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Sobre Deus Ser um Espírito Título original: On God's Being a Spirit Por Stephen Charnock (1628-1680) Traduzido, Adaptado e Editado por Silvio Dutra Mar/2017

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Sobre Deus Ser um Espírito

Título original: On God's Being a Spirit

Por Stephen Charnock (1628-1680)

Traduzido, Adaptado e

Editado por Silvio Dutra

Mar/2017

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C483

Charnock, Stephen – 1628-1680 Sobre Deus ser um Espírito / Stephen Charnock Tradução , adaptação e edição por Silvio Dutra – Rio de Janeiro, 2017. 75p.; 14,8 x 21cm Título original: The god of patience 1. Teologia. 2. Vida Cristã 2. Graça 3. Fé. 4. Alves, Silvio Dutra I. Título CDD 230

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“Deus é Espírito; e os que o adoram devem

adorá-lo em espírito e em verdade.” (João 4.24)

As palavras fazem parte do diálogo entre

nosso Salvador e a mulher samaritana. Cristo,

pretendendo voltar da Judéia para a Galiléia,

passou pelo país de Samaria, um lugar não

habitado por judeus, e que era uma companhia

mista de várias nações e alguns resquícios da

posteridade de Israel, que escaparam do

cativeiro e foram devolvidos da Assíria; e

estando cansado com a sua viagem, chegou

cerca da sexta hora ou meio-dia (de acordo com

os judeus contando o tempo), em um poço que

Jacó tinha cavado, o qual era de grande conta

entre os habitantes pela antiguidade do mesmo,

bem como pela sua utilidade, para suprir as

suas necessidades.

Nosso Salvador disse à mulher samaritana que

se ela soubesse quem era aquele com quem ela

estava falando, ele lhe daria uma água de maior

virtude, a "água da vida". Era estranho ouvir um

homem falar de dar água viva a alguém de quem

ele tinha implorado a água daquele poço, e não

tinha nenhuma vasilha para tirar a água para

saciar sua sede. Ela, portanto, pergunta de onde

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ele poderia tirar essa água da qual ele falou,

desde que ele, segundo ela, não era maior do

que Jacó, que tinha cavado o poço. Nosso

Salvador, desejoso de fazer um progresso

naquele trabalho que tinha começado, exalta a

água da qual falou, acima da daquele poço, e

destacou a sua virtude particular para refrescar

completamente aqueles que dela bebessem,

sendo uma fonte refrescante e reconfortante

dentro deles, que saltava para a vida eterna.

A mulher, concebendo uma boa opinião de

nosso Salvador, desejou tomar desta água, para

aliviar suas dores em vir diariamente ao poço,

não tendo portanto, apreendido a

espiritualidade do discurso de Cristo dirigido a

ela. Assim, Ele a conduziu a um sentimento de

seu pecado, antes que lhe comunicasse a

excelência de sua graça, pedindo-lhe para voltar

para a cidade e trazer seu marido com ela. Ela

reconhece livremente que não tinha marido; por

causa da vida impura que ela levava, e nosso

Salvador aproveitou a ocasião disso para abrir

seu pecado diante dela e para fazê-la sensível à

sua própria vida pecaminosa, e à excelência

profética de Si mesmo; e diz-lhe que ela teve

cinco maridos, dos quais se divorciara, e que a

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pessoa com quem ela habitava não era seu

marido legítimo. A mulher sendo afetada por

esse discurso, e sabendo que ele era um

estranho que não poderia ser certificado dessas

coisas, senão de uma maneira extraordinária,

começou a ter uma alta estima dele como um

profeta.

E sobre esta opinião ela o estimou como capaz

de decidir uma questão, que tinha sido

discutida entre os samaritanos e os judeus,

sobre o local correto de culto. Seus pais

adoraram naquele monte de Samaria, chamado

de Gerizim, e os judeus afirmavam que

Jerusalém era o único local de adoração. Cristo

responde a ela, que esta pergunta seria

rapidamente resolvida por um novo estado da

igreja, que estava próximo; e nem Jerusalém,

que tinha agora a precedência, nem aquele

monte, deveriam ter mais valor nessa

preocupação do que qualquer outro lugar no

mundo; mas, no entanto, para fazer-lhe sentir o

seu erro e a dos seus compatriotas, disse-lhe

que a sua adoração naquele monte não era

segundo a vontade de Deus, tendo ele muito

tempo depois que os altares foram construídos

neste lugar, fixado Jerusalém como o lugar dos

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sacrifícios; além disso, não tinham o

conhecimento daquele Deus que devia ser

adorado por eles, mas os judeus tinham o

"verdadeiro objeto de adoração" e a verdadeira

maneira de adoração, de acordo com a

declaração que Deus fizera de si mesmo a eles.

Mas todo esse culto desapareceria e o véu do

templo seria rasgado em dois, e esse culto

carnal daria lugar a um mais espiritual; as

sombras deveriam voar diante da substância, e

a verdade avançaria acima das figuras; e a

adoração de Deus seria com a força do Espírito:

tal adoração, e tais adoradores o Pai procura;

porque "Deus é Espírito, e os que o adoram

devem adorá-lo em espírito e em verdade". O

projeto de nosso Salvador é o de declarar que

Deus não é alcançado com adoração externa

inventada por homens, e que por esta razão,

porque é de uma essência espiritual,

infinitamente acima da matéria grosseira e

corporal, não pode ser adorado com aquela

pompa que é um prazer para nossas

imaginações terrenas.

No original grego temos:Πνεῦμα ὁ θεός. Alguns

traduzem isso ao pé da letra: "Espírito é Deus".

Mas não é incomum, tanto nas línguas do Velho

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como do Novo Testamento, colocar o predicado

diante do sujeito, como no Salmo 5: 9, "Sua

garganta é aberta sepulcro", no hebraico, "Um

sepulcro abre a garganta ", assim no Salmo 111:

3,"Sua obra é honrada e gloriosa", ou "Honra e

glória é a sua obra", e não falta um exemplo

mesmo no evangelista (João 1: 1), "E o Verbo era

Deus", grego, "E Deus era o Verbo", em tudo, o

predicado, ou o que é atribuído, é colocado

diante do sujeito ao qual é atribuído. Deus é um

Espírito; Deus é de essência espiritual e,

portanto, deve ser adorado com um culto

espiritual; porque a essência de Deus não é o

fundamento de sua adoração, mas a sua

vontade; pois não devemos adorá-lo com um

culto corporal, porque ele não é um corpo; mas

com uma adoração invisível e eterna, porque ele

é invisível e eterno.

Mas, a natureza de Deus é o fundamento da

adoração; a vontade de Deus é a regra da

adoração; a matéria e a maneira devem ser

executadas de acordo com a vontade de Deus.

Mas, a natureza do objeto de adoração deve ser

excluída? Não; como o objeto é, assim deve ser

a nossa devoção, espiritual como ele é

espiritual.

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Deus, em seus mandamentos de adoração,

revela a sua própria natureza; na lei, ele revelou

a sua misericórdia e justiça, e, portanto,

comandou um culto por sacrifícios; um culto

espiritual sem essas instituições não teria sido

declarado. Deus é um Espírito, portanto deve ter

um culto espiritual; a criatura tem um corpo,

assim como uma alma, e ambos criados por

Deus; e portanto deve adorar a Deus tanto com

um como com o outro. A espiritualidade de

Deus foi o fundamento da mudança da adoração

carnal judaica para uma mais espiritual e

evangélica.

Deus é um Espírito; isto é, ele não tem nada

corpóreo, nenhuma mistura de matéria,

nenhuma substância visível, ou uma forma

corporal. Ele é um Espírito, não uma substância

espiritual nua, mas um Espírito compreensivo,

disposto, santo, sábio, bom e justo. Antes,

Cristo falou do Pai, a primeira pessoa na

Trindade; agora ele fala de Deus

essencialmente: a palavra Pai é pessoal, a

palavra Deus é essencial; de modo que o nosso

Salvador enfatizou a natureza Divina, e por que

devemos adorar em espírito, e, portanto, faz

uso da palavra Deus, sendo um Espírito. Esta é

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a razão da proposição (João 4.23), "de um culto

espiritual." Toda natureza se deleita no que é

como ela, e rechaça o que é diferente dela. Se

Deus fosse corpóreo, ficaria satisfeito com os

sacrifícios de animais, com a magnificência dos

templos e com o barulho da música; mas sendo

um Espírito, ele não pode ser gratificado com

coisas carnais; ele exige algo melhor e maior - a

alma que ele criou, a alma que ele dotou, um

espírito de uma condição adequada à Sua

natureza. Ele, de fato, designou sacrifícios e um

templo, como sombras das coisas que lhe

seriam mais aceitáveis no Messias, mas foram

impostas apenas "até o tempo da reforma".

Os gestos do corpo são ajudas ao culto, e

declarações de atos espirituais. Mal podemos

adorar a Deus com nossos espíritos sem alguma

tintura sobre o homem exterior; mas ele exclui

todos os atos inerentemente corpóreos, todos

apoiados em um culto e devoção externos, que

era o crime dos fariseus, e a persuasão geral dos

judeus, bem como pagãos, que usaram as

cerimônias externas, não como sinais de coisas

melhores, mas como se elas por si mesmas

agradassem a Deus, e tornassem os adoradores

aceitos por ele, sem qualquer participação

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adequada do homem interior. É como se ele

tivesse dito: Agora você deve separar-se de

todos os modos carnais a que o culto de Deus

está agora amarrado, e torná-lo um culto

principalmente constituído pelos movimentos

afetuosos do coração e acomodado mais

exatamente à condição do Objeto, que é um

Espírito.

Em espírito e em verdade. O culto evangélico

agora exigido tem a vantagem sobre o primeiro

do Velho Testamento; que era uma sombra e

figura, desta verdade. Espírito, dizem alguns, é

aqui oposto às cerimônias legais; a verdade, a

cultos hipócritas; ou, melhor, a verdade se opõe

às sombras, e uma opinião de valor na ação

externa; ela se opõe principalmente aos ritos

externos, porque o nosso Salvador diz: "A hora

vem, e agora é", etc. Deus sempre exigiu a

verdade nas partes interiores, e todos os

verdadeiros adoradores o haviam servido com

uma consciência sincera e um coração íntegro.

Os antigos patriarcas adoravam a Deus em

espírito e em verdade, como tomados por

sinceridade; tal adoração foi sempre, e é

perpetuamente devida a Deus, porque ele

sempre foi, e eternamente será um Espírito. E

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diz-se: “O Pai procura tais adoradores que o

adorem em espírito e em verdade”, não, que

eles procurarão; mas que Ele sempre procurou;

e os profetas sempre repreendiam os israelitas

por descansarem sobre suas solenidades

exteriores (Isaías 53: 7 e Miquéias 6: 8); mas um

culto sem ritos legais era próprio de um estado

evangélico e os tempos do evangelho, tendo

Deus então exibido Cristo e trazido ao mundo a

substância dessas sombras e o fim dessas

instituições; não havia mais necessidade de

continuá-los quando a verdadeira razão deles

cessasse.

