Sisal e grafite. imagens de resistência na cultura de conceição do coité
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Carlla Santos Goveia de Melo
SISAL E GRAFITE:
Imagens de resistência na cultura de
Conceição do Coité.
Conceição do Coité 2011
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Carlla Santos Goveia de Melo
SISAL E GRAFITE:
Imagens de resistência na cultura de
Conceição do Coité
Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Habilitação em Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de obtenção do grau de bacharel em Comunicação, sob a orientação do Professor Claudio Xavier.
Conceição do Coité
2011
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Carlla Santos Goveia de Melo
SISAL E GRAFITE:
Imagens de resistência na cultura de
Conceição do Coité.
Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, sob a orientação do Professor Claudio Xavier.
Data:____________________________ Resultado:________________________ BANCA EXAMINADORA Prof. (orientador)___________________ Assinatura________________________ Prof._____________________________ Assinatura________________________ Prof._____________________________ Assinatura________________________
Conceição do Coité
2011
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Ao meu irmão, Carlos Neto.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus colegas, com quem pude aprender a partir das discrepâncias.
Apoiamo-nos uns nos outros, dividimos ânsias, dúvidas, medos, planos, risos:
Verena, Bella, Miriã, Neidinha, Virna, Mel, Bruna, Téo, Léo, Jaci, Michele, Glécia,
Raiane, Juçara, Guga, minha delícia, Ivo e seu sarcasmo tão doces, Jajá, minha
doçura.
Rilzy, vou estar aqui sempre, construímos uma relação fraternal, vimos o
outro crescer, nosso amor vai além das imposições temporais.
Aos amigos lindos que fiz pelos corredores e fora do âmbito acadêmico: Kaio,
Samira, Ana, Ápio, Ícaro, Ihago, Abner, Nei Dante, Esbã, meus verdadeiros livros.
Dea e Vinicios, partes de mim, obrigada por fazerem da minha vida um lugar
seguro, amo vocês de maneira desmedida.
Thi, meu amor, vou estar perto de você sempre, até ficarmos velhinhos e você
careca.
Travis, meu doce, o amor mais puro, mais lindo, sem condições impostas.
Aos artistas Medone e Fera pela ajuda incondicional e, sobretudo, por encher
de cores e poesia minha rotina, me inspirando e impulsionando a escrever.
Ao meu orientador, cuja essência eu não saberei definir, nem tenho essa
necessidade, pois a sinto.
Todos os nossos professores que se doaram neste processo de partilha de
saberes.
Dona Lita, Dona Val, Lu, Railton, por cada “bom dia” e abraço verdadeiro de
manhã cedinho.
Meus pais, minha gênese, a quem eu devo minha vida. Mãe, cada suor, eu
sei que foi pela gente. Meus irmãos, tanta saudade de vocês aqui! Sou feita de cada
um de vocês. Sabrina, tia te ama, desse jeito incoerente. Tia Tate e Talita, minhas
lindezas, a casa sorri sempre que vocês chegam. Vó Deja! Minha rainha, seu sorriso
voluntário, seu abraço, nossos risos, exalam poesia.
A todos de todos os dias, que me fazem crescer. Somos feitos dessa troca.
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“Irmãos, cantai esse mundo que não verei, mas virá
um dia, dentro em mil anos, talvez mais... não tenho pressa.
Um mundo enfim ordenado, uma pátria sem fronteiras, sem leis e regulamentos,
uma terra sem bandeiras, sem igrejas nem quartéis,
sem dor, sem febre, sem ouro, um jeito só de viver,
mas nesse jeito a variedade, a multiplicidade toda
que há dentro de cada um (...)”.
(Carlos Drummond de Andrade, Cidade prevista)
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RESUMO
O grafite é o mais antigo método de registro gráfico do homem. Atravessou a
história, desde os primórdios, nas grutas de Lescaux e Altamira; revelou-se nos
murais da antiguidade. Serviu como meio propagandístico para disseminar ódio,
repúdio, amor. Ressurge no século XX, em meio a um contexto de efervescência de
movimentos revolucionários liderados por estudantes, passeia pelos metrôs nova-
iorquinos, percorre a Europa, o Oriente, a América do Sul, adentra o Brasil na
década de 70, em meio a um contexto de repressão onde é castrado o direito de
liberdade de expressão durante o regime militar, tendo seus autores assassinados,
conduzidos à prisão ou às principais galerias de arte. Foi ganhando seu espaço,
espalha-se pelo país se infiltrando nas mais diversas culturas, adentra o sertão da
Bahia, numa região caracterizada pelo cultivo e extração do sisal onde é expresso
hoje na cidade de Conceição do Coité. Este trabalho tem como objetivo fazer uma
leitura do grafite produzido em Conceição do Coité, a partir de uma produção
fotográfica e contato direto com esta arte e seus autores, registrando as
características que dão especificidade a esta linguagem, que contempla não
somente os muros, mas toda a cidade e sua cultura.
