Situando Sociologia Política

25
Situando a Sociologia Política Elisa Reis Elisa Reis é professora de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Ciência Política pelo Massachussets Institute of Technology (MIT/EUA). Coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudo sobre Desigualdade (NIED) apoiado pelo PRONEX/CNPq. Con- siderada um dos principais nomes da Sociologia Política no Brasil, membro atuante nas associações internacionais de Sociologia e Ciência Política, ela fala da trajetória da Sociologia Política e da con- tribuição de autores clássicos e contemporâneos para a conforma- ção deste campo disciplinar. Discute ainda, dentre outras questões, a centralidade do Estado-Nação como objeto de investigação da Sociologia Política, o retorno da idéia de cidadania como horizonte atual da utopia e as armadilhas que podem tornar a reivindicação do direito à diferença numa produção de mais desigualdade social pelo reforço de privilégios. A entrevista foi realizada pelos professo- res do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Uni- versidade Federal de Santa Catarina, Ilse Scherer-Warren, Tamara Benakouche e Ricardo Silva, com a colaboração da doutoranda do mesmo programa, Kelly Prudencio, na sua edição. P&S — Em primeiro lugar gostaríamos que você fizesse uma rápida descrição sobre a sua trajetória em relação à Sociologia Política. Por que o nome de Elisa Reis é por muitos associado à Sociologia Política? E. R. — Isso começa no meu curso de graduação. Fui da última turma do curso de Sociologia e Política da Universidade Federal de Minas Gerais. Era um curso que funcionava na Faculdade de Ciências Econômicas, paralelamente ao curso de Ciências Sociais. Nós, inclusive, nos víamos como muito diferentes dos alunos de Ciências Sociais. Nós éramos alunos de Sociologia e Política. En-

description

Entrevista.

Transcript of Situando Sociologia Política

  • Situando aSociologia Poltica

    Elisa Reis

    Elisa Reis professora de Sociologia da Universidade Federal do Riode Janeiro e doutora em Cincia Poltica pelo Massachussets Instituteof Technology (MIT/EUA). Coordena o Ncleo Interdisciplinar deEstudo sobre Desigualdade (NIED) apoiado pelo PRONEX/CNPq. Con-siderada um dos principais nomes da Sociologia Poltica no Brasil,membro atuante nas associaes internacionais de Sociologia eCincia Poltica, ela fala da trajetria da Sociologia Poltica e da con-tribuio de autores clssicos e contemporneos para a conforma-o deste campo disciplinar. Discute ainda, dentre outras questes,a centralidade do Estado-Nao como objeto de investigao daSociologia Poltica, o retorno da idia de cidadania como horizonteatual da utopia e as armadilhas que podem tornar a reivindicaodo direito diferena numa produo de mais desigualdade socialpelo reforo de privilgios. A entrevista foi realizada pelos professo-res do Programa de Ps-Graduao em Sociologia Poltica da Uni-versidade Federal de Santa Catarina, Ilse Scherer-Warren, TamaraBenakouche e Ricardo Silva, com a colaborao da doutoranda domesmo programa, Kelly Prudencio, na sua edio.

    P&S Em primeiro lugar gostaramos que voc fizesse uma rpidadescrio sobre a sua trajetria em relao Sociologia Poltica. Porque o nome de Elisa Reis por muitos associado Sociologia Poltica?E. R. Isso comea no meu curso de graduao. Fui da ltimaturma do curso de Sociologia e Poltica da Universidade Federalde Minas Gerais. Era um curso que funcionava na Faculdade deCincias Econmicas, paralelamente ao curso de Cincias Sociais.Ns, inclusive, nos vamos como muito diferentes dos alunos deCincias Sociais. Ns ramos alunos de Sociologia e Poltica. En-

  • Poltica& Sociedade

    trei na Faculdade em 1964, logo depois do golpe; foi a ltimaturma antes da fuso dos cursos na Faculdade de Filosofia e nomais na de Cincias Econmicas. O curso de Sociologia e Polticatinha uma aura. A influncia da Economia era muito forte, porisso ns tnhamos. um perfil diferente do pessoal de Cincias So-ciais. Talvez eu possa dizer que o curso era um pouco de Economia Poltica, que semelhante ao que a Sociologia Poltica ame-ricana. Tnhamos Economia, Planejamento Econmico, HistriaEconmica; isso tudo dava uma perspectiva, em termos conven-cionais, at pouco sociolgica. Fui aluna da primeira gerao decientistas polticos em Minas, porque a Fundao Ford estava co-meando a entrar no financiamento da pesquisa e ps-graduaoem Cincia Poltica no Brasil e fui treinada por alguns dos primei-ros professores que fizeram parte desse projeto, como FbioWanderley Reis, Simon Schwartzman, pessoas que j se viam tam-bm como cientistas polticos, e no s como socilogos. Aomesmo tempo, a gente tinha toda a velha tradio da Sociologia;ento, essa juno contribuiu para a minha formao. Depois queterminei a graduao, fui para o Chile. L, a idia de estudar So-ciologia era como estudar a Poltica tambm. E h ainda algunsacasos. Por exemplo, na volta ao Rio de Janeiro, eu j tinha feitops-graduao no Chile, mas no era um mestrado, porque lno havia um programa estrito senso de mestrado e doutorado.Ento fui fazer o mestrado no Instituto Universitrio de Pesquisado Estado do Rio de Janeiro (IUPERJ). Eu procurava um mestradoem Sociologia, mas s existia o de Poltica naquele momento.Acabei na Poltica. Mais tarde, quando sa para o doutorado noMIT, conjugando escolhas do meu marido com as minhas, l tam-bm s havia Cincia Poltica. Eu me via como sociloga, mas asoportunidades que iam aparecendo eram quase sempre na Polti-ca como disciplina nascente no Brasil naquele momento. Acabeiento percorrendo essa trajetria. Na minha gerao, vrias pes-soas tm esse perfil ainda; at porque a Cincia Poltica era nova,ela tinha muito mais contaminao com a Sociologia. Hoje, muito mais difcil encontrar alunos com um perfil que combineCincia Poltica e Sociologia. Se um aluno hoje quiser abordar osaspectos sociais da poltica, ele tem que fazer Sociologia mesmo,porque a Cincia Poltica j muito mais institucionalizada. Mas

    12 p.11 -35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    na minha gerao a coisa ainda estava muito misturada. E eugostava da mistura.

    P&S Voc disse que se via como sociloga. Por qu?E. R. Acho que a viso de Sociologia que tnhamos naquelapoca era mais abrangente. A Cincia Poltica, como disciplinasistemtica, era algo novo no Brasil, e o que existia at ento eramuito jurdico, muito prximo da Faculdade de Direito. J exis-tia, por exemplo, a Revista Brasileira de Estudos Polticos, que , narea, a mais antiga do Brasil, editada, justamente, pela Faculda-de de Direito. Porm, no nos identificvamos com aquele tipode produo. ramos socilogos.

