Sismos

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TÓPICO 2 _______________________________________________________________ SISMOS Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º ano-2ºS) Ano lectivo de 2008/09

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TÓPICO 2 _______________________________________________________________ SISMOS

Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º ano-2ºS) Ano lectivo de 2008/09

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SISMOS Os sismos ocorrem quando a energia armazenada em rochas sob tensão (e sob deformação elástica) é libertada subitamente. Esta libertação de energia causa uma intensa vibração da região próxima da origem do sismo e envia ondas de energia elástica, denominadas ondas sísmicas, através da Terra. A maioria dos sismos naturais é gerada por movimentos súbitos ao longo duma zona de falha. A teoria do ressalto elástico (fig. 1) sugere que se o movimento ao longo da falha é travado de modo que a deformação elástica lenta aumente nas rochas sob tensão em ambos os lados da falha, quando o movimento ocorre, a energia libertada provoca um sismo. Esta teoria foi descoberta fazendo medições de diversos pontos em ambos os lados de uma falha. Antes da ocorrência de um sismo verificou-se que as rochas adjacentes à falha estavam deformadas. Após o sismo, a deformação desapareceu, sugerindo que a energia armazenada na deformação elástica das rochas foi subitamente libertada durante o sismo.

Figura 1 – Diagrama esquemático ilustrando a teoria do ressalto elástico.

Como acima se referiu, quando um sismo ocorre, as ondas sísmicas viajam através da Terra sob a forma de vibrações. O sismógrafo (fig. 2) é o instrumento usado para registar essas vibrações e o gráfico resultante é o sismograma (fig. 5).

Figura 2 – Esquema simplificado mostrando o funcionamento de um sismógrafo.

O foco ou hipocentro é a local do interior da Terra onde as ondas sísmicas são geradas pela libertação súbita da energia elástica acumulada (local onde se origina o sismo). O epicentro é ponto na superfície da Terra imediatamente acima do foco (fig. 3). As ondas sísmicas propagam-se em todas as direcções a partir do foco (fig. 3). Algumas deslocam-se no interior da Terra (ondas volúmicas) e outras à superfície (ondas superficiais). Existem dois tipos de ondas volúmicas, ondas P e ondas S.

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Figura 3 – Diagrama de blocos mostrando as características básicas de um sismo. Adaptado de PRESS & SIEVER (2002).

Ondas volúmicas Ondas superficiais

Figura 4 – Diagramas esquemáticos ilustrando a propagação dos diferentes tipos de ondas sísmicas. Legenda: LR – ondas de Rayleigh; LQ – ondas de Love. Adaptado de PRESS & SIEVER (2002). As ondas P, também denominadas compressivas ou primárias, são mais rápidas do que as ondas S e, por isso, são as primeiras a ser detectadas pelos sismógrafos (fig. 5). À semelhança das ondas sonoras, deslocam-se comprimindo e expandindo o material à medida que se propagam (fig. 4). Podem propagar-se em meio sólido, líquido ou gasoso. Viajam muito mais depressa através de sólidos do que líquidos: a velocidade média de propagação das ondas P através da crosta terrestre é de 6 km/s e de 1,5 km/s através da água. Curiosamente, quando as ondas P atingem a superfície e se transmitem ao ar, algumas pessoas e animais podem ouvir parte delas. Contudo, o som que algumas pessoas ouvem de um sismo que se aproxima é o ruído forte dos objectos que vibram e não das ondas P. As ondas S, também denominadas ondas de cisalhamento ou secundárias, propagam-se apenas em meio sólido. A velocidade média de propagação das ondas S através da crosta terrestre é de 3 km/s. As ondas S provocam um movimento para cima e para baixo (corte lateral) perpendicularmente à direcção de propagação da onda (fig. 4).

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Quando as ondas P e S atingem a superfície do solo, formam-se ondas superficiais complexas que se propagam na superfície da Terra. Estas ondas são mais lentas do que as ondas volúmicas (fig. 5) e causam grande parte da destruição junto ao epicentro do sismo. Este tipo de ondas comporta-se como as ondas S, uma vez que à sua passagem elas provocam movimentos para cima e para baixo e de um lado para o outro (fig. 4). Localização do epicentro

O sismograma (fig. 5), tal como ele é produzido pelo sismógrafo, corresponde a uma projecção das vibrações em função do tempo. No sismógrafo o tempo é marcado a intervalos regulares de modo, permitindo determinar o tempo de chegada da primeira onda P e o tempo de chegada da primeira onda S.

Figura 5 – Sismograma idealizado de um sismo natural.

