sentido da teoria pura poderá ja-

mais ser uma teoria no sentido de uma análise completa dos fenôme-

nos aos quais se refere. Suposições concretas são tão importantes

como o aparato analítico que delas rêtira resultados. Alémdo mais,

a vida econômica é um processo his tórico único e nossos autores não

tinham esquemas explanatórios das mudanças econômicas além daquilo

Page 22: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

19

que herdaram de A. Smith; mesmo que tivessem tido um esquema pró-

prio, a sua teoria da utilidade marginal teria sido completamente~ 17neutra em relaçao ao mesmo".

Ao contrário de Schumpeter, acredi tamos que a resposta

a esta pergunta deve ser sim, se por ela entendermos que a "Revo-

lução" marginalista modif.ica a problemática, o objeto da economia

política, significa a consolidação de idéias esparsas e inconsis-

tentes, através de um ins trumen tal analí tico adequado aos cri térios

posi ti vistas de ciência, abraçados pelos adeptos da escola. Na co-

locação de Belluzzo:

"A idéia de troca como escolha entre duas oumais Dosições alternativas permite generalizar e- tornar mais precisa a noção de utilid~de como fundamento do valor, e definí-la comouma relação entre os incrementos de utilida-de, dadas as quantidades de bens ou recursos.É preciso ressaltar que, desta forma, a ado-ção da teoria da utilidade marginal conduziua uma subversão radical da problemática da Economia política. Trata-se, agora, de discutiras condições de equilíbrio no processo de "tro-ca", entendida comoescolha entre duas ou maisposições subjetivas equivalentes. Dada u.maceEta quantidade de bens ou recursos, o problemaque se coloca é o de distribuí-los, eficien-temente, entre usos alternativos, de modo quea vantagem obtida como uma utilização compense, exatamente, a perda em não utilizá-los deoutra forma0 "Tanto se estamos nos referindoà distribuição de uma dada renda monetária en-tre um determinado número de bens de consumo,como à alocação de fatores de produção entreusos alternativos, ou à distribuição de umcerto período de tempo entre trabalho e des-canso, o princípio é sempre o mesmo. Ademais,em cada caso, o problema da alocação possuiuma solução máxima tão só se o processo detranferir uma unidade do recurso em questãopara um determinado uso, emdetrimento dos demais, está sujeito a rendimento decrescente~

17 .- SCHUMPETER,Josepho OPo cito p. 198.

Page 23: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

20

Não é dificil compreender a conseqüência desta violenta transposição de niveis para a teoria da produção e da distribuição.Desde logo, como assinalou,)com felicidade,BobRowthorn, o subjetivismo radical, envolvidona noção de utilidade, tem sua contrapartidaobjetiva na idéia de"produção como um proces- -so natural, concebido como uma relação entreinsumos físicos que são "misteriosamente transformados numa certa quantidade de produto, representado por bens materiais e não-materi=-ais".Aqui, a questão fundamental é a da reduçãodos elementos definidores da forma social daprodução capitalista à sua dimensão natural,enquanto elementos universais de toda a pro-dução. O conceito chave desta delicada operação redutiva é o de fator de produção. Capi=-talistas e trabalhadores, ambos apresentam--se, no mercado, enquanto proprietários de fatores de produção cujos "serviços" se dispõema vender em troca de uma remuneração.Semelhante redução teórica, ao mesmotempo,e~pulsa as classes sociais, como categorias re-levantes, da Economia política ...,,18

Em seu artigo sobre o "fetichismo da mercadoria", FredyPerlman discute esta questão mostrando: primeiro,a não existênciade "revolução jevoniana", senão a redescoberta da "teoria uti litá

19 . ~ d . dria do valor de Say" , segundo, que a reaparlçao a teorla o va-lor utilidade formulou uma nova definição da economia: "En opinióndeI economista norteamericano Robert Campbell, la reaparición dela teoría Ode la utilidad puso orden en el caos: 'La reconciliación de todas estas explicaciones parciales en conflitto para cons-tituir una teoria general unificada deI valor se produjo recién a

18 _ BELLUZO, Luiz Gonzaga. Um Estudo Sobre a Critica da Economiapolítica. Tese de doutoramento. UNICAMP-CAMPINAS. mimeo.1975. pp. 87-88.

19 _ PERLMAM, Fredy. "El fetichismo deI mercancia".sobre la Teoria deI Valor Marxista de Isaakesp. Buenos Aires. 1974. p

In EnsayosRubin. Trad.

Page 24: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

CEDEPLAR - BIBLIOTECA 21

fines deI siglo XIX por los autores de la escuela utilitarista,

con el concepto de equilíbrio general y la reducción de todas las

explicaciones aI común denominador de la utilidad'. Fusfeld serrala la razón principal de este entusiasmo: 'Una de las más impor-tantes conclusiones que se derivaban de esa línea de pensamientoera que un sistema de mercado libre tiende a llevar ao máximo elbienestar individual". ( ... ) Después de saludar con alborozo lareaparición de la teoría de la utilidad, Campbell pasa a redefi-

nir la economía de tal manera que excluye las cuestiones que Marxhabía planteado. Campbell lo hace explíci tamente: IUn resul ta-

do de esta nueva concepción deI problema deI valor fue la formul~ción de una nueva definición de la economía, la única aceptada

commÚInenteen la actualidad, como la teoría de 13. asignación def" d" 20recursos escasos entre lnes lvergentes'''. "

- A questão é complexa. É certamente possível encontrar antece-dentes para qualquer idéia por mais original que pareça. Comos

argumentos dos antecedentes não estamos pretendendo invalidar ofato de que com Jevons - Menger - Walras "tJJnsistema teórico te-nha se erigido "ciência" e dominado o pensamento acadêmico bur-

guês. Tambémnão estamos negando o fato de tal esquema teóricoconstituir-se estrutura metodológica que perdura até hoje na economia burguesa.

- O ponto que pretendemos chamar atenção é que antes de ser Revolução, no sentido de Schumpeter, o pensamento marginalista é,certamente, contra-revolução teórica, momento em que a burguesia abr~

ça ideologia apologeta, descartando da economia todos os traçosque pudessem revelar a dominação do capital sobre o trab.alho, o caráter eminentemente pOlítico-social das relações econômicas.

- Nesse mister, o marginalismo vai buscar, no liberalismo, a idéiado primado do indivíduo e hipertrofiá-la. De repente, o indiví-

duo isolado, Robinson Crusoé, é colocado no centro das preocupa-çoes teóricas . Indivíduo soberano, racional em suas escolhas, ohomo economicus é invenção crucial nesse sentido, o indivíduo,a satisfação de suas necessidades, a sua absoluta possibilidadede escolha entre bens e fins alternativos.

20 _ PELMAN,Fredy. Op. cit., p. 34.

Page 25: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

22

- O grande truque. Afirma-se o caráter hedonístico do indivíduo,colocando-o diante de objetos; pede-se que ele escolha os que

mais o atraem, está dada a pedra angular do sistema, o valor dosbens decorre da subjetividade do indivíduo. A sociedade será constituída através da agregação, é a soma dos indivíduos, entre elesnenhuma diferença que não a decorrente de que uns tem um tipo debens para dispor (o trabalho) outros outro tipo de bem (o capi-tal). Os "agentes econômicos" detentores dos fatores de produção(trabalho e capital) estarão, então, harmonicamente empenha-dos na produção (fato natural a que é reduzida), cada qual contribuindo com quotas - partes para a formação do produto que depoisserá repartido na justa medida da participação dos fatores, apaEtir de suas produtividades marginais.

_ Não mais relações econômicas como relações sociais, não maisprodução como resultado da dominação do trabalho aocapital.In~

titui-se o reino da "harmonia das esferas", onde os indivíduos e~tão a cada passo maximizando suas satisfações, "o melhor dos me-lhores mundos possíveis"._ A tentativa de responder às questões de Schumpeter de forma al

ternativa merece qualificação adicional no sentido em que fal-ta-nos visão de conjunto da evolução do pensamento econômico burguês em que a chamada Revolução marginalista apareça em suas co-nexões históricas e teóricas.

Há uma longa etapa de progresso e reais avanços no sen-tido da compreensão do funcionamento da sociedade econômica. Dopensamento fisiocrático a Ricardo constrói-se o objeto, o métodoe as categorias centrais da economia pOlítica: a idéia de socie-dade econômica; a idéia de que tal sociedade é regida por leis;que tais leis são cogniscíveis e que a observância de tais leisgarante o progresso e a felicidade gerais; a idéia do excedente;da divisão do trabalho, do desenvolvimento das forças produtivascomo fonte da riqueza; a teoria do valor-trabalho, etc.

Page 26: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

23

A maioridade da Economia política como ciência começoucom a descoberta de que o funcionamento da sociedade econômica eraregido por leis, sua estrutura era cogniscível e seu futuro pre-dizível. Essa a grande contribuição dos fisiocratas.

