SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO...

9
1 SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ABOUT STUDENT’S AUTONOMY IN DISTANCE LEARNING José Renato Gomes de Oliveira 1 Instituto Anísio Teixeira - IAT, Bahia Maira Motta Nunes 2 Instituto Anísio Teixeira - IAT, Bahia Resumo Embora sua conhecida ascensão no atual contexto de globalização, a Educação a Distância ainda enfrenta desafios relacionados a hábitos necessários ao educando para tornar-se apto a usufruir dessa modalidade, de modo a adaptar-se de forma integral. Dentro deste aspecto, procura explicar o problema da falta de autonomia do estudante de EAD. O artigo explica de que forma os contextos histórico, social, econômico e epistemológico influenciam numa mudança de hábitos e costumes sociais, impactando sobre as formas tradicionais de ensino e favorecendo os novos métodos e uma nova práxis pedagógica. Palavras-chave Educação a distância, Autonomia, práxis pedagógica. Abstract Although its known rise in the current context of globalization, distance education still faces challenges related to educating the habits necessary to become able to take advantage of this method in order to adapt an integrated way. Within this aspect, it seeks to explain the lack of autonomy of the student of distance learning. The article explains how the historical, social, economic and epistemological influence a change of habits and social customs, are impacting the traditional forms of teaching and promoting new methods and new educational praxis. Key-words Distance learning, autonomy, pedagogical praxis. 1 [email protected] 2 [email protected]

Transcript of SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO...

Page 1: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

1

SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

ABOUT STUDENT’S AUTONOMY IN DISTANCE LEARNING

José Renato Gomes de Oliveira1

Instituto Anísio Teixeira - IAT, Bahia

Maira Motta Nunes2

Instituto Anísio Teixeira - IAT, Bahia

Resumo

Embora sua conhecida ascensão no atual contexto de globalização, a Educação a Distância ainda

enfrenta desafios relacionados a hábitos necessários ao educando para tornar-se apto a usufruir

dessa modalidade, de modo a adaptar-se de forma integral. Dentro deste aspecto, procura explicar o

problema da falta de autonomia do estudante de EAD. O artigo explica de que forma os contextos

histórico, social, econômico e epistemológico influenciam numa mudança de hábitos e costumes

sociais, impactando sobre as formas tradicionais de ensino e favorecendo os novos métodos e uma

nova práxis pedagógica.

Palavras-chave Educação a distância, Autonomia, práxis pedagógica.

Abstract

Although its known rise in the current context of globalization, distance education still faces

challenges related to educating the habits necessary to become able to take advantage of this

method in order to adapt an integrated way. Within this aspect, it seeks to explain the lack of

autonomy of the student of distance learning. The article explains how the historical, social,

economic and epistemological influence a change of habits and social customs, are impacting the

traditional forms of teaching and promoting new methods and new educational praxis.

Key-words

Distance learning, autonomy, pedagogical praxis.

1 [email protected]

2 [email protected]

Page 2: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

2

1. Introdução

Variáveis diversas colaboram na obtenção do sucesso de um dos pilares mais preocupantes da

crescente modalidade da Educação a Distância: a autonomia do educando. Não obstante sua

conhecida utilização histórica, a Educação a distância ainda é encarada como uma forma nova de

ensinar e de aprender, também esta é uma modalidade em contínua transformação. Na realidade

existem diferenças e aproximações entre o ensino presencial e o ensino a distância. Há entre estas

modalidades concepções pedagógicas que sofrem adaptações em função do método, da técnica, da

práxis pedagógica e da gestão administrativa.

A cada dia cresce vertiginosamente o número de cursos à distância que vêm sendo ofertados no

cenário nacional: cursos de formação de professores, graduação3, pós-graduação, mestrado, línguas

e até ensino médio. É visível o poder de atração que a educação a distância vem exercendo sobre a

comunidade educacional. Muitas pesquisas, estudos e softwares vem sendo desenvolvidos

especificamente para esta área. Um aspecto positivo deste crescimento desordenado é o

reconhecimento dessa comunidade em voltar a centralizar suas discussões sobre o conceito de

autonomia, aprofundando estudos acerca desse e buscando os melhores caminhos para sua

promoção.