Todas as leis naturalmente expiram quando a

verdadeira razão pela qual foram inicialmente

enquadradas é mudada. Ou pelo espírito pode

ser denotada, a adoração como é inflamada no

coração pelo sopro do Espírito Santo. Uma vez

que estamos mortos no pecado, uma luz

espiritual e uma chama no coração, adequados

à natureza do objeto de nossa adoração, não

podem ser ressuscitados em nós sem a

operação de uma graça sobrenatural; e embora

os pais não pudessem adorar a Deus sem o

Espírito, ainda no evangelho, quando há uma

efusão mais completa do Espírito, o estado

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evangélico é chamado de "a administração do

Espírito" e "a novidade do Espírito, "Em oposição

à dispensação da Lei, intitulada "caducidade da

letra." O estado evangélico é mais adequado à

natureza de Deus do que qualquer outro; tal

adoração deve ter Deus, pela qual ele é

reconhecido como o verdadeiro santificador e

vivificador da alma. Quanto mais perto Deus se

aproximar de nós, e quanto mais completas

forem suas manifestações, mais espiritual será

a adoração que devolvemos a Deus. O

evangelho separa as partes ásperas da lei, e o

céu removerá o que é material no evangelho, e

mudará as ordenanças de adoração para a de

um louvor espiritual.

Nas palavras há:

1. Uma proposição: "Deus é um Espírito", o

fundamento de toda a religião.

2. Uma inferência: "Aqueles que o adoram", etc.

Como Deus, uma adoração pertence a ele; como

um Espírito, um culto espiritual é devido a ele.

Na inferência temos: 1. A maneira de adoração,

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"em espírito e em verdade". 2. A necessidade de

tal culto, "deve".

A proposição declara a natureza de Deus; a

inferência, o dever do homem. As observações

são simples.

Obs. 1. Deus é um ser espiritual puro: "ele é um

Espírito". 2. A adoração devida da criatura a

Deus deve ser agradável à natureza de Deus e

puramente espiritual. 3. O estado evangélico é

adequado à natureza de Deus.

I. Para a primeira: "Deus é um ser espiritual

puro". A simples afirmação de que Deus é um

Espírito é encontrada apenas uma vez em toda

a Bíblia, e é neste lugar; que bem pode ser

admirado, porque Deus é tão frequentemente

descrito com as mãos, os pés, olhos e ouvidos,

na forma e figura de um homem. A natureza

espiritual de Deus é deduzível de muitos

lugares; mas não em qualquer lugar, como eu

me lembro, senão neste texto: alguns alegam

que o lugar (2 Coríntios 3:17), "O Senhor é o

Espírito", para a prova disso; mas que parece ter

um sentido diferente no texto, a natureza de

Deus é descrita; naquele lugar, as operações de

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Deus no evangelho. "Não é o ministério de

Moisés, ou aquela velha aliança, que vos

comunica aquele Espírito de que fala; mas é o

Senhor Jesus, e a doutrina do evangelho

entregue por ele, pelo qual este Espírito e

liberdade vos é dispensado; ele opõe aqui a

liberdade do evangelho à servidão da lei; é de

Cristo que uma virtude divina se difunde pelo

evangelho; é por ele, não pela lei, que

participamos desse Espírito. A espiritualidade

de Deus é tão evidente como o seu ser. Se

concedemos que Deus é espírito, devemos

necessariamente conceder que, ele não pode

ser corpóreo, porque um corpo é de uma

natureza imperfeita. Parecerá incrível a todos

que reconhecerem a Deus o primeiro Ser e

Criador de todas as coisas, que ele deve ser um

corpo pesado, e ter olhos e ouvidos, pés e mãos,

como temos.

1. O Espírito é tomado de várias maneiras nas

Escrituras. Significa, por vezes, uma substância

aérea, como no Salmo 11: 6; uma tempestade

terrível; às vezes, a respiração, que é uma

substância fina (Gên 6:17): "Toda a carne, em

que há o fôlego da vida"; e desta noção da

palavra, traduz-se para denotar aquelas

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substâncias que são puramente imateriais,

como anjos e os espíritos dos homens. Os anjos

são chamados de espíritos (Salmo 104: 4).

"Quem faz seus anjos labaredas", e não apenas

os anjos bons são chamados de espíritos, mas

os anjos maus (Marcos 1:27); as almas dos

homens são chamadas de espírito (Ec 12); e a

alma de Cristo é chamada assim (João 19:30, de

onde Deus é chamado "o Deus do espírito de

toda a carne" (Números 22:16) e o espírito é

oposto à carne (Isaías 31: 3): "Os egípcios são

carne e não espírito."

E nosso Salvador nos dá a noção de um espírito

como sendo algo acima da natureza de um

corpo (Lucas 24:39), "não tendo carne e ossos",

partes de matéria grosseira. Também é tomado

por aquelas coisas que são ativas e eficazes,

porque a atividade é da natureza de um espírito:

Calebe tinha outro espírito (Números 14:24),

uma afeição ativa. Os movimentos veementes

do pecado são chamados de espírito (Os 4:12):

"o espírito das prostituições", nesse sentido

deve ser entendido Provérbios 29:11: "um tolo

expressa toda a sua mente", todo o seu espírito,

ele não sabe como restringir os movimentos

veementes de sua mente, de modo que a noção

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de espírito é que é uma substância fina e

imaterial, um ser ativo, que age em si mesmo e

em outras coisas: um corpo simples não pode

agir por si mesmo, como o corpo do homem que

não pode mover-se sem a alma, não mais do que

um barco à vela pode mover-se sem vento e

ondas.

Então Deus é chamado de Espírito, não sendo

um corpo, não tendo a dimensão, figura,

espessura ou comprimento de um corpo,

completamente separado de qualquer coisa de

carne e matéria. Encontramos um princípio

dentro de nós mais nobre do que o de nossos

corpos; e, portanto, concebemos a natureza de

Deus, de acordo com o que é mais digno em

nós, e não de acordo com o que é a parte mais

vil de nossas naturezas. Deus é um Espírito mais

espiritual do que todos os anjos, e todas as

almas. Como ele excede tudo na natureza do

ser, assim ele excede tudo na natureza do

espírito; ele não tem nada grosseiro, pesado,

material, em sua essência.

2. Quando dizemos que Deus é um Espírito,

deve ser entendido por meio da negação. Há

duas maneiras de conhecer ou descrever Deus:

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por meio da afirmação, afirmando que ele por

meio da eminência, que é excelente na criatura,

como quando dizemos que Deus é sábio, bom;

e o outro, por meio da negação, quando

removemos de Deus, em nossas concepções, o

que está contaminado pela imperfeição na

criatura. O primeiro atribui a ele tudo o que é

excelente; o outro separa dele o que é

imperfeito. Por esta maneira de negação é mais

fácil para nós entendemos melhor o que Deus

não é, do que o que ele é; e a maior parte de

nosso conhecimento de Deus é por este modo;

como quando dizemos que Deus é infinito,

imenso, imutável, eles são negativos; ele não

tem limites, não é confinado a nenhum lugar, e

não admite nenhuma mudança.

Quando removemos dele o que é inconsistente

com o seu ser, nós afirmamos mais fortemente

seu ser, e sabemos mais dele quando o

elevamos acima de tudo. E quando dizemos que

Deus é um Espírito, é uma negação; de que ele

não é um corpo; ele não consiste em várias

partes. Ele não é um espírito, assim como

nossas almas são, para ser a forma de qualquer

corpo; um espírito, não como anjos e almas são,

mas infinitamente maior. Nós o chamamos

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assim, porque, em relação à nossa fraqueza,

não temos outro termo de excelência para

expressá-lo ou concebê-lo; nós o transferimos

para Deus em honra, porque o espírito é a mais

alta excelência em nossa natureza; contudo,

devemos apreender Deus acima de qualquer

espírito, já que sua natureza é tão grande que

ele não pode ser declarado pelo discurso

humano, percebido pelo sentido humano ou

concebido pela compreensão humana.

II. A segunda coisa quanto a que "Deus é um

Espírito." Alguns entre os pagãos imaginaram

Deus tendo um corpo; alguns pensavam que ele

tinha um corpo de ar; alguns um corpo celestial;

algum corpo humano; e muitos deles atribuíam

corpos a seus deuses, mas corpos sem sangue,

sem corrupção, tais corpos, que, se comparados

aos nossos, eram como sendo nenhum corpo.

Os saduceus também, que negaram todos os

espíritos, e ainda assim reconheceram um Deus,

o concebiam como sendo um corpo, e nenhum

espírito. Alguns dentre os cristãos têm sido

dessa opinião. Tertuliano é cobrado por alguns,

e desculpado por outros; e alguns monges do

Egito foram tão ferozes por este erro, que eles

tentaram matar Teófilo, um bispo, por não ser

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desse julgamento. Mas os pagãos mais sábios

eram de outra mente, e consideravam uma coisa

impura ter tais imaginações de Deus. E alguns

cristãos têm pensado que Deus só está livre de

qualquer coisa corporal, porque ele é

onipresente e imutável.

Se Deus tivesse os traços de um corpo, os

gentios não teriam caído sob essa acusação de

mudar sua glória para a de um homem

corruptível. Isso é significado pelo nome que

Deus dá a si mesmo (Êx 3:14): "Eu sou o que

sou", um ser simples, puro, não composto, sem

qualquer mistura criada; como infinitamente

acima do ser das criaturas como acima das

concepções das criaturas (Jó 37:23); "Tocando o

Todo-Poderoso, não podemos encontrá-lo." Ele

é tanto um Espírito, que ele é o "Pai dos

espíritos" (Heb 12: 9). O Pai Todo-Poderoso não

é de natureza inferior aos seus filhos.

Se sem a nobreza dos atos de nosso espírito,

sem o qual o corpo não passa de um pedaço

inerte de argila, devemos ter uma concepção

mais elevada de Deus.

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Se Deus fez o homem segundo a sua imagem,

devemos elevar os nossos pensamentos sobre

Deus de acordo com a parte mais nobre daquela

imagem, e imaginar que o exemplar ou a cópia

não podem exceder o objeto copiado por eles.

Deus não seria a substância mais excelente se

não fosse um Espírito. As substâncias

espirituais são mais excelentes do que as

corporais; o espírito do homem mais excelente

do que outros animais; e os são anjos mais

excelentes do que os homens. Deus deve ter,

portanto, uma excelência acima de todos

aqueles, e, portanto, é inteiramente distante das

condições de um corpo. (Nota do tradutor: Se

Deus fosse ou possuísse um corpo que o

delimitasse, como poderia ser onisciente e

onipresente? Como abrangeria todas as

pessoas, tanto as que estão na terra, quanto as

que estão no céu?).

