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Geo UERJ | E-ISSN 1981-9021
ARTIGO
© 2018 Gomes e Magalhães Junior. Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Licença Creative Commons
Atribuição-Não Comercial-Compartilha Igual (CC BY-NC-SA 4.0), que permite uso, distribuição e reprodução para fins não comercias,
com a citação dos autores e da fonte original e sob a mesma licença. 1
SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DE ÁREAS ÚMIDAS NO BRASIL E NO
MUNDO: PANORAMA ATUAL E IMPORTÂNCIA DE CRITÉRIOS
HIDROGEOMORFOLÓGICOS1
WETLANDS CLASSIFICATION SYSTEMS IN BRAZIL AND THE WORLD: CURRENT OVERVIEW AND THE
IMPORTANCE OF HYDROGEOMORPHOLOGICAL PARAMETERS
Cecília Siman Gomes1, Antônio Pereira Magalhaes Júnior1
1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Minas Gerais, MG, Brasil
Correspondência para: Cecília Siman Gomes ([email protected])
doi: 10.12957/geouerj.2018.34519
Recebido em: 30 maio 2018 | Aceito em: 19 ago. 2018
RESUMO
As Áreas Úmidas (AUs) desempenham inúmeras funções ambientais, que se traduzem na sua própria variedade
tipológica. Os sistemas de classificação das AUs são fundamentais para a sua proteção e gestão, pois permitem
categorizá-las, compará-las, além de prover uniformidade conceitual e terminológica. Nesse contexto, foi feita
uma sistematização dos principais sistemas de classificação de AUs atualmente existentes na literatura
internacional e nacional, bem como uma avaliação da importância do uso de parâmetros hidrogeomorfológicos
(HGM) para a classificação de AUs no contexto nacional. O uso de critérios HGM pode contribuir com a
classificação de AUs brasileiras, visto que tais critérios são essenciais para situar e diferenciar os tipos de AUs na
paisagem, compreender seus processos de funcionamento e manutenção hidrológica, suas interações com os
sistemas geomorfológicos adjacentes e suas diversas funções ambientais desempenhadas no ambiente.
Palavras-chave: áreas úmidas; hidrogeomorfologia; sistema de classificação de áreas úmidas; ecossistemas;
recursos hídricos.
ABSTRACT
Wetlands perform many environmental functions, which translate into their own typological variety. The wetlands
classification systems are fundamental for wetlands protection and management, since they provide categorization,
conceptual and terminological uniformity. A systematization of the main wetland classification systems currently in the
international and national literature was done, as well as an evaluation of the importance of the use of
hydrogeomorphological (HGM) parameters for the wetlands classification in the national context. It can be said that the
use of HGM criteria can contribute to the improvement brazilian wetland classification, since they are essential to locate
the wetland in the landscape, to understand their hydrological functioning and maintenance processes, their
interactions with adjacent terrestrial and / or aquatic geomorphological systems and environmental functions.
Keywords: wetlands; hydrogeomorphology; wetlands classification system; ecosystems; water resources.
INTRODUÇÃO
As Áreas úmidas (AUs), internacionalmente conhecidas pelo termo em inglês wetlands, podem ser
definidas como:
1 O artigo foi elaborado pelos autores com base nos resultados originários da pesquisa de mestrado da primeira autora,
defendida em setembro de 2016 no Instituto de Geociências – Universidade Federal de Minas Gerais, sob orientação do
professor Antônio Pereira Magalhães Júnior.
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Sistemas permanentes ou temporariamente saturados, inundados e/ou alagados, formados em
relevos e substratos que permitem um maior acúmulo de águas superficiais e/ou subsuperficiais,
por tempo suficiente para promover processos físicos, químicos e biológicos de ambientes com
deficiência ou ausência de oxigênio, indicados, comumente, por espécies vegetais adaptadas a
essas condições e/ou por solos com características hidromórficas. Interferências antrópicas
podem condicionar a sua formação, como as AUs em áreas marginais de reservatórios.
Conforme a escala de análise da dinâmica hidrológica, as AUs podem incluir áreas
permanentemente secas e/ou aquáticas, que são fundamentais para a sua manutenção ecológica
(GOMES, 2017).
As AUs cobrem cerca de 20% do território brasileiro (JUNK et al., 2015) e são consideradas um dos
ecossistemas mais relevantes do mundo em termos ambientais, pois além de apresentarem uma
diversidade específica de fauna e flora, atuam na recarga de aquíferos, na melhoria da qualidade da
água, na retenção de carbono orgânico, na regulação de ciclos biogeoquímicos, no controle de
inundações e na regulação do clima (MITSCH e GROSSELINK, 2007; JUNK et al., 2015).
O reconhecimento das funções ambientais desempenhadas pelas AUs começou a surgir a partir da
segunda metade do século XX, juntamente com a necessidade de se estabelecer parâmetros de
classificação para formular leis e regulamentos relativos à sua proteção e gestão sustentável. A
Convenção Internacional sobre as Zonas Úmidas, ocorrida em 1971 na cidade de Ramsar, no Irã, foi o
primeiro encontro internacional que marcou a valorização e a discussão sobre a relevância das AUs.
Referida como a Convenção de Ramsar, em vigor desde 1975, o tratado intergovernamental estabelece
quadros de ações locais, regionais e nacionais e de cooperação internacional para a conservação e uso
sustentável de AUs em todo o mundo. Conforme Ramsar Convention Secretariat (2013), a interrupção
das funções e a perda contínua das AUs têm gerado custos no campo ambiental, econômico, social e
ecológico, gerando a necessidade de se formular novas políticas de gestão nacionais sustentáveis.
O Brasil tornou-se membro da Convenção de Ramsar em 1993, ratificando-a em 1996, mas pouco
avançou na concepção e aplicação de critérios para proteção das AUs. Conforme o Instituto Nacional
de Áreas Úmidas (INAU), a falta de critérios para definição, delimitação e classificação das AUs
brasileiras tornam suas funções ecológicas e ambientais pouco conhecidas e mais difíceis de serem
valorizadas em termos políticos, legais e sociais. Além disso, o atual Código Florestal fragilizou a
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proteção das AUs, sinalizando a demanda urgente de propostas cientificamente embasadas para apoiar
propostas de gestão e classificação (JUNK et al., 2015).
As AUs podem ser classificadas por meio de atributos biológicos, ecológicos, físicos, químicos,
hidrológicos, hidrogeológicos e/ou geomorfológicos, sendo a escolha dos parâmetros variável conforme
os objetivos. A classificação visa prover uniformidade terminológica, agrupar tipos de AUs em
unidades relativamente semelhantes entre si e tornar-se um instrumento para mapeamento,
delimitação, descrição, avaliação e/ou comparação das AUs para fins de pesquisa, inventário,
planejamento ambiental, programas de conservação e/ou avaliação de impactos ambientais (SCOTT e
JONES, 1995; FINLAYSON e VAN DER VALK, 1995; COWARDIN e GOLET, 1995). Nesse
quadro diverso, torna-se difícil desenvolver uma classificação aceitável por todos os cientistas e
especialistas em AUs, seja em nível internacional, nacional ou regional (SCOTT e JONES, 1995).
Assim, conforme Finlayson e Van Der Valk (1995), devido à própria natureza das AUs e dos sistemas
de classificação, é necessário estabelecer limites bem definidos alinhados com os propósitos estipulados.
A classificação das AUs em sistemas apresenta duas tendências, uma na direção horizontal e outra na
direção vertical (hierárquica). As classificações horizontais dividem os habitats em uma série de
classes ou tipos, como meandros, turfeiras, mangues, etc. As classificações hierárquicas separam os
tipos de AUs em diferentes níveis. Os primeiros apresentam características mais gerais, enquanto os
níveis posteriores utilizam aspectos mais específicos. A abordagem hierárquica é a mais difundida, pois
tende a facilitar comparações regionais, nacionais e/ou internacionais entre sistemas similares e
permitir maior detalhamento dos tipos individuais de AUs na paisagem (TINER, 1999). É importante
ressaltar que as classificações hierárquicas não são puramente verticais, já que também crescem na
direção horizontal para detalhar os tipos individuais de AUs (possuem componentes hierárquicos e não
hierárquicos).
No mundo diversos países apresentam legislação e instrumentos oficiais de identificação e classificação
das AUs. No contexto brasileiro, o INAU desenvolveu uma proposta inicial de classificação de AUs
baseada em parâmetros hidrológicos e vegetais das grandes AUs brasileiras, com enfoque nas regiões
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litorânea, amazônica e do pantanal. Algumas instituições científicas nacionais desenvolveram
classificações ecológicas para alguns tipos de AUs, como os mangues, as veredas, os banhados do Sul e
as várzeas amazônicas. É importante salientar que em Minas Gerais ainda não foi concebido um
sistema de classificação das AUs do estado.
