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O ensinar e o aprender na sala de aula Ensinar e aprender são as duas tarefas constitutivas do fazer da sala de aula. Entretanto, o lugar e a ênfase que se dá a cada uma destas tarefas caracteriza as diferentes concepções teóricas que estão subsidiando a prática pedagógica. Na maioria das vezes o professor em sua sala de aula sem se dar conta de que seu fazer é orientado por uma determinada perspectiva teórica. Assim, ao trabalhar com os diferentes conteúdos pode estar priorizando o ensinar ou o aprender, a transmissão ou a construção do conhecimento. Tomar consciência daquilo que faz, compreender o que e porque está fazendo algo, porque está usando determinadas estratégias e não outras é fundamental para um trabalho sério e produtivo. Muitas vezes, programas de treinamento, reciclagens e imposições de programas oficiais têm sido responsáveis por uma apropriação apressada e superficial de determinadas teorias pelos professores. Em tais circunstâncias, é passado aos professores um “que fazer” sem que eles possam de fato construir o seu saber. É o discurso monológico que faz dos professores meros destinatários de teorias e conceitos que

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O ensinar e o aprenderna sala de aula

Ensinar e aprender são as duas tarefas constitutivas do fazer da sala de

aula. Entretanto, o lugar e a ênfase que se dá a cada uma destas tarefas

caracteriza as diferentes concepções teóricas que estão subsidiando a prática

pedagógica. Na maioria das vezes o professor em sua sala de aula sem se dar

conta de que seu fazer é orientado por uma determinada perspectiva teórica.

Assim, ao trabalhar com os diferentes conteúdos pode estar priorizando o ensinar

ou o aprender, a transmissão ou a construção do conhecimento. Tomar

consciência daquilo que faz, compreender o que e porque está fazendo algo,

porque está usando determinadas estratégias e não outras é fundamental para um

trabalho sério e produtivo.

Muitas vezes, programas de treinamento, reciclagens e imposições de

programas oficiais têm sido responsáveis por uma apropriação apressada e

superficial de determinadas teorias pelos professores. Em tais circunstâncias, é

passado aos professores um “que fazer” sem que eles possam de fato construir o

seu saber. É o discurso monológico que faz dos professores meros destinatários

de teorias e conceitos que lhes são apresentados como novos, representando a

solução milagrosa para os problemas que enfrentam em seu cotidiano escolar.

Não há oportunidade de troca, de interação verbal, fazendo com que a palavra

deixe de ser aquilo que Bakhtin (1988) chama de território social comuns dos

interlocutores. No dizer de Kramer (1993) as estratégias de formação de

professores transformadas em meros treinamentos, não têm considerado a

multiplicidade de significações que podem estar presentes nas enunciações do

“treinador”, nem a diversidade do auditório social formado pelos “treinados”. Nos

treinamentos e reciclagens há só um sujeito que fala, não permitindo ou ignorando

a livre expressão dos ouvintes. Além disso, o treinador ao oferecer o “novo

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paradigma” como a “solução única” para os problemas a serem enfrentados na

escola, o faz desconhecendo a experiência dos participantes que acabam por

duvidar de suas próprias possibilidades e recursos. Perdida a confiança numa

prática conquistada pelo esforço de anos de trabalho, os professores se vêm

inseguros diante de uma novidade sedutora, mas desconhecida. Confusos, sem

pontos de referencia, se perdem num vazio. É isto o que tem acontecido, por

exemplo, com a implantação do construtivismo na educação. Como conseqüência

desta forma monológica com que se tem apresentado o construtivismo aos

professores, estes acabam ficando presos a rótulos, a conceitos que empregam

mecanicamente sem promover uma mudança rela em sua atuação na sala de

aula. Dizem-se construtivistas, fazem muitas coisas em nome do construtivismo,

mas sua prática não é transformada, o aluno não se torna de fato sujeito da ação

pedagógica, construtor do seu conhecimento. O que se vê são atuações

equivocadas, revestidas por rótulos que disfarçam uma prática que não se renova.