Armados dos instrumentos que a filosofia do direito na-tural fornecia, tinham construído o conceito de sociedade econômica e entendido sua.anatomia como constituída de órgãos que perm~nentemente se relacionavam através da circulação do produto lí-qüido, do excedente. Uma dupla descoberta, ao mesmo tempo a des-coberta da fisiologia do organismo social, a sua constituição d~finida pelas classes sociais e sua função no processo de produ-çao e a descoberta da circulação do "sangue" do sistema econômi-co, do excedente. Vasálio e Harvey num mesmo e único processo.

As semelhanças com a medicina não param aqui. O maior nome da fisiocracia, Quesnay, é médico, e as semelhanças não são puramente ocasionais. A idéia que preside a pesquisa fisiocrata eraa de que,primeiro, existe uma ordem natural que rege o funciona-mento da sociedade econômica; segundo, tal ordem natural é pas-sível de ser conhecida; terceiro, que o conhecimento das leis defuncionamento da sociedade econômica é a precondição para a eli-minação do erro, do caótico, do anárquico; quarto, o erro e a a-narquia são extirpáveis bastando para isso seguir os ordename..11.tose princípios da ordem natural já descobertos.

É daqui que arranca a Economia clássica Inglesa. AdamSmith vai identificar tal ordem natural com a mão invisível, a Pro-vidência que tudo vê e tudo canaliza para o bem estar coletivo.

Para tal era necessário que os homens tivessem liberda-de para negociar, desenvolver suas atividades sem as peias e os c~dicionamentos do sistema mercantilista vigente. O laissez faire,laissez passer cristaliza aquele momento em que a burguesia emeEgente, através de seus ideólogos" declarava alto e bom som: "b )ví-cio privado é a virtude pública", o egoísmo de cada um devia serdeixado e incentivado porque dele dependia o bem-estar coletivo.

Page 27: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

24

o liberalismo foi peça de ataque decisiva contra as mu-ralhas feudais guarnecidas pelos privilégios mercantilistas, ma~fundamentalmente, o liberalismo era parte de uma teoria que diziater descoberto o funcionamento da sociedade econômica e que, paraa realização da felicidade coletiva era fundamental que as leisque regem a sociedade econômica tivessem plena vigência, sem s~~çoes e bloqueios.

Para nossa argumentação é importante realçar esse cará-ter de independência das leis da vontade humana; na visão de Smi th,as leis econômicas gerais eram manifestação da harmonia e da evolução da natureza, que se impunham aos homens como uma mágicapresença dirigindo seus atos, seus esforços.

A visão de Ricardo vai perder mui to da crença de Smi thna Providência e em suas manifestações. As colocações de Ricardose dirigem claramente no sentido de entender a sociedade econômica como consti tuída por classes sociais que travam relações en ....resi. Tais relações tendo como parâmetros "leis naturais" como a leida fertilidade decrescente da terra, como a lei da população malthusiana.

A partir desses parâmetros, Ricardo constrói, então,suateoria dos lucros, dos salários, da renda da terra, dos preços,que serao, em grande medida, componentes de uma teoria da socieda-de econômica capitalista em que as relações econômicas são vis-tas como relações sociais, como relações entre classes sociais,entre pessoas.

Essa a grande e irremovível contribuição de Ricardo. Ateoria do valor de Marx ter~ na teoria do valor de Ricardo,fon-te de idéias, matriz que será superada, mas que se incrustrarác£mo reluzente pedra na arquitetura marxista, a revela~ a cada mo-vimento dessa, sua luz radiosa, sua presença.

A reação a Ricardo, o surgimento de movimento de repúdioe amesquinhamento de seu sistema são comandados pela burguesia apartir de l830,na Inglaterra. Concomitante é a crítica irraciona

0,.

Page 28: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

25

lista e decadente da filosofia de Hegel empreendida por Kierkeg~ard e Schopenhauer, o abandono das categorias centrais da filos£fia burguesa (o humanismo, o historicismo e a Razão dialética).Por um lado, a herança de Ricardo é reivindicada pelos "sociali~tas ricardianos" (Hodgskin como exemplo típico) que retomam e utilizam as idéias ricardianas para a luta contra o capi talismo; poroutro lado, a esquerda hegeliana (Feurbach, o jovem Marx, Engels)fustigando vigorosamente a sociedade burguesa a partir do siste-ma hegeliano. À burguesia resta o recolhimento aos muros da rea-ção, o expurgo de suas maiores conquistas teóricas (Hegel e Ri-cardo) como obsoletas e equívocas teorias.

Não resta dúvida que o móvel da reação do pensamento burguês é o acirramento da. luta de classes e a fundamental supera-ção dialética que o p~nsamento revolucionário submete à herançaburguesa. Esta constatação, por si só, nos impele a ver no surgimegto do pensamento "marginalista", "na revolução jevoniana",respo2,ta e tentativa de 2.!-:validaçãodos supostos da economia políticaclássica e da crítica a ela, empreendida por Marx. Entretanto, esta colocaçã.o merece ser melhor qualificada. Se as obras chaves dosistema marginalista surgem em 1871-1874 (momentos crí ticos da dominação burguesa contestada pela experiência da Comuna de París,1871, e pela experiência da Primeira Internacional Comunista) osembriões desse sistema já existem desde a chamada etapa progres-sista do pensamento burguês. Desse modo, torna-se difícil falar numa "revolução jevoniana" e muito mais ainda falar que tal "revo-lução" é a resposta burguesa à ascensão das lutas populares. Ostraços marcantes do pensamento jevoniano já estavam lançados an-tes, num período em que a luta entre capital e trabalho não era,de maneira alguma, a principal, senao que a contradição fundamen-tal para a burguesia eram as sobrevivências feudais, os privilé-gios da nobreza ainda vigentes.

Acreditamos que a maneira correta de entender o proble-ma é entender a trajetória progressista burguesa como movimentocontraditório no qual, embora a tendência geral tenha sentido do

Page 29: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

26

progresso e da conquista do con~ecimento, nao está isento de mo-mentos reacionários que colocam, a cada passo, os limites do pens~mento burguês, ao constituírem-se em peças de ataque, em obstácu-los à continuidade de tradição progressista burguesa, antecipan-do os elementos fundamentais do pensamento reacionário da segun-da metade do século XIX. Bukharim, em seu livro Economia políticado Rentista, destaca aspecto que contribui para nossa argumenta-ção: "En la obra de Condillac, Le Commerce et le Gouvernement(1795), se encuentran ya esbozadas las ideas fundamentales de lafutura teoria de la utilidad marginal. Condillac insiste mucho enel carácter "subjetivo" del valor; éste no radica, según Condil-lac, en la ley social del precio, sino en el juicio individual, baseado por un lado en la utilidad y, por el otro, en la escasez". 21É decisiva a enorme semelhança entre as proposições de Condillace as proposições da "revolução jevoniana".

Entretanto, dizer que não há "revolução jevoniana" e queos traços do pensamento marginalista já vinham sendo desenvolvi-dos antes não significa dizer que o pensamento marginalista nãotenha caráter pOlítico explicito e que não se proponha combateras proposições marxistas, conforme trecho de John Maurice Clarkcitado por Dobb "Las teorias marginales de la distribución se desarrollaron después de Marx; su preocupación por las doctrinas delsocialismo marxista es tan notable como para sugerir que el des~fio del marxismo como un estimulo para la búsqueda de explicaciones más satisfactorias. Ellas minam las bases de la doctrina dela plusvalía marxista basando el valor sobre la utilidad en lugarde fundamentarlo sobre el costo del trabajo y ofrecen un sustitu-to para todas las formas de doctrinas de la explotación, marxis-tas y demás, que es la teoría segÚll la cual todos los factores dela producción ... reciben retribuciones basadas sobre sus contri-

21 _ BUKHARIN, Nicolau. La Economia Politica del Rentista - trad.esp. Buenos Aires, 1974, p. 36.

Page 30: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

27

buciones asignables 21.1 producto conjunto" .22 Tambémos austríacos,

BohmBawerk em particular, se ocuparam enfaticamente coma teoria

marxista, procurando negar-lhe significado em toda a linha. Hoje

em dia a posição de Samuelson ao considerar Marxum ricardiano me

nor não foge à regra.

11.1 - Contra a Existência de uma Revolução Marginalista: Marshall

Temos aliado inconveniente nesse rumo de negar o caráter

"revolucionário" das idéias j evonianas. Alfred Marshall combate a

idéia da existência de uma "revolução jevoniana" com grande ênf~

se. Insistirá Marshall que: lQ) não há "transformação radical nas

formas do pensamento econômico" promovida por Jevons; 2Q) existem

vários antecedentes, autores, que vieram construindo o edifício

da nova teoria econômica, como Cournot (1838), Dupuit (1844), 80S

sen (1854). A colocação de Marshall é no sentido de que o que foi

promovido foi 'JJTla"grande reforma", através da adoção de "lingu~

gem semimatemática", nas palavras de Marshall: "Uma grande refo,!:

ma se tem operado nas formas do pensamento econômico durante a ge

raçao presente, pela adoção geral de linguagem semimatemática pa-

ra exprimir a relação entre pequenos aumentos de quantidade de uma

mercadoria, de um lado, e de outro, pequenos aumentos no preço to-

tal pago por ela; e,também, pela formal compreensão destes peque-

nos aumentos de preço como medida de pequenos aumentos correspo~

dentes de prazer". ( ... ) "Jevons, de repente, deteve a opinião pú-

blica pela sua brilhante lucidez e pelo seu estilo interessante.