A questão é que muitos dos que se propõem a estudar a distância parecem não estar preparados para

lidar com este modelo de ensino, não possuem a autonomia necessária para enfrentar os desafios

necessários que um curso a distância exige. São muitos os estudantes que abandonam os cursos no

inicio. O índice de evasão tem superado em muito o dos cursos presenciais. O fator central e

preocupante é que os desafios que surgem para o aluno desta modalidade não deveriam ser restritos

a ela, não deveriam ser apenas uma exigência para os cursos EAD, mas sim para qualquer

modalidade de ensino. A atitude autônoma deve ser exigida em qualquer processo educativo, seja na

educação familiar, na escola ou em cursos presenciais ou à distância.

Antes de adentrar as discussões acerca do conceito de autonomia, é importante estabelecer aqui a

distinção entre educação e ensino. Quando nos referimos ao ensino estamos tratando do papel

docente. Não obstante, ao tratarmos de educação estamos discorrendo sobre um ato que transcende

a ideia de escola, de curso, oficina, etc. A Educação a Distância, assim como a educação tradicional,

3 De acordo com os dados do Censo, 115 instituições ofereceram, em 2008, cursos de graduação a distância. São 18

IES a mais em relação às registradas no ano de 2007. É possível observar (tabela 27 da referência abaixo) que o

número de cursos de graduação a distância aumentou de maneira significativa nos últimos anos. Comparado ao ano

de 2007, foram criados 239 novos cursos, representando um aumento de 58,6% no período. O número de vagas

oferecidas em 2008 registrou um aumento de 10,3%, ou seja, uma oferta de 158.419 vagas a mais. O crescimento no

número de vagas da educação a distância deu prosseguimento a um aumento que se observa desde 2003. Nesse

período registrou-se uma variação de mais de 70 vezes no número de vagas ofertadas. Outro aspecto que se destaca

é a razão entre inscritos e vagas, enquanto em 2007 foram registrados 0,35 candidatos para cada vaga, no ano

seguinte essa relação foi de 0,41. Estatística INEP (Resumo Técnico. Censo da educação superior 2008. Acessado

em 22/10/2010 http://www.inep.gov.br/download/censo/2008/Censo_Superior_2008_Resumo_Tecnico.pdf).

Page 3: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

3

é um ato político do ser ontológico, que aprende e aprende a aprender independente de estar

matriculado em curso ou escola regular. É também a atitude do usuário online quando aprende

através de sites de relacionamentos, fóruns, blogs, através vídeos ou tutoriais, etc.

Quanto ao ensino, existem vários aspectos da educação presencial hoje alvo de severas críticas.

Muito se discute sobre as mudanças necessárias nas práticas pedagógicas para se atingir um ensino

que seja de qualidade. A ideia de que o professor não é o único detentor da verdade e de que o

conhecimento não é algo que se possa ser transmitido vem ganhando cada vez mais adeptos em

defesa de uma educação de qualidade. O professor deve orientar o aluno no seu processo de

aprendizagem, na construção do conhecimento e incentivar a promoção da autonomia por parte dos

alunos. Ele é o responsável por criar e manter este ambiente de aprendizagem, por proporcionar aos

alunos a liberdade e o espaço necessário capaz de favorecer o desenvolvimento das competências de

cada um.

São muitas as tecnologias hoje que podem ser usadas como instrumentos facilitadores do processo

de ensino-aprendizagem. Há a necessidade de trazer para o dia-a-dia do aluno recursos que os

despertem e os auxiliem na construção do conhecimento, que os incentivem a questionar e a buscar

respostas para seus questionamentos.

A prática educacional e as metodologias de ensino devem anteceder os avanços tecnológicos, ou

seja, as tecnologias devem ser incorporadas às praticas pedagógicas e não o contrário, porém vem

ocorrendo o inverso. É a educação e as práticas pedagógicas que estão se adequando às novas

tecnologias. Não são os recursos tecnológicos que estão sendo aproveitados e utilizados pela

educação como facilitadores do processo de ensino-aprendizagem, mas são as tecnologias que,

avançando em ritmo desenfreado, estão se utilizando da educação para que seu uso seja ampliado.

