SOBRE A POLÊMICA DAS SACOLAS PLÁSTICAS NO...
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Sumário 02-03
Editorial 04
SOBRE A POLÊMICA DAS SACOLAS PLÁSTICAS NO MERCADO:
MITO E REALIDADE II
05
UMA PONTE NA LOCALIDADE DE PEIXE BOI ―GUARAPES‖, PRI-
MEIRAS FALAS DE ALGUMAS PROPOSTAS QUE ENCONTREI
07
A QUEM INTERESSA ESTIMULAR O ÓDIO E INCITAR A VIOLÊN-
CIA?
08
ENTREVISTA: CIENTISTA POLÍTICO HOMERO COSTA 11
PEGADAS NO CAMINHO 18
INFLUÊNCIA DO CAPITALISMO NA PRIMEIRA INFÂNCIA: CONSU-
MISMO E EXPOSIÇÃO
19
RÁPIDA ANÁLISE DO POEMA ―XVIII‖ (POEMAS MALDITOS, GO-
ZOSOS E DEVOTOS) DE HILDA HILT
26
A ESCOLHA 28
A TRAJÉDIA DOS IMIGRANTES, OS ÓRFÃOS DA PRIMAVERA
ÁRABE
30
―IDEOLOGIA DE GÊNERO‖ E O DELÍRIO CONSERVADOR NO
BRASIL HOJE
33
Cinema: Com Angelo Giroto - UMA ONDA NO AR 37
CRISE DAS INSTITUIÇÕES REPRESENTATIVAS 39
A ARTE E SUAS LIÇÕES SOBRE COMO SE LIBERTAR DOS GRI-
LHÕES CONCEITUAIS
41
MARIA CUNHAÚ 44
ECLIPSE DE SUPER LUA: AFETO E VIVER AMOR 46
CASCUDEANDO 48
SEMENTE DO BEM 50
Sarau — Poemas de Autores regionais, Nacionais e Mundiais 54
Revista de Circulação bimensal.
É uma publicação integrante do
site: WWW.VIRTUALCULT.COM.BR.
Envio de Artigos:
A Re v i s ta Ku ku ka ya n ã o se re s-
p o n sa b i l i za p o r con ce i to s e m i t i -
d o s e m a r t i g o s a ss i n a d o s , b e m
co mo q u a l q u er o p in i ão ma n i fe s -
ta n o s a r t i g o s pu b l i ca do s , se n do
n e s te ca so d e i n te i ra r e sp o n sa-
b i l i da d e d o s se u s a u to re s . Re -
g ra s p a ra e n v i o d e a r t i go s ve j a
n a Op çã o : Re v i s ta Ku ku ka ya /
No rma s p a ra Pu b l i ca çã o . Fo to s
d a s ed i çõ e s são d e d o mín i o p ú-
b l i co e x t ra íd a s d a i n te rn e t .
Redator/Editor
Alfredo Ramos Neves
O bservaram a ca-
pa? Pois é, mais
uma vez estamos
mudando o for-
mato da mesma. A capa é a
porta de entrada da revista, e é
difícil, muito difícil produzi-la.
Além de não termos um diagra-
mador; pois tudo é idealizado
por teimosos produtores, termi-
na sobrando para o editor a
tentativa de criar
uma capa que
traga para os in-
ternautas uma
boa apresentação
do veículo produ-
zido.
Mas, apesar
dos pesares, entendo (não pos-
so falar que entendemos), por-
que na maioria das vezes no
silêncio da noite ou no barulho
do dia, decide esse humilde re-
dator sozinho o formato da re-
vista, onde, no fundo, no fundo,
compreendo que o importante
mesmo é o conteúdo; é o que
penso. Quem produziu blagues
e pasquins em papel mimeo-
grafado nos anos 80 e 90 se
sente o tal diante das possibili-
dades eletrônicas dos dias atu-
ais, mesmo que alguma coisa
deixa a desejar.
Tomei emprestado o qua-
dro abstrato de Angel Estevez
para ilustrar a nossa capa, e,
como disse o mestre professor
Homero Costa, a mudança pa-
ra um estado de arte é melhor
e valoriza o que propõe a Ku-
kukaya, ser diversa.
Estamos com algumas
ideias, e uma delas é deixar a
revista no virtual e
no real, ou seja, im-
pressa. Thiago
Gonzaga está em-
polgadíssimo com
esse empreitada, e
afirmo, por que
não?! Bom, vere-
mos!
Ademais, leiam os nossos
artigos e se possível enviem os
seus comentários para o nosso
e-mail. Para os nossos colabo-
radores os artigos, poemas, en-
saios, etc, para a edição dos
meses de Novembro e Dezem-
bro serão recebidos até o dia
20 de dezembro e somente no
e-mail: virtual-
Obrigado!
* Francisco Ramos Neves Dr. em Filosofia - Professor de Filosofia – UERN [email protected]
A propagada enganosa que caracteriza um dos principais aspec-tos do mito das saco-
las plásticas esconde sua rea-lidade prática. O apelo ao es-pírito ecológico de sustentabili-dade que este mito incorpora tem sido inclusive fiscalizado por órgãos públicos, como foi o caso de uma recente deci-são da CONAR (Conselho Na-cional de Autorregulamenta-ção Publicitária) ao suspender uma campanha da Apas (Associação Paulista de Su-permercados) pelo fim das sa-colas plásticas. Esta campa-nha transgredia o Código Bra-sileiro de Autorregulação Pu-blicitária e era enganosa, se-gundo a CONAR, pelo fato de não ter apresentado argumen-tos claros e bem fundamenta-dos que a justificasse, além de esconder que o fim das saco-las plásticas não reduziria os seus custos embutidos no pre-ço final dos produtos comerci-alizados. A ação contra a Apas foi movida pela Plastivida (Instituto socioambiental dos Plásticos), instituto que cuida do uso consciente, responsá-vel e ambientalmente correto dos plásticos. Além do mais a propaganda engana o consu-midor pelo fato de esconder que o fim das sacolas plásti-cas nos supermercados obri-garia as pessoas a terem que comprar outras sacolas para o uso diário como transporte de objetos e para o recolhimento do lixo doméstico e outros. A campanha não resolve o pro-blema do meio ambiente ape-nas transfere sua causa para outros setores, além de onerar ainda mais a economia do pú-blico consumidor. A campanha
mítica também não explica que a utilização de sacolas re-tornáveis ou reutilizáveis bem como a utilização de caixas de papelão ou sacos de papel, para conduzirem alimentos, por exemplo, podem acarretar outros graves problemas, pois estes recipientes pelo uso ina-dequado e repetitivo podem abrigar, transportar e fazer proliferar inúmeras bactérias, fungos, bolores, coliformes fe-cais e outros agentes nocivos à saúde humana. Inclusive a ANVISA já proíbe o uso de sa-colas de plástico reciclado em supermercados por se tratar de transporte de alimentos. O mito é o “que se diz”, impli-
cando dizer que não é neces-
sariamente uma mentira, mas
uma verdade superdimensio-
nada pela comunicação repas-
sada de pessoa para pessoa
pela tradição da oralidade
(pela fala), como nos povos
antigos, que hoje encontra na
mídia seu principal veículo de
disseminação. O problema
ambiental existe, mas o cará-
ter superdimensionado pelo
apelo ao imaginário popular e
social do processo propagan-
dístico é o que caracteriza o
mito. O dito popular de que:
“quem conta um conto aumen-
ta um ponto”, cabe aqui para
ilustrar o que seja o mito. Mas
isto se efetivou anteriormente
quase que naturalmente pelos
diversos usos da linguagem
em seu processo de transmis-
são codificadora
e decodificadora dos seus signos linguísticos pela comu-nicação, o que hoje acontece de maneira ideologicamente bem articulada e planejada com claras intenções de ma-nipulação. A dessacralização deste mito das sacolas plásti-cas nos mostra o caráter pro-fano e histórico de sua reali-dade, a fome de lucros ainda mais crescente por parte de quem o veicula, como tenho dito. Um fato miticamente su-perdimensionado é a estimati-va das centenas de anos ne-cessárias para a degradação de componentes plás-ticos na natureza. Sa-bemos que alguns objetos de plásticos são de grande durabi-lidade, que curiosa-mente não estão sen-do combatidos, mas outros objetos plásti-cos, pela sua espes-sura e composição frágil são de pouca durabilidade. Não falo nem das sacolas plásticas que alguns supermercados estão adotando, que de tão frágeis e finas mal suportam o peso de poucas mercadorias, chegando a ter suas alças arrebentadas ou ras-gam-se por inteiro, nos obri-gando a utilizar duas ou até três ao mesmo tempo, uma dentro da outra, para condu-zirmos as mercadorias. O que gostaria de ressaltar é que em observações empíricas e cotidianas tenho verificado que algumas sacolas plásti-cas tradicionais se degradam facilmente, mesmo em ambi-entes fechados ao abrigo da luz ou umidade. Quem muitas vezes já não guardou um ou mais objetos em sacolas plás-
ticas e depois de algum tem-po, cerca de poucos anos ou mesmo alguns meses, não percebeu que as sacolas fica-ram secas e degradadas, chegando a se esfarelar em nossas mãos, nos obrigando a trocá-las? Isto já me ocor-reu várias vezes, mesmo não sendo sacolas plásticas oxi-biodegradáveis. O que dizem é que as sacolas plásticas duram cerca de 100 anos pa-ra serem degradadas pela natureza, mas esta é uma hi-pótese que ainda carece da precisão científica. Mas o que
é a certeza científica se a pró-pria ciência na atualidade pa-dece em um mar turbulento de crise paradigmática?
A esta altura podemos agora suscitar as seguintes reflexões: 1. No interior deste mito das sacolas plásticas há uma verdade quanto aos ris-cos ao meio ambiente. 2. Sa-bemos que, segundo especia-listas, o plástico é obtido co-mo derivação do gás produzi-do pela combustão do petró-leo, e que se este gás não for utilizado para produção de
resinas plásticas ele será “desperdiçado” e será emitido para a natureza (o que já acontece mesmo com a pro-dução de plásticos) contribu-indo ainda mais para o aque-cimento global e poluição. 3. Os materiais plásticos, inclu-indo as sacolas, ainda são importantes. Então o que fa-zer em contraposição à enga-nosa campanha pelo fim das sacolas plásticas? Um cami-nho tem sido apontado por alguns ambientalistas e em-presários que passaram a in-vestir na produção de plásti-
cos oxibiodegra-dáveis para se-rem utilizados nas sacolas. O incentivo e até a institucionaliza-ção da adoção das sacolas plásticas oxibio-degradáveis em substituição às sacolas de ter-moplástico (tradicionais) têm sido pratica-dos por diversos países, sobretu-do na Europa, e no Brasil por al-guns Estados e municípios. Já
podemos perceber que al-guns supermercados e lojas já adotam estas novas saco-las alternativas fabricadas com o aditivo “d2w”, produzi-das a partir do final dos anos 80, que segundo seus fabri-cantes são ambientalmente corretas por se decomporem mais rapidamente na nature-za reduzindo o seu impacto ambiental. Mas será que es-tas sacolas plásticas oxibio-degradáveis também abrigam um mito?
* Washington Fer-
reira Fontes é Es-
critor, Filósofo e
Poeta.
N a fala em que o Excelen-
tíssimo Senhor Presi-
dente da Província, Dou-
tor Manoel Ribeiro da Silva Lisboa,
abriu a 3ª sessão da Assembleia
Legislativa, em 7 de setembro de
1837, conforme relatório editado
pela Typografia de M.F. de Faria,
existia uma pretensão, por sua par-
te, em se fazer uma integração
com o interior, através de uma pon-
te, ligando Natal à margem esquer-
da do rio Potengi, na localidade
conhecida como peixe boi.
Foi exatamente no tópico
“Comodidades Públicas”, que o
ilustre governante se pronuncia de
maneira firme, demonstrando a ne-
cessidade urgente de se fazer
obras para viabilizar a interioriza-
ção:
“Já em outro lugar vos ob-
servei a absoluta falta de alguns
edifícios indispensável à comodida-
de pública (....). A província em to-
da ela não tem uma única estrada,
nem uma ponte: daí, pois, sobre
tão importante objeto alguma provi-
dência pronta, capaz de atalhar o
progresso dos danos, que por tão
sensíveis privações se segue à sua
fazenda, habilitai ao menos, ao go-
verno a fazer aquela deste rio no
lugar denominado “Peixe Boi”, e a
abrir uma estrada da Capital ao
encontro daqueles, que se dirigem
as províncias vizinhas: Vós bem
sabeis de que importância seriam
estas duas obras ao comércio, que
todo se escoa para o Ceará e Pa-
raíba”.
Já na fala do Presidente
da Província, Antonio Marcellino
Nunes Gonçalves, vi no seu relató-
rio, datado de 14 de Fevereiro de
1859, precisamente nas páginas 16
a 18, seu posicionamento de que,
construir uma ponte atravessando
o rio Salgado não solucionaria to-
talmente o isolamento da capital e
mas que o Guarapes, fora do cintu-
rão de areia que circundava a Ca-
pital e com pleno acesso ao interi-
or, era a localidade perfeita para
receber investimentos do Governo
da Província.
É desta forma que está con-
signado:
“Duas léguas ao Sul da Capi-
tal, á margem direita do mesmo rio,
que a banha, no lugar denominado
Guarapes, observa-se, como não
vos é estranho, um pequeno povo-
ado, que, pelas favoráveis disposi-
ções em que se acha, pode ter um
rápido crescimento, a ser por qual-
quer modo animado”.
Quando me desloquei a loca-
lidade acima citada e fiz algumas
fotos, achei por bem ter como mar-
co inicial o viaduto da URBANA,
depois segui pela Avenida Industri-
al João Francisco da Mota, passan-
do pelo Km 6, em busca da famosa
curva da morte, até a entrada que
dar acesso aos Guarapes.
Fazendo o percurso por es-
ta alternativa, teremos uma exten-
são de 8,7 Km de paisagens boni-
tas que embelezam o nosso
“Kantinho”.
REFERÊNCIA:
http://www.crl.edu/brazil/provincial/
rio_grande_do_norte
“... E o poder, mesmo
que seja uma triviali-
dade dizê-lo, não está
nas instituições que
elegemos. O poder
está noutro lugar.”
José Saramago
F olhear os
jornais
mais lidos,
as revis-
tas tradicionais e
visitar as redes so-
ciais pode levar o
leitor à conclusão
de que a irracio-
nalidade presi-
de o debate de
ideias no Brasil
atual. Mas essa
será apenas
uma impressão,
porque é assim
que se expres-
sam as ideias domi-
nantes ao nível do
senso comum.
A intolerân-
cia, o preconceito e
o ódio, predominan-
tes no debate frasal
da comunicação
virtual, não expres-
sam um movimento
espontâneo. Pelo
contrário, resulta de
uma estratégia de
disputa do poder
político pela classe
dominante na esfe-
ra econômica, des-
locada do governo
em 2002.
A referida
estratégia tem por
base o resgate do
racismo e do pre-
conceito social his-
tóricos - estimula-
dos e incitados dia-
riamente via as
grandes redes de
comunicação, que
funcionam sem
qualquer regulação,
ao gosto e coman-
do de interesses da
grande economia,
do capital financeiro
-, a fim de legitimar
o aniquilamento do
estado democrático
de direito, apresen-
tado como invenção
do atual governo,
para possibilitar os
atos de corrupção,
sonegação, tráfico
de influência e lava-
gem de dinheiro.
Para compre-
ender o tempo pre-
sente é necessário
vislumbrar o ponto
exato em que a so-
ciedade brasileira
se encontra. E o
momento atual é de
intensa luta entre as
classes sociais pelo
comando político e
econômico da soci-
edade, que sempre
esteve a serviço
dos interesses
da classe que
comanda a
economia, a
classe domi-
nante, a elite
nacional.
As conquis-
tas democráti-
cas, consagradas
na Constituição Fe-
deral de 1988, mar-
caram um novo
tempo político, o
tempo da remodela-
ção do estado naci-
onal, o primeiro
passo para o alcan-
ce do ciclo político,
econômico e social
de conteúdo popu-
lar e democrático,
capaz de aliar cres-
cimento econômico
e distribuição de
renda.
O novo ciclo histórico
se iniciou com a mudança po-
lítica de 2002, na qual as for-
ças conservadoras foram
deslocadas do poder executi-
vo, mas permaneceram no
comando da economia, do
poder judiciário e da burocra-
cia estatal.
A cons-
trução e con-
solidação de
um novo ciclo
político, eco-
nômico e soci-
al importa
num processo
de transição
entre o conte-
údo novo e o
velho, com
vistas a supe-
ração deste
último. E os
processos de
transição são
tempos de tur-
bulências, que
perduram até
que novo equilíbrio se estabe-
leça ou o processo seja inter-
rompido.
A transição no atual
ciclo político não se completa
sem o alcance do desenvolvi-
mento nacional com distribui-
ção de renda e valorização do
trabalho. Para tanto, há que
se alterar os parâmetros atu-
ais de remuneração do capi-
tal, bem como as responsabi-
lidades sociais deste. Eis aqui
a razão do recrudescimento
da disputa política pelos ru-
mos do governo.
O cenário nacional de
disputa resta ainda condicio-
nado pelos efeitos da crise
econômica mundial, da crise
do petróleo no mercado inter-
nacional e da crise política,
potencializada pelo tratamen-
to seletivo dos processos de
investigação da corrupção,
que envolve agentes do go-
verno e do setor privado.