Ele empregou a nova expressão utilidade final, engenhosamente, de

modo a habilitar mesmo pessoas que nada sabiam da ciência matemá

tica a ter idéias claras das relações gerais entre as pequenas va

22 _ CLARK,JOhn Maurice. Citado por DOBB,Maurice. Teoria deI Va-lor y de la distribuicióndesdeAdamSmith. Trad. esp. SUenos Aires, 1975, p. 185.

Page 31: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

28

riações de duas coisas que se estão alterando gradualmente, umaem conexão com a outra. Seu sucesso foi ajudado até pelas suasfaltas. Na convicção sincera em que estava de que Ricardo e seussucessores, na exposição das causas que determinam o valor, erraram irremediavelmente, deixando de insistir sobre a lei da saciedade das necessidades, ele levou muitos a pensar que havia cOE

rigido grandes erros; embora, na realidade, apenas tivesse aduzido algumas explanações importantes".23

Em sua tarefa de mostrar que não há mudança substantivaentre as colocações de ]evons e a de Ricardo, senão que aquelareforça aspectos que são compatíveis, e que foram notados semmaior realce pelo último, Marshall acaba por obscurecer a Ricar-do,descaracterizando traços essenciais de seu pensamento.

Uma reconhecida afirmação é aquela que relaciona a teo-ria da produtividade marginal de Wicksteed com a teoria da rendadiferencial de Ricardo. Atribui-se a Ricardo a paternidade dessa"lei natural" dos rendimentos decrescentes que atuaria sobre os"fatores de produção".

23- - MARSHALL, Alfred - princípios de Economia - trad. porto Riode Janeiro, 1946, p. 103.

Page 32: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

29

Ora, essa é uma ~propriação indébi ta da colocação de R1

cardo e UlIl filho que Ricardo certamente rejeitaria. A tem ia da

renda diferencial de Ricardo é realidade técnica (natural) que é

certamente inegável e absolutamente admissível comosendo manifes

tação do fato na tural de que as terras têm fertilidades diferen

tes e que, aplicadas as mesmas quantidades de trabalho e capital

em lotes de terra de tamanhos iguais, mas de di versas f e rt ilida-,

des, o rendimento da terra, a produtividade do trabalho nos va-

rios lotes de terras será diferente, correspondendo maior prod~

tividade à terra mais fértil.

Significa isso que à medida que a população cresce, que

avança a acumulação de capital, surge a necessidade de se lançar

mão de terras de pior qualidade (menos férteis) e que tais terras,

par3 as mesmas quantidades de trabalho e capital~ têm rendimento

menor. Este é l.un fa to técnico, agronomicamente determinável e sem

qualquer intuito de fundar uma teoria da produtividade em geral,

como o fazem os teóricos marginalistas dizendo estarem simplesme~

te desenvolvendo as idéiôs ricardianôs.

Em sua tarefa de mostrar ° caráter evolutivo-linear do

pensamento econômico, Marshall dedica apêndice de seus f a mosos

Princípios ... ao estudo d3 teoria do valor de Ricardo. Começa por

dizer que, na verdade, "Ricardo não utilizou a expressão utilidade. -,.'. f . 24total e margLlôl porque nao conneClô o calculo dl erenclal" e

que se "queremos compreendê-lo exatamente, devemos interpretá-lo

generosamen te (Grifo nosso), com mais largueza de esp íri to do que, . . Ad S' h 25ele proprlo lnterpretou am mlt ".

24 - MARSHALL,Alfred. ~ cito p.73l.25 - MARSHALL,Alfred. ~ cito p.730.

Page 33: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

30

Se é nosso propósito entender o verdadeiro significado

da obra de Ricardo, precisamos, então, afastar toda a generosidade

de Marshall porque senão corremos o risco de sermos demasiadamen, .

te cruelS com Ricardo.

Em outro momento Marshall vislumbra emRicardo idéia qu.e

antecederia as idéias de Senior, jevons e as suas próprias a re2

peito do papel da abstinência, do sacrifício, da espera sobre os

lucros. Diz Marshall: "e.por último na secção V, ele resume a influ.

ência que as inversões de diferentes durações, quer diretas quer

indiretas, terão sobre os valores relativos, afirmando, com razão,

que, se todos os salários sobem ou caem jUl1tOS, a alteração não

terá efeito permanente nos valores relativos das diferentes merca

dorias. Mas sustenta que, se a taxa de lucros baixa, fará baIxar

os valores rela tivos das mercadorias cuja produção requer um cap.!

tal a ser investido bastante tempo antes que elas possam ser en

tregues ao mercado. Pois, se num caso a inversão média é por um

ano e requer a adição de dez por cento à folha dos salários, a t í,

tulo de lucros, e noutro e por dois anos e exige vinte por cento,, ~ 'acontecera entao que uma baixa de um quinto nos lucros reduzira

a adição no úl timo caso de 20 para 16 e no primeiro de 10 para 8.

(Se os custos em trabalho direto são iguais, a relação entre os

seus valores antes da alteração será 120/110 ou 1,091; e depois

da al teração 116/108 ou 1,074, uma queda aproximada de 2'/0). Seu

raciocínio é, manifestamente, apenas provisório. Nos últimos capí

tulos, ele leva em conta outras causas de diferenças nos lucros

de diferentes negócios, além do prazo da inversão. Parece difícil

imaginar como poderia por em relevo mais vigorosamente o fato de,

que o Tempo ou a Espera, tanto quanto o Trabalho, e um elemento~ ,

do custo de produçao, so que ocupando com este estudo o seu pri

meiro capítulo. Lamentavelmente, todavia, ele se limitou a poucas

frases, pensando que seus leitores supririam sempre por si os de. h' 26senvolVlmentos que apenas 1 es sugerlu".

26 - MARSHALL,Alfred. ~ cito pp.732-733.

Page 34: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

31

~rshal~no trecho citado, parece atribuir a Ricardo, se

bem que para ele Ricardo não tenha considerado a questão c om a

a tenção que merecia, a paternidade da idéia de Jevons que seria,

retomada posteriormente por Bohm-Bawerk sobre o "perlodo de prod~

ção", ou seja, que o juro é remuneração da produtividade do tra, ~

balho resultante do prolongamento do perlodo de produçao. Nas p~

lavras de Dobb: "el concepto de un período de producción como la.

esencia del capital, subrayaba la productividad potencialmente m~

jorada del trabajo cuando se asocia con procesos de producción

más "prolongados" o "más indirectos", la tasa de interés estaría

derivada de la productividad adicional resultante de la prolong~. , , 27 'Clon de este perlodo". Entretanto, e interessante notar sobre

isto a posição de Sraffa que retoma em grande parte a s preocup~

ções ricardianas , desenvolvendo-as e solucionando-as. Para Ricar

do,o problema do tempo teria estatuto teórico enquanto impedindo

a comparação de quantidades de trabalho de épocas diferentes, ou

seja, enquanto perturbando "a medida invariável do valor", grande

meta teórica de Ricardo. Sraffa introduz em seu livro a idéia de,

"quantidades de trabalho datadas", que e peça na estrutura de seu

livro,visando a crítica do conceito de "período de produção" tal

como concebido por Bohm-Bawerk e Wicksell. Diz Sraffa:

(La reducción a términos de trabajo fechados.' . , .tlene algun alcance en relaclon con los lnte~tos que se han hecho de encontrar en el "p~ríodo de producc ión" una medida independientede la cantidad de capital que pudiera ser ut.!lizada sin incurrir en un argumento circularpara determinar los precios y las participaciones en la distribución. Pero el caso queacabamos de considerar parece demonstrar demodo concluyente la imposibilidad de agregarlos "períodos" correspondientes a las difere!!;tes cantidades de trabajo en una sola magnitud que pudiera ser considerada comoreprese!!

27' - DOBB,Maurice, idem p.217.

Page 35: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

32

tativa de la cantidad de capital. Las inverviones en la dirección del movimiento de lo~precios relativos, frente a los métodos no variados de producción, no pueden ser reconciliadas con ninguna noción de capi tal como unacantidad mensurable independiente de la distribución y de los precios.) .28

,Ou seja, e exatamente para refutar a Bohm-Bawerk e seu

conceito de "período de produção" que Sraffa retoma o conceito de

tempo de Ricardo.