    P&S E quais so as principais influncias que marcaram a sua tra-jetria terica?E. R. Acho que, como todo mundo, tambm sou filha de Marx,Durkheim e Weber. Mas este ltimo, sobretudo, teve um pesomuito forte na minha formao. Dos clssicos, acho que Weberfoi o que mais me atraiu, tanto na graduao quanto no Chile,onde isso foi reforado. Todos ramos marxistas, isso nem preci-sa explicar; mas Weber nos dava uma perspectiva um pouco maisdinmica, porque ser marxista era uma coisa um pouco pesada.Era preciso saber se Marx estava certo ou errado, qual era o ver-dadeiro Marx... Weber abria uma porta para descobrir coisas. Pelaperspectiva mais histrica e mais analtica, pelo menos me sentiamais livre para usar Weber e tentar descobrir alguma coisa, en-quanto na perspectiva marxista era sempre uma preocupao sa-ber se nossa descoberta se enquadrava no arcabouo terico.Ento, essa liberdade que a perspectiva weberiana abria me fasci-nava muito. Se na graduao isso foi muito marcante, no Chileficou ainda mais reforado. Mas, ao mesmo tempo, fui muito in-fluenciada pela Sociologia contempornea de Parsons, Merton, epelos prprios cientistas polticos do momento, como Easton,Almond, toda essa gente. Li esses autores muito cedo por causadaqueles professores mineiros que tinham sido treinados no Chi-le e nos Estados Unidos. Mais tarde, acho que a influncia maispermanente na minha formao de Sociologia Poltica foram os

    o

    )

    w

    p. 11 - 35 13

  • CD

    CD

    o

    Eo

    c;"

    Poltica& Sociedade

    "macro-histricos", sobretudo Barrington Moore e Bendix. Nofui aluna do Bendix, no o conheci, mas talvez tenha sido a pes-soa que mais influenciou minha trajetria, com quem mais meidentifiquei. Com o Barrington Moore tive algum contato, fre-qentei um curso dele em Harvard. Minha orientadora foi SuzanneBerger, uma cientista poltica tambm de formao macro-hist-rica, especialista em Political Economy, que era o termo mais usualnaquele contexto acadmico. Ela tinha estudado em Harvard etrabalhava com Europa Ocidental, no era brasilianista nem lati-no-americanista. Certas influncias brasileiras tambm so mui-to fortes, especialmente duas: Fbio Wanderley Reis e SimonSchwartzman. O primeiro na graduao e o segundo no mestrado,no qual foi meu orientador. Eu era tambm sua assistente de pes-quisa na Fundao Getlio Vargas.

    P&S Seria possvel considerar a existncia de uma tradio da Soci-ologia Poltica? Sempre h conflito de interpretao em torno disso,uma disputa em torno da constituio de uma tradio em qualquerdisciplina. Considerando inclusive a literatura internacional, onde voclocalizaria as razes e os autores clssicos dessa perspectiva disciplinar?

    E. R. Voc sempre pode procurar razes muito antigas. Do pontode vista moderno, no sentido muito amplo, Marx e Weber so asreferncias mais imediatas. Ambos tinham uma viso politizada davida em sociedade. Do ponto de vista disciplinar, mais fcil iden-tificar isso em Weber, porque ele centraliza sua viso do mundo emtorno do poder poltico. Marx tem isso tambm, mas se voc foravaliar o que uma varivel independente em Marx, no a pol-tica, a economia, enquanto em Weber a poltica. O eixo queorganiza o pensamento deste o poder poltico. Ele disciplinar-mente mais fcil de ser identificado como o pai. E claro que vocpode acrescentar outros autores; por exemplo, considero Durkheimcomo parte dessa tradio. Mas este deve ser recuperado, ele no naturalmente identificado como socilogo poltico, porque a preo-cupao dele como "engenheiro social" to grande que ele a iso-la de outras disciplinas. Na verdade, a Sociologia dele, sendo umaengenharia social, tem um componente normativo que muitoprximo da Sociologia Poltica.

    14 p. 11 - 35

  • Situando a Sociologia Poltica

    Elisa Reis

    P&S --- Weber j era suficientemente conhecido aqui no Brasil nosanos 60? Quais eram os grandes porta-vozes de Weber nesse perodo?E. R. O principal divulgador de Weber no Brasil era RaymundoFaoro, que o aplicou mais canonicamente. Acho at que s vezescannico demais. A primeira referncia que tive foi Faoro; foi aprimeira vez que vi algum usar Weber. Em Minas Gerais, a genteo lia para fazer o vestibular, ento uma influncia weberianabem precoce. E acho que porque havia professores no secund-rio que eram alunos ou recm-graduados em Cincias Sociais,ento a gente j lia Faoro e Vitor Nunes Leal, por exemplo, que outro que um precursor da Sociologia Poltica no Brasil. So osdois nomes. De novo, voc pode encontrar isso em autores maisantigos, como Alberto Torres, por exemplo. Desde a virada dosculo existem pessoas que podem ser identificadas, mas essesso intrpretes difceis de serem catalogados disciplinarmente.Eu estou colocando o Faoro j com um certo cuidado, porque ele um jurista; da o uso muito formalista de Weber que ele faz,mas foi o principal. Na gerao mais recente, que eu tenha conta-to, era o Simon Schwartzman. Weber nunca chega a ter discpu-los, diferentemente de Marx. Por definio, Weber analtico de-mais para ter escola. A escola dele a possibilidade de usar qual-quer perspectiva, desde que voc seja consistente e coerente comela. Ento, voc tem veios weberianos muito diversificados. Achoque at existe pouco uso de Weber hermenutico no Brasil. Vocencontra tradies weberianas muito fortes em alguns departa-mentos europeus e americanos, que usam Weber numa perspec-tiva hermenutica e muito menos politizada. No Brasil, no seibem por que, a tradio weberiana mais explcita a da Sociolo-gia Poltica. Eu dato a Sociologia contempornea brasileira dosanos 60 para c. Dessa poca, acho que inegvel a contribuiode Fernando Henrique Cardoso e de seu co-autor Enzo Faletto,com a teoria da dependncia. A maneira que li a teoria da depen-dncia essencialmente weberiana. Ela era marxista, como assi-nalam alguns, mas o que tem de frtil e efeito multiplicador nateoria, que durante quinze ou vinte anos foi uma espcie deparadigma na Amrica Latina, exatamente ter aberto uma pers-pectiva histrico-analtica. A prpria idia de tipologias j uma

  • Poltica& Sociedade

    idia de caminhos vlidos possveis, mais historicidade e menosfilosofia da histria.

    P&S E Florestan Fernandes?

    E. R. Sei que Florestan Fernandes tem essa importncia, mastenho dificuldade de assimilar isso, porque na minha formaoele no uma presena forte. Isso quase uma heresia. Acho queporque Minas talvez estivesse um pouco margem do eixo Rio-So Paulo. Ento li Florestan muito mais tarde e tenho dificulda-de de situ-lo dentro dessa viso. Mais tarde o li e descobri queera um autor muito estimulante, mas tenho dificuldade de perceb-lo de uma forma mais organizada. No sei muito bem onde en-quadrar Florestan Fernandes.

    P&S Ento existia de fato uma oposio ou diferena dentro daacademia no incio da institucionalizao da Sociologia Poltica? Ha-via de fato duas escolas, duas tendncias aqui no Brasil e da essadificuldade?

    E. R. No sei o quanto disso de fato verdadeiro ou quanto umjogo de construo de identidade acadmica e intelectual. Minas o vrtice esquecido desse tringulo. Lembro que na graduao eraimportante ler autores tanto do Rio como de So Paulo.