2. Para entender o atual contexto histórico social

Um fato evidente nos últimos anos é o crescimento dos cursos de EAD. Mas como explicar esse

aumento vertiginoso, uma vez que não tratamos exatamente de algo novo? A história da Educação a

Distância nos mostra que essa modalidade já é trabalhada desde tempos remotos. Podemos afirmar

até mesmo que o apóstolo Paulo utilizou-se dessa modalidade quando enviou cartas de sua autoria

às primeiras igrejas da Ásia para propagar as doutrinas cristãs. É possível que essa experiência

tenha se repetido outras vezes em outros períodos da história, no Egito, Grécia ou Roma. Se

pensarmos a educação em sentido amplo e não vinculada a uma instituição de ensino, podemos

entender que EAD pode ter ocorrido no Egito Antigo, ainda que de modo não intencional, sem a

preocupação pedagógica da formação do indivíduo, através da criação do papiro, uma espécie de

suporte à escrita que servia para disseminar as informações. No entanto, é frequentemente aceito

por pensadores da educação como marco inicial, a experiência de agricultores europeus, quando em

1856 utilizaram correspondências para aprender melhores técnicas de plantio e manejo de animais.

O essencial é que o ato de informar e comunicar proporcionou condições para a aprendizagem do

individuo, tirando-o de um estado de „‟ignorância‟‟, e interferindo de forma indireta na sua

formação. Cabe neste artigo discutirmos de que forma esta formação está se estruturando sem a

descoberta ou o desenvolvimento da autonomia no educando. Em que medida os modelos teóricos

criados para EAD têm falhado neste ponto? Qual a razão de tantos índices de evasão nos cursos de

Educação a Distância?

Page 4: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

4

O modelo fordista de produção em massa foi aplicado à educação, podendo ser evidente na

expansão das ofertas, nas estratégias de otimização dos recursos e no uso das tecnologias da

informação e comunicação (TIC). No entanto, a lógica capitalista do modelo de uma educação em

massa muito comprometeu a qualidade da educação. Segundo Belloni (2003), muitos estudos

desenvolvidos sobre EAD baseavam-se em modelos teóricos da economia e da sociologia

industriais, pautados nos paradigmas do fordismo e pós-fordismo. Porém, a nova realidade sócio

histórica afastou-se do modelo tradicional do modo de produção capitalista. Desse modo, deve-se

ter uma nova concepção teórica, uma vez diante de uma sociedade pós-industrial, pós-fordista, que

se baseia na produção de serviços, na qualificação profissional, na acumulação flexível, na

desmaterialização do dinheiro e sua virtualização.

Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores como John Locke, Adam

Smith, David Ricardo, Voltaire, Montesquieu e outros, propagou-se a redução das funções do

Estado. Delegou-se ao setor privado, depois do princípio keynesiano do controle das crises cíclicas,

a atual fase neoliberal do capitalismo. Provocou-se a irrelevância do poder do Estado, deixando os

países a mercê da dinâmica global do capitalismo, a globalização da economia. Tentou-se aplicar

ideias alternativas ao marxismo, sobre o Estado, que ganharam força após a queda dos regimes

socialistas do Leste Europeu. Modelos teóricos da economia, e consequentemente da gestão

educacional, influenciaram outras áreas da vida social, como saúde, educação, transporte e também

a Educação a Distância, em particular.

Após os anos 90, as transformações sociais, tecnológicas e econômicas que ocorreram permitiram

que as debilidades do ensino tradicional ficassem mais evidentes, possibilitando flexibilidades, já

regidas por um modelo pós-fordista, mas agora dada uma nova ênfase devido ao ritmo acelerado

das transformações sociais e econômicas. Assim como no modelo de gestão das empresas sugere-se

o trabalho em equipe, valorizando as competências múltiplas do trabalhador, tarefas menos

segmentadas; nas escolas e cursos de Educação a Distância também ocorre uma adaptação dos

serviços a perfis individuais, fugindo do perfil padronizado do mercado de massa, passando a

fragmentar o ensino em módulos menores e personalizados à escolha do aluno. Este passa a

escolher o que quer estudar, quando e de que forma. A partir de então, nota-se que o estudante passa

a precisar de competências de auto estudo e de autogestão (Belloni, 2003, p. 19), fica mais evidente

aí o papel da autonomia. Como boa parte dos estudantes no Brasil que optaram por um curso à

distância faz parte de um público de jovens e adultos que procura esses cursos pela flexibilidade do

tempo e em sua maioria são estudantes que não desenvolveram autonomia, enfrentam problemas de

adaptação pela modalidade que optaram. É um aspecto quase nunca levado em consideração pelas

instituições de EAD, que ao dar pouca importância a esta contribuem para aumento dos índices de

evasão dentro de suas próprias escolas.

3. Do pensar e agir autônomos

Como salientamos há pouco, com o boom que os novos adventos tecnológicos proporcionaram à

Educação a Distância, o conceito de autonomia retorna ao centros dos discursos acerca desta

modalidade.

