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Michel Gorski D ISTÂNCIA não é problema turista na sua cidade H á 8 anos, o jornalista, escritor e documenta- rista Paulo Markun embarca toda segunda- feira pela manhã no aeroporto de Floria- nópolis rumo a São Paulo. O trajeto aéreo entre casa e trabalho foi incorporado à roti- na do coordenador e apresentador do Roda Viva, o tradi- cional programa de entrevistas produzido pela TV Cultura de São Paulo e transmitido às segundas para todo o Brasil. Será que o equilíbrio na condução dos acalorados debates se deve ao fato de ele residir numa ilha tranqüila, uma capital de estado com menos de 400 mil habitantes? Gabriel García Marques, prêmio Nobel de literatura, disse uma vez que desejaria trabalhar de dia numa ilha deser- ta e à noite estar em uma grande metrópole. Guardadas as devidas proporções, é o inverso do que planejou e vem fazendo Markun, que, vindo trabalhar na metrópole, tenta voltar o mais rápido possível para sua ilha, não tão deserta. “Durante muitos anos o retorno era obrigatório na terça, depois passou para quarta e às vezes já acontece na quinta, mas todos sabem que é lá que moro,e quero sempre apreciar da minha casa um dos mais belos finais de tarde da ilha”, afirma, com convicção, o jornalista. A razão do prolongamento das estadas de Paulo Markun na capital paulista é um novo projeto, já em curso.Trata-se da edição do site Jornal de Debates, resgate criado na inter- net de um jornal que existiu em 1946 e celebrou a rede- mocratização do Brasil, abrindo espaço para todas as mani- festações de pensamento. Apesar de virtual, neste período de implantação o jornal on-line exige maior presença física de seu criador em São Paulo. Voltando a Florianópolis, a capital seria mesmo a versão do paraíso na Terra, acrescida dos benefícios e serviços da cidade grande? Pelo jeito, ainda não. O potencial de desenvolvimento da ilha ainda não se realizou, a forte sazo- O jornalista Paulo Markun elegeu Florianópolis como endereço residencial. Tudo para não perder o belo pôr-do-sol e os encantos de uma ilha com um sotaque musical São Paulo Florianópolis nalidade turística no verão, quando a água do mar é quente, desequilibra o consumo, e a oferta de serviços ainda é precária.“O trânsito se complica, e o automóvel ainda é fun- damental na ilha, as filas ficam enormes nos supermercados e padarias, os bares e restaurantes lotados, e já começaram a proliferar os shopping centers; é a repetição de modelos ur- banos já conhecidos”, conclui Markun. “Março é o melhor mês do ano, é verão sem veranista e a água ainda está agradável”, diz o jornalista, que enxer- ga a partir de sua vivência um grande potencial turístico para a ilha, se for bem planejado: “Falta promoção de in- verno, com passeios diferentes, uso de lareira e ofertas de comidas especiais”. Markun cita como exemplo a organi- zação que se fez em torno da praia do Rosa, cerca de 70 quilômetros ao sul de Florianópolis, onde a ocupação hoteleira e os serviços com- plementares ocorrem praticamente o ano todo. “Na ilha, o resort Costão do San- tinho já trabalha na direção de diversi- ficar as atividades”, comenta. Ao relatar sua experiência, Markun destaca que a mudança de cidade e de modo de vida não é fácil. A receptivi- dade aos turistas, de quem muitos de- pendem, é ótima, porém, quando os “es- trangeiros” resolvem se estabelecer na ilha, “percebem que Floripa, apesar de capital, é provinciana, é uma cidade de funcionários públicos, que segrega as pessoas de fora”. Uma outra curiosi- dade sobre a população local é que “habitantes que moram no centro têm uma casa de praia, que pode ficar a poucos quilômetros dali, e se mu- dam para lá no verão; já os estran- geiros moram numa casa só”. A ilha de Santa Catarina teve sua ocupação determina- da pela topografia e se compõe de muitos e pequenos nú- cleos urbanos. A família Markun vive no povoado, de 2 mil habitantes, de Santo Antônio de Lisboa, uma antiga vila de pescadores originária da colonização açoreana e lo- calizada a 18 quilômetros do centro.A mudança da família foi gradual e começou em 1989, um ano sabático com a companheira Tatiana, quando fizeram um teste de residên- cia, e de resistên- cia, na ilha. “Ficou a semente, a sensa- ção de que o lugar era este e que de- Cotidiano e paisagens de uma ilha tranqüila: o jornalista vive a rotina da capital catarinense desde 1998 Fotos: Gabriel Ribemboin Arquivo pessoal Arquivo pessoal 62 HosT dezembro 2006 / janeiro 2007