O primeiro sinal de de-
sequilíbrio da disputa pode
ser identificado no resultado
eleitoral de 2014, no qual as
forças conservadoras amplia-
ram sua votação e represen-
tação no poder legislativo, en-
quanto as forças do governo
e a representação dos traba-
lhadores decresceu.
Sem maioria no parla-
mento, o governo não conse-
gue adotar as medidas ne-
cessárias ao enfrentamento
da crise. Não bastasse, a
oposição e par-
te do PMDB
ampliam as difi-
culdades da
presidenta com
aprovação das
chamadas
“pautas bom-
bas”; com a re-
visão de suas
contas de cam-
panha pelo
TSE; e pela de-
saprovação das
contas de go-
verno pelo TCU,
por motivo não
considerado no
julgamento de
contas e cam-
panhas dos go-
vernos anteriores.
É exatamente neste
ponto que se situa, como
ação complementar, a utiliza-
ção do preconceito e o incita-
mento à violência contra os
programas sociais, contra as
políticas públicas, contra os
partidos de esquerda, contra
os movimentos sociais e con-
tra qualquer seguimento ou
movimento de apoio ao go-
verno.
Diante da fragilidade do
governo e das dificuldades
dos trabalhadores em decor-
rência da crise econômica, a
grande mídia se encarrega de
manipular o imaginário social,
levado a crer na responsabili-
dade do governo pelos pro-
blemas estruturais de um es-
tado nacional, criado e organi-
zado para favorecer
os banqueiros e do-
nos dos grandes
empreendimentos,
em detrimento da
classe menos favo-
recida, que somente
há 12 anos reduziu
a números aceitá-
veis o problema da
fome e da mortalida-
de infantil.
Fatos lamen-
táveis como a inva-
são do velório do ex
-senador Eduardo
Dutra com xinga-
mentos e insultos ao
próprio e aos famili-
ares; a agressão ao
ex-ministro Mantega
em atendimento
hospitalar; as agressão e
ameaças machistas à sena-
dora Maria do Rosário do PT
e à deputada federal Jandira
Feghali do PCdoB; as amea-
ças variadas, inclusive de
morte, a lideranças da UNE,
do MST e a jornalistas; e os
ataques e agressões, de to-
dos os tipos, à presidenta da
República Dilma Rousselff
são provas e demonstrações
da violência da luta de clas-
ses no Brasil.
Mais recente, no último
dia 21, por ocasião do esvazi-
amento de bonecos injuriosos
por jovens militantes, a cidade
do Natal foi palco de cenas
aterradoras: a polícia aciona-
da e perfilada em guarda a
um crime de injúria; assesso-
res de dois deputados fede-
rais, lotados no congresso na-
cional, portando arma exclusi-
va das forças policiais, agri-
dem um professor; jovens al-
gemados e conduzidos por
policiais são espancados; os
responsáveis pelo boneco in-
jurioso agridem e insultam mi-
litantes do PT e do PCdoB em
frente à delegacia sem qual-
quer ação dos policiais.
Quando a intolerância
e o ódio são livremente difun-
didos nos meios de comunica-
ção; quando o estado como
força coercitiva dá guarda e
abrigo às manifestações que
ofendem a honra das pesso-
as, inclusive da presidenta da
República; quando manifesta-
ção de conteúdo fascista são
permitidas; o estado democrá-
tico de direito está gravemen-
te ameaçado e, neste caso,
somente a luta popular pode
derrotar e evitar o retrocesso.
Homero de Oliveira Costa é profes-
sor de Ciências Políticas da UFRN. Fez o seu mes-
trado na UNICAMP em Ciências Políticas e o Doutorado em Ciências Sociais na área de polí-
tica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Faz parte do Departamen-
to de Ciências Sociais da UFRN e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na
área de mestrado e doutorado da mesma Instituição de Ensino.
Homero Costa é escritor e tem em seu currículo várias publicações, entre elas: Dilemas da
Representação Política no Brasil (Editora da UFPB), A Insurreição Comunista de 1935: Na-
tal, o primeiro ato da tragédia. (Editora Ensaio-SP), Democracia e Representação Política no
Brasil (Sulina/RS), A Reforma Política no Brasil e Outros Ensaios, Crise dos Partidos Políti-
cos – Democracia e Partidos Políticos no Brasil (Paco Editorial) além de escrever diversos
artigos acadêmicos e participação em emissoras de TV e rádios à nível local e nacional.
Por Fátima Viana
RK – As pesquisas de opinia o evidenciam a
existe ncia de certa rejeiça o popular pelas organi-
zaço es partida rias e pelas instituiço es, tais como
o Poder Legislativo, o Poder Judicia rio e o Poder
Executivo. A sociedade brasileira enfrenta uma
crise no sistema representativo? A que se deve a
crise de representatividade?
Homero Costa — Creio que ha uma crise
mais geral que diz respeito na o apenas ao Brasil,
mas as democracias representativas. De fato,
pesquisas realizadas em diferentes contextos
tem revelado uma perda da credibilidade das
instituiço es polí ticas, ou seja, uma progressiva
desconfiança social em relaça o aos partidos polí -
ticos que se expressa no nu mero significativo de
abstenço es, apatia que tem se constatado com o
descenso da participaça o eleitoral. No caso espe-
cí fico do Brasil, vivemos hoje uma situaça o de
uma crise na o apenas de credibilidade das insti-
tuiço es representativas, como uma grave crise
econo mica que contribui, a meu ver, para ampli-
ar as descrença e minar a confiança no governo e
no parlamento. A que desse? Sa o va rios fatores.
Claus Offe, analisando essa crise ja no iní cio dos
anos 1980 afirmou que as estruturas partida rias
vinham se transformando em verdadeiras
“ma quinas eleitorais”, em que a conquista do po-
der polí tico levava a “desradicalizaça o ideolo gi-
ca” e a indistinça o programa tica, resultando em
alianças eleitorais entre partidos sem qualquer
afinidade programa tica e ideolo gica (“Claus Off,
“A democracia partidária competitiva e o welfare
state keynesiano: fatores de estabilidade e desor-
ganização”, revista Dados, n.1 vol 26, 1983). O
desdobramento desse processo nos anos posteri-
ores, legitimam essa afirmativa e o Brasil exem-
plifica isso, com a indistinça o programa tica e ide-
olo gica das alianças eleitorais. Tudo isso, a meu
ver, amplia a descrença nos partidos, que tem
perdido suas funço es de intermediaça o entre Es-
tado e sociedade. No seu estudo cla ssico sobre os
partidos, A ngelo Panebianco, baseado em exten-
sa pesquisa sobre as transformaço es dos parti-
dos no ocidente, mostra que os partidos passa-
ram a ter uma preocupaça o exclusiva com a com-
petiça o eleitoral, burocratizando-se, distancian-
do-se de suas bases e, portanto, perdendo credi-
bilidade (A ngelo Panebianco. “Modelos de parti-
do: organização e poder nos partidos políticos”,
Martins Fontes, 2005). A rejeiça o aos partidos
que as pesquisas
tem apontado, que se expressa nas altas taxas de
abstenço es – mesmo em paí ses com voto obriga-
to rio, como no Brasil – ale m dos votos em bran-
cos e nulos - na o e uma postura contra o regime
democra tico, mas contra os mecanismos tradicio-
nais de mediaça o e representaça o polí tica.
RK - A imprensa tem noticiado a realizaça o de
uma reforma polí tica no Brasil, enquanto o movi-
mento social continua a reivindicar a realizaça o
da reforma polí tica. O Brasil precisa de uma re-
forma polí tica? Qual o processo mais indicado
para a reforma polí tica no Brasil atual?
Homero Costa — A reforma polí tica no
Brasil tem sido discutida
ha muito tempo, dentro e
fora do Congresso nacio-
nal. No Congresso, diver-
sas comisso es foram for-
madas, tanto na Ca mara
como no Senado, diagno s-
ticos e relato rios foram
feitos, todos apontando a
necessidade de mudanças
substanciais no sistema
partida rio e eleitoral, com
um conjunto de propostas
como financiamento pu bli-
co exclusivo de campa-
nhas, fim das coligaço es
em eleiço es proporcionais, diminuiça o de manda-
to de senadores, fim de suplente de senador, fim
do voto obrigato rio etc. No entanto, so em 2015 e
que se conseguiu votar na o uma reforma polí tica
ampla, mas uma minireforma que, a meu ver,
mante m os mesmos problemas do modelo anteri-
or, a começar pela aprovaça o do financiamento
de empresas aos partidos. O problema da refor-
ma polí tica e que os que foram beneficiados por
esse modelo na o querem mudar. Na o ha consen-
so sobre questo es centrais e portanto, a depen-
der apenas do Congresso Nacional na o teremos
uma reforma polí tica ampla (e necessa ria). Quan-
to as entidades da sociedade civil, ha muitas or-
ganizaço es e propostas, como a da coaliza o de-
mocra tica, mas que precisa ser aprovada no Con-
gresso nacional e, por melhores que sejam, na o
conseguem sequer ser votadas. Creio que uma
saí da seria uma Constituinte Exclusiva para fazer
uma reforma polí tica, que foi defendida tanto por
Lula como por Dilma Rousseff, mas que na o con-
seguiram passar de (boas) intenço es. Enfim, sem
participaça o popular na o teremos reforma polí ti-
ca.
RK – A OAB e a CNBB, em conjunto com
mais de 100 entidades do movimento
social, enviaram um projeto de lei de
iniciativa popular para reformar o siste-
ma eleitoral vigente, num movimento
denominado “coaliza o democra tica”.
Qual sua opinia o sobre a referida pro-
posta?
Homero Costa — Acho impor-
tante. A Coaliza o e uma articulaça o da
sociedade civil que defende uma Refor-
ma Polí tica Democra tica. E composta
hoje por 66 entidades, movimentos e
organizaço es sociais, entre as quais a
OAB, CNBB, Movimento de Combate a
Corrupça o Eleitoral (MCCE), a Platafor-
ma dos Movimentos Sociais pela Reforma Polí ti-
ca, UNE, CTB, CUT, UBES, MST, etc. A Coaliza o
pela Reforma Polí tica Democra tica e Eleiço es
Limpas defende na o apenas uma reforma polí tica
com a ampliaça o da participaça o popular nas ins-
ta ncias de poder. O diagno stico e de que existe
um grande nu mero de problemas no sistema elei-
toral e partida rio que precisa de mudanças ur-
gentes e para isso elaborou um projeto voltado
para o que chamou de “questo es estruturantes
para uma Reforma Polí tica Democra tica”
e que pudesse ser aprovado sem necessidade de
emendas constitucionais. Sa o fundamentalmente,
quatro: 1) Fi-
nanciamento de
campanhas elei-
torais (o modelo
atual, misto, que
permite o finan-
ciamento de
campanhas por
empresa, leva a
corrupça o elei-
toral); 2) o sis-
tema eleitoral
proporcional de
lista aberta de candidatos(propo e eleiço es pro-
porcionais em dois turnos); 3) a sub-
representaça o das mulheres (defende a paridade
entre homens e mulheres nas listas partida rias);
4) a falta de regulamentaça o dos mecanismos da
democracia direta. Mas, como eu disse, o projeto
e mais amplo, defende tambe m uma reforma ur-
bana, uma reforma agra ria e democratizaça o dos
meios de comunicaça o, ale m de medidas relacio-
nadas com a melhoria dos serviços pu blicos co-
mo sau de, educaça o e transporte coletivo urbano.
Em relaça o a s propostas, uma considerada cen-
tral e a que diz respeito ao financiamento de cam-
panhas “o problema estrutural mais grave que
afeta gravemente o processo democra tico brasi-
leiro e o financiamento de campanhas por empre-
sas (...) isto porque o poder polí tico daí originado
na o representa os interesses da maioria do povo
brasileiro ale m de ser uma das principais causas
da corrupça o eleitoral”. E evidente que o financia-
mento de empresas (que representa a maior par-
te dos recursos de uma campanha eleitoral tem
implicaço es na representaça o. Ha uma estreita
relaça o entre recursos para campanhas e e xito
eleitoral. Um estudo realizado pelo Departamento
Intersindical de Assiste ncia Parlamentar (DIAP)
com dados relativos a s eleiço es de 2010, por
exemplo, mostrou que dos 594 parlamentares
eleitos (513 deputados e 81 senadores), 273
eram empresa rios, 160 compunham a chamada
bancada ruralista, 66 eram da bancada evange lica
e apenas 91 parlamentares poderiam ser consi-
derados representantes dos trabalhadores. Nas
eleiço es de 2014, o perfil conservador do Con-
gresso Nacional se ampliou, segundo o mesmo
Diap.
RK – A proposta da “coaliza o democra tica” suge-
re a eleiça o proporcional em dois turnos e a lista
pre ordenada. Em que consiste a proposta de elei-
ça o proporcional em dois turnos e como funciona
a lista pre ordenada?
Homero Costa — A coaliza o propo e uma
mudança no sistema eleitoral de listas abertas,
em vigor, para um sistema de listas fechadas. Es-
sa proposta foi defendida pelas comisso es especi-
ais de reforma politica no Congresso Nacional,
sem serem voltadas em plena rio nas respectivas
Casas legislativas. Quando isso ocorreu, em 2015,
por razo es compreensí veis, foi mantido o de lis-
tas abertas porque a maioria dos eleitos o foram
nesse sistema. Ha
muitas crí ticas, co-
mo a individualiza-
ça o das campanhas,
a competiça o dos
candidatos dentro
do mesmo partido,
etc. O diagno stico da
coaliza o e o de que a
lista aberta de candi-
datos acarreta se -
rios problemas ao
sistema polí tico brasileiro. “O voto e dado a qual-
quer dos candidatos da lista.
Assim a disputa eleitoral e realizada em torno de
indiví duos e na o em torno de projetos para solu-
cionar os problemas do Paí s, dos Estados ou mu-
nicí pios. E, mais grave, se elege o candidato que
dispuser de mais recursos. O poder econo mico
passa a ser o diferencial a garantir a eleiça o.
Ale m do mais este sistema conduz a disputa elei-
toral para dentro do partido. Ganha aquele que,
no partido, consegue o maior nu mero de votos.
Isto leva a uma guerra entre os candidatos do
mesmo partido e a consequen-
te fragilizaça o partida ria (...).
Ha um rebaixamento do pro-
cesso eleitoral. Tal sistema na o
leva a que os partidos tenham
uma definiça o polí tico-
ideolo gica. (...) os votos na o
sa o dados em funça o de pro-
gramas, de projetos para solu-
cionar os problemas das diver-
sas insta ncias de poder. Ele
permite que um candidato que
tenha muitos votos possa asse-
gurar a eleiça o de candidatos
inexpressivos”.
Para a coaliza o o proble-
ma do atual sistema eleitoral brasileiro na o esta
na proporcionalidade, mas no sistema de listas
abertas e propo e como alternativa eleiço es pro-
porcionais em dois turnos. Resumidamente seria
o seguinte: No primeiro turno o voto sera dado
ao partido, a plataforma polí tica e a lista fechada
de candidatos (a lista partida ria de candidatos
devera o ser realizadas eleiço es prima rias, com a
participaça o de todos os filiados e acompanha-
mento da Justiça Eleitoral e do Ministe rio Pu bli-
co). Com base no quociente eleitoral sera defini-
do o nu mero de vagas parlamentares a serem
preenchidas por cada partido. Ja no segundo tur-
no o voto sera dado ao partido (lista partida ria)
mas ao candidato. Participara do segundo turno,
o dobro de candidatos das vagas obtidas por ca-
da partido. Assim, o partido que obtiver tre s va-
gas, por exemplo, disputara o segundo turno
com os seis primeiros nomes de sua lista de can-
didatos e, na proposta, assegura-se que o que a
coaliza o chama de “recursos do Fundo Democra -
tico de Campanha” sera o destinados em parte
iguais aos candidatos, em sí ntese: no primeiro
turno vota-se no partido, no programa, na lista,
pore m no segundo turno votam-se apenas nos
candidatos. É uma proposta inte-
ressante, mas certamente terá
imensas dificuldades de se viabili-
zar. Tem o mérito de reduzir o nú-
mero de candidatos e os custos de
campanhas e contribui para a de-
mocratização do processo eleitoral..
RK – A participaça o feminina na
polí tica, notadamente no poder
legislativo e no poder executivo,
na o corresponde a presença fe-
minina na força economicamen-
te ativa da sociedade, sendo ain-
da muito inferior a sua presença
no mundo do trabalho. Qual o
melhor e mais efetivo caminho para alcançar a
paridade entre homens e mulheres na composi-
ça o dos poderes constituintes da Repu blica?
Homero Costa — A ampliaça o da presença
feminina e de fundamental importa ncia. As mu-
lheres, historicamente foram excluí das de parti-
cipaça o polí tica (na o apenas no Brasil. Mesmo
nos paí ses de larga tradiça o democra tica as mu-
lheres foram alijadas durante muito tempo do
processo eleitoral e so no se culo XXC ampliaram
a participaça o). No Brasil, os partidos foram for-
mados no Impe rio e so em 1932, 33 anos depois
da Proclamaça o da Repu blica, e que tiveram as-
segurado o direito de voto.