Assim, me propus escrever este artigo como uma contribuição ao professor na sua

reflexão sobre os fundamentos, compreensão e conseqüências pedagógicas das

diversas tendências que envolvem o ensinar e o aprender. Embora consciente da

artificialidade e limitações inerentes a processos de classificação, tentei organizar

de forma didática, um quadro comparativo das diversas possibilidades de se

trabalhar o conhecimento na sala de aula. Espero que assim, diante dos aspectos

apresentados, o leitor possa melhor situar as teorias compreendendo as práticas

pedagógicas que delas decorrem. Que essa compreensão possa levar a um

trabalho pedagógico mais consciente e portanto, mais produtivo.

Maria Teresa de Assunção Freitas1

1 Professora da Faculdade de Educação da UFJF

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O quadro seguinte foi organizado em quatro concepções que chamo de:

objetivista, subjetista, cognitivista e sócio-histórica:

OBJETIVISTA SUBJETIVISTA COGNITIVISTA SÓCIO-HISTÓRICA

SUJEITO <= = OBJETO SUJEITO = => OBJETO SUJEITO <= => OBJETOSUJEITO OBJETO

OUTRO

Conhecimento contido no mundo dos objetos externos.Conhecimento => experiências do mundo o objeto.Pré existe ao sujeito.

Conhecimento pertence ao sujeito antes de se relacionar com o mundo externo.Conhecimento => anterior à experiência, inato.

3.ª VIA – Conhecimento não está nos objetos, nem nos processos internos, mas na ação do sujeito sobre os objetos.

RUPTURA – Conhecimento => relação dialética sujeito X meio historicamente construído.

Ênfase: objeto externo, meio-ambiente.

Ênfase: processos internos, consciência.

Ênfase: ação do sujeito.Ênfase: relações interpessoais.

Sujeito: receptor passivo, moldado de fora para dentro.

Sujeito: ativo. Atividade de conhecimento exclusiva do sujeito.

Sujeito: ativo, individual e cognitivo.

Sujeito inter-ativo, ser social construtor da individualidade interações entre indivíduos mediados pela cultura.

Psicologia: Behaviorismo.

Psicologia: Gestalt, humanista.

Psicologia: Piagetiana.Psicologia:Sócio-histórica.

Educação: Escola Tradicional Escola Tecnicista.

Educação: Escola Nova.Educação: Construtivismo.

Educação: Progressiva.

Aluno: “tábula rasa”. Aluno: Potencialidades.Aluno: Construtor de conhecimentos.

Aluno: Construção partilhada de conhecimento.

Pedagogia: Centrada por professor.

Pedagogia: Centrada no aluno.

Pedagogia: Centrada no aluno.

Pedagogia: Centrada na atividade dos indivíduos em interação

Relações: Hierárquicas Relações: Igualdade. Relações: Igualdade.Relações: Intersubjetivas

Conhecimento => transmissão / reprodução.

Conhecimento => atualizar potencialidades.

Conhecimento => construção individual.

Conhecimento => construção social.

ENSINAR APRENDER APRENDER ENSINAR/APRENDER

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1 – A CONCEPÇÃO OBJETIVISTA

Para esta perspectiva o conhecimento pré-existe ao sujeito estando

contido no mundo dos objetos externos. Tal concepção se liga aos fundamentos

filosóficos do empirismo segundo o qual o conhecimento se realiza na experiência

do mundo do objeto, derivando direta ou indiretamente da experiência sensível.

Locke, filósofo inglês (1632 – 1704) ao descrever como se formam as nossas

idéias, mostra que elas têm como fonte a experiência opondo-se assim à

concepção das idéias inatas. Para ele, todo conhecimento humano tem sua

origem na sensação: “nada há em nossa mente que antes não tenha passado

pelos nossos sentidos”. A partir dos dados da experiência é que vão ser

produzidas as novas idéias através da abstração. Hume (1711 – 1776), filósofo

escocês, partindo das idéias de Locke, acredita também que todos os nossos

conhecimentos vêm dos sentidos. Assim, na perspectiva empirista não há outra

fonte para o conhecimento senão a experiência e a sensação. O que conheço é

porque foi por mim experienciado. Conheço a água porque a tomei ou nela

mergulhei, conheço uma flor porque a vi. Desta forma, o conhecimento é algo que

existe no meio físico ou social. Toda a ênfase do conhecimento está portanto no

ambiente, no objeto que é o determinante do ato de conhecer e não no sujeito que

conhece. (SUJ <= OBJ). O sujeito, nesta perspectiva, se comporta como um mero

receptor que reage passivamente às impressões do meio.