Chegamos, então, ao miolo da argumentação de Marshall. No

parágrafo 3Q de seu apêndice, ele diz que tanto Ricardo quanto J~

vons estavam errados e ambos estavam certos, e (pensa, mas não

diz) que mais certo que os dois estava ele próprio, Marshall, na

medida que conciliava as duas idéias. Assim, ele diz que Jevons er

rou ao dizer que "o valor depende inteiramente da utilidade"; Ri

cardo errou ao £'azer depender o valor somente do custo de produ

ção. Marshall sintetiza assim a sua conciliação: "O 'princípio do

custo de produção' e o da 'utilidade final' são, indubitavelmente,

partes integrantes de uma lei geral da oferta e da procura,compa

rando-se cada um deles a uma das lâminas de uma tesoura. Quando

0ma lâmina se mantém parada, e o corte é efetuado pelo movimento

da outra, podemos dizer com uma brevidade pouco exata, de que o

corte foi feito pela segunda; mas a observação não pode ser feita

de modo formal nem defendida de âl'limo deliberado".29

A lâmina da oferta é regida pelo "princípio do custo de

produção", a lâmina da demanda pela lei da "utilidade marginal".

Na versão marshalliana do custo real, as determinações objetivas

dadas por quantidades de trabalho são substituídas por avalia-

ções subjetivas do desprazer que causa o trabalho (desutilidade),

o sacrifício que implica a abstinência do capitalista (espera) e

28 , , .- SRAFFA,Piero. Produccion de Mercancias por MedJ-ode Mercan-cias. Trad. esp. Barcelona. 1966.

29 - MARSHALL,Alfred. ~ cito p.737.

Page 36: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

33

a temeridade que cerca a atividade empresarial (risco) são todas

considerações dos agentes econômicos que determinam o custo real

que agora é transformado em "custo real subjetivo". Dobb, em seu

livro Uma Introdução à Economia, cita trecho de Marshall onde é cl~ro o seu conceito de custo real de produção: "'O esforço das dl

versas classes de trabalho que estão direta ou indiretamente en

volvidas na sua produção, junto com a abstinência, ou, antes, com, . '" .as esperas necessarlaS para economlzar o capltal utlllzado na sua

produção, todos estes esforços e sacrifícios conjuntos serão cha

mados custo real ce produção das mercadorias. A soma de dinheiro

que se deve pagar por estes esforços e sacrifícios chamar-se-á -

ou o custo de produção em dinheiro, ou gastos de produção; são e.2

tes os preços que se tem de pagar para obter uma oferta adequada

de esforços e esperas necessários para produzir a mercadoria, -

ou, por outras palavras, são o seu preço de oferta'" .30

Finalmente, Marshall encerra seu apêndice sobre a teo

ria do valor de Ricardo dizendo que os críticos de Ricardo acre

ditavam ter descoberto uma nova teoria do valor e que demoliram

o edifício clássico. Marshall olha com superioridade os críticos

de Ricardo como, também,a este e diz que em lugar de demolição ho~

ve "simples desenvolvimento ou extensão da velha doutrina".31

Depois da leitura "generosa" de Marshall, resta-nos ten

tar reconstruir o sistema ricardiano, arrasado com tal leitura,

e afastarmo-nos desse aliado inconveniente. Não há "revolução J~

voniana", no sentido de mudança total e descon tinua tal como afir

ma Schumpeter, insistimos, mas para mostrar isso,

rio descaracterizar Ricardo como faz Marshall.

não, ,e necessa

3D ,- MARSHALL,Alfred. Citado por Dobb, Maurice. UmaIntrodução aEconomia. Trad. porto Lisboa. S/Do p.65.

31 - MARSHALL,Alfred. ~ cito p.738.

Page 37: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

34

11.2 - A Posição de Meek

A posição de Mee1cem "A Revolução Marginal e suas conse

qüências" é de negar a existência da "revolução jevoniana". Cru

cial para o argument o de Meek é o en tendimen to da obra de John

Stuart Mill como repositório inesgotável de ecletismo que, mesmo

pretendendo defender o sistema ricardiano, mesmo se considerando

um legítimo ricardiano, adota muitas das críticas que foram fei

tas a Ricardo a partir dos anos 30. Seu livro escrito em 1848 écuriosa combinação de diversas influências, chegando mesmo a ad

mitir a suprema heresia para um adepto do "laissez fa ire" como

Mill, que é o "protecionismo para a indústria nascente", que é in

fluência das posições de List.

Assim, ao analisarmos a obra de Mill, encontramos tra

ços nítidos das posições que mais tarde viriam a ser caracterís

ticas marcantes do marginalismo. As semelhanças entre

desempenhados por Marshall e Mill contra os opositores

"os papels

de Ricar, . .do e slngular. D1Z Mee1c: "Mill' s role in relation to the opponents

of Ricardo was actually very similar tO Marshall' s role in rela

tion to the opponents of Mill half a century later. Fromthe point

of view of the development of economic thought, the real signif~

cance of Mill' s system lay in the extent to which the ideas Or

Ricardo's opponents were in fact absorbed into it, thereby clea£

ing the path for subsequent development of these ideas". 32 A ab

sorção de grande parte das críticas que eram feitas a Ricardo faz

do sistema de Mill antesala da dominação marginalista. Diz Meek:

"To begin with, Mill (1848, p. 290 of 1868 edn) in sists in the

first of the propositions constituting his 'summary of the theory

of value' that 'value is a relative term", thus im pl ic itly ac

32 _ MEEK,Ronald. "The Marginal Revolution andin A critique of Economic Theory. (org.).Penguin. p.84.

i ts Aftherma th"Hunt e Schwartz.

Page 38: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

35

knowledging the correctness of Bailey' s cr iticism of Ricardo' s

concept of absolute value. Then again, although his own theory of.

value cannot properly be described as a supply and demand theory,

Mill did on occasion use expressions which s ugges ted t ha t I the

law of demand and supply' was in fact (as he put it in one place)

'a law of value anterior to cost of production, andmore fundamen

tal' (Mill, 1848, p. 345 of 1868 edn)".33

As críticas a Ricardo, que Dobb chama de "reação a Ri

cardo" tornam-se freqüentes e incisivas nos anos 30. Há um "declí

nio da economia ricardiana" na Inglaterra. A burguesia ten ta a to

do custo livrar-se do fantasma incômodo em que a obra de Ricardo

se converteu nas mãos de HOdsgkin, vJilliam Thompson e outros "so

cialistas ricardianos" . Autores como Bailey, Senior, Samuel Read,

Longfield que, assustados diante do uso que HOdgskin e outros au

t;)res ditos "socialistas ricardianos" faziam das idéias ricardia

nas, apregoavam "que o socialmente perigoso não podia, em hipót~

se alguma, ser verdadeiro", atacando as proposições ri cardianas

como errôneas e equívocas manifestações de uma ciência ainda não

de todo desenvolvida.

É, sem dúvida, curiosa a semelhança da pos tura de Mars

hall e Mill. Os dois são defensores de Ricardo, os dois surgem p~

ra mostrar o quanto de desconsideração e injustiça havia nas crí

ticas a Ricardo, os dois,ao defenderem Ricardo, ameaçam o sistema

ricardiano como seus críticos não foram capazes.

33 _ MEEK,Ronald. ~ cito p.85.

Page 39: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

36

111 - UTILIDADE MARGINAL: tO ENTUSIASMO AO REPÚDIO

111.1 - Introdução

Entretanto, a teoria do valor utilidade não era nau segura. Ondas imensas ameaçavam-na, a própria tripulação rebelava--se.Marshall, em várias ocasiões, critica o conteúdo hedonístico da

- d 'I' d d 34 h b' b . ~noçao e utl 1 a e. Sc umpeter tam em a omlna o ranço hedonls-tico da noção de utilidade chegando mesmo a dizer que tal noç ãonão guarda qualquer relação com os postulados hedonistas, apesarde ter dito em outro trecho que Jevons, como Gossen, eram discíp~

d .. , d h 35los e utllltarlsmo e Bent amo

As críticas à teoria da utilidade se sucediam. Como somar utilidades, como medí-las, que unidade usar? Pouco a poucoas tentativas de supera~ os escolhos que representam as críticasao núcleo mesmo da teoria marginalista se encaminharam no senti-do de negar a própria palavra utilidade. Schumpeter diz que talidéia não é fundamental para a construção do sistema insuperávelde Walras.36 Pareto liquida-a definitivamente aO usar as curvasde indiferença de Edgeworth. Tal idéia, segundo Pareto, substi-tui com grande vantagem a utilidade sem se prender aos problemasque o ranço hedonista que recobre a palavra traz. Trata-se,na veE.são de Pareto,da substituição da teoria da utilidade marginal pe

, .la "loglca da escolha racional", o abandono das curvas de utili-dade e sua substituição pelas curvas de indiferença.

Esse ardil, entretanto, não é isento de implicações fun-das sobre o sistema marginalista.

34 - MARSHALL, Alfred - op. cit. , p. 103.

35 - SCHUMPETER, Joseph - op. cit. , pp. 328-329.36 - SCHUMPETER, Joseph - op. cit. , p. 197.

Page 40: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

37

Abandonar o conceito, a palavra utilidade significa a-bandonar o grande princípio unificador de que nos fala Schumpe-ter, que permite tratar os problemas da economia, da produção eda distribuição.