Ja que nos referimos a Coaliza o, ela defende a
alterna ncia de ge neros nas listas partida rias, vi-
sando abrir caminho para que a destinaça o de
50% das vagas de candidatos para mulheres se
transforme em 50% eleitas para os parlamentos, en-
tendendo que a sub-representaça o polí tica das
mulheres afeta a democracia na medida em que
exclui mais da metade do eleitorado (dados do
TSE indicam que sa o 51,3%). Dados relativos a
legislatura 2011-2014 mostraram que, entre os
513 deputados somente 46 eram mulheres (8,96%) e
entre os 81 senadores, eram apenas 8 (9,81%) evi-
denciando uma enorme diferença entre o número de
mulheres eleitoras (e na sociedade brasileira) e sua
representação política. Em 2014 foram eleitas 51 de-
putadas federais mulheres, o que representa
9,9%, um pouco acima da legislatura anterior
e dos 27 novos senadores, houve também um
pequeno aumento, cinco foram eleitas. Com
isso, são 11 mulheres senadoras ou 13,6% do
total de 81.
RK – O financiamento das campanhas eleitorais
e um tema pole mico e na o ha consenso sobre a
melhor forma, se o financiamento pu blico ou o
financiamento privado. Qual a influe ncia do fi-
nanciamento privado sobre a vontade soberana
do eleitor e sobre o resultado eleitoral?
Homero Costa — A influe ncia do financia-
mento privado nas campanhas eleitorais e um
fator decisivo nas eleiço es. Na o e por acaso que a
maioria dos eleitos foram justamente os que
mais gastam em suas respectivas campanhas. Se
o poder econo mico decide, enta o, como fica a
representaça o popular? Isso tem clara implica-
ça o na representaça o, afinal os eleitos represen-
tara o ao interesses dos eleitores em geral ou de
quem financiou suas campanhas? Os que se
opõem ao financiamento público de campanha, como
diz a proposta da coalizão democrática, argumen-
tam, equivocadamente, que este financiamento
servira ta o so para beneficiar polí ticos corruptos
(como se os corruptos na o sejam eleitos com
financiamento privado). No entanto a proposta
de Financiamento Democra tico de Campanha
“implica em uma se ria de medidas para barrar a
corrupça o eleitoral (...)o sistema eleitoral pro-
posto, contribui com este objetivo, reduzindo
drasticamente o nu mero de candidatos e estabe-
lecendo que os recursos pu blicos sejam destina-
dos de forma igualita ria entre os candidatos, re-
duzindo com as distorço es econo micas entre os
candidatos. No combate a corrupça o eleitoral o
projeto impo e taxativamente a cassaça o de re-
gistro de candidatos beneficiados por contribui-
ço es ilegais. Por outro lado proí be a pessoa jurí -
dica, que destinou ilegalmente recursos para
campanha, de contratar com o a administraça o
pu blica por cinco anos, ale m de aplicar uma mul-
ta de dez vezes a quantia ilegalmente doada. No
caso de reincide ncia sera decretada a extinça o
da pessoa jurí dica. O projeto impo e que as doa-
ço es sejam realizadas na pa gina oficial do Tribu-
nal Superior Eleitoral (TSE) sendo assegurada
sua divulgaça o em tempo real (...) a movimenta-
ça o dessas verbas sera feita exclusivamente pe-
los partidos polí ticos ou coligaço es. Cabe ressal-
tar que o financiamento de campanhas por em-
presas e uma relaça o de custo benefí cio que visa
o retorno de capital investido, constituindo o
“financiamento privado” indiretamente com di-
nheiro do contribuinte, ja que “investimento”
feito em campanha re-
torna em volume mui-
to maior do que foi
aplicado. A realidade
mostra o retorno dos
recursos ao empresa -
rio atrave s do superfa-
turamento de obras e
de favores concedi-
dos”.
RK – O STF em votaça o histo rica considerou in-
constitucional o financiamento empresarial em
campanhas eleitoral. Qual a importa ncia dessa
decisa o e as repercusso es sobre o sistema eleito-
ral do Brasil?
Homero Costa — A maioria do STF ja havia
tomado essa decisa o. No entanto, o ministro Gil-
mar Mendes pediu vistas ao processo e ficou 1
ano e 5 meses para dar seu parecer, que, por
coincide ncia, foi dado um dia de-
pois da votaça o na Ca mara dos
Deputados que manteve o financi-
amento de empresas e, tambe m,
por coincide ncia, no mesmo senti-
do. Pouco depois, o STF reafirmou
sua posiça o, com 8 votos a 3 e a
presidente Dilma Rousseff vetou
a proposta da Ca mara. A decisa o,
claro e de extrema importa ncia. A
questa o que se coloca e : quem le-
gisla? Se o congresso, por pior que
seja, vota por uma coisa, o supre-
mo, com apenas 11 ministros de-
cide o contra rio, que fica valendo?
A decisa o dos 11 ou do Congresso
Nacional? Em relaça o a repercus-
sa o no sistema eleitoral, e imensa.
O financiamento de campanhas eleitorais por
parte das empresas tem pavimentado o caminho
da corrupça o no Brasil, com implicaço es o bvias
na representaça o polí tica. E tem servido na o ape-
nas para que o poder econo mico decida as elei-
ço es (a maioria dos eleitos foram sa o em geral os
que mais arrecadam e gastam em suas respecti-
vas campanhas) como para enriquecer muitos
espertos, de va rios partidos, com as “sobras de
campanhas”.
RK – O nu mero de partidos legalizados e em fun-
cionamento e tema de debates permanentes, na
imprensa e na sociedade. Existe um nu mero ide-
al, limite de partidos polí ticos? Quantos partidos
polí ticos sa o suficientes para a democracia no
Brasil?
Homero Costa — O problema no Brasil na o
e a existe ncia do nu mero de partidos, que na o
podem se limitados num paí s democra tico. A li-
mitaça o deve ser resultado e expressa o do voto
dos eleitores. O que ocorre
no Brasil e que formar um
partido polí tico tem se re-
velado um bom nego cio,
especialmente em perí odos
eleitorais, com as negocia-
ço es para as alianças, ho-
ra rio eleitoral etc, ale m,
claro, do fundo partida rio,
garantido a todos os parti-
dos que tem registro. O
problema no Brasil – e
creio que tambe m em ou-
tros paí ses mas aqui parece
ser mais grave - e a prolife-
raça o de legendas de alu-
guel, sem programas, sem
ideologia, servindo para
um monte de picaretas se promoverem e negoci-
arem alianças em perí odos eleitorais. Quando a
coaliza o democra tica se refere aos dois turnos
nas eleiço es proporcionais, tem entre outros me -
ritos o de acabar (ou combater) os chamados par-
tidos de aluguel. Isto porque a votaça o no primei-
ro turno sendo feita em torno de propostas obri-
gara os partidos a terem um programa e uma po-
siça o polí tico-ideolo gica definidas e na o mera-
mente para registro na Justiça Eleitoral e os que
na o tiverem, que forem constituí dos meramente
para participar do troca-troca eleitoral, podera o
(e espero que assim seja) sumir do mapa polí tico.
RK – A presidenta Dilma, militante perseguida
e torturada pela ditadura militar, tem afirmado
seu compromisso com o fortalecimento da de-
mocracia no paí s. Qual a sua opinia o sobre a ten-
tativa de instituiço es e de lideranças polí ticas
em interromper seu mandato?
Homero Costa — A presidente Dilma Ro-
usseff foi eleita democraticamente e os derrota-
dos nas eleiço es na o tem aceitado isso. Que o
governo tem uma se rie de problemas, e inega -
vel. Ha uma crise econo mica, cujos desdobra-
mentos ainda sa o imprevisí veis e tem contribuí -
do para o descre dito do governo - que adota
medidas que contrariam o que foi defendido no
curso da campanha eleitoral - ha uma crise polí -
tica, que se expressa no Congresso Nacional cu-
jo apoio e fra gil, refe m de uma base aliada con-
servadora, tendo a frente um partido dividido e
sem consiste ncia politico-
ideolo gica como o PMDB, e
com uma mí dia hegemo nica
(e monopolizada) claramen-
te partidarizada e contra o
governo (que “informa” a
maior parte da populaça o).
Isso e uma coisa, outra, mui-
to diferente, e querer derru-
bar um governo, como a mí -
dia ajudou a faze -lo em 1964,
criando um clima favora vel
ao golpe. Hoje, felizmente, os
militares continuam nos quarte is e se ha golpis-
tas entre eles, creio ser minorita rios e no Con-
gresso, a oposiça o golpista na o tem moral para
isso. Basta ver alguns dos seus lideres respon-
dendo processos por corrupça o. A forma demo-
cra tica de alterna ncia do poder sa o as eleiço es e
na o golpe como determinados setores da oposi-
ça o (e da sociedade) assim o desejam. Alguns
inclusive chegam a defender a volta da ditadura,
ou por desco-
nhecerem o
que ela repre-
sentou no paí s,
e, portanto, por
ignora ncia, por
oportunismo
ou terem sido
beneficiados
por ela. Golpe
e ditadura sa o
os piores cena -
rios possí veis,
mas creio tambe m que os setores democra ticos
da sociedade resistira o para manter as conquis-
tas sociais e fundamentalmente a democracia.
RK – Qual o maior legado do governo Dilma Ro-
usseff e quais as implicaço es polí ticas e instituci-
onais se seu governo for in-
terrompido?
Creio que o maior legado foi
a continuaça o das polí ticas
sociais do governo Lula, mas,
esses avanços esta o ameaça-
dos pelos impactos do ajuste
fiscal e por uma quinada do
governo a direita, com am-
pliaça o da participaça o do
PMDB e com uma base alia-
da conservadora que na o
permite avanços no campo
econo mico, polí tico e social. Quanto a s implica-
ço es polí ticas e institucionais da interrupça o do
seu governo, sa o imprevisí veis. Se ocorrer, creio
que vai depender da forma como sera feita e da
resposta nas ruas dos setores democra ticos da
sociedade. Se na o houver resiste ncia, como ocor-
reu em 1964, os golpistas tera o e xito. Se houver,
a histo ria podera ser outra.
“... há uma crise política, que
se expressa no Congresso
Nacional cujo apoio é frágil,
refém de uma base aliada
conservadora, tendo à frente
um partido dividido e sem
consistência politico-
ideológica como o PMDB...”
José de Castro, jornalis-
ta, escritor, poeta. Nasceu
em Resplendor-MG. Vive
em Natal desde 1976. É
autor de livros para crian-
ças (A marreca de Rebe-
ca, O mundo em minhas
mãos, Poemares, Poetrix,
Dicionário Engraçado, A
cozinha da Maria Fari-
nha). Brevemente estará
lançando APENAS PA-
LAVRAS, poemas, pela
CJA Edições. Participa da
Sociedade dos Poetas Vi-
vos e Afins do Rio Gran-
de do Norte – SPVA/RN
e da União Brasileira de
Escritores – UBE/RN.
O que seria da vida se
a gente não tivesse a
chance de deixar se-
quer uma marca, um
risco, um traço? Ao caminhar
vida afora, marcar presença é
necessário. Mesmo que seja fe-
rindo os pés e deixando-os san-
grar nas trilhas. Inda que sejam
pegadas de dor. A sabedoria
consiste numa certa resignação
revoltada que não nos deixa ca-
lar. A pior doença
é a indiferença, é
o dar de ombros e
não se importar
sequer com a lá-
grima que rola.
Lágrimas são rios
que navegam
nossas tristezas
em leitos de mar-
gens múltiplas:
escárnio, prazer,
inveja, delírios,
sonhos e utopias.
Tudo se mistura e
deságua numa foz, algures, on-
de os olhos ainda não alcançam.
Mas desconfiam. Pressentem.
Intuem. E não se desarvoram. E
não praticam o choro da autopie-
dade, da comiseração, do la-
mento vazio. É preciso ter o cho-
ro exato, daquela dor que vale a
pena. E saber que existe, para
além de todas as tristezas um
porto destino. Sim, um porto
destino. Mas para chegar lá é
preciso ter a coragem de se lan-
çar. Pois existem cais que nos
amarram, que nos prendem, que
nos acomodam na zona de con-
forto. É preciso o gesto de içar
as velas, mesmo trôpegos, mes-
mo na dúvida, mesmo com pou-
co vento.
Pois o vento se reinventa. E da
tempestade se faz chance de
navego. E num momento sinto
que enquanto há vida, enquanto
respiro, enquanto pulsa o cora-
ção, enquanto corre poesia em
minhas veias, a vida vale a pe-
na. Essa mesma vi-
da que é um misto
de alegria, dor e es-
panto. Lágrima doce
é invento de poeta.
E choro sincero é o
que melhor tempera
a solidão. E solidão
é a oportunidade de
olhar com olhos de
dentro. É solitude,
um jeito de enxergar
abismos e, quem
sabe, paraísos. E
perceber que as
fronteiras do existir oscilam entre
esse gesto de acarinhar as pala-
vras e ouvir a voz do silêncio
que inaugura sempre um novo
alumbramento e nos faz cúmpli-
ces da descoberta. O único peri-
go da vida é deixá-la passar em
branco, sem ter valido a pena.
Urge acariciar as palavras. E re-
descobrir a nascente das estre-
las para se reinaugurar em luz a
cada dia. Escreviver é celebrar a
jornada da vida e saber de onde
vem o sopro azul das ternuras.
Algures, há um ninho chocando
poesia.
* Paulo Luiz Silva de Li-
ma — Professor, Licenci-
ado e Bacharel em Ciên-
cias Sociais Pela Universi-
dade Federal do Rio Gran-
de do Norte/UFRN.
Palestrante, Pesquisador
Nas áreas de Sociologia da
Educação do Trabalho
Diversidade e Pluralidade
Cultural. Coordenador do
Núcleo de Direitos Huma-
nos e Minorias da SEM-
THAS, Secretária munici-
pal de Trabalho Habitação
e Assistência Social no
CREAS de Goianinha.
Resumo
Os condicionamentos mate-
riais e simbólicos nos comércios, na
mídia televisiva em comerciais, fil-
mes, novelas e desenhos animados,
e além de carros de som e panfleta-
gens, entrelaçam as crianças na pri-
meira infância em uma teia simbóli-
ca e extremamente eficaz nesta so-
ciedade do consumo na qual vive-
mos, numa complexa relação de
interdependência. É na história das
experiências de vida dos grupos e
dos indivíduos que podemos apre-
ender a composição de gosto e com-
preender as vantagens e desvanta-
gens materiais e simbólicas que as-
sumem o gosto cultural e os estilos
de vida das camadas médias e do
operariado, ou seja, as maneiras de
se relacionar com as práticas da cul-
tura desses sujeitos, estão profunda-
mente marcadas pelas trajetórias
sociais vividas por cada um deles.
Destarte, podemos destacar o poder
das mídias no caso especifico na
primeira infância na sociedade mo-
derna, de modo que uma gama com-
plexa de referências partilhada no
processo de socialização das crian-
ças na primeira infância as influen-
cia a ter um consumo exacerbado,
seja nos comércios, sejam através
do que elas ouvem em rádios em
carros de som e veem principalmen-
te nas TVs.
Palavras Chaves: Primeira Infância,
Consumo, Imaginário, Simbólico.
Resume
The material and symbolic con-
straints in the trades, the television
media in commercials, films, soap
operas and cartoons, and besides
sound cars and pamphlets, inter-
twine children in early childhood in
a symbolic and extremely effective
web in this consumer society in
which we live in a complex interde-
pendence. It is the story of the life
experiences of the groups and indi-
viduals who can learn to taste com-
position and understand the ad-
vantages and material and symbolic
disadvantages that take on the cul-
tural tastes and lifestyles of the mid-
dle class and the working class, ie,
the ways to relate to the practices of
the culture of these subjects, they
are deeply marked by social trajec-
tories experienced by each of them.
Thus, we can highlight the power of
the media in the specific case in ear-
ly childhood in modern society, so
that a complex array of shared ref-
erences in children socialization
process in infancy the influences
have an excessive consumption
does the businesses, whether
through of what they hear on radios
sound of cars and see mostly on
TV.
Key words: Early Child-
hood, consumption, Exploration,
Symbolic Violence.
Introdução
1. CAPITALISMO E CONSUMO
AGINDO NO MUNDO SIMBÓLI-
CO E IMAGINÁRIO DA PRI-
MEIRA INFÂNCIA.
À realidade social é uma construção históri-
ca, cultural, o existente é uma construção, nesse sen-
tido, para Bourdieu “O poder simbólico”, está ligada
“a ordem das coisas”, tratando o dito normal, natural
e inevitável, estando colocadas em todos os aspectos
que formam uma estrutura social, sendo reproduzido
nos corpos e nos habitus de cada indivíduo com a
funcionalidade de esquemas de percepção, pensa-
mento e ação como uma disposição à determinada
prática de grupo ou classe, ou seja, é a interiorização
de estruturas objetivas. E que gera estratégias, res-
postas ou proposições objetivas ou subjetivas para a
resolução de problemas de reprodução social, e que
se traduz e que funciona como esquemas mentais e
comportamentais, inconscientes da ação, da percep-
ção e da reflexão, produto do aprendizado que se
torna inconsciente e que se traduz, a seguir, em habi-
lidade aparentemente natural, em capacidade livre de
atuar no meio social. Bourdier considera que o gosto
e as práticas de uma determinada cultura são resulta-
dos de feixes de condições especificas de socializa-
ção.
