SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA
Transcript of SOBRE A COLITE ICO-HBUOSA
ïfOi João Alvares Pereira Carneiro Leal
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A
COLITE ICO-HBUOSA SEU TRATAMENTO
DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA Á
ESCOLA MEDICO-CICURGICA DO PORTO
ÁJM-i
PORTO Officinas do «Commercio do Porto»
108—Rua do tCommercio do Porto» —112
1902
ESCOLA MEDICD-CIHURB1CA DO PDRTD
DIRECTOR
Antonio Joaquim de Moraes Caldas LENTE SECRETARIO
CLEMENTE JOAQUIM DOS SANTOS PINTO
CORPO DOCENTE
LENTES CATHEDRATICOS
I.* Cadeira—Anatomia descriptiva e geral Carlos Alberto de Lima. 2." Cadeira—Physiologia Antonio Placido da Costa. 3." Cadeira—Historia natural dos medicamentos e
materia medica Illydio Ayres Pereira do Valle. 4." Cadeira—Patliologia externa e therapeutica ex
terna Antonio il. de Moraes Caldas. 5.a Cadeira—Medicina operatória Clemente J. dos Santos Pinto. 6." Cadeira—Partos, doenças das mulheres de parto .
e dos recemnascidos Cândido Augusto C. de Pinho. 7.a Cadeira—Patliologia interna e therapeutica in
terna Antonio de Oliveira Monteiro. 8.a CadeiraClinica medica Antonio de Azevedo Maia. IIa Cadeira—Clinica cirúrgica lloherto B. do liosario Frias.
10.a Cadeira—Anatomia pathologies Augusto H. d'Almeida Brandão. 11." CadeiraMedicina legal e toxicologia MaximianoA.d'OliveiraLemos. 12." Cadeira—Patliologia geral, semeiotica e histo
ria da medicina Alberto Pereira Pinto d'Aguiar. 13.a Cadeira—Hygiene privada e publica loiio Lopes da Silva M. Junior. Pharmacia Nuno Freire Dias Salgueiro.
LENTES JUBILADOS
1 José de Andrade tlramaxo. Secção medica I n i n i i
Ur. José Carlos Lopes. _ ■ _ ' . ■ . I Pedro Augusto Dias. Seccao cirúrgica r; , . . . , „ .
j Dr. Agostinho A. do Souto.
LENTES SUBSTITUTOS
„ _ .. í José Dias d'Almeida Junior. Seccao medica ! , . . , lr , ,, .. ,, .
I Jose Allredo M. Magalhães. „ 1 Luiz de Freitas Viegas. Secção cirúrgica ,.
| Vaga.
LENTE DEMONSTRADOR
Secção cirúrgica Vaga.
A Escola nïo l'esponde pelas doutrinas expendidas na dissertarão e enunciadas nas proposições.
[Regulamento da Escola, de 23 d'abril de 1810, ait." 155.°)
à INOLVIDÁVEL MEMORIA
DE
IMI IETT ZP_A_:E
i
A MINHA MAE
Nunca esquecerei os vossos sacrifícios»
A MINHAS IRMÃS
Isabel Elisa
i
Antónia
Estarei sempre ao vosso lado.
A MEUS IRMÃOS
Francisco Manoel
Um abraço sincero.
A MINHA MADRINHA
ma „. I r , a A EXC. SNR.
aí). <zJÍLcLtiar.r.a do- Olasaio- &%toB%edo- ^Lzai
e a. sens iiitio-s ■M.
A MINHAS TIAS
A MEUS TIOS
A . n v c i a s r H A . S P K I M A S
A MEUS PRIMOS
AO ILL."0 E EXCr SNR.
Kcmseílmro Alexandre Caibra] Faeaòa Amarai
Muito obrigado.
AO MEU I N T I M O AMIGO
taZ/fc. J)íziz cytnto-nio- de O5 a VLza,
AOS MEUS AMIGOS Y.
EM ESPECIAL
AOS
meus condiscípulos,
Appolinario Monteiro d'Azevedo Antonio Pinto Gouvêa e Almeida
Manoel Corrêa d'Almeida Mergulhão João Julio Guedes
Manoel Corrêa da Silva Antonio Augusto de Miranda
Augusto de Miranda João de Azeredo
Julio Corrêa da Silva.
AOS EXC.ra0 SNRS.
Dr. José de Miranda Guedes Dr. Augusto Ramalho
Dão licença?
AOS MEUS CONTEMPORÂNEOS
Á MEMORIA
Qsadá ^y/Caria Lsiceâe^ cie ^sèLzéreào
A morte furtou-vos a uma grande alegria.
ÁS EXC.MAS SNR.
33. Filomena be Sou^a Teixeira íxuebes
B . Josejtha Fitomé Somes
B . Carolina Kanbiba íoriieb
e exc.mas íamilias
AO EXC.M0 SNR.
A N O E L K R A N G I S G O D A A I L V A
DIGNÍSSIMO DIRECTOR DA ESCOLA ACADÉMICA DO PORTO
2
%
AO MEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE DE THESE
{^.atisecaeiío- LJuiv-eiía O'CÍanícíza
Homenagem a seu caracter e profundo saber.
AO ILLUSTRE CORPO DOCENTE
ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO
DIVISÃO
É muito difficil, ou quasi impossível, fazer uma descripção completa da colite muco-membranosa; a antiguidade da doença, a idade do individuo, o seu temperamento, a variedade dos symptomas, a evolução sub-aguda ou chronica, a associação com outros estados mórbidos, são factores importantes para modificar o quadro clinico.
Ha, todavia, symptomas importantes, que quando apparecem, bastam para caracterisar a doença; tratarei d'elles em primeiro logar, e ha symptomas accessorios e muito variáveis, que tratarei em segundo logar.
A doença também se apresenta com symptomas différentes, segundo se trata da forma chronica, ou aguda-, tratarei d'esta ultima na marcha e formas d'affecçao.
No capitulo seguinte passarei em revista:
Os symptomas essenciaes; Os symptomas accessorios; Os signaes physicos.
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i
Symptomatologia
Symptomas essenciaes
Os symptomas primordiaes são: A constipação, a evacuação de muco-membranas
e as dores.'
Constipação.—A constipação é habitual e ap-parece sempre, embora haja algumas vezes «falsas diarrheias» que cedem a um tratamento adquado, e que são muitas vezes para o medico causas frequentes de erro.
Esta constipação vem da infância, mais ou menos tenazmente. Os doentes estão quatro ou cinco dias sem terem dejecções espontâneas, precisam, para se alliviarem do conteúdo intestinal, de purgantes ou clysteres, meios estes que tornam cada vez mais intensa a constipação.
As dejecções espontâneas são constituídas por bolas sêccas, duras e reproduzindo a forma dos godets do intestino grosso.'
«Estas massas duras, adherindo á mucosa, actuam como corpos estranhos, e destacando-se por arran-camento, produzem uma irritação chronica do intes-
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tino» (Malibran). Pôde ainda encontrar-se nas fezes pequenas parcellas escamosas, resultando da fragmentação das matérias fecaes endurecidas. Em certos casos, quando as matérias fecaes provêm de partes do intestino em contracção espasmódica têm a forma de fitas, são achatadas, como que passadas á fieira.
As fezes podem ser, ou não, envolvidas por muco e acompanhadas de estrias de sangue. Emfim as scybalas podem nadar n'um fluxo diarrheico de cheiro fétido.
Muco-membranas—As muco-membranas são o único signal característico. Apresentam-se debaixo de duas formas: amorpha e membranosa.
A forma amorpha—é constituída por mucosida-des tendo o aspecto da clara d'ovo crû, ou por bolas cinzentas, que se segmentam na agua, ou ainda por uma espécie de espuma, que cobre as dejecções, e que se apresenta muitas vezes raiada de sangue.
Nos casos benignos encontra-se apenas esta forma.
A forma membranosa—tem o aspecto de tubos ou cylindres cheios, de fitas achatadas, ou ainda de fragmentos de formas variáveis.
Os tubos cheios parecem-se com macarrão, têm o volume do intestino, ou são antes d'um calibre inferior; em qualquer dos casos o muco acha-se bem moldado, sobre a mucosa do intestino, e reproduz-lhe todos os contornos, de modo que os doentes julgam evacuar fragmentos de mucosa, e dizem-se atacados de dysenteria.