    P&S Havia um filtro prprio para receber essas influncias?E. R. ... No era uma coisa deliberada, nem arrogncia. Talvezporque ramos provncia, era necessrio ler coisas dos dois lados.

    P&S A questo sobre as origens da Sociologia Poltica foi esclarecida.Mas a gente se depara com afirmaes, por exemplo, de Raymond Aron,que aponta Aristteles como o primeiro socilogo da Poltica, no tantopela conscincia disciplinar, mas pela inteno de realizar um estudocientfico, at de certo modo emprico.

    E. R. Aron um socilogo da poltica. A leitura poltica deWeber deve muito interpretao de Aron. Outros autores notm essa mesma leitura. Aron leu Weber como um socilogoda poltica. Fui muito influenciada por essa leitura, porque,

    16 p. 1 1 - 35

  • Situando a Sociologia Poltica

    Elisa Reis

    por exemplo, "As etapas do pensamento sociolgico" era a B-blia do momento.

    P&S Quais foram os grandes temas da Sociologia Poltica no de-correr do sculo XX?E. R. No sculo XX, a Sociologia Poltica teve algumas ques-tes bastante constitutivas; por exemplo, o tema da formaodos Estados nacionais. claro que na segunda metade do scu-lo isso foi mais explcito, mas o Estado nacional o grandeobjeto da Sociologia Poltica. Esse conceito organiza a histriada Europa e projeta a histria do Terceiro Mundo. A idia deconstituio dos Estados nacionais, de como se estruturou asociedade europia, depois se projeta no tema do desenvolvi-mento que, na Sociologia Poltica, entendido como processode construo do Estado nacional. Porque esse tema e nooutro? Analiticamente, ele relevante porque conjuga uma di-menso de solidariedade, que a nao, e uma dimenso deautoridade, que o Estado, que exatamente o que consti-tutivo, o tpico da Sociologia Poltica: tentar ver a articulaoentre solidariedade, uma temtica mais sociolgica, com auto-ridade, uma temtica mais poltica. Subsidiado nisso, h outrostemas. Por exemplo, o conceito de cidadania. Esse um concei-to curioso, porque s vezes ele desaparece e dcadas depoisrenasce vigoroso. Esse sim, posso colocar l na Grcia. Na Socio-logia Poltica, ele aparece muito mais tarde, basicamente numaconferncia famosa de Marshall, de 1949, publicada em 1950,em que ele trata de uma outra forma a mesma problemtica desolidariedade e autoridade, porque atravs dela voc tem a ques-to da incluso e da legitimidade resolvida. Tambm, ao mes-mo tempo em que se narrava a histria europia a partir doconceito de cidadania, projetava-se o futuro do Terceiro Mundoatravs da extenso de uma noo de cidadania. Isso tudo mos-tra que a disciplina muito eurocntrica; inclusive acho que acincia moderna, em geral, eurocntrica. Cidadania, no Brasil,era um conceito muito mal visto at pouco tempo atrs.

    o

  • oo

    EQ)

    o

    Poltica& Sociedade

    P&S Por qu?E. R. Como a Cincia Social era muito politizada, a cidadaniaera percebida como um conceito liberal e formalista. Uma pr-pria leitura do Marx facilitava isso. Na "Questo Judaica", ele falaque cidadania uma forma burguesa de incluir sem incluir pes-soas. Isso dava a entender que ela tinha algo a ver com a demo-cracia formal e ns, no contexto brasileiro, estvamos querendouma democracia substantiva. Ento era um tema, um conceitoque praticamente no se usava. Depois, por razes diversas, nadinmica interna brasileira, muito em funo da experincia daditadura militar, ns redimimos o conceito de cidadania. Achoque 21 anos de autoritarismo mostraram na prtica a relevnciados direitos formais. Quer dizer, ter ou no ter habeas corpus fazuma diferena imensa... Ento isso valorizou o conceito de cida-dania no Brasil. Internacionalmente tambm assim, um concei-to s vezes cai em desuso e depois recuperado. O conceito decidadania hoje incorpora uma dimenso dinmica e progressivae que de certa forma substitui as utopias anteriores. Ao invs depensar agora em utopias globais, totalizantes, ns tendemos, deuma forma liberal ou neoliberal, se quiserem, a pensar na cidada-nia como um elemento emancipador. Tendo cado em desuso aidia de revoluo, de projeto revolucionrio, pelo menos nessaconjuntura mundial, cidadania substitui a noo dinmica, apon-tando para um futuro, quer dizer, alguma coisa ainda iluministaestaria presente no conceito de cidadania.

    P&S No sculo XX, o tema central foi o Estado-nao, mas em quemedida, nos dias de hoje, esse objeto da Sociologia Poltica ainda interessante e relevante para nortear os estudos nesta disciplina, consi-derando as ltimas dcadas de uma elaborao discursiva provenientede influncias mais liberais ou neoliberais sobre a perda da eficcia doEstado-nao?E. R. Na Sociologia do sculo XX, no h dvida que Estado

    nacional pr-conceito aglutinador. Ele sinnimo de socieda-de. Toda vez que se fala em sociedade sem qualific-la, se pensaem Estado nacional. Nas ltimas dcadas do sculo, j tem muitagente falando do declnio do Estado nacional. Discordo um pou-

    18 p. 11 - 35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    co dessa viso. No que eu ache que ele continue no mesmolugar. Para mim, o grande desafio da Sociologia Poltica enten-der o que est acontecendo com o Estado nacional, qual a novacara dele e suas novas funes. Porque se verdade que no temmais a mesma esfera de atuao e de influncia que tinha antes,ele continua vital e pouco estudado. As pessoas tm pouca nooda importncia de se estudar o que est mudando na atuao doEstado. Este um tema que tem me fascinado e que estou rode-ando e tentando encontrar urna maneira de estudar, especialmentecomo se d a articulao entre solidariedade e autoridade. Nomomento atual, da forma como essas duas noes estavam casa-das, no possvel esperar muita coisa. Alteraram-se os termosde convivncia entre autoridade e solidariedade. Mas o que sur-giu no lugar? Interao do Estado com o mercado? Isso mudoumuito. No caso do Terceiro Mundo, se antes a gente pensava noEstado no s como organizador do mercado, mas como um atoreconmico ele mesmo, hoje isso no faz sentido. Desenvol-vimentismo um termo que est caindo em desuso. muitomais usado na poltica pblica prtica do que na academia. Masisso no quer dizer que o Estado deixa de ser um agente regula-dor do mercado; se ele fizer isso, o mercado implode. O interes-sante estudar de que, maneira essa funo reguladora do merca-do est sendo transformada. Isso importante no s do pontode vista intelectual, mas tambm um problema emprico damaior relevncia. A face mais nova do Estado a agncia deregulao. Ns temos pouco conhecimento sociolgico sobre issoe pouca formao de quadros para isso. As agncias regulatriasno Brasil precisam de gente, de mo-de-obra. Existem pessoasformadas em outras reas que esto improvisando, mas sem ex-perincia. A academia no pode pensar apenas em problemascognitivos, preciso pensar como est formando pessoas e paraqu. Esse aspecto novo do Estado nacional, as novas maneiras deregular o mercado no esto claras. E a entram muitas coisas.Por exemplo, pensar que o Estado tem que regular a proviso debens pblicos urna coisa complicada porque ele no mais oprodutor desses bens pblicos. Bem pblico quase sinnimo debens de cidadania. De novo preciso juntar solidariedade e auto-ridade. O Estado tem de alguma forma que assegurar a produo

    o

    p. 11 - 35 19

  • cyocyci)o.c)E

    o

    Poltica&Sociedade

    do bem pblico, mas como assegur-la se quem produz o bempblico tem como critrio organizador o lucro? O dilema estreposto em novos termos e ns temos que tentar resolv-lo dealguma forma.