1. Se Deus não fosse um Espírito, ele não

poderia ser Criador. Toda a multidão começa

em, e é reduzida à unidade. Como acima da

multidão existe uma unidade absoluta, por isso

acima de criaturas misturadas há uma absoluta

simplicidade. Uma ideia espiritual fala de uma

faculdade espiritual como o assunto dela. Deus

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não poderia ter uma ideia do grande número de

criaturas que ele criou, se ele não tivesse uma

natureza espiritual. A sabedoria pela qual o

mundo foi criado nunca poderia ser o fruto de

uma natureza corpórea; tais naturezas não são

capazes de compreender e abranger as coisas

que estão dentro da estrutura de sua natureza,

muito menos de produzi-las; e, portanto, os

animais que só têm as faculdades corpóreas

movem-se para os objetos pela força de seu

sentido, e não têm conhecimento das coisas

como elas são compreendidas pela mente do

homem. Todos os atos de sabedoria falam de

um agente inteligente e espiritual. Os efeitos da

sabedoria, da bondade, do poder são tão

grandes e admiráveis, que falam de um ser mais

perfeito e eminente do que possivelmente pode

ser visto sob uma forma corporal. Pode uma

substância corporal colocar "sabedoria nas

partes interiores e dar entendimento ao

coração?"

2. Se Deus não fosse um Espírito puro, não

poderia ser um. Se Deus tivesse um corpo,

composto de membros distintos, como o nosso;

ou todos de uma natureza, como a água e o ar

são, então ele seria capaz de divisão, e,

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portanto, não poderia ser inteiramente um. Ou

essas partes seriam finitas ou infinitas: se

finitas, elas não seriam partes de Deus; pois ser

Deus e finito é uma contradição; se infinito,

então haveria tantos infinitos como membros

distintos, e, portanto, muitas Deidades.

Suponhamos que este corpo tivesse todas as

partes da mesma natureza, como o ar e a água,

cada pequena parte do ar é tanto ar como a

maior, e cada pequena parte da água é tanto

água quanto o oceano; então cada pequena

parte de Deus seria tanto Deus quanto o todo;

como muitas Deidades particulares para

constituir Deus, como pequenos átomos para

compor um corpo. O que pode ser mais

absurdo? Se Deus tivesse um corpo como o

humano, e fosse composto de corpo e alma, de

substância e qualidade, não poderia ser a

unidade mais perfeita; ele seria composto de

partes distintas, e as de uma natureza distinta,

como os membros de um corpo humano são.

Onde há a maior unidade, deve haver a maior

simplicidade; mas Deus é um. Como ele está

livre de qualquer mudança, assim ele está vazio

de qualquer multidão (Deuteronômio 6: 4): "O

Senhor nosso Deus é um Senhor".

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3. Se Deus tivesse um corpo como nós temos,

ele não seria invisível. Toda coisa material é

visível: o ar é um corpo ainda invisível, mas é

sensível; a qualidade de refrigeração dele é

sentida por nós em cada respiração, e nós a

conhecemos pelo nosso tato, que é o sentido

mais material.

Todo mundo que tem membros gosta de

corpos, é visível; mas Deus é invisível. O

apóstolo calcula isso entre suas outras

perfeições (1 Tim 1:17): "Ora, ao Rei eterno,

imortal, invisível". Ele é invisível ao nosso senso,

que não contempla senão coisas materiais; e

incompreensível para nosso entendimento, que

não concebe nada senão o que é finito. Deus é,

portanto, um Espírito incapaz de ser visto e

infinitamente incapaz de ser compreendido. Se

ele é invisível, também é espiritual. Se ele

tivesse um corpo, e o escondesse de nossos

olhos, dele poderia ser dito não ser visto, mas

não poderia ser dito que fosse invisível. Quando

dizemos que uma coisa é visível, entendemos

que ela tem essas qualidades que são objetos

de sentido, embora nunca possamos ver o que

está em sua própria natureza. Deus não tem tais

qualidades como para cair sob a percepção dos

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nossos sentidos naturais. Suas obras são

visíveis para nós, mas não sua divindade.

A natureza de um corpo humano deve ser vista

e manuseada; Cristo nos dá tal descrição (Lucas

24:39): "Olhai as minhas mãos e os meus pés,

que sou eu mesmo; apalpai-me e vede; porque

um espírito não tem carne nem ossos, como

percebeis que eu tenho." “Aquele que possui,

ele só, a imortalidade, e habita em luz

inacessível; a quem nenhum dos homens tem

visto nem pode ver." (1 Tim 6:16).

Há tal desproporção entre um objeto infinito e

um sentido finito e compreensão, que é

totalmente impossível ou vê-lo ou compreendê-

lo. Mas, se Deus tivesse um corpo mais

luminoso e glorioso do que aquele do sol, ele

seria tão visível para nós como o sol, embora a

imensidão dessa luz deslumbrasse nossos

olhos e proibisse qualquer inspeção íntima nele

pela virtude de nosso sentido. Vimos a forma e

a figura do sol, mas "ninguém jamais viu a

forma de Deus". Se Deus tivesse um corpo, ele

seria visível, embora não pudesse ser perfeita e

plenamente visto por nós; como vemos os céus,

embora não vejamos a extensão, latitude e

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grandeza deles. Embora Deus tenha se

manifestado em forma corporal (Gênesis 18: 1),

e em outro lugar Jeová apareceu a Abraão, mas

a substância de Deus não foi vista, não mais do

que a substância dos anjos foi vista em suas

aparições para os homens. Um corpo foi

formado para ser tornado visível por eles, e tais

ações feitas naquele corpo, falavam que a

pessoa que os fez era de uma maior eminência

do que uma criatura corpórea. Às vezes, uma

representação é feita para o sentido interior e

imaginação, como para Micaías, e para Isaías (6:

1); mas eles não viram a essência de Deus,

senão algumas imagens e figuras dele

proporcionais ao seu senso ou imaginação. A

essência de Deus que nenhum homem jamais

viu, nem pode ver. (João 1:18). Nem se segue

que Deus tem um corpo, porque de Jacó é dito

ter "visto Deus face a face" (Gênesis 32:30); e

Moisés teve o mesmo privilégio (Dt 34:10). Isso

só significa uma manifestação mais completa e

mais clara de Deus por algumas representações

oferecidas ao sentido corporal, ou melhor, ao

espírito interior.

Pois Deus diz a Moisés que não podia ver seu

rosto (Êxodo 33:20); e que ninguém jamais viu

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a semelhança de Deus (Deuteronômio 4:15). Se

Deus fosse uma substância corpórea, ele

poderia, em certa medida, ser visto pelos olhos

corpóreos.

4. Se Deus não fosse um Espírito, ele não

poderia ser infinito. Todos os corpos são de

natureza finita; todo mundo é material, e toda

coisa material é terminada. O sol, um corpo

vasto, tem uma grandeza limitada; os céus, de

um poderoso volume, ainda têm seus limites. Se

Deus tivesse um corpo, ele deveria ser

composto de partes, essas partes seriam

limitadas, e tudo o que for limitado é de uma

virtude finita e, portanto, abaixo de uma

natureza infinita. A razão nos diz, portanto, que

a natureza mais excelente, como Deus é, não

pode ser de uma condição corpórea; por causa

da limitação e outras ações que pertencem a

todo o corpo. Deus é infinito, "porque o céu dos

céus não podem contê-lo" (2 Crônicas 2: 6). Os

maiores céus, e aqueles espaços imaginários

além do mundo, não são limites para ele. Ele

tem uma essência além dos limites do mundo,

e não pode ser incluído na vastidão dos céus.

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Se Deus é infinito, então ele não pode ter partes

nele; se ele tivesse, elas deveriam ser finitas ou

infinitas: partes finitas nunca podem tornar um

ser infinito. Um recipiente de ouro, de um peso

de libra, não pode ser feito da quantidade de

uma onça. Partes infinitas não podem ser,

porque então cada parte seria igual ao todo, tão

infinito quanto o todo, e isto é contraditório.

Vemos em todas as coisas que cada parte é

menor que toda a massa da qual é composta;

como todo membro de um homem é menor do

que todo o seu corpo. Se todas as partes fossem

finitas, então Deus em sua essência seria finito;

e um Deus finito não é mais excelente do que

uma criatura: de modo que, se Deus não fosse

um Espírito, ele não poderia ser infinito.

5. Se Deus não fosse um Espírito, ele não

poderia ser um ser independente. Tudo o que é

composto de muitas partes depende

essencialmente ou integralmente sobre essas

partes; como a essência de um homem depende

da conjunção e união de suas três partes

principais, seu espírito, sua alma e seu corpo;

quando se separam, a essência do homem

cessa; e a perfeição de um homem depende de

cada membro do corpo; de modo que, se

28

alguém quiser, a perfeição do todo é necessária:

como se um homem tivesse perdido um

membro, você não o chamaria de homem

perfeito, porque essa parte se foi sobre a qual

dependia sua perfeição como um todo. Se Deus,

portanto, tivesse um corpo, a perfeição da

Deidade dependeria de cada parte desse corpo;

e de quanto mais partes ele fosse composto,

mais sua dependência seria multiplicada de

acordo com o número dessas partes do corpo;

pois o que é composto de muitas partes é mais

dependente do que o que é composto de

menos. E porque Deus seria um ser dependente

se tivesse um corpo, não poderia ser o primeiro

ser; pois as partes de composição estão na

ordem da natureza antes daquela que é

composta por elas; como a alma e o corpo estão

diante do homem que resulta da união deles. Se

Deus tivesse partes e membros corporais como

nós, ou qualquer composição, a essência de

Deus resultaria dessas partes, e aquelas partes

deveriam estar diante de Deus.

Não podemos conceber nenhum outro Deus, se

ele não fosse um Espírito puro, inteiro, sem

misturas. Se ele tivesse partes distintas,

dependeria delas; essas partes seriam antes

29

dele; sua essência seria o efeito dessas partes

distintas, e assim não seria absolutamente e

inteiramente o primeiro ser; mas ele é assim

(Isaías 44: 6): "Eu sou o primeiro, e eu sou o

último." Ele é o primeiro; nada é antes dele.

Considerando que, se ele tivesse partes

corporais, e finitas, isso se seguiria, Deus é

constituído das partes que não são Deus; e o

que não é Deus, está na ordem da natureza

antes daquilo que é Deus. Pelo que podemos ver

que se Deus não fosse um Espírito, ele não

poderia ser independente.