Uma corrente psicológica que incorpora estes princípios e que muita

influencia teve nas questões educacionais principalmente nos anos 60 e 70, mas

ainda presente nos dias de hoje) é o behaviorismo. Este se propõe a fazer m

estudo cientifico do homem, limitando-se, no entanto, à investigação do seu

comportamento que é compreendido como uma resposta a um estímulo externo,

sem nenhuma referência aos processos internos, à consciência. Escudando-se

nas contribuições do behaviorismo a tendência educacional tecnicista considera

os fenômenos educativos passíveis de observação, descrição, experimentação e

controle, pois considera que a pessoa pode ser compreendida a partir de seus

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comportamentos externos. Daí a grande importância que confere ao ambiente

como condicionador e controlador das ações humanas. Nesse sentido, a

educação se reduz à manipulação de estímulos ambientais que levam a respostas

desejáveis (Freitas, 1994). A tecnologia educacional baseada em Skinner concebe

a educação como um processo de modificação de comportamento condicionada

às alterações das contingências de reforços. Toda essa concepção se faz

presente na escola através da formulação de objetivos operacionais (mostrando

que só se deve ensinar o que pude ser observado e medido), a instrução

programada, as estratégias de ensino, as manipulações de situações de

aprendizagem, os esquemas de reforços, o planejamento cientifico, a eficiência

organizacional. Pode-se pois, perceber, que o behaviorismo é responsável pela

abordagem mecanicista do processo ensino-aprendizagem que reduz a ação do

sujeito e sua autonomia diante de um ambiente controlador (Freitas, 1994). A

aprendizagem fica assim reduzida a um processo linear e relegada a um segundo

plano. O importante é o ensinar e aquele que ensina, o professor, tem um papel

destacado. Não é apenas a abordagem tecnicista que se enquadra nesta

perspectiva. A escola tradicional ao considerar o aluno como uma “tábula rasa” e

conferir ao professor um lugar de destaque também está enfatizando o ensinar

como função principal dentro da escola. Ambas as perspectivas vêem o

conhecimento como algo a ser transmitido pelo professor e adquirido pelo aluno.

Daí a importância dada à memorização, à reprodução, à cópia, em detrimento da

criação pessoal.

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2 – A CONCEPÇÃO SUBJETIVISTA

De acordo com esta concepção o conhecimento pertence ao sujeito

antes que este se relacione com mundo externo. Esta é a perspectiva filosófica do

idealismo que interpreta a realidade do mundo exterior ou material em termos do

mundo interior, subjetivo ou espiritual. “Do ponto de vista da problemática do

conhecimento, o idealismo implica a redução do objeto do conhecimento ao sujeito

conhecedor” (Japiassu e Marcondes, 1990, pág. 126). O pensamento de Kant está

relacionado a esta perspectiva pois ele situa o mundo das idéias na consciência

individual e considera a razão como fundamento de todo conhecimento possível

(racionalismo). A sua Crítica da Razão Pura reinstaurou a mente como um

princípio de organização através do qual a própria experiência se tornou possível

e inteligível. Em relação ao conhecimento humano Kant afirma que ele é o

proveniente de duas fontes: a sensibilidade (os objetos nos são dados) e o

entendimento (os objetos são pensados). Esses dois elementos conjugados dão

ao sujeito a possibilidade da construção de um conhecimento que se refere a ele e

não à realidade em si, enfatizando portanto os processos internos. (SUJ => OBJ)

Esta perspectiva opõe-se à empirista ao relativizar a experiência,

absolutizando o sujeito na medida me que toda atividade de conhecimento é

exclusiva do sujeito e o meio dela não participa (Becker, 1993).

No campo psicológico esse pensamento se traduz na psicologia

humanista e na Gestalt. Tanto os gestaltistas quanto os psicólogos humanistas

acentuaram o valor do sujeito e exaltaram a sua natureza individual. Assim, a

psicologia centrada na pessoa, de Carl Rogers, partindo da concepção de homem

como ser autônomo e livre não determinado pelo ambiente social, vê como função

do processo educativo a facilitação de situações favoráveis ao desenvolvimento

pleno do educando baseado em suas tendências e predisposições naturais.