    P&S Voc est afirmando que, alm das funes regulatrias do Es-tado relativas ao mercado, continua sendo uma funo importante doEstado nacional a garantia dos direitos de cidadania?E. R. Acho que sim. Sei que tem muita gente falando em cidada-nia mundial. Isso muito interessante, uma bela utopia. No es-tou falando s esteticamente, acho que as utopias fazem faltapara pensar uma srie de coisas. Mas quem pode ser cidado domundo? uma coisa muito complicada. Lembro-me de ter parti-cipado de uma discusso em que Brian Turner, cujo trabalho apreciomuito, sustentava que o cidado mundial uma pessoa que fre-qenta halls de grandes aeroportos internacionais, consome pro-dutos globalizados, etc. Meu desconforto com essa noo decor-re do fato que o hall do aeroporto excludente, certamente alino cabe toda a humanidade.

    P&S Voc falou de cidadania do ponto de vista do Estado. E doponto de vista da esfera que chamada sociedade civil?E. R. A relao Estado e sociedade civil um outro tema arecuperar, a redimir. A tambm h muita variao em relao aosculo XX. Basicamente, as novas formas de interao entre Esta-do e sociedade civil expressam uma coisa que pouco ressaltada,que a crise de representao. A gente acha que est descobrin-do a plvora quando fala de sociedade civil, mas tenho a impres-so que l no sculo XIX houve um momento em que a coisa eramuito parecida. Quando se criaram os partidos polticos, por exem-plo, eles foram o equivalente ao que so hoje os movimentossociais. uma questo s de novos limites da representao. Oprprio esgotamento do Estado nacional aponta durkheimia-namente para um fenmeno de integrao social mais amplo,mas os mecanismos de regulamentao se mostram acanhados.A representao sempre uma simplificao das coisas. Mas hmomentos em que a forma vigente de representao se torna

    20 p. 1 1 - 35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    mais insatisfatria. Ento surgem novas demandas por incluso,por participao, por representao, e isso se traduz em mecanis-mos novos. Acho que tudo que a gente v hoje sociedade civil,terceiro setor, ONGs expresso da inquietao com a formavigente de participao e representao. A tendncia acomodarisso em novos patamares, mas no quer dizer que vamos chegar frmula ideal de representao com participao. Cidadania,reconhecimento da diferena, incluso de novas formas de orga-nizao expressam funes que l no comeo do Estado nacio-nal, os partidos, os sindicatos, as formas clssicas de incluso daspessoas, realizavam em alguma medida. diferente, mais com-plexo, mas no uma ruptura. Pensar em termos de trajetriamultissecular quase uma tendncia evolutiva. Mas, no se tratade uma evoluo progressiva, h inovaes.

    P&S Qual de fato a diferena entre os enfoques da SociologiaPoltica e da Cincia Poltica sobre a poltica, enquanto objeto, se possvel fazer essa distino?

    E. R. Eu no diria que h uma diferena substantiva, porque amaneira como vejo a questo analtica. Ento s posso dizercomo a disciplina Cincia Poltica e como a especializao Socio-logia Poltica tendem a organizar o campo. H sempre o caso depessoas que juntam as duas perspectivas. A Cincia Poltica hojetem alguns paradigmas muito claros. Um deles o institucio-nalismo ou neo-institucionalismo. Nele, h uma preocupao comengenharia poltica, como se constroem as instituies de modoque elas sejam virtuosas, eficientes, etc. Essa uma linha interes-sante, porque ao mesmo tempo em que ela parece muito tcnica,ela muito normativa tambm. A eficincia e a tcnica so perce-bidas como virtuosas. Na verdade, desenhar a instituio corretaou desenhar a instituio mais capaz de assegurar a democraciaso a mesma coisa. muito curioso ver como elas juntam a pers-pectiva normativa com a tecnocrtica. De qualquer forma, o fato que os interesses sociais esto relegados ao segundo plano.Claro que para desenhar uma instituio eficiente voc tem quepensar em como ela acomoda os interesses. Mas os interessesno so o foco. Na Sociologia Poltica, seriam. Voc tem que par-

    o17,"

    a)

    Lu

  • tir dos interesses reais e ver como eles afetam o resultado. A ou-tra tendncia muito forte na Cincia Poltica a perspectiva daescolha racional. A voc poderia ver um ponto de contato com aSociologia Poltica, porque ela est centrada em interesses. Mass que os interesses da escolha racional so formalizados. Porisso, ela uma perspectiva que despreza a histria. Por isso, asanlises dessa perspectiva so traduzidas em jogos. Os jogos sosempre os mesmos seja no Brasil ou no Afeganisto. E os interes-ses dos atores, claro que so divergentes, mas a historicidade dointeresse no interessa a ela, ela formaliza interesses em situa-es de disputa. Aqui h uma outra diferena: a histria vitalpara a Sociologia Poltica e menos importante para a Cincia Po-ltica de corte racionalista.

    P&S Que outros campos disciplinares tm um dilogo importantepara a constituio da perspectiva da Sociologia Poltica?

    E. R. Sempre h lugar para outras disciplinas, mas dependemuito do objeto. Se voc est analisando a nova cara do Estadocomo agente regulador, por exemplo, voc no pode ignorar aEconomia. Voc tem que entender um mnimo da dinmica domercado. Lamento muito que a Sociologia e a Cincia Polticaestejam to distantes da Economia. Se voc trabalha com outrastemticas, por exemplo, cultura poltica, claro que a Antropolo-gia pode ajudar muito. Ou se voc pensa na globalizao emtermos mais cannicos, como ampliao de fronteiras, etc., aGeografia fundamental. E a acho que h um dos aspectos maisnegligenciados pelas Cincias Sociais. A gente de fato ignora acontribuio que a Geografia pode dar num momento como este.Ento, depende muito de qual tema voc est trabalhando paraver de onde vem essa colaborao interdisciplinar mais impor-tante. Mas interessante observar que toda vez que voc temcolaborao interdisciplinar bem-sucedida e duradoura, ela gerauma nova disciplina. No tem jeito. De certa forma, o que aSociologia Poltica est almejando, criar uma coisa prpria.