Para determinar a localização do epicentro de um sismo é necessário que o sismo seja registado em pelo menos 3 estações sismográficas a diferentes distâncias do epicentro (figs. 6 e 7). Para além disso, ainda é necessária outra informação, que é o período de tempo que as ondas P e S demoram a viajar através da Terra até à estação sismográfica. Esta informação tem sido recolhida desde há mais de 80 anos e está disponível em curvas de tempo de deslocação das ondas (fig. 6).

Figura 6 – Gráfico mostrando o aumento do intervalo S-P com a distância percorrida pelas ondas sísmicas (PRESS & SIEVER, 2002).

Utilizando os sismógrafos de cada estação é possível determinar o intervalo S-P, isto é, a diferença entre o tempo de chegada da primeira onda S e o tempo de chegada da primeira onda P. Como é natural, o intervalo S-P é tanto maior quanto maior for a distância ao epicentro (fig. 6).

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Como o intervalo S-P indica a distância a que o epicentro se encontra da estação sismográfica, é possível, em cada estação, desenhar no mapa um círculo cujo raio é igual à distância a que o epicentro se localiza. O ponto onde três destes círculos se intersectam é o ponto onde se localiza o epicentro do sismo (fig. 7).

Figura 7 – Localização do epicentro de um sismo (PRESS & SIEVER, 2002).

Magnitude dos sismos

A dimensão de um sismo é usualmente dada em termos de uma escala denominada Magnitude de Richter, a qual envolve a medição da amplitude (altura) da maior onda registada a uma determinada distância do epicentro. Uma medida mais correcta da dimensão de um sismo é dada pela quantidade de energia libertada pelo sismo. Apesar de ser muito mais difícil de determinar, Richter providenciou um modo para estimar a quantidade de energia libertada: Log E = 11,8 + 1,5 M, em que Log se refere ao logaritmo na base 10, E é a energia libertada em ergs, e M é a Magnitude de Richter. A escala de Richter é uma escala aberta sem um valor mínimo ou máximo. Os sismos de maior dimensão são provavelmente limitados pela resistência das rochas, embora os impactos de meteoritos possam provocar sismos ainda maiores. Os maiores sismos alguma vez registados ocorreram em 1960 (Chile) com magnitude de Richter de 8,5 e em 1964 (Alasca) com magnitude de Richter de 8,6. Uma outra medida da dimensão dos sismos, cada vez mais utilizada internacionalmente é a denominada Magnitude de Momento do sismo. Esta determina-se a partir de uma estimativa da área que se rompe ao longo do plano de uma falha durante o sismo, a quantidade de movimento ou deslizamento na falha e a rigidez das rochas próximas do foco do sismo. Excepto para sismo muito grandes, a magnitude de Richter é aproximadamente a mesma que a magnitude de momento. Intensidade dos sismos

As escalas de magnitude proporcionam um modo quantitativo de comparar terramotos. A intensidade de um terramoto indica-se com a Escala de Mercalli Modificada (tab. 1), que é qualitativa. Às doze categorias desta escala atribuem-se números romanos. Cada categoria corresponde a uma descrição do modo como as pessoas sentem a vibração de um sismo e a extensão do dano em edifícios e outras estruturas feitas pelo homem. A intensidade de um sismo é normalmente representada num mapa (mapa de isossistas). São necessários dias ou mesmo semanas para elaborar mapas de Intensidade de Mercalli Modificada convencionais, como o da figura 8. São baseados em questionários enviados às pessoas que residem nas regiões afectadas pelo sismo, notícias de jornais e informações das equipas de avaliação de danos. A máxima vibração do solo verifica-se apenas na área do epicentro do sismo, mas este pode ser sentido numa área muito mais vasta. A Escala de Mercalli foi criada no final da década de 1880 precisamente com o objectivo de avaliar a intensidade da vibração do solo e da destruição causada em edifícios em regiões vastas.

A Escala de Mercalli Modificada permite não só relacionar directamente, na zona próxima do epicentro, a máxima destruição causada por um sismo com a sua magnitude, mas também

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mostrar os efeitos da maior ou menor eficácia com que as ondas sísmicas se propagam através de diferentes rochas próximo da superfície da Terra.

A Escala de Mercalli Modificada permite ainda estimar a dimensão de sismos ocorridos antes da existência das redes sismográficas modernas (antes de existirem estações sismográficas, não era possível determinar a Magnitude de Richter).

Tabela 1 – Escala de Mercalli Modificada (versão simplificada)

Grau I IMPERCEPTÍVEL – Apenas registado pelos aparelhos de precisão, ou sismógrafos.