6. Se Deus não fosse um Espírito, ele não seria

imutável. Sua imutabilidade depende de sua

simplicidade. Ele é imutável em sua essência,

porque é um Ser espiritual puro e não

misturado. Tudo o que é composto de partes

pode ser dividido nessas partes, e resolvido em

partes distintas que compõem e constituem a

natureza. Tudo o que é composto é mutável em

sua própria natureza, embora nunca devesse

ser mudado. Adão, que era constituído de

corpo, alma e espírito, se ele estivesse em

inocência, não teria morrido; não haveria

separação entre sua alma e corpo, de seu

espírito, dos quais ele era constituído. No

30

entanto, em sua própria natureza, ele era

dissolúvel nessas partes distintas de que ele foi

composto; e assim os santos glorificados no

céu, depois da ressurreição, e feliz encontro de

seus espíritos e corpos em um novo nó

matrimonial, nunca serão dissolvidos; mas em

sua própria natureza são mutáveis e dissolúveis,

e não podem ser de outro modo, porque são

constituídos por partes tão distintas que podem

ser separadas em sua própria natureza, a menos

que sejam sustentadas pela graça de Deus: elas

são imutáveis pela vontade de Deus, não por

natureza. Deus é imutável tanto pela natureza

quanto pela vontade: como ele tem uma

existência necessária, então possui uma

imutabilidade necessária (Malaquias 3: 6), "Eu, o

Senhor, não mudo". Ele é tão imutável em sua

essência quanto em Sua veracidade e fidelidade:

são perfeições pertencentes à sua natureza.

Mas, se não fosse um Espírito puro, não poderia

ser imutável por natureza.

7. Se Deus não fosse um Espírito puro, não

poderia ser onipresente. Ele está no céu acima,

e na terra aqui embaixo; ele enche o céu e a

terra. A essência divina está ao mesmo tempo

no céu e na terra; mas é impossível que um

31

corpo possa estar em dois lugares ao mesmo

tempo. Como Deus está em toda parte, ele deve

ser espiritual. Se tivesse um corpo, não poderia

penetrar todas as coisas; ele seria circunscrito

no espaço. Ele não poderia estar em toda parte,

mas em partes, não no todo; um membro em

um lugar e outro em outro; porque ser

confinado a um lugar particular, é a propriedade

de um corpo; mas, como ele é difundido por

todo o mundo, mais alto que o céu, mais

profundo que o inferno, mais longo do que a

terra, mais amplo que o mar, ele não é limitado

por um corpo. Se ele tivesse um corpo com o

qual preenchesse o céu e a terra, não poderia

haver corpo além do seu próprio: é a natureza

dos corpos ligar-se e dificultar a extensão uns

dos outros. Dois corpos não podem estar no

mesmo lugar no mesmo ponto da terra: um

exclui o outro; e daí resultará que não somos

nada, nem substâncias, mera ilusão; não

poderia haver lugar para mais ninguém.

8. Se Deus não fosse um Espírito, ele não

poderia ser o ser mais perfeito. Quanto mais

perfeito é o número de criaturas, mais espiritual

e simples é, como o ouro é mais puro e perfeito

quando tem menos mistura de outros metais. Se

32

Deus não fosse um Espírito, haveria criaturas de

uma natureza mais excelente do que Deus,

como anjos e homens, que as Escrituras

chamam espíritos, em oposição aos corpos. Há

mais de perfeição na primeira noção de espírito

do que na noção de corpo. Deus não pode ser

menos perfeito do que suas criaturas, e

contribuir com uma excelência de ser para com

elas segundo a sua vontade.

Se os anjos e as almas tivessem tal excelência,

e se faltasse a Deus essa excelência, ele seria

menos do que suas criaturas, e a excelência do

efeito excederia a excelência da causa. Mas toda

criatura, mesmo a criatura mais elevada, está

infinitamente abaixo da perfeição de Deus; pois

a excelência que possuem é limitada; é apenas

uma centelha do sol - uma gota do oceano; mas

Deus é ilimitadamente perfeito, no modo mais

elevado, sem qualquer limitação; e portanto,

acima dos espíritos, dos anjos, das criaturas

mais elevadas que foram feitas por ele; tendo

uma sublimidade infinita, um ato puro, ao qual

nada pode ser acrescentado, do qual nada pode

ser tirado. "Nele há luz e nenhuma escuridão",

espiritualidade sem qualquer matéria, perfeição

sem sombra ou mancha de imperfeição. A luz

33

penetra em todas as coisas, preserva sua

própria pureza, e não admite nenhuma mistura

de qualquer outra coisa com ela. (Nota do

tradutor: nesta conta o apóstolo Tiago se refere

à essência de Deus da seguinte forma: “em

quem não há mudança nem sombra de

variação.”)

Pergunta. Pode-se dizer: Se Deus é um Espírito,

e é impossível que ele seja outro que não seja

um Espírito, como é dito de Deus tão

frequentemente nas Escrituras, ter membros

como nós temos em nossos corpos atribuídos a

Ele, não apenas uma alma, mas partes corporais

particulares como coração, braços, mãos, olhos,

ouvidos, rosto e tronco? E como é que ele nunca

é chamado de Espírito em palavras simples,

senão neste texto por nosso Salvador?

Resposta. É verdade que muitas partes do corpo

e afeições naturais da natureza humana são

relacionadas a Deus na Escritura bem como

nossas afeições: dor, alegria, ira, etc. Mas, deve

ser considerado,

1. Que isto está em condescendência com nossa

fraqueza. Deus, desejando manifestar-se ao

34

homem, que criou para a sua glória, humilha,

por assim dizer, a própria natureza de tais

representações que podem servir e auxiliar a

capacidade da criatura; já que, pela condição de

nossa natureza, nada erige uma noção de si

mesmo em nosso entendimento, senão como é

conduzido pelo nosso sentido. Deus serviu-se

das coisas que estão mais expostas ao nosso

senso, mais óbvias ao nosso entendimento,

para nos dar algum conhecimento de sua

própria natureza, e aquelas coisas de que de

outra forma não seríamos capazes de ter

qualquer noção acerca delas. Como nossas

almas estão ligadas com nossos corpos, assim

nosso conhecimento está ligado a nosso

sentido; que não podemos imaginar nada

primeiro, senão sob uma forma e uma figura

corpóreas, até que, com grande atenção ao

objeto, venhamos a fazer com a ajuda da razão

uma separação da substância espiritual da

fantasia corpórea e considerá-lo na sua própria

natureza.

Não somos capazes de conceber um espírito,

sem algum tipo de semelhança com algo abaixo

dele, nem entendemos as ações de um espírito,

sem considerar as operações de um corpo

35

humano em seus vários membros. Como as

glórias de outra vida nos são denotadas pelos

prazeres desta; assim a natureza de Deus, por

uma graciosa condescendência a nossas

capacidades, é denotada a nós por uma

semelhança à nossa própria natureza. Quanto

mais familiares forem as coisas para nós que

Deus usa para esse propósito, mais apropriadas

elas devem nos ensinar o que ele pretende por

elas.

2. Todas essas representações são para denotar

os atos de Deus, como elas têm alguma

semelhança com aqueles que executamos pelos

nossos membros e que ele atribui a Si mesmo.

De modo que os membros atribuídos a ele,

denotam suas operações visíveis para nós, do

que sua natureza invisível; e denotam que Deus

faz algumas obras como as que os homens

fazem com a ajuda dos órgãos de seus corpos.

Assim, a sabedoria de Deus é chamada de olho,

porque ele conhece com a sua mente o que

vemos com os nossos olhos. A eficiência de

Deus é chamada de sua mão e braço; porque

assim como agimos com as nossas mãos, assim

também Deus com o seu poder. As eficácias

divinas são denotadas por seus olhos e ouvidos,

36

que nós entendemos por sua onisciência; por

seu rosto, a manifestação de seu favor; pela sua

boca, a revelação da sua vontade; por suas

narinas, a aceitação de nossas orações; por suas

entranhas, a ternura de sua compaixão; por seu

coração, a sinceridade de seus afetos; por sua

mão, a força de seu poder; por seus pés, a sua

onipresença.

E nisso, ele pretende instruir e confortar: por

seus olhos, ele denota a sua vigilância sobre

nós; por seus ouvidos, sua prontidão para ouvir

os gritos dos oprimidos; por seu braço, seu

poder - um braço para destruir seus inimigos, e

um braço para aliviar seu povo. Todos esses são

atribuídos a Deus para denotar ações divinas,

que ele faz sem órgãos corporais como fazemos

com eles.

3. Considere também que somente aqueles

membros que são os instrumentos das ações

mais nobres e sob essa consideração são

usados por ele para representar uma noção dele

em nossas mentes. Tudo o que é perfeito e

excelente é atribuído a Ele, mas nada que se

aproxime de imperfeição. O coração é atribuído

a Ele, sendo o princípio das ações vitais, para

37

denotar a vida que Ele tem em si mesmo;

vigilantes e perspicazes, não sonolentos e

preguiçosos; uma boca para revelar a sua

vontade, e não para ingerir alimentos. Comer e

dormir nunca são atribuídos a Ele, nem aquelas

partes que pertencem à preparação ou

transmissão de alimento para as várias partes

do corpo, como estômago, fígado, ou intestinos

sob essa consideração, mas como eles são

denotativos de compaixão; mas somente essas

partes são atribuídas a ele por meio das quais

adquirimos conhecimento, como olhos e

ouvidos, os órgãos de aprendizagem e

sabedoria; ou para comunicá-los a outros, como

a boca, lábios, língua, como são instrumentos

da fala, não de degustação; ou as partes que

significam força e poder, ou pelo qual

realizamos as ações da caridade para o alívio

dos outros; o gosto e o tato, sentidos que não

se estendem mais longe do que às coisas

corpóreas, e que nunca são atribuídos a Ele.

4. Vale a pena considerar, se esta descrição de

Deus pelos membros de um corpo humano era

figurado para ser entendido, com respeito à

encarnação de nosso Salvador, que deveria

assumir a natureza humana, e todos os

38

membros de um corpo humano? Asafe, falando

na pessoa de Deus (Salmo 78: 1),"Eu abrirei a

minha boca em parábolas", em relação a Deus

deve ser entendido figurativamente, mas em

relação a Cristo, literalmente, a quem o texto é

aplicado (Mt 13:34, 35); e aquela aparição

(Isaías 6), que era a aparência de Jeová, é

aplicada a Cristo (João 12:40, 41). Depois do

relato da criação e da formação do homem,

lemos sobre Deus falando com ele, mas não

sobre a aparição de Deus, para ele em qualquer

forma visível. Uma voz pode ser formada no ar

para dar aviso ao homem de seu dever; alguma

forma de informação, ele deve ter as leis

positivas que ele deve observar, além da lei que

grava em sua natureza, que chamamos de lei da

natureza; e sem voz o conhecimento da vontade

divina não poderia ser tão convenientemente

comunicado ao homem. Embora Deus tenha

sido ouvido em uma voz, ele não foi visto em

uma forma; mas depois da queda várias vezes

lemos de sua aparição em determinada forma;

embora lemos sobre a sua fala antes da

comissão do pecado do homem.

"Embora Deus não quisesse que o homem

acreditasse que ele era corpóreo, julgou

39

oportuno dar alguns preceitos daquela

encarnação divina que ele havia prometido".