    Poltica& Sociedade

    22 p.11 -35

  • Situando a Sociologia Poltica

    Elisa Reis

    P&S H um debate, na teoria do Estado, entre uma vertenteneomarxista de anlise, que foi vigorosa nos anos 70 e 80, que envolvePoulantzas, Offe, Miliband, e outra, qualificada como neo-institu-cionalista, que emerge em meados dos anos 80. Os neo-institucionalistasdirigem sua crtica aos neomarxistas por realizarem uma anlise doEstado "centrada na sociedade". Parece-nos uma crtica ao prprioenfoque da Sociologia Poltica, ou seja, a anlise societalista retirariaa autonomia do Estado como instituio com bases prprias de poder.Os neo-institucionalistas partem de Weber, para quem o Estado de-tentor do monoplio da violncia legtima, e isso o que faz dele umainstituio especial. Por outro lado, h, entre os neo-institucionalistas,aqueles que escapam dessa viso formalista da engenharia institucionalporque incorporam a dimenso histrica. Os casos de Theda Skocpol eCharles Tilly so exemplares. Seria possvel ler nesse debate a clarifica-o da diferena entre Cincia Poltica e Sociologia Poltica, atribuin-do, por exemplo, abordagem neomarxista um enfoque mais socio-poltico e abordagem neo-institucionalista um enfoque mais prprioda Cincia Poltica?E. R. Esse problema deve ser contextualizado. Quando Skocpol eTilly comearam esse movimento, estavam reagindo ao econo-micismo do neomarxismo. Eles criticavam em Poulantzas a idiasegundo a qual a autonomia se d em ltima instncia. O queMiliband e Poulantzas de certa forma falam que possvel verempiricamente como os interesses econmicos acabam represen-tados no Estado. Pessoas como Tilly e Skocpol chamavam a aten-o para o fato que parece que todo Estado um pouco bonapartista.Aquilo que a gente considerava como caso anmalo a autonomiarelativa do Estado no era anmalo. Todo Estado tem algumcontedo de bonapartismo, ou seja, tem alguma autonomia, umator enquanto Estado. Por pensar no Estado como ator que achoque eles so weberianos. Eu teria dificuldade de dizer que eles somenos sociolgicos porque, na perspectiva americana, eles so per-cebidos como socilogos da poltica mesmo, porque tm uma vi-so muito diferente dos cientistas polticos. O objeto deles muitomais recheado de Histria. A gente tem que pensar tambm notempo, porque se voc analisar o que Theda Skocpol estpesquisando hoje, v que ela est fascinada pela sociedade civil. Oque ela tem de interessante essa preocupao de no ser s pes-

    o

    a)

  • quisadora emprica. Ela insiste na idia segundo a qual possvelformalizar a histria. Mas de novo ela est mostrando que o Esta-do a instituio importante para ela. Ela tem um debate sobre anoo de capital social com o Putnam, especialmente em seu lti-mo livro "Bowling alone", em que trata da tendncia, nos EUA, daspessoas serem cada vez mais solitrias e menos solidrias. Elamostra que no o ator individual, a instituio mesma, que importante. Para ela, no verdade que a tendncia ao associa-tivismo esteja diminuindo; o que est acontecendo que as opor-tunidades institucionais so menores. curioso como ela volta idia de liderana, pois ela fala que falta uma liderana para isso.Ela comea a estudar a durabilidade de associaes civis nos Esta-dos Unidos. Por exemplo, quanto tempo dura uma associao uni-versitria, por que deixa de existir como organizao. A idia delano que as pessoas no queiram se associar, mas s vezes elastm menos oportunidades institucionais de se juntarem. A h umapreocupao com a institucionalizao no do Estado ou da vidapoltica, mas da vida social.

    P&S Em relao aos chamados movimentos antiglobalizao, comovoc v a contribuio da disciplina? Estamos nos referindo especifica-mente realizao dos Fruns Sociais 1 e 2, em Porto Alegre, queforam grandes momentos de reflexo e debate vindos, em grande me-dida, desses chamados movimentos antiglobalizao ou por uma outraglobalizao, como alguns preferem dizer.E. R. No tem nada mais global do que um frum dessa natu-reza. por definio uma manifestao da globalizao, no hcomo negar. Este no um tema que eu tenha me preparadopara refletir sistematicamente. Tenho impresses como cidad,no como cientista social. Tenho dvidas se o frum um gran-de momento de reflexo e debate. Tendo a v-lo mais comouma manifestao expressiva. Acho que ele uma manifestaoexpressiva global da maior importncia, mas eu o estudaria maiscomo um fenmeno simblico. absolutamente invivel avan-ar com uma diversidade to grande de interesses no nemdisputa que esto se mostrando. Uma coisa que no passapela pauta de discusso a escassez de recursos. Os recursos doglobo so limitados e impossvel contemplar tudo ao mesmo

    Poltica& Sociedade

    24 p.11 -35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    tempo da maneira que todo mundo quer. Ento, a idia de com-petio inevitvel, e o frum nega isso. Mas acho que negalegitimamente, quase uma institucionalizao da utopia. Umgrande momento em que a utopia passa a ser realada nos diasde hoje e tem seu espao. "Aqui o espao da utopia, nsestamos aqui para dizer que a utopia est viva e vai bem, obri-gado". Mas no vejo uma maneira de pensar como voc convivecom a escassez e a competio. Se para poder lidar com essesproblemas voc tem que pensar em hierarquia, em mecanismosde legitimao de interesses, o frum no o lugar, ele servepara outra coisa. Vejo o frum mais ou menos como umWoodstock global. Um Woodstock que deve ser valorizado por-que que um Woodstock do bem, um Woodstock cvico. O ou-tro tambm era do bem, mas esse cvico. Ele tem uma idia deespao de celebrao e, mais importante ainda, de virtudes p-blicas. Ele a sacralizao da Repblica, a que ns todos temosdireito. Isso utopia, mas uma utopia saudvel.

    P&S Ento, no momento de pensar o Estado-nao por um lado e aglobalizao por outro, o Frum poderia ser um bom objeto de estudopara a perspectiva da Sociologia Poltica.E. R. Sem dvida. Trata-se de pensar, por exemplo, como inte-resses to diversificados e que, no limite, vo esbarrar uns nosoutros, convivem num espao simblico. Acho que no tm comoconviver num espao no-simblico. Uma coisa que eles trazemmuito forte a reivindicao do direito diferena. Isso umdesafio muito grande para os Estados nacionais ou para qualquerfoco de autoridade. Porque, at ento, como temos entendidocidadania? Basicamente como universalizao. Por isso que ago-ra a noo acomoda no mais o universal, mas o particular. Isso muito mais problemtico do que tendemos a acreditar. De novo,porque a gente gosta da utopia. problemtico porque o mundo desigual, quer dizer, em pases em que se tm direitos mnimosassegurados, a demanda por diferena quase um luxo; neles, osdireitos j so universais e igualitrios e portanto pode-se reivin-dicar a diferena. Mas como a maior parte das sociedades organi-zadas no mundo desigual, tenho muito medo que o direito

    o

    LU

    77,

  • cy

    "ooEQ)

    o

    Poltica& Sociedade

    diferena consolide e aprofunde o monoplio. Que ao invs deser um pacto de liberalizao voc acabe cristalizando e reforan-do privilgios. Todo mundo diferente, mas os diferentes que jtm direitos esto numa situao privilegiada.

    P&S Seria uma espcie de institucionalizao dos espaos da dife-rena e isso poderia consolidar determinadas desigualdades. Esse seriao risco de uma poltica de ao afirmativa? Porque h um artigo seuem que voc parece apoiar esse tipo de ao.