O comprimento d'estes tubos assim como o das membranas é muito variável, vai d'alguns centime-
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tros a um metro e mesmo mais. Um doente de M. Wannebroucq expulsou um tubo de im,20 de comprimento.
A maior parte das vezes o muco concreto fra-gmenta-se e é então, que reveste a forma de cylindres cheios, de fitas achatadas simulando os anneis da taenia, de filamentos parecendo-se com os oxyu-ros e ascaridas.
A confusão com estes últimos vermes, é fácil a um exame superficial, porque o verme, assim como os cylindres cheios, acham se muitas vezes ennovel-lados. Se os fragmentos cylindricos são confundíveis com o oxyuros ou com as ascaridas, as fitas são-no çom os anneis da taenia.
Desenroladas debaixo d'agua as membranas têm uma face lisa, amarellada, que corresponde á face interna livre, e uma outra branca villosa que corresponde á mucosa e pôde ter pontos escuros e estrias de sangue, que provam a adherencia ao intestino.
A quantidade de membranas evacuadas d'uma só vez é muito variável, ás vezes insignificante, pôde ir até encher um vaso de noite! (Laboalbène).
Certos doentes não expellem as muco-membra-nas senão em espaços afastados; n'estes casos a sua expulsão é precedida durante alguns dias de dores muito intensas, d'uma verdadeira crise de cólicas, comparáveis ás cólicas hepáticas e nephriticas, com as quaes se confundem muitas vezes. N'outres doentes a expulsão dos exsudatos membranosos tem lo-gar todos os dias e coincide com a sahida do bolo fecal.
As mucosidades e as muco-membranas têm a mesma composição. São constituídas especialmente
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por mucina, cellulas epitheliaes cylindricas deforma-1
das, saes, e excepcionalmente pela cholestrina. A differença de aspecto é devida a demora maior
ou menor no intestino; quando o muco é evacuado á medida da sua producçao tem o aspecto de clara d'ovo; quando se demora no intestino é evacuado debaixo da forma de tubos, membranas, etc.
Dores. — As dores são constantes em todos os casos, mas apresentam diversas modalidades segundo attendermos á sua intensidade, sede, momento de apparição, etc. Convém distinguir as dores habi-tuaes das que se manifestam debaixo da forma de accessos e que se se produzem em intervallos variáveis.
As dores habituaes são surdas, os doentes têm á sensação da passagem d'agua muito quente no intestino. Localisam em geral estas sensações dolorosas nas fossas iliacas, na visinhança do umbigo ou ao nivel do côlon transverso; outros sentem nas em todo o ventre.
As dores apparecem de preferencia duas ou três horas depois das refeições, ou durante a noute.
Estas dores são nitidamente influenciadas pelos desvios de regimen alimentar. Alguns doentes apresentam tenesmo anorectal e vesical.
As dores paroxysticas, muito mais intensas, apparecem com intervallos variáveis; uma ou mais vezes por mez.
Os espaços entre estas dores podem ser muito maiores. Na mulher tem se notado, a coincidência dos paroxysmos com as èpochas menstruaes.
N'um e n'outro sexo, a volta das crises dolorosas
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é preparada pelos desvios de regimen, surmenage, por um periodo longo de constipação não tratada, è t c
Estas crises dolorosas podem durar alguns d ias ; os doentes, durante este tempo, têm soffrimento por assim dizer contínuo, apenas interrompido por remissões d'algumas horas. Traduzem de diversas maneiras as sensações que experimentam; parece que lhe roem o intestino ou que lhe passam uma lima, etc. Durante este periodo a constipação é absoluta.
A constipação e as dores são devidas ao espasmo do intestino; o ventre está distendido, meteorisado. A palpação é impossível por causa da hyperstesia cutanea, o peso da roupa da cama algumas vezes mal pôde ser supportado.
Estes soffrimentos tão vivos influenciam o estado geral do individuo. Os doentes estão immoveis no leito, deitados de dorso, com as coxas flectidas sobre o abdomen, têm a face pallida e recusam quasi sempre os alimentos.
Concebe se que este quadro symptomatico possa simular uma péritonite, appendicite, occlusão intestinal, tanto mais. que os vómitos se associam aos sym-ptomas precedentes.
O diagnostico é ainda difricil quando apparece febre; o quadro symptomatico é então o d'uma infecção intestinal de forma typhoide.
Symptomas accessories
Nos symptomas accessorios vou estudar as perturbações gástricas, hepáticas, intestinaes, cardíacas, respiratórias, nervosas, boccaes, cutâneas, genito-
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urinarias, e por ultimo estudarei as modificações produzidas no estado geral do individuo.
P e r t u r b a ç õ e s g á s t r i c a s —Estas perturbações são constantes, embora sejam algumas vezes desco
nhecidas dos doentes. Apresentamse de diversas maneiras: ora existem dores vivas no estômago de
pois das refeições, ora dores nocturnas, sensações de queimadura, regorgita'çoes acidas, insomnia, etc., em summa todos os symptomas da hyperchlorydria; ora os incommodos são d'outra ordem; os doentes experimentam fiactulencia depois das refeições, exis
■te uma distensão excessiva do estômago, sóbemlhe ao rosto lufadas de calor, e durante a digestão têm uma tendência irresistível para o somno. Estes são os symptomas habituaes da dyspepsia nevromotriz, e cujo typo chimico é a hypopepsia com fermenta
ções anormaes. A inappetericia é frequente e o appe
tite é caprichoso em todos os casos. Se os vómitos são raros, fora das crises, as nauseas são frequentes ao despertar.
Os resultados da analyse chimica são muito va
riáveis; ora encontrase a hyperchlorydria, ora a.hy
popepsia. Na analyse feita por GastonLyon em n doen
tes, 7 eram nitidamente hyperchlorydricos.
P e r t u r b a ç õ e s h e p á t i c a s —Além das ptoses do fígado, que coincidem com os casos graves de ente
roptose, ha outras desordens hepáticas difficeis de distinguir e de interpretar. O volume do fígado pôde ser augmentado ou diminuído. As perturbações no seu funccionamento traduzemse pela acholia, encon
trandose as fezes descoradas, como nos ictéricos.
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Ao lado da acholia intermittente, ha casos em que a bílis é segregada em grande abundância, e cora as matérias fecaes em verde escuro.
N'uma palavra, a funcção biliar está ora activada, ora retardada.
Per turbações in t e s t inaes — A hemorrhagia intestinal é frequente na colite, e é assignalada por différentes auctores e especialmente por Malibran e Potain. Esta hemorrhagia é muitas vezes desconhecida pelos práticos.
Convém eliminar os casos em que o sangue provém de hemorrhoidas, o que é fácil de distinguir. As hemorrhoidas e as fissuras do anus, são frequentes nos indivíduos constipados.
Estas hemorrhagias são ás vezes pequenas, estriando apenas de sangue as matérias fecaes e as mucosidades; outras vezes são abundantes, podendo chegar a um litro e mais a quantidade de sangue perdida pelos doentes.
Estas hemorrhagias têm por caracter produzirem-se inopinadamente, sem que as haja a explicar uma aggravação do estado intestinal. O doente sente subitamente mal-estar, arrepios, cólicas, tem necessidade de defecar, e expulsa sangue puro ou misturado com as matérias fecaes. Em geral, as fezes téem um cheiro fétido.
A temperatura pôde subir acima do normal, e só desce nos casos de grande hemorrhagia.
Estas hemorrhagias nunca são isoladas," repetem-se durante dias e são benignas, pois cedem quasi sempre ao repouso e dieta láctea.
A sua pathogenia é bastante obscura; M. Potain attribue as a uma congestão vaso-motora intensa da
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mucosa intestinal (nos arthriticos são frequentes as congestões).
Podem também ser devidas á existência 'de ulcerações do intestino, que se produzem debaixo da influencia da retenção estercoral, e á pullulação de micróbios nas partes do intestino atacado de atonia. A elevação passageira da temperatura n'estes casos vem indicar o processo infeccioso.
As estrias de sangue que cobrem muitas vezes as scybalas, provêm de lacerações da mucosa rectal. Ha uma certa relação entre a lithiasis intestinal e a colite muco-membranosa; a lithiasis é sempre secundaria e é uma consequência da colite.