Palavras-chave: Grafite; Sisal; Resistência; Fotografia; Cultura.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 9
1.1 Objetivo Geral 12
1.2 Objetivos Específicos 12
1.3 Justificativa 13
1.4 Público-alvo 16
2. TRANSGRESSÃO, POESIA E ESPAÇO URBANO 17
2.1 Grafite em Conceição do Coité 26
3. IMAGEM E SOCIEDADE 34
4. ETAPAS PARA A REALIZAÇÃO DO PRODUTO 44
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 53
6. REFERENCIAS 56
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1. INTRODUÇÃO
O registro mais fascinante deixado pelo homem ao logo de sua existência foi,
sem dúvidas, a produção artística. E de todas as práticas, a considerada mais antiga
é a prática do grafite, que recebeu este nome dos arqueólogos italianos ao
analisarem as inscrições feitas nas grutas de Pompéia1. Não encontraram outra
denominação pra designar a habilidade técnica dos homens paleolíticos ao
inscreverem com objetos rudimentares, desenhos e símbolos nas paredes. Desde
então o grafite vem se manifestando em múltiplos contextos políticos e culturais,
através de inúmeras técnicas, a depender de onde o mesmo se encontra.
Na França, em maio de 1968, foi utilizado como meio de propagação de
mensagens de protestos pelos estudantes que estavam enfastiados com as palavras
de ordem que emergiam das lideranças políticas de esquerda e direita.
Impulsionados pelas ideias dos pensadores alemães Max Horkheimer e Theodor
Adorno, um dos grafites daquela época dizia: “Basta de ações, queremos palavras!”,
uma crítica severa aos militantes que agiam sem que houvesse uma abertura às
discussões (SOTTO e ZAPPA, 2008).
Logo a prática do grafite se estendeu aos guetos nova-iorquinos. Na década
de 1970, ela se manifestou não somente nos muros, mas nos metrôs, ônibus e
túneis, levando para toda a cidade anseios de negros e latinos que gritavam contra
as perseguições raciais e as péssimas condições dos guetos. Inscreviam pela urbe,
pseudônimos e nome de gangs. Em 1980, muito desses interventores ganharam seu
lugar nas principais galerias de arte e são, até os dias atuais, conhecidos
mundialmente. Vale citar nomes como Jean Michel Basquiat e Keith Haring2.
No Brasil, o grafite se infiltra através dos estudantes de letras, artes e
urbanismo da cidade de São Paulo (RAMOS, 1994). Diferente dos manifestados
___________________________ 1 In: “Notas sobre a mais antiga arte do mundo”, BARCELAR (s/d). Informação também confirmada
pelo professor do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará, Luizan Pinheiro da Costa, no “Grupo de Discussão sobre Grafite e Pichação”, durante o Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, realizado em Belém do Pará entre os dias 22 e 29 de julho de 2011. 2
O artista Jean Michel Basquiat ganhou popularidade primeiro como grafiteiro na cidade de Nova Iorque e então como neo-expressionista. A indiferença em relação à perspectiva e a posição infantil e ingênua em relação ao estilo são características suas. Keith Haring foi um artista gráfico e ativista estadunidense. Seu trabalho reflexiona a cultura nova-iorquina dos anos 1980. Alguns símbolos se tornaram muito representativos em sua obra: corações, cães, figuras andróginas, mãos, figuras humanas sem rosto.
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nos Estados Unidos, os primeiros grafites eram produzidos nos bairros e por jovens
de classe média. O que caracterizava sua linguagem eram a poesia, personagens
das histórias em quadrinhos e do cinema e o próprio ambiente urbano: o lixo, o caos.
Inúmeros grupos de intervenção urbana foram criados neste período, vários desses
artistas foram conduzidos à bienais, galerias de arte, e muitos também presos.
Decerto, o grafite passa a se constituir como uma representação, imagem de
resistência.
Hoje a cena do grafite no Brasil e no mundo se caracteriza por uma
multiplicidade de linguagens e técnicas, principalmente após o advento da internet,
que possibilita relações de troca de experiências, produção e disseminação de
conhecimento sobre qualquer tema. As culturas de grafite, que até então se
manifestavam isoladamente dentro delas mesmas, estão recebendo influências de
grafites de todas as partes do mundo. Um exemplo a ser citado é o site ArtCrimes3,
que abriga em seu banco de dados fotografias de grafites realizados em todo
mundo.
Essa possibilidade de acesso e divulgação do trabalho de cada um desses
interventores abre um leque de possibilidades técnicas (stencil, pastel seco, dentre
outras), a serem conhecidas e disseminadas, ao mesmo tempo em que registram
essas manifestações, que tem como uma de suas características, sua efemeridade.
Situado na região semiárida do Brasil (que corresponde a 75% do Nordeste
do país), o Território do Sisal é composto por 20 municípios4 e registra alguns dos
piores índices sociais brasileiros. Em contraste a esta realidade representada, este
Território destaca-se por uma imagem de resistência, podendo ser representada
pelo sisal (planta resistente a climas áridos) e também observada através da forte
mobilização da sociedade civil. A região abriga ainda antigas tradições, que
_________________________ 3
Site mais antigo sobre grafite, criado em 1994, destinado a fornecer informação cultural e recurso acadêmico sobre essa arte, ajudando a preservar e documentar essas pinturas efêmeras. Ao entenderem que sejam escassas as fontes documentais e a preservação de black books (cadernos pessoais onde são feitos os estudos, os primeiros traços, os esboços dos desenhos) passíveis de serem destruídos e/ou apreendidos, encontram na internet a melhor alternativa de publicar e preservar essas informações. Ver: www.graffiti.org. 4 Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba, Lamarão, Monte
Santo, Nordestina, Queimadas, Quinjingue, Retirolândia, Santa Luz, Serrinha, São Domingos, Teofilândia, Tucano e Valente (informação disponível em www.codessisal.blogspot.com).