Dobb,em seu livro Uma Introdução à Economia reforça ai~da esse aspecto crucial da importância da teoria do valor utili-dade para a teoria da produção marginalista: ,iCustoé apenas a o~tra face do escudo da utilidade: compõe-se unicamente. das utili-dades de que nos privamos ao adotar certo modo de ação. O econo-mista norte-americano Davenport analisou todo o custo como custode oportunidade. Cassel fala de princípio de escassez como basecomum para as recompensas de todos os fatores de produção, ao pa2,so que, na Inglaterra, Wicksteed dedica muitas páginas ao enunciar a sua tese de que a teoria ricardiana da renda era apenas umcaso especial da mais ampla teoria da produtividade marginal, eque o que pode dizer-se em relação à terra pode dizer-se, igual-mente, com os mesmos pressupostos, a respeito de qualquer dos ou

~ 37tros fatores de produçao".

Mesmo Walras nao descarta a utilidade, continuando aconsiderá-la fundamental para seu sistema, conforme se pode verna citação que nos apresenta Dobb: "En un último análises, Jas~vas de utilidad y las cantidades poseídas constituyen los datosnecesarios y suficientes para estabelecer los precios corrientesd . (b' ( ) . d 38e e equlll rlO" ••• "El valor provlene e la escasez".

Beluzzo sintetiza, com argÚcia, as verdadeiras implica-ções do abandono da teoria do valor utilidade: "A nível de "equilíbrio parcial" é possível reinvindicar a inexistência da "feed--back" significativo que comprometa o movimento unidirecional noprocesso de formação dos preços - desde os bens finais aos pre-

,ços dos serviços produtivos. A clausula "coeteris paribus" gara~

37 _ DOBB, Maurice - Urna Introdução à Economia - ide~ p. 68.

38 - DOBB, Maurice - Teorias del Valor .•. - idem, p. 223.

Page 41: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

38

te provisoriamente a coerência do raciocínio. Infelizmente, noplano "macroeconômico" não nos pode acudir semelhante restrição.Como assinala Dobb, "a estrutura da demanda globál, apenas podeser derivada dos desejos ou preferências dos consumidores, se as!mitirmos que estes indivíduos dispõem de uma dada renda monetá-ria. Por conseguinte, uma prévia distribuição de renda está im-plíCi ta no processo geral de formação de preços, como um dos elementos determinantes da estrutura da demanda, da qual são deri-vados todos os preços (inclusive dos fatores de prOdução). Em outras palavras, a teoria da distribuição, se concebida como umateoria da demanda derivada, não pode ser independente da própri adistribuição de renda como premissa essencial.

o argumento poderia ser recusado, sob a alegação deque,num modelO de equilíbrio geral, de tipo walrasiano, não hápor que introduzir a idéia de causalidade, estranha a um proce~so de determinação simultânea dos valores. E que, a "causa" dovalor não pode ser atribuída, simplesmente, à utilidade margi-nal, ou a um outro fator qualquer, mas, simultaneamente, a todasas condições necessárias para que o sistema econômico esteja emequilíbrio. Essa é,na verdade, a formulação mais radical da teoria do equilíbrio geral e envolve a rejeição da idéia de valor,pelo menos em sua acepção tradicional. Pare to , acusando a con-cessão de Walras ao princípio causalista ("a escassez é certa-mente a causa do valor de troca"), afirma enfaticamente "o va-lor não possui uma só causa, mas inúmeras, e que cada teoria quepretenda dar uma só causa ao valor é completamente falsa".

Mas, a solução do problema, nestes termos, além de meramente formal, conduz a teoria ao beco sem saída da indetermi-nação lógica. Ou, por outra, a idéia de interdependência, se r~duzida à sua expressão meramente formal e des'pojada do "princí-pio unificador", representado pelo conceito de valor, converte--se numa tautologia. O mais grave, porém, nesta formulação ex-tremada e abstrata de interdependência, é que o princípio de que

Page 42: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

39

"tudo explica tudo", coloca em risco a própria possibilidade te£rica do equilíbrio. Isto é, uma vez eliminadas as hipóteses ace~ca do comportamento maximizador dos indivíduos, ficam, automaticamente, suprimidos os mecanismos que explicam a obtenção do e-quilíbrio. Em suma, ou o equilíbrio já está posto como um Deusex-machina", ou não há como explicar a forma pela qual se chegou

39a ele".~ ,Num outro nlvel,argumenta a senhora Robinson quanto a

impossibilidade lógica de se desfazer do conceito de utilidade.Segundo ela,por trás da idéia de preferência está lógica e irremovivelmente o conceito utilidade. Diz ela:

"É o desejo, e não a satisfação, que é medidopelo preço, mas, apesar disso, a idéia da satisfação não pode ser afastada. A utilidade euma Coisa Boa; o fim e o propósito da vida e

A , t-conomica e obter tanto quanto posslvel dela.E, disposta num diagrama, parece-se a uma quantidade mensurável. -Antes de ir mais longe, temos de observartristemente que todos os refinamentos moder-nos deste conceito não o libertaram da meta-física. Dizem-nos, hoje em dia,desdeque a utilidade não pode ser medida, não é um concei--to operacional e que "preferência revelada"devia ser posta no seu lugar. O comportamen-to observado do mercado revela o que o indi-víduo escolhe. A preferência é o -que, sob dis

,.., ,.., '..( -cussao, prefere; nao ha JU1ZO de valor envolvido. Apesar disso, à medida que o argumentõse desenrola, torna-se claro que uma CoisaBoa para o indivíduo é o que ele prefere. 1sto, pode ser afirmado, não é uma questão desatisfação, mas sim de liberdade - queremosque ele tenha o que prefere, para evitar terde restringir o seu comportamento.

39 _ BELUZZO, Luiz Gonzaga - op. cit., pp. 91, 92 e 93.

Page 43: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

40

Mas os toxicômanos devem ser curados; as crianças devem ir à escola. Como decidir que preferências devem ser respeitadas e que restriçõesimpostas, se não sabemos como julgar as pró-prias preferências?É-nos impossível usar da violência para as, . . .nossas proprlas naturezas, para restrlnglr ojulgamento dos valores., . ",'Alem de tudo o mals, nao e verdade que o com-

portamento do mercado pode revelar preferên-cias. Não se trata apenas do fato de que o ensaio de oferecer ao indivíduo montes de merc~darias alternativas, ou de lhe aterar o seu rendimento só para ver o que ele compra não poderia jamais ser posto em prática. A objeção elógica, não apenas prática".40

Desse modo a convivência com a teoria do valor utili-

de é estigma incômodo e inconveniente. A sua ausência entretan-to teria efei to destrutivo ainda maior. Abandonar a teoria do valor utilidade significa abrir mão do princípio unificador e única condição (mesmo que incoerente a falha) de sustentação paraa teoria marginalista. Uma teoria sem determinações lógicas, emque tudo explica tudo, corre o risco de explicar nada, logicame£

,te, se esse e o problema.

111.2 - Contra a Utilidade Marginal; Cassel

Dentre os autores marginalistas Gustav Cassel ocupa l~gar destacado. Suas contribuições para a teoria monetária e dosjuros são festejados por Schumpeter como meritórias. Foi tambémhomem prático dedicando-se antes e depois da primeira Guerra Mu£dial aos problemas da pOlítica monetária.

40 _ ROB1NSON, Joan - Filosof ia Econômica - Trad. Port. Rio deJaneiro, 1964, p. 51.

Page 44: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

41

Entretanto, aspecto do pensamento de CasseI que gostaríamos de tocar é o que diz respeito à sua posição diante da te£ria do valor. É pretensão de CasseI estabelecer o sistema de e-quilíbrio walrasiano, sem utilizar o conceito de utilidade. Nesse sentido a posição de CasseI é antecedente das colocações dasenhora Joan Robinson que identifica o conceito de valor a um indesejável ranço metafísico de que padeceria o pensamento econô-mico. A pretensão de Joan Robinson inscreve-se nitidamente noterreno do positivismo lógico e o exame das preocupações de CasseI com o tema, certamente, revelarão semelhanças de perspecti-vaso

Para CasseI o esforço teórico realmente relevante de-veria se dirigir para a elaboração de uma teoria dos preços in-dependente e mesmo prescindindo de uma teoria do valor. Nas pa-lavras de CasseI:

En cierto sentido puedo afirmar que toda miobra científica a partir de entonces se ha consagrado a edificar directamente una teoría deIprecio sin el uso de una teoría aparte deI v~lor, y a elaborar las consecuencias de seme-jante modo de echar las bases de la teoría económica.41

Essa repulsa à teoria do valor tem uma ralZ filosófi-ca em que certamente o positivismo é soberano. Mas, acreditamosque a razão fundamental para a recusa de CasseI em aceitar o con

,ceito de "valor" e outra. A razão fundamental acreditamos, en-contra-se na tentativa de CasseI ao repudiar a teoria do valor,

<. ,repudiar com ela os escolhos e problemas que a crltlca a teoriado valor subjetivo tinha granjeado. Ou seja, ao dizer que verda

41 CASSEL, Gustav. Pensamientos Fundamentales en la Economia.Trad. esp. 3ª edição. México 1947, p. 49.

Page 45: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

42

deira ciência econômica prescinde da teoria do valor, CasseI não, . . , , .esta malS que tentando salvar os dedos Ja que os anelS do valor

subjetivo eram desagradáveis e criavam fragilidade a mais paraa teoria marginalista.