Grau II MUITO FRACO – Sentido por um muito reduzido número de pessoas em repouso, em especial pelas que habitam em andares elevados.

Grau III FRACO – Sentido por um pequeno número de habitantes. Bem sentido nos andares elevados.

Grau IV MÉDIO – Sentido dentro das habitações, podendo despertar do sono um pequeno número de pessoas. Nota-se a vibração de portas e janelas e das loiças dentro dos armários.

Grau V POUCO FORTE – Praticamente sentido por toda a população, fazendo acordar muita gente. Há queda de alguns objectos menos estáveis e param os pêndulos dos relógios. Abrem-se pequenas fendas nos estuques das paredes.

Grau VI FORTE – Provoca início de pânico nas populações. Produzem-se leves danos nas habitações, caindo algumas chaminés. O mobiliário menos pesado é deslocado.

Grau VII

MUITO FORTE – Caem muitas chaminés. Há estragos limitados em edifícios de boa construção, mas importantes e generalizados nas construções mais frágeis. Facilmente perceptível pelos condutores de veículos automóveis em trânsito. Desencadeia pânico geral nas populações.

Grau VIII RUINOSO – Danos acentuados em construções sólidas. Os edifícios de muito boa construção sofrem alguns danos. Caem campanários e chaminés de fábricas.

Grau IX DESASTROSO – Desmoronamento de alguns edifícios. Há danos consideráveis em construções muito sólidas.

Grau X MUITO DESASTROSO – Abrem-se fendas no solo. Há cortes nas canalizações, torção nas vias de caminho de ferro e empolamentos e fissuração nas estradas.

Grau XI

CATASTRÓFICO – Destruição da quase totalidade dos edifícios, mesmo os mais sólidos. Caem pontes, diques e barragens. Destruição das redes de canalização e das vias de comunicação. Formam-se grandes fendas no terreno, acompanhadas de desligamento. Há grandes escorregamentos de terrenos.

Grau XII CATACLISMO – Destruição total. Modificação da topografia. (Este grau nunca foi presenciado no período histórico)

Figura 8 – Carta de isossistas do sismo de 1755 (CCDRA, 2004).

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Distribuição Mundial de Sismos A sismicidade global é mais elevada ao longo de faixas relativamente estreitas que coincidem com as fronteiras de placas tectónicas (fig. 9).

Figura 9 – Mapa da actividade sísmica global (1963-1988; magnitude ≥ 5) onde se mostra a localização dos epicentros dos limites de placas (elevada concentração de pontos) e dos sismos intraplaca (pontos dispersos) (KELLER & BLODGETT, 2007).

Sismos em fronteiras divergentes – As fronteiras de placas divergentes são zonas onde duas placas se afastam uma da outra (fig. 10). Neste tipo de fronteiras, a litosfera está sujeita a um estiramento e, consequentemente, ocorrem falhas normais e vales de rifte. Os sismos que ocorrem ao longo deste tipo de fronteiras resultam da movimentação de falhas normais, têm baixas magnitudes, e tendem a ser pouco profundos (profundidade dos focos inferior a 20 km). O facto de os focos serem pouco profundos indica que a litosfera frágil é relativamente fina ao longo destas fronteiras de placas. Exemplos: Todas as cristas médio-oceânicas e vales de rifte intracontinentais, como o vale de rifte do leste africano. Sismos em fronteiras transformantes – As fronteiras transformantes são fronteiras de placas onde estas se deslocam umas em relação às outras na horizontal (fig. 10). A falha de San Andreas, Califórnia, é uma das mais longas falhas transformantes que se conhecem. Os sismos ao longo destas fronteiras resultam de movimentos de desligamento e tendem a ter focos pouco profundos (geralmente, menos de 100 km de profundidade). As magnitudes de Richter podem ser elevadas. Sismos em fronteiras convergentes – As fronteiras de placas convergentes são fronteiras onde duas placas colidem uma com a outra, assim, tendem a ser zonas onde as tensões compressivas são activas, sendo comuns as falhas inversas e os cavalgamentos. Existem dois tipos de fronteiras convergentes:

− Fronteiras de subducção – Neste tipo de fronteiras, a litosfera oceânica fria é empurrada para baixo, em direcção ao manto, devido à convergência de duas placas (fig. 10). Como a litosfera subductada é fria, mantém-se frágil à medida que desce e, por isso, pode fracturar sob compressão. Quando fractura, gera sismos que definem uma zona de sismos com focos gradualmente mais profundos sob da placa cavalgante (Zona de Benioff). A profundidade dos focos dos sismos nas zonas de Benioff pode atingir os 700 km. Exemplo: Regiões costeiras do oceano Pacífico, incluindo América do Sul, América Central, México, EUA, Alasca, Japão, Filipinas.