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sobrevivem em meio ao contexto de pós-modernização, como Reisado, o Boi
roubado, os Festejos religiosos e a Literatura de cordel5.
Muitas vezes somos surpreendidos, nesta localidade, pelas diversas
manifestações artísticas de rua que surgem, sem aviso prévio, no nosso apressado
e opaco cotidiano. Repentistas, cordelistas, músicos, grafiteiros e tantos outros
formam esse imenso leque de representações artísticas manifestadas em locais
públicos. Muitas delas sem nenhuma pretensão econômica. O grafite se introduz
dentro desta perspectiva, dando voz a sujeitos que são diariamente banidos pela
mesma cultura de que se valem para a revelação de suas intervenções.
As contribuições teóricas que buscaram consolidar o discurso aqui exposto,
pautaram-se, sobretudo, no tocante ao aspecto imagético e artístico. Dialogando
com Bazin (1991), Barthes (1984), Dabray (1984) e outros, tornou-se possível
apreender conceitos e teorias referentes à criação, recepção e poder da imagem,
imprescindível no processo de produção e difusão de conhecimento, sendo capaz
de transformar consciências através do processo de construção social e cultural a
partir da mesma.
Ramos (1994), Fonseca (1981), Ganz (2004) dentre outros autores,
apresentam o percurso histórico-cultural do grafite desde os primórdios até os dias
atuais, elucidando seu processo de evolução técnica através de influências artísticas
que perpassam os movimentos de arte moderna do início do século XX, a Pop Art, o
neo-expressionismo e outros. Tendo como plano de fundo a anarquia, a contestação
do status quo, a poética de sua apropriação do espaço urbano, fazendo dele espaço
de manifestações de arte e conhecimento, refletindo e sendo absorvidos pela cultura
de onde se originam e por culturas outras através das Tecnologias de Comunicação
e Informação, fazendo desta uma arte global (FROÉS BURNHAM, 2000; FERRARA,
2002).
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5 Tratam-se de manifestações populares da cultura local. O Reisado é uma dança popular, de origem
portuguesa, com que se festeja a véspera e o Dia de Reis no período de 24 de dezembro a 6 de janeiro. Um grupo formado por músicos, cantores e dançarinos vão de porta em porta anunciando a chegada do Messias e fazendo louvações aos donos das casas. O Boi Roubado se constitui numa manifestação cultural que engloba arte, trabalho agrícola e música. Realizado durante a madrugada, é um trabalho conjunto destinado a ajudar algum membro da comunidade que não dispõe de recurso para determinada tarefa (como capinar uma plantação, por exemplo), esta pessoa é surpreendido com cantoria e fogos dos que se dispuseram a realizar tal serviço. A literatura de cordel se caracteriza pelos seus versos rimados originados em relatos orais e depois impressos em folhetos.
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Este estudo apoiou-se numa abordagem qualitativa. Este tipo de pesquisa
possui um caráter exploratório, ou seja, estimula os entrevistados a pensarem
livremente sobre determinado tema, objeto ou conceito (BECKER, 1997). Para tanto,
fez-se necessário recorrermos aos atores sociais que compõem a cena do grafite em
Conceição do Coité – os artistas, a fim de que eles elucidassem sobre sua relação
com esta arte a partir dos seus sistemas referenciais, sejam eles táteis, auditivos ou
visuais, partindo do pressuposto que no processo de construção do conhecimento
todos esses sentidos atuam veementemente (XAVIER, 2008), fazendo-se
(re)conhecer a respeito do grafite em Conceição do Coité no que tange às suas
mensagens e seus autores.
Sendo a pesquisa qualitativa capaz de mostrar aspectos subjetivos e atingir
motivações não explícitas, ou mesmo conscientes, de maneira espontânea (BEKER,
1997), esta possibilita uma série de possibilidades interpretativas a partir de
percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão a partir dos
sujeitos envolvidos, induzindo o pesquisador a desenvolver conceitos, idéias e
entendimentos a partir de padrões encontrados nos dados, ao invés de desdobrar
seu estudo através de hipóteses e modelos pré-concebidos objetivando comprovar
suas teorias.
1.1 OBJETVO GERAL
Fazer uma leitura do grafite produzido em Conceição do Coité, a partir de
uma produção fotográfica e contato direto com esta arte e seus autores, registrando
as características que dão especificidade a esta linguagem, que contempla não
somente os muros, mas toda a cidade e sua cultura.
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Identificar os espaços utilizados;
b) Identificar os autores que criam os grafites;
c) Compreender sobre o sistema de referência dos autores (quais suas
influências);
d) Tecer um diálogo mais profundo com esses autores, entendendo que a arte
é o reflexo de suas subjetividades;
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e) Possibilitar a fala dos autores grafiteiros coiteenses, artistas que realizam o
grafite.
1.3 JUSTIFICATIVA
Ao sairmos todos os dias de nossas casas, para a execução das atividades
diárias, nos confrontarmos com multiplicidades de imagens, ícones e símbolos
espalhados por toda a cidade. Apesar disso, nosso olhar já se encontra “inerte” ao
cotidiano. Muitas dessas imagens nos passam despercebidas. É a automatização do
nosso olhar, o torpor de nossas sensibilidades (XAVIER, 2008).