Nas últimas décadas, os fatores hidrogeomorfológicos (HGM) têm sido cada vez mais utilizados e
reconhecidos nas classificações de AUs, pois além de serem determinantes na sua formação, abarcam a
diversidade de quadros morfológicos da paisagem, que condicionam diferentes tipos de AUs. Ademais,
permitem compreender seus processos de funcionamento e manutenção hidrológica, suas interações
com os sistemas geomorfológicos terrestres e/ou aquáticos adjacentes e suas diversas funções
ambientais desempenhadas no ambiente, como na manutenção da qualidade da água, no controle de
inundações e/ou recarga dos aquíferos (KOTZE, 1999).
Nesse contexto, o objetivo desse artigo é sistematizar os principais sistemas de classificação de AUs
atualmente existentes na literatura internacional e nacional, bem como avaliar a importância do uso de
parâmetros HGM para a classificação de AUs. Ressalta-se que ainda não há na literatura nacional a
apresentação dessa diversidade de sistemas, o que demonstra a necessidade de uma sistematização e
avaliação desse conhecimento para avançar na categorização das AUs de Minas Gerais e do país. Para
tanto, foram estudados diversos tipos de sistemas de classificação de AUs no âmbito internacional e
brasileiro a fim de compreender e avaliar estrutura, objetivos, critérios, categorias, organização e
funções, bem como suas potencialidades e limitações práticas.
No contexto internacional foram apresentados, inicialmente, o sistema norte-americano de Cowardin et
al. (1979), pois é utilizado como base e/ou referência em diversos sistemas de classificação de AUs de
outros países e em inúmeros inventários de AUs nos Estados Unidos, e o sistema de Ramsar (SCOTT
e JONES, 1995), único sistema de AUs de abrangência internacional. Em sequência, foram analisadas
as classificações propostas por Semeniuk e Semeniuk (1995, 2011) e Smith et al. (1995), pois são
referências científicas internacionais nas propostas de parâmetros hidrogeomorfológicos (HGM) na
classificação das AUs. Por fim, foi avaliado o sistema sul-africano (OLLIS, 2013), pois possui base
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HGM, apresenta-se no formato de um manual governamental ilustrativo e didático e abre
possibilidades de ser adaptado à realidade de Minas Gerais. No contexto nacional foram analisadas as
propostas de classificação das AUs Palustres do Rio Grande do Sul (MALTCHIK et al., 2004), uma
das primeiras elaboradas no Brasil, e das AUs brasileiras, elaborada pelo INAU (JUNK et al., 2015),
a única nacional.
Em sequência, foi feito um quadro síntese e uma avaliação comparativa entre os diferentes sistemas de
classificação. Foram tecidas algumas considerações sobre a proposta brasileira e a importância de
inclusão de parâmetros HGM para a classificação das AUs, em especial em Minas Gerais, por abarcar
uma diversidade de contextos morfológicos.
Sistemas de Classificação de AUS no âmbito internacional
Os primeiros sistemas de classificação de AUs foram propostos para inventariar as AUs de habitats de
espécies selvagens, especialmente aves aquáticas migratórias (MITSCH e GOSSELINK, 2007). Tais
sistemas se baseiam, sobretudo, na fisionomia das AUs, sendo a vegetação e a hidrologia os elementos
centrais de classificação. Segundo Larson (2009), vários sistemas de classificação foram baseados
nestas características, com destaque para o de Cowardin et al. (1979) e o de Ramsar (SCOTT e
JONES, 1995).
O Sistema de Cowardin et al. (1979), denominado de “Classificação de Áreas Úmidas e Habitats de
Águas Profundas dos Estados Unidos” é até hoje um dos mais abrangentes e utilizados nos EUA e
serviu de base para a elaboração de outros sistemas nacionais (FINLAYSON e VAN DER VALK,
1995). Foi projetado para inventariar as AUs norte-americanas, atendendo objetivos científicos e de
gestão, como inserir as AUs e os habitats de águas profundas em um sistema organizado, prover
unidades de mapeamento e proporcionar uniformidade de conceitos e termos. As AUs e as águas
profundas foram englobadas no mesmo sistema, pois, conforme Cowardin et al. (1979), a abordagem
ecológica para classificação é a mesma por parecerem continuações de um mesmo sistema. Esta
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classificação abrange, portanto, todos os ecossistemas aquáticos e semiaquáticos continentais dos
Estados Unidos (MITSCH e GOSSELINK, 2007).
A classificação de Cowardin et al. (1979) é hierárquica, progredindo de sistemas e subsistemas para
classes (Figura 1). Há cinco categorias de sistemas: Marinho, Estuarino, Fluvial, Lacustre e Palustre.
Cada sistema refere-se a um conjunto complexo de AUs e habitats de águas profundas, que
compartilham influências hidrológicas, geomorfológicas, químicas e/ou biológicas semelhantes. Com
exceção do Sistema Palustre, todos os outros podem incluir tanto habitat de águas profundas quanto
AUs.
Os sistemas Marinho e Estuarino estão associados à salinidade da água e ao litoral. O primeiro consiste
no mar aberto sobrejacente à plataforma continental e o segundo apresenta influência tanto das marés
quanto de águas doces. O Sistema Fluvial inclui todos os habitats de águas profundas e AUs fluviais
sem predomínio de vegetação. O Sistema Lacustre inclui ecossistemas aquáticos e AUs localizados em
depressões topográficas ou cursos d’água represados (com ou sem influência das marés), com área
superior a 8 hectares, e onde a vegetação ocupa menos que 30% da área total. O Sistema Palustre não
inclui ecossistemas aquáticos e compreende todas as AUs continentais sem influência marinha,
geralmente dominadas pela vegetação. Abrange a maior parte das AUs brejosas e pantanosas, que
podem encontrar-se isoladas, sem conexão direta com a rede de drenagem, ou associadas aos sistemas
fluviais e lacustres. Quando não apresentam vegetação, são menores que 8 hectares e o nível d’água
não ultrapassa 2 metros de profundidade em sua parte mais profunda na cota mais baixa.
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Figura 1. Classificação de Áreas Úmidas e Habitats de Águas Profundas dos Estados Unidos. Fonte: Cowardin et al. (1979)
apud Machado (2014) p.21.
Os subsistemas abordam a frequência e/ou intensidade de inundações. Os sistemas Marinho e
Estuarino podem estar perene ou temporariamente submersos pelas marés. O Sistema Fluvial
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apresenta quatro subsistemas: dependente da vazão (quando o gradiente é baixo e a velocidade da água
depende das marés), perene fraco (gradiente baixo, velocidade da água lenta e não há influência das
marés), perene forte (gradiente e velocidade da água elevados e não há influência das marés) e
temporário (a água flui apenas durante uma parte do ano). O Sistema Lacustre é subdividido em
subsistemas limnéticos (lênticos ou lagos) e litorâneos. O Sistema Palustre é o único que não apresenta
subsistemas, sendo subdividido diretamente em classes.
As classes apresentam características do tipo de substrato e/ou da vegetação. Quando mais de 30% do
substrato apresenta-se coberto por vegetação, a classe de vegetação é utilizada, quando menor que
30%, utiliza-se a classe de substrato. Assim, observa-se que a estrutura de classificação de Cowardin
et al. (1979) parece útil no mapeamento digital das AUs, pois os parâmetros estão associados
principalmente à fisionomia.
Outras descrições de AUs e de habitats de águas profundas são possíveis neste sistema por meio do
uso de subclasses, tipos dominantes e complementos. As subclasses e os tipos dominantes estão
associados, respectivamente, ao tipo de vegetação e às espécies vegetais específicas ocorrentes na área.
Os complementos são usados para descrever mais detalhadamente o regime de água e aspectos como
salinidade, pH e solo, acrescentando informações sobre as suas características físico-químicas.
Outra classificação hierárquica, mas de caráter internacional, é o “Sistema de Classificação de Zonas
Úmidas de Ramsar”, delineado por Scott e Jones (1995). Essa classificação se baseia, em certa
medida, no sistema de Cowardin et al. (1979), e tem como objetivo estabelecer um sistema que
contemple os diferentes tipos de AUs do mundo, incluindo os artificiais, avaliar o seu estado de
conservação, identificar as AUs mais ameaçadas, estimular sua gestão sustentável e servir como uma
referência aos sistemas nacionais e/ou regionais em elaboração e/ou a serem desenvolvidos (SCOTT e
JONES, 1995; RAMSAR CONVENTION SECRETARIAT, 2013).