− Fronteiras de colisão – Neste tipo de fronteiras duas placas continentais colidem originando cadeias de montanhas. Os sismos ocorrem devido a cavalgamentos; os focos podem ser pouco profundos ou ocorrer a profundidades que vão até cerca de 200 km. Exemplos: Ao longo dos Himalaias e ao longo da margem norte do Mediterrâneo, prolongando-se pelo Mar Negro e Mar Cáspio, até ao Irão.

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Figura 10 – Diagrama esquemático representando todos os tipos de fronteiras de placas.

Sismos intraplaca – Sismos que ocorrem nas regiões estáveis de continentes, distantes de fronteiras de placas. Muitos deles ocorrem como resultado da reactivação de falhas antigas, embora as causas de alguns sismos intraplaca ainda não sejam bem compreendidas. Exemplo: Região de New Madrid, região central dos EUA. Risco Sísmico A maior parte das vítimas mortais provocadas por sismos resultam do desmoronamento de edifícios e outras construções do homem. Sismos localizados em áreas isoladas, longe de populações humanas, raramente causam vítimas mortais.

O risco sísmico depende de três factores: 1. Densidade populacional 2. Regulamentos de construção 3. Preparação para a emergência

Exemplos: • O pior sismo de que há registo histórico ocorreu em Shaaxi, China, em 1556. Provocou

830.000 vítimas mortais; a maior parte destas habitavam em cavernas escavadas em loess pouco consolidado.

• O pior sismo do século XX também ocorreu na China (provincial de T'ang Shan), matou 240.000 em 1976. O sismo de magnitude 7,8 ocorreu às 3:42 da manhã e foi seguido de uma réplica de magnitude 7,1. As vítimas mortais foram provocadas pelo desmoronamento de edifícios de tijolo.

• O pior sismo, até agora, do século XXI teve a magnitude de 7,9 sismo e ocorreu na província de Shichuan, China, a 12 de Maio de 2008; provocou a morte de 69.197 pessoas.

• Contraste – Em zonas onde a probabilidade de ocorrência de sismos é alta, com o objectivo de reduzir o risco sísmico, existem (ou deveriam existir) regulamentos de construção muito apertados, exigindo que o design e a construção de edifícios e outras estruturas sejam de modo a resistir a um grande sismo. Embora estes regulamentos nem sempre se mostrem totalmente eficazes, o certo é que acontecimentos passados parecem demonstrar a sua importância: Por exemplo, em 1989, um sismo em San Francisco, Califórnia (sismo de Loma Prieta), com Magnitude de Richter de 7,1, provocou 63 vítimas mortais, a maior parte das quais devido ao colapso de um viaduto de dois andares em Oakland; Cerca de 10 meses mais tarde, um sismo com magnitude 6,9 ocorreu na Arménia, onde não existiam regulamentos de construção anti-sísmica, e matou cerca de 25.000 pessoas!

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Perigos Associados aos Sismos Efeito directo das ondas sísmicas – A vibração do solo provocada pela passagem das ondas sísmicas, especialmente das ondas superficiais, próximo do epicentro do sismo, é responsável pela maior parte dos danos causados por um sismo. A intensidade de vibração do solo depende de:

− Características geológicas locais: Geralmente, sedimentos não consolidados são sujeitos a vibração mais intensa do que rochas compactas.

− Dimensão do sismo: Geralmente, quanto maior for o sismo, maior será a intensidade e a duração da vibração provocada.

− Distância ao epicentro: A vibração sísmica é mais intensa nas proximidades do epicentro e diminui com a distância ao epicentro. Existem no entanto, excepções curiosas. Por exemplo, em 1985, um sismo com magnitude 8,1, com epicentro a 350 km a sul da Cidade do México, provocou danos substanciais nesta cidade, por ter sido construída sobre sedimentos não consolidados que preenchem um antigo lago (ver Liquefacção, abaixo).

− Os danos provocados em estruturas construídas pelo homem como consequência da vibração sísmica dependem do tipo de construção:

− Estruturas de cimento e alvenaria são frágeis e, por isso, mais susceptíveis de sofrerem danos;

− Estruturas de madeira e aço são mais flexíveis e, por isso, menos susceptíveis de sofrerem danos.