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Michel Gorski

DISTÂNCIAnão é problema

• •• turista na sua cidade

Há 8 anos, o jornalista, escritor e documenta-rista Paulo Markun embarca toda segunda-feira pela manhã no aeroporto de Floria-nópolis rumo a São Paulo. O trajeto aéreoentre casa e trabalho foi incorporado à roti-

na do coordenador e apresentador do Roda Viva, o tradi-cional programa de entrevistas produzido pela TV Culturade São Paulo e transmitido às segundas para todo o Brasil.Será que o equilíbrio na condução dos acalorados debates sedeve ao fato de ele residir numa ilha tranqüila, uma capitalde estado com menos de 400 mil habitantes?

Gabriel García Marques, prêmio Nobel de literatura,disse uma vez que desejaria trabalhar de dia numa ilha deser-ta e à noite estar em uma grande metrópole. Guardadas asdevidas proporções, é o inverso do que planejou e vemfazendo Markun, que, vindo trabalhar na metrópole, tentavoltar o mais rápido possível para sua ilha, não tão deserta.

“Durante muitos anos o retorno era obrigatório na terça,depois passou para quarta e às vezes já acontece na quinta,mas todos sabem que é lá que moro, e quero sempre apreciarda minha casa um dos mais belos finais de tarde da ilha”,afirma, com convicção, o jornalista.

A razão do prolongamento das estadas de Paulo Markunna capital paulista é um novo projeto, já em curso.Trata-seda edição do site Jornal de Debates, resgate criado na inter-net de um jornal que existiu em 1946 e celebrou a rede-mocratização do Brasil, abrindo espaço para todas as mani-festações de pensamento.Apesar de virtual, neste período deimplantação o jornal on-line exige maior presença física deseu criador em São Paulo.

Voltando a Florianópolis, a capital seria mesmo a versãodo paraíso na Terra, acrescida dos benefícios e serviços dacidade grande? Pelo jeito, ainda não. O potencial dedesenvolvimento da ilha ainda não se realizou, a forte sazo-

O jornalista Paulo Markun elegeu Florianópolis comoendereço residencial. Tudo para não perder o belo pôr-do-sole os encantos de uma ilha com um sotaque musical

• São Paulo

• Florianópolis

nalidade turística no verão, quando a água do mar é quente,desequilibra o consumo, e a oferta de serviços ainda éprecária.“O trânsito se complica, e o automóvel ainda é fun-damental na ilha, as filas ficam enormes nos supermercados epadarias, os bares e restaurantes lotados, e já começaram aproliferar os shopping centers; é a repetição de modelos ur-banos já conhecidos”, conclui Markun.

“Março é o melhor mês do ano, é verão sem veranistae a água ainda está agradável”, diz o jornalista, que enxer-ga a partir de sua vivência um grande potencial turísticopara a ilha, se for bem planejado: “Falta promoção de in-verno, com passeios diferentes, uso de lareira e ofertas decomidas especiais”. Markun cita como exemplo a organi-zação que se fez em torno da praia do Rosa, cerca de 70quilômetros ao sul de Florianópolis, ondea ocupação hoteleira e os serviços com-plementares ocorrem praticamente o anotodo. “Na ilha, o resort Costão do San-tinho já trabalha na direção de diversi-ficar as atividades”, comenta.

Ao relatar sua experiência, Markundestaca que a mudança de cidade e demodo de vida não é fácil. A receptivi-dade aos turistas, de quem muitos de-pendem, é ótima, porém, quando os “es-trangeiros” resolvem se estabelecer nailha, “percebem que Floripa, apesar decapital, é provinciana, é uma cidade defuncionários públicos, que segrega aspessoas de fora”. Uma outra curiosi-dade sobre a população local é que“habitantes que moram no centrotêm uma casa de praia, que pode ficara poucos quilômetros dali, e se mu-dam para lá no verão; já os estran-

geiros moram numa casa só”.A ilha de Santa Catarina teve sua ocupação determina-

da pela topografia e se compõe de muitos e pequenos nú-cleos urbanos. A família Markun vive no povoado, de 2mil habitantes, de Santo Antônio de Lisboa, uma antigavila de pescadores originária da colonização açoreana e lo-calizada a 18 quilômetros do centro.A mudança da famíliafoi gradual e começou em 1989, um ano sabático com acompanheira Tatiana, quando fizeram um teste de residên-cia, e de resistên-cia, na ilha.“Ficoua semente, a sensa-ção de que o lugarera este e que de-

Cotidiano e paisagens de uma ilhatranqüila: o jornalista vive a rotina da

capital catarinense desde 1998

Fotos: Gabriel Ribemboin

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víamos nos estruturar melhor”, conta Markun.Foi o que aconteceu em 1998, já com três filhosna bagagem. Com a mudança definitiva, a casade praia foi gradativamente se transformandoem moradia permanente.