A classificação de Ramsar foi organizada, a priori, em três grandes sistemas, a saber: Sistema
Marinho/Costeiro, subdividido em marinho e estuarino; Sistema de Terras Interiores, que pode ser
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fluvial, lacustre, palustre e geotermal; e Sistema Antrópico/Artificial. Posteriormente, foi incluído o
Sistema Cárstico, sem subsistemas e regime hidrológico. Os subsistemas dos sistemas Marinho e de
Terras Interiores apresentam ao menos um regime hidrológico específico, classificados em submerso e
temporariamente submerso (marinho) e em permanente, sazonal e/ou intermitente (interior). As
Classes/Tipos de AUs apresentam diversas características, visando facilitar a identificação rápida dos
habitats de AUs de relevância internacional, o que provavelmente explica a falta de uma unidade
lógica. Entre os tipos de AUs podem ser destacadas as nascentes, que formam oásis, e as feições
cársticas (quadro 1).
O quadro 1 mostra a atual classificação de Ramsar e os quadros 2 e 3 apresentam, respectivamente, a
tabulação das características dos sistemas Marinho e Interior.
Marinho /
Costeiro
Marinho
Submerso
A – Águas rasas marinhas e permanentes na maioria dos casos a menos
de seis metros de profundidade na maré baixa; inclui baías e estreitos.
B - Leitos aquáticos submersos pelas marés; inclui leitos de algas, de
plantas e campos marinhos tropicais.
C - Recifes de coral.
Temporariamen
te submerso
D – Costas marinhas rochosas; inclui ilhas rochosas, falésias.
E - Margens de areia, cascalho ou seixos; inclui barras e ilhas arenosas,
sistemas de dunas.
Estuarino
Submerso
F - Águas estuarinas; água permanente de estuários e sistemas estuarinos
em deltas.
J - Lagoas costeiras de águas salinas com, pelo menos, uma ligação
relativamente estreita para o mar.
K - Lagoas costeiras de água doce; inclui lagoas de água doce em delta.
Temporariamen
te submerso
G – Planícies lamosas, arenosas ou salinas temporariamente submersas
pelas marés.
H – Pântanos temporariamente submersos pelas marés; inclui pântanos e
campos salinos, restingas pantanosas; inclui pântanos cobertos por águas
salobras e doce.
I - Áreas úmidas arborizadas temporariamente submersas pelas marés;
inclui manguezais, pântanos e as florestas submersas pelas marés.
Interior /
Continental
Fluvial
Permanente
L - Deltas interiores permanentes.
M – Rios, córregos e riachos permanentes; inclui cachoeiras.
Y - Nascentes de água doce; oásis.
Intermitente e
Sazonal N - Rios, córregos e riachos sazonais, intermitentes e irregulares.
Lacustre Permanente
O - Lagos de água doce permanentes (> 8 ha); inclui grandes lagoas
marginais.
Tp – Pântanos e piscinas de água doce permanentes; lagoas (< 8 ha),
pântanos e brejos em solos inorgânicos, com vegetação emergente em solos
encharcados, pelo menos, a maior parte do seu período de crescimento.
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Q - Lagos salinos, salobros e alcalinos permanentes (> 8 ha).
Sp - Piscinas e pântanos salinos, salobros, alcalinos e permanentes (< 8
ha).
Intermitente e
Sazonal
P - Lagos de água doce sazonais e intermitentes (> 8 ha); inclui lagos de
várzea/planície de inundação.
Ts - Pântanos e piscinas de água doce sazonais e intermitentes em solos
inorgânicos; inclui campos, bacias e pântanos de transição sazonalmente
inundados.
R -Planícies e lagos salinos, salobros, alcalinos, sazonais e intermitentes.
Ss – Piscinas e pântanos salinos, salobros, alcalinos, sazonais e
intermitentes.
Palustre
Permanente e
Sazonal
Tp – Pântanos e piscinas de água doce permanentes; lagoas (< 8 ha),
pântanos e brejos em solos inorgânicos, com vegetação emergente em solos
encharcados, pelo menos, a maior parte do seu período de crescimento.
Ts - Pântanos e piscinas de água doce sazonais e intermitentes em solos
inorgânicos; inclui campos, bacias e pântanos de transição sazonalmente
inundados.
U - Turfeiras não florestadas; inclui pântanos e brejos arbustivos ou
abertos.
Va - Áreas úmidas alpinas; inclui campos alpinos, com águas temporárias
da neve derretida.
Vt – Áreas úmidas de tundra -; inclui piscinas de tundra, com águas
temporárias da neve derretida.
Xf - Áreas úmidas de água doce dominadas por árvores; inclui florestas
pantanosas/brejosas de água doce, florestas sazonalmente inundadas,
pântanos arborizados em solos inorgânicos.
Xp - Turfeiras arborizadas; florestas de turfa.
W – Áreas úmidas dominadas por plantas arbustivas; pântanos e brejos
arbustivos e de água doce, arvoredo amieiro em solos inorgânicos
Intermitente e
Sazonal
Ss – Piscinas e pântanos salinos, salobros, alcalinos, sazonais e
intermitentes.
Ts - Pântanos e piscinas de água doce sazonais e intermitentes em solos
inorgânicos; inclui campos, bacias e pântanos de transição sazonalmente
inundados.
Y - Nascentes de água doce; oásis.
Xf - Áreas úmidas de água doce dominadas por árvores; inclui florestas
pantanosas/brejosas de água doce, florestas sazonalmente inundadas,
pântanos arborizados em solos inorgânicos.
Geotérmicos Zg- Áreas úmidas geotérmicas
Artificiais / Antrópicos
1 – Aquicultura ou açudes para a criação por exemplo, de peixes
2 – Açudes; inclui tanques de cultivo, tanques de estoque, tanques de
pequeno porte; (geralmente abaixo de 8 ha).
3 - Terras irrigadas; inclui canais de irrigação e campos de arroz.
4 - Terras agrícolas inundadas sazonalmente (incluindo campos ou
pastagens molhadas manejadas).
5 - Locais de exploração sal; bacias salinas, etc.
6 - Áreas de armazenamento de água; reservatórios, barragens, represas
(geralmente com mais de 8 ha).
7 - Escavações; cascalheiras, argila; áreas de empréstimo e piscinas de
mineração.
8 - Áreas de tratamento de águas residuais; tanques de decantação, bacias
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de oxidação, etc.
9 - Canais e canais de drenagem, valas.
Cársticos
Zk (a) - Carste e outros sistemas subterrâneos marinhos/costeiros.
Zk (b) - Carste e outros sistemas hidrológicos subterrâneos, no interior.
Zk (c) - Carste e outros sistemas hidrológicos subterrâneos feitos pelo
homem.
Quadro 1. Sistema de Classificação de Ramsar dos tipos de Zonas Úmidas. Fonte: Adaptado de Scott e Jones (1995) e
Ramsar Convention Secretariat (2013).
Água salina
Permanente (submerso)
< 6 m de profundidade A
Vegetação subaquática B
Recifes de coral C
Margem Rochosa D
Areia, cascalho ou seixo E
Água salina ou salobra
Águas estuarinas F
Temporariamente submerso
Planícies (lama, areia ou salina) G
Pântanos H
Arborizado I
Lagoas costeiras J
Água doce Lagoas costeiras K
Água salina, salobra ou doce Sistemas subterrâneos Zk(a)
Quadro 2. Características das Zonas Úmidas dos Sistemas Marinhos. Fonte: Ramsar Convention Secretariat, 2013.
Água doce
Água corrente
Permanente
Deltas L
Rios, córregos, riachos M
Nascentes, oásis Y
Sazonal/intermitente/
irregular Rios, córregos, riachos
N
Lagos e piscinas
Permanente > 8 ha O
< 8 ha Tp
Sazonal/intermitente > 8 ha P
< 8 ha Ts
Pântanos e piscinas em
solos inorgânicos
Permanente Predomínio de herbáceas Tp
Permanente/
Sazonal/intermitente
Predomínio de arbustivas W
Predomínio de árvores Xf
Sazonal/intermitente Predomínio de herbáceas Ts
Pântanos sobre solos de
turfa Permanente
Não florestada U
Florestada Xp
Pântanos em solos
inorgânicos ou turfa
Altitudes elevadas (alpes) Va
Tundra Vt
Água salina, salobra
ou alcalina
Lagos Permanente Q
Planícies Sazonal/intermitente R
Pântanos e piscinas Permanente Sp
Sazonal/intermitente Ss
Água doce, salina,
salobra ou alcalina
Geotérmica Zg
Subterrâneo Zk(b)
Quadro 3. Características das Zonas Úmidas dos Sistemas Interiores. Fonte: Ramsar Convention Secretariat, 2013.