Assim, as condições de possibilidade do conhecimento são inatas, pré-

determinadas, isto é são dadas como condição de possibilidade. Os gestaltistas

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negam a influência da experiência adquirida sobre a solução de novos problemas.

Assim, a concepção subjetivista de conhecimento reconhece a predominância do

sujeito sobre o objeto do conhecimento, valorizando a atividade e a criatividade.

Este ideal é abraçado, nas tendências educacionais, pela Escola Nova que coloca

o aluno como centro do processo educacional enfatizando o aprender, sendo o

professor um mero facilitador.

Ambas as concepções – a objetivista e a subjetivista – fragmentam a

realidade, não captando o movimento real do indivíduo na sociedade. No

objetivismo, a ênfase recai sobre o meio do qual o indivíduo é um mero produto.

No subjetivismo a ênfase recai no sujeito eu, dotado de uma essência universal é

anterior às condições ambientais e históricas. Ambas as perspectivas são a-

históricas e portanto, não realizam a síntese sujeito-objeto, indivíduo-sociedade

que é condição fundamental para a captação da totalidade dos fenômenos

psicológicos (Freias, 1994).

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3 – A CONCEPÇÃO COGNITIVISTA

Na concepção objetivista o conhecimento é concebido como um dado

da experiência e assim o que se valoriza na prática pedagógica é a transmissão

do conhecimento sendo o professor considerado como aquele que ensina a um

aluno que adquire passivamente o ensinado. O subjetivismo considerando o

conhecimento como inato, não determinado pelo ambiente, compreende a

educação como resultado do desenvolvimento das predisposições naturais do

indivíduo. Contrapondo-se a estas duas posições, a concepção cognitiva, propõe

uma terceira via afirmando que o conhecimento não provém da experiência única

dos objetos, nem da programação inata pré-formada no sujeito, mas das ações do

sujeito sobre o objeto, frente a desafios cognitivos e situações problemáticas. Este

é o pensamento da psicologia de Piaget que, no campo do conhecimento, analisa

a questão das relações entre o sujeito que atua e pensa e os objetos de sua

experiência. Ele estudou o problema das relações sujeito-objeto em termos de

psicogênese, isto é, estudando os mecanismos pelos quais o sujeito constrói

sistemas de operações lógicas. Propõe assim sua epistemologia genética que se

caracteriza por conceber o processo construtivo do conhecimento a partir das

trocas recíprocas entre o sujeito e os objetos. Piaget (1990) procura, pois, mostrar

o funcionamento cognitivo e o processo de equilibração como responsáveis pela

possibilidade de inteligência ou pensamento ir, paulatinamente, construindo o

instrumental intelectual necessário à organização compreensível e inteligível da

realidade. Essa evolução do conhecimento através de um processo interativo

entre o sujeito e o mundo, entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer (SUJ

<= => OBJ). Nessa interação está implícito que o instrumento de troca entre o

sujeito e o mundo é a ação. Esta vai se transformando gradativamente desde as

ações reflexas pertencentes ao organismo biológico até alcançar o pensamento

formal abstrato. Assim a ação pode ser exercitada através da experiência física e

da experiência lógico-matemática. Na primeira o sujeito tenta compreender as

propriedades do objeto com o qual interage, assimilando-o; na segunda o sujeito

experimenta o objeto com suas próprias ações para abstrair suas propriedades. É

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o sujeito que age em relação ao objeto e suas estruturas se transformam por

forças do objeto.

Para Piaget a adaptação e o equilíbrio são propriedades constitutivas

da vida. A adaptação se desdobra em assimilação e acomodação. Pela

assimilação o sujeito age sobre o objeto, efetuando-se um movimento de

interiorização, que implica numa reorganização das estruturas cognitivas. Pela

acomodação há ao contrário um movimento de exteriorização no qual as

estruturas cognitivas são ajustadas à base de novas informações provenientes do

mundo externo. A equilibração é o processo pelo qual se formam as estruturas

cognitivas e constitui, em última análise, a expressão da lei funcional que afirma a

atuação das estruturas (Piaget, J & Inhelder, B. 1978).