Logo a ideia sobre o “merchand” e o mundo
consumista nos comércios existentes nos remete no-
vamente ao conceito desenvolvido de Poder Simbó-
lico do Pierre Bourdieu, que podem nos levar a per-
ceber como o exercício do poder simbólico como
uma violência no que diz respeito ao processo de
formação da criança na primeira infância a ser usada
e abusados pelos mais variados instrumentos midiá-
ticos, como: comerciais, novelas, filmes, músicas,
revistas e jornais entre outros. Contribuindo e repro-
duzindo para o aumento da influência por mercado-
rias que não são necessárias, rompendo valores e
princípios morais, quando estas mídias muitas vezes
influência a violência, ações e atos sexuais de ma-
neira precoce, além de propagar a ideia de ser aceito
entre seus pares apenas se tiver determinado brin-
quedo ou uma roupa ou tênis da moda, desta feita o
capitalismo cria e produz uma espécie de opressão
através das mídias no nosso cotidiano que reflete
diretamente no mundo simbólico e imaginário das
crianças já na primeira infância.
"A raiz da violência simbólica estaria presente
nos símbolos e signos culturais, especialmente
no reconhecimento tácito da autoridade exerci-
da por certas pessoas e grupos de pesso-
as" (Bourdieu, p. 126).
Logo os novos signos se estabelecem onde o
imaginário pode tomar proporções inusitadas, uma
vez que as crianças na primeira infância tem uma
dificuldade maior em distinguir o que é real e o que
é do mundo do imaginário, é possível que estas per-
cam a noção da realidade. A isto Baudrillard deno-
mina de empoderamento do simbólico.
E Bauman (2004) coloca que “A propaganda
que cria um processo exacerbado de exposição.
Quanto maior a exposição, maiores as chances da-
quela imagem adquirir o significado de imprescindí-
vel”.
Segundo Lipovitk (2004), as emissoras pos-
suem instrumentos de manipulação da sociedade tor-
nando-se corresponsáveis na alienação do público
consumidor. Sobre a interiorização do mundo sim-
bólico na criança como um exemplo de como o
mundo de fantasia delas se confundem com a reali-
dade, justificando o gosto da relação entre o consu-
mo de determinado produto e a imagem muitas ve-
zes associado à de um super-herói ou a imagem de
força, a identificação com o personagem de se tornar
um super-herói consumindo este ou aquele produto.
Segundo Mc Neal ( 2000) a faixa com maior
incidência das propagandas, é a que compreende cri-
anças entre 03
a 06 anos, nesta idade as crianças encontram-se no
estágio de seleção, onde todas as suas solicitações
estão voltadas, ainda de forma egocêntrica para a
satisfação plena de seus desejos. Por isso mesmo os
produtos midiáticos dos mais variados tipos tem
uma representatividade enorme sobre as crianças
levando estas a serem consumidoras desenfreadas e
insaciáveis.
A reflexão sobre a projeção de valores sim-
bólicos aos bens de consumo nos discursos da publi-
cidade direcionada à primeira infância o merchandi-
sing das propagandas que passam nos meios midiáti-
cos (televisão). A produção de comerciais nos mais
diversos tipos de mercadorias que são produzidos
pelo capital financeiro (capitalismo), exercem uma
espécie de função modelizante visto que busca defi-
nir um comportamento de uma camada social, que
tem como alvo a criança na primeira infância, veicu-
lando os valores da classe hegemônica, cujo ápice é
o consumo dos produtos que representam tais valo-
res.
Conseqüentemente a propaganda veiculada
nos comerciais atua como catalisadores de ideias,
direcionando e formando valores pautados exclusi-
vamente nos desejos e anseios das crianças na pri-
meira infância, por isso mesmo tais valores capitalis-
tas tem afetado negativamente de forma singular as-
pectos da vida das crianças seja na saúde física,
mental, educação, criatividade e valores, criando
sentimentos falsos de felicidade, pois a ideologia do
capitalismo a fazem acreditar que o ser feliz estar
em ter ou não ter determinado produto que é estimu-
lado pelas mídias, às crianças desejam ter o que está
nas propagandas, e choram sempre por um novo
produto já que o que se tem agora já é antigo, dura
pouco, pois elas (as crianças) já estão desejando a
novidade que está passando nos comerciais da TV.
Segundo Linn, esse ciclo vicioso tem causa-
do outras consequências para as crianças, adolescen-
tes e também para os pais, citando como exemplo o
aumento da obesidade e a sexualidade precoce e o
comportamento violento.
Além do marketing para as crianças enfra-
quecerem os valores democráticos ao encorajar a
passividade, o conformismo e o egoísmo. Ameaça a
qualidade de ensino público, inibi a liberdade de ex-
pressão e contribui para problemas de saúde públi-
cos como a obesidade infantil, a dependência. (Linn,
2006. Pag. 13).
Portanto é de fundamental importância se
perceber, se entender que a mídia no mundo do capi-
tal financeiro é um veículo comercial que atendem a
interesses privados, econômicos, políticos e ideoló-
gicos. Na sociedade de consumo capitalista o que
importa não é a criança em se, mas o produto o qual
é consumido pelas crianças, independentemente de
quais valores esta mercadoria passe a representar
para o publico em questão não importando se este é
bom ou mal, por exemplo: roupas, armas de brin-
quedo, comida etc, a mídia ainda reforça estigmas e
estereótipos de modo que nem elas escapam porque
o capitalismo mesmo na primeira infância não tem
pudor pelo fato de que este sistema político e econô-
mico expõe a criança, fazendo esta entender que só
será feliz, realizada e aceita pelos amigos e familia-
res apenas se consumir de modo desenfreado.
2 - VIDA LÍQUIDA: OS DESEJOS DE CONSU-
MO E A RAPIDEZ PARA SACIÁ-LOS JÁ NA
PRIMEIRA INFÂNCIA.
No que diz respeito à temática tratada, a in-
fluência do capitalismo na primeira infância: consu-
mismo e exposição aparecem nas escolas nos bairros
e nas casas destas crianças, outros conceitos tratados
por Bauman (2002) que indicam o drama tratado
pelos novos padrões de vida que também determi-
nam a dimensão do desejo e da vontade é a questão
da estabilidade que está cada vez mais em risco.
O desejo do perpétuo, já não tem a mesma relação
que antes de modo que o território aparece com
uma definição cada vez mais difícil, supérflua e
incompleta. Uma vez que se compreende isso, as
relações que determinam o momento
atual no qual passa o mundo contemporâneo assume
uma centralidade maior na sociedade de consumi-
dores. Assim, a vida líquida é o conceito utilizado
pelo autor para melhor detalhar os elementos que
determinam essas relações sociais.
Assim, temos as características que constituem
esta vida líquida: a leveza e a fluidez, que são os fa-
tores que tornam as coisas mais voláteis e inconstan-
tes. A desintegração tornou-se menos previsíveis e
há uma quebra das lealdades por conta do processo
de ascensão do nexo dinheiro. As consequências são
os aspectos da rigidez da ordem e um derretimento
das ações coletivas no sentido de que os novos pa-
drões dificultaram atos significativos de comunica-
ção entre os indivíduos, capaz de fazer os interesses
comuns de sociabilidade e lealdade se fragmentarem
para dar mais espaço ao consumismo ao poder de
compra e a incerteza e o comportamento passam en-
tão a ser moldado de acordo com esse contexto.
Tudo isto nos traz sobre as discussões de
Zigmunt Bauman sobre o conceito de Fábrica de
Ordem, entendida como padrões de consumo e re-
gras que vão se reproduzindo no cotidiano. E isso se
encaixa bem no mundo do “merchand” na primeira
infância.
O resultado de todos esses elementos podem
ser vistos através do consumo pelas crianças quando
percebemos que existe uma culpabilidade do indiví-
duo. Essa culpa pode aparecer nas crianças não ape-
nas no fator status de se ter ou não determinado brin-
quedo, mas também como fato de não participar da-
quilo que está como padrão na fábrica de ordem,
segundo os comerciais ou o produto mostrado na
vitrine da loja. Assim, à criança sente o peso da cul-
pa através das pressões, segregações e o questiona-
mento sobre porque ele não se encontra dentro da
sociedade de consumo, gerando um desespero na
criança que vai tentar de todas as formas sair dessa
situação incômoda na qual ela se encontra.
De acordo com Bauman, esse sentimento onde
a culpa cai sobre o indivíduo gerando comportamen-
tos para uma adaptabilidade, ultrapassa fronteiras e
dilui a lógica da nacionalidade e identidade local,
onde as regras e condutas morais giram em torno
desse contexto, usando a noção durkheimiana de
coesão social onde a culpabilidade individual apare-
ce como uma forma contemporânea de anômia.
3. O CONSUMO NA PRIMEIRA INFÂNCIA E
A MASSA EM CANNETI: O ESPECTADOR E
A IDENTIFICAÇÃO.
Para Canetti (1983), o conceito de massa não é
algo que pode ser visto sob uma perspectiva de clas-
se: deve ser vista no caso do objeto que tratamos
aqui, como um público espectador que se torna visí-
vel, concreto e algo mais estético do que sociológi-
co. Assim, a massa tem como objetivo manter uma
unidade sem a qual não tem uma razão para existir.
A política como soberania nacional, ideia de povo,
novamente caminhando para a unidade e não se con-
funde com a população que diz respeito apenas ao
número de habitantes. No entanto, o conceito de
massas diz respeito principalmente ao comporta-
mento, não propriamente pelo numero de pessoas,
mas por suas condições sociais e funções práticas de
ação.
Logo, a partir dessas premissas de Canetti,
podemos entender que a influência da grande mí-
dia, funciona como uma grande massa presente na
sociedade e sempre visível diante de nossos olhos.
No tema a influência do capitalismo na primeira
infância o consumismo e a exposição que este con-
sumo traz a criança, tratado aqui, a massa como
comportamento se expressa principalmente pelos
padrões de consumo ditados para uma camada
muito específica, mas que não se limita a ela. Ou
seja, o que poderia ser algo direcionado a uma
massa fechada, na realidade se torna uma massa
aberta, que passa a manifestar comportamentos
similares em torno dos produtos que são anuncia-
dos em todos os espaços que as crianças circulam
ou não.
Nesse contexto, a massa se forma a partir
da significação dos valores dos personagens pelo
consumo interfere na vida da criança, o que a atin-
ge de acordo com seu lugar social – logo, identifi-
camos que as crianças mais ricas comprarão os
produtos de maior valor, e os mais pobres passam
por um processo de coerção para adquirir os mes-
mos produtos das crianças com maior poder aquisi-
tivo.
O que importa no final das contas é que
esse consumo massivo aconteça não importando se
a criança tem condições financeiras ou não, pois já
sabemos que o capitalismo não possui pudor o que
denota desejos que vão ser expressos em comerci-
ais em filmes, desenhos animados e propagandas e
que serão observados até reproduzir comportamen-
tos e modelos, criando assim processos de coerção
social, até que a criança interiorize o conceito que
precisa e tem que comprar para se realizar”. De
modo que em muitos casos nem os pais procura-
ram saber a respeito do produto antes de comprá-
lo.
4. HARDT & NEGRI E AS DIFERENÇAS EN-
TRE MASSA E MULTIDÃO: INDIVIDUALI-
DADES E PADRONIZAÇÕES EM UM CON-
TEXTO DE CONSUMO NA PRIMEIRA IN-
FÂNCIA.
Percebo que no desenrolar da pesquisa para a
elaboração deste trabalho em que as individualida-
des e padronizações em um contexto de consumo
televisivo na primeira infância o corpo passa a
perder então sua autonomia de forma que os pro-
cessos de comportamento se tornam normatizados
nas escolas.
De modo que a cultura do consumo nas ins-
tituições escolares tem disciplinado e contribuído
para obter indivíduos economicamente dóceis poli-
ticamente.
No que diz respeito à preocupação da Bio-
política sobre os meios de mídia e sua ligação com
o consumo (como é o caso do objeto tratado neste
trabalho), percebe-se em vias teóricas que existe
toda uma atenção com o corpo social, meios e me-
canismos de controle assim como a importância do
aparelho Estatal para tais fins, sujeitos consumistas
já na primeira infância.
Essa combinação em torno da questão dos
corpos para Hardt e Negri (2005) em seus escritos
sobre multidão, faz com que o poder exercido pelas
máquinas e sistemas de informação – nesse caso, a
influência do capitalismo na primeira infância:
consumismo e exposição - para contratá-los e cau-
sar uma suposta sensação de bem-estar. As ativida-
des são monitoradas e se produzem o tempo intei-
ro.
Assim, o objeto coletivo forma o corpo eco-
nômico da globalização, o que difere das perspecti-
vas funcionalistas de análise predominantes do sé-
culo XX, sobretudo no que diz respeito aos meios
de mídia e o público visado para alcançar através
de propagandas que difundam a ideia de consumo
como necessário para obtenção de um estilo de vi-
da rotulado como ideal.
A multidão (a influência do capitalismo na
primeira infância: consumismo e exposição) deve
ser entendida como uma forma molecular, onde os
fluxos se movem e a diferença ganha destaque. E
nesse caso, se a positividade da multidão está no
fato de que não é necessário escolher entre a plura-
lidade e unidade, é preciso também levar em conta
o capital imaterial, as formas linguísticas, a relação
com a publicidade e a própria dimensão do traba-
lho como esfera do afeto, o que é perceptível se
levarmos em conta os estilos e os alvos das propa-
gandas exibidas em intervalos minimamente proje-
tados para atingir uma camada social, as crianças
na primeira infância tratada neste texto.
. CONCLUSÃO.
A questão da influência do capitalismo na pri-
meira infância, o consumismo e a exposição que
traz as crianças me fez
5concluir que o poder de compra – e o que se com-
pra – está sempre de acordo com o grupo no qual o
indivíduo pertence, sendo o ideal difundido não um
novo, mas um já existente visto pela ótica do consu-
mo é praticamente a mesma, muito embora seus me-
canismos tenham se modificado com a ascensão da
“nova classe média”.
Assim, nesse processo no qual o ser é moldado
pela sociedade e o “estar” social como pertencente a
determinado grupo que leva um tipo de vida visto
como ideal o afeto (ou o sentimento de pertencimen-
to no caso do objeto estudado neste texto) ligado ao
consumo aparece como elemento central de análise,
o que tentei colocar em diferentes pontos de vista,
alertando de maneira pungente sobre a padronização
de um estilo de vida “consumista pelas crianças já na
primeira infância”, o poder do simbólico e o imagi-
nário que é construído como ideal, direcionado a
uma camada de indivíduos o que torna problemático
que absorvam determinadas ideias relacionadas ao
“ter” sem uma reflexão mais crítica sobre a ação do
consumir.
Já sabemos que a criança não é autônoma, ela
sofre coerções e influências sociais, ela não é dona
de seu futuro passando e presente, ela é fruto de uma
construção social, econômica, política e cultural que
perpassa a família a escola e os meios de comunica-
ção, de maneira que a influência do capitalismo na
primeira infância tem como objetivo torna as crian-
ças infelizes com o que tem, a problemática maior da
exploração do capitalismo no que diz respeito ao
consumismo infantil é que esta propaganda exacer-
bada torna as crianças consumidoras hedonistas, in-
finitamente insatisfeitas e, contudo, são levadas a
perderem a sua inocência, e a se revoltarem contra
tudo e todos que tentam impedir seus objetivos de
consumo (Venturella, 2003).
De forma a distorcer, manipular valores mo-
rais religiosos e culturais, incentivar a obesidade in-
fantil, a erotização precoce, e excesso de agressivi-
dade, as crianças são corrompidas desde cedo para
tornarem-se pessoas consumistas e sem valores o
consumismo vem degradando nossa sociedade cada
vez mais, como principal alvo do consumismo as
crianças são usadas pelo fato de serem ingênuas e
sentem-se atraídas pelas novidades e pela facilidade
de influenciá-las com marcas e produtos, a publici-
dade se utiliza de cores, luzes, brinquedos e persona-
gens famosos que chamam bastante atenção das cri-
anças.
Portanto, os valores atribuídos às crianças
através do capitalismo, fere os direitos humanos na
medida em que o consumismo e a exploração já na
primeira infância não prioriza o respeito ao próximo
independentemente da posição social, econômica,
cor da pele, religião, não valorizando a pluralidade e
a diversidade, pelo contrário o único interesse do
capitalismo é o consumo e o poder de compra, pa-
dronizando modos de ser e pensar, com a produção e
compra de produtos supérfluos, criando um senso
egoísta de valorização da mercadoria e não do indi-
víduo.
Sendo assim, se faz necessário que se poten-
cialize as políticas publicas já existentes no nosso
país e que se proteja de fato as nossas crianças para
que estas se tornem adolescentes e posteriormente
adultos saudáveis, e que se crie outras que se desen-
volva uma educação já na primeira infância que va-
lorize o outro e não o poder de comprar determinada
mercadoria, rompendo com a força exercida pelo
capitalismo, cabendo aos pais e a escola despertar o
diálogo e por conseguinte o senso crítico nas crian-
ças, atribuindo significados e reconhecimento ao que
é verdadeiramente fundamental que é o respeito ao
outro, dano referências e sentido para a vida no meio
social no qual estas se relacionam e se identificam.
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XVIII
Se some, tem cuidado.
Se não some é fardo.
Cuida que ele não suma
Pois ficará mais pesado
Se sumir de tua alma.
É de uma Ideia de Deus que te fa-
lo.
Pesa mais se ausente
Pesa menos se te toma
Ainda que descontente
Te vejas pensando sempre
Num alguém que está aí dentro
De quem não conheces rosto
Nem gosto nem pensamento.