5. Portanto, não devemos conceber a Deidade

visível de acordo com a letra de tais expressões,

senão a verdadeira intenção delas. Embora a

Escritura fale de seus olhos e braços, contudo,

nega que sejam "braços de carne". Não devemos

conceber Deus de acordo com a letra, mas sim

com a descrição da metáfora. Quando ouvimos

coisas descritas por expressões metafóricas,

para as purificarmos à nossa imaginação, não as

concebemos sob essa vestidura, mas

removemos o véu por um ato de nossa razão.

Quando Cristo é chamado de sol, de videira, de

pão, não é tão estúpido conceber que ele seja

uma videira com ramos materiais, e cachos de

uva, ou seja da mesma natureza de um pão?

Mas, as coisas projetadas por tais metáforas são

óbvias à concepção de um entendimento médio.

Se concebêssemos Deus tendo um corpo como

um homem, porque ele se descreve assim,

podemos presumir que ele seja como um

pássaro, porque ele é mencionado com asas; ou

como um leão, ou leopardo, porque ele se

compara a eles nos atos de sua força e ira. Ele é

chamado uma rocha, um chifre, um fogo, para

40

denotar sua força e ira; se alguém fosse tão

insensato quanto a pensar que Deus fosse

realmente tal, eles o tornariam não só um

homem, mas pior que um monstro.

Aplicação: Se Deus é um puro ser espiritual,

então,

1. O homem não é a imagem de Deus, de acordo

com sua forma corporal externa e sua figura. A

imagem de Deus no homem não consistia no

que se vê, mas no que não se vê; não na

conformação dos membros, mas sim nas

faculdades espirituais; ou, acima de tudo, nas

doações sagradas dessas faculdades (Efésios

4:24): "e a vos revestir do novo homem, que

segundo Deus foi criado em verdadeira justiça e

santidade." A imagem que é restaurada pela

graça redentora, foi a imagem de Deus pela

natureza original. A imagem de Deus não pode

estar naquela parte que nos é comum com os

animais, mas sim naquela em que nos

destacamos de todas as criaturas vivas, na

razão, na compreensão e no espírito imortal.

Deus expressamente diz que ninguém "viu uma

semelhança" dele (Deuteronômio 4:15, 16); o

que não teria sido verdadeiro, se o homem, em

41

relação ao seu corpo, tivesse sido a imagem e

semelhança de Deus, pois então uma figura de

Deus tinha sido vista todos os dias, tantas vezes

quando vimos um homem ou nos vimos. O

argumento do apóstolo também não seria bom

(Atos 17:29), "Que a Divindade não é como a

pedra esculpida pela arte".

2. Se Deus é um Espírito puro, "é irracional

moldar qualquer imagem ou escultura de Deus".

Alguns pagãos têm sido mais sábios nisto do

que alguns cristãos; Pitágoras proibiu seus

estudiosos de gravar qualquer forma dele sobre

um anel, porque ele não era para ser

compreendido pelo sentido, mas concebido

apenas em nossas mentes: nossas mãos são tão

incapazes de modelá-lo, como nossos olhos

para vê-lo.

Os antigos romanos adoravam seus deuses

cento e setenta anos antes de qualquer

representação material deles; e os antigos

alemães idólatras achavam uma coisa perversa

representar Deus em forma humana; contudo,

alguns, e nenhum romanista, trabalham para

defender as imagens de Deus na semelhança de

uma imagem, porque ele não é representado na

42

Escritura. "Ele pode ser”, diz alguém, “concebido

assim em nossas mentes, em nosso sentido." Se

essa fosse uma boa razão, por que ele não pode

ser retratado como um leão, um chifre, uma

águia, uma rocha, já que está sob tais metáforas

sombreadas para nós? O mesmo fundamento

existe para um como para o outro. Embora o

homem seja uma criatura mais nobre, Deus não

tem mais o corpo de um homem do que o de

uma águia; e algumas perfeições em outras

criaturas representam algumas excelências em

sua natureza e ações que não podem ser

figuradas por uma forma humana, como força

pelo leão, rapidez e prontidão pelas asas do

pássaro. Mas Deus proibiu absolutamente que

se fizesse "qualquer imagem" de Deus e com

que ameaças terríveis (Êx 20.5): "Eu, o Senhor,

sou um Deus zeloso, que visito as iniquidades

dos pais nos filhos" E Deut 5: 8, 9. Depois que

Deus deu aos israelitas o mandamento, no qual

proíbe que houvesse outros deuses diante dele,

e tudo o que o representasse feito pela mão do

homem; por imagens ou qualquer semelhança

dele, seja por coisas no céu, na terra ou na água.

Quantas vezes ele revela sua indignação pelos

profetas, contra aqueles que se oferecem para

43

moldá-lo em uma forma de criatura! Esta lei não

era para servir a uma determinada dispensação,

ou para durar por um determinado tempo, mas

era uma declaração de sua vontade, invariável

em todos os lugares e todos os tempos; sendo

fundada sobre a natureza imutável de seu ser e,

portanto, agradável à lei da natureza, de outra

forma não cobrável sobre os pagãos; e,

portanto, quando Deus declarou sua natureza e

suas obras em uma majestosa eloquência, ele

exige deles: "A quem, pois, podeis assemelhar a

Deus? ou que figura podeis comparar a ele?"

(Isaías 40:18); onde poderiam encontrar

qualquer coisa que fosse uma imagem viva e

semelhança de sua infinita excelência?

Fundando-a na infinitude de sua natureza, que

necessariamente implica a espiritualidade dela,

Deus está infinitamente acima de qualquer

estátua; e aqueles que pensam em atrair a Deus

por um traço de lápis ou formá-lo pelas gravuras

da arte são mais estúpidos que as próprias

estátuas. Para mostrar a irracionalidade disso,

considere,

1. É impossível moldar qualquer imagem de

Deus. Se as nossas almas mais espaçosas não

conseguem captar a sua natureza, o nosso

44

sentido mais fraco não pode enquadrar a sua

imagem; é mais possível, dos dois,

compreendê-lo em nossas mentes, do que

moldá-lo em uma imagem por nosso sentido.

Ele habita a luz inacessível; como é impossível

para o olho do homem vê-lo, é impossível para

a arte do homem pintá-lo nas paredes, e esculpi-

lo em madeira, metal ou pedra. Ninguém o

conhece senão Ele a si mesmo, e assim ninguém

pode descrevê-lo. Podemos desenhar uma

figura de nossas próprias almas, e expressar

aquela parte de nós mesmos, em que somos

mais parecidos com Deus? Podemos estender

isto a qualquer figura corporal, e dividi-la em

partes?

Como podemos lidar assim com o original, de

onde foi tirado o primeiro rascunho de nossas

almas, e que é infinitamente mais espiritual do

que os homens ou anjos? Nenhuma coisa

corpórea pode representar uma substância

espiritual; não há nenhuma proporção na

natureza entre eles. Deus é um ser simples,

infinito, imenso, eterno, invisível, incorruptível;

uma estátua é um corpo composto, finito,

limitado, temporal, visível e corruptível.

45

Deus é um espírito vivo; mas uma estátua, não

vê, nem ouve, nem percebe nada. Mas, suponha

que Deus tivesse um corpo, é impossível moldar

uma imagem dele na verdadeira glória desse

corpo; pode a estátua de um excelente monarca

representar a majestade e o ar de seu

semblante, embora feito pelo maior escultor do

mundo? Se Deus tivesse um corpo em certa

medida adequado à sua excelência, seria

possível ao homem fazer uma imagem exata

dele, que não pode imaginar a luz, o calor, o

movimento, a magnitude e a propriedade

deslumbrante do sol?

2. Fazer quaisquer representações corpóreas de

Deus é indigno de Deus. É uma desgraça para

sua natureza. Quem pensa que uma imagem

carnal corruptível é adequada para uma

representação de Deus, não faz de Deus melhor

do que um ser carnal e um ser corpóreo. É uma

forma de degradar um anjo, que é uma natureza

espiritual, representá-lo em uma forma

corporal, que está tão distante de qualquer

carnalidade como o céu da terra; muito mais

degradar a glória da natureza divina pelos

lineamentos de um homem. Todo o estoque de

imagens é apenas uma mentira relativa a Deus

46

(Jer 10: 8, 14); uma doutrina de vaidades e

falsidade; ela o representa com uma veste falsa

ao mundo, e afunda sua glória na de uma

criatura corruptível. Ela prejudica a reverência

de Deus nas mentes dos homens, e por graus

pode depreciar as apreensões dos homens de

Deus, e ser um meio para fazê-los acreditar que

ele é tal como eles mesmos; e que não sendo

livre da figura, ele também não está livre das

imperfeições dos corpos.

As imagens corporais de Deus eram os frutos de

sua imaginação baixa; e como elas brotaram

deles, assim eles contribuem para uma maior

corrupção das noções da natureza divina: os

pagãos começaram suas primeiras

representações dele pela imagem de um homem

corruptível, então de pássaros, até que eles

desceram não só para quadrúpedes, mas para

répteis, como o apóstolo parece intimar em sua

enumeração (Romanos 1:23): teria sido mais

honrado ter continuado em representações

humanas dele, do que ter afundado tão baixo

como bestas e serpentes, embora o primeiro

tenha sido infinitamente indigno dele, ele sendo

mais acima de um homem, embora a criatura

mais nobre, do que o homem está acima de um

47

verme, um sapo, ou o ser mais desprezível

rastejante sobre a terra. Pensar que podemos

fazer uma imagem de Deus de um pedaço de

mármore, ou de um lingote de ouro, é uma

maior aversão dele, do que seria de um grande

príncipe, se você fosse representá-lo na estátua

de uma rã.

Quando os israelitas representavam Deus por

um bezerro, diz-se que "eles pecaram com um

grande pecado" (Êxodo 32:31): e o pecado de

Jeroboão, que pretendia apenas uma

representação de Deus pelos bezerros em Dã e

Betel, é chamado mais enfaticamente, "a

maldade de sua maldade", a própria escória da

maldade.

Como os homens debilitaram a Deus por isso,

assim Deus desprezou os homens por isso; ele

degradou os israelitas em cativeiro, sob o pior

de seus inimigos, e puniu os pagãos com

julgamentos espirituais, como imundícia

através das concupiscências de seus próprios

corações (Romanos 1:24); que é repetido outra

vez em outras expressões (verso 26, 27), como

recompensa da sua degradação da natureza

espiritual de Deus.

48

Se Deus tivesse sido como o homem, eles não o

teriam ofendido; mas digo isso, para mostrar

uma razão provável daquelas luxúrias vis que

estão no meio de nós, que têm sido

escassamente superadas por qualquer nação,

ou seja, as presunções indignas e não

espirituais de Deus, que são tanto uma

degradação dele, como imagens materiais eram

quando eram mais abundantes no mundo; e

pode ser também a causa de julgamentos

espirituais sobre os homens, como as imagens

de escultura eram a causa do mesmo sobre os

pagãos.