Se as areias são finas, e expeliidas em pequena quantidade, a sua passagem passa despercebida, e só são reveladas pela analyse systematica das fezes-N'outros casos a migração dos cálculos determina crises dolorosas, que não têm nada de caracteristico. A intensidade particular da crise dolorosa seria indicio de lithiasis, todavia ha doentes que soffrem vivas dores e em que ha ausência de cálculos nas fezes.
A cólica lithiasica acompanha-se de vómitos bilio-sos ou mucosos, ás vezes sanguinolentos, de verti-tigens e tendência á lypothimia.
A evacuação do calculo misturado ou não ás scybalas marca o fim da crise.
O exame do ventre mostra-nos o abdomen distendido e sensível á pressão, o cego e o côlon transverso dão a sensação de empastamento. As areias e os cálculos expulsos têm a cor cinzento claro, e são constituídos por materia orgânica, saes de cal (phos-phatos e carbonatos) e phosphato amoníaco magne-siano.
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. «Na colite muco-membranosa acham-se reunidas todas as causas favoráveis á formação das concreções, secreção exaggerada de muco, que forma núcleos, em volta dos quaes se vêm agregar camadas calcareas; estase dos productos mucosos, por causa da constipação; accumulação dos saes calcareos, devida á descamação epithelial intensa da mucosa intestinal.»— (Langenhagen).
Tem se discutido a relação entre a colite e a appendicite e essa discussão foi feita ultimamente na Academia de Medicina de Paris, por Mr. Dieulafoy, Potain, Reclus, Robin e Lucas Championière.
Todos estes mestres negam a relação de causa e effeito entre estas duas doenças. Mr. Bottentuit nunca viu uma só vez a appendicite apparecer como complicação da colite; em 460 casos que observou, Dieulafoy reuniu 53 observações de colites em doentes que nunca tiveram appendicite.
Ha, comtudo, medicos distinctos que dizem precisamente o contrario, e entre estes temos Mr. Albert Robin e M- Vorbe, que reuniu "Si observações em que a colite fez nascer a appendicite.
Ë certo que a appendicite é quasi sempre precedida d'uma phase de perturbações digestivas, cujo effeito é sem duvida exaltar a virulência dos micróbios intestina es; ora na colite muco-membranosa a estagnação das matérias fecaes favorece a infiamma-ção e a erosão da mucosa, e exalta a virulência dos micróbios, especialmente do coli-bacillo.
Como coincidência mórbida, pôde existir a taenia, num doente attingido de colite (Blondel). N'estes casos o diagnostico é difificil.
Per turbações cardíacas.—Com as perturba-
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ções cardíacas começa a enumeração das perturbações funccionaes, cuja existência tem sido assignala-da no curso da colite muco-membranosa.
Convém mencionar d'uma vez para sempre, que todas estas perturbações, assim como as que hei-de mencionar, apparecem de preferencia nos doentes nervosos, as mais das vezes nevropathas hereditários. Os reflexos partindo do intestino vão actuar por intermédio do bolbo, pneumogastrico e sympa-thico sobre o coração e os pulmões e, como se produzem em indivíduos nervosos, a sua acção acha-se notavelmente exagerada.
Frequentemente depois das refeições, apparecem accessos de palpitações, com dôr precordial, simulando a angina do peito (Teissier), o pulso torna-se subitamente pequeno, o corpo cobre-se de suores e o doente tem a sensação de morte imminente, mas ao final de alguns segundos tudo se dissipa. Observa se algumas vezes o pulso intermittente, e frequente, podendo dar 120 a i3o pulsações por minnto.
M. Potain encontrou a insufficiencia tricuspida passageira.
Ha também perturbações circulatórias vaso-mo-toras periphericas, que se traduzem por lufadas de calor na face e por epistaxis.
Per turbações respiratórias.—Podem obser-var-se crises dyspneicas análogas ás da asthma, alternando com crises de corysa. E provável que a dys-pneia espasmódica e a corysa tenham explicação commum no arthritismo dos indivíduos atacados.
Per turbações nervosas.—As perturbações nervosas são muito variáveis e entram em grande par-
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te no quadro symptomatico. As faculdades intelle-ctuaes podem ser attingidas de diversas maneiras; em muitos doentes existem modificações profundas no caracter; uns têm uma irritabilidade excessiva, outros são deprimidos e melancholicos. A aphasia e a amnesia passageiras tem sido encontradas.
Os doentes dormem mal, o somno é perturbado por pesadellos, de modo que ao levantar sentem-se fatigados e sem aptidões para o trabalho.
Depois das refeições têm um torpor invencível. Como phenomenos d'ordem moral temos a assi-
gnalar: as convulsões nas creanças (chorea, epilepsia), crises de hysteria e o tremulo neurastenico.no adulto. A asthnia é ás vezes tal, que os doentes são incapazes de todo o esforço. Na esphera da sensibilidade temos a citar a cephalalgia, a hypersthesia das regiões malleolares (Siredey, Wannebroucq), as arthralgias, dores lombares, dores sobre o trajecto dos nervos periphericos (sciatico, crural), etc. A amblyopia, a amaurose e os zumbidos dos ouvidos são perturbações frequentes.
Perturbações boccaes e esophagianas.—A gingivite e a estomatite gangrenosas são frequentes n'estes doentes; Langenhagen encontrou frequentes vezes o ptyalismo, intermittente e continuo, e o eso-phagismo. A fetidez do hálito é frequente, os gazes intestinaes eleminam-se pela mucosa pulmonar.
Per turbações cutâneas.—Do lado da pelle têm-se encontrado a herpes, especialmente na crean-ça, urticaria e différentes erythemas.
Per turbações geni to-ur inar ias— Coincidin-3
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do com a colite muco-membranosa, encontram-se muitas vezes lesões do utero e dos annexos, taes como: metrites, salpingites e ovarites.
Egualmente corn os accessos de colite, appare-cem phenomenos de dysmenorrheia, menorrhagias, etc., o que prova a existência d'uma certa relação entre a aflecção intestinal e a affecção uterina.
Findley encontrou em dois casos a coexistência da dysmenorrheia pseudo membranosa com a colite; mas não ha nenhuma similhança entre as muco-membranas da colite e a caduca espessa, que constitue a membrana das dysmenorrheicas.
A dysuria e as dores vesicaes são frequentes, as connexões da bexiga e do recto explicam facilmente estes desarranjos.
Estado gera l—E' nas formas graves que o estado geral se encontra alterado. O emagrecimento é ás vezes considerável, o fácies toma uma expressão especial, intermediaria entre o typo peritoneal e o typo uterino. A côr amarellada do doente, a magreza e falta de forças fazem pensar no cancro. Os doentes têm cryesthesia e a sua temperatura é inferior á normal.
Signaes physicos
Se o exame do doente não fornece dados suffi* cientes para fazer o diagnostico, o seu interrogatório feito com methodo, auxilia-o muitíssimo.
O aspecto geral varia segundo a antiguidade e intensidade da doença; nas formas leves ou recentes
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não offerece nada de característico, não acontece o mesmo nas formas graves e antigas.
Os doentes são em geral muito magros, porque se alimentam mal; têm uma cor amarellada indicando autointoxicação intestinal chronica, os olhos encovados e com olheiras, uma fadiga excessiva que se explica pelas insomnias habituaes; têm mais uma apparencia triste, que se explica pelas preocupações a que dá logar a sua saúde abalada.
A lingua tem aspecto variável, pôde estar húmida e rosada, ou ter uma camada branca na base e estar vermelha nos bordos; e n'outros casos é nitidamente saburrosa.
Pela palpação o ventre tem uma flacidez notável, deixando deprimir-se até á columna vertebral. A parede abdominal e o intestino perderam toda a resistência e estão n'um relaxamento completo. O ventre está habitualmente deprimido e retrahido. Ha, porém, outros doentes em que a parede abdominal é resistente, e o ventre está tenso e tympanisado, por causa da expansão dos gazes do estômago e intestino. O ventre varia de consistência de individuo para individuo; emquanto n'uns é uniformemente molle, n'outros tem zonas duras e zonas molles; as primeiras são symptomaticas d'um estado espasmódico do intestino (Fleiner, Kussmaul, M. Geoffroy).