    E. R. Que bom que vocs viram isso, porque acho que sou pro-fundamente ambgua sobre essa questo.

    P&S Por qu?E. R. Deixa eu tentar ser mais clara. Onde h desigualdademuito acentuada, institucionalizada, ainda que percebida comoilegtima, o risco da criao de nichos muito grande. Vamospensar a questo de gnero. Tenho muito medo que os novosespaos para o reconhecimento de direitos femininos, etc. ter-minem por criar privilgios. O que estou querendo dizer quetemo que estejamos atropelando a dimenso classe social, por-que se numa sociedade muito desigual voc comea a valorizarmais outras formas de estratificao, voc condena a dimensoclssica, que vital, ao esquecimento, e com isso voc podecristalizar privilgios. Na questo de gnero, fico imaginandoque as mulheres esto muito bem representadas pela dinmicados movimentos sociais, nos fruns de Porto Alegre e outros.Agora, os mecanismos pelos quais o nosso gnero terminourepresentado, no sei se so de fato os mais legtimos. O gne-ro feminino engloba tambm a questo classe. E no h dvidaque as mulheres de classes sociais superiores tm muito maischance de efetivamente se fazer representar do que outras. Isso um problema muito srio. Assim como o problema das Orga-nizaes No-Governamentais. uma coisa muito virtuosa, maspor que muitas vezes um ator internacional promove um gran-de evento para discutir discriminao feminina, por exemplo, econvida a ONG X para representar as mulheres brasileiras? Quemdeu quelas mulheres o direito de nos representar? Existe algu-

    26 p. 11 - 35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    ma arbitrariedade em convidar a organizao A, B ou C pararepresentar as mulheres. Ento, muitas vezes a gente acaba crian-do mecanismos que vo ser reforadores ou criadores de novosmonoplios de representao. Por qu? Porque a gente estdescartando cedo demais a centralidade da noo de classe.

    P&S Voc poderia justificar mais essa sua afirmao de que classesocial vital demais, porque isso no mais um consenso.E. R. De fato, esse no o nico eixo que organiza a sociedade.Existem outros tambm da maior relevncia. Mas no podemosesquecer que a reproduo material est fundada em classe. E ela ainda muito central na maneira como as pessoas vem as coisas.Posso pensar isso at atravs de pesquisa emprica. Estou me lem-brando de um livro recente da Michelle Lamont, The Dignity of theWorking Class. Ela compara operrios de Nova Iorque e Paris, paradiscutir se ainda faz sentido pensar em termos de uma classe ope-rria. Claro que em muitos momentos no tem. Por outro lado,voc v que quando ela compara o discurso dos operrios em um eoutro pas com o discurso de outras categorias sociais, a classeainda informa o jeito que eles olham para o mundo.

    P&S Gostaramos que voc falasse um pouco da clivagem de classeque permeia essas novas formas de representao centradas na buscado reconhecimento da diferena. Como voc disse h pouco, tratandoda questo das mulheres, algo semelhante pode ser pensado em relaoaos negros e a outras minorias?E. R. Na verdade, ningum at agora conseguiu colocar commuita clareza essa questo. Acho que de novo isso envolve a ques-to da igualdade e da diferena. Porque o Brasil uma sociedadedesigual. Mas quando a gente fala desigual, a gente est pensan-do igual/desigual, essa a nossa posio. O que est sendo colo-cado atualmente igual/diferente. Como voc junta o diferentecom o desigual? Esse o nosso grande problema. um tema quedevemos trazer tona, pois ele est submerso.

    o

  • cy

    cy

    o

    Ea)

    o

    Poltica& Sociedade

    P&S Talvez essas identidades relativas a gneros e etnias, por exem-plo, estejam mais recobertas pela noo de diferena, enquanto a ques-to de classe est mais recoberta pela noo de desigualdade.E. R. exatamente isso. O que problemtico do ponto devista cognitivo e sobretudo do ponto de vista de poltica pblica.Quando voc luta por igualdade, voc tem uma bandeira comum.A fora do universal muito fascinante. No caso da RevoluoFrancesa, por exemplo, a idia de igualdade se mostrou extrema-mente poderosa. O que tem de mais revolucionrio na ideologiada Revoluo Francesa ela ser universal. Se voc for defenderparticularidades para todo mundo, isso s pode ser bem-sucedi-do se for universal. Por isso que estou dizendo que se voc abremo precocemente da universalizao, voc pode transformar asdiferenas em desigualdades.

    P&S Agora talvez possa-se entender melhor o que voc escreveunum artigo sobre os novos e velhos desafios da Sociologia Poltica,em que em determinado momento surpreende a indicao de algunshistoriadores ingleses, Hobsbawn e Thompson, como estudiosos quepotencialmente estariam contribuindo para a Sociologia Poltica. Ofoco dos estudos, principalmente de Thompson, est na discusso danoo de classe, da identidade de classe, de reconhecimento mtuode membros de uma classe, de reconhecimento da diferena dessesmembros em relao a outros, inclusive tornando mais complexa anoo tradicional de classe do marxismo, como agentes distribudosem seus locais de produo.E. R. Vocs tm razo, isso pode ser visto assim e da perspec-tiva brasileira bom que o seja. Agora, da maneira como melembro, acho que ali eu estava expressando mais a disputa queexiste entre a cincia social abstrata e formal, sobretudo ameri-cana, e a cincia social historicizada inglesa. Para mim, naquelemomento, os historiadores ingleses aparecem como pessoas quetrazem interesses empricos tona. Que do contedo histrico discusso. No contexto brasileiro, isso nunca foi um proble-ma, ns sempre fomos muito historicistas. Ento vocs tm todarazo, porque a maneira mais rica de inseri-los no nosso caldei-ro cultural pensar o que eles tm de no-ortodoxo em ter-mos histricos. A histria que a gente usava aqui tendia a ser a

    28 p. 11 - 35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    histria ortodoxa marxista. A riqueza de detalhes que a pesqui-sa histrica inglesa traz muito saudvel nesse sentido, poisd vida a algumas categorias marxistas vistas muitas vezes deuma maneira muito estereotipada.

    P&S Poderamos falar um pouco sobre a questo da Sociologia Po-ltica em associaes cientificas, como a Associao Internacional deSociologia, que tem um comit de Sociologia Poltica, do qual voc membro atuante. Quais os objetivos desse comit?E. R. Esse comit muito ativo e para mim a grande atraodele ser um grupo de trabalho (alis o nico) que junta IPSA(International Political Science Association) e ISA (InternationalSociological Association). Geralmente, voc tem outras pessoasque individualmente podem se juntar a uma ou outra; eu mesmasou membro de outros grupos e associaes. Mas o nico espaoformal em que cientistas polticos e socilogos so membros defato nesse comit, tanto que ele tem at uma legislao espec-fica. A lei a mesma para todo mundo, mas a particularidadedesse comit est reconhecida. preciso fazer ajustes. A ISA serene a cada quatro anos, a IPSA a cada trs, ento at pagamen-to de taxa e outras normas de pertencimento so ajustadas paracaber nas duas associaes. Isso uma coisa muito interessante:ter em nvel internacional duas disciplinas to cristalizadas dis-postas a colaborar. Os objetivos so muito vastos. Pelo estatuto,tudo o que a gente discutiu aqui cabe l. Todo mundo que tiverinteresse em estudar os aspectos sociolgicos da poltica muitobem-vindo. Tanto assim que l h uma srie de comits que noesgotam os interesses dos pesquisadores. Nas reas de estudoesto Instituies Polticas, Poder e Violncia, Clssicos da Socio-logia Poltica, Teorias de Sociologia Poltica, Participao, Cultu-ra, etc. Os grupos de trabalho ativos no momento so Partidos eEleies esse um nicho to especfico que pode at vir a setransformar numa disciplina, porque basicamente o que interes-sa a esse grupo o estudo de determinantes sociais do compor-tamento poltico. Depois tem outro sobre Fascismo e Autori-tarismo que naturalmente atrai muita gente, no caso da Euro-pa, da Europa do Sul, por razes bvias; Teoria, Lei e Estrutura --

    o7.-e)

