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    FCH_Conferncias Multidisciplinares Figuras da Modernidade | UCP_FCH_21 de Junho de 2005

    Sobre McLuhan Fernando Ilharco

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    Falar de Marshall McLuhan o autor de noes como a aldeia global, o meio a mensagem ou o surfar que hoje utilizamos para a Internet falar de McLuhan, dizia, numa sesso onde sob o tpico de figuras da modernidade se comenta Napoleo, Sartre, Beauvoir, Bekett, Aron, um sinal de como as coisas continuam a mudar... bem na linha do antecipado por McLuhan. O sculo XXI hoje, e hoje McLuhan mainstream, central, tradicional quase... Falar de McLuhan um testemunho de que as ideias daquele investigador canadiano, falecido h mais de vinte anos, tm um lugar prprio e uma influncia crescente em vrias reas da academia, nomeadamente nas cincias da comunicao.

    Tom Wolfe, o escritor norte-americano, questionou um dia:... E se o homem estiver certo? A resposta esta: se estiver certo, o mundo vai continuar mudar. Mudou e continua a mudar... Conhecer McLuhan, penetrar no seu pensamento, de algum modo entender o que est a mudar e em que sentido o mundo vai continuar a mudar.

    Quem foi, ento, McLuhan e que mudanas so estas?

    Herbert Marshall McLuhan nasceu em 21 de Julho de 1911, em Edmonton, Canad. Na universidade, depois de uma experincia pouco motivadora em engenharia, McLuhan descobriu a paixo pela literatura inglesa. Concluiu a sua primeira graduao, BA, em literatura, histria e filosofia, na Universidade de Manitoba, em 1933, onde no ano seguinte obteve o Master in Arts naquela mesma rea. Com uma bolsa de estudos seguiu para Cambridge, Inglaterra, onde pretendia concluir o doutoramento o que veio acontecer nove anos depois, em 1943. Problemas administrativos e econmicos vrios obrigaram McLuhan a realizar novos estudos de graduao em Cambridge e a iniciar carreira de docente nos EUA antes de concluir o Ph.D.

    McLuhan adorava a vida de Cambridge. Foi a que se deu a sua rpida converso ao catolicismo. Refere-se que um dia, mais precisamente a 25 de Maro de 1937, McLuhan foi confrontado por um amigo sobre as suas convices religiosas; no meio de uma acesa discusso, perguntaram-lhe: ento, porque no ests na Igreja? Nessa altura McLuhan percebeu que j havia feito a sua escolha, e nesse mesmo dia, numa data que continuou a comemorar toda a sua vida, McLuhan baptizou-se, com 26 anos de idade em 1973, trinta e cinco anos depois daquele data, seria nomeado consultor do Vaticano na Comisso Pontifcia das Comunicaes Sociais, trabalho que desenvolveu at ao seu falecimento, j no Pontificado do Papa Joo Paulo II.

    Mas voltemos aquela altura, em 1938. Enquanto professor universitrio de lngua inglesa, McLuhan queixava-se regularmente da falta de interesse dos alunos por autores como Edmund Burke ou Shakespeare... essa falta de interesse perturbava-o. Perturbou-o tanto que resolveu tentar entender o que modelava os pensamentos, os sentimentos e os gostos dos seus estudantes... McLuhan iniciou ento as suas originais e influentes exploraes sobre os media, a tecnologia e a cultura... estava a caminho da fama mundial... a galxia de McLuhan ia comear a nascer.

    Em 1939, McLuhan casou-se com Corrine Lewis, texana, que lhe fora apresentada pela sua me, num workshop em Pasadena, Califrnia. Em Setembro desse mesmo ano, no mesmo ms em que se iniciava a II grande guerra, com os estudos de doutoramento em vista, McLuhan e a mulher

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    partiram para Cambridge. Dali a um ano, com os trabalhos de doutoramento em bom ritmo, McLuhan recebeu autorizao para terminar a escrita da dissertao nos EUA, podendo assim voltar a ensinar na Universidade de Saint Louis. O texto ficou pronto dali a trs anos. Dadas as dificuldades e o perigo das viagens transatlnticas durante a II guerra, McLuhan foi dispensado de se deslocar a Cambridge para defender a tese, intitulada The Place of Thomas Nashe in the Learning of His Time, a qual recebeu alis os melhores comentrios do jri.