Assim,é com ênfase que CasseI critica a teoria do va-lor subjetivo dizendo da dificuldade de se encontrar uma unida-de de medida para a utilidade. A critica de CasseI estará cen-

,trada em torno a dificuldade da medida da utilidade. Com isso,CasseI assume as criticas internas que se faziam à teoria do valor subjetivo e tenta, num supremo esforço, eliminar os proble-mas da teoria marginalista dizendo que tal teoria prescinde deuma teoria do valor, que a teoria dos preços estava ao alcanceda mão. sem necessitar qualquer veleidade metafísica como a depensar no problema do valor:

Cuando apareció la llamada teoria subjetiva deIvalor y proclamó que el valor tiene su funda-mento en los deseos humanos, ya no pudo pospo-nerse por más tiempo la necesidad de conceptoscuantitativos definidos. Se introdujo la uti-lidad como concepto cuantitativo fundamenta~ yse representaron en cifras y diagramas losgr.ê:dos de utilidade Aun cuando todo el cuerpodela teoria económica tenía que edificarse sobretales fundamentos, se atendió poco en generala la necesidad de unidades definidas de medición para las diferentes cantidades que ahora seintroducían en la ciencia económica.En las matemáticas superiores modernas la basearitmética de la serie elemental de los nÚnte-ros enteros se considera cosa muy esencial. Laeconomia no puede prescindir de un cuidado dor-respondiente aI definir las unidades en que sepropone medir las cantidades que examina. Cua!quier vaguedad en este punto fundamental causará gran incertidumbre en la interpretación delos resultados a que ha llegado la teoría. Si,por ejemplo, una investigación teórica demues-tra que bajo determinadas circuntancias se al-canza un máximo de utilidad, el significado deeste resultado depende esencialmente deI mo docomo haya de medirse la utilidade EI co nc eptodeI precio es a este respecto muy superior aI

Page 46: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

43

aI concepto deI valor. Porque el precio se mide en unidades monetarias y puede representa£se simpre en cifras definidas. Este hecho da ala teoría toda deI precio una claridad y unadefinición que la hace adecuada tanto como in, ,-troduccion elemental cuanto como fundamenro uItimo deI cuerpo todo de la teoría económica. 4~

É nítida no trecho a preocupaçao de CasseI em afastar do mar-ginalismo a sempre repetida crítica dó impossibilidade da me-

dida da utilidade, dos problemas que a não existência de unida-de medida acarreta para uma teoria que se propõe exata e rigor£sa. Para tanto, a solução de CasseI é dizer absolutamente inútllqualquer preocupação com a teoria do valor para se constituir ataoria dos preços.

Então, no esforço de constituir uma teoria dos preços,.. . , . . . ,o valor subjetivo e lnutll, e malS que lSSO, e equivocado segun-

do CasseI:

La escuela deI valor subjetivo alaba con par-ticular énfasis la importancia de este descu-brimiento. En los empenos de esta escuela porhacer de la utilidad el fundamento deI valor,halló necesario introducir el concepto de. la"utilidad marginal" en contraste con la "uti-lidad total", porque sólO esta utilidad margi

~ -nal corresponderla aI "valor en el cambio".Pero la gran importancia que se ha atribuído ~este concepto de la utilidad marginal fué engran parte artificial y dependió en mucho deIcontraste en que se le cOlocaba con respectoa la "utilidad total", concepto enteramente metafísico sin interés alguno para una teoríãsimple y directa deI precio. Cuando la mismaescuela se atrevió a declarar que la utilidadmarginal era el fundamento real y último del~lor de cambio, perdió contacto tanto con 1;realidad cuanto con la lógica. 43

42

43

CASSEL, Gustav. op. cito pp. 51-52.

CASSEL, Gustav. op. cito pp. 70-71.

Page 47: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

44

Cassel empreende populari zação da teoria Walrasiana, se

bem que curiosamente não cite Walras, omitindo o conceito de uti

lidade. Essa filiação Walrasiana o leva a condenar enfaticamente

o causalismo das posições, comoado valor-trabalho que querem es

tabelecer relações de causalidade na determinação dos preços.

Di z Cassel:

IILos economistas modernos han senalado que todas las incógnitas del problema del precio segobiernan rrru.tuamente entre si. Esta observa-ción ha sido útil al propósito de desvanecerel error de aquellas escuelas que han atribuido la influencia determinante en el problemadel precio a un o otro grupo de incógni tas delproblema. Pero hemos de cuidar de que el nuevoconcepto de una interdependencia rrru.tuano noslleve a nuevas incomprensiones. Nopuede deciEse en un sentido real que las incógni tas delproblema se gobiernen una a la otra. Ningunade ellas goza de suficiente independencia paratener tal influencia. En realidad todas se rigen y determinam simultáneamente por aquelloselementos del problema que hemos caracterizadocomo elementales y que hemos tomado como dados.44

A investida contra a teoria do valor trabalho era ine

vitável. A primeira agressão é acusá-la de futilidade:

Asi, pues, la razón fundamental por la que unfactor elemental de producción debe tener unprecio, es que de otro modola demanda indire,£'ta de su consumo rebasaria la oferta. Esta afirmación prueba del modo más simple y concluyen:te la futilidad de una teoria del valor fundada en el trabajo, de acuerdo con la cual el valor de un producto se determinaria unicamenteen función del trabajo que ha costado produ-cir-lo.45

44 _ CASSEL,Gustav. op. cit., p. 104.

45 _ CASSEL,Gustav. op. cit., p. 108.

Page 48: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

45

A crítica a Ricardo não se faz esperar:

Fué Ricardo el primero en reali zar un esfuerzocomprensi vo por construir una teoría generalde los precios. Cuandollega a contestar la cuestión de lo que determina los precios en úl timãinstancia y a la larga, adopta una teoría de1costo de producción. Pero una teoría que refiere los precios de las mercancías a los costosde producción, tiene que afrontar al final lacuestión de cómo se fijan entonces los preciosde los factores elementales de la producciónen relación uno con otro. Por estos factoresfalla la explicación del costo de produccióny, en consecuencia, es lógicamente imposibleuna teoría sÓlida de precios en función del costo de producción, a excepción del caso en quehay un solo factor de producción.46-

Finalmente, toda a visceral oposição a Ricardo revela seu verda

deiro propósi to. Para Cassel é a teoria do valor trabalho de Ri

cardo a pedra angular do socialismo moderno. O trecho de Cassel

é das mais cristalinas demonstrações de propósitos do pensamento

burguê s marginali sta. Abomina-se a teoria do valor trabalho porque

lhe parece seja ela o núcleo da doutrina socialista moderna. Ela

menta-se Cassel do mal que as simplificações e deturpações do pen

sarnento de Ricardo provocaram:

El razonamien to es lógico, pero un tanto abstracto, y ha causado inmenso danõ al ser interpretado erróneamente. Enparticular, la teoríãdel valor fundada en el trabajo, que ha llega-do a ser la piedra angular del socialismo mo-derno, (grifo nosso) es, como he demostrado,resultado directo de las interpretaciones erróneas que se han dado a la doctrina de Ricardo. Las simplificaciones que sirven de base ãla teoría de Ricardo son tan violentas, que lateoría tiene que resultar incapaz de ofereceruna representación justa de 10 que realmenteocurre en e1 proceso de la fijación de los precios. Lo peor es que la teoría de Ricardo no

46 - CASSEL,Gustav. op. cito pp. 109-110.

Page 49: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

46

puede majorarse ni desarrolarse mas que modificando sus simplificaciones fundamentales. 47

Mas se for somente essa a causa da rejeição do pensamento margi

nalista ao economista burguês mais ilustre, desde muito já pod~

ria ter havido a reconciliação. Desde 1882, comentando o tratado

de Adolfo Wagner, Marx havia deixado claro a sua posição com r~

lação a sua teoria do valor, como "pedra angular de seu si stema

socialista." Diz Marx:

Según el senor Wagner, la teoria del valor deMarx es "la piedra angular de su sistema socialista" (p. 45). Comoyo no he construido jamá~un "sistema socialista", trátase eVldentemen-te de una fantasía de los Wagner, Sch'àffle etutti quanti. 48

(;assel, ao apoiar-se em Wagner continua a confundir e cometer osI

mesmos erros de julgamento. A rejeição de Cassel à teoria dos cus

tos como fundamento dos preços é certamente uma reprodução do aE

gumento de Wagner e aqui também vale a pena citar Marx para de2.

fazer as dúvidas, e defini ti vamente mostrar as diferenças entre

Ricardo e Marx.