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Markun ainda continua conhecendo Florianópo-lis e diz que sempre descobre locais onde nun-ca foi, por preguiça – “vou deixar para o ano

que vem, porque tem muita gente agora” – ou por faltade oportunidade. Quando solicitado a indicar seus pontosfavoritos, lembra que muitos encontros acontecem nascasas dos amigos, e adverte:“A cidade é muito dispersa, otransporte coletivo é falho, mas está adaptado para con-duzir banhistas e até pranchas de surf e, principalmente,cada um deve procurar sua tribo. E não duvide, todas es-tão representadas”. O principal ponto de encontro deFloripa é a lagoa da Conceição e seu entorno, e o progra-ma é selecionar uma praia para cada dia ou uma para to-dos os dias, depois comer e badalar à tarde e pela noiteadentro.“É desperdício ficar parado”, afirma Markun.

Para comer – A gastronomia se desenvolveu muito e asespecialidades são peixes e frutos do mar, que já nãosão de produção local, tanto pela escassez como peloexcesso de demanda. No povoado de pescadores daCosta da Lagoa (chega-se de barco pagando R$ 3),onde há uma cachoeira e meia dúzia de bons restau-rantes, destaca-se o Lagoa Azul. O Mercado Público vi-rou moda, e nele o point mais famoso é o Box 32, masMarkun gosta muito é de comprar na Peixaria doChico e ser atendido pelo Marcelo. No Ribeirão daIlha, que fica no extremo sul, tem um restaurantechamado Rancho Açoreano, com uma comida maistípica; farinha de mandioca e pirão excelentes. Segun-do o jornalista,“o santo de casa faz milagre”. Em SantoAntônio de Lisboa, onde mora Markun, há bonsrestaurantes. “O do Márcio, ao lado da igreja, é im-perdível, com ótima música ao vivo também.”

Boa música – “Faça uma programação noturna para ouvirapresentações de música ao vivo. Há para todos os tipos

de gostos e o couvert artístico é pequeno. São surpreen-dentes a produção e a originalidade musical que se en-contram em Florianópolis”, informa Markun. Seus des-taques são Guinha Ramires, o projeto Velhos Amigos, aBendita Companhia, que faz combinações de vários gru-pos, entre eles a banda de Tatiana Cobbett. Tambémfazem parte da paisagem local as criativas aparições deValdir Agostinho, cantor e compositor, que tem um pro-grama na TV local.

Fortalezas e museus – Markun tem uma paixão especialpelas fortalezas da ilha:“Talvez porque elas só serviram aoturismo, pois foram uns fiascos do ponto de vista militardurante a invasão espanhola”, brinca o jornalista.Destaque para 3 fortalezas, que valem a visita: as de SãoJoão da Ponta Grossa (no Jurerê), Ratones e Anhatomi-rim. Entre os museus da cidade, ele considera necessária avisita ao Museu do Homem do Sambaqui Padre João Al-fredo Rohr, instalado no Colégio Catarinense, e aoMuseu Histórico de Santa Catarina, no Palácio Cruz eSousa, ambos bem arrumados e com ótimo acervo.

Minhas praias – Há todo tipo de praia em Florianópolis:para ver e ser visto; para longas caminhadas; desertas e sel-vagens ou com bares transados; para surfar ou para sechegar de barco; portanto, às vezes o turista poderá erraro alvo. Markun dá dicas e atributos para as preferidas:“Apequena praia de Santo Antônio de Lisboa é quente eparece uma piscina; para caminhada e tranqüilidade, apraia do Jurerê, com boa infra-estrutura e muito procura-da por turistas; a praia de Daniela é pouco badalada e nofinal dela deságua o rio Ratones; a ilha do Campeche,linda, mas para ir fora do verão; o esquibunda nas dunasda Joaquina sempre faz sucesso, e finalmente a moçadabonita fica estacionada na praia do Mole, tem até conges-tionamento, para quem já estiver saudoso”.

• •• turista na sua cidade

Encontros na praia,na mesa,na música

Há todo tipo de praia em Florianópolis: desertas ou selvagens; para surfar ou chegar de barco

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