Ruptura superficial cossísmica – Geralmente, a vibração do solo ocorre apenas ao longo da zona de falha que se move durante o sismo. Assim, estruturas construídas sobre zonas de falha podem ruir, enquanto estruturas adjacentes à falha, mas que não a atravessam, podem resistir (fig. 11). Normalmente, ocorre ruptura superficial em sismos de magnitude 6 ou superior.

A B

Figura 11 – Exemplos de ruptura superficial cossísmica. A – Izmit (Turquia, 1999); desligamento direito. B – Taiwan (1999); falha inversa. Movimentos de terreno – Em regiões montanhosas, a vibração do solo provocada por sismos pode desencadear diversos tipos de movimentos de terra (Ver Tópico 4). Liquefacção – A liquefação é um processo que ocorre em sedimentos não consolidados saturados de água devido à vibração sísmica. A vibração dos grãos faz com que estes percam o contacto uns com os outros, e, assim, o material tende a fluir (fig. 12). Denominam-se por sismitos, as estruturas preservadas no registo geológico resultantes da perturbação da estrutura sedimentar (fig. 13).

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Sedimento saturado de água Liquefacção

A água preenche o espaço entre os grãos. A fricção entre os estes mantém o sedimento coeso.

A água rodeia todos os grãos, eliminando o contacto entre estes. O sedimento comporta-se como um líquido.

Figura 12 – Esquemas ilustrando o processo de liquefacção.

Figura 13 – Esquema ilustrando a perturbação das estruturas sedimentares provocada pela vibração sísmica (PRESS & SIEVER, 2002).

Figura 14 – Efeito da liquefacção do terreno. Sismo de Niigata, Japão (1964); magnitude 7,5 (http://www.ce.washington.edu/~liquefaction/html/whatl).

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Levantamento e subsidência cossísmicos – Os sismos podem originar levantamento e/ou subsidência da superfície terrestre (fig. 15). Estes movimentos verticais bruscos podem ser centimétricos ou métricos (fig. 16).

Figura 15 – Esquema ilustrando os processos de levantamento e subsidência cossísmica em zonas de subducção (KELLER & PINTER, 2002)

A B

Figura 16 – Efeito de levantamento e subsidência cossísmicos devidos ao sismo de Sumatra, em 2004. A – Levantamento (1,75 m) de corais nas Ilhas Bugi; B: Subsidência (1 a 2 m) da costa noroeste de Sumatra (as árvores foram cortadas pelo tsunami).

Tsunamis – Os tsunamis são ondas gigantes que podem viajar rapidamente, atravessando os oceanos. Os sismos que ocorrem sob o nível do mar e ao longo das zonas costeiras podem gerar tsunamis, os quais podem causar danos a milhares de quilómetros de distância, do outro lado do oceano (Ver Tópico 6). Inundações – Os sismos podem causar inundações por subsidência, tsunamis, barramento de linhas de água ou destruição de diques. Incêndios – Como os sismos podem derrubar linhas eléctricas ou danificar as condutas de abastecimento de gás, é usual deflagrarem incêndios após a ocorrência de sismos. O problema pode agravar-se se as condutas de abastecimento de água forem também destruídas durante o sismo, pois não haverá água para combater os incêndios. No sismo de 1906, em San Francisco, mais de 90% dos danos causados em edifícios resultaram dos incêndios que deflagraram após o abalo.

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Doenças – O aparecimento de doenças está, por vezes, associado à ocorrência de grandes sismos. Estas podem ser provocadas por perda das condições de higiene ou das habitações, contaminação do abastecimento de água, perturbação dos serviços públicos de saúde e alteração do ambiente natural. Os sismos também podem danificar condutas de saneamento básico e canalizações de água fazendo com que a água fique contaminada por organismos patogénicos.

PREVISÃO DE SISMOS Previsão a Longo Prazo (paleossismologia e vazios sísmicos) Os maiores sismos ocorridos numa determinada região habitada encontram-se geralmente assinalados nos registos históricos dessa região, constituindo a sismicidade histórica regional. Os eventos mais recentes, registados instrumentalmente, constituem a sismicidade instrumental. Contudo, os catálogos de sismicidade apresentam limitações, nomeadamente no que respeita ao número de eventos, sua localização, dimensão e recorrência: os eventos menores são escassamente referenciados nos documentos históricos, e o intervalo de recorrência dos grandes sismos é geralmente superior ao período abrangido pelos registos, de modo que estes eventos podem não estar referenciados.