Page 5: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

5

Não devemos resumir a autonomia, de modo a compreendê-la, apenas à capacidade que o sujeito

tem de organização e de auto-gerenciamento, de cumprir certas atividades em prazos estabelecidos

e em discutir e dialogar certos conhecimentos nos fóruns e chats dos ambientes virtuais de

aprendizagem. Veremos adiante como esse reducionismo muitas vezes atribuído a autonomia se

revela uma arbitrariedade e para tanto o rigor na compreensão deste conceito para posterior

delineamento e atribuição no âmbito da educação a distância revela-se uma empresa estritamente

necessária.

Iniciaremos por desenvolver inicialmente uma critica à educação a fim de nos certificarmos do

papel que a autonomia deve assumir diante desta. A aplicabilidade da autonomia ao modelo de

educação a distância se torna posteriormente uma empresa fácil, uma vez que a educação

compreende as suas práticas, sejam elas relativas às modalidades, metodologias e\ou didáticas

aplicadas.

O relatório “Um tesouro a descobrir” produzido para UNESCO e de autoria de Jacques Delors,

coordenador da comissão internacional para a educação do século XXI, é hoje um dos escritos mais

citados e comentados em artigos e publicações em defesa da educação e da qualidade do ensino.

Neste relatório são apresentados e discutidos os quatro pilares da educação para o século XXI, são

eles: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver a juntos, aprender a ser.

Devemos compreender, a partir de uma leitura mais aprofundada deste relatório, que a educação

após da falência dos projetos do liberalismo econômico e do tecnicismo decorrente destes, passa a

ser compreendida como um processo que transcende a aquisição de conhecimento, independente da

modalidade, dos recursos e didáticas aplicadas.

Os avanços tecnológicos e multimidiáticos atuais corroboram com a ideia de que o ato de educar

não pode ser compreendido como simples transmissão de conhecimento. O modelo instrumental-

tecnicista não dá conta da educação em sua totalidade formativa. É insuficiente para formar o

educando em homem e cidadão. As escolas que seguem este modelo não dão conta de formar

indivíduos capazes de refletir, de emitir juízos próprios e autônomos, não buscam desenvolver no

aluno uma forma de pensar corretamente. Todo o pensamento e ação são impostos e determinados

por outros ou por circunstâncias externas a esses, transformando-os assim em sujeitos passivos e

incapazes de reação e transformação de si ou do ambiente que o circunda. Educar é mais que

transmitir conhecimentos, é orientar e guiar o sujeito a fim de que este se torne capaz de exercer sua

liberdade e seja capaz de determinar-se, seja no âmbito da teoria ou da ação. Exercendo a sua

capacidade reflexiva e de efetivação dos seus projetos particulares compreendendo-se enquanto

sujeito e cidadão do mundo.

Um fato que não pode deixar de ser citado é que a conjuntura atual da nossa sociedade não contribui

para a promoção da liberdade e consequentemente para a formação de sujeitos capazes de modificar

aquela. A pobreza econômica e a miséria que prevalece em nosso Estado-nação poda a liberdade e

limita o exercício autônomo da cidadania, uma vez que desde cedo faltam às crianças uma boa

formação, incide sobre essas a dificuldade para romperem as barreiras e se estabelecerem como

sujeitos neste contexto social, enfrentando a falta de acesso igualitário à informação, a disputa

constante por oportunidades, empregos e a própria sobrevivência dentro de uma sociedade onde

prevalece a vontade de uma minoria. As condições sociais desfavoráveis, como a pobreza, a fome e

Page 6: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

6

a miséria que vive a população brasileira cerceia a liberdade de cada um e impede-os de atuar como

sujeitos transformadores. Para que haja transformação é preciso que haja liberdade como condição

para que esta se efetive. É preciso que os indivíduos sejam educados a pensar livremente e que

sejam capacitados a realizar e buscar concretizar os projetos que determinam para si próprios.

Estes quatro pilares, muito bem desenvolvidos e defendidos por Delors em seu relatório abarcam

toda a liberdade capaz de permitir aos sujeitos um pensar e agir autônomos, uma vez que, para

tanto, a educação é a única via para se chegar a esses. Poderíamos aqui facilmente resumir estes

quatro pilares em um único, um pilar central, capaz de unificar todas as competências fundamentais

de todo e qualquer processo educativo: aprender a ser autônomo!