O espasmo é intermittente e segmentar, isto é, localisado a algumas ansas intestinaes. E' habitualmente o côlon transverso, que está em contractura, emquanto que o côlon ascendente e descendente, está pelo contrario flácido e dilatado.
Quando o cego está dilatado, dá á palpação a sensação d'uma chouriça, e a mão faz deslocar as scy-balas.
Í3G
A palpação pôde ainda revelar a existência d'um espessamento uniforme, tendo por sede o côlon transverso, e o cego; este espessamento é devido a falsas membranas peritoneaes (Potain); M. Gaston Lyon cita um caso característico.
Ao lado das partes retrahidas existem segmentos. de intestino em atonia, e em que a palpação determina uma espécie de gargolejo, que é devido ao con-flicto dos gazes e líquidos estagnados.
A palpação pôde ainda ser dolorosa, e é nas partes retrahidas que se encontram os pontos dolorosos: os dous ângulos do côlon, especialmente o esquerdo.
Muitas vezes o côlon retrahido dá a sensação d'uma corda com a grossura de dous dedos. Para Glenard a corda cólica é symptomatica de entero-ptose.
Mas para se affirmar a existência de enteroptose é preciso, que esta corda cólica se encontre na visi-nhança do umbigo. Por ultimo a palpação feita ao nível do S. iliaco revela a existência de matérias fecaes. Blondel notou, que o toque rectal determina algumas vezes uma viva dor quando a mão livre deprime a parede abdominal, ao nivel do fundo do sac-co de Douglas.
O estômago pôde estar dilatado ou ptosado. Não é fácil n'um exame rápido distinguir a dilatação do côlon da do estômago; para isso é preciso recorrer á insufflação do estômago para tirar todas as duvidas.
A ptose do estômago é fácil de distinguir da dilatação, porque no primeiro caso o espaço de Traube dá o som baço e no segundo tympanico.
Quando ha enteroptose pode haver ao mesmo tempo ptose do rim direito; mas n'estes casos en-contra-se pelo processo bimanual, o rim deslocado
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quer no flanco, quer na fossa iliaca ou mesmo na região umbilical.
Por ultimo o fígado pôde estar também deslocado. Em todos os casos é doloroso á pressão na face inferior n'um ponto correspondente á vesícula. Pôde também estar bypertrophiado ou atrophiado.
Formas clinicas, marcha, duração e terminação
Raras vezes esta doença começa por uma enterite aguda no adulto; habitualmente a doença tem a forma chronica desde o principio.
Podem distinguir-se as formas benignas das formas graves; a doença primitivamente benigna, pode revestir uma forma grave, quando é despresada ou mal tratada.
É nas formas benignas que a doença tem o typo intermittente. Um doente, uma mulher, a maior parte das vezes arthritica e nervosa, frequentemente portadora de lesões uterinas e com uma constipação rebelde, expelle durante alguns dias mucosidades ou muco-membranas com scybalas.
Debaixo d'um tratamento adequado a constipação desapparece, e tudo entra na ordem, mas pôde acontecer que o medico dirija a sua attenção para a affecção uterina concomitante, ou para as perturbações gástricas ou nervosas.
No momento d'estas crises existe ás vezes um leve movimento febril; o pulso é accelerado, os doentes têm uma anorexia absoluta, a lingua saburrosai
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o somno perturbado e é-Ihes impossível trabalhar. Estas crises succédera se com intervallos afastados, ou periodicamente em certas mulheres na occasião da congestão menstrual. Em todos estes casos as perturbações reflexas são pouco accentuadas, e a doença caracterisada por phases intermittentes fica estacionaria durante algum tempo. Se é despresada, as perturbações mórbidas tornam-se permanentes e apparece então o quadro symptomatico das formas graves.
N'estas formas graves a constipação é intensa e os doentes expellem quasi constantemente muco-membranas.
Por outro lado, as crises agudas que interrompem o curso chronico da doença e que a aggravam muitas vezes, são mais intensas e aproximadas.
Vamos agora estudar as diversas modalidades de crises, a saber: crises agudas enteralgicas apyreti-cas, dysenteriformes, febris, e as crises de forma typhoide.
Crises enteralgicas apyreticas.—Estas crises são caracterisadas por uma constipação absoluta e dores intensas no ventre. O curso das matérias fe-caes está completamente paralysado, e os doentes têm soffrimentos especialmente na região peri-umbi-lical e fossas ilíacas. Outros tem tenesmo e sensação de queimadura no anus; as dejecções são frequentes e pouco abundantes. N'outros casos ha retenção das muco-membranas, e então apparecem symptomas terríveis, semelhantes ao do estrangulamento interno.
O ventre está abaulado, as ansas intestinaes de-senham-se na parede abdominal distendida, a pai-
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pação torna-se intolerável, o pulso é pequeno e acce-lerado; a constipação é absoluta, nem mesmo os gazes sahem pelo anus, e por ultimo vêm os vómitos fecaloides completar o quadro. Outros doentes ca-hem em colapso, o pulso torna se imperceptível e as extremidades arrefecem. Se a dôr está limitada á fossa iliaca direita pode imaginar-se que se trata d'uma appendicite.
Mas com uma dejecção espontânea ou provocada, todos estes symptomas terríveis desapparecem. Os doentes evacuam então uma grande quantidade de muco-membranas misturadas a scybalas, que nadam n'um fluxo diarrheico de cheiro fétido.
Crises dysenterifbrm.es, febris.—São mais raras estas crises que as precedentes; são caracteri-sadas- por puxos, tenesmo anal e pela expulsão de verdadeiras membranas dysenteriformes e mucosi-dades sanguinolentas. As vezes produzem se grandes hemorrhagias intestinaes. O S. ilíaco é doloroso á pressão.
Crises com forma typhoide.—Ainda são mais raras que as precedentes; o quadro symptomatic© n'estes casos é o d'uma doença infecciosa. O doentes tem arrepios successivos, epistaxis e febre que pode attingir 39o ou 40o, mas a marcha d'esta temperatura não é como a da febre typhoide, as remissões matutinas são mais pronunciadas. Comtudo a lingua é saburrosa, a anorexia completa e a cephalalgia intensa.
O abdomen está meteorisado, doloroso á pressão na fossa iliaca direita, e ha também diarrheia. Não ha manchas vermelhas pelo corpo.
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O que distingue principalmente esta forma de colite da febre typhoïde é o exame das fezes; encon-tram-se ahi sempre as scybalas e as muco-membra-nas. Estas crises typhoides terminam como as precedentes, com dejecções successivas.
Com a forma grave da colite coincidem quasi sempre a nephrotose e a enteroptose. E' n'estas formas, que o estado geral é profundamente alterado. Os doentes, obcecados pela ideia incessante de provocarem dejecções, usam e abusam de todos os purgantes e laxantes da pharmacopêa, e por ultimo a neurasthenia attinge um grau intenso.
A cura é possível nas formas benignas e recentes, mas as recidivas são frequentes. Emquanto á forma grave pode alliviar-se os doentes, mas nunca curai os. A morte, pôde vir por cachexia, ou por uma complicação infecciosa (pneumonia, bronco-pneumo-nia, appendicite, etc.)
Parece-me que não se deve attribuir á colite de evolução aguda, a morte produzida por ulcerações e hemorrhagias intestinaes. Comtudo, Wannebroucq diz ter visto succumbir doentes com hemorrhagias intestinaes precedidas de evacuações muco-purulen-tas, e cita o caso d'um homem, de 24 annos, gozando anteriormente boa saúde e que, no espaço de oito mezes tinha sofírido muitos ataques de colite muco-membranosa, com intervallos de restabelecimento completo.
Anatomia pathologica
Pouco se sabe ainda da anatomia pathologica da colite muco-membranosa. As autopsias de Edwards, Rothmann e Chazot, não confirmaram a existência das lesões descriptas por Wannebroucq nos casos agudos e chronicos.
Wannebroucq n'estes últimos casos admittia, ora a atrophia das tunicas intestinaes, ora a esclerose com induração lardacea do tecido cellular. Nas autopsias recentes têm-se encontrado apenas lesões mínimas da mucosa: descamação parcial do epithelio, e algumas alterações das glândulas. Estas lesões ca-tharraes têm por sede o intestino grosso.
A composição das muco-membranas affasta toda a ideia d'um processo inflammatorio; pois sabe-se que são constituídas essencialmente por muco e ac-cessoriamente por cellulas epitheliaes, blocos réfringentes, leucocytos e diversos micro-organismos. Não contêm fibrina.