A incerteza, ou mesmo lacuna de informação, sobre os sismos de maior dimensão pode ser colmatada pelo reconhecimento e estudo das marcas deixadas por esses eventos no registo geológico, junto à superfície topográfica, constituindo um dos principais objectos de estudo da Neotectónica e, em particular, da Paleossismologia.

As evidências dos paleossismos no registo geológico superficial (deformações em rochas ou alterações na topografia) resultam do mecanismo de sismogénese: a generalidade dos sismos tectónicos ocorre por ruptura em falhas activas. Nos sismos superficiais de magnitude moderada a elevada, a dimensão da área de ruptura cossísmica conduz à sua propagação até à superfície topográfica, gerando-se uma "assinatura" do evento sísmico nos elementos geológicos superficiais, que permite identificá-lo e caracterizá-lo, bem como a outros eventos semelhantes que tenham ocorrido previamente na mesma estrutura sismogénica.

Na caracterização dos paleossismos utilizam-se também outras evidências, como o reconhecimento de paleossismitos (figuras de liquefacção), de deslocamentos verticais episódicos (subsidência ou levantamento de áreas mais ou menos extensas), de movimentos de terreno, ou de tsunamitos (depósitos sedimentares originados por tsunamis).

A ocorrência, em falhas activas, de rupturas superficiais sucessivas associadas a sismos passados, conduz a que essas falhas apresentem expressão morfológica e afectem formações geológicas superficiais. Esta situação justifica a aplicabilidade dos critérios geomorfológicos e de corte na identificação de falhas sismogénicas e fundamenta o reconhecimento e caracterização dos sismos "fósseis", ou paleossismos, gerados por essas falhas.

Acima do limiar de magnitude de cerca de 6, os paleossismos deixam marcas ou evidências em formações geológicas superficiais e na paisagem, que permitem identificá-los e estudá-los:

- Evidências primárias: directamente relacionadas com deslocamento cossísmico na falha, nomeadamente, deformações tectónicas afectando a paisagem (escarpas, deflexões horizontais em referências morfológicas) e estruturas tectónicas afectando formações superficiais recentes;

- Evidências secundárias: estruturas induzidas pelas vibrações sísmicas (liquefacção – paleossismitos, movimentos de terreno, inundações, etc.).

A metodologia mais comum em estudos de paleossismicidade consiste na abertura de sanjas em locais seleccionados com base em diversos critérios, nomeadamente, a presença de acidentes topográficos suspeitos, rupturas superficiais reconhecidas, e/ou rochas quaternárias junto a acidentes activos ou que se suspeita serem activos.

Os estudos geológicos detalhados nas sanjas têm como objectivos confirmar a actividade tectónica, reconhecer deslocamentos recorrentes, ou seja, identificar paleossismos, e colher material para datação de modo a determinar períodos de recorrência dos paleossismos.

Os princípios utilizados na interpretação da informação exposta nas paredes das sanjas correspondem aos usualmente utilizados em geologia estrutural, fundamentando-se na geometria e natureza das estruturas, relações de corte, relações de sobreposição, relações com a superfície topográfica, e, particularmente, relações com sedimentos coluviais provenientes da escarpa de falha adjacente.

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A avaliação de períodos de recorrência implica a identificação de paleossismos distintos e a datação dos diferentes eventos (por datação de horizontes estratigráficos afectados ou de alguma forma relacionados com os paleossismos).

Para estimar a magnitude dos paleossismos identificados nos estudos de neotectónica, ou a magnitude do sismo máximo que uma falha activa tem o potencial de gerar, utilizam-se correlações entre magnitude e parâmetros de falha, fundamentadas em dados empíricos referentes a sismos actuais em que ocorreu ruptura superficial cossísmica.

Para além da paleossismologia, na previsão de sismos a longo prazo também se utiliza o estudo de vazios sísmicos. Um vazio sísmico (seismic gap) é uma zona ao longo de uma região tectonicamente activa na qual não foram registados sismos recentemente, mas onde é sabido que se está a acumular deformação elástica nas rochas. Se um vazio sísmico é identificado, então é identificada uma área onde se deve esperar que venha a ocorrer um grande sismo num futuro próximo.