Ao mesmo tempo, esta tal multiplicidade de imagens, nos fatiga. Anúncios
publicitários, campanhas eleitorais, placas de trânsito, dentre tantas outras parecem
assediar nosso olhar, provocando uma poluição e confusão visual. Nesse caos
imagético, de intervenções, onde a cidade é seu suporte, emerge o grafite e as mais
variadas formas de arte urbana, que nos tomam de assalto, invadem nossa rotina
acinzentada e nos convidam a dialogar com suas composições.
Deste modo, de forma democrática e gratuita, onde qualquer transeunte
pode apreciar, modificar e refletir, o grafite vai “tatuando no corpo” da cidade
pensamentos, expressões, marcas de uma cultura e contexto sociocultural que os
absorve, e ao mesmo tempo os rejeita.
Dando voz a sujeitos pertencentes a uma esfera social geralmente oprimida,
o grafite se apropria do espaço urbano, estendendo-se aos espaços de
aprendizagem sacralizados pelas elites intelectuais. A cidade torna-se assim lugar
de produção e disseminação de conhecimento (FROÉS BURNHAM, 2000).
Tal produção se dá de maneira consciente. Trata-se de uma participação
voluntária dos membros que compõem a sociedade, que desafiam as formas
hegemônicas de produção de conhecimento através da valorização de saberes e
multiplicidade de visões de cada um. Nesta conjuntura, não existe hierarquização de
conhecimento, todos podem produzir e aprender a partir do outro (FROÉS
BURNHAM, 2000).
Ao ocuparem os lugares sacralizados pela cultura, os grafiteiros transgridem
as convenções, violando as expectativas que sua cultura pré-estabelece.
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Confrontando as regras, ao imprimirem suas mensagens sem autorização, estando
sujeitos a multas ou prisões, esses interventores suportam uma carga emocional
muito grande, ao saírem de suas casas, geralmente de madrugada, com suas latas
de spray, olhando para os lados, receosos de serem pegos. Todo esse processo de
criação influi na escolha da técnica, do local, e desta forma, no próprio resultado da
intervenção.
Intervenções artísticas de rua como o grafite, se apoiam no proibido, no
anárquico, provocando surpresa, e deste modo, gerando “novos modelos de
sensibilidade para as massas, que eles comecem a fazer sentido para um público
cada vez maior, porque „amanhã‟ uma pichação já aparece numa revista, numa
novela, e por aí vai” (PIGNATARI apud FONSECA, 1981, p. 44). Deste modo, essas
formas de expressão culturalmente marginalizadas são nutridas pelo mesmo sistema
que as rejeita.
Assim sendo, a importância deste estudo reside na possibilidade de análise
e registro de uma arte democrática, gratuita, que transgride e educa; dissemina
mensagens de cunho político e social; descentraliza poder de vozes; desmonta
hierarquias de produção e disseminação de conhecimento. São as pessoas, sua
cultura, a conjuntura da cidade e a própria urbe expressas em forma de tinta e
concreto.
A cidade de Conceição do Coité surge como plano de fundo do estudo
dessas manifestações por ser a cidade onde se situa a universidade que ofereceu
suporte técnico e teórico para a realização deste trabalho.
A fotografia emerge neste estudo como suporte que irá registrar as
manifestações do grafite e grafiteiros, suas falas, fazendo migrar esta arte de rua
para outro local, o acadêmico – espaço que deve cumprir com o seu papel em
(re)conhecer e legitimar o conhecimento produzido sócio-historicamente (FROÉS
BURNHAM, 2000) – pretendendo gerar um (outro) olhar crítico a partir de suas
composições estéticas.
Desde o momento em que é idealizada pelo fotógrafo, a fotografia sofre
influências, ao passo que o recorte que lhe é dado provém de uma interpretação que
o fotógrafo faz de sua realidade. Podemos afirmar, segundo Kossoy (2000), que nela
estão incutidos os elementos constitutivos, que são o aparato técnico, cultural e
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mental do fotógrafo e as coordenadas de situação, ou seja, toda fotografia
corresponde a um tempo e espaço definidos, o que, por sua vez, irá influenciar na
sua recepção que provém, sobretudo, de uma rede de interpretações subjetivas.
A fotografia está embebida em subjetividade no que diz respeito à interpretação das imagens, não podemos negar que a subjetividade está presente também no processo de criação da imagem [...] ao mesmo tempo a fotografia mantém seu compromisso com o real e a evidência dos fatos. A essência da fotografia consiste no seu compromisso com o real (BITTENCOURT apud DINIZ e VEIGA, s/d).
Deste modo, por nos oferecer imagens de uma realidade fragmentada, a
fotografia torna-se suporte pertinente para a apresentação do grafite, podendo gerar
outros olhares às suas mensagens, ao explicitar através de um determinado ponto
de vista como esta arte se revela e o que nela está constituído.
Para Barthes (1984) a fotografia é inclassificável, ao passo em que capta um
momento, “congela” um instante específico que não poderá se repetir
existencialmente, e pondera que ela pode simular quanto ao seu sentido, mas nunca
quanto à sua existência. Assim, a fotografia recebe um caráter de “testemunha” de
fatos históricos, possibilitando a decodificação de tais eventos e a partir daí pode
transformar a consciência humana através das imagens e das sensações que elas
provocam, resultando numa possível transformação de recepção, como observam
Diniz e Veiga (s/d, p.6).