4. Da autonomia enquanto atividade crítica

Autonomia deriva do grego autós (por si) e nomos (lei), compreende o poder de determinar a si a

própria lei. Ela é contrária à hetoronomia, lei que procede de outro, hetero (outro) e nomos (lei). Ser

autônomo é ser capaz de pensar, agir, transformar, de fazer uso da sua própria razão, de decidir por

si próprio acerca dos seus atos e escolhas, de assumir a responsabilidade por seus juízos e ações, de

se assumir enquanto sujeito social, com liberdade de escolher seu caminho e de trilhá-lo com suas

próprias pernas. Segundo Lalande “Etimologicamente autonomia é a condição de uma pessoa ou de

uma coletividade cultural, que determina ela mesma a lei à qual se submete” (Lalande, 1999). Sobre

esse conceito Vicente Zatti afirmará sobre a autonomia que

“...como ela se dá no mundo e não apenas na consciência dos sujeitos, sua

construção envolve dois aspectos: o poder de determinar a própria lei e também o

poder ou a capacidade de realizar. O primeiro aspecto está ligado a liberdade e ao

poder de conceber, fantasiar, imaginar, decidir e o segundo ao poder ou

capacidade de fazer. Para que haja autonomia os dois aspectos devem estar

presentes, e o pensar autônomo precisa ser também fazer autônomo. O fazer não

acontece fora do mundo.” (Zatti, 2007, p.12)

E por não poder se efetivar fora do mundo, a autonomia não pode ser confundida como

autosuficiência, uma vez que os indivíduos encontram-se submetidos às leis naturais, leis civis e

convenções sociais.

A autonomia, ao contrário do que muitos devem imaginar, não surge como um conceito pedagógico

da EAD, para designar a atitude e postura necessária ao aluno que está espacialmente distante do

seu educador, tampouco é um conceito extraído de algum manual de pedagogia ou da obra de algum

teórico da área de educação. Mas seu uso ganha centralidade na modernidade, pela crítica kantiana

à razão, e é compreendida como a capacidade que a razão tem de pensar a si própria e de se auto

atribuir regras e leis. É contrária a heteronomia, situação em que pensamos e agimos sob orientação

de outros ou movidos por algo externo a nós. A relevância deste conceito para humanidade é tão

amplo que seria um devaneio restringi-lo apenas à pedagogia.

É só investigarmos mas a fundo o conceito de autonomia, que facilmente percebermos que esse vai

muito além de um projeto pedagógico, segundo Abbagmano este conceito “é introduzido por Kant

para designar a independencia da vontade em relação a qualquer desejo ou objeto do desejo e sua

Page 7: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

7

capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria que é a da razão” (Abbagmano,

1998). Não iremos aqui discorrer sobre este conceito na filosofia critica kantiana, este compreende

um conteúdo muito vasto que se estenderiam a uma série dispendiosa de artigos, mas vamos apenas

buscar compreender como a autonomia transcende um projeto pedagógico, que ela compreende o

esclarecimento (aufklärung), possibilitado pela liberdade, pelo liberalismo, e que compreende um

aspecto político desta geração, que infelizmente não se projetou ou se efetivou tanto quanto seus

projetos econômicos descritos no tópico anterior.

Aufklärung, traduzida por esclarecimento, ilustração ou iluminismo, e definida por Abbagmano

como a “linha filosófica caracterizada pelo empenho de estender a crítica e o guia da razão em

todos os campos da experiência humana” (Abbagmano, pág 509, 1962) traz consigo o ideal de

autonomia. O iluminismo é a época da crítica, do esclarecimento. Zatti (2002) afirma que

A filosofia iluminista possui uma confiança decidida na razão humana, propõe um

despreconceituoso uso crítico da razão voltada para a libertação em relação aos

dogmas metafísicos, aos preconceitos morais, às superstições religiosas, às relações

desumanas e tiranas politicas, os quais representam para os iluministas

heteronomia.

Compreenderemos melhor a autonomia e a sua interdependência ao iluminismo com o seguinte

trecho extraído da artigo Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? de Imanuel Kant (2005):

“Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem da sua menoridade, do qual ele

próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu

entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado

desta menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na

falta de decisão e coragem de servir-se por si mesmo sem a direção de outrem.