3. No entanto, isso é natural para o homem. Em

que podemos ver a contrariedade do homem

para com Deus. Embora Deus seja um Espírito,

contudo não há nada que o homem seja mais

propenso, do que representá-lo sob uma forma

corpórea. Os guias mais famosos do mundo

pagão o formaram, não só de acordo com as

imagens mais honradas dos homens, mas o

bestializaram na forma de um bruto. Os

egípcios eram notoriamente culpados dessa

brutalidade em adorar um boi como uma

imagem de seu Deus; e os filisteus, seu Dagon,

numa figura composta da imagem de uma

49

mulher e de um peixe: tais representações eram

antigas nas partes orientais.

Os deuses de Labão, que ele acusou Jacó de

roubar dele, são supostos serem pequenas

figuras de homens. Tal era o bezerro de ouro

dos israelitas; sua adoração não foi terminada

na imagem, mas eles adoraram o verdadeiro

Deus sob essa representação; não podiam ser

tão brutos como para chamar um bezerro de

seu libertador, e dar-lhe um título tão grande

("Estes são os teus deuses, ó Israel, que te

tiraram da terra do Egito" (Ex 32: 4): Ou o que

eles sabiam que pertencia ao verdadeiro Deus,

"o Deus de Abraão, Isaque e Jacó." Eles sabiam

que o bezerro era formado de seus brincos, mas

o tinham consagrado a Deus como uma

representação dele; embora escolhessem a

forma do ídolo egípcio, sabiam que Apis, Osíris

e Isis, os deuses dos egípcios eram adorados

nessa figura, e não haviam feito sua redenção

da escravidão, mas teriam usado sua força, se

tivessem sido possuídos de alguma, para

mantê-los sob o jugo, em vez de libertá-los dele;

a festa que eles celebraram diante dessa

imagem, é chamada por Arão, a festa do Senhor

(Êxodo 32: 5); uma festa para Jeová, o nome

50

incomunicável do criador do mundo; é evidente,

portanto, que tanto o sacerdote quanto o povo

fingiam servir ao verdadeiro Deus, não uma

falsa divindade do Egito; mas do Deus, que os

tinha resgatado do Egito, com uma poderosa

mão, dividiu o Mar Vermelho diante deles,

destruiu seus inimigos, conduziu-os, alimentou-

os por milagre, falou-lhes do Monte Sinai e

espantou-os por seus trovões e relâmpagos.

E com isso, representando Deus por essa

imagem, eles são acusados pelo Salmista (Salmo

106: 19, 20), "eles fizeram um bezerro em

Horebe, e mudaram sua glória em semelhança

de um boi que come erva". Glória, isto é, Deus,

a glória de Israel; de modo que tomaram esta

figura para a imagem do verdadeiro Deus de

Israel, seu próprio Deus; não o Deus de

qualquer outra nação no mundo. Jeroboão não

pretendia outra coisa por seus bezerros, senão

que fossem símbolos da presença do Deus

verdadeiro; em vez da arca e do propiciatório

que permaneceu entre os judeus em Jerusalém.

Vemos a inclinação de nossa natureza na prática

dos israelitas; um povo escolhido do mundo

inteiro para carregar o nome de Deus e

51

preservar a sua glória; e que as imagens de

Deus foram tão cedo estabelecidas na igreja

cristã; e até hoje, o quadro de Deus, na forma

de um homem velho, é visível no templo dos

romanistas. É propenso à natureza do homem:

4. Representar Deus por uma imagem corpórea;

e adorá-lo em e por essa imagem, é idolatria.

Embora os israelitas não reconhecessem o

bezerro como sendo Deus, nem pretendiam

adorar a nenhuma das divindades egípcias por

ele; mas adoravam a Deus nele, que tão recente

e milagrosamente os livrara de uma cruel

servidão; e não podia, em razão natural, julgá-

lo revestido de uma forma corporal, muito

menos como um boi que come erva; contudo, o

apóstolo traz não menos uma acusação contra

eles do que a da idolatria (1 Coríntios 10: 7); ele

os chama de idólatras, que antes daquele

bezerro faziam festa a Jeová, citando Ex. 32: 5.

Suponhamos que pudéssemos fazer tal imagem

de Deus como poderia perfeitamente

representá-lo; ainda que Deus o tenha proibido,

seremos mais sábios do que Deus? Ele se

manifestou suficientemente em suas obras sem

imagens: Ele é visto nas criaturas, mais

particularmente nos céus, que declaram sua

52

glória. Suas obras são representações mais

excelentes dele, como sendo as obras de suas

próprias mãos, do que qualquer coisa que seja

o produto da arte do homem.

Sua glória brilha nos céus, sol, lua e estrelas,

como sendo magníficas partes de sua sabedoria

e poder; contudo, o beijar a mão ao sol ou aos

céus, como representantes da excelência e

majestade de Deus, é idolatria nas Escrituras e

a negação de Deus; a prostituição da glória de

Deus a uma criatura. Ou o culto é terminado na

própria imagem, e então é confessado por todos

ser idolatria, porque é tributar a uma criatura o

que é o único direito de Deus, ainda que não

terminado na imagem, senão no objeto

representado por ela; é então uma coisa tola;

podemos também terminar nossa adoração

sobre o verdadeiro objeto sem uma imagem.

Uma estátua erguida não é sinal ou símbolo da

presença especial de Deus, como a arca, o

tabernáculo, o templo. Não faz parte da

instituição divina; não tem autoridade de um

comando para apoiá-lo; nenhuma promessa

para incentivá-lo; e a imagem está infinitamente

distante de, e abaixo da majestade e

espiritualidade de Deus, e assim, não pode

53

constituir um objeto de adoração com ele.

Colocar um caráter religioso sobre qualquer

imagem formada pela imaginação corrupta do

homem, como uma representação da divindade

invisível e espiritual, é pensar que a divindade é

como a prata e o ouro, ou a pedra esculpida pela

arte e pelo dispositivo do homem.

III. A doutrina nos dirigirá em nossas

concepções de Deus, como um Espírito puro e

perfeito, do qual nada pode ser imaginado mais

perfeito, mais puro, mais espiritual.

1. Não podemos ter uma concepção mais

adequada de Deus: Ele habita em luz Inacessível

à agudeza de nossa fantasia, assim como à

fraqueza do nosso sentido. Se pudéssemos ter

pensamentos dele, tão elevados e excelentes

quanto sua natureza, nossas concepções

deveriam ser tão infinitas quanto sua natureza.

Todas as nossas imaginações dele não podem

representá-lo, porque toda espécie criada é

finita; não pode, portanto, representar para nós

uma noção plena e substancial de um Ser

infinito. Não podemos falar ou pensar

dignamente dele, que é maior do que nossas

palavras, mais vasto do que nosso

54

entendimento. Tudo o que falamos ou

pensamos de Deus, é entregue primeiro a nós

pelo aviso que temos de alguma perfeição na

criatura, e explica-nos alguma excelência

particular de Deus, em vez da plenitude de sua

essência.

Nenhuma criatura, nem todas as criaturas

juntas, podem nos fornecer uma noção tão

magnífica de Deus, para nos dar uma visão clara

dele. Contudo, Deus, em sua Palavra, tem

prazer em descer abaixo de sua própria

excelência, e nos apontar para as excelências

em suas obras, pelas quais podemos ascender

ao conhecimento das excelências que estão em

sua natureza. Mas, as criaturas, de onde tiramos

nossas lições, sendo finitas, e nosso

entendimento sendo finito, é totalmente

impossível ter uma noção de Deus proporcional

à imensidão e espiritualidade de seu ser.

"Deus não é como as criaturas visíveis, nem há

qualquer proporção entre ele e o mais

espiritual." Não podemos ter uma noção

completa de uma natureza espiritual, muito

menos podemos ter de Deus, que é um Espírito

acima dos espíritos. Nenhum espírito pode

55

claramente representá-lo: os anjos são limitados

em sua extensão, finitos em seu ser, e de uma

natureza mutável. No entanto, embora não

possamos ter uma concepção adequada de

Deus, não devemos contentar-nos em ficar sem

qualquer concepção dele. É nosso pecado não

se esforçar para ter uma verdadeira noção dele;

é o nosso pecado descansar em uma noção

média e baixa dele, quando a nossa razão nos

diz que somos capazes de ter uma maior: mas

se subimos o mais alto que pudermos, embora

não tenhamos uma noção adequada dele, este

não é o nosso pecado, mas a nossa fraqueza.

Deus é infinitamente superior às concepções

mais escolhidas, não só de um pecador, mas de

uma criatura. Se todas as concepções de Deus

abaixo da verdadeira natureza de Deus fossem

pecado, não haveria um anjo santo no céu livre

do pecado; porque, embora sejam as criaturas

mais dotadas, não podem ter tal noção de um

Ser infinito que seja plenamente adequada à sua

natureza, a menos que fossem infinitos como

ele mesmo é.

2. Contudo, não devemos conceber Deus sob

uma forma humana ou corpórea; e já que não

podemos ter concepções suficientemente

56

honrosas para sua natureza, devemos ter

cuidado para não entretermos qualquer

concepção que possa degradar sua natureza;

embora não possamos compreendê-lo como ele

é, devemos ter cuidado para não imaginar que

ele seja o que ele não é.

É uma coisa vã concebê-lo com linhagens

humanas; devemos pensar mais alto do que

atribuir a ele uma forma tão medíocre que

neguemos sua espiritualidade quando o

imaginamos sob essa forma. Ele é espiritual, e

entre o que é espiritual e o que é corpóreo, não

há semelhança. Na verdade, Daniel viu Deus

numa forma humana (Dn 7.9): "O Ancião de dias

se assentou, cuja veste era branca como a neve,

e os cabelos da sua cabeça como lã pura". Ele é

descrito como chegando ao julgamento; não é

provavelmente Cristo, porque Cristo (ver 13) é

chamado de Filho do Homem que se aproxima

do Ancião de dias. Esta não é a forma

apropriada de Deus, pois ninguém viu a sua

forma. Era uma visão em que tais

representações eram feitas, como foram

acomodadas ao sentido interior de Daniel;

Daniel viu-o em um arrebatamento ou êxtase,

em que os sentidos externos são inúteis. Deus

57

é descrito, não como ele é em si mesmo, de uma

forma humana, mas em relação à sua aptidão

para julgar: "branco", observa a pureza e

simplicidade da natureza Divina; "Ancião de

dias", em relação à sua eternidade; "Cabelo

branco", no que diz respeito à sua prudência e

sabedoria, que é mais eminente em idade do

que a juventude, e mais apto a discernir causas

e distinguir entre o certo e o errado. As visões

são enigmas, e não devem ser compreendidas

em um sentido literal.