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De acordo com Finlayson e Van Der Valk (1995), a adoção da classificação de Ramsar não tem sido
amplamente aceita em termos nacionais e regionais, em função da escala e das próprias características
ambientais, culturais e socioeconômicas de cada país. Apesar disso, o sistema apresenta capacidade de
ser usado internacionalmente ao menos para manter comparabilidade e uma linguagem comum entre os
países.
Propostas de classificação por meio de parâmetros hidrológicos e geomorfológicos foram desenvolvidas
por diversos autores, com destaque para Semeniuk e Semeniuk (1995; 2011), Brinson (1993; 2009) e
Smith et al. (1995). Segundo esses autores, a vegetação não deve ser o principal e/ou o primeiro
critério de classificação, pois a mesma depende de fatores hidrológicos e geomorfológicos, e algumas
funções importantes para manutenção e funcionamento das AUs independem da vegetação.
Com base nos tipos de AUs da Austrália Ocidental, Semeniuk e Semeniuk (1995; 2011) propuseram
uma avaliação geomorfológica, mais tarde apresentada como geomorfológica-hidrológica, para a
classificação das AUs interiores no mundo. O primeiro nível deste sistema de classificação fornece uma
análise geral e unificadora dos tipos de AUs, permitindo identificá-las conforme sua estrutura
subjacente, no caso, a forma do relevo (landform) e o regime hidrológico (water regime or
hydroperiod), determinantes na existência de uma AU na paisagem, independentemente do tipo de
clima, solo, cobertura vegetal ou gênese. Para os autores, os fatores estruturantes tendem a ser menos
dinâmicos e mutáveis ao longo do tempo em relação aos biológicos, o que permite categorizar as AUs
em classes mais estáveis, mesmo quando são substancialmente alteradas pela remoção da vegetação
e/ou dos solos. Em um nível secundário ou terciário são consideradas as características da vegetação e
dos solos para destacar as complexidades que podem ocorrer em diferentes tipos de AUs.
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Na classificação proposta, são apresentados sete tipos de contextos morfológicos das AUs2: topos de
morro (top hills), escarpas (cliffs), encostas (slopes), áreas planas/planícies (flats/plain), vales em U
(vales), cursos d’água (channels) e formas depressionais (basins) (Figura 2).
Figura 2. Tipos de formas de relevo. Fonte: Semeniuk e Semeniuk (2011 p.452).
Os regimes hidrológicos (ou hidroperíodo) das AUs, no contexto destes sete tipos de formas de relevo
são, por sua vez, divididos em cinco categorias: saturação/encharcamento permanente;
saturação/encharcamento sazonal; inundação permanente; inundação sazonal; e inundação
intermitente, devendo ser selecionado aquele que apresenta condições temporais prevalecentes.
Ressalta-se que a inundação efêmera é desconsiderada, pois raramente suporta vida aquática
macroscópica. Os autores apontam três aspectos importantes em relação ao hidroperíodo: uma
superfície inundada não significa que seu substrato necessariamente está saturado/encharcado; o grau
de saturação do substrato varia em função da sua porosidade e permeabilidade, da pressão capilar e do
tipo de regime hidrológico; e a saturação permanente geralmente ocorre quando o nível freático varia
pouco e as taxas de descarga são contínuas.
2 A classificação de Semeniuk e Semeniuk, proposta em 1995, apresentava cinco tipos de contextos morfológicos das áreas
úmidas: topos de morro, encostas, planícies, cursos d’água e formas depressionais/abauladas. Ou seja, na classificação de
2011 foram acrescidos os tipos escarpas e vales.
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O Quadro 4 apresenta as prováveis combinações entre formas de relevo e os regimes hidrológicos,
consideradas unidades primárias na classificação, e suas respectivas características de entradas de
água, de processos físicos e do substrato.
Tipo de formas de
relevo Regime hidrológico Entradas de água Processos físicos Solo / substrato
Topos de morro (hill
top)
Encharcamento
permanente ou
sazonal
Precipitação direta,
ressurgência e acúmulo de
água
Intemperismo,
deposição eólica
Solo, saprolitos e
turfeiras
Escarpas, como
falésias e penhascos
(cliff)
Encharcamento
permanente ou
sazonal
Escoamento superficial e
infiltração/percolação
Intemperismo, acresção
biogênica
Depósitos minerais e
matéria orgânica
Encosta
(slope)
Encharcamento
permanente ou
sazonal
Precipitação direta,
infiltração/percolação e
escoamento superficial
Coluvionamento e
acumulação in situ
Depósitos minerais e
matéria orgânica
Vale
(vale)
Encharcamento
permanente ou
sazonal
Precipitação direta,
infiltração/percolação e nível
freático
Coluvionamento,
acumulação in situ e
deposição eólica
Matéria orgânica e areia
Canais
(channel)
Encharcamento
permanente ou
sazonal;
Inundação
permanente, sazonal
ou intermitente
Precipitação direta,
escoamento superficial, nível
freático e
infiltração/percolação
Erosão fluvial,
transporte, deposição e
acumulação in situ
Argila, silte, areia e
cascalho
Planícies
(flats / plain)
Encharcamento
permanente ou
sazonal;
Inundação sazonal ou
intermitente
Precipitação direta, acúmulo
de água, nível freático,
escoamento superficial e
ressurgência
Deposição fluvial,
acumulação in situ,
deposição eólica e
diagênese
Argila, silte, areia e
cascalho
Depressões, formas
abauladas (basin)
Encharcamento
permanente ou
sazonal;
Inundação
permanente, sazonal
ou intermitente
Precipitação direta, surgência
ou infiltração/percolação, nível
freático, acúmulo de água,
descargas d’água, escoamento
em lençol
Acumulação in situ,
escoamento em lençol,
deposição eólica,
diagênese e biogênese
Argila, silte, areia,
matéria orgânica,
diatomita, carbonato,
esponjas, espículas,
fitólitos, gipsita e
evaporitos
Quadro 4. Tipo de formas do relevo e principais características físicas associadas conforme classificação de Semeniuk e
Semeniuk. Fonte: Adaptado de Semeniuk e Semeniuk (2011).
Segundo Semeniuk e Semeniuk (1995; 2011), novas combinações podem ser formadas e acrescidas na
classificação, bem como informações de tamanho/dimensão, gênese e vegetação da AU. Os autores
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salientam que para classificar AUs em relevos de transição pouco claros e alterados, a escala e a
configuração geomorfológica do entorno podem ser úteis para a escolha do tipo de forma de relevo.
Finlayson e Van Der Valk (1995) destacam que o sistema de Semeniuk e Semeniuk (1995) traz a
relevância de incorporar critérios hidrológicos e geomorfológicos, tendo se disseminado
internacionalmente a partir de um estudo na Austrália. Entre as aplicações práticas do sistema, seus
autores destacam os mapeamentos/inventários das grandes AUs no mundo, visto que o número de
classes que cobre a diversidade global das AUs no primeiro nível de classificação é relativamente
limitado.
Muitos cientistas consideram que a classificação de AUs por meio de critérios hidrogeomorfológicos
(HGM) é uma avaliação funcional (NRCS, 2008). A avaliação funcional, conhecida como abordagem
hidrogeomorfológica (HGM approach), foi desenvolvida por Brinson (1993) e expandida por Smith et
al. (1995). Possui o principal objetivo de identificar grupos de AUs que funcionam de forma
semelhante, auxiliando a identificação de alterações devidas à ação humana (BRINSON, 2009).
Três características básicas respondem pelo funcionamento das AUs – o contexto geomorfológico, a
fonte de água e a hidrodinâmica –, formando, assim, a abordagem HGM de classificação (BRINSON et
al., 1993; SMITH et al., 1995; BRINSON, 2009). O contexto geomorfológico refere-se à morfologia e
à posição topográfica na paisagem. A Figura 3 apresenta as sete classes HGM: Fluvial (Riverine);
Depressão (Depressional); Encosta (Slope); Lacustre (Fringe Lacustrine); Estuarino (Fringe
Estuarine); Planície alagada orgânica (Flats Organic); e Planície alagada mineral (Flats Mineral)
(BRINSON et al., 1993; SMITH et al., 1995; NRCS, 2008; BRINSON, 2009).
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Figura 3. Configurações geomorfológicas das Classes HGM. Fonte: Adaptado de Brinson, 1993 e Smith et al.,1995.