Cuida que tal ideia
Te tome. Melhor um cheio de den-
tro
Que não conheces, um fartar-se
De um nada conhecimento
Do que um vazio de luto
Umas cascas sem os frutos
Pele sem corpo, ou ossos
Sem matéria que os sustente.
Toma contento
Se te sabes pesado
Dessa ideia de Nada.
É um pensar para sempre.
E não sentes verdade
Que a vida vale em extenso
Altura e profundidade
Se vives do pensamento?
Este poema, constante do
livro “Poemas malditos, gozosos e
devotos”, é da poeta paulista Hilda
Hilst, um dos grandes nomes da
literatura em língua portuguesa da
contemporaneidade. Não vou aqui
analisá-lo como se repara em uma
máquina. A análise (se é que aná-
lise não é uma palavra propensa a
coisas muito formidáveis) que ten-
tarei tecer diz mais respeito ao
mundo de redemoinhos que este
poema vomita.
Tais versos resumem bem a
grã ideia do livro “Poemas maldi-
tos, gozosos e devotos” e reúnem
as básicas perturbações da poeta
quando se fala sobre o tema Deus.
Hilda Hilst parece viver o eterno
conflito dos cristãos que se que-
rem arrebatar das amarras do cris-
tianismo e de sua forma geral de
pensar.
RÁPIDA ANÁLISE DO POEMA ―XVIII‖ (POEMAS MALDITOS,
GOZOSOS E DEVOTOS), DE HILDA HILST
*Leonam Lucas
Nogueira Cunha
nasceu em Areia
Branca – RN e atu-
almente vive em
Natal – RN. É gra-
duando em Direito
pela Universidade
Federal do Rio
Grande do Norte
(UFRN). Publicou,
em 2012, seu pri-
meiro livro de poe-
sia, intitulado Gêne-
se, pela editora Sa-
rau das Letras, e,
em 2014, Dissonan-
te, pela mesma edi-
tora.
Hilda Hilst, no primeiro verso deste poe-
ma XVIII, começa por alertar a pessoa que dei-
xou Deus dela escapar; logo depois admite
que enquanto alguém preserva Deus – ou sua
mera ideia em seu íntimo – está a carregar um
peso. No entanto, sua inclinação maior, a que
parece ser mais
íntima, é a que
está contida nos
versos “Cuida
que ele não su-
ma// Pois ficará
mais pesado/ Se
sumir de tua al-
ma”.
Das três
primeiras estro-
fes tiramos que a
Ideia de Deus
sempre pesa.
Porém, se nós a
preservamos,
pesa menos.
Aqui já se deli-
neia o conflito
principal do poe-
ma, a grande du-
alidade por ele sustentada.
Deste ponto em diante, a poeta dá-se a
um processo argumentativo na direção de:
mesmo que a Ideia de Deus seja um fardo,
mesmo que traga males, dores, angústias, cas-
trações, mesmo que não conheçamos a cara
de Deus (nem a cara da Ideia de Deus), me-
lhor que seja ela a que nos sustente. Melhor
ela e o vazio dela que o vazio de não tê-la.
Parece-me uma inclinação ao defendi-
mento da ideia divina, mesmo que à fina força.
Por mais que, talvez, a poeta pense isto tudo
como absurdo (até chegar ao ponto de criar
proposições indubi-
tavelmente heréticas
em outros versos do
livro), não consegue
livrar-se daquilo (até
chegar ao ponto de
confessar eminente
amor por Deus). A
ideia acaba vestindo
uma roupa mais ele-
gante, mais atraen-
te. Neste toar, o
prof. de teoria literá-
ria da Unicamp, Alcir
Pécora, alerta, ao
debruçar-se sobre
“Poemas malditos,
gozosos e devotos”:
“A perigosa espe-
rança de que se
mantém é a de que
o Deus que se nega busca a perpetuidade de
seu ser na dor de quem o deseja”. O próprio
título do livro remete a esta tristeza, a esta an-
gústia de estar dividido e flagelado, a este car-
ma de ter que pensar Deus, a esta difícil tarefa
de sentir Deus, ao grande dilema de não que-
rer acreditar & preservar a crença à força e tão
verdadeiramente. Eis, para mim, sucintamente,
o carma do teísta.
* Johnie Neves - 29 Anos. Estudante Ciências So-ciais—UFRN.
C hegamos
ao nosso
último texto
sobre o li-
vro “A arte de Vida”,
de Zygmunt Bauman.
Aquela pausa que
estamos falando des-
de o primeiro desses
cinco textos, e que
nos acompanhou e
nos acompanha inse-
paravelmente, pode-
rá ser prolonga-
da para além
dessa leitura,
transcendendo
os conceitos que
aqui em forma de
convite foram
apresentados.
“A escolha” é o
título da terceira e
última parte do livro
de Bauman. Em se-
guida ele apresenta
um posfácio sobre
organizar e ser orga-
nizado. Curiosamen-
te o autor nos leva
para uma reflexão de
Kant, já apresentada
em capítulos anterio-
res do livro e enfati-
zada nas sequencias
dos textos da nossa
revista, quando colo-
ca que: a felicidade é
um ideal não da ra-
zão, mas da imagina-
ção. E com esta co-
locação no livro, é
possível relacionar
aos aspectos de livre
arbítrio que Bauman
apresenta como sen-
do uma característica
de nossas vidas, in-
dependente de situa-
ção mais ou menos
consciente, e acres-
centa citando Tho-
mas Hardy ao afir-
mar que “o destino
do homem é seu ca-
ráter”.
Outra citação tam-
bém bastante curiosa
quando Zygmunt
Bauman fala sobre
nossas escolhas é a
descoberta do mete-
orologista Edward
Lorenz de que uma
borboleta batendo
suas asas em Pe-
quim poderia alterar
as trajetórias dos fu-
racões no Golfo do
México, e que nos-
sas escolhas são fru-
tos das nossas
ações protagonistas,
como verdadeiros
artistas da vida que
somos.
Para esclarecer di-
versos conceitos e
apresentar ao leitor
as suas indagações,
Bauman discorre so-
bre os argumentos
de Friedrich Nietzs-
che e do filósofo Em-
manuel Levinas
sobre a busca da
felicidade se con-
centrar no próprio
bem-estar do in-
divíduo ou na
busca pelo bem-
estar do próximo,
do outro, e a res-
ponsabilidade que
temos diante dessa
escolha.
Para Bauman, a es-
colha fundamental
que todos nós en-
frentamos em nossa
busca pela felicida-
de, passa pela carac-
terística do livre arbí-
trio e pela responsa-
bilidade assumida
por cada um de nós,
e retorna ao início do
livro quando apre-
sentou uma passa-
gem do filósofo Sê-
neca:
Referência:
Bauman, Zygmunt. A arte da vida; Tradução, Carlos Alberto Medei-ros – Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
É desejo de todo homem...
viver feliz,
mas quando se trata de ver
claramente o
que torna a vida
feliz,
eles tateiam em busca da luz;
de fato, uma medida da difi-
culdade de
atingir a vida feliz
é que, quanto maior a energia
que um
homem gasta empenhando-se
por ela,
mais dela se afasta
caso tenha errado em algum
ponto do
caminho...
(Sêneca, “Sobre a vida feliz”)
De Sêneca para os dias de
hoje, o nosso autor em refe-
rência afirma, que passados
mais de dois milênios, não pa-
recemos estar muito mais per-
tos dessa luz, e que continua-
mos tateando, e esse
tatear é exatamente a
“arte da vida”.
Como nosso intuito foi
exatamente proporcio-
nar uma pincelada na
tela deste tema tão
desafiador, aqui fica o
último convite dessa
sequência de textos:
leiam este livro, vale
muito e faz refletir
bastante sobre a arte
da vida.
Agradeço aos amigos
leitores e em breve
nos encontraremos
em novas pinceladas
em outras obras. Um
grande abraço. Até
breve.
Marcio Dias, 55, é Di-
rigente do Partido Co-
munista do Brasil
(PCdoB), Secretário
Geral do SINDIPETRO
-RN e presidente em
exercício da Central
dos Trabalhadores e
Trabalhadores no Rio
Grande do Norte (CTB
-RN)
Sociólogo
h t t p : / /
www.facebook.com/
marcio.azevedo.dias
Twitter: @marcioa_dias
Endereço Eletrônico:
m a r c i o a z e v e -
"Essas pessoas po-
bres estão fugindo
da guerra, da fome,
mas essa é a ponta
do iceberg porque
por baixo está a
causa; E a causa é
um sistema socioe-
conômico ruim e
injusto ..." – papa
Francisco
A situação dos imigrantes
só eles sentem e sa-
bem, mas quase sempre
a imigração em massa é marca-
da por uma história de guerras,
perseguição, abandono, fome,
desemprego, violência, doenças,
desespero e morte. Sonhos des-
troçados, enfim, vidas ceifadas
em meio a um mundo de tragé-
dias acompanhada de miséria,
sofrimento e dor.
São guerras que destroem paí-
ses inteiros e transformam as
pessoas em refugiados sem ci-
dadania e, portanto, sem direito a
uma vida digna ou, pelo menos,
a ter a oportunidade de lutar por
uma. O imigrante é discriminado
e um condenado, quase sempre,
vive nas sombras e na escuridão
das grandes cidades, e, em mui-
tos casos, é cassado pela “mão
invisível” do Estado do país onde
esteja vivendo, geralmente, na
clandestinidade. Tudo é muito
difícil.
Presentemente, estamos diante
de mais um desses acontecimen-
tos. Na verdade, mais uma tragé-
dia humanitária. Milhões de imi-
grantes desesperados oriundos
do Iraque, Paquistão, Eritreia,
Somália, Nigéria, Afeganistão e,
principalmente, da Síria no Ori-
ente Médio, e, também, do Egito,
Iêmen e Líbia do norte da África.
Todos estão fugindo da guerra
em direção a vários países da
Europa, especialmente Itália,
Grécia, Hungria e Espanha. Mas,
também, da Alemanha que espe-
ra receber mais ou menos 800
mil refugiados.
Desde 2014 já são mais de 1 mi-
lhão de refugiados que entraram
nas fronteiras da Europa. Mas,
não apenas da Europa. A Tur-
quia já viu crescer sua população
em 2,4 milhões, juntamente com
o Líbano com 1,1 milhão e a Jor-
dânia que já recebeu mais ou
menos 900 mil imigrantes.
Milhares morreram afogados no
mar Mediterrâneo tentando che-
gar à costa da Itália e da Grécia
em barcos superlotados. São as
vítimas dos traficantes de pesso-
as que transportam imigrantes a
peso de ouro e, frequentemente,
roubam e cometem abusos e vio-
lência contra os imigrantes.
Mas afinal, o que está por trás da chamada cri-
se dos imigrantes da Europa?
Para além do processo de colonização dos pa-
íses do Oriente Médio e da África pelas poten-
cias imperialistas europeias que pilharam suas
riquezas, e mais recentemente, as invasões do
Afeganistão e Iraque promovidas pelos EUA
para saquear o petróleo e por outros interes-
ses.
Passando pela luta anticolonial que possibilitou
a conquista da independência e construção de
uma identidade nacional daqueles povos. Até a
invasão do Iraque e Afeganistão pelos EUA e
OTAN e, mais recentemente, na evolução dos
acontecimentos da grande
farsa e engodo em que se
transformou a tal
“Primavera Árabe”, por su-
as promessas não cumpri-
das.
Todos esses acontecimen-
tos são importantíssimos para compreender-
mos essa situação e a atitude dos refugiados,
porque foi na esteira de todos esses processos
históricos que os povos desses países adquiri-
ram uma consciência e uma atitude política
histórica diante das intervenções criminosas
promovidas pelo EUA e OTAN nesses países.
Intervenções impostas através de bombas com
o apoio de grupos de oposição corruptos,
agências de espionagem e tropas sempre
acompanhada de falsas promessas de “paz”,
“democracia”, “liberdade” e “prosperidade”.
São essas ações, juntamente com a de grupos
terroristas e mercenários que estão invadindo,
destruindo, saqueando, desestabilizando e de-
sintegrando esses países, as grandes respon-
sáveis pela chamada "crise dos imigrantes"
que se abate sobre a Europa.
Neste sentido, a situação da Síria é a mais em-
blemática. Lá, segundo os EUA e a OTAN,
existe uma guerra civil, desencadeada por re-
beldes que tentam derrubar o governo do pre-
sidente Bashar Al Assad alegando tratar-se de
uma ditadura. Essa é a versão disseminada
pelo imperialismo e trombeteada pela grande
mídia golpista.
Mas, basta um exame mais atento sobre quem
atua na Síria para ver que, na verdade, o que
existe alí são grupos de terroristas e mercená-
rios organizados pela CIA para derrubar o go-
verno sírio devido a interesses políticos e
econômicos, visando o controle do petróleo, o
comércio de armas e a desestabilização das
relações da Síria com o Irã e a Rússia.
Ou seja, na Síria, os rebeldes
são uma minoria que perdeu
o controle e as pessoas es-
tão fugindo, não do governo,
mas da violência provocada
pelos mercenários, terroristas
e demais grupos interessa-
dos em derrubar o presidente sírio numa guer-
ra praticamente terceirizada.
O que pode resultar dali é imprevisível e de
proporções inimagináveis, uma vez que os gru-
pos envolvidos para derrubar o presidente Bas-
har Al Assad são inimigos entre sí, como por
exemplo, os Sunitas, os Xiitas e os Curdos.
E ainda, os rebeldes que, por sua vez, apoiam
os Palestinos e querem a repatriação das Coli-
nas de Golã - que estão ocupadas por Israel -
para a Síria e, ao mesmo tempo, esses rebel-
des são contra as invasões do Iraque e do Afe-
ganistão pelos EUA e OTAN.
Neste momento, a Síria está totalmente desin-
tegrada, dividida e ocupada por diversos gru-
pos terroristas que agem movidos por interes-
ses próprios e pelos interesses políticos e
econômicos dos EUA.
Nesse cenário, a escalada da guerra é cada
vez maior com cada um dos lados enviando
tropas e armamentos, ou seja, os países do
golfo, Turquia, EUA e OTAN contra o governo
de um lado, e Rússia, Hesbolah e Irã a favor
do governo do outro.
O resultado de tudo isso será mais guerra, des-
truição, fome, miséria, doenças e mortes. E o
desespero de milhões de imigrantes que conti-
nuarão invadindo a Europa por todos os lados.
Do deserto ao Mar Mediterrâneo. É a maior cri-
se humanitária des-
te século.
Uma crise que reve-
la a falência da
ONU que, mais
uma vez, foi inca-
paz de evitar uma
tragédia humanitá-
ria e revela, tam-
bém, a hipocrisia,
subserviência e co-
vardia da Europa e,
por fim, a arrogân-
cia dos EUA com
sua política externa
de guerra e golpis-
mo.
Inegavelmente essa
é uma situação de muita gravidade e perigo
iminente de uma guerra de proporções conti-
nentais, pois, ao tempo em que é preciso for-
necer ajuda humanitária e solidariedade para
milhares de pessoas que estão fugindo da
guerra e do terrorismo, corre-se o risco de es-
tar abrindo as portas para “mil demônios” que
podem estar infiltrados no meio dos imigrantes.
E, como todos sabem, a Europa está em meio
a uma crise econômica profunda e não será
fácil receber milhões de refugiados. A maioria
são pobres e estão precisando receber o míni-
mo de atenção do Estado para que possam se
adaptar e ter uma oportunidade para reconstru-
ir suas vidas.
Por outro lado, muitos europeus estão desem-
pregados e temem a concorrência dos traba-
lhadores imigrantes. Isso, certamente, será
usado como moeda eleitoreira pela extrema
direita para assustar ainda mais os europeus
com seu discurso xenófobo.
Em meio a tanto sofrimento e mortes é preciso
denunciar que os países europeus não se en-
tendem sobre como enfrentar e dividir as res-
ponsabilidades diante da tragédia e os EUA, os
maiores responsáveis por essa situação, estão
anunciando “triunfalmente” que irão receber 10
mil refugiados em 2016.
Por fim, uma pergunta que não quer calar: Se-
rá que a ONU vai convocar uma conferência
internacional para discutir e definir o que fazer
com relação aos imigrantes... refugiados... asi-
lados... enfim, os órfãos da Primavera Árabe?
Com a palavra a ONU.
*Alipio de Sou-
sa- (Professor da
UFRN. Doutor em
sociologia pela
Sorbonne-Paris
V.) e editor da re-
vista Bagoas.
O país vive,
nos dias atu-
ais, um surto
de ignorância conser-
vadora que se pode
constatar na produção
de cretinices, por con-
servadores e reacio-
nários, nas formas de
ideias, propagandas e
campanhas sobre di-
versos assuntos da
vida pública e do âm-
bito da vida privada.
Nos últimos anos,
pessoas com posicio-
namentos políticos e
morais conservadores
e reacionários, com a
forte contribuição de
correntes religiosas
católicas e evangéli-
cas, deliram com as
seguintes teses: a ala
do governo federal
constituída pelo PT, o
que inclui a presiden-
te da República, tenta
realizar o que acredi-
tam ser uma
“revolução bolivaria-
na” no país, tenta im-
plantar o “comunismo”
e já impôs uma
“doutrinação ideológi-
ca” nas escolas para
a “imposição de valo-
res contrários à pro-
priedade privada, à
tradição e à família,
desvirtuando a boa
educação que a famí-
lia cristã brasileira
oferece aos seus
amados filhos” –
qualquer semelhança
com a TFP não é me-
ra coincidência. É isso
que chamo o delírio
conservador no Brasil.