  • oEa)a)

    onde tem espao as pessoas de formao mais jurdica; AtitudesPolticas e Comportamento com muitas pesquisas na rea decultura poltica, comportamento poltico, que pode ser qualquercoisa, inclusive pode englobar partidos. E os dois mais recentesso Democracia Contempornea discutindo os desafios da de-mocracia, e a entram aquelas coisas que estavam preocupando agente, como movimentos sociais, do lado da Sociologia, e dolado da Cincia Poltica entram a consolidao democrtica, tran-sio para a democracia, temticas que so mais afinadas com aCincia Poltica e ao Terceiro Mundo. E o ltimo grupo O Estadoentre a Globalizao e o Localismo, que discute de que maneira oEstado nacional convive com a integrao supranacional e a frag-mentao. A gente aqui s falou do ponto de vista de interessessociais organizados em movimentos, mas eles existem tambmem nveis administrativos; a tendncia de descentralizao pol-tica hoje muito forte e muito valorizada. Entre esses dois plos um localista e outro global trata-se de saber como o Estadonacional redefine sua rea de atuao. Nesse grupo h um inte-resse maior na Europa que no Terceiro Mundo.

    P&S Voc disse que o interesse maior est na Europa e isso remetea uma outra questo. Como voc compara o status que vem sendodedicado Sociologia Poltica nessas associaes internacionais com oque se v nas associaes cientficas no Brasil? Porque nas associaesinternacionais parece haver um interesse maior por esse campo do quenas associaes cientficas brasileiras. Voc acha que uma questodas associaes cientficas ou da prpria academia?E. R. Tenho a impresso que da academia, porque as associa-es somos ns. O que sinto na academia brasileira um interessepequeno em razo de sermos muito voltados para problemas na-cionais. Voc pode ver isso como arrogncia ou humildade. Muitagente acha que humildade, que a gente tem complexo de inferi-oridade, ento a gente publica pouco no exterior, no dialoga. Euacho que no; acho que uma certa arrogncia. A gente pensa nasperspectivas do Brasil e isso esgota nosso horizonte. um poucoa tendncia de pas muito grande, como os Estados Unidos e andia. No caso da academia americana, ela tem muito pouco inte-resse nas associaes internacionais. As associaes nacionais so

    Poltica&Sociedade

    30 p. 11 - 35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    muito mais vigorosas. No caso da ndia, isso no to verdadeiro,mas de qualquer forma, como o Brasil, ela tende a olhar muitopara si prpria. Aqui, o tempo todo se est pensando naespecificidade brasileira, nos nossos problemas. Toda sociedade especfica, mas na medida em que somos cientistas sociais e nohistoriadores, nosso assunto descobrir o que temos em comumcom os outros. Ns temos que abstrair a nossa singularidade. Masisso uma coisa difcil, um pouco por vocao continental e umpouco por presso dos financiamentos especficos para coisas rele-vantes para ns. Por que coordeno um ncleo de estudointerdisciplinar sobre desigualdade e no um ncleo interdisciplinarde Sociologia Poltica? Porque o interesse num ncleo de Sociolo-gia Poltica muito remoto. E acho que est correto. Para algumfinanciar o meu ncleo, tenho que mostrar por que ele relevantepara o Brasil. Acho tambm que a gente no deve aceitar as coisasquando elas vm prontas. Quando vocs me convidam para viraqui falar sobre Sociologia Poltica, fico muito estimulada a pensarnesse recorte. Por que no propor um recorte desse, se ns somospessoas interessadas nisso, se isso nos une? Esse no um enfoquelegtimo? Portanto, temos que fazer a articulao entre as nossasdefinies acadmicas mais abstratas e as mais aplicadas. Estouconvencida que essa separao entre terico e aplicado falsa. importante que a gente demonstre por que Sociologia Poltica no diferente de desigualdade, o que junta essas duas reas. Cabemnas nossas associaes essas problemticas. Dar o nome adequa-do a elas compete a ns. Quando tivermos que chamar de Sociolo-gia Poltica, vamos chamar.

    P&S Observa-se que normalmente os nossos vnculos com a Amri-ca Latina so muito frgeis, por incrvel que parea. Como voc v essaperspectiva em termos de redes de pesquisa incluindo a Amrica Latinae especialmente o Mercosul? Com a crise da Argentina talvez haja bas-tante receptividade para pensar algumas questes em conjunto.E. R. No sei. Acho que temos uma vocao continental, mash alguma coisa a mais, provavelmente algumas limitaesorganizacionais, institucionais mesmo. muito difcil o contatocom a Amrica Latina. Estudei no Chile, mas para mim maisdifcil interagir com a Amrica Latina do que com a Europa e os

    p. 11 - 35 31

  • Poltica& Sociedade

    Estados Unidos, e eventualmente at com pases asiticos. Nasia, no todos os pases, mas Coria, Japo, ndia tm algumainstitucionalizao que facilita a comunicao. Eu penso na ISA ena IPSA que poderiam agrupar, mas a participao da AmricaLatina precria. Tanto em uma quanto em outra. H pessoasmuito capazes, mas por razes institucionais e por questes definanciamento tambm, a membership persistente dessas associa-es precria. So poucos os pases latino-americanos que tmuma participao continuada nessas organizaes e, quando tm,o nmero de participantes muito pequeno. Coordeno uma pes-quisa em seis pases e quis muito incluir a Amrica Latina. umapesquisa sobre a elite e a percepes de desigualdade da elite nafrica do Sul, Bangladesh, Filipinas, ndia, Haiti e Brasil. Tenteimuito incluir Bolvia, Peru, Argentina, Chile. Fiz contatos compessoas que conheo, pois tenho ex-alunos nesses lugares, masno houve possibilidade. Alguma coisa torna talvez a vidainstitucional muito difcil. O fato que o Brasil e Mxico tmuma vantagem comparada extraordinria em relao AmricaLatina. Eles tm ps-graduao consolidada e volume de pesqui-sadores. A Argentina formou muita gente, mas desde os anos 70est expulsando pesquisadores. Acho que o Brasil tem uma van-tagem comparada e, nesse sentido, tem uma misso no conti-nente. Penso, por exemplo, no Chile que, nos anos 60, cumpriuessa funo de estimular um pensamento latino-americano, ba-sicamente porque as organizaes internacionais se instalaraml. H uma dimenso prtica e material que muito importante.O fato de ter financiamento e juntar massa crtica possibilitou aoChile fazer isso. Naquele momento, o Brasil era mais isolado pelalngua e pela vocao continental. Mas o Chile conseguiu criarum padro de interao com o restante da Amrica que foi muitosaudvel. Infelizmente, o que veio depois desfez muito do quetinha sido feito. O Brasil hoje poderia cumprir essa funo. Mastemos que ser empresrios de ns mesmos, temos que conven-cer as fontes de financiamento brasileiras e estrangeiras. umacoisa que tentei e continuo tentando muito. Gostaria muito dever institudo um prmio para pesquisa comparada, alguma coi-sa que nos levasse a nos ver mais como parte da Amrica Latina.O Mercosul cria essa possibilidade, sobretudo no sul do pas. E

    32 p. 1 1 - 35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Reis

    a a idia de novo da Geografia. A proximidade torna isso maisvivel. Mas atravs das nossas agncias e associaes Coorde-nao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES),Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico(CNPq), Associao Nacional de Ps-Graduao em Cincias Soci-ais (ANPOCS), Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) ns po-deramos ser mais ativos.