Cada uma dessas configurações geomorfológicas apresenta fontes de água e características
hidrodinâmicas dominantes. Simplificadamente, há três tipos de fontes de água: (a) precipitação; (b)
descarga de águas subterrâneas / exfiltração do nível freático; e (c) escoamento de águas superficiais e
próximas a superfície, incluindo as marés e o extravasamento lateral de água de cursos d’água e lagos
(BRINSON, 1993; SMITH et al., 1995). Conforme os autores, a hidrodinâmica, que se refere à
direção e a intensidade dos fluxos d’água no interior das AUs, é classificada basicamente em três tipos:
(a) flutuações ou oscilações verticais do nível d’água, resultantes da evapotranspiração, precipitação
e/ou descarga de águas subterrâneas em depressões; (b) fluxos unidirecionais superficiais ou próximos
a superfície, que variam de fortes correntes dentro dos canais para fluxos lentos na planície de
inundação; e (c) fluxos bidirecionais superficiais ou próximos à superfície ao longo de vertentes.
Com base nas principais características HGM das AUs, foram delimitadas por Brinson (1993) e Smith
et al. (1995) sete classes HGM (Quadro 1.5). Conforme os autores, a classificação no nível das classes
é considerada genérica e não deve ser usada na prática, pois apresenta escala continental. Além disso,
não tem a intenção de distinguir as fitofisionomias entre os vários tipos de AUs, já que não foi
projetada para ser sensível a composição de espécies vegetais.
Classes HGM Descrição
Fluvial AUs que ocorrem em planícies de inundação sempre associadas aos cursos d’água, sejam estes permanentes
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ou temporários. As inundações laterais são as fontes de água dominantes. Secundariamente, podem haver
contribuições das águas subsuperficiais por meio das conexões hidrológicas entre o curso d’água e as AUs,
da pluviosidade e do escoamento superficial e da exfiltração das águas próximas a superfície nos relevos
adjacentes. As saídas de água das AUs geralmente ocorrem para o curso d’água, seja superficialmente, por
meio de fluxos superficiais após a inundação e a chuva, ou subsuperficialmente, através dos contatos
hidráulicos entre o curso d’água e as AUs. Ainda pode haver perdas por evapotranspiração e por infiltração.
A hidrodinâmica dominante ocorre por fluxos unidirecionais e horizontais.
Depressional
AUs que ocorrem em depressões topográficas fechadas, que acumulam mais água no centro da depressão. As
fontes dominantes são provenientes da exfiltração das águas subsuperficiais e, secundariamente, da
precipitação. Podem apresentar qualquer combinação de entradas e saídas de cursos d’água ou podem não
apresentar drenagens. As saídas de água podem ser para algum curso d’água, quando existente, por
evapotranspiração e para o nível freático, quando não há descargas de águas subterrâneas. A hidrodinâmica
dominante ocorre por flutuações verticais, sobretudo, sazonais.
Encosta
AUs que ocorrem em encostas, com gradientes de inclinação variados. Geralmente não armazenam água
como as depressões, pois não apresentam os contornos fechados necessários para esta condição. As fontes de
água dominantes são provenientes da exfiltração das águas subsuperficiais, sobretudo daquelas próximas a
superfície, e da precipitação. As saídas de água ocorrem principalmente por fluxos superficiais e
subsuperficiais e pela evapotranspiração. As AUs em encostas podem desenvolver cursos d’água, que serão
fontes de saída de água. A hidrodinâmica dominante ocorre por fluxos unidirecionais e horizontais para baixa
vertente.
Estuarino
AUs que ocorrem ao longo do litoral com a formação de estuários e estão sob a influência do nível do mar, o
que dificulta períodos prolongados de seca. As fontes de água dominantes são as marés e os fluxos dos cursos
d’água que desembocam no oceano. Secundariamente, podem haver contribuições das águas subterrâneas e
da precipitação. As saídas de água ocorrem principalmente pelas marés, pelos cursos d’água através de
fluxos superficiais e pela evapotranspiração. Os manguezais são um exemplo típico desses ambientes. A
hidrodinâmica dominante ocorre por movimentos bidirecionais e horizontais.
Lacustre
AUs que ocorrem adjacentes aos lagos. As fontes de água dominantes ocorrem pela sua conexão com o lago
e, adicionalmente, pela precipitação e pela descarga das águas subsuperficiais, seja de origem mais próxima à
superfície e/ou mais profunda. As AUs lacustres apresentam o mesmo comportamento das AUs de
depressão quando o lago, por ser tão pequeno, não controla os níveis d’água da AU. As saídas ocorrem para
o lago após os eventos de extravasamento, seja superficialmente e/ou subsuperficialmente, e pela
evapotranspiração. A hidrodinâmica dominante ocorre por fluxos bidirecionais e horizontais, geralmente
controlados pelas flutuações do nível d’água do lago.
Planície
alagada
formada por
solo mineral
AUs que geralmente ocorrem em interflúvios ou fundos de vale amplos e planos, onde a precipitação é a
principal fonte de água. Não recebem descargas de águas subterrâneas e suas perdas ocorrem por
evapotranspiração, escoamento superficial e pela infiltração para o nível freático. A hidrodinâmica dominante
se dá por oscilações verticais.
Planície
orgânica
alagada / ou
Turfeira
AUs que geralmente ocorrem em interflúvios planos ou em depressões relativamente extensas preenchidas
por material orgânico. As fontes de água dominantes são as precipitações, enquanto as perdas ocorrem pelo
escoamento superficial e pela infiltração. A hidrodinâmica dominante ocorre por oscilações verticais.
Quadro 5. Descrição das Classes HGM. Adaptado de Brinson et al. 1993; SMITH et al.1995; NRCS, 2008; Brinson, 2009.
De acordo com Murray e Klimas (2013), com base nos fatores HGM, qualquer grupo de AUs
funcionais pode ser identificado em diferentes escalas espaciais (e/ou temporais, quando considerado o
regime hidrológico). A classificação HGM vem sendo aplicada até o nível das subclasses em várias
regiões dos Estados Unidos para a avaliação funcional das AUs, resultando na elaboração de guias
HGM regionais aplicáveis, muitas vezes mesclados com o sistema de Cowardin et al. (1979).
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Larson (2009) considera que as abordagens funcionais na escala da paisagem conseguem fornecer uma
indicação geral das AUs mais relevantes em termos de funções desempenhadas e das mais susceptíveis
aos riscos e impactos ambientais. Entre as metodologias adotadas o autor destaca a abordagem por
categoria de probabilidade funcional, que situa uma AU em uma das categorias exemplificadas a
seguir:
- Manutenção da qualidade da água: a configuração geomorfológica da bacia, dos cursos d’água e das
AUs marginais, é relevante para a manutenção da qualidade da água superficial. AUs em depressões
isoladas apresentam pequena chance de influenciar a qualidade da água de cursos d’água. AUs ao
longo de cursos d’água de primeira e segunda ordem, em zonas de cabeceiras, têm grande chance e
capacidade de alterar a qualidade das águas à jusante, dependendo do uso do solo da bacia. AUs
associadas à cursos d’água de ordens superiores geralmente apresentam menor possibilidade de
influenciar a qualidade das águas à jusante, pois o seu volume hídrico é pouco expressivo em relação ao
volume de água que flui nos cursos d’água.
- Controle de inundações: as AUs podem ser categorizadas conforme seu potencial de influenciar a
magnitude das inundações. A eficácia na redução/controle de inundações aumenta de acordo com: (I) a
extensão da AU; (II) sua localização; e (III) sua distância em relação à área inundada. As AUs de
maior extensão, associadas a cursos d’água de ordens superiores tendem a atuar mais efetivamente no
controle das inundações, sobretudo quando localizadas em médio ou baixo cursos fluviais. As AUs
menores, associadas a cursos d’água de ordens inferiores, geralmente localizadas nas porções
superiores das bacias, são menos atuantes no controle das inundações. AUs isoladas de canais fluviais
também tem pequena influência no controle das inundações a jusante.
- Recarga de aquíferos e/ou descarga das águas subterrâneas: o potencial de recarga das AUs pode ser
estimado analisando-se a topografia e a geologia superficial e o potencial de descarga pode ser avaliado
pela presença de áreas de exfiltração de água. AUs em cabeceiras de drenagem sem nascentes e AUs
em materiais aluviais e vulcânicos apresentam, por exemplo, potencial de recarga das águas
subterrâneas. As AUs podem variar de função ao longo do ano, tornando-se locais de recarga nos
períodos em que o nível freático estiver mais baixo e locais de descarga nos períodos em que o nível
freático estiver mais elevado.
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- Manutenção de cursos d’água: as AUs podem atuar na manutenção de cursos d’água desempenhando
um papel fundamental no seu equilíbrio hidrológico, pois, ao participar do controle do fluxo do nível
freático, a água armazenada pode ser liberada mantendo a perenização dos corpos d’água a jusante.