    Em 1946 McLuhan foi contratado pela Universidade de Toronto, Canad, onde se veio a estabelecer como figura proeminente nos estudos dos media, da comunicao e da tecnologia. A partir da, entre projectos de investigao, publicao de obras e um sem nmero de actividades no Centre for Culture and Technology, McLuhan lanou ideias e conceitos cuja dimenso s hoje, verdadeiramente, comea a ser entendida em profundidade.

    Alis, McLuhan no continua a ser actual; McLuhan hoje mais actual que nunca. S muito timidamente em finais dos anos 80, e mais claramente em meados dos anos 90, quando a revista Wired, cone da revoluo digital mundial, escolheu McLuhan para seu patrono, se pode dizer que as ideias de McLuhan comearam a ganhar um impacto global de alguma forma, o emergir do global contemporneo do emergir de McLuhan; de alguma forma o global McLuhaniano.

    As investigaes de McLuhan, ou exploraes como ele gostava de lhes chamar, as mais das vezes no so fceis de entender. A linguagem metafrica e culturalmente muito sofisticada dos seus textos desafia o entendimento mais corrente dos fenmenos quotidianos, tentando penetrar naquilo que, em cada poca, no que respeita a cada media ou tecnologia, mais essencial e determinante para as actividades dos homens. A originalidade, a inteligncia e o domnio que McLuhan mostrava dos assuntos incomodou muita gente. O establishment de ento e os investigadores positivistas mais ferrenhos nunca entenderam Marshall McLuhan. Conta-se que nos anos 60 numa conferencia universitria, por isso num ambiente de investigao onde as ideias e os argumentos sempre tm que ser rigorosamente defendidos, depois de uma longa e detalhada apresentao, McLuhan foi violentamente contestado. O seu opositor criticava-o por no apresentar provas cientificas das suas teorias... ao que McLuhan respondeu... ... no gostou destas minhas ideias?!... ento, veja l estas outras que passo a expor... e avanou para mais conceitos, anlises e exploraes!

    Para McLuhan, o mais decisivo invisvel! Segundo ele, as sociedades sempre foram mais modeladas pela tecnologia de comunicao dominante do que pelos contedos dessas mesmas tecnologias. McLuhan considerava que os media ele utilizava uma noo alargada de media, tornando esta expresso e a expresso tecnologia praticamente equivalentes os media, estendendo os sentidos ou as capacidades humanas, alteram o ambiente, provocando em ns equilbrios de percepo nicos. Assim, como extenses de ns mesmos a rdio uma extenso do ouvido, o livro da viso, a roda dos ps, a roupa da pele, as armas dos braos e das pernas, etc. como extenses, os media alteram a percepo do mundo. Dessa forma, alterando a percepo do mundo, mudando o equilbrio sensorial em que estamos imersos, os media as tecnologias mudam-nos. Devemos ento perguntar: qual o media, a tecnologia, da nossa poca? Para McLuhan, a resposta era bvia: a televiso. Hoje, cremos, essa resposta manter-se-ia, embora o fenmeno televiso devesse passar a ser estendido Internet, possivelmente, transformando-se nos ecrs de televiso, da Internet, dos telemveis, etc.

    O estudo dos media, substantivo e compreensivo, que McLuhan levou a cabo alis na linha de outros estudiosos, entre eles Harold Innis e Walter Ong, a que se convencionou chamar a escola canadiana da comunicao foi em boa parte inspirado pelo Papa Pio XII, o qual encorajou o estudo substantivo dos media, incluindo as suas tcnicas de comunicao e a capacidade de reaco individual. O media, ou seja, o medium, o meio a mensagem, isto , as condies em que cada meio o que , o contexto criado, por exemplo, pela televiso, a principal mensagem da televiso, cujo contedo, em rigor, e conforme a McLuhan, no qualquer programa mas antes somos ns prprios, ns mesmos, homens transformados por um mundo TVizado. Por isso, o meio, os media,

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    as tecnologias, so tambm a massagem so o massajar, o envolver, o desequilibrar e o anestesiar dos sentidos e das capacidades humanas.