Devemos vigiar certas concepções de Deus. Vãs

imaginações facilmente nos infestam; em

noções erradas sobre a Majestade Divina.

Somos muito aptos a criar um deus como nós;

devemos, portanto, olhar para tais

representações de Deus, como acomodadas à

nossa fraqueza: e não mais pensá-las como

sendo descrições literais de Deus, como ele é

em si mesmo, do que vamos pensar da imagem

do sol na água, como sendo o verdadeiro sol

nos céus. Podemos, de fato, conceber Cristo

como homem, que tem no céu a vestimenta de

nossa natureza, e é Deus, embora não

possamos conceber a divindade sob uma forma

humana.

58

1. Ter tal fantasia é desprezar a Deus. Uma

fantasia corpórea de Deus é tão ridícula em si

mesma, e tão prejudicial para Deus como uma

estátua de madeira. Os caprichos da nossa

imaginação são muitas vezes mais misteriosos

do que as imagens que são as obras de arte; é

irreligioso medir a essência de Deus por nosso

pensamento, suas perfeições por nossas

imperfeições, medir seus pensamentos e ações

pela fraqueza e indignidade dos nossos. Isto é

limitar uma essência infinita, e puxá-la para

baixo por nossas medidas escassas, e tornar o

que é incontestavelmente acima de nós, igual a

nós. É impossível que possamos conceber Deus

segundo a maneira de um corpo, mas devemos

levá-lo à proporção de um corpo que diminua a

sua glória e rebaixe-o da dignidade de sua

natureza. Deus é um Espírito puro, não tem

nada da natureza e da tintura de um corpo.

Quando os homens representam Deus como

eles mesmos em sua natureza corpórea, logo

farão um progresso, e atribuir-lhe-ão a sua

natureza corrupta; e enquanto o vestem com

seus corpos, investem-no também nas

enfermidades deles. Deus é um Deus zeloso,

muito sensível a qualquer desgraça, e ficará tão

59

enfurecido contra uma idolatria interior como

exterior: aquele mandamento que proíbe

imagens corpóreas, não permitiria a imaginação

carnal; já que a natureza de Deus é tão

injustiçada por imagens indignas, erguidas na

fantasia, como por estátuas esculpidas em

pedra ou metais: uma, assim como a outra, é

um abandono do nosso verdadeiro cônjuge e

cometer adultério; um com uma imagem

material, e o outro com uma noção carnal de

Deus. Visto que Deus é humilhado diante de

nossas apreensões, não devemos rebaixá-lo

pensando que ele é aquilo em sua natureza, que

o faça ser apenas uma semelhança de nós

mesmos.

2. Ter tais fantasias de Deus, obstrui e polui

nossa adoração a ele. Como é possível dar-lhe

uma adoração correta, da qual temos uma

noção tão degradante? Nunca pensaremos em

uma divindade corporal digna de uma dedicação

de nossos espíritos. Muitos dos pagãos mais

sábios não julgaram suas estátuas como seus

deuses, ou seus deuses para serem como suas

estátuas; mas adequava-os a seus projetos

políticos; e julgavam uma boa invenção para

manter as pessoas dentro dos limites da

60

obediência e devoção, por tais figuras visíveis

deles, o que poderia imprimir uma reverência e

medo desses deuses sobre eles, mas estas são

medidas falsas; pois um Deus desprezado e

subestimado não é objeto de petição ou afeto.

Quem se dirigiria seriamente a um Deus de

quem ele tem poucas apreensões?

3. Embora não devamos conceber Deus, como

de uma forma humana ou corpórea; todavia,

não podemos pensar em Deus, sem alguma

reflexão sobre nosso próprio ser. Não podemos

concebê-lo como um ser inteligente, mas

devemos fazer alguma comparação entre ele e

nossa própria natureza para chegar a um

conhecimento dele. Uma vez que estamos

encerrados em corpos, nada apreendemos

senão o que vem pelo sentido, e o que nós, de

alguma forma, medimos por objetos sensíveis.

E na consideração daquelas coisas que

desejamos abstrair dos sentidos, estamos

dispostos a usar o auxílio das coisas sensíveis e

visíveis; e, portanto, quando enquadrarmos a

noção mais elevada, haverá alguma semelhança

de alguma coisa corpórea em nossa mente; e

embora nós espiritualizássemos nossos

pensamentos, e visássemos a um entendimento

61

mais abstraído e elevado, contudo haveria

alguns resquícios da matéria que penetra as

nossas concepções; e ainda assim, julgaríamos

por argumento e raciocínio, o que seja o objeto

que pensamos sob essas imagens materiais.

Uma imagem corpórea nos seguirá, como a

sombra segue o corpo. Enquanto estamos no

corpo e rodeados de matéria carnal, não

podemos pensar nas coisas sem alguma ajuda

das representações corpóreas: algo de sentido

se interporá em nossas mais puras concepções

de coisas espirituais; porque as faculdades que

servem para a contemplação, ou são corpóreas,

como o sentido e fantasia, ou assim aliado a

eles, que nada passa para eles, exceto pelos

órgãos do corpo; de modo que há uma

inclinação natural a não figurar nada senão sob

uma noção corpórea, até que por uma aplicação

atenta da mente e da razão ao objeto pensado,

separemos o que é corporal do que é espiritual

e, gradualmente, ascendemos àquela

verdadeira noção daquilo em que pensamos, e

teremos uma concepção apropriada em nossa

mente. Por conseguinte, Deus tempera a

declaração de si mesmo à nossa fraqueza e à

condição de nossa natureza. Ele condescende à

62

nossa pequenez e estreiteza, quando se declara

pela semelhança de membros corporais. À

medida que a luz do sol é temperada e se

difunde em nosso sentido pelo ar, para que

nossos fracos olhos não fiquem muito

deslumbrados com ele; sem ela não poderíamos

saber ou julgar o sol, porque não poderíamos

usar nosso sentido, que devemos ter antes de

podermos julgá-lo em nosso entendimento;

portanto, não somos capazes de conceber seres

espirituais na pureza de sua própria natureza,

sem tal temperamento, e tais sombras para levá-

los em nossas mentes.

E, portanto, encontramos que o Espírito de Deus

se acomoda a nossas capacidades limitadas e

usa tais expressões de Deus que são adequadas

para nós neste estado de carne em que estamos.

E, portanto, porque não podemos apreender

Deus na simplicidade de seu próprio ser, e sua

essência indivisa, ele descreve as

representações de si mesmo de várias criaturas

e várias ações dessas criaturas: como às vezes

ele diz estar zangado, andar, sentar, voar; não

que devamos descansar em tais concepções

dele, mas tomar a nossa elevação a partir deste

fundamento, e tais perfeições nas criaturas,

63

para montar um conhecimento da natureza de

Deus por esses vários passos, e concebê-lo por

essas excelências divididas, porque não

podemos concebê-lo na pureza de sua própria

essência.

Não podemos pensar ou falar de Deus, a menos

que lhe transfiramos os nomes das perfeições

criadas; contudo, devemos concebê-los de uma

maneira mais elevada quando os aplicamos à

natureza divina, do que quando os

consideramos formalmente nas diversas

criaturas, excedendo as perfeições e

excelências que estão na criatura. Como se diz,

embora não possamos compreender Deus sem

a ajuda de tais semelhanças, contudo podemos,

sem fazer uma imagem dele; de modo que

nossa incapacidade exclua as apreensões dele

que de qualquer maneira ofendam a sua

natureza Divina. Estas não são noções tão

diferentes da natureza de Deus como a fraqueza

do homem. São ajudas para nossas meditações,

mas não devem ser concepções formais dele.

Nossa razão nos diz que tudo o que é um corpo

é limitado; e a noção de infinitude e

corporeidade, não podem concordar e consistir

em conjunto: e, portanto, o que é oferecido por

64

nossa fantasia deve ser purificado por nossa

razão.

4. Portanto, devemos elevar e refinar todas as

nossas noções de Deus, e espiritualizar nossas

concepções sobre ele. Todo homem deve ter

uma concepção de Deus; portanto, ele deve ter

uma elevação mais alta. Uma vez que não

podemos ter uma noção completa dele,

devemos nos esforçar para torná-lo tão elevado

e puro quanto possível. Embora não possamos

conceber Deus, senão em algumas

representações corpóreas ou imagens em

nossas mentes que estarão conversando

conosco, como motes no ar quando olharmos

para os céus, mas nossas concepções podem e

devem se elevar mais. Como quando vemos o

esboço dos céus e da terra em um globo, ou um

reino em um mapa, isto ajuda nossas

concepções, mas não as levam a um termo de

perfeição. Assim, devemos procurar refinar

cada representação de Deus, elevá-las cada vez

mais alto, e ter nossas apreensões ainda mais

purificadas; separando o perfeito do imperfeito,

afastando um, e engrandecendo o outro;

concebê-lo como sendo um Espírito difundido

por todos, contendo tudo, percebendo tudo.

65

Todas as perfeições de Deus estão infinitamente

elevadas acima das excelências das criaturas;

acima de tudo que possa ser concebido pela

compreensão mais clara e mais penetrante.

A natureza de Deus como um Espírito é

infinitamente superior a tudo o que podemos

conceber perfeito na noção de um espírito

criado. Tudo o que Deus é, ele é infinitamente

assim: é sabedoria infinita, bondade infinita,

conhecimento infinito, poder infinito, Espírito

infinito; Infinitamente distante da fraqueza das

criaturas, infinitamente elevado acima das

excelências das criaturas: tão fácil de ser

conhecido que ele é, como impossível de ser

compreendido o que ele é. Considere-o

excelente, sem qualquer imperfeição; um

Espírito sem partes; grande sem quantidade;

perfeito em toda parte sem lugar; poderoso sem

membros; entendimento sem ignorância; sábio

sem raciocínio; Luz sem escuridão;

infinitamente mais excelente que a beleza de

todas as criaturas, do que a luz no sol, pura e

não violada, excede o esplendor do sol disperso

e dividido através de um ar nebuloso e

enevoado: e quando você tem subido ao mais

alto, conceba-o ainda infinitamente acima de

66

tudo o que você pode conceber de espírito, e

reconhecer a fraqueza de sua própria mente. E

qualquer concepção que venha em sua mente,

diga: este não é Deus; Deus é mais do que isto:

se eu pudesse concebê-lo, ele não seria Deus;

pois Deus é incompreensivelmente acima de

tudo o que posso dizer, tudo o que eu posso

pensar e conceber dele.

Inferência 1. Se Deus é um Espírito, nenhuma

coisa corpórea pode contaminá-lo. Alguns

trazem um argumento contra a onipresença de

Deus, que é um descrédito para a essência

Divina estar em toda parte, em casas

desagradáveis, assim como belos palácios e

templos decorados. Que lugar pode contaminar

um espírito? É a luz, que se aproxima da

natureza do espírito, poluída por brilhar sobre

um monturo, ou um raio de sol manchado pela

lama em um pântano? Um anjo entrando numa

prisão desagradável para livrar a Pedro? O que

pode o pior vapor do corpo fazer para poluir a

natureza espiritual de Deus? Como ele é "de

olhos mais puros do que para contemplar a

iniquidade", ele é de uma substância mais

espiritual do que para contrair qualquer

poluição física dos lugares onde ele penetra.