Os diversos olhares para a mesma direção podem ser distintos quanto às suas percepções. Cada um dos envolvidos (seja o sujeito de pesquisa ou o pesquisador, ou ainda o observador-intérprete) tem uma percepção que se relaciona com sua realidade subjetiva, entendendo que o conhecimento interno é influenciado pelo externo.
Assim, aliando fotografia ao grafite, o que se pretende também é a obtenção
de registros dos grafites produzidos em Conceição do Coité, apossando-se da
fotografia como instrumento de informação e registro factual e, sobretudo, instigante
aparato de reflexão.
O resultado da produção fotográfica, os registros, as fotografias em si,
justificam a escolha do suporte também em função de possibilitar num momento
futuro uma exposição (na universidade, Centro Cultural, e/ou outros espaços físicos-
territoriais), bem como a divulgação através de ferramentas virtuais da web,
potencializando a troca de saberes.
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1.4 PÚBLICO-ALVO
Este estudo e produção fotográfica destinam-se aos estudantes, de maneira
indiscriminada, que possam ver através deste trabalho, o grafite como uma
alternativa de absorverem conhecimentos outros, fora dos lugares onde geralmente
o conceito de educação é difundido e aplicado (igrejas, lares, escolas,
universidades). Que percebam através da fotografia o diálogo poético entre o grafite
e a cidade.
Aos artistas que realizam o grafite, para que se entendam como tais, que
possa servir de incentivo à produção e legitimação desta em Conceição do Coité,
bem como sua valorização enquanto arte e instrumento de educação e
conscientização social.
Aos representantes do poder público vigente, para repensarem a
importância do grafite como possibilidade de abertura de novos caminhos à sujeitos
que são frequentemente seduzidos e sugados pela marginalização, bem como a
valorização dos artistas, banidos do sistema de distribuição de verbas destinadas à
cultura dentro do município de Conceição de Coité.
Por fim, a universidade, de uma forma geral, no sentido de que esta possa
cumprir com o seu papel e compromisso social – de reconhecer e legitimar o
conhecimento sócio-historicamente construído (FROÉS BUNHAM, 2000; SANTOS
2000).
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2. TRANSGRESSÃO, POESIA E ESPAÇO URBANO Fero/cidade
Selva/cidade Dupli/cidade
Menda/cidade Fuga/cidade Rapa/cidade Vora/cidade
(Cassiano Ricardo, 1964)
Os primeiros grafites1 - o mais antigo método de registro gráfico do homem -
datam do período paleolítico, quando os homens pré-históricos, com objetos
rudimentares (como ossos de animais, cerâmicas e pedras como pincéis, além de
fabricar suas próprias tinturas através de folhas de árvores) grafavam seus símbolos
herméticos em grutas como em Lescaux, Altamira e Pompéia (GITAHY, 1999).
Na década de 1960, fomos surpreendidos com o retorno deste método de
registro de linguagem. No turbulento maio de 68, em Paris, num cenário de
contestação político-ideológico que se tornou terreno ideal para a fertilização desta
prática, era possível perceber nos muros da Universidade de Sorbonne e em seus
arredores, frases como “A imaginação toma o poder”, “A burguesia não tem outro
prazer senão de degradar a todos”, “Corra, camarada, o velho está atrás de você”
(FONSECA, 1981).
Ao se manifestarem contra o status quo, utilizando dentre outras ações, as
inscrições em muros, mesmo que em lugares restritos, os estudantes parisienses
fizeram ecoar para outro continente a prática lúdico-transgressora do grafite.
A exemplo do maio de 68 da França, outra manifestação de expressão
através da linguagem começa a disseminar na cidade de Nova Iorque em meados
de 1972. Negros e porto-riquenhos utilizaram o grafite como instrumento de
denúncia contra as perseguições racistas e as péssimas condições dos
___________________________ 1 Segundo o Dicionário Aurélio, provém etimologicamente do italiano graffiti, plural de graffito, e se
define como palavra, frase ou desenho, geralmente de caráter jocoso, informativo, contestatório ou obsceno em muro ou parede de local público. Nesta acepção: pichação. No etimológico, a denominação grafite, está associada a graph(o) com uso corrente em expressões da época como geographia. Deste modo, toma-se de empréstimo a denominação geographia, para enfatizar a importância do grafite como grafia da cidade, dos espaços geográficos, entendendo-se deste último, espaço de construção coletiva (CUNHA, 2001; SANTOS, 2000)
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guetos (FONSECA, 1981).
O diferencial do grafite nova-iorquino residia não somente em seu discurso,
que era mais agressivo que o francês, mas também na gama de possibilidades de
locais grafitados: ônibus, monumentos, viadutos, túneis, elevadores e metrôs, eram
os alvos prediletos. Neste último os grafiteiros encontraram um meio eficaz de
percorrer toda a cidade, os inspirando a encontrar novas formas de dar maior
destaque às suas obras e assim aprimoraram seus traços tornando o grafite nova-
iorquino mais conhecido pela sua qualidade estética.
Ao invés da linguagem limpa e conceitual dos franceses, apossava-se dos metrôs uma furiosa imaginação gráfica (...). As palavras se transformavam num outro tipo de signo, cuja semântica original importava muito pouco, ao contrário das palavras-conceitos (RAMOS, 1994, p. 27).
Durante este período, estima-se que não houve sequer um trem que não
houvesse sido pintado, contudo, este quadro mudou após a intervenção das
autoridades, que passaram a punir os grafiteiros sujeitando-os a limpar todo
ambiente “degradado” pelas suas pinturas.