- Avaliação das condições das AUs em relação às alterações do uso e ocupação do solo: em áreas onde
há mapeamento do uso e ocupação do solo, a localização, o tamanho e a forma das AUs presentes
podem ser usadas para estimar a sua susceptibilidade aos impactos físicos. Por exemplo, a presença e a
extensão de áreas impermeáveis em uma bacia podem ser critérios de avaliação dos impactos da
urbanização em AUs.
Larson (2009) e Brinson (2009) consideram que a avaliação funcional pode ajudar os órgãos
ambientais a elaborar programas de gestão e proteção de recursos hídricos, antecipar impactos
decorrentes da implantação e operação de empreendimentos, analisar alternativas locacionais e
desenvolver planos de mitigação. Contudo, a ausência de informações detalhadas e precisas, como as
provenientes de monitoramento hidrológico, pode dificultar ou mesmo impedir o entendimento do
comportamento hidrogeomorfológico de certa área, sobretudo as de maior complexidade hidrológica.
A África do Sul aderiu à Convenção de Ramsar em 1975 e, em 2006, publicou o primeiro sistema de
classificação preliminar sul-africano. Em 2009 foi publicada uma versão mais refinada e, em 2013, foi
publicado por Ollis et al. (2013) e coordenado pelo Instituto Nacional de Biodiversidade da África do
Sul (SANBI). Este foi um manual detalhado de classificação dos sistemas interiores, denominado de
“Sistema de Classificação para Áreas Úmidas e outros Ecossistemas Aquáticos da África do Sul”. Em
um sistema composto por seis níveis de classificação (OLLIS et al., 2013) apresenta como ponto
central o quarto nível, formado pelas Unidades Hidrogeomorfológicas (HGM Units). Assim, os três
primeiros níveis caracterizam o contexto fisiográfico para auxiliar o agrupamento de Unidades HGM
semelhantes no quarto nível, e os dois níveis posteriores (níveis 5 e 6) fornecem uma descrição mais
detalhada das características de cada Unidade HGM em particular. A seguir cada nível do sistema de
classificação das AUs é detalhado.
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O Nível 1 (Systems) faz uma distinção entre os sistemas Marinho, Estuarino (Litorâneo) e de Interior.
Os sistemas Marinho e Estuarino são diferenciados com base no grau de conectividade com o oceano. O
Sistema Interior é formado por ecossistemas que são inundados ou saturados por água, de forma
permanente ou temporária, mas que não apresentam conexão atual com o oceano. O Nível 2 (Regional
Setting) se refere à configuração regional onde a AU se encontra, determinada com base nos atributos
biofísicos que caracterizam um bioma ou uma ecorregião. No Nível 3 (Landscape Setting) é feita uma
classificação das Unidades de Paisagem com base na posição topográfica dentro da qual a AU está
situada, sendo basicamente reconhecidas quatro unidades, a saber: Encosta (Slope), Vale (Valley
floor), Planície (Plain) e Superfícies planas elevadas (Bench). O Nível 4 (Hydrogeomorphic Unit) é
representado pelas Unidades Hidrogeomorfológicas (Unidades HGM), classificado quanto a: (I) a
forma e a configuração local do relevo; (II) as características hidrológicas, envolvendo o ciclo da água
dentro, através e para fora de uma AU; e (III) pela hidrodinâmica, que descreve a direção e a força do
fluxo da água (OLLIS et al., 2013). Assim, observa-se uma clara influência da metodologia de
classificação de Brinson (1993) e Smith et al. (1995).
Ollis et al. (2013) definiram seis Unidades HGM primárias para as AUs sulafricanas: AUs de planícies
alagadas (Wetland flats); AUs de planícies de inundação (Floodplain wetlands); AUs de fundos de vale
sem curso d’água (Unchannelled valley-bottom wetlands); AUs de fundos de vale com curso d’água
(Channelled valley-bottom wetlands); AUs de Surgências (Seep); e AUs de Depressões (Depressions).
A figura 4 ilustra as seis Unidades HGM das AUs e os movimentos predominantes da água, em termos
de entradas (input), circulação interna (throughputs) e saídas (output).
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Figura 4. Blocos diagramas das Unidades HGM das AUs, segundo a Classificação Sul-Africana. Fonte: Ollis et..al. (2013),
p.19.
O Nível 5 (Hydrological Regime) classifica o regime hidrológico conforme o período de inundação
(Nível 5A) e de saturação do solo (Nível 5B). O Nível 6 (descriptors) busca definir, de forma não-
hierárquica, as características específicas do sistema como natural ou artificial, assim como
características do substrato, do solo, da cobertura vegetal, etc.
Sistemas de classificação de AUs no contexto nacional
Maltchik et al. (2004), reconhecendo a ausência de um sistema de classificação de AUs com base
científica no Brasil, propuseram a primeira classificação hierárquica de AUs palustres do Rio Grande
do Sul, com ênfase na estrutura das comunidades vegetacionais, com o objetivo de avaliar e reconhecer
a sua diversidade local, provendo subsídios para conservação (quadro 6). O sistema teve como base as
classificações de Cowardin et al. (1979) e da Convenção de Ramsar (1995) e apresenta cinco níveis
(sistema, subsistemas, tipos, classes e subclasses).
O primeiro nível é formado pelo sistema palustre, com AUs sem influência de marés, vegetação
herbácea ou lenhosa, ou AUs com até 30% de vegetação e menores que 30 ha. São alimentados pela
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precipitação, pelo escoamento superficial e pelas descargas de águas subterrâneas, em combinações
variadas (MALTCHIK et al, 2004).
O segundo nível é composto por quatro subsistemas: palustre, lacustre, fluvial/ripário e planície de
inundação. No subsistema palustre, os limites entre o sistema aquático e terrestre são pouco claros e a
massa d’água é menor. No subsistema lacustre, os limites entre o sistema aquático e terrestre são bem
definidos e a massa d’água é maior, cujo gradiente de profundidade aumenta da margem para o seu
centro. O subsistema ripário compreende canais abandonados de cursos d’água, os quais podem estar
isolados ou receber influência hídrica do canal principal. O subsistema planície de inundação é formado
por áreas periodicamente inundadas por cursos d’água ou lagos.
O terceiro nível é subdivido em tipos por meio das características hidrológicas. O subsistema palustre
pode ser permanente, intermitente e ausente de lâmina d’água (presença de solos saturados). O sistema
lacustre pode ser permanente ou intermitente. O sistema ripário não apresenta subdivisões em tipos. O
sistema planície de inundação é subdivido conforme a origem da água, que pode ser lacustre
(extravasamento de lagos), sendo permanente ou intermitente, ou fluvial (extravasamento de cursos
d’água).
O quarto nível subdivide os tipos em classes conforme a presença de cobertura vegetal aquática
(quando for maior que 30% da superfície total da AU) e nas espécies dominantes (idem). São
identificadas cinco classes: ausência de vegetação (quando ocupam menos de 30 % da superfície da
AU); herbácea (sem raízes fixas), emergente (raízes fixas), lenhosa e pluriestratificada (várias
camadas de células na epiderme).
O quinto nível subdivide as classes herbácea e lenhosa em duas subclasses. A primeira em submersas e
flutuantes, e a segunda em arbustos e árvores, que são diferenciadas pela altura das espécies. Arbustos
são plantas lenhosas inferiores a quatro metros, geralmente com caules múltiplos; árvores são plantas
lenhosas mais altas do que quatro metros, com uma única haste. O quinto nível hierárquico ainda pode
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ser subdividido em espécies dominantes ou composição de espécies nas AUs (MALTCHIK et al.,
2004).
Sistema Subsistema Tipo Classe Subclasse
Palustre
Palustre
Permanente
Ausência de Vegetação
Herbácea Submersa/Flutuante
Emergente
Lenhosa Arbustiva/Arbórea
Pluriestratificada
Intermitente
Herbácea Submersa/Flutuante
Emergente
Lenhosa Arbustiva/Arbórea
Pluriestratificada
Ausência de lâmina
d’água Emergente
Lacustre
Permanente
Ausência de Vegetação
Herbácea Submersa/Flutuante
Emergente
Pluriestratificada
Intermitente
Herbácea Submersa/Flutuante
Emergente
Pluriestratificada
Ripário -
Ausência de Vegetação
Herbácea Submersa/Flutuante
Emergente
Lenhosa Arbustiva/Arbórea
Pluriestratificada
Planície de
inundação
Lacustre
Herbácea Submersa/Flutuante
Emergente
Lenhosa Arbustiva/Arbórea
Pluriestratificada
Ripária
Herbácea Submersa/Flutuante
Emergente
Lenhosa Arbustiva/Arbórea
Pluriestratificada
Quadro 6. Proposta de classificação para as AUs Palustres do Rio Grande do Sul. Fonte: Maltchik et al., 2004.