Dizer que é um delírio
não significa que o
tomo por irreal, bem
ao contrário, está aí
na realidade cotidiana
e atuante, suas ideias
é que são delirantes,
verdadeiras alucina-
ções.
Ora, o que o governo
federal, às vezes em
sintonia com gover-
nos estaduais e muni-
cipais, vem buscando
construir no país não
é “revolução bolivaria-
na”, “comunismo”
nem “doutrinação ide-
ológica” sobre o que
quer que seja. Não é
mais que uma tentati-
va de implementar,
aos troncos e barran-
cos, políticas públicas
do Estado de Bem-
Estar social no país,
muito atrasadamente
na história, com pro-
gramas e políticas go-
vernamentais que em
diferentes partes do
mundo já vigoram co-
mo consensos sociais
há várias décadas – e
cujos fracassos mais
recentes, em alguns
países, têm feito ne-
les surgir concepções
e atitudes xenófobas,
racistas, discriminató-
rias e que estimulam
a segregação social.
É também uma tenta-
tiva de tornar possível
a existência, no Bra-
sil, de um Estado lai-
co, secularista, liberal
e democrático, isto é,
moderno, que sus-
penda toda funda-
mentação de seus
atos a partir de pontos
de vistas religiosos,
valorações culturais e
morais e práticas de
atividade econômica
que representem
atentados contra à
igualdade de direitos
de todas as pessoas
e ao reconhecimento
social e jurídico de
todas elas. Ainda, o
que se procura nas
políticas governamen-
tais recentes no nos-
so país nada mais é
que uma tentativa de
fazer que, no Brasil, a
cidadania deixe de
ser, como denunciou
a filósofa Marilena
Chauí,
“um privilégio de classe”. Um
“ideal de civilidade”, como as-
sim nomearam os filósofos
John Rawls e Jurgen Haber-
mas, que, no Ocidente moder-
no, persegue-se a pelo menos
dois séculos, mas que, no
Brasil, a ignorância conserva-
dora de muitos faz pensar que
se trata de uma “revolução”
que começou na Venezuela e
que o PT quer arrastar para o
país.
Mas, país habituado a figura
do “senhor-cidadão”, como
também denunciou Chauí, he-
rança da sociedade escravista
que nos fundou e permanece
como modelo para boa parce-
la da população, “sociedade
de natureza autoritá-
ria” (citando ainda M. Chauí),
aqui, o Estado de Bem-Estar
social, liberal e democrático
moderno, por mínimo que ain-
da seja, é visto por muitos,
gente conservadora e reacio-
nária, em sua assombrosa ig-
norância, como políticas de
“privilégios”. Diariamente, é
possível ouvir pessoas falando
de direitos de trabalhadores
como concessões que permiti-
riam cobranças autoritárias de
“comportamento”: como se o
direito existisse para alavan-
car novas subordinações e
não para a promoção da cida-
dania de todos. Que se leia a
entrevista da presidente do
Sindicato dos Empregadores
Domésticos do Estado de São
Paulo, que, recentemente, ao
falar dos novos direitos dos
empregados domésticos, as-
sim se manifesta: “Tenho me-
do de como caminhará em
uns anos, porque hoje nin-
guém respeita ninguém”. E
arremata: “cada pessoa preci-
sa saber o seu lugar”.
Vivemos no país em que o
conceito de direitos humanos
e políticas de direitos huma-
nos foram transformados em
estranho ente sem igual em
outras partes. Explica-se as-
sim que se diga: “os direitos
humanos somente defendem
bandidos” ou os “direitos hu-
manos nunca pensam nas fa-
mílias das vítimas”. Nessas
expressões, temos um caso
em que a predicação do sujei-
to oracional transforma um
conceito abstrato em agente
vivo, em substância agente,
corporificando algo de sentido
conceitual em atores, perso-
nagens, instituições, e para
seu desprestígio. Frases que
são também ecos de um pen-
samento expresso no dito
“bandido bom é bandido mor-
to” – algo saído das cavernas
do obscurantismo e da estupi-
dez produzidos no país, mas
repetido até por governantes,
parlamentares, juízes e por
policiais, estes últimos mais
que todos.
A alucinação ideológica
conservadora e homofóbica
cria a ―ideologia de gênero‖
O delírio conservador produziu
também uma alucinação à
parte: a bizarra invenção se-
gundo a qual anda em curso
no país a difusão de uma
“ideologia de gênero”, como
dizem!, ainda que conservado-
res e reacionários de todas as
colorações nem mesmo sai-
bam do que estão falando:
nem o que é gênero e menos
ainda o que é ideologia!
Prova disso pude testemunhar
com minha participação recen-
te na Audiência Pública sobre
o tema, realizada pela Câmara
Municipal de Natal. Nela, esta-
vam pessoas dispostas a fa-
lar, sem o menor pudor, tudo o
que de mais atrasado e igno-
rante pode ser dito sobre o
assunto: opiniões de senso
comum, preconceitos e agres-
sões à dignidade de gays, lés-
bicas e trans (e também à dig-
nidade de mulheres), acusa-
dos de ser responsáveis pela
criação da tal “ideologia de
gênero”. E tudo pronunciado
com ressentimento, uma vez
que o delírio faz crer que o Es-
tado, através dos governantes
atuais, “abandonou a família
brasileira, cristã, que está sen-
do atacada e ameaçada nas
escolas brasileiras, por orien-
tação do MEC, por uma mino-
ria de professores, intelectuais
e acadêmicos que querem
desvirtuar a educação moral
que as famílias dão aos seus
filhos”, por pretender impor
uma “ditadura gay” no país e
impor uma “ideologia” (sic.)
contrária às “leis de Deus” e
às “leis da Natureza” que
“fizeram o homem para a mu-
lher”, “biologicamente defini-
dos nos seus gêneros e sexu-
alidade” e que “a escola não
pode pretender alterar”.
Na audiência, ouvi outras tan-
tas tolices e rosários de vitu-
périos ignorantes, ditos por
pessoas que nem mesmo sa-
bem que não sabem. Nem
mesmo o advogado que
esteve ali como represen-
tante da OAB/RN deixou
de manifestar seus precon-
ceitos e posicionamentos
conservadores, mas igual-
mente revelando seu des-
conhecimento quanto aos
estudos da antropologia,
sociologia, psicologia e histó-
ria sobre sexualidade e gêne-
ro, domínios das ciências hu-
manas com mais de um sécu-
lo de produção sobre o assun-
to. Aliás, diga-se aqui, seus
posicionamentos não expres-
saram os da OAB, entidade
que tem a desembargadora
aposentada e advogada Maria
Berenice Dias como Presiden-
te da Comissão da Diversida-
de Sexual do Conselho Fede-
ral da OAB nacional, que tem
lutado no campo jurídico pela
institucionalização dos direitos
gays. Com a palavra a OAB/
RN para dizer qual seu efetivo
posicionamento sobre o as-
sunto, uma vez que não é crí-
vel que seja aquele expresso
pelo advogado que a repre-
sentou na audiência pública.
Para conferir, é só ver, em fil-
magem realizada pela TV Câ-
mara, tudo o que ali se disse.
Mas vamos ao principal:
“ideologia de gênero” é o que
os setores religiosos funda-
mentalistas e conservadores
do país praticam e pretendem
preservar. Especificamente
para o assunto em destaque,
primeiro, na infância; depois,
na vida juvenil e adulta, nas
famílias, a ideologia do bina-
rismo homem/mulher e das
normas de gênero chegam
através das ideias heteronor-
mativos, masculinistas, ma-
chistas, sexistas e homofóbi-
cos. Em seguida, nas escolas,
que, salvo raríssimas exce-
ções, são reprodutoras desses
mesmos modelos sociais. As
mídias, em geral, prolongam a
sua difusão e internalização, e
as igrejas, na abordagem do
sexo e do prazer, completam o
assédio moral e psicológico do
discurso ideológico.
Não são professores, nas es-
colas ou nas universidades,
que praticam a “ideologia de
gênero”, mas as mídias, as
igrejas, as famílias, os discur-
sos moral, religioso e político,
ao difundirem ideias que ne-
gam o caráter construído de
toda realidade e, por isso mes-
mo, o caráter revogável de to-
das as instituições sociais
existentes, no que se inclui
também as noções de gênero
sexual, identidade de gênero,
sexo, sexualidade. Tentando
fazer crer a todos que a reali-
dade dos gêneros e a realida-
de do desejo e das práticas
sexuais são de natureza natu-
ral, como diria o sociólogo Pi-
erre Bourdieu, o discurso ideo-
lógico e seus cães de guarda
procuram negar que o ser hu-
mano é, de alto a baixo, uma
construção cultural, social e
histórica, tanto quanto ele é
capaz de realizar modifica-
ções, transformações, não
tendo nada que o obrigue a
permanecer o mesmo, ainda
toda a força da socialização,
pois, diferentemente dos ani-
mais, somos uma espécie sem
direção e especialização bioló-
gicas fixas e prévias, o que
nos permite construir e re-
construir a nós mesmos.
É assim que, em sexo e em
construções do gênero, pode-
mos ser tão variáveis e reali-
zar opções que nada têm a
ver com conformações anatô-
micas, morfológicas e fisiológi-
cas, tidas erradamente por,
em si mesmas, definidoras de
desejos e práticas, ideologica-
mente representados como
“naturais”. Quando são da
ordem de escolhas libidinais
que se tornam a “causa” da
“política do desejo” de cada
um, tornando-se a potência
que engaja cada um na cons-
trução de sua autonomia eró-
tica e identificações de gêne-
ro. Conservadores, reacioná-
rios e fundamentalistas religi-
osos morrerão com seus delí-
rios mas não virão jamais fe-
necer a “causa” do desejo e o
que ela é capaz de criar, sub-
verter, transformar, ainda que
permaneçam todas as suas
vãs tentativas de governar os
indivíduos.
As pesquisas conduzidas por
todos nós que nos ocupamos
com os estudos de gênero e
sexualidade apoiam-se nas
regras da produção do conhe-
cimento científico e em dados
empíricos, dados da vida soci-
al, dados da vida. Como nos
ensinou Nietzsche: “a vida
veio antes da moral” e, por-
tanto, não seremos negado-
res da vida e suas expres-
sões, subordinando-a a ques-
tionáveis morais e a refutáveis
crenças sem fundamento. Sa-
botar o conhecimento produzi-
do pelas ciências humanas
sobre gênero e sexualidade,
impedir que ele chegue às es-
colas e negá-lo às crianças e
jovens são atos de sabota-
gem de vidas, da vida. De vi-
das de muitos adolescentes e
jovens que experimentam, co-
tidianamente, a violência da
humilhação, da discriminação,
do bullying, sem muitas vezes
não terem a quem recorrer.
Uma realidade que se prolon-
ga nos assassinatos de mu-
lheres, nas
agressões
homofóbicas,
nas discrimi-
nação e vio-
lência contra
transexuais.
O assédio
moral e ideo-
lógico que as
escolas, os
professores
e os planos
de educação
vêm sofren-
do no país
merecem
considera-
ções de pro-
curadores e
promotores
federais, estaduais e munici-
pais, pois bem podem ser tra-
tados como ingerências inde-
vidas e ameaçadoras à pro-
moção da educação e do pro-
gresso cultural da sociedade
brasileira, de suas crianças e
seus jovens.
Professores, pesquisadores e
intelectuais de todo o país, uni
-vos! É tempo de rebelião! Às
barricas, com canetas e livros
nas mãos! Conservadores,
reacionários e fundamentalis-
tas religiosos não passarão!
* Angelo Girotto Escritor. Autor de Ronda
Crônica (Sol Negro, impresso;
CJA, ebook) e O espetáculo do
mundo (CJA), ambos de 2015;
e editor da revista Pardal
(antiga Tá na Cara!) desde
2003. É também jornalista,
com mestrado em Ciências So-
ciais.
E sta crítica foi escrita
para a disciplina de
Sociologia da Comu-
nicação, ministrada
pelo querido professor Sebasti-
ão Faustino.
Uma Onda no Ar nos con-
ta a história da Rádio Favela,
projeto de rádio comunitária
desenvolvido na cidade de Belo
Horizonte, que recebeu diver-
sos prêmios, dentre os quais o
reconhecimento de sua utilida-
de pela ONU – Organização
das Nações Unidas.
Utilizando-se de um dis-
curso direto e intencionalmente
proselitista, o filme dirigido por
Helvécio Ratton faz uma expo-
sição clara dos motivos que le-
varam os habitantes da favela
mineira a criar sua rádio pirata
e de como esta iniciativa se de-
senvolveu, culminando na lega-
lização e reconhecimento públi-
co da rádio.
Perpassando os anos fi-
nais da Ditadura Militar e a dé-
cada de 90, o filme traz um pa-
norama da concentração dos
meios de comunicação no Bra-
sil contemporâneo. Essa con-
centração é responsável pela
visão estereotipada que grande
da população tem acerca das
favelas e de seus habitantes.
Nada mais propício, então, do
que por a
rádio pirata
no ar no
mesmo ho-
rário da
Voz do Bra-
sil, tradicio-
nal progra-
ma do go-
verno fede-
ral que
abrange todas as emissoras.
Como isso, além da crítica ao
regime, a rádio ganhava notori-
edade por apresentar uma pro-
gramação alternativa à enfado-
nha propaganda governamen-
tal.
Uma Onda no Ar estreou
no Brasil pouco tempo depois
de Cidade de Deus, um grande
sucesso também ambientado
numa favela, no caso, a Cidade
de Deus, no Rio de Janeiro. E
tal como o filme de Fernando
Meirelles, Uma Onda no Ar se
utiliza de atores amadores para
interpretarem seus papeis, os
papéis que são suas próprias
vidas. Essa opção trouxe van-
tagens e desvantagens. Com
um orçamento muito menor e
menos tempo para realizar ofi-
cinas de interpretação, a produ-
ção mineira contou com de-
sempenhos de alto nível dra-
mático, contudo, também con-
tou com exibições destoantes,
que rebaixaram a qualidade da
obra.
Ainda por ocasião da proximidade entre
as datas de lançamento dos dois filmes, outras
comparações surgiram à época. Moradores de
favelas ficaram satisfeitos com Uma Onda no
Ar por ele retratar uma face da vida nessas co-
munidades que foi marginalizada no roteiro de
seu predecessor, que seja a vida da população
humilde que se sustenta honestamente e con-
segue ter um cotidiano de relativa normalida-
de, apesar do preconceito e da repressão dos
quais são vítimas.
Mas talvez o grande debate que trans-
cende em Uma On-
da no Ar seja exata-
mente acerca da de-
mocratização dos
meios de comunica-
ção. O filme mostra
como a ausência de
espaço na grande
mídia aumenta a dis-
tância entre os mais
ricos e os mais po-
bres. Mostra tam-
bém como os meios
podem ajudar na
construção da cida-
dania e na superação de males como o tráfico,
o vício e a violência, que andam de braços da-
dos.
Por isso, por propor uma análise do fenô-
meno de concentração dos meios de comuni-
cação no Brasil e de discutir alternativas, o tom
proselitista e a linguagem cinematográfica ex-
tremamente simplificada de Uma Onda no Ar
se justifica. O filme busca de todas as formas
se fazer entender, por mais que peque neste
aspecto na demarcação do tempo histórico e
na caracterização dos tempos ditatoriais. Em
certa altura, o regime pós 84 é retratado de for-
ma similar ao anterior, não aparecendo no en-
redo os sinais das significativas mudanças por
que passou o país naqueles anos. De certa
forma, contudo, podemos relativizar esta falha,
pois, mesmo com a abertura, o Ministério das
Comunicações permaneceu inabalável em sua
determinação de manter a rádio na ilegalidade,
o que, numa percepção hermética dos fatos,
levaria a crer que de fato houve poucas mu-
danças.
Cheio de referências aos movimentos
Black e outros da cultura pop alternativa, o fil-
me também se reveste de resgate e homena-
gem. E um dos seus
melhores momentos
certamente está no
final, no making off,
onde surgem os per-
sonagem da vida re-
al da favela e da Rá-
dio Favela. É, sem
dúvida, imperdível.
Outro belo ato se
passa na cena em
que uma persona-
gem sobe os arcos
de uma ponte can-
tando Negro Gato,
cena que esbanja descontração e leveza.
Por tudo o que representa e defende,
Uma onda no Ar é um filme imperdível. Na
grande vala dos estereótipos e da omissão em
que a produção cinematográfica brasileira se
afunda, ele surge com destaque e vigor. Não
apela a nenhum romance barato como plano
de fundo, não traz nenhuma cena de orgia ou
de mulheres de biquíni ou concurso garota da
laje e seus popozões. O filme não apela pras
esses recursos já batidos em nosso cinema,
por mais que seja uma obra apelativa. Uma
Onda no Ar apela, mas apela às nossas cons-
ciências, não aos estímulos escrotais.
* Homero de Oliveira
Costa, Prof. do De-
partamento de Ciên-
cias Sociais da
UFRN.
É inegável que
há no Brasil
de hoje duas
crises, uma
econômica, cujos des-
dobramentos ainda
são imprevisíveis, e
uma crise política, ex-
pressando a fragilida-
de do governo, quer
perante a sociedade
civil, com altos índices
de rejeição, e uma
política econômica
inversa ao que foi pro-
metido no curso da campanha
eleitoral, minando a confiança,
quer no Congresso Nacional,
onde não tem uma base de
apoio consistente. Ao mesmo
tempo, há uma clara partidariza-
ção da chamada grande mídia,
de oposição ao governo (com
raras exceções, não há vozes
alternativas) o que contribui para
ampliar a crise de credibilidade.