As cellulas epitheliaes contidas nas muco membranas estão deformadas, têm o aspecto homogéneo, o núcleo mal se distingue. Nothnagel, attribuia estas alterações a deshydratação do epithelio incluído
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nas scybalas e Kitagawa á degenerescência hyalina ou a uma necrose de coagulação.
Segundo Schmidt, estas duas opiniões são erróneas; o aspecto particular das cellulas epitheliaes é devido á imbibição do protoplasma cellular por ácidos gordos e sabões.
Tratando as cellulas pelo acido acético ou chlo-rydrico e aquecendo-as em seguida com precaução, vêem-se apparecer gottas de gordura; depois, quando toda a-gordura é eliminada, o protoplasma cellular torna-se claro e o núcleo muito nitido. Entre os micróbios que pullulam nas mucomembranas, o coli-bacillo é que predomina. Finkelstein attribue o papel pothogenico a uma bacteria especial e M. Thiercelin differenciou uma bacteria especifica.
Etiologia, pathogenia
A colite muco-membranosa é uma affecção muito mais frequente do que se julga habitualmente, porque os casos benignos passam despercebidos, a maior parte das vezes.
Esta doença é mais frequente nas classes favorecidas da fortuna do que nas classes pobres; é também mais frequente na cidade do que no campo.
Todas as idades estão sujeitas a esta doença; todavia as colites agudas são frequentes na primeira infância, emquanto a forma chronica apparece depois da segunda infância.
O seu máximo de frequência é dos 20 aos 45 annos.
A influencia do meio é indiscutível; as mulheres são mais atacadas do que o homem na proporção de 2:1.
A predominância da doença no sexo feminino é devida a causas geraes e locaes: frequência do nervosismo na mulher, frequência de constipação e lesões uterinas. ,
A maior parte das vezes encontram-se os antecedentes hereditários do neuro-arthritismo,taes como:
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gotta, obesidade migraine, .hemorrhoidas, asthma, hysteria, neurasthenia, etc.
As mesmas manifestações também se podem encontrar nos collateraes.
Admitte-se também além da hereditariedade directa a transmissão da predisposição, para a atonia do tubo digestivo, e d'ahi o ponto de partida para a hypersecreçao mucosa (Gaston-Lyon, Wannebroucq, Langenhagen).
Esta predisposição para a atonia, manifesta-se desde as primeiras idades pela dilatação do estômago e pela constipação; n'estes casos o ventre da creança é molle, flexível e deixa-se deprimir facilmente.
Como uma das causas predisponente, temos a as-signalar a febre typhoide, a enterite aguda, etc. A pathogenia da colite muco-membranosa tem sido muito discutida e ainda o é na hora actual; se ha duvidas sobre a causa real d'esta doença, é porque falta um critério bacteriológico e anatomo-patholo-gico.
Está-se reduzido aos dados da clinica e ás hypotheses que suggerem as associações frequentes da affecção intestinal a outras doenças.
Estas associações sendo numerosas, são-no também as theorias. Por isso vamos passar em revista as diversas theorias que ha sobre este ingrato assumpto.
Tem-se successivamente julgado encontrar a causa da doença nas perturbações gástricas, nas ptoses dos órgãos abdominaes, nas différentes compressões do intestino, nas affecções gymnecologicas, e por ultimo tem-se incriminado a infecção.
As perturbações gástricas são a regra; já as des-
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crevemos, e fizemos notar que não existe uma variedade de gastropathia nos doentes, porque não existem caracteres chimicos e clínicos que a permittam especificar.
Encarando agora as perturbações gástricas debaixo do ponto de vista das relações, que as unem á colite, nós devemos saber em primeiro logar se estas perturbações são primitivas ou secundarias, e, n'uma das hypotheses saber porque mechanismo, o soffrimento d'um dos segmentos do tubo digestivo vai influir sobre os outros.
Para Gaston-Lyon, ha casos em que as perturbações gástricas precedem nitidamente o principio das perturbações intestinaes, e ha outros casos em que os différentes segmentos do tubo digestivo são interessados simultaneamente, e por ultimo cita também casos em que as perturbações intestinaes são primitivas.
Alguns doentes começam por serem dyspepticos, antes de serem constipados, ou de soffrerem do intestino, trata se a maior parte das vezes, mas não sempre de hyperchlorydricos. N'outros doentes, os neurasthenicos, o estômago e o intestino parecem atacados simultaneamente:
Para Germain Seé, o intestino era primitivameiv te atacado, e as perturbações gástricas eram secundarias e produzidas pelo refluxo dos gazes intestinaes.
Gaston-Lyon pensa, que os casos de colite, sem perturbações gástricas antecedentes, se observam especialmente nas creanças, e isto explica-se pela deformação do intestino grosso, S. iliaco, sobre o que Marfan chamou ultimamente a attenção, e que seria a causa da constipação.
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Em resumo: as perturbações gástricas são a regra na colite e estão subordinadas á mesma causa geral: a atonia dos dois segmentos do tubo digestivo.
Todas as causas de compressão do intestino devem ser incriminadas, porque todas podem occasio-nar a constipação. Citaremos em primeiro logar a gravidez; não é raro apparecerem as muco membranas pela primeira vez durante a gravidez; os tumores da bacia (fibromas, kistos dos ovários), a retro-versão uterina, precedem muitas vezes a colite.
Convém fazer desempenhar um papel importante ás adherencias cicatriciaes, que são o resultado d'uma péritonite antiga, e que ligam entre si o utero, as trompas, os ovários e o intestino. Bardet cita a observação d'um doente, que apresentava pheno-menos de obstrucção intestinal; feita a laparotomia encontrou se a terminação do intestino delgado ligado á columna vertebral por uma brida membranosa.
As enterites agudas também desempenham um papel importante na pathogenia da entero-colite. Estas enterites actuam sem duvida, alterando a mucosa e as fibras musculares lisas do intestino.
A enteroptose e a nephroptose nunca faltam nas formas graves. Mathieu diz ter encontrado 54 vezes o rim movei em g5 mulheres, que apresentavam mu-cosidades nas dejecções. Se todos os doentes attingi-dos de enteroptose não tem entero-colite, pelo contrario a enteroptose, é constante nas formas graves de colite.
A enteroptose é primitiva ou secundaria? Primitiva determinaria a colite mecânica, dificultando o curso das matérias fecaes, por causa do abaixamento do côlon transverso e pela formação d'angulos
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agudos, na sua reunião ao côlon ascendente e descendente.
Do mesmo modo, que nós consideramos as perturbações gástricas como subordinadas á mesma causa geral que a entero-colite, assim é preciso considerar a atonia intestinal, a colite e a enteroptose como accidentes, cujo ponto de partida deve ser procurado n'uma perturbação primitiva do systema nervoso.
Indicamos precedentemente, que um certo numero de gymnecologistas, appoiando-se na coincidência frequente da colite e das affecções uterinas, têm procurado estabelecer uma certa relação entre estas duas affecções.
Esta relação pôde ter a sua explicação nas modificações que as affecções uterinas imprimem á estática intestinal. E certo, que um, prolapso accentua-do do utero pôde dar logar a enteroptose. Por outro lado, os tumores fibrosos, as bridas peritoneaes, as posições viciosas do utero, o utero gravido, podem, comprimindo o recto, constituir um obstáculo, permanente ao curso das matérias fecaes. Mas esta influencia mechanica, não é a única. Segundo Monod, Mo-ran, Ozenne, Pichevin, Ollivier, a colite muco-mem-branosa pôde ser de origem infecciosa, e resultar da propagação ao intestino, por via lymphatica da in-íiammação uterina; pois sabe-se que existem anasta-moses entre os vasos lymphaticos da vagina e os do recto (Letcheff).
Esta explicação, não parece muito satisfactoria; com effeito, a propagação inflammatoria faz-se n'uma porção limitada do intestino (recto e parte inferior do côlon descendente), como explicar a transmissão ao resto do intestino?
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Pelo que diz respeito á importância dada ás affe-cçoes utero ovaricas como causa directa da colite, parece-me que é preciso fazer algumas reservas, pois ha grandes uterinas, que são isentas de perturbações intestinaes. Emquanto aos que consideram as affe-cções uterinas como causa exclusiva da colite, basta dizer, que ella se encontra muitas vezes no homem e na creança. O que é inegável, é a influencia que podem ter as congestões do utero sobre a evolução da aftecção intestinal.