− Exemplo – Vazios sísmicos de San Francisco, Loma Prieta, e Parkfield. Na figura 17 apresentam-se dois perfis de sismicidade ao longo da Falha de San Andreas, Califórnia. O perfil superior mostra sismos que ocorreram ao longo da falha antes de 17 de Outubro de 1989. Os três vazios sísmicos são visíveis, onde a densidade de sismos é menor do que ao longo dos sectores da falha fora dos vazios. Devido à baixa densidade de sismos nestes vazios, a falha diz-se bloqueada ao longo dessas áreas, e consequentemente está a acumular-se tensão. Isto levou os geólogos a emitir uma previsão para o vazio de Parkfield de que algures entre 1986 e 1993 deveria ocorrer um sismo de magnitude 6 ou maior a sul de Parkfield. Esse sismo ainda não ocorreu, contudo, um sismo de magnitude 7,1 ocorreu no vazio de Loma Prieta a 17 de Outubro de 1989, seguido de numerosas réplicas. Observe-se como, no perfil inferior, este sismo e as suas réplicas preencheram o vazio de Loma Prieta. O que ainda deixa os vazios de San Francisco e Parkfield como áreas onde se pode prever um grande evento futuro.

Figura 17 – Perfis de sismicidade ao longo da falha de San Andreas, Califórnia, antes (em cima) e depois (apenas vazio de Loma Prieta; em baixo) de 17 de Outubro de 1989. Previsão a Curto Prazo A previsão de curto prazo envolve a monitorização de processos que ocorrem nas vizinhanças de falhas activas, com o objectivo de identificar qualquer tipo de actividade que possa indicar a iminência de um sismo. Os eventos ou processos anómalos que podem preceder um sismo são denominados eventos precursores.

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Apesar da variedade de eventos precursores que é possível monitorizar, a previsão a curto prazo bem sucedida de sismos tem sido, até agora, difícil de obter. Isto acontece porque:

− Os processos que causam os sismos ocorrem muito abaixo da superfície e são difíceis de monitorizar.

− Os sismos que ocorrem em regiões diferentes ou ao longo de falhas diferentes comportam-se todos de modo diferente. Como tal, ainda não foi reconhecido qualquer padrão consistente.

Entre os eventos precursores que podem ser importantes estão os seguintes: − Levantamento e inclinação da superfície: Medições efectuadas na vizinhança de

falhas activas mostram, por vezes, que antes de um sismo a superfície do terreno é levantada ou inclina devido ao aumento do volume das rochas provocado pela acumulação de tensão na falha. Isto pode levar à formação de numerosas microfissuras. Esta fissuração nas rochas pode levar à ocorrência de pequenos sismos, denominados premonitórios.

− Abalos premonitórios: Antes de um sismo na China, em 1975, a observação de numerosos abalos premonitórios levou à previsão bem sucedida de um sismo e à evacuação da cidade de Haicheng. O sismo de magnitude 7,3 que ocorreu destruiu metade da cidade onde habitavam cerca de 100 milhões de pessoas, mas, graças à evacuação bem sucedida, provocou “apenas” algumas centenas de mortos.

− Nível de água nos poços: As rochas são sujeitas a tensões na vizinhança de uma falha, ocorrendo, por isso, variações da pressão da água subterrânea (água existente nos poros e fracturas nas rochas). Isto pode forçar a água subterrânea a deslocar-se para maior ou menor profundidade, causando variações do nível da água em poços.

− Emissões de radão: O radão é um gás produzido pelo decaimento radioactivo do urânio e outros elementos presentes nas rochas. Como o radão é inerte não se combina com outros elementos para formar compostos e, assim, permanece na estrutura cristalina até que um qualquer evento o force a sair. A deformação resultante da tensão pode forçar o radão a sair e provocar emissões deste gás que surge na água de poços. As recentemente formadas microfissuras, acima referidas, podem servir de vias para o escape do radão para as águas subterrâneas. O aumento de emissões de radão tem sido detectado antes de alguns sismos.

− Mudanças na resistividade eléctrica das rochas: A resistividade eléctrica é a resistência de um material ao fluxo de energia eléctrica. No geral, as rochas são fracos condutores de electricidade, mas a água é mais eficiente a conduzir electricidade. Se se desenvolverem microfissuras e a água subterrânea for forçada a entrar nelas, isto pode causar uma diminuição da resistividade eléctrica. Nalguns casos, foi observada uma diminuição de 5 a 10% da resistividade eléctrica antes de um sismo.

− Ondas de rádio estranhas: Antes do sismo de Loma Prieta de 1989, alguns investigadores referiram ter detectado ondas de rádio estranhas. Onde se geraram estas ondas e porquê, ainda não é sabido mas a investigação continua.