O conteúdo desses grafites não era de cunho político ou pornográfico, os
interventores grafavam seus nomes ou pseudônimos, ou tags2, geralmente
acompanhados dos números de suas ruas: Eddie 135, Woodie 110, Shadow 137,
como uma espécie de matrícula simbólica destinada a derrotar o sistema comum
das apelações. “Este ato consistia em dizer: „Eu existo, eu sou tal, eu habito nesta
ou naquela rua, eu vivo aqui e agora‟” (Baudrillard apud Ramos, p. 37, 1994).
Neste momento, o fenômeno do grafite já ganhava formas na Europa, tendo
os trens como seus principais alvos. As masterpieces (em inglês, “obras-primas”)
tomaram as principais cidades europeias no início da década de 80, entretanto, é
somente através do advento do Hip Hop – movimento cultural que se iniciou nas
áreas centrais de comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de
___________________________
2 Tag, em inglês significa etiqueta, rótulo. É uma palavra-chave ou termo associado com uma informação, usualmente escolhidas informalmente e como escolha pessoal do autor ou criador do item de conteúdo. No caso do grafite, especificamente, as tags surgem geralmente como pseudônimo dos interventores (GANZ, 2003).
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Nova Iorque, apoiado por quatro pilares essenciais: o rap, o DJ, a breakdance3 e a
escrita do grafite – que a cena do grafite europeu ascendeu.
Com o Hip Hop, esta arte adentrou os mais diversos países ocidentais,
influenciando os que viriam surgir também no oriente. “Embora só mais tarde tenha
chegado à Ásia e América do Sul, hoje a cultura do grafite nesses lugares cresce a
uma velocidade surpreendente, tendo já alcançado um alto padrão, principalmente
na América do Sul” (GANZ, p. 10, 2004).
O grafite chega ao Brasil no final da década de 70, em meio a um contexto de
repressão, durante o regime militar, que havia sido instaurado há mais de 15 anos.
Tendo a cidade de São Paulo sua capital difusora, esta prática surge próxima das
universidades e bairros de classe média, possuidora de um índice de alfabetização
intenso, a partir de grupos ligados à arte: poetas, estudantes de arquitetura e
técnicos em desenho. Eram diretamente influenciados pelos grafites nova-iorquinos,
e como não encontravam outro canal para expressarem suas obras, se apropriaram
das estações de metrô para espalharem seus desenhos e poesias.
A novidade estaria assim: Paris, maio de 68, filósofos; Nova Iorque 60 e 70, artistas visuais; Brasil, São Paulo, particularmente, poetas, e essa é sua grande originalidade, pois a massa de iniciativa por aqui foi comandadas por poetas. (PIGNATARI apud FONSECA, 1994, p. 50).
Neste período alguns grupos de arte foram organizados, com intuito de
oferecer à cidade uma releitura do espaço urbano a partir de intervenções.
Limitaremos-nos a citar os precursores: 3nós3 e TupiNãoDá, devido às
repercussões artísticas, frequentemente ratificadas pelos meios de comunicação
durante o período em que foram realizadas.
O primeiro grafite surgido no Brasil foi o de um desenho de uma intrigante
bota de cano alto e salto agulha, de Allex Vallauri, multiplicado pela cidade de São
Paulo através de uma técnica conhecida como stêncil. Trata-se uma prática
___________________________ 3 O rap se caracteriza pelo seu discurso rítmico com rimas e poesias, que surgiu no final do século XX
entre as comunidades negras dos Estados Unidos, um estilo musical em que o texto é mais importante que a linha melódica ou a parte harmônica. Um disc jockey ou disco-jóquei (DJ ou dee jay) é um artista profissional que seleciona e roda as mais diferentes composições, previamente gravadas para um determinado público alvo. Breakdance é um estilo de dança de rua, parte da cultura do Hip-Hop criada por afro-americanos e latinos na década de 1970 em Nova Iorque, Estados Unidos. Normalmente é dançada ao som do rap ou de electro (SOUZA, s/d).
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diretamente influenciada pela Pop Art4, uma máscara, formando um molde onde é
aplicada sobre a parede com tinta (aerossol ou não), permitindo ao artista reproduzir
inúmeras vezes um mesmo desenho com fidelidade e rapidez. Outro grafite
conhecido deste período consistia na frase: “Ah Ah BEIJE-ME” e ao lado uma
enorme boca carnuda.
O autor deste último era o artista Hudinilson Junior que juntamente com Mário
Ramiro e Rafael França formou o grupo 3nós3 com proposta de “interversões” no
espaço urbano. Essas atuações não se manifestavam apenas através do grafite, no
ano de 1979, o grupo encapuzou com sacolas plásticas monumentos da cidade,
chamando atenção dos passantes para o que é diariamente ignorado, este ato
chamou atenção da imprensa, que na manhã seguinte noticiou o fato. No mesmo
ano, os artistas do 3nós3 vedaram com fita crepe as portas das principais galerias
de arte de São Paulo deixando bilhetes com a frase “O que está dentro fica, o que
está fora se expande.” Segundo Gitahy (1999), o grupo realizou uma série de
dezoito intervenções pela cidade até 1982, quando se findou.