Cuando el senor Wagner dice que ésta no es "unateoria general del valor", tiene mucha razóndesde su punto de vista, ya que para él for~lar una teoría general del valor significa hacer elucubraciones en torno a la palabra "valor", lo que le permite además acoplarse al confusionismo profesoral, tradicional en los al~manes, que involucra el "valor de uso" yel "valor", ya que ambos conceptos tienen de corrrúnesta palabra. Pero cuando dice que se trata deuna "teoría del costo", incurre o en una red~dancia o en una falsedad. En una re dundanc i a ,

47 - CASSEL, Gustav. op. cito pp. 111./

48 - MARX,Karl. "Glosas Marginales al 'Tratado de Economia Política' de Adolfo Wagner" in £1 Capital. Vol. I. trad. esp.8ª edição. México. 1973. p. 713.

Page 50: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

porque las mercancías, en la medida en que sonvalores (es decir), en que representan solame~te algo social, trabajo humano, y en la medidaen que la magnitud de valor, de una mercancía,se determina, según mi punto de vista, por lacantidad de tiempo de trabajo que encierra, etc. ,o sea por la masa normal de trabajo que cuestaproducir un objeto, etc., yel senor Wagner prueba lo contrario, al asegurarnos que esta etc.teoría de valor no es "la genera.l" porque noresponde al parecer del senor Wagner acerca dela "teoría general del valor". Una falsedad: Ricardo (según Smith) confunde el valor y el costode producción; en mi Contribución a la Críticade la Economía política en las notas a El Cap!tal, he hecho ya notar de manera expresa quelos valores y los precios de producción (loscuales no hacen sino expresar en dinero los costos de producción) no coinciden. Por qué no~Esto no se lo he dicho al senor Wagner.

Además, dice que "procedo arbitrariamente",porque "sólo reduzco estos costos a la llamadaprestación de trabajo, en su sentido más estri£to. Esto presupone siempre una prueba que hastaahora nadie ha aportado, a saber: la de que elproceso eleproducción puede desarrolarse sin lamediación de esa actividad de los capitallstasprivados que crea e invierte el capi tal" (p.45) .49

49 MARX 'd- , Karl, l em - p. 714.

47

Page 51: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

48

111.3 - A posição de Hicks

Em 1939, John Hicks publicou Value and Capi tal, obra d~

cisiva na virada que o pensamento econômico marginalista daria

nesse século. Em sua introdução, Hicks confessa a influência que

a Teoria Geral de Keynes havia exercido sobre seu pensamento e di z

ter incorporado nos capítulos finais do Value and Capi tal algumas

idéias fundamentais de Keynes.

Essa investida no sentido de absorver o pensamento de

Keynes, fazer dele um caso especial perfeitamente compatível com

o arcabouço teórico marginalista teve como conseqnência a domes-

ticação, a pasteurização do pensamento Keynesiano, a eliminação

de todos os aspectos desconsoladamente críticos comrelação ao c~

pitalismo e ao sistema marginalista, presentes na Teoria Geral.

Aplainam-se as arestas, arredondam o Keynes, tornando-o indistin

guí vel em meio ao marginal i smo como nos manuai s à la Ackley, Sa

muelson ...

Hicks é representante destacado dessa escola que teria

como máxima "quando não se pode vencer o inimigo, alie-se a ele"

e, completamos nós, "destrua-o de dentro". Também com relação à

teoria do valor-utilidade, a posição de Hicks é destacada.

Em sua introdução, Hicks deixa clara sua intenção ao di

zer que seu livro se ocupa de coisas novas, se bemque contradi to

riamente diga também que sua obra é uma continuação das obras de

Walras - Pareto - Wicksell, sendo que os grandes aperfeiçoamentos

que procederá serão frutos do maior domínio dos instrumentos ma

temáticos inexistentes à época que Pareto-Wicksell escreveram seus

livros.

No capítulo Utilidade e Preferência, Hicks desenvolve

os aperfeiçoamentos que procedeu com relação à teoria do valor de

Pareto e é sobre este capítulo que nossa atenção centrar-se-á

aqui.

Page 52: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

49

A análise de Hicks tem na crí tica à posição de Marshallsobre o valor-utilidade o seu marco inicial. Perguntando que uti-lidade é essa que o consumidor eleva ao máximo, e qual é a baseexata das leis da utilidade marginal decrescente, sobre as quaisMarshall nada di z, Hicks remete a análise a Pareto, di zendo que éele quem responde a tais questões.

Ao mesmo tempo, surge em meio às inúmeras "revoluções"teóricas de que se invocam para a história do pensamento margin£lista mais uma, a de Pareto. É de revolução que Hicks denomina aversão de Pareto para a teoria do valor:

Pareto arrancó en un principio de la mi sma te.£ría de la utilidad que Marshall, y hubiera p,£dido aceptar en la primera etapa del desarrol-lo de sus ideas el argumento que hemos resumido aquí. Pero en lugar de pro seguir , como hi zoMarshall, fijándose en la demanda de una solamercancía (investigando así la relación entrela curva de la utilidad marginal decrecienteyla de la demanda), Pareto volvió la atenciónal problema de las mercancías relacionadas-- complementarias y competidoras -. Amplió alhacerlo su anál isis primi tivo; me jor dicho, hizo una cosa que empezó como ampliación y terminó en una revolución.50

A introdução das curvas de "indiferença" de ódgeworthdesviou Pareto jo caminho de Marshall, eliminando, assim, a SUPOS!ção implícita da utilidade marginal. A superioridade das "curvasde indiferença", com relação às idéias de Marshall, é aSSlm destacada por Hicks:

Así, el pequeno ejercicio geométrico de Paretollevó a una conclusión de gran importancia metodológica. En cualquier teoría del valor, espreciso poder definir qué entendemos exactameE:te por un consumidor con "determinadas necesidades", o "determinados gustos". En la teoríã

50 - HICKS, ]ohn. Valor y Capital. Trad. esp. México. 1945. p. 5.

Page 53: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

50

de Marshall (como en la de Jevons, Walras ylos austríacos) "determinadas nece sidade s" seinterpreta en el sentido de una determinada función de utilidad, una determinada intensidadde deseo de un conjunto cualquiera de mercancías. Este supuesto ha parecido inapropiado amucha gente, y de la obra de Pareto se despre~de que no es; ni mucho menos, indispensable.Es perfectamente legítimo definir el conceptode "determinadas necesidades" como una escalade preferencias dada; sólo necesi tamos suponerque el consumidor prefiere un conjunto de me!cancías a otr9, sin que tenga sentido decirque desea el primer conjunto de mercancías 5%más que el otro, ni nada que se le parezca. 51

Então, o problema central que a introdução das curvasde indiferença procura afastar é o das medidas da utilidade, Ouseja, com as curvas de indiferença perde o sentido perguntar-Sésobre a intensidade da utilidade, problemas recorrentemente levantados e que vinham há tempos aborrecendo os obstinados formallStas do marginalismo.

Mas é inegável, também, que a introdução das curvas de iI:diferença é artifício lógico que não altera substancialmente o f~to de que por trás do mapa de indiferença do aparente rigor mat~mático da demonstração, encontra-se o psicologismo da noção de ut!lidade, o hedonismo utilitarista, enfim, as velhas e inexpugn~veis idéias do "cálculo do prazer e da dor", da utilidade margi-nal decrescente, enfim, todo arcabouço da chamada "revolução dateoria do valor" de que nos fala Schumpeter.

Hicks realça este aspecto ao convidar os utilitaristasa que continuem com suas crenças, que a moderna teoria não se op£rá a elas, apenas retirará, formalmente, seus suportes utilitaris-tas. Nas palavras de Hicks:

51 hn'- HICKS, Jo . op. Clt. p. 11.

Page 54: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

SI

Ahora bien, esto no significa que, si alguientiene algún fundamento para suponer que existealguma medida cuantitativa adecuada de la ut!lidad, o la satisfacción, o deseabilidad, enel argumento expuesto haya nada que se opongaa ella. Si se es utilitarista en filosofía hayperfecto derecho a serlo en economía. Pero sino se es (y hoy son pocos los utilitaristas).también se tiene derecho a una economía librede supuestos utilitaristas.52

De novo, essa característica conciliatória de Hicks nodizer que o conceito quanti tativo de utilidade não é necessáriopara explicar os fenômenos do mercado, abrindo, então, margem p~ra que o conceito qualitativo permaneça, é óbvia.

A guerra sem quartel contra o conceito quantitativo deutilidade se dá em todas os fronts, doença contagiosa, ela prec!sa ser expurgada, bem como todas vítimas infectadas por ela:

Ahora de~emos llevar a cabo una purga y rech~zar todos los conceptos afectados de utilidadcuantitativa, para sustituirlos, en la medidaen que sea preciso, por conceptos que no contengan tal implicación.