    As tecnologias electrnicas so to poderosas, segundo McLuhan, porque so extenses de vrios sentidos e capacidades humanas, incluindo do sistema nervoso. Um resultado do mundo digital, daquilo que McLuhan chamou a era electrnica, a nossa era, no menos do que a substituio do livro como tecnologia de comunicao dominante. volta, velocidade da luz, a informao electrnica cerca-nos. De tanta informao, variedade e mudana, o ambiente em que vivemos no mais pode ser lido, mas apenas surfado. O surfista procura equilibrar-se num cho que se move constantemente. Hoje, as ondas so o mundo da era da informao e os surfistas somos todos ns. Vivemos como numa aldeia no porque todos possamos falar com todos, mas porque a informao electrnica, nas televises, nos telemveis, na Internet, nos cerca a todos e ao mesmo tempo. Simultaneamente como na aldeia, os preges do pregoeiro pblico que hoje a televiso levam a mesma informao a todos os aldees ao mesmo tempo seja o futebol, o 11 de Setembro, Hollywood, ou o Papa. As novas tecnologias electrnicas, tpicas de uma era que segundo McLuhan se iniciou em 1844 com o telgrafo a tecnologia que separou definitivamente a mensagem do mensageiro , que se segue tecnologia de Gutemberg e do alfabeto fontico, como as mais relevantes tecnologias de sempre, so estruturalmente acsticas. O ouvido, lembrava com ironia McLuhan, no tem pontos de vista; ouvimos o que nos cerca, sempre, 360 graus nossa volta, sem pr-aviso, uns com os outros. Os media electrnicos encorajam o jogo constante entre os vrios sentidos, destruindo a primazia da viso estabelecida nos ltimos 3000 anos ver conhecer... sugerindo a chegada de um novo equilbrio sensorial, recriando assim a era tribal pr-alfabeto fontico.

    A modernidade em boa medida aquilo que McLuhan chamou de era literria, era da imprensa. Iniciada em 1450 com a tipografia de Gutemberg, essa era que acentuou o domnio da viso, da linearidade, da sequencialidade, da repetitibilidade, que alavancou os nacionalismos e os Estados modernos, a revoluo industrial, durou at inveno do telegrafo. A, iniciou-se a era que McLuhan chamou electrnica, marcada pela rdio, pelo cinema, televiso, telefone, computador e Internet. A esta ltima fase pode associar-se as noes de ps-modernidade ou de modernidade tardia, em que o livro, a escrita linear, e por isso o raciocnio linear, perde peso face informao electrnica. No deixa de ser especialmente elucidativo ver como McLuhan escreveu sobre as redes, sobre o mundo da informao global, sobre estar ligado, sobre uma conscincia e um sistema nervoso mundial... nos anos 1960, trinta anos antes da Internet ter chegado s sociedades mais avanadas.

    Nascido em 1911, McLuhan veio a falecer durante o sono a 31 de Dezembro de 1980, no ultimo dia do ano. A sua obra ficou, o seu brilho tem aumentado e hoje, 25 anos depois do seu falecimento, o impacto dos seus trabalhos visvel no meio acadmico e cientifico mundial. Seguramente, esse impacto mais forte nos EUA e no Canad do que na Europa. Por isso tambm, hoje, neste Vero quente de 2005, nesta conferncia na aldeia global McLuhaniana, em Lisboa, numa das cidades europeias mais perto da Amrica, ao colocarmos McLuhan junto de Napoleo, de Sartre, de Beauvoir, de Beckett e de Aron, me parece, sem dvida, estarmos a fluir para onde flem os tempos.

    Fernando Ilharco 2005