Já o artista Alex Vallauri, principal precursor do grafite no Brasil, era ítalo-
etíope com passagem por Nova Iorque, chegando ao Brasil em 1964, vindo de
Buenos Aires e costumava inicialmente desenhar mulheres seminuas do Porto de
Santos. A bota mencionada acima logo foi incorporada a uma luva, depois um
óculos, um biquíni de bolinhas e toda a cidade foi acompanhando com curiosidade
durante a década de 70 o surgimento de uma bela mulher latina.
A bota de Vallauri logo foi seguida por uma pantera negra de Alex Raymond,
também o jacarezinho da grife LaCoste, a televisão, o carrinho de supermercado,
fizeram parte do repertório da época (RAMOS, 1994), todos esses desenhos criados
a partir de máscaras tipo estêncil.
As intervenções daquele período tiveram antecedentes tanto dadaístas5,
__________________________ 4
Movimento artístico com raízes no Dadaísmo. Começou a tomar forma no final da década de 1950, quando alguns artistas, após estudar os símbolos e produtos do mundo da propaganda nos Estados Unidos passaram a transformá-los em tema de suas obras. Sua iconografia era a da televisão, da fotografia, dos quadrinhos, do cinema e da publicidade. Como exemplo podemos citar Andy Warhol, figura central do movimento nos Estados Unidos, que reinventou a Pop Art com a reprodução mecânica e incessante dos temas do cotidiano e artigos de consumo (CRUZ, 2003). 5
Relativo ao Dadaísmo. Movimento artístico surgido no início do século XX, que propunha a preconização da perda da unicidade da obra de arte; oposição a qualquer tipo de equilíbrio;
21
como o exemplo dos monumentos encapuzados pelo grupo 3nós3, com a
apropriação e transformação do lixo urbano, quanto da Pop Art, na reprodução
incessante do cotidiano diário. Deste modo:
Vallauri, ao descontextualizar os símbolos da cultura consumista e reproduzi-los, sem alterações formais, nas paredes da cidade – suportes fixos, não habitualmente prontos pra recebe-los – estavam criticando estes símbolos, tanto no que eles representam – quanto a aparência imposta a eles pela mídia, que prioriza a forma ao conteúdo (...). Vallauri escolheu por ironizar, a imagem de porcos e frangos, assados “apetitosos” que fumegavam na porta das lanchonetes paulistanas, com sua “irresistível” aparência (RAMOS, 1994, p. 93).
Não tardou para que Vallauri se vinculasse a outros artistas, como Carlos
Matuck. Neste período, cursava arquitetura e em sua obra trabalhava com colagens
e carimbos. Como era amante das histórias em quadrinhos, os reproduzia pela
cidade de São Paulo. Segundo Matuck, esta prática funcionava como uma espécie
de protesto editorial, já que havia personagens que ele julgava ser interessantes
como o Reizinho da história em quadrinhos Contestazione di sua Maestá, de Otto
Slogow (MATUCK apud FONSECA, 1994). Este quadrinho contava de maneira
divertida as mordomias que todo chefe de estado se regozija e toda a bajulação de
seus súditos. Naquele período era impraticável sua edição no Brasil, numa época de
regime militar.
Deste modo, seu protesto transcendia a questão editorial, passando para um
protesto político-social, despertando em pouco tempo a curiosidade do estudante de
arquitetura Waldemar Zlaider. A entrada de Zlaider para o grupo trouxe maiores
preocupações estéticas e sociais, “não mais só o aspecto prático, o desenho ou
local importavam, mas passaram a importar as considerações técnicas de desenho
e pintura em ambientes livres: luz, cor, local, tamanho, material e público” (RAMOS,
1994, p. 95).
Os grafites de Vallauri, Matuck e Zlaider, aos poucos foram se aprimorando. Não
eram feitos de maneira a fragmentar a imagem e inserir aleatoriamente na cidade,
mas de forma a utilizar a cidade como parte integrante dos desenhos, fazendo com
__________________________
combinação de pessimismo irônico e ingenuidade radical, ceticismo absoluto e improvisação (CRUZ, 2003).
22
que as imagens dialogassem com o suporte. Nos grafites dos quadrinhos TINTIM e
o Ladrão6, por exemplo, eram fixadas nas casas e as janelas e portas acabavam
dialogando com o desenho, integrando-os à estrutura da composição.
Não somente os quadrinhos faziam parte do repertório de influências do trio
de artistas. A exemplo de Andy Warhol7, que enfatizou ícones como Marilyn Monroe
e Elvis Presley, Vallauri, Matuck e Zlaider passaram a imprimir na cidade
personagens marcantes do cinema, como O Gordo e O Magro, fazendo-os integrar à
rotina dos paulistanos (RAMOS, 1994).
Um marco importante na história do grafite paulistano foi a ida temporária de
Vallauri à Nova Iorque. Durante esse período, Matuck e Zlider permaneceram no
país aprimorando suas obras, buscando cada vez mais qualidade estética. Ao
regressar Valluari juntou-se novamente a seu grupo, e passaram então a elaborar
nos muros da cidade ambientações “neo-dadas8”. Primeiro saíam à procura de lojas,
fachadas, voltavam ao ateliê e escolhiam cuidadosamente o desenho e regressavam
de madrugada para pintar o local previamente escolhido.