A perspectiva piagetiana traz em si a marca de várias influencias

filosóficas como o racionalismo kantiano e também o estruturalismo. Dessa forma,

apesar de propor uma terceira via percebe-se ainda em Piaget uma fonte marca

do papel do sujeito.

Analisando aspectos educacionais, a partir da teoria psicológica

piagetiana, pode-se dizer que aquilo que é incorporado à atividade dos alunos

pela descoberta pessoal passa a compor a estrutura cognitiva para ser empregado

em novas situações. Nessa perspectiva o ensino é visto como um convite à

exploração, à descoberta, tornando-se a sala de aula um espaço de construção

onde o aluno tem um papel central e ativo na produção do saber. Ele é o centro da

própria trajetória em direção ao conhecimento, da própria aprendizagem. Assim, a

perspectiva educacional construtivista não está voltada para o como ensinar e sim

para o como aprender. O aluno é considerado sujeito de sua própria

aprendizagem e esta está vinculada às possibilidades apontadas por seu

desenvolvimento, por sua maturação biopsicológica. Isto indica que o processo de

aprendizagem pode ocorrer espontaneamente, independente da ação ou

interferência de um outro sujeito. Dessa forma minimiza-se a atuação do

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professor, que pode então ser comparada no dizer de Kesselring (1993) ao papel

de um jardineiro que rega as suas plantas.

Talvez a maior contribuição de Piaget à educação esteja na afirmação

de que a criança tem um papel ativo na sua aprendizagem. Entretanto, ao falar de

uma ação direta sujeito-objeto, não mediada pela interação com o outro, não

valorizando a linguagem e a cultura na construção das categorias de pensamento

pela criança, a importância da educação fica bem diminuída. No momento em que

para Piaget processos de desenvolvimento se equivalem a processos

maturacionais e que estes é que criam as condições para que a aprendizagem se

efetive, minimiza-se a ação da educação, da escola, do professor. O fracasso

escolar dessa forma é atribuído a um déficit pessoal, a um atraso no

desenvolvimento cognitivo, pois, o nível mental atingido é que determina o que o

sujeito pode fazer. Um dos aspectos mais problemáticos da perspectiva piagetiana

consiste em considerar o sujeito cognoscitivo pensante independente da cultura,

do conhecimento construído coletivamente. O construtivismo piagetiano

caracteriza-se por uma construção individual do conhecimento, no qual enfatiza-se

o aprender do aluno não sendo abordada a questão do ensinar com uma ação

educativa intencional.

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4 – A CONCEPÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

Todas as três concepções já citadas apresentam-se fragmentadas e a-

históricas considerando o sujeito de forma abstrata e descontextualizada. Dessa

forma acentuam a natureza individual do homem em detrimento das

circunstâncias sociais que o envolvem. A insatisfação com os dois modelos

objetivistas e subjetivistas levou à busca de uma superação numa perspectiva

que, baseando-se em outros pressupostos filosóficos, pudesse compreender o

homem real e concreto. Esses pressupostos são encontrados na dialética maxista

que considera a natureza como um todo coerente em que os fenômenos se

articulam reciprocamente e onde os processos de crescimento se realizam não só

quantitativamente mas principalmente por mutações de ordem qualitativa

considerando o progresso como um processo resultante das lutas de tendências

contrárias. (Japiassu & Marcondes, 1990).

Essa é a perspectiva sócio-histórica, para a qual o conhecimento é

construído numa relação dialética entre sujeito e objeto, isto é, entre sujeito e o

meio histórico. Portanto, trata-se de uma relação não só com objetos, mas

principalmente uma relação entre pessoas, entre sujeitos. Esses é o pensamento

de Vygotsky, que ao empreender uma crítica da psicologia de seu tempo,

apresentou não uma terceira via para se compreender a construção do

conhecimento, mas foi mais longe, realizando de fato um rompimento ao articular

sua proposta inovadora. Para ele a relação do sujeito com o conhecimento não é

uma relação direta, mas mediada. Essa mediação se processa via um outro, via

linguagem.

SUJEITO OBJETO

OUTRO

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Enquanto no cognitivismo não há mediação entre o sujeito e o objeto do

conhecimento (o acesso é direto), para Vygotsky (1993), caberia à linguagem, por

suas propriedades formais e discursivas esse papel mediador que põe em relação

o homem e sua história, a cognição e seu exterior discursivo. A mediação

semiótica proposta por Vygotsky mostra que “não há possibilidade integrais de

pensamento ou de conteúdos cognitivos fora de linguagem nem possibilidades

integrais de linguagem fora de processos interativos humanos, contingenciados

sócio-culturalmente” (Morato, 1997, pág. 39).