Para o contexto nacional, Junk et al. (2012), por meio do INAU, propuseram um Sistema de Para o
contexto nacional, Junk et al. (2015), por meio do INAU, propuseram um Sistema de Classificação
para as AUs brasileiras a fim de estabelecer uma base científica para auxiliar na formação de uma
política nacional de AUs. Conforme os autores, a dificuldade em estabelecer uma política específica
para as AUs brasileiras se deve, principalmente, a falta de critérios padronizados de definição,
delimitação e classificação que refletem as condições ecológicas e hidrológicas específicas do país.
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Para tanto, foi elaborado um sistema de classificação com três níveis hierárquicos: (1) sistemas; (2)
unidades definidas por fatores hidrológicos (subsistemas, ordens e subordens); (3) unidades definidas
por plantas superiores (classes, subclasses e macrohabitats). A figura 5 apresenta o Sistema de
Classificação das Áreas Úmidas Brasileiras proposto pelo INAU, com influência dos sistemas de
Cowardin e de Ramsar.
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Gomes e Magalhães Junior
Sistemas de classificação de áreas úmidas no Brasil e no
mundo: panorama atual e importância de critérios...
Geo UERJ, Rio de Janeiro, n. 33, e, 34519, 2018 | doi: 10.12957/geouerj.2018.34519 25
Figura 5. Sistema de Classificação das Áreas Úmidas Brasileiras. Fonte: Junk et al. (2012 p.36-37)
O primeiro nível faz distinção entre os sistemas das AUs costeiras, Interiores e antropogênicas,
enquanto o segundo nível (Subsistemas, Ordens e Subordens) baseia-se em parâmetros hidrológicos
que apresentam função chave na classificação por serem considerados elementos definidores. Este nível
é formado por cinco Subsistemas, dos quais três são costeiros e dois são interiores. Os critérios que
definem os subsistemas são disponibilidade e origem da água, havendo dois grupos: AUs
permanentes/perenes (nível d’água relativamente estável) e AUs sazonais/temporárias e efêmeras
(nível d’água flutuante/ pulsos de inundação). As AUs interiores sazonais/temporárias representam a
maior parte das AUs brasileiras, sendo subdivididas em três Ordens e duas Subordens pela dinâmica
hidrológica dos pulsos de inundação, sendo classificados conforme sua duração (longa ou curta
duração), periodicidade (previsível, imprevisível), frequência (monomodal e polimodal) e/ou amplitude
(alta, baixa e variável).
O terceiro nível foi baseado na presença de plantas superiores (herbáceas e lenhosas) e na estrutura de
suas comunidades, sendo divididas em diversas Classes, Subclasses e Macrohabitats, visto que a
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variação entre períodos úmidos e secos na maior parte das AUs brasileiras forma uma rica diversidade
de vegetação.
Síntese dos Sistemas de Classificação de AUs
O Quadro 7 sintetiza as informações dos sistemas de classificação apresentados.
Cowardin et al. (1979)
Três Níveis principais: Sistemas (I), Subsistemas (II) e Classes (III)
Nível I - Cinco Sistemas: cada sistema compartilha de influências hidrológicas, geomorfológicas, químicas e/ou biológicas
semelhantes
1. Marinho
2. Estuarino
3. Fluvial: ecossistemas aquáticos e AUs sem predomínio de vegetação dentro de cursos d’água;
4. Lacustre: ecossistemas aquáticos e AUs em depressões topográficas ou cursos d’água represados, área > 8 ha;
vegetação < de 30% da área total;
5. Palustre: não apresenta ecossistemas aquáticos; são dominados pela vegetação e compreendem a maioria das AUs
brejosas/pantanosas. Encontram-se associadas ou não aos sistemas fluviais e lacustres. Quando não apresentam
vegetação são < 8 ha e < 2 m de profundidade.
Nível II - Cinco Subsistemas para as AUs de interior. Os
subsistemas informam a frequência e/ou intensidade das
inundações/alagamentos
• Fluviais: dependente da vazão, perene fraco, perene forte
e intermitente;
• Lacustres: limnético (lênticos/lagos) e litorâneo;
• Palustres: não apresentam subsistemas.
Nível III - Classes: classificam pelo tipo de substrato e/ou
pela vegetação.
• Substrato: quando < 30% da área total é coberta por
vegetação;
• Vegetação: quando > 30% da área total é coberta por
vegetação.
Scott e Jones (1995)
Três Níveis: Sistemas (I), Subsistemas (II) e Classes/Tipos
(III)
Nível I - Quatro sistemas e cinco subsistemas
1. Marinho/Costeiro (subsistemas Marinho e Estuarino)
2. Sistema Interior (subsistemas Fluvial, Lacustre,
Palustre e Geotermal)
3. Sistema Antrópico
4. Sistema Cárstico
Nível II – regime hidrológico
• Submerso e temporariamente submerso (sistema
marinho/costeiro)
• Permanente, Sazonal e/ou Intermitente (sistema de
interior).
Nível III - Classes: diversas características aleatórias.
Exemplos de alguns tipos:
• Marinho: recifes de coral, margens de areia, cascalho o
seixos.
• Fluvial: cursos d’água, nascentes.
• Lacustres: lagos, grandes lagoas marginais, pântanos,
brejos.
• Palustres: turfeiras, lagoas, nascentes, pântanos, brejos.
• Artificiais / Antrópicos: açudes, terras agrícolas, terras
irrigadas, escavações, áreas de tratamento de águas
residuais.
• Cárstico: costeiros, continentais e artificiais
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Semeniuk e Semeniuk (1995; 2011)
Duas Unidades Primárias: formas de relevo e regime hidrológico
Fatores estruturantes que determinam a existência de uma AU na paisagem
Sete tipos de contextos morfológicos:
1. Topos de morro
2. Escarpas
3. Encostas
4. Planícies, áreas planas
5. Vales
6. Cursos d’água, planícies de inundação
7. formas depressionais /abauladas
Tipos de regime hidrológico:
• Inundação e/ou saturação permanente(s)
• Inundação e/ou saturação sazonal(is)
• Inundação intermitente
A inundação efêmera é desconsiderada.
Unidades secundárias: origem da água, tamanho,
profundidade, dentre outras.
Brinson (1993) e Smith et al. (1995)
Sete Classes HGM: contexto geomorfológico (I), fonte de água (II) e hidrodinâmica (III).
Abordagem HGM: Respondem pelo funcionamento das AUs
(I) Sete tipos de contextos geomorfológicos (morfologia da
AU e sua posição topográfica na paisagem):
1. Fluvial: AUs em planícies de inundação
2. Depressional: AUs em depressões topográficas
3. Encosta: AUs em vertentes
4. Lacustre: AUs adjacentes aos lagos
5. Estuarino: AUs ao longo do litoral
6. Planície alagada orgânica: AUs geralmente em
interflúvios planos ou em depressões preenchidos por
material orgânico.
7. Planície alagada mineral: AUs geralmente em
interflúvios ou fundos de vale amplos e planos.
(II) Três tipos de fontes de água:
(a) precipitação;
(b) exfiltração do nível freático;
(c) escoamento de águas superficiais, incluindo o
extravasamento lateral de corpos d’água, e das águas
próximas à superfície.
(III) Características hidrodinâmicas dominantes:
(a) flutuações verticais do nível d’água em depressões;
(b) fluxos unidirecionais superficiais ou próximos à
superfície em planícies de inundação;
(c) fluxos bidirecionais superficiais ou próximos à
superfície ao longo de vertentes.
Qualquer grupo de AUs funcionais pode ser identificado
em diferentes escalas espaciais (e/ou temporais, quando
considerado o regime hidrológico).
As subclasses podem ser acompanhadas por
características, como: tipos de feições geomorfológicas
(como meandros abandonados e lagoas marginais),
comportamento do regime hidrológico, identificação das
ordens e gradientes dos cursos d’água associados às AUs,
localização da AU na bacia e tamanho.
Ollis et al. (2013)
Quatro Níveis primários: Sistemas (I), Configuração regional (II), Unidades de Paisagem (III) e Unidades HGM (IV)
Nível I - Três sistemas:
1. Marinho
2. Estuarino
3. Interior
Nível II: configuração regional: atributos biofísicos
Nível III: Unidades de Paisagem para o sistema de interior:
posição topográfica dentro da qual a AU está situada:
1. Encosta: vertente.
2. Vale: base de um vale, situado entre duas encostas;
3. Planície: área suavizada, com baixa declividade.
Nível IV: Unidades HGM: forma e configuração local do
relevo; características hidrológicas dentro, através e para
fora de uma AU; e hidrodinâmica, direção e a força do fluxo
d’água.