67

Nosso Salvador, que tinha um corpo verdadeiro,

derivava qualquer mancha dos leprosos que ele

tocava, das doenças que ele curou ou dos

demônios que ele expulsou? Deus é um Espírito

puro e corpos só recebem contaminação de

corpos.

Inferência 2. Se Deus é um Espírito, ele é ativo e

comunicativo. Ele não está obstruído pela

matéria pesada e lenta, que é causa de impureza

e inatividade. Quanto mais sutil, fina e

aproximando-se mais perto da natureza de um

espírito, qualquer coisa, mais difusiva ela é. O

ar é uma substância deslizante; se espalha por

todas as regiões, penetra em todos os corpos;

enche o espaço entre o céu e a terra. A luz, que

é um emblema do espírito, insinua-se em todos

os lugares, e sobre todas as coisas. À medida

que os espíritos estão mais cheios, eles são

mais transbordantes, mais penetrantes, mais

operacionais do que os corpos. Os cavalos

egípcios eram coisas fracas, porque eram

"carne, e não espírito." A alma sendo um

espírito, transmite mais para o corpo do que o

corpo pode para ela. O que um espírito tão

grande não pode fazer por nós? O que não pode

um tão grande espírito trabalhar em nós? Deus,

68

sendo um espírito acima de todos os espíritos,

pode penetrar no centro de todos os espíritos;

fazer o seu caminho para os recantos mais

secretos; carimbar o que lhe agrada. Não é mais

difícil para ele transformar nossos espíritos, do

que fazer um deserto tornar-se em águas, e

tornar um caos em um belo quadro do céu e da

terra. Ele pode agir em nossas almas com

infinita facilidade do que nossas almas podem

agir em nossos corpos; ele pode fixar em nós

movimentos e inclinações segundo lhe agrade;

ele pode vir e estabelecer em nossos corações

todos os seus tesouros.

É um encorajamento confiar nele, quando lhe

pedimos bênçãos espirituais: como ele é um

espírito, ele é possuído de "bênçãos espirituais".

Um espírito se deleita em conceder coisas

adequadas à sua natureza, como os corpos

fazem para comunicar o que é agradável a eles.

Como ele é um Pai de espíritos, podemos ir a ele

para o bem-estar de nossos espíritos; ele sendo

um Espírito, é tão capaz de restaurar os nossos

espíritos como ele foi para criá-los. Como ele é

um Espírito, ele é infatigável em agir. Os

membros do corpo cansam; mas quem já ouviu

falar de uma alma cansada em ser ativa? Quem

69

já ouviu falar de um anjo cansado? Na mais pura

simplicidade, há o maior poder, a bondade mais

eficaz, a justiça mais atingível para afetar o

espírito, que pode insinuar-se em qualquer

lugar para punir a maldade sem cansaço, bem

como para confortar com bondade. Deus é

ativo, porque ele é espírito; e se formos

semelhantes a Deus, quanto mais espirituais

somos, mais ativos seremos.

Inferência 3. Deus, sendo um Espírito, é imortal.

Seu ser imortal, e ser invisível, são unidos. Os

Espíritos são, na sua natureza, incorruptíveis;

eles só podem perecer por aquela mão que os

moldou. Cada coisa composta está sujeita a

mutação; mas Deus, sendo um espírito puro e

simples, está sem corrupção, sem sombra de

mudança. Onde há composição, há algum tipo

de repugnância de uma parte contra a outra; e

onde há repugnância, há uma capacidade de

dissolução. Deus, em relação à espiritualidade

infinita, não tem nada em sua própria natureza

contrário a ela; não pode ter em si nada que não

seja ele mesmo. O mundo perece; os amigos

mudam e são dissolvidos; corpos enfraquecem

porque são mutáveis. Deus é um Espírito na

mais alta excelência e glória dos espíritos; nada

70

está além dele; nada acima dele; nenhuma

contrariedade dentro dele. Este é o nosso

conforto, se nos dedicarmos a ele; este Deus é

nosso Deus; este Espírito é o nosso Espírito;

este é o nosso todo, nosso imutável, nosso

apoio incorruptível; um Espírito que não pode

morrer e nos deixar.

Inferência 4. Se Deus é um Espírito, vemos como

podemos apenas conversar com ele pelos

nossos espíritos. Corpos e espíritos não são

adequados um ao outro: só podemos ver,

conhecer, abraçar um espírito com nossos

espíritos. Ele não considera nossas ações

corpóreas, nem nossas devoções externas com

nossas máscaras e disfarces: ele fixa seu olho

na condição do coração, inclina seu ouvido para

os gemidos de nossos espíritos. Ele não está

satisfeito com a pompa exterior. Ele não é um

corpo; portanto, a beleza dos templos, a

delicadeza dos sacrifícios, a fumaça do incenso,

não lhe agradam; pois, por qualquer ação

externa, não temos comunhão com ele. Um

espírito, quando quebrantado, é seu sacrifício

deleitável; devemos, portanto, ter nossos

espíritos adequados para ele, "renovados no

espírito de nossas mentes", para que possamos

71

estar em uma postura para viver com ele, e ter

relações com ele. Nós nunca podemos estar

unidos a Deus, senão em nossos espíritos.

Corpos se unem com corpos, espíritos com

espíritos. Quanto mais espirituais forem as

coisas, tanto mais elas se unirão. O ar tem a

união mais próxima; nada se reúne mais cedo

do que ele, quando as partes são divididas pela

interposição de um corpo.

Inferência 5. Se Deus é um Espírito, somente ele

pode ser a verdadeira satisfação de nossos

espíritos. O espírito só pode ser preenchido com

espírito: o conteúdo flui de semelhança e

adequação. Como temos uma semelhança com

Deus em relação à nossa natureza espiritual,

assim não podemos ter satisfação senão nele. O

espírito não pode mais ficar satisfeito com o que

é corpóreo, do que um animal pode se deleitar

na companhia de um anjo. Coisas corporais não

podem mais saciar um espírito faminto, do que

o espírito puro pode alimentar um corpo

faminto. Somente Deus, o Espírito mais elevado,

pode alcançar um conteúdo total para os nossos

espíritos. O homem é o senhor da criação: nada

abaixo dele pode ser apto para o seu conversar;

nada acima dele se oferece para a sua

72

comunhão, senão Deus. Não temos

correspondência com anjos. A influência que

têm sobre nós, a proteção que nos

proporcionam, é secreta e desconsiderada; mas

Deus, o Espírito supremo, se oferece a nós em

seu Filho, em suas ordenanças, é visível em toda

criatura, se apresenta a nós em toda

providência; a ele devemos procurar; nele

devemos descansar. Deus não teve descanso da

criação até que ele fez o homem; e o homem

não pode descansar na criação até descansar

em Deus.

Somente Deus é a nossa morada; nossas almas

devem somente ansiar por ele: nossas almas só

devem esperar por ele. O espírito do homem

nunca se eleva à sua glória original, até que ele

seja levado nas asas da fé e do amor à sua cópia

original. O rosto da alma parece mais belo,

quando se volta para o rosto de Deus, o Pai dos

espíritos; quando o espírito derivado é fixado

sobre o Espírito original, tirando dele vida e

glória. Somente o Espírito é o receptáculo do

espírito. Deus, como Espírito, é o nosso

princípio; devemos, portanto, viver nele. Deus,

como Espírito, tem alguma semelhança conosco

73

como sua imagem; devemos, portanto, apenas

satisfazer-nos nele.

Inferência 6. Se Deus é um Espírito, devemos

cuidar daquilo em que somos semelhantes a

Deus. O espírito é mais nobre do que o corpo;

devemos, portanto, valorizar nossos espíritos

acima de nossos corpos. A alma, como espírito,

participa mais da natureza divina, e merece

mais de nossos cuidados escolhidos. Se

tivermos algum amor por este Espírito, teremos

um verdadeiro afeto aos nossos próprios

espíritos, como tendo um selo da Divindade

espiritual, a mais importante de todas as obras

de Deus; como se diz de beemote em Jó 40:19.

O que for mais a imagem desse espírito imenso,

deve ser amado por nós, assim como Davi

chama sua alma de predileta no Salmo 35:17.

Devemos cuidar daquilo em que não

participamos de Deus, e não nos deleitarmos

com a joia que tem a Sua própria assinatura

nela? Deus não é apenas o Emoldurador dos

espíritos, e o Fim dos espíritos; mas o Exemplo

dos espíritos. Deus não participa de

corporeidade; ele é puro Espírito. Mas, como

agimos, como se fôssemos apenas matéria e

corpo! Temos pouca bondade para este grande

74

Espírito, assim como o nosso próprio, se não

tomarmos cuidado de sua ascendência

imediata, já que ele não é apenas Espírito, mas

Pai dos espíritos.

Inferência 7. Se Deus é um Espírito, prestemos

atenção aos pecados espirituais. Paulo distingue

entre a impureza da carne e a do espírito. Pelo

que contaminamos o corpo; pelo outro,

contaminamos o espírito, que, pela sua

natureza, é parente do Criador. A pessoa errada

que está perto de parentesco com um príncipe,

o fere mais do que um sujeito inferior. Quando

fazemos de nossos espíritos, que são mais

parecidos com Deus em sua natureza, e

enquadrados de acordo com sua imagem, um

palco para vãs imaginações, desejos perversos

e afeições impuras, erramos em relação a Deus

na excelência de sua obra e erramos naquela

parte onde ele marcou o caráter mais sinônimo

de sua própria natureza espiritual;

contaminamos aquilo pelo qual só conversamos

com ele como um Espírito, que ele ordenou mais

imediatamente para representá-lo nesta

natureza, do que todas as coisas corpóreas do

mundo podem fazer, e fazer com que o Espírito

com quem desejamos ser unidos não seja apto

75

para tal propósito. A espiritualidade de Deus é

a raiz de suas outras perfeições. Já ouvimos

dizer que ele não poderia ser infinito,

onipresente, imutável, sem ela. Os pecados

espirituais são a maior raiz de amargura dentro

de nós. Como a graça nos nossos espíritos nos

torna mais semelhantes a um Deus espiritual,

assim os pecados espirituais nos levam a uma

conformidade com um diabo degradado. Os

pecados carnais nos transformam de homens

em brutos, e os pecados espirituais nos

despojam da imagem de Deus para a imagem

de Satanás. Não devemos de modo algum fazer

dos nossos espíritos um monturo, que lhes tire

o caráter da natureza espiritual de Deus. Vamos,

portanto, comportar-nos para com Deus em

todos os caminhos que a natureza espiritual de

Deus nos exige.