Vê-se frequentemente debaixo da influencia das regras, sobrevirem crises de colite. Aqui ainda se pôde incriminar a influencia nervosa, traduzindo-se por accidentes simultâneos em todos os órgãos da cavidade abdominal. Falta agora discutir a opinião, dos que consideram a colite muco-membranosa como uma aftecção microbiana primitiva, e provocada pela cultura no intestino d'um micróbio especifico.
Sobre este assumpto ha muitas hypotheses, mas não existem factos decisivos. As mucomembranas contéem um numero considerável de bactérias, mas não mais do que as que sencontram no intestino, no estado normal. Estas bactérias são aprisionadas pelo muco.
Recentemente M. Thiercelin isolou um micróbio a que attribue um papel pathogenico. Este micróbio, cujo papel no intestino seria tão importante como o do coli bacillo,., é um diplococco, difficilmente isola-vel no estado saprophytico, mas que pôde no estado pathogenico ser facilmente isolado e cultivado. Este diplococco desenvolve se em todos os meios de cultura; é virulento para o rato, menos virulento para o coelho e inofïensivo para a cobaya. Pelos seus caracteres morphologicos e pelas propriedades biolo-
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gicas approxima-se do meningococco. Parece-me, que não ha dados sufficientes para affirmar cathegorica-mente, que a colite muco-membranosa é uma doença microbiana especifica. Nos episódios febris que complicam frequentemente a entero-colite, o papel dos agentes infecciosos e positivo. Mas a quem attribui-mos este papel, ao coli-bacillo, ao estreptococco ao entero-cocco?
E preciso, não perder de vista, que o facto capital que domina toda a historia da colite muco-membranosa, é a atonia do intestino, e a constipação o seu corollario necessário. A atonia é o signal inicial, vêm em seguida as dores abdominaes, a byperse-creção mucosa, as ptoses e finalmente as desordens geraes d'ordem nervosa.
As ptoses para Gaston-Lyon, contrariamente a Glenard, são antes o effeito da atonia no seu grau mais grave, do que a causa dos accidentes da colite.
A atonia pôde ser provocada por uma das causas de compressão do intestino precedentemente enumeradas, mas é sempre favorecida por uma predisposição hereditaria, que se pôde traduzir também por dilatação do estômago, varizes, hemorrhoidas, hernias, etc.
Em resumo, a filiação dos accidentes da doença parece-me ser a seguinte:
Debaixo da influencia d'uma predisposição hereditaria, o arthritismo, ou de causas adquiridas, produz-se a atonia do intestino, á qual se junta muitas vezes a ptose; a atonia determina a estase estercoral, o endurecimento das matérias fecaes, d'ahi a irritação constante do intestino, a hypersecreção mucosa.
E posto em jogo o sympathico abdominal, por causa da tracção dos plexos abdominaes, produzida
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pela ptôse do intestino. D'onde uma serie de reflexos actuando primeiro localmente e produzindo espasmos, dores, etc., depois actuando sobre o systema nervoso geral produzindo desordens variadas.
A auto-intoxicação também entra em grande parte nos phenomenos geraes-.
Diagnostico
A colite muco-membranosa dá muitas vezes lo-gar a erros de diagnostico, tanto na forma aguda como chronica.
Os erros de diagnósticos podem provir de sym-ptomas locaes mal interpretados, ou dos symptomas geraes, serem considerados como affecções primitivas, ou como consequência d'outras affecções, e sem que appareça o laço, que as liga á affecção intestinal.
Um doente, que tem ha mais ou menos tempo constipação habitual, que sente dores abdominaes e que mostra nas fezes mucosidades e muco-membra-nas o diagnostico impõe-se.
O medico seria indesculpável, se em presença d'estes symptomas não pensasse logo na colite.
A difficuldade começa quando o doente, queixando se de dores abdominaes e de constipação não notou as muco-membranas nas fazes, ou se as notou, as attribue á taenia ou ás ascaridas. N'estes casos se o medico tem o cuidado de examinar as fezes, como é seu dever, parece-me que não deve haver motivo para erro de diagnostico. Comtudo n'al-guns casos, pode tomar-se por anneis de tasnia ou
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por novellos de ascaridas as muco-membranas e os novellos cylindricos, que são expulsos. M. Langlet cita uma observação d'uma senhora, que tratou durante três annos, como se fosse taenia, e mais tarde observou que se tratava d'um caso de colite muco-membranosa.
Um exame á lupa, quando se trata da taenia, per-mitte constatar a presença dos órgãos genitaes.
Tem-se encontrado ao mesmo tempo a taenia e as muco-membranas; aqui o diagnostico está um pouco mais sujeito a erro. Se o erro, que consiste em tomar as muco-membranas por fragmentos de helminthos tem sido commettido, devemos assigna-lar, que erro contrario também se tem dado.
Tem-se também tomado por muco-membranas, os restos de albumina d'ovo que não soffreram a acção dos suecos digestivos (Nothnagel, Potain). Em resumo, todas as vezes que ha duvida na natureza das membranas, basta examinal-as ao microscópico para constatar a sua natureza.
Os symptomas concomittantes do lado dos outros órgãos, e os symptomas geraes podem desviar a attenção do pratico do intestino.
Assim a existência de perturbações gástricas, faz despertar a ideia d'uma afíecção primitiva do estômago, e n'este caso expomo-nos a fazer um diagnostico incompleto, pois as perturbações gástricas e intestinais andam a par, n'um grande numero de casos. As vezes, no exame do ventre, julga-se encontrar a dilatação do estômago, quando em realidade é o côlon transverso que está dilatado.
Outras vezes pode imaginar-se a existência d'um cancro no estômago nos doentes magros, anorexi-cos, com cor amarellada, e apresentando no côlon
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uma accumulação de matérias fecaes susceptíveis de passarem por um tumor gástrico; o cancro do intestino pode também ser suspeitado pela mesma razão. Axenfeld viu uma senhora de 5o annos, cachetica, tendo na familia cancerosos, e que apresentava um empastamento doloroso na região direita do abdomen, e todos os symptomas de cancro, e que não tinha outra doença alem da colite muco membranosa!
A enterite tuberculosa também dá logar á confusão com a colite.
A neurasthenia, a hysteria., tão frequentes nos doentes affectados de colite, podem ser consideradas como primitivas, e desviarem por isso a attenção do intestino.
Os symptomas reflexos na esphera do apparelho urinário; dysuria, vontade frequente de urinar, levaram Thevenot ao diagnostico de cálculos na bexiga.
Emfim as lesões uterinas podem fazer concentrar toda a attenção, e desviarem-na do intestino.
E' sobretudo com as crises dolorosas, que os erros de diagnostico podem ser commettidos. A colite pôde ser confundida com a cólica hepática e nephre-tica.
A localisação infra-hepatica da dôr, a sua appa-rição por crises paroxisticas, podia fazer crer na li-thiasis com icterícia, se o exame das fezes não viesse revelar o contrario.
O engano com a cólica hepática acompanhada de icterícia é igualmente possível, pois podem observar-se durante a colite phases de congestão hepática com icterícia.
Emfim a lithiasis biliar e a colite podem coinci-
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dir, o que complica o diagnostico e pode levar ao desconhecimento d'uma das affecções.
O diagnostico com a appendicite não é sempre fácil; comtudo, pertence á appendicite a localisação exacta da dôr no ponto de Mac Burney e a contra-ctura dos músculos da parede abdominal. Estas doenças podem também existir ao mesmo tempo.
Assignalaremos ainda a confusão possível com a cólica saturnina.
Mr. Vouzelle viu um pintor, saturnino evidente, que, depois d'um periodo de constipação, com dores abdominaes violentas e vómitos, teve varias dejecções com muco-membranas.
Se a peritone não pôde ser facilmente confundida com a crise paroxistica, não acontece o mesmo com o estrangulamento interno, que tem uma evolução apyretica.
Ha alguns casos de obstrucção do intestino por muco-membranas, em que os symptcmas são idênticos aos do estrangulamento interno: a face está contrahidd, o ventre distendido, a constipação é absoluta, os gazes mesmo não são emittidos pelo anus, e apparecem os vómitos.