1. AUs de planícies alagadas;
2. AUs de planícies de inundação;
3. AUs de fundos de vale com curso d’água;
4. AUs de fundos de vale sem curso d’água;
5. AUs de Depressões;
6. AUs de Surgências.
Níveis secundários:
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4. Superfícies planas elevadas: patamares e topos de
morro, por exemplo.
Nível V: regime hidrológico: aplicado junto com a com o
Nível IV para distinguir as unidades funcionais;
Nível 6: características específicas, como natural ou
artificial, tipo de substrato e vegetação.
Maltchik et al. (2004)
Cinco Níveis: Sistema (I), Subsistema (II), Tipo (III), Classe (IV) e Subclasse (V)
Nível I: Sistema Palustre: AUs sem influência de marés,
dominadas por vegetação, ou com até 30% de vegetação e
menores que 30 hectares.
Nível II: Quatro Subsistemas
1. Palustre: limites pouco claros entre sistemas aquático e
terrestre; massa d’água menor;
2. Lacustre: limites bem definidos sistemas aquático e
terrestre; massa d’água maior;
3. Ripário: canais abandonados, isolados ou não;
4. Planície de inundação: inundação periódica por
extravasamento de corpos d’água.
Nível III: Tipos de AU através de características
hidrológicas, sobretudo o regime hidrológico
1. Palustre: permanente, intermitente e sem lâmina
d’água;
2. Lacustre: permanente e intermitente;
3. Fluvial/ripário: não apresenta.
4. Planície de inundação: lacustre ou ripário.
Nível IV: Classes pela cobertura vegetal e na forma de vida
das espécies dominantes
1. Ausência de vegetação (vegetação < 30 % da
superfície total da AU);
2. Herbácea (sem raízes fixas);
3. Emergente (raízes fixas);
4. Lenhosa (plantas que produzem madeira);
5. Pluriestratificada (várias camadas de células na
epiderme).
Nível V: Subclasses (herbácea e lenhosa)
• Herbácea: submersas e flutuantes;
• Lenhosa: arbustiva e arbórea.
Junk et al. (2015)
Três Níveis: Sistemas (I), Subsistemas (II) e Classes (III)
Nível I: Três Sistemas de AUs
1. Costeiras
2. Interiores
3. Antrópicas
Nível II: parâmetros hidrológicos, subdivididos em
Subsistemas, Ordens e Subordens;
Subsistemas: disponibilidade e origem da água;
Ordens e Subordens: dinâmica hidrológica dos pulsos de
inundação, conforme a duração (longa ou curta duração),
periodicidade (previsível ou imprevisível), frequência
(monomodal ou polimodal) e/ou amplitude (alta, baixa ou
variável).
As AUs interiores apresentam dois subsistemas, três
ordens e duas subordens
2.1 - AUs permanentemente cobertas por água ou
saturadas (nível d’água relativamente estável)
• Ordem 2.2.1 – AUs sujeitas a pulsos de
inundação previsíveis, monomodais e de longa
duração
• Subordem 2.2.1.1 – Com amplitude alta
• Subordem 2.2.1.2 – Com amplitude
baixa
2.2 - AUs que secam periodicamente/sazonais ou
temporárias e efêmeras (nível d’água flutuante/pulsos de
inundação).
• Ordem 2.2.2 – AUs sujeitas a pulsos de
inundação imprevisíveis, polimodais e de curta
duração;
• Ordem 2.2.3 - AUs sujeitas a pulsos de inundação
plurianuais e de curta duração
Nível III: plantas superiores e estruturas de comunidades
(classes, subclasses e macrohabitats).
Quadro 7. Síntese dos sistemas de classificação apresentados Fonte: Autor (2017).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Importância dos parâmetros hidrogeomorfológicos na classificação de AUs
No contexto internacional, há uma tendência cada vez maior dos sistemas incluírem classes ou
parâmetros HGM em função de um reconhecimento, tanto da comunidade científica quanto por órgãos
governamentais, da sua utilidade para fins de gestão e proteção. Por exemplo, para Maltby et al.
(2009), o uso de classes HGM para uma avaliação funcional é um pré-requisito fundamental para as
decisões públicas que afetam os serviços ecossistêmicos das AUs. O uso de parâmetros HGM é
recomendável nos primeiros níveis de classificação, pois tendem a formar classes mais estáveis, amplas
e unificadoras em relação à vegetação (SEMENIUK e SEMENIUK, 1995).
A proposta de classificação brasileira não incorpora critérios geomorfológicos ou Classes HGM. A
justificativa é que esses fatores propostos por Brinson (1993) e Semeniuk e Semeniuk (1995) são mais
úteis sob o ponto de vista científico e pouco contribuem para a discussão política na gestão de AUs no
Brasil (JUNK et al., 2015). Conforme estes autores, a classificação brasileira apresenta uma
abordagem prática de monitoramento remoto que auxilia na proteção das AUs, já que na maioria das
vezes os impactos humanos são iniciados com a supressão da vegetação. Além disso, consideram que
ao incorporar termos específicos regionais, a mesma pode ser explicada de forma mais clara aos
organismos governamentais e à população.
Contudo, considera-se que a presença de termos específicos regionais e a ausência de critérios
geomorfológicos pode dificultar o entendimento das AUs brasileiras, sobretudo por pesquisadores e
profissionais que não são das ciências biológicas e/ou que desconhecem vocábulos regionais, como pode
ser visto pelo uso de termos específicos na subclasse de plantas herbáceas dominantes (figura 1.6).
Além disso, observa-se que a classificação das AUs brasileiras se assemelha a um inventário de AUs,
principalmente da região costeira e dos biomas da Amazônia e Pantanal, tornando-se difícil aplicá-la,
por exemplo, para as AUs do estado de Minas Gerais. Cowardin e Golet (1995) e Scott e Jones (1995)
consideram pouco adequado o uso de termos regionais e específicos, podendo tornar o uso da
classificação difícil, principalmente quando a uniformidade dos termos e comparação entre as AUs são
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importantes. Para Penteado (2011), as especificidades regionais e locais devem ser consideradas na
escala de detalhe, inseridas dentro de um sistema hierárquico mais amplo, já que a classificação busca
ordenar enquanto a caracterização está contida dentro da classificação. Para Finlayson e Van Der
Valk (1995), detalhar habitats de AUs em grandes sistemas de classificação pode inviabilizar o seu
uso. A inserção de macrohabitats de algumas AUs antrópicas pode gerar divergências entre
especialistas da área, já que engloba, por exemplo, tanques de aquacultura e caixas de empréstimo ao
longo de rodovias.
A classificação pode dificultar ou limitar o entendimento da posição/localização das AUs na paisagem,
os mecanismos hidrológicos, a existência de conectividade fluvial, bem como as suas funções
hidrológicas como controle de inundação, manutenção da qualidade da água e/ou área de recarga ou
descarga. Como exemplo de questionamento, as AUs com nível d’água relativamente estável, como as
com espécies de Copernicia prunifera (Carnaubais), Typha dominguensis (Taboal) e Cyperus giganteus
(Pirizal) não estariam em planícies de inundação por não apresentarem pulsos de inundação? A origem
da água é superficial e/ou subsuperficial? São sistemas isolados ou integrados? Funcionam como áreas
de recarga ou descarga? Dependem de áreas externas para manutenção hidrológica?
Entende-se, portanto, que os aspectos geomorfológicos, juntamente com os hidrológicos e
vegetacionais, podem ser facilitadores no processo de identificação, classificação, mapeamento e
caracterização das AUs, seja em escritório ou em campo. Além disso, considera-se que a
caracterização das AUs por classes, subclasses ou parâmetros HGM pode auxiliar na conservação das
AUs, pois permite analisar tanto o seu papel e funcionamento hidrológico na paisagem quanto indicar,
em termos gerais, aquelas de maior desempenho hidrológico e/ou vulnerabilidade ambiental. Ainda,
conforme Maltby et al. (2009), as classificações que consideram as funções e os serviços
socioambientais gerados pelas AUs podem despertar maior interesse para proteção do que aquelas
baseadas somente em aspectos da biodiversidade, pois, na prática, as medidas de conservação não
garantem a proteção e/ou a gestão apropriada desses ambientes, apenas polarizam uma ética aparente
de conservação da natureza versus as demandas imediatas da sociedade. Assim, um sistema que inclua
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classes ou parâmetros HGM pode auxiliar em avaliações de impactos e processos de gestão mais
seguros por apresentar uma visão mais integrada do meio.
Por fim, destaca-se o elevado potencial de aplicabilidade de critérios geomorfológicos para ambientais
onde há quadros morfológicos diversos que respondem e funcionam hidrologicamente de forma
específica, determinando diferentes tipos de AUs. Este é o caso de muitos contextos de Minas Gerais.
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