    P&S E quais seriam as temticas frteis nesse campo? Voc j falouda desigualdade como especialmente frtil na realidade brasileira.E. R. Acho que desigualdade ainda um foco muito geral. Comoa gente estuda a desigualdade? Tem n maneiras. Quase tudo oque cabe na temtica da desigualdade objeto legtimo da Soci-ologia Poltica. Porque quando falo em desigualdade, tenho umareferncia: igualdade. Impossvel definir desigualdade sem umareferncia, um ideal de igualdade. Essa uma noo relacional.Se sou desigual, o sou em relao ao outro e, portanto, eu e ooutro fazemos parte de alguma coletividade. Esse o mbito daSociologia Poltica. Quando estudo desigualdade, estou me refe-rindo a alguma comunalidade de interesses. Se eu e voc somosdesiguais, o somos em relao a algum padro a que ambosestamos submetidos. Esse padro da comunidade. Ns co-par-ticipamos de alguma coisa. E dentro dessa esfera relacional, cabeestudar gnero, etnia e classe. Tudo isso so formas de hierarqui-zao de uma coletividade. A Sociologia brasileira a CinciaPoltica tambm tende a ignorar isso. No ano passado, organi-zei uma srie de conferncias sobre desigualdade na UFRJ, nombito da Coordenao Permanente de Estudos Avanados(COPEA) e me dei conta que era muito mais fcil recrutar econo-mistas do que socilogos e cientistas polticos. Isto , o maiornmero de pessoas trabalhando com essa noo est na rea deEconomia. Entre cientistas polticos, socilogos ou antroplogosh muitas vezes uma tendncia a confundir pobreza com desi-gualdade. Essa dimenso relacional tem sido um pouco descui-dada. As pessoas muitas vezes tm dados, tm pesquisa que lhespermitiriam incorpor-la, mas a idia de explorar a dimensodesigualdade no tem recebido muita ateno. Mas estudos so-

    o

    Lu

  • Poltica& Sociedade

    bre grupos "desprivilegiados" temos muitos. O que falta relaci-onar esses grupos excludos com o padro de incluso.

    P&S Ento cidadania o grande padro de incluso, ainda maisem pases como o Brasil, onde grande parcela da populao pensan-do no esquema do Marshall de evoluo das fases da cidadania se-quer pode contar com a garantia dos direitos civis. Voc sugere que cada vez mais relevante a discusso da desigualdade no mbito doEstado-nao, no caso brasileiro. No sabemos como seria em pasescomo os Estados Unidos; talvez, como voc falou, eles possam se dar aoluxo de reivindicar outras formas de incluso...E. R. A gente s vezes se confunde um pouco. Por exemplo, aquesto do gnero no uma questo nova, no seguinte sentido:a expanso dos direitos universais de cidadania s mulheres no um movimento diferente da tendncia secular de expanso da ci-dadania. A cidadania comeou restrita e foi se ampliando gradual-mente. A idia de incluir gnero ainda parte da mesma trajetriaexpansiva e, nesse sentido, parte do mesmo movimento universa-lizante. A questo da diferena vem com etnia, religio, cor, algu-ma coisa que voc no possa considerar como expansiva, que garantida para uma parcela restrita da populao.

    P&S Voltando a questes substantivas ligadas ao seu trabalho,parece que h dois temas muito presentes: o Estado-nao e a rela-o do Estado-nao com a ideologia autoritria. So interessantesesses debates sobre ideologia, tanto mais porque durante algum tem-po circulou a tese do fim das ideologias, e parece que isso teria seconsolidado com a desintegrao do imprio sovitico. Em que medi-da o conceito de ideologia tem validade heurstica na atualidade, eem que medida esse conceito pode ser til para entender a realidadebrasileira do ponto de vista da Sociologia Poltica? A ideologia auto-ritria, que voc estuda, ainda hoje tem eficcia para organizar pr-ticas e instituies na vida brasileira?E. R. Isso depende muito de como voc define ideologia. Aque-le sentido de embuste deliberado, mistificao, isso creio que pouco frtil. Mas, se voc entende ideologia como viso demundo, cultura, cultura poltica, no caso, acho que o conceitoajuda a explorar aspectos interessantes. Muitas das formulaes

    34 p. 11 -35

  • Situando a Sociologia PolticaElisa Rels

    ideolgicas desenvolvimentistas parecem ter caducado, mas voctem outras idias, outras formas culturais que continuam ani-mando o planeta. Algumas delas discutimos aqui; a afirmaoda cidadania, o fortalecimento da sociedade civil, so ideologi-as, idias que movem o mundo, que mobilizam as pessoas. Comrelao ideologia autoritria, como tudo o mais na cultura,no h fim nem comeo. H hibridismo. Se tivemos na nossatrajetria uma gnese autoritria, isso vai pesar de alguma for-ma. O que me desagrada profundamente as pessoas usarem agnese autoritria como uma marca original que se reproduz adeternum, que uma outra forma de ser determinista. Disso eudiscordo totalmente. Mesmo porque se no discordar vou de-sistir de ser cientista social. Se as coisas esto dadas, o quevamos fazer? E uma coisa muito forte. Entre os leigos, atadmito, mas mesmo ns tendemos, em ltima anlise, a acredi-tar que a nossa colonizao portuguesa explica tudo. Estudan-do desigualdade, o que mais ouo, de leigos e especialistas.Em ltima anlise, tem uma frmula que diz que ns no so-mos responsveis porque herdamos isso. Sou individualistametodologicamente porque estou convencida que as pessoasescolhem. Claro que ns escolhemos com esse passado todopesando. Ento, quando comparo cultura poltica brasileira efrancesa, alem, etc., claro que tem diferena. At mesmo consi-derando que estamos mudando em termos de cultura poltica,com tudo que entrou no Brasil de privatizao, anti-estatismo,ainda temos uma percepo do Estado como responsvel. Aqui,isto muito mais forte do que em outras sociedades. A nossaidia de quem deve fazer alguma coisa para resolver a situao o Estado. Ou seja, o peso do passado no pode ser jogadofora. Mas o uso que vai ser feito disso compete a ns. No achoque o autoritarismo est prestes a voltar, no acho que umapossibilidade realista a curto prazo, mas tambm no possodizer que nunca mais teremos governos autoritrios. Isso vaidepender muito das nossas escolhas aqui e agora. O nosso aqui-e-agora e o das geraes futuras.

    Page 1Page 2Page 3Page 4Page 5Page 6Page 7Page 8Page 9Page 10Page 11Page 12Page 13Page 14Page 15Page 16Page 17Page 18Page 19Page 20Page 21Page 22Page 23Page 24Page 25