Assim sendo, é possível afirmar
que existe uma crise das institui-
ções políticas e mesmo do cha-
mado presidencialismo de coali-
zão? Ou trata-se apenas da in-
capacidade do governo... Em
governar? Creio que é uma con-
junção de fatores. Há uma crise
econômica, mas também uma
crise mais geral do sistema parti-
dário e eleitoral, cuja oportunida-
de de reformar foi perdida com a
não aprovação de uma ampla e
necessária reforma política. Um
dos aspectos dessa crise é jus-
tamente a queda de confiança
nos partidos políticos e a distân-
cia que se amplia entre repre-
sentantes e representados. Di-
versos autores tem analisado a
perda da representatividade dos
partidos políticos, que não é es-
pecífica do Brasil, mas também
das democracias consolidadas.
Há uma crise de representação
política, com um declínio dos
partidos (diminuição da partici-
pação eleitoral, decrescentes
índices de filiações, etc.), que se
expressa também no apoio à de-
mocracia. Uma pesquisa do
IBOPE divulgada em setembro
de 2015, mostrou que houve um
aumento da insatisfação com a
democracia em relação à pes-
quisa anterior(2014). Só 15%
dos brasileiros se dizem
“satisfeitos” com o regime demo-
crático, 36% estão “pouco satis-
feito” e 45% estão “nada satisfei-
tos”.
FALE CONOSCO
O índice mais alto de apoio à democracia ha-
via sido em 2013. Após a onda de protestos de
junho, os “nada satisfeitos” eram 29%, em
2014 baixou para 22% e em 2015 dobrou, che-
gando a quase metade da população. Nesse
quesito de apoio à democracia, o Brasil ocupa
os últimos lugares em termos comparativos na
América Latina. Se há uma queda na confian-
ça na democracia, cresce também a descrença
em relação aos partidos políticos, com o au-
mento do absentismo eleitoral, que é uma das
expressões da rejeição ao sistema político e
eleitoral. Nas eleições de 2014, por exemplo,
o nível de abstenção nas eleições presidenci-
ais foi o mais alto desde 1998, quando Fernan-
do Henrique Cardoso foi reeleito (e, registre-
se, com menos votos do que o somatório dos
votos em brancos, nulos e abstenções). Em
2014, 19,4% do eleitorado não compareceu às
urnas no primeiro turno. No segundo turno,
houve um aumento para 21%. Em termos nu-
méricos foram 27,7 milhões dos 142,8 milhões
de eleitores. Somando com os 4,4 milhões de
votos em brancos e 6,6 milhões de votos nu-
los, representam mais de 38 milhões de aptos
a votar que se abstiveram, votaram em branco
ou anularam o voto. No Rio Grande do Norte,
a abstenção na eleição para governador, foi a
maior do país. Isso significa afirmar que uma
parcela significativa da população não se reco-
nhece naqueles a quem deveriam representá-
los. Como disse Michel Maffesoli “o fenômeno
da abstenção, particularmente evidente para
as novas gerações, é a forma mais visível,
mas não a única, do desprezo que existe entre
as massas populares e as elites”. O ritual das
eleições só é apreciado, na verdade, sob sua
forma espetacular (...) ou “desenvolvimento
exponencial da espetacularização do políti-
co” (“O conformismo dos intelectuais”, editora
Sulina, 2015, pgs. 30/31). O que parece haver
é uma crise das instituições representativas e
nesse contexto os partidos deveriam ser prota-
gonistas, mas têm fracassado enquanto instân-
cias de representação, ou seja, da função de
representação dos interesses da sociedade.
*Roberto Noir é filóso-
fo, formado pela UFRN em
2008. Leciona a disciplina
na rede estadual de ensino.
Também é poeta e associa-
do à SPVA (Sociedade dos
Poetas Vivos e Afins).
Acredita que a filosofia e a
arte são os caminhos mais
curtos para se atingir o Nir-
vana, a Ataraxia ou sim-
plesmente a paz definitiva.
Email: kuro-
C ertamente
que já ouvi-
mos alguma
vez que a arte liber-
ta. Porém graças ao
nosso mau hábito de
ouvir e não refletir,
deixamos tal afirma-
ção de lado, como se
ele fosse simples-
mente uma frase de
efeito destituída de
um significado mais
profundo. E de fato,
quando dita por cer-
tas pessoas, ela re-
almente o é. Mas
afinal, a arte liberta
do quê? Da dor? Do
sofrimento? Da ig-
norância?
Ao que parece,
não. Muitos artistas
já sucumbiram à
tristeza, tristeza esta
que apenas serviu
de inspiração para a
criação de seus tra-
balhos, mas que não
foram suficientes pa-
ra libertá-los do sofri-
mento. Podemos ci-
tar os exemplos de
Florbela Espanca e
de Kurt Cobain, am-
bos suicidas. Tam-
bém não liberta da
ignorância: ela pode
até abrir portas para
que a mente de
quem produz ou
aprecia mas não é
suficiente, visto que
é preciso uma atitu-
de autônoma de li-
bertação, que não se
restringe a apenas
ler livros e apreciar
os mais diversos ti-
pos de arte. Não é
difícil encontrar pes-
soas que possuem
muito conhecimento,
mas que estão reple-
tas de soberba e não
respeitam o outro.
Para alguns pensa-
dores, como Sid-
dharta Gautama, não
adianta ter conheci-
mento se não se tem
respeito pelo próxi-
mo.
A arte em si não
possui o poder de
libertar, contudo é
um instrumento que
pode (e deve) ser
usado para romper
com as amarras con-
ceituais. O ato de
produzir e apreciar
arte é uma lição de
como devemos pro-
ceder durante o de-
correr de nossas vi-
das. Quando se pro-
duz arte, não há dife-
renciação entre
quem produz e o ma-
terial produzido.
Mesmo quando se
produz algo que não
é exatamente fruto
de uma experiência
direta, é preciso ima-
ginar a situação, se
colocar como se de
fato ela tivesse real-
mente sido vivencia-
da. O processo se dá
de forma semelhante
com quem aprecia
uma obra: há uma
experiência com a
obra em questão,
onde apreciador e
obra se fundem, uma
experiência gnóstica,
onde a diferença en-
tre observador e coi-
sa observada é obli-
terada. Não é à toa
que a arte é um dos
quatro pilares da
Gnose.
Jiddu Krishnamurti está hospedada
no link famouspeopleinfo.com/jiddu
-krishnamurti-revolutions-inner
Para ajudar na nossa com-
preensão, vejamos um trecho
do livro “A Primeira e Última
Liberdade”, do pensador india-
no Jiddu Krishnamurti (1895-
1986)
“Percebimento é observação
sem censura. O percebimento
traz compreensão, porque não
há censura ou identificação,
mas observação silenciosa.
Se desejo compreender uma
coisa, devo observá-la, não
devo criticá-la, não devo con-
dená-la, não devo deseja-la
como um prazer ou evita-la
como um desprazer.”
Esse ato de ver a coisa co-
mo ela é, sem ocultar sua es-
sência com nossos conceitos,
é algo que não faz parte do
nosso agir, mas estranhamen-
te conseguimos fazê-lo com a
arte. Ora, de quantas músicas
em língua estrangeira gosta-
mos sem saber nada da letra?
De quantos poemas gostamos
sem mesmo saber sobre o
que o(a) autor(a) estava falan-
do? Não paramos em momen-
to algum para fazer análises,
apenas apreciamos a obra.
Certamente que análises po-
dem ser feitas posteriormente,
inclusive perguntando para os
(as) próprios (as) criadores
(as) (a internet facilita essa
aproximação), mas de imedia-
to não é assim que agimos. A
questão é: por que não proce-
demos dessa mesma maneira
com as pessoas? Por que in-
sistimos em vê-las como que-
remos e não como realmente
são? Por que não
“experimentá-las” para depois
de um tempo de convivência,
conhece-las melhor? Esta é
uma lição que a arte nos ensi-
na, que poderia tornar nossa
vida em sociedade melhor,
mas infelizmente insistimos
em ignorá-la.
Ainda na mesma obra,
Krishnamurti diz:
“Vedes um belo pôr de sol,
uma bela árvore no meio do
campo e no primeiro instante
vos deleitais completamente,
integralmente; mas voltais
com o desejo de gozar de no-
vo aquele espetáculo. Que
acontece, quando voltais com
o desejo de tornar a gozá-lo?
Não há mais deleite, porque a
lembrança do pôr do sol que
vistes ontem é o que vos estás
fazendo voltar, que vos está
impelindo, incitando, a gozar.
Ontem não havia lembrança,
apenas uma apreciação es-
pontânea, uma reação direta.
Hoje tendes o desejo de repe-
tir a experiência de ontem. Isto
é, a memória está intervindo
entre vós e o pôr do sol, e por
isso não há deleite, não há ri-
queza, não há plenitude de
beleza.”
Baseado na citação acima,
pode-se dizer que cada mo-
mento de apreciação de uma
obra, seja uma música, um
poema ou o que quer que se-
ja, é único, é diferente. Por
exemplo, ouvimos a mesma
música várias vezes (inclusive
vezes seguidas) sem recorda-
mos da última vez que a ouvi-
mos. Ouvimos e ouvimos a
mesma música sem nutrir ex-
pectativas a respeito da mes-
ma, por isso nos deleitamos
sempre com ela. A pergunta
que a arte novamente faz é:
por que não se faz o mesmo
com as pessoas? Por que não
interagimos com a pessoa que
está conosco naquele momen-
to e não com alguém que está
no passado? Por que insisti-
mos em repetir o equivocado
adágio que diz que “a primeira
impressão é a que fica?” Sen-
do assim, continuamos erran-
do, julgando as pessoas por
impressões passadas
(ambiguidade proposital) que
muitas vezes correspondem a
apenas um momento da pes-
soa em questão, não refletindo
o que ela realmente é. Herácli-
to, filósofo pré-socrático, já di-
zia que não podemos nos ba-
nhar no mesmo rio duas ve-
zes, pois tanto o rio quanto
nós estaremos diferentes.
Arthur Schopenhauer está
hospedada no link
Sábias palavras com mais de
dois mil anos. Sábias palavras
sendo ignoradas pela maior
parte da humanidade por
mais de dois mil anos. Mais
uma lição que a arte (e a filo-
sofia) nos ensina.
Outro pensador, o ale-
mão Arthur Schopenhauer
(1788-1860), em sua obra “O
Mundo Como
Vontade e Re-
presentação”
diz que há mo-
mentos onde
ocorre “a con-
templação pu-
ra, o esqueci-
mento de toda
a individualida-
de”, ou seja, o
objeto contem-
plado e o ob-
servador são a
mesma coisa.
Tal afirmação
pode ser com-
provada facil-
mente quando
se aprecia ar-
te. Há quem
diga que um
poema deve ser lido várias
vezes seguidas, até que o lei-
tor possa adentrá-lo de forma
completa, para que se possa
vivenciar a situação relatada
pelo eu lírico.
Logo em seguida, o filó-
sofo afirma que pintores
“comtemplaram com uma in-
tuição tão objetiva os objetos
mais insignificantes e que nos
deram nos seus quadros (...)
uma prova imperecível da sua
objetividade, da sua serenida-
de de espírito (...)” Alguém
que pinta um vaso, que é um
objeto bastante comum, o faz
de uma maneira especial,
pois esquece de todos os ou-
tros vasos existentes para
que possa pintar o seu pró-
prio, que pode estar ali na sua
frente ou em sua imaginação.
O efeito torna-se o mesmo.
Não se diz à toa que o artista
tem o poder de transformar o
ordinário em extraordinário.
Pelo que pudemos cons-
tatar, graças à ajuda e esfor-
ços de grandes pensadores, a
arte sempre nos mostrou o
procedimento correto para
que a humanidade possa vi-
ver de maneira harmoniosa,
destituída de julgamentos
desnecessários e imposições
de opiniões, sempre lembran-
do que a individualidade é
mais importante que o indivi-
dualismo. Lições que foram
ignoradas por
muito tempo, o
que fez com que
a humanidade
avançasse em
tecnologia e não
no social. Não
seria preciso di-
zer que precisa-
mos dar mais
ênfase ao último
aspecto, porém,
infelizmente, tor-
nou-se necessá-
rio dizer o óbvio
nos dias atuais.
REFERÊN-
CIAS:
KRISHNAMUR-
TI, Jiddu. A pri-
meira e última
liberdade. Tradução de Hugo
Veloso – São Paulo: Cultrix,
1976
SCHOPENHAUER, Arthur.
O mundo como vontade e
representação. Tradução
M.F.Sá Correia – Rio de Ja-
neiro. Contraponto, 2011
Tomasz Alen Kopera (O corvo preso à pedra) está hospedada no link
uni-todos.blogspot.com.br/2014_06_01_archive.html
E ntre os membros da
famosa família Mara-
nhão do engenho
Cunhaú existiu uma senhora
que o povo contava histórias
que o tempo guardou. Seu no-
me de registro já nem importa
muito, pois de Maria Cunhaú
ficou conhecida por todos. So-
brinha do histórico André de Al-
buquerque Maranhão, vivia de
arengas com o irmão, Dendé
Arcoverde, herdeiro das fortu-
nas do Cunháu.
É muito interessante co-
mo esses personagens da aris-
tocracia açucareira do século
XIX foram tratados pela memó-
ria popular e chegaram até os
livros acadêmicos pelas letras
de Câmara Cascudo. O intelec-
tual era fã dessa Família aristo-
crática que dominou o litoral sul
do Rio Grande do Norte, mas
repetiu as mesmas palavras
que ouviu dos populares em
sua Actas Diurnas, quando tra-
tou daqueles membros mais ar-
quétipos.
Maria Cunhaú se tornou famosa
no meio da plebe miúda pela
soberba exagerada que osten-
tava. Dona do engenho Outeiro,
terra que herdou do tio podero-
so. As línguas afirmam que ela
não vestia a mesma roupa duas
vezes e vivia com melindres ás-
peros de uma entediada prince-
sa em sua casa-grande inaces-
sível aos pequenos. Era lá que
ela judiava dos seus escravos
domésticos para se divertir. Os
escravos do eito não passavam
nem por perto de sua macabra
cozinha.
Sem preocupações pro-
fundas, ela foi avançando na
idade. Nunca encontrou um va-
rão que lhe domasse. Suas pre-
ocupações era comer e dormir
sem incômodos. Em suas via-
gens curtas por seus domínios,
seu cocheiro apanhava mais
que os cavalos que puxavam a
charrete. Internou-se em sua
própria ignorância, vivendo iso-
lada em seu próprio mundo.
O irmão afirmava que ela era
louca e não tinha condições de
administrar a propriedade que
possuía. Por isso pediu na justi-
ça o direito de posse sobre as
terras da irmã. O caso fez com
ela ficasse mais perturbada ain-
da. Dizem que ela deixava os
escravos pregados pelas ore-
lhas no portal de trás e gritava
esbaforada por eles na varanda
da frente.
Gostava de ser atendida, gosta-
va de mandar e, por isso, morria
de medo de perder as terras
que possuía nas lamacentas
várzeas de Canguaretama.
Quando lembrava que podia
Francisco Alves
Galvão —Sociólogo
e president da Aca-
demia de Letras de
Canguaretama-RN.
perde tudo, se desesperava e era sua escra-
varia que sofria as consequências diretas. Ha-
via choro, ranger de dentes, fogo e dor. As
marcas ficavam no corpo e todos seus escra-
vos possuíam sinais claros de suas torturas.
Ficava desesperada com a situação,
mas nem seu advogado conseguia reverter o
processo de perda das terras para o seu ir-
mão. No século XIX uma mulher solteira não
teria chances nos tribunais machistas e opres-
sores. O advogado de Maria Cunhaú era Ama-
ro Cavalcanti, um
jovem muito talen-
toso na política,
mas que via a situ-
ação de sua cliente
se agravar nos tri-
bunais.
Ele entendia bem
do Direito e sabia
perfeitamente que
a velha perderia as
terras para o irmão. Por esse motivo, ele fez
um último e admirável esforço para reverter
toda aquela situação adversa. Astucioso que
era, foi até o engenho Outeiro e se ofereceu
em casamento para a velha. Convenceu-lhe
que, desse modo, ficaria como tutor legítimo
dela e que, só assim, salvaria suas posses da
ganância do irmão.
Ela teria aceitado sem nenhuma relu-
tância. O advogado de fino trato agia de forma
exemplar e encantadora, levando a velha ao
êxtase. Ela não poderia se negar, mas se en-
volveu profundamente com aquele galã adorá-
vel. O trato era bem elaborado, mas dentro de
um acordo simples: ele seria um marido sem
exercer as funções nupciais.
Ela morrida de ciúmes e fazia sofrer as
escravas jovens. Quebrava os dentes das coi-
tadas para que não atraíssem o olhar do jo-
vem príncipe que surgia naquelas terras. Mar-
cou com ferro em brasa o rosto de cada uma
para arrancar-lhe a beleza. Ficava admirando
os presentes que recebia, espalhando vesti-
dos sobre a cama que dormia solitária. Em
seu ócio improdutivo ficava brincando com di-
nheiro velho, suas moedas carcomidas pela
passagem dos anos.
O advogado nunca morou com a velha.