− Comportamento animal estranho: Antes do sismo de magnitude 7,4 de Tanjin, China, os tratadores dos animais do jardim zoológico da cidade observaram comportamentos animais estranhos: cobras que se recusavam a ir para as suas tocas, cisnes que se recusavam a aproximar-se da água, pandas a berrar, etc. Este foi o primeiro estudo sistemático deste fenómeno antes de um sismo. Apesar de terem sido efectuadas outras tentativas para repetir uma previsão baseada no comportamento animal, ainda não houve outras previsões bem sucedidas.

Perspectivas em Portugal Continental As falhas activas identificadas em Portugal continental apresentam taxas de actividade

baixas, de um modo geral compreendidas entre 0,2 mm/ano e 0,005 mm/ano (CABRAL, 1995), em resultado do enquadramento geodinâmico regional, caracterizado por uma convergência lenta (≈ 4 mm/ano) entre a Eurásia e a África no sector oriental da fronteira de placas Açores-Gibraltar (RIBEIRO, 2002).

Estes níveis de actividade tectónica implicam taxas de libertação de energia sísmica baixas. O ambiente dominante intraplaca sugere que os sismos máximos localizados no território emerso tenham uma magnitude próxima de 6,5, ou seja, se situem no limiar dos eventos com ruptura superficial, em que o deslocamento e o comprimento de ruptura superficiais são

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pequenos (D = 0,3 a 1 m, L = 10 a 15 km). Nestas condições o ciclo sísmico médio dos eventos com ruptura superficial (M > 6,5) tem uma duração compreendida entre cerca de 5.000 e 200.000 anos.

Embora o território emerso se situe num ambiente de características intraplaca, a sua proximidade à fronteira Açores-Gibraltar, e o processo de inversão tectónica da margem continental Oeste-Ibérica de passiva para margem activa, que se terá iniciado no Quaternário (RIBEIRO, 2002), justificam a ocorrência de eventos sísmicos de magnitude extremamente elevada com epicentro no Oceano Atlântico, como o terramoto de 1755.

A localização submarina destes eventos não permite a aplicação directa das técnicas usuais da paleossismologia, implicando o recurso a técnicas próprias da Geologia Marinha, nomeadamente a aquisição e interpretação de perfis de reflexão sísmica, a análise detalhada da morfologia submarina com recurso a sonares de elevada precisão, e o estudo de dragagens e de testemunhos de sondagens de modo a obter informação sobre sedimentos turbidíticos cossísmicos. A ameaça sísmica é uma realidade em Portugal, no entanto, segundo MENDES-VICTOR (2000) está mal caracterizada devido sobretudo aos seguintes factores:

− A frequência de sismos destrutivos que é diminuta em Portugal Continental; − A dificuldade em avaliar a perigosidade sísmica que resulta da localização imprecisa

das fontes, pelo menos até aos princípios da década 1980; − Muito poucos movimentos fortes foram bem registados instrumentalmente, e são

escassos os relatos referentes ao comportamento dos solos, dos edifícios e das estruturas, quando ocorreram abalos fortes.

As orientações seguidas até hoje permitiram lançar a Rede Nacional de Vigilância Sísmica, sob a responsabilidade do Instituto de Meteorologia, que está estruturada com as mais avançadas tecnologias desde a captura até à transmissão e processamento dos sinais sísmicos. Bibliografia utilizada na elaboração deste texto CABRAL, J. (1995). Neotectónica em Portugal Continental. Memórias do Instituto Geológico e

Mineiro, Lisboa, 31: 265 p

CABRAL, J. (2003). A Geologia na avaliação da perigosidade sísmica. Seminário “Riscos Geológicos”, Resumos das Comunicações, Póvoa do Varzim, Associação Portuguesa de Geólogos: 25-34.

KELLER, E. & BLODGETT, R. (2007). Riesgos naturales. Procesos de la Tierra como riesgos, desastres y catástrofes. Pearson, Madrid, 448 p.

KELLER, E. & PINTER, N. (2002): Active Tectonics. Earthquakes, Uplift and Landscape. Second Edition, Prentice Hall, New Jersey, 362 p.

CCDRA (2004). PROTAlgarve: Um Território com Futuro. Volume II – Caracterização e Diagnóstico. Anexo J – Apreciação do Risco Sísmico no Algarve. MAOTDR. (http://www.territorioalgarve.pt/Storage/pdfs/Volume_II_ANEXO_J.pdf)

MENDES-VICTOR, L. (2000). Riscos naturais associados a fenómenos naturais. Colóquio/Ciências, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 25: 37-53.

PRESS, F. & SIEVER, R. (2001). Understanding Earth. Freeman, San Francisco, CA, 695 pp.

RIBEIRO, A. (2002). Soft Plate and Impact Tectonics. Springer Verlag, 324 p.