Sapere aude4! Tem coragem de fazer uso do teu próprio entendimento, tal é o lema

do esclarecimento (Aufklärung) (Kant, 2005, pp. 63-64)

Mas para kant a Aufklärung é mais do que conhecer, é antes de tudo agir, e é em sua

filosofia prática que a autonomia irá ocupar o papel central. Observamos assim que ideal este tão

primordial à humanidade e que até a década passada não recebeu dos homens a devida atenção,

pouco se falava em autonomia, poucos filósofos e/ou estudiosos se debruçaram sobre este conceito

tão nobre à humanidade e que a autonomia, ao contrário do que muitos devem imaginar, não surgiu

como um conceito pedagógico da EAD, para designar a auto-suficiência e auto-gerência do aluno

espacialmente distante do seu educador e que tampouco é um conceito extraído de algum manual de

pedagogia ou da obra de algum teórico da área de educação. A relevância deste conceito para

humanidade é tão amplo que seria um devaneio restringi-lo apenas à pedagogia. Mas por outro lado

poucos foram capazes de captar-lhe a essência e descrevê-la tão profundamente bem como educador

Paulo Freire, em sua obra intitulada “A pedagogia da autonomia” como veremos posteriormente.

A autonomia tem seu uso central na modernidade pela crítica kantiana à razão, e é compreendida

como a capacidade que a razão tem de pensar a si própria e de se auto atribuir regras e leis. É

contrária a heteronomia, situação em que pensamos e agimos sob orientação de outros ou movidos

4 Ouse pensar.

Page 8: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

8

por algo externo a nós.

4. Conclusão

A autonomia deve ser encarada como um pressuposto primordial da educação e compreendida

como um pilar de sustentação nos cursos a distância. Ela é fundamental nos processos de construção

da aprendizagem, pois prioriza a atitude independente do educando ao promover a possibilidade da

ação investigativa e promoção da autoria. Dessa forma, espera-se que estudantes da EAD cumpram

em primeiro lugar o pré-requisito de manifestarem-se autônomos, realizando curso, matéria,

disciplina, questionário ou avaliação para isso. Entende-se que é uma condição estritamente

necessária para compreensão por parte dos interessados na modalidade dos cursos a distância de que

deverão ser investidos de uma atitude autônoma e se não a possuem deverão desenvolvê-la, estando

conscientes de que não conseguirão realizar os cursos que pretendem se antes não estiverem dessa

forma preparados.

As instituições devem agir como defensoras do estabelecimento do perfil de uma atitude autônoma

no seu corpo discente. Pedagogicamente falando, esta não é uma questão nova, porém se torna mais

do que relevante diante das mudanças tecnológicas e sociais que se processam no mundo. Não

obstante estarem condicionados às questões econômicas, de um mundo globalizado, neo-liberal,

devem reconhecer que a baixa qualidade no ensino aprendizagem ou mesmo os altos índices de

evasão são consequências do afrouxamento de um rigor pedagógico ligado à promoção da

autonomia do educando. A observação deste fato é o caminho para a solução de boa parte dos

problemas da educação a distância, contribuindo para uma formação efetiva discente e de qualidade

e para uma melhor produtividade do docente, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento

da educação institucional.

Referências:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 21ª edição. ed. Martins

Fontes. São Paulo 1998.

BELLONI, Maria Luiza. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. 3ª Edição. Campinas: Editora Autores

Associados, 2003.

CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Ed., 2000.

Kant, I. Que significa orientar-se no pensamento? In: Textos Seletos. Trad.

Floriano de Sousa Fernandes. 3a ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.

KANT, I. Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”?(Aufklärung). In:

Textos Seletos. Trad. Floriano de Sousa Fernandes. 3a ed. Petrópolis: Editora

Vozes, 2005c.

KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Trad. Francisco Cock Fontanella. Piracicaba:

Editora UNIMEP, 2004.

LALANDE, ANDRÉ. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. 3a ed. São

Paulo: Martins Fontes, 1999.

Page 9: SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO …wright.ava.ufsc.br/~alice/conahpa/anais/2011/papers/64.pdf · Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores

9

PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Trad. Raimundo Vier. 6a ed.

Petrópolis: Vozes, 1999.

PRETI, Oreste. Autonomia do Aprendiz na Educação a Distãncia: significados e dimensões.

Cuiabá: UFMT/NEAD, 2005.

Um tesouro a descobrir. Acessado em 22/10/2010)

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000009.pdf

ZATTI, Vicente. AUTONOMIA E EDUCAÇÃO EM IMMANUEL KANT E PAULO FREIRE.

Porto Alegre: EDPUCRS, 2007.