Essa posição de Vygotsky enfatiza, portanto, a relação do sujeito com o

conhecimento como uma interação entre sujeito viabilizada pela linguagem. Dessa

forma o conhecimento se constrói nas relações interpessoais. É o que o autor

defende ao dizer: “Um processo interpessoal é transformado num processo

intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas

vezes: primeiro, no nível social, e depois, no nível individual; primeiro entre

pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)”.

(Vygotsky, 1991, pág. 64). Portanto, o sujeito do conhecimento para Vygotsky não

é apenas ativo mais interativo. A construção individual é o resultado das

interações entre indivíduos mediados pela cultura. “O caminho do objeto até a

criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura

humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento

profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social”

(Vygotsky, 1991, pág. 33).

No campo psicológico essa perspectiva é adotada pela psicologia

sócio-histórica que reúne, entre outros, os nomes de Vygotsky, Luria Leontie,

Elkonin, Wallon, etc. Na educação essa perspectiva se concretiza nas tendências

progressistas que, propondo um movimento transformador e crítico que considere

o homem enquanto um sujeito histórico, são defendidas por autores tais como

Paulo Freire, Saviani, Rodrigues e muitos outros. Toda a pedagogia derivada da

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psicologia sócio-histórica se centraliza na atividade dos indivíduos em interação e

o conhecimento é visto de forma compartilhada. Alunos e professores participam

de uma construção partilhada do saber. Daí que o conhecimento não se restringe

a uma construção individual mas, se realizando no coletivo, é uma construção

social. Na sala de aula não há lugar para o ensinar e o aprender de forma isolada.

Toda ênfase é colocada no ensinar/aprender como um processo único do qual

participam igualmente professores e alunos. O professor é aquele que, detendo

mais experiência, funciona intervindo e mediando a relação do aluno com o

conhecimento. Ele está sempre, em seu esforço pedagógico, procurando criar

Zonas de Desenvolvimento Proximal2, isto é, atuando como elemento de ajuda, de

intervenção, trabalhando junto com o aluno numa construção compartilhada do

conhecimento. Dessa maneira o desenvolvimento é olhado prospectivamente: o

que importa são os processos que, embora ainda não estejam consolidados,

existem embrionariamente no individuo. Assim, na Zona de Desenvolvimento

Proximal o professor atua de forma explícita interferindo no desenvolvimento

proximal dos alunos, provocando avanços que não acorreriam espontaneamente.

Vygotsky desta forma, resgata a importância da escola e do papel do professor

como agente indispensável do processo de ensino-aprendizagem. O que ocorre

na escola: a intervenção do professor e sua ajuda através de explicações,

demonstrações, exemplos, orientações, instruções, fornecimento de pistas, são

ingredientes importantes do processo de ensino que levam o aluno ao

desenvolvimento. É assim que, Vygotsky ao considerar a aprendizagem como um

processo essencialmente social – que ocorre na interação com adultos e

companheiros mais experientes – destaca que as funções psicológicas humanas

são construídas na apropriação de habilidades e conhecimentos socialmente

disponíveis. É neste sentido que Bruner (1981) compreende que a teoria

educacional de Vygotsky é uma teoria da transmissão cultural, tanto quanto do

desenvolvimento.

2 “Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é um conceito especifico da teoria de Vygotsk”. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais ativos. (Vygotsky, 1991, pág. 97)

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CONCLUSÃO

Espero que as considerações feitas neste artigo sobre a construção do

conhecimento possam ajudar o professor a refletir sobre seu fazer na sala de aula.

O que ele tem priorizado em seu cotidiano escolar, a memorização, a reprodução

ou a criatividade do aluno? A transmissão ou a construçÃo do conhecimento? O

ensinar ou o aprender? A construção individual ou coletiva do conhecimento?

Responder a estas questões já será um início de compreensão sobre o seu

trabalho e um primeiro passo para as mudanças que se fizerem necessárias.

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BIBLIOGRAFIA

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