As crises dysenteriformes da colite distinguem-se facilmente da dysenteria. Pelo exame das fezes não se encontram os retalhos de mucosa característicos da dysenteria.
As crises de forma tyhoide também se distinguem da febre typhoide: pela marcha irregular da temperatura, ausência de manchas vermelhas, falta de prostração e stupor, pelos caracteres das fezes e pelo resultado negativo da sero-reacção, etc.
Tratamento
A colite muco membranosa, é uma affecção diffi-cil de tratar e que exige largos e pacientes esforços, antes de ser melhorada; comtudo não está fora dos recursos da therapeutica. E incontestável, que existem casos rebeldes a todo o tratamento, mas a maior parte das vezes obtêm-se melhoras consideráveis.
O tratamento deve ser dirigido por um lado contra o estado local, isto é, contra a constipação e as suas causas, contra a irritação intestinal, o spasmo e as dores. Por outro lado a medicação deve ser dirigida contra o estado geral, a neurasthenia, etc.
Antes de tudo importa prescrever um regimen alimentar conveniente, que assegurando a nutrição d'uma maneira sufficiente, não deixe resíduos sólidos, que são irritantes mechanicos, e ao mesmo tempo também não deve ser fermentiscivel.
Não convém regimen exclusivo; se os alimentos azotados deixam poucos resíduos têm o inconveniente de conservar a constipação. O regimen vegetal é irritante por causa dos resíduos abundantes que deixa. Por ultimo, o regimen lácteo é mal supportado.
Mr. Glenard considera mesmo a intolerância
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absoluta para o leite como um dos caracteres da en-teroptose.
O leite será apenas utilisado em doses moderadas e associado a outros alimentos. Apenas se poderá usar o regimen lácteo absoluto nas crises paro-xysticas.
Os alimentos permittidos serão os seguintes: Leite, creme, ovos; carne assada de boi, vitella e
carneiro; certas aves (pombos e gallinhas). Todas estas carnes devem ser bem divididas.
Os peixes de carne molle (pescada, linguado, truta, etc.).
Os legumes seccos (ervilhas e feijões), bem divididos e passados pela peneira.
As saladas de espinafres, chicorea e a couve flor. Os fructos cosidos (pêras, maçãs e damascos),
as compotas de fructas pouco assucaradas. O queijo fresco. O pão em pequena quantidade (ioo a 200 gram
mas por dia). Como bebida, a melhor de todas é agua de
fonte, em seguida vem o vinho, ou cerveja misturados com agua simples ou aguas alcalinas.
Os alimentos que se devem prohibir são: Caldos gordos. Os guizados de todas as espécies. Carne com molhos apimentados, certas aves (pa
tos, gallinhas da índia), a caça de pello. Peixes gordos (enguia, salmão, sável, etc.); os
crustáceos. Carne de porco (fumeiro), etc. As couves, tomates, azeitonas, pepinos, em geral
todas as conservas salgadas ou avinagradas. Pasteis, doces, etc.
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Os vinhos espumosos, ácidos, os licores e o café. Contra a constipação tem-se recorrido aos diffé
rentes laxantes e aos meios physicos. A atonia intestinal deve ser combatida sem demora.
Devem ser banidos todos os purgantes drásticos, mesmo usados em pequenas doses. Os purgantes salinos e aguas purgativas devem ser usados com moderação, porque o effeito prolongado d'estes purgantes determina ainda uma constipação mais intensa do que a que se tinha por fim combater.
Entre os laxantes que se podem empregar quotidianamente sem receio de determinar irritação intestinal, temos: as sementes de linho, que actuam me-chanicamente sobre o estômago e chimicamente pelos seus óleos essenciaes sobre o intestino. G. Sée prescreve antes de cada refeição uma colher de sopa d'estas sementes.
Quando estas sementes não são sufficientes para provocarem uma dejecção quotidiana, o melhor medicamento é o óleo de rícino ministrado em pequenas doses (uma ou duas colheres de chá) ao levantar da cama. Estas doses de óleo de ricino não produzem cólicas, e devem sem empregadas sempre. Quando se começa a tratar um doente pela primeira vez, é também ao óleo de ricino, em doses fraccionadas, a que se deve recorrer.
O óleo de ricino sendo, sem duvida, o melhor laxante, podíamos deixar de ennumerar os outros meios postos em prática para attenuarem a constipação; mas é preciso também attender ás susceptibilidades dos doentes.
E o mesmo medicamento usado durante muito tempo deixa de produzir o effeito desejado; é bom
fiO
por isso saber os laxantes porque pode ser substituído o óleo de ricino.
A magnesia, o enxofre e o cremor de tártaro, são depois do óleo de ricino os que empreguei de preferencia.
G. Lée prescreve, antes de cada refeição, uma colher de café da mistura seguinte:
Magnezia calcinada ) Enxofre lavado > aã—vinte grammas. Cremor de tártaro )
Os clysteres simples ou addicionados á glycerina (i ou 2 colheres), ou ao azeite (3 a 4) são muito empregados pelos doentes, mas têm o inconveniente de actuarem sobre uma parte limitada do intestino, e de embotarem a sensibilidade da mucosa rectal, e d'ahi a perda da necessidade da defecação.
Os suppositorios de glycerina têm os mesmos inconvenientes e a maior parte das vezes são eliminados sem produzirem effeito:
A massagem é um excellente meio para dar ao intestino a sua tonicidade perdida, mas deve ser empregada fora das crises pasxysticas.
A gymnastica sueca actua do mesmo modo. O exercício moderado em bicydeta, fazendo con-
trahir os músculos abdominaes, faz desapparecer muitas vezes uma constipação rebelde aos outros meios.
Dissemos que não bastava combater a constipação, é preciso combater as suas causas.
Quando ha enteroptose, é preciso recommendar repouso no leito durante algum tempo, e comprimir o abdomen por meio d'uma faixa, que o doente deve usar mesmo depois de se levantar.
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Se a nephroptose existe simultaneamente, reme-deia-se ou por meio de faixa, ou pela fixação do rim.
M. Weber cita a observação d'uma senhora, que tinha um rim fluctuante e uma colite rebelde a todo o tratamento; a fixação do rim curou a colite passados dez dias.
Em casos de hemorrhoidas produzindo o espasmo do intestino e constipação, pôde tornar-se necessária a dilatação do anus.
As afíecçÕes uterinas necessitam um tratamento apropriado, tratam-se as metrites, corrigem-se os desvios uterinos, reduz-se o prolaso e se existem adherencias pratíca-se a massagem uterina. Certos medicos julgavam, que pelo emprego dos antipseti-cos inestinaes, faziam parar a formação das muco-membranas e empregavam os diversos antisepticos: naphtol B, benzo-naphtol, betol, salol, salycilato de bismutho, etc.
Estas substancias pouco resultado dão na colite muco-membranosa.
Outros ainda tentaram modificar a mucosa intestinal por meio de icthjol. Recentemente, Mr. Che-ron empregou o acido picrico, como sendo capaz de combater directamente as lesões, modificando os epithelios alterados.
Eazia tomar aos doentes, em seguida á defeca-ção, um clyster destinado a ser conservado e composto d'um litro de agua addicionada d'uma colher de café da solução seguinte:
Acido picrico—uma gramma Agua distillada—cento e vinte grammas.
Tem-se ainda preconisado os clysteres de nitrato de prata a o,gr2o/iooo, etc.
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Na realidade, um único meio permitte modificar a infkmmação superficial da mucosa, causada pela coprostase; é a lavagem do intestino cujos effeitos são múltiplos: arrasta as matérias fecaes endurecidas e as muco-membranas; faz desapparecer as dores devidas á inrlammação do intestino, ao espasmo e á retenção das muco-membranas; restitue á mucosa do intestino as suas funcções d'absorpçao e tem ainda a vantagem de levar a sua acção a todo o intestino.
A enteroclyse constitue, portanto, o meio de tratamento mais apropriado ás indicações pathogenicas.
Os doentes, que recorrem pela primeira vez á lavagem do intestino, sentem um allivio immediato, e declaram se encantados com este banho interno; têm infelizente tendência a abusar, e renovam a lavagem todos os dias, de modo que a acção d'esté tratamento acaba por ser nulla.