Evidentemente, la primera víctima ha deser la utilidad marginal misma. Si la utilidadtotal es arbitraria, también los es la marginal. Pero aún podemos dar un significado pr~ciso a la proporción entre dos utilidades maEginales, cuando se conozcan las cantidades deambas mercancías que se poseen, pues esa cagtidad se representa por la pendiente de una curva de indiferencia; y eso es independi ente dela arbitrariedad en cuestión.

Para eludir el peligro de asociaciones deideas que puedan conducir a error, demos a e2ta cantidad un nombre nuevo, y llamémosle tasamarginal de sustitución entre las dos mercancías. podemos definir la tasa marginal de sustitución de Y por X como la cantidad de Y quecompensaría exactamente al consumidor la pérd!

52 _ HICKS, John. op. cito p. 11

Page 55: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

52

da de una uYlidad marginal de X. Esta defini-ción no depende en absoluto de ninguna medidacuantitativa de la utilidad.53

A segunda ví tima malS importante, na colocação de i-!lck s,

é o próprio princípio da utilidade marginal decrescente. Se d lAt!

lidade marginal não tem significado preciso, tampouco pode tê-lo

a utilidade marginal decrescente. Mas o esforço de Hicks é de sub,2

ti tuição; o que então colocar no lugar do princípio da utilFia<:e

marginal decrescente? O princípio da taxa marginal decrescen tE: .:ic

substituição.

Então, a partir daqui, Hicks pode concluir que, com e~

sa nova idéia, de novo a economi& tem umprincípio unificador. S-::l.~

da-se novo rei, o rei está morto, viva o rei. Aquele que já t lYlha

sido saudado por Schumpeter como princípio unificador ia econo

mia, a utilidade marginal, sai de cena; em seu lugar, ey.tra um rlO

vo princípio em tudo semelhante ao primeiro, menos pelo rIgor e

formalismo absoluto que dizem possuir o segundo. Diz Hicks:

Ahora empieza a precisarse el camino que tenemos ante nosotros. Si éste es el verdaderofundamento del principio de la tasa marginaldecreciente de susti tución entre vienes de consumo, pueden descubrirse otros principios cuyofundamento es exactamente el mismo. Estos últimos pueden enumerarse y descubrirse sus co~secuencias. Algunos se refieren a la produc-ción, y se examinarán en el capítulo VI; losotros son deri vaciones, en un campo o en otro,del principio enunciado en este capítulo. Quelas derivaciones son muchas se ve a primeravista cuando pensamos en cuan amplia es la variedad de las elecciones humanas que pueden e;cajarse dentro del marco de la escala de preferencias de Pareto. Lo que empieza como un aná

53 _ HICKS, JOhn. op. cito pp. 13-14.

Page 56: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

53

lisis de la elección deI consumidor entre bi~nes de consumo, termina como una teoría de laelección económica en general. Tenemos a lavista un principio unificador de toda la economía .54

De novo o mundo marginalista está no lugar. No centrodo sistema re splande scente, o novo princípio, ao seu redor, gir~do a corte volúvel, disposta a aceitar qualquer novo rei, só quenesse caso, a fraude é indisfarçável e o princípio da taxa decrescente de substituição não pode esconder ser o velho princípio dautilidade marginal decrescente travestido e maquilado.

Nas posições de CasseI e Hicks duas tentativas de respo~der às críticas que desde o interior da confraria margin~li~ta surgiam com relação ao conceito de utilidade. Cassel simple~mente descarta o concei to di zendo-o inútil para a construção deuma teoria dos preços. Espera estar aSSlm, qO mesmo tempo que livrando o pensamento marginalista de "calcanhar" incômodo, contribuindo para mais uma dia tribe contra a teoria do valor-trabalhojá que também=sta é "causalista", além de ser,segundo ele, repeti~do Adolfo Wagner, já devidamente respondido por Marx desde 1882,a "pedra angular do sistema socialista de Marx".

Com Hicks o ardil é outro, trata-se aqui de introduziras curvas de indiferença de Edgewortb; com este artifício, .deHicks, pre scinde-se do concei to quanti tati vo de utilidade, se bem~ue não do qualitativo que poderá continuar a ser invocado semqualquer prejuízo adicional para os seus cultores.

A senhora Robinson, sobre outro assunto, mas ainda no âmbito da teoria marginalista, havia se referido ao ridículo do truque marginali sta, de diante de todos esconder o coelho na cartolae depois, para espanto de ninguém, tornar a retirá-lo como núme-

54 - HICKS, 30M. Op. cit. pp. 18-19.

Page 57: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

54

ro de mágica. Na di scussão que estamos fazendo, de novo o ridículotruque se .renova. De cartola e casaca os marginalistas sobem aopalco para fazer desaparecer o coelho-utilidade, só que para o de,2,gosto destes, o coelho teima em manter as orelhas de fora da cartola apesar dos vãos esforços de empurrá-lo à força para o fundo.

Indisfarçável que por trás da taxa marginal decrescen-te de substituição encontra-se com suas pontudas orelhas o conce.ito de utilidade marginal decrescente. Não pretendemos catálogo exaustivo dos autores que formularam alternativas teóricas para oconceito de valor-utilidade; vale a pena citar as contribuiçõesde Samuelson (preferência revelada), os índices de Morgenstern -- Neumann, a teoria da preferência marginal de Armstrong. Paraanálise detalhada ver The Measurement of Utility de Tapas Maju~dar, Londres, 1966.

Page 58: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

'55

BIBLIOGRAFIA

BAUMOL,WilliaIn. Teoria Economica y Analisis de Operaciones. Trad.esp. M~xico, 1964.

BBLLUZZO,Luiz Gonzaga. Um Estudo sobre a Crítica da Economia Po-litica. Tese de Dc~toramento - UNICAMP,Campinas, mimeo. 1975.

BUKHARIN,Nicolau. La Economia Politica del Rentista. Trad. e=:,p.Buenos Aires, 1974.

CASSEL,Gustav. Economia Social Teorica. Trad. esp. Madrid, 1941.

• Pensamientos Fundamentales en la Economia. Trad. esp. 3ª edi---ção. M~xico, 1944.

COUTINHO,Carlos N. O Estruturalismo e a Miséria da Razão. Rio deJaneiro, 1972.

COUTINHO,Luciano G. Notas sobre o Estado Atual da Teoria Micro-econômica: A Herança de Walras e Marshall. Campinas, mim e o1975.

DOBB, MaUI'ice. Uma Introdução à Economia. Trad. porto Lisboa. S/A

___ o Teorias del Valor y de la Distribuicion desdeTrad. esp. Buenos Aires, 1975. Adam Smith.

___ o A Evolução do Ca'pitalismo. Trad. porto 3ª edição. Rio de J2neiro, 1973.

ENGELS, Friedrich. Do Socialismo ut6pico ao Socialismo Científico.Trad~ porto Lisboa, 1971.

GOKNARD,René. Histoire des Doctrines ~c~nomigues. 5ª e d i ç ã oParis, 1947.

Page 59: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

56

HICKS, Jorm. Valor y Capital. Trad. esp. México, 1945.

HILFERDING,Rudolf. El Capital Financierc. Trad. esp. 2ª Ec:ição.Madrid, 1973.

HOBSBAWN,Eric. Las Revoluciones Burguesas .Trad. esp. 3ª edição.Madrid, 1974 •

• Entorno a las Origenes de la Revolucion IndustriaL Trad. esp.2ª edição. Buenos Aires, 1972.

Lt;NIN, Vladimir I. Imperialismc Fase SuperiorTrad. esp. México, 1974.

deI Capitalismo.

~~~GEL, Ernest. Tratado de Economia Mar~ista. Trad. esp.3ª edi-T~-~ M~xico, 1972.

MARSHALL,Alfred. Principios de Economi a. Trad. porto Rio de J anel1'0, 1946.

MARX,Karl. 81 Capital. Vol. I. Trad. esp. 8ª edição. México,1973.

_. "Glos~.s Marginales aI. Tratado de Economi a Poli tica 1 de Adolfo;dagner" in El Capital. Idem.

MEEK,Rona.ld. "The Marginal Revolution and its Afthermat~!n in P.Critique of Economic Theory. (Org.) Hurt e Sctwartz. 2ª ediçãõFenguin, 1973.

RCBINSON,Joan. Filosofia Econômica. Trad. porto Rio de J aJ:.E'iro,lS64.

ROLL, Eric. Hist6ria das Doutrinas Econômicas. Trad. porto 3ª edição. são Faulo, 1972.

RUBIN,lsaal<:. Ensayos sobre la Teoria Marxista deI Valor. Trad. esp.Buenos Aires, 1974.

SCHUMPET&R,Ioseph. Hist6ria da Análise Econômica. Vol. III.Trad.porto Rio de Janeiro, 1964.

Page 60: Sobre O Conceito de Revolução Marginalista em Schumpeter

57

WALRAS,Léon. ~léments D'tconomie Poli tique Pure. Paris, 1952.

WICKSELL, Knut. Lecci ones de Economi a Po li ti ca. Tr ad. esp. Madri cl1941.