Apenas esperou, pacientemente, seu faleci-
mento para herdar a propriedade. Ficava a lhe
agraciar, de longe, com
presentes que ela acu-
mulava na casa-grande
do engenho. Dizem que
ele foi embora para mo-
rar com a tal
“Ressuscitada” no capi-
tal do império, onde vi-
veu como um príncipe,
quem sabe com as mo-
edas que Maria Cunhaú
guardou por tanto tempo.
Esse arquétipo de mulher sádica não foi único no Rio Grande do Norte. Em Ceará Mi-rim, outro centro de produção açucareira, tive-mos uma figura feminina que infringia os mes-mos castigos físicos aos seus escravos. Em seu porão, ela sempre tinha um escravo para torturar. A senhora do engenho Timbó era tão cruel e desumana com seus escravos, que ou-tros proprietários de engenhos e de terras se revoltaram com sua prática.
A senhora faleceu repentinamente e
seu corpo se transformou em uma serpente.
Seu túmulo, devido as grandes rachaduras,
teria sido acorrentado para manter a serpente
presa. Seu esposo, que temia sua crueldade,
mudou seus hábitos com os empregados.
Maria Cunhaú foi um arquétipo entre os se-
nhores de escravos no Litoral Sul e que en-
contra parâmetros em outros locais. Fruto da
oralidade fantástica de um povo que contava
sua versão de história como forma de resistir.
Casa Grande do engenho Outeiro
*José Ivam Pinheiro é natural de Currais
Novos/RN, tendo nascido em 27 de outubro de
1958, e reside em Natal há mais de 47 anos. Está
associado às importantes instituições literárias e
culturais do nosso Estado, como: Sociedade dos
Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte –
SPVA/RN (tendo sido Vice-Presidente no perío-
do de 07/2013 a 07/2015), a União Brasileira dos
Escritores do Rio Grande do Norte – UBE-RN.
Autor de vários poemas musicados pelos músi-
cos/compositores Ivando Monte, Marcos Câma-
ra, Marcus Vinicius de Vasconcelos, Hercília
Fernandes (Poeta), Hugo Fernandes, Vando
Potiguar e Adeildo Neto. Conquistou Menção
Honrosa no Concurso de Poesia Zila Mamede
(livro a ser publicado), organizado pelo Jornal
Potiguar Notícias e pela ONG Educante, com
coordenação dos jornalistas Cefas Carvalho e
José Pinto Júnior. Participou de Antologias
Mundiais promovidas pela Associação Interna-
cional Poetas Del Mundo, organizadas pelo
Poeta Chileno Alfred Asís: Mil Poemas a Cèsar
Vallejo – Peru (2012); Mil Poemas a Miguel
Hernández – Espanha (2012); Mil Obras a
Oscar Alfaro – Bolívia (2013); Mil Poemas a
Jose Martí – Cuba (2014) e Mil Poemas a Vini-
cius de Moraes – Brasil (2015). Em parceria
com Gibson Machado, tem produzido diversos
FotoPoemas, que unem fotografia e poema
numa só peça poética. Participou da VII Antolo-
gia Literária da SPVA/RN, com poema livre e
prosas poéticas. Tem publicado seus poemas e
crônicas em prosa poética em diversos blogs
literários e redes sociais.
T al qual poe-
ma lindo
ou belo
texto fluin-
do em prosa poética
endereçada a diletos
amigos e amigas, a
minha escrita germina
o bem que Deus nos
oferta e são certas as
traçadas trilhas que
convidam o homem à
reflexão, a partir da
visualização do divino
fenômeno astral do
eclipse lunar da Super
Lua, e que assim o
digam os céus que
compartilham a ação
divina de Deus na be-
leza da criação e reno-
vação surpreendente
nas maravilhas dos
acontecimentos natu-
rais, que desafiam as
normais razões incré-
dulas e pensamentos
não sistêmicos.
Isto, devido à
situação em que a nos-
sa conhecida lua, na
noite do dia 27 de se-
tembro de 2015, devi-
do à casualidade na
conjugação de diver-
sos fatos astronômi-
cos, que se apresenta-
ram em um determina-
do momento da noite,
espacialmente num
ponto, que em sintonia
temporal se situava
presente na menor dis-
tância de sua órbita
elíptica em relação à
trajetória do planeta
Terra, com o aumento
do seu poder de fulgor
e com os favores para
nós, de que este acon-
tecimento de lua cheia
e fulgurante se situa
no que os astrônomos
chamam de lua em
periastro, ou seja, a
brilhante Super Lua
mais próxima do nos-
so planeta. Esta com-
binação teve seu inicio
há aproximadamente,
às 21 horas e 11 minu-
tos (Horário de Brasí-
lia), no momento em
que começou o eclipse
lunar, com a sombra
da Terra gradativa-
mente cobrindo o ru-
bro fulgor da fantásti-
ca lua que apareceu no
céu, até o final do
eclipse lunar total, lá
pelas 23 horas e 11
minutos.
Visão divinal
em quadro astral, se
enquadrando como em
lastro de devaneio
temporal na retina dos
nossos olhares, e cau-
sando encantos nas
ruas celestiais que in-
duzem a nossa dimen-
são espacial do viver e
amar. Maravilhas e
enigmas do Deus Su-
premo.
O amigo - Lou-
rimar Neto, ao presen-
ciar lá no sertão parai-
bano, estes fenome-
nais momentos de rea-
leza da pródiga e divi-
nal natureza, se des-
lumbra com a magni-
tude do espetáculo que
seu olhar presenciou,
mas, descrente ou de-
sanimado, com algu-
mas amizades terre-
nas, se coloca como
reclamante solitário,
sem o afeto de algu-
mas alegadas e culti-
vadas amizades, que
de resto as saudades
não cuidam.
Momentos de
dúvidas na carência e
muita distância dos
amigos e/ou amigas,
talvez sim e provavel-
mente não, de forma
que, somente, o amigo
Lourimar poderá ex-
plicar tal situação e
instantes de questiona-
mentos sobre o senti-
do do afeto verdadeiro
da ótima amizade.
Só que entendo que é
preciso sonhar e viver
os bons momentos
com quem temos afe-
to, carinho, respeito,
consideração e amor,
ousando buscar melhores
instantes, e um tempo de dádivas
de inclusões sociais para o nosso
próximo, construindo uma socie-
dade socialista igualitária, com
justiça, democracia, paz, liberda-
de e fraternidade humanista.
Tempo novo
semeado do
bem, e do que
tem de bom no
ambiente mun-
do e nas mentes
livres dos ho-
mens e mulhe-
res de boa von-
tade que povo-
am o planeta
Terra.
A Super
Lua boa em
eclipse com o
sol, na sua me-
nor distância da
terra, se cora
feito adolescen-
te, com o rubror
da luz do sol,
que a namora,
cobrindo-a com
um lençol de
luz, amando-á na cama do olhar
das sombras do planeta Terra,
tendo os céus e os astros estrela-
res por testemunhas beneplacen-
tes, só para em recado do Deus,
Nosso Criador mostrar a existên-
cia divina do verdadeiro enigma
do amor sublime que ensina a
clarividência do existir Deus
Amor.
As sombras do eclipse lua
-sol-terra feito convites mostram
a fragilidade do viver no espetá-
culo lunar, em coadjuvância com
a sombra solar e a menor distân-
cia da lua em relação à terra, de
jeito que proclama no peito, o
momento da beleza universal da
natureza, a qual comparo como
se fosse a felicidade. E ela, a feli-
cidade - se esvai levando o som-
brear e traz fulgor brilhante,
amor mutante e triunfante pouco
a pouco no céu, ficando o recado
que cedo ou tardã, o afã do se
sentir feliz tem suas voltas.
Retornos cíclicos de
eclipses, tal como o viver de sen-
tir bem-querer e alegrias, nas cer-
canias das nossas mentes e cora-
ções - feliz tempo que retorna no
porvir.
Há de chegar à utopia do
amanhecer e o luar na nossa ter-
ra, sempre brilhante na paz radi-
ante e na harmonia alegre da
triunfante felicidade.
Que sejam
sempre luas
boas, os nossos
quereres e sen-
tires, ativamen-
te pulsando o
bem-querer,
sementes no
germinar antes
tarde ou quase
tarde do dia e
sem açoites de
saudades na
noite, pura ma-
gia e poesia
cotidiana do
tanto bom e
bem do amar.
E que sejam
vidas felizes,
os nossos lua-
res e amanhe-
ceres ensolara-
dos sempre.
Abraços fraternos ao ami-
go Lourimar Neto e toda sua di-
leta família, bem como todos os
amigos e amigas que acreditam
na força divina de Deus, com o
seu amor vencendo as adversida-
des e o mal, e arquitetando o
bem da paz universal para todos
os homens de boa vontade do
mundo.
* Roberto
Cardoso
IHGRN/INRG
Instituto Histórico e Geo-
gráfico do Rio Grande do
Norte Instituto Norte-Rio
-Grandense de Genealo-
gia
Desenvolvedor de Komu-
nicologia
E screver so-
bre Luiz da
Câmara
Cascudo não se tor-
na uma tarefa fácil,
tendo em vista que
os cascudinhos e
cascudianos: os
seus conterrâneos,
seus admiradores;
seus adoradores e
seguidores,
podem se
manifestar.
E fica a dú-
vida se vão
gostar.
Cascudo
tornou-se
um ícone
de referên-
cia poti-
guar, con-
trapondo a
outros íco-
nes em outros esta-
dos, como Gilberto
Freyre em Pernam-
buco. Dois pesqui-
sadores e estudio-
sos da cultura local
e estadual. Com pi-
tacos muito fortes
na cultura e na his-
tória nacional. Des-
creveram o homem,
a cultura e o local, a
terra. Tal como fez
Euclides da Cunha
no episódio baiano.
Cascudeanos,
potiguares e nata-
lenses, que pisam
hoje no mesmo
chão que Cascudo
pisou, fazendo com
que tenham os mes-
mos pontos de vis-
tas, a partir dos
mesmos lugares
que pisam e que
pisaram, visualiza-
ram e enxergaram,
a partir dos locais
que pisaram, até
onde seus olhares
alcançaram. O mar
aberto diante da ci-
dade, sem aciden-
tes geográficos,
ilhas ou ilhotas, pe-
dras ou rochedos.
Raros são os navios
perdidos que pos-
sam fazer parte da
moldura do horizon-
te. A linha que faz
divisa entre o céu e
o mar pode ter uma
participação. Pode
ter influenciado Cas-
cudo, a não perder
seus olhares para o
horizonte inerte e
tedioso, voltou seus
olhares para o interi-
or. O mar aberto
que se espera a
chegada de alguém,
e nunca vem. Olhou
para o interior do
estado e para o inte-
rior dos conterrâ-
neos enfeitados e
com os pés no
chão, um lugar de
produção de cultura
e tradição.
Luiz da Câmara Cascu-
do foi conhecido por vários
ângulos e nomes: Cascudo e
Cascudinho; ou Luiz de Natal.
E por breves minutos foi co-
nhecido como Ludovico. Cas-
cudo além de escrever
vários livros, circulou o
estado do RN, viajou
muito de trem, e circu-
lou o território brasileiro
estampado em notas de
cruzeiros.
Escrever sobre
Câmara Cascudo tam-
bém não convém recor-
rer aos seus textos e
livros, sua bibliografia e
sua literatura produzida,
tendo em vista que
Cascudo dizia não es-
crever livros baseados
em outros livros. Cascu-
do estava fugindo dos
conceitos da academia que
pedem um norteamento, um
referencial teórico e uma bibli-
ografia. Pesquisar Cascudo
em referenciais, em bibliogra-
fias, seria cometer o pecado
que cascudo dizia não come-
ter. Dizia não escrever livros
baseados em livros já escri-
tos. Cascudo escrevia sobre
o que enxergava, e sobre o
que via. Escrevia sobre ima-
gens que desfilavam à sua
frente.
Ainda que exista uma
controvérsia na sua afirma-
ção, de não escrever livros
baseados em outros livros. E
hoje não se escrever livros,
baseados em novos livros,
pois não podemos avaliar e
quantificar o quanto um livro,
pode ou não pode ter, modifi-
cado nossospensamentos,
nossos referenciais e nossos
norteamentos. Os teólogos
seguem um conjunto de li-
vros.
Falar sobre Cascudo re-
quer conhecer sua cidade, e
reconhecer seus temas. Re-
conhecer e conhecer a rua
em que nasceu, a cidade na
qual viveu, a rua que morou e
a casa que habitou, para
construir ideias e pensamen-
tos a partir dos lugares que
pisou, e o horizonte que avis-
tou. Requer entender seus
olhares, e falar de outros lu-
gares, e outros temas, que
levam a outros pontos de vis-
tas.
O seu norteamento foi
direcionado pela linha do
trem, que traçou seus cami-
nhos. A paisagem era a sua
janela em suas viagens, que
amostravam paisagens para
construir suas ideias e ima-
gens. Uma interpretação ente
janelas e Windows, janelas
em movimento. Janela da ca-
sa e a janela do trem. O refe-
rencial teórico de Cascudo
era o seu próprio olhar. E sua
bibliografia era a partir do po-
vo que circulava ao seu redor.
Fundamentado pelos saraus
ensaiados e apresentados na
casa de seus pais. Cascudo
cresceu e viveu cenários,
apresentações e prepara-
ções. O seu mundo descrevia
-se ao seu redor.
Quando os homens de bem
se omitem de realizar a sua
missão como ser vivente, ex-
pressando para o mundo o
que eles têm de melhor, essa
sua omis-
são serve
de semente
e germina
frutos
maus. Por-
que há ho-
mens que
se escon-
dem por
trás de
máscaras
que não os deixam se apre-
sentar como são, e na omis-
são dos outros eles tomam o
lugar que não lhe é devido.
É por isso que
como filhos de uma terra pro-
missora, devemos nos indig-
nar, e não deixar que os des-
mandos, arrogância e incom-
petência, continuem perme-
ando no meio de nós. Quando
as forças do bem se unem,
não há nada que possa impe-
dir sua vitoria. É nesta certeza
que todos nós temos que nos
unir para fazer uma grande
transformação dentro de nós
e dentro desta nossa terra.
Devemos arrega-
çar as mangas, pegar no ara-
do e fazer cultivar uma nova
semente chamada – renova-
ção.
Todos têm dentro
de si um homem sonhador e
uma mulher sonhadora. Um
sonho de ser feliz, de ver nos-
sos filhos amados felizes, e
este sonho deve tornar-se re-
alidade através da bondade
que existe dentro de cada um.
Unidos, não deixa-
remos mais esta semente ma-
léfica que insiste em permear
a nossa terra germinar. Pois,
as sementes que irão germi-
nar, a partir de agora, é a se-
mente do bem, a semente de
uma nova terra, a semente de
um novo mundo, a semente
de um novo tempo. Levante-
mos, saiamos da nossa aco-
modação e reergamos dia a
dia esta nova semente.
ALMA SOLIDÃO
(Clécia Santos)
Por que é para mim passageiro o amor?
Desse acalento chamado vento
Que sobra de olhares mudos
Emudecidos pelo tempo.
A todo momento mudo de estação
Aqui jazem todas elas
Quando todas são banidas de teu coração.
Já não sou eu que me despeço
E essa louca vontade de amar
Que prevalece na torcida plena
De toda a felicidade que de ti
Saborosamente esperei!
Uso da poesia
(Leonam Cunha)
Usar a poesia
como gesto de arreganhar
como cortina de teatro
pronta ao ato 1º
como abrir uma lata de sardinha
irregularmente
e deixar os dedos sangrando
como rasgar os miolos da caixa
com a dentina
como profusão e parafuso
como tufão a lacerar um estado
maior que o Colorado
numa manhã de setembro
dois pontos eu
como víscera temperada
no lixo a garimpar fezes
como movimento de penas
cortando o ar absorto e duro
como uma lâmina desenhando
uma falha vulcânica em meu país.
DEGREDO
(Erilva Leite)
Fartar-me-ia de tua presença
Na singeleza de tua calma
Vestir-me-ia de tua alma
Para tornar-me como queiras, tão serena
Eu sei que valeria à pena
O meu degredo para teu encanto
Das tuas vestes escuras
O teu corpo encarnado e santo
Jazendo no espaço das eternas horas
Por entre as heras e sândalos feridos
Povoado de lírios teu doce perfume
Asa virginal em que repouso
Teu doce mistério, meu anjo
Cismando tenta me povoar
A tua silhueta, sempre bela e sombria
Cobre-me de espanto
Cá estou, nua e crua
Sempre atônita a te ver passar
Nobilíssimo mosteiro do teu sacerdócio santo
De joelhos velo o meu deus, diante do altar!
ÍAMOS
(Gliciane Azevedo)
A cada dia Uma poesia Que contagia e Se esvazia No decorrer do dia E preenchendo O sonho de cada dia.
Eu entendia Que o olhar daquele dia Me surpreendia Me preenchia e O desejo fluía No amor que se construía Naquele alvorecer do dia.
RUA DO LAVRADIO
(Alfredo Neves)
É um encanto só
E nunca será para mim.
O seu brilho,
As antiguidades,
As noites de festas
E de tempo orvalhado,
Só recordações
Duma rua cobiçada
E que partiu prematura.
Um dia sonhei
Que a rua seria minha,
Mas foi só um sonho.
A natureza
Com as suas árvores,
Que era para ser bela,
Só é ausência.
Os passeios, esqueci-os!
Até o sol destoa com os Arcos.
Melhor esquecer,
Que pena...
Jamais poderei morar
Na rua do lavradio.