Para fazer a lavagem, serve um irrigador ordinário munido d'uma cânula de enteroclyse. O irrigador deve estar pouco elevado acima do plano do leito (om,4o a om,5o), para que a pressão do liquido seja pequena. O doente deve estar deitado em decúbito dorsal para que o liquido penetre profundamente no intestino.
Como liquido a injectar podemo-nos servir de agua fervida simples addicionada de subsistancias antisepticas, mas que não sejam irritantes.
Podemos, por exemplo, addicionar a cada litro d'agua:
Bicarbonato de soda—cinco grammas. Salicylato de soda—uma gramma.
A principio, não se deve empregar mais d'um litro de lavagem, mais tarde pode elevar se esta quan-
m
tidade de agua a très litros. O doente expelle im-mediatamente uma parte do liquido; em seguida faz-se conservar durante alguns minutos meio litro a um litro de liquido fazendo deitar o doente do lado direito, para facilitar a passagem da agua no côlon transverso.
A temperatura do liquido não é indifférente; quando existem vivas dores e o intestino está em espasmo, a temperatura do liquido não deve exceder 40o, mas quando é a atonia que predomina, a temperatura deve ser de 45o a 48o. '
Desde as primeiras lavagens o allivio começa a produzir-se, ainda mesmo que o intestino não seja evacuado d'uma só vez do conteúdo. Ao fim d'algu-mas lavagens vem uma dejecção abundante, trazendo scybalas e muco-membranas; e os doentes continuam a expulsar scybalas nas lavagens seguintes.
,Deve-se prescrever uma lavagem quotidiana durante seis a oito dias, depois mandam-se espaçar de dois em dois dias, de três em très, etc.
Mas nunca se deve cessar completamente o seu uso, ao menos uma lavagem por semana está indicada.
Ao lado das lavagens convém também collocar os grandes clj-steres oleosos, que segundo Fleiner, seriam o remédio por excellencia, nos casos em que ha espasmo do intestino.
Fleiner fazia passar 400 a 5oo grammas de azeite no intestino. Segundo elle, o azeite puro não decomposto, protegia a mucosa na parte inferior do intestino contra as scybalas endurecidas, e nas partes superiores do intestino havia a digestão, a decomposição do azeite em glycerina e ácidos gordos, e adquiria então propriedades laxativas.
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Seja como for, elles actuam favoravelmente, determinando dejecções fáceis, porque facilitam o escorregamento das scybalas ao longo das paredes do intestino.
Gaston-Lyon associa habitualmente os grandes clysteres oleosos á enteroclyse. Quando inaugura o tratamento d'uma colite muco-membranosa, dá em primeiro logar o óleo de ricino como laxante, em seguida um clyster oleoso e termina o tratamento por seis ou oito lavagens.
As lavagens calmam indirectamente as dores, desembaraçando o intestino do seu conteúdo irritante; comtudo isto não basta, é preciso empregar outros meios no intervallo das lavagens.
Quando os doentes continuam a soffrer, é bom applicar os banhos quentes prolongados. Como o seu emprego repetido enfraquece os doentes, podem substituir-se por compressas frias sobre o ventre-, a acção sedativa é a mesma, porque a compressa revestida dum invólucro impermeável, aquece ao fim de pouco tempo, de mais a mais a constipação parece também melhorar com as applicações frias.
Como calmante tem-se proposto: o brometo de cálcio, o ópio, a belladona, que é o sedativo de escolha; prescreve-se debaixo da forma de tintura ou em pílulas:
i
Extracto de belladona j S 3 _ u m c e n t i g r a i n m a . Po de raiz de belladona \ ° Para tomar duas pílulas por dia.
E necessário tratar as perturbações gástricas, que acompanham habitualmente a affecção intestinal.
E sobretudo com o regimen alimentar que se obtêm melhoras consideráveis.
G5
Para combatermos as perturbações nervosas d'or-dem neurasthenica ha diversos meios. Como calmante pode utilisar se o valerianate de ammoniaco de preferencia aos brometos, que são sempre irritantes para o estômago.
Os banhos quentes prolongados calmam o ere-thismo nervoso. Prescrevem-se habitualmente a 38° ou 40o.
As duches frias também são empregadas quando os doentes têm uma boa reacção, mas é preciso que o jacto d'agua não seja dirigido para o estômago.
A massagem geral actuando sobre a nutrição presta bons serviços.
A electricidade estatita também é empregada com bons resultados.
Contra a fraqueza de certos doentes podem em-pregarse as injecções hypodermicas de cacodylato de soda ou de arrhenal.
As mudanças d'ar, o repouso physico e intellectual, impõem-se aos doentes enfraquecidos pelas dores, insomnia, alimentação insuficiente, etc. A habitação no campo é recommendavel.
O tratamento thermal é um complemento indispensável aos outros modos de tratamento, mas fora de todo o estado inflammatorio.
Entre nós as aguas do Gerez são para recom-mendar. Nos períodos de acalmia, de constipação não dolorosa, a cura deve ter por base a ingestão da agua thermal, o uso de duches ascendentes ther-maes, e durante as crises accentuadas repouso, bal-neação thermal prolongada, dieta mais ou menos absoluta e suppressão da cura interna. Nos doentes muito sujeitos a crises dolorosas diarrheicas, convém
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mesmo nos intervallos d'estas ter muita cautella no uso das duches ascendentes, que devem ser substi
tuídas por enteroclyses thermaes suaves e no uso da agua em bebida. Quando haja espasmos, cólicas accentuadas é ainda a balneação, que deve predo
minar na cura, eliminando as duches ascendentes e outros processos estimulantes das contracções intes
tinaes. As crises dolorosas peroxysticas, que simulam a
cólica hepática, nephretica, a appendicite, etc., ne
cessitam de repouso, applicações de compressas quentes, de belladona no interior ou em supposito. rios; ás vezes a intensidade da dor é tal que neces
sita uma injecção de morphina, comtudo é preciso evitar o morphinismo.
Taes são as regras geraes no tratamento das formas .chronicas. O resultado d'esté tratamento é dos mais variáveis, os seus effeitos estão subordina
dos cm grande parte á intensidade da doença e á sua antiguidade.
Todavia, mesmo nos casos graves, podem ob
terse melhoras consideráveis; para isso é preciso impor se ao doente repouso absoluto, submettelo a um regimen alimentar conveniente, esforçarse por calmar as dores, modificar o estado inrlammatorio do intestino e levantar as forças e o moral do doente. ■ A crise dolorosa sendo provocada pelo espasmo, que dirficulta o curso das matérias fecaes, a indicação essencial é expulsalas por meio de purgantes ligei
ros e lavagens. Nas formas febris, todo o alimento deve ser pro
hibido á excepção do leite. Quando as melhoras co
meçam a produzirse, associase ao leite a carne crua muito dividida, e quando as dejecções se tor
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nam diarrheicas e sanguinolentas, devem usar-se os purgantes salinos.
O tratamento deve ser completado por grandes lavagens usadas com prudência. Se a colite dysen-teriforme persiste ao cabo de alguns dias, podem empregar-se os grandes clysteres com uma solução diluída de nitrato de prata a 0",25 a o°',3o por litro. Na forma typhoide a dieta láctea e as lavagens constituem todo o tratamento.
PROPOSIÇÕES 3
Anatomia—O ligamento redondo não é constante.
Physiologia—A funcção respiratória é uma fermentação.
Pathologia geral—O espartilho tem um papel importante na etiologia das ptoses abdominaes.
Materia medica—0 melhor antithermico é a agua fria.
Anatomia pathologica—Não ha lesões características na colite muco-membranosa.
Pathologia externa—Só em casos excepcionaes praticarei a extirpação dos tumores malignos.
Pathologia interna—A indicação capital no tratamento das hemoptyses, é levantar o moral do doente.
Hygiene—Condemno a actual reforma de instrucção secundaria, por ser um attentado aos princípios mais rudimentares da hygiene.
Medicina operatória—Os catheterismos urethraes devem ser feitos na cama dos doentes.
Medicina legal—O medico sceptico deve abandonar o exercício profissional.
Partos—As parteiras inexperientes são a causa da maior parte dos accidentes durante e depois do parto.
Visto. O PRESIDENTE
Oliveira Monteiro.
rodo imprimisse. O DIRECTOR
Moraes Caldas.