Esses trabalhos de ambientações lembram aspectos de humor dadaístas pelo uso de materiais não artísticos, que ironizam o mito do consumismo e até da arte, também características dadaístas; por outro lado, tanto a elaboração dos projetos, quanto a confecção das máscaras nos ateliês, lembram-nos procedimentos construtivistas que pretendiam aproximar os artistas dos cientistas e engenheiros (FONSECA, 1981, p. 100).
Nos anos 80, fomos surpreendidos por outro grupo de intervenções urbanas,
o já mencionado TupiNãoDá. O nome do grupo fora inspirado num poema de
Roberto de Moraes, que por sua vez inspirou-se numa história de Oswald de
Andrade: “Você é tupi daqui/ Ou é tupi de lá?/ Você é tupiniquim/Ou Tupinãodá?”
(RAMOS, 1994).
Formado por Jaimes Prades, na época, estudante de letras, Milton Sogabe,
_______________________________ 6
História em quadrinhos europeia criada em 1929, pelo autor belga Georges Prosper Remi, conhecido como Hergé (RAMOS, 1994). 7 Empresário, pintor e cineasta norte-americano, expoente do movimento Pop Art.
8 Rótulo aplicado principalmente à arte de áudio e visual que tem semelhanças ou intenção Dadaísta.
Exemplificado pela sua utilização de materiais modernos, imaginário popular, e contraste absurdo. Ele também nega claramente os conceitos tradicionais de estética (CRUZ, 2003).
23
professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Eduardo Duar, José
Carratu e César Texeira, que neste período estudavam na Universidade de São
Paulo (USP). O TupiNãoDá promovia ações de intervenções, muitas delas utilizando
grafite. A reunião deste grupo começou com um caráter político, tendo como plano
de fundo o contexto dos anos 80, com a luta pela democracia e o grito pelas “Diretas
Já”. Deste modo essas intervenções eram parte da luta pela liberdade de expressão
política e artística:
Seguindo os passos dos artistas do início do século XX, que viam na arte uma linguagem modificadora das relações entre o homem, a imagem e o meio ambiente, O grupo debruçou-se sob as ideias de Duchamp, que já pregava a arte enquanto ideia. Andy Warhol, que levava o cotidiano para as artes; e principalmente nas pesquisas de Jean Duduffet, para quem a arte, enquanto forma, deveria ser pesquisada nos desenhos das crianças e dos loucos, e enquanto suporte, canal, nos grafite das paredes (FONSECA, 1981, p. 111).
Além destes artistas, o movimento buscava inspiração na atuação do
performático brasileiro9. A partir daí, deu-se início às intervenções. Primeiro houve
instalações com sacos de lixo na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo),
recuperando marcas dadaístas, ao se utilizarem de sucata para a composição das
obras, buscando através do lixo urbano suas expressões poéticas (RAMOS, p. 123).
Inúmeras intervenções foram feitas, não se restringindo a capital paulista.
Ganhando notoriedade na mídia, o grupo fora convidado para várias exposições de
arte, não obstante, não impediu que o presidente em atividade, Jânio Quadros
repreendesse inúmeras vezes esses artistas, tanto por meio de “limpezas”
frequentes nos espaços públicos, quanto por apreensões de artistas e seus
materiais. Em contrapartida, essa proibição fez com que os olhos do público e da
imprensa se voltassem à esta prática essencialmente transgressora.
__________________________
9 Happenings e performances são eventos que propiciam a ação de uma artista em sociedade.
Segundo Pignatari, em entrevista concedida a Fonseca (1981, p. 36): “O que caracteriza o spray é o fato dele ser uma escritura em público. O modo pelo qual o poeta conseguiu ir além da barreira da escritura particular [...] os grafites são um happening. A escritura transformada em evento público. Um espetáculo”.
24
Com base no levantamento de dados correspondentes a este trabalho de
investigação (pesquisa bibliográfica, iconográfica dentre outras), construiu-se um
quadro referencial (abaixo) para a compreensão do grafite e seu tempo:
O GRAFITE EM SEU TEMPO E ESPAÇO
LOCAL/PERÍODO
AUTORES
CARACTERÍSTICAS
EXEMPLO
Altamira/período paleolítico
Homens pré-históricos.
Desenhos e símbolos herméticos feitos com ossos, pedras, cerâmica e produção de tintura através de folhas.
França/1968 Estudantes universitários.
Grafites de cunho político e filosófico.
Estados Unidos/ década de 1970
Negros e porto-riquenhos.
Tags, masterpierce, em exacerbados tamanhos e cores. Encontraram no metrô um suporte para o grafite percorrer toda a cidade.
Estados Unidos/ década de 1980
Jean Michel Basquiat.
Frases e desenhos de rostos grotescos que não tardou a invadir as principais galerias de arte.
25
Estados Unidos/ década de1980
Keith Haring. Símbolos que se tornaram muito representativos em sua obra – corações, cães, figuras andróginas, mãos, figuras humanas sem rosto.
Brasil/ década de 1980
Carlos Matuck Primeiro grafite a adentrar o país, a famosa bota de cano alto, produzida através da técnica do stencil.
Brasil/ década de 1980
TupiNãoDá Grafites elaborados pelos estudantes de artes plásticas e urbanismo. Neles constavam poesias, desenhos influenciados principalmente pelo cinema e revista em quadrinhos.
Brasil/ década de 1980
Alex Vallauri A já citada neste estudo “Mulher com o Frango Assado”, que ganhou uma sala especial na 18º bienal de São Paulo em 1985.
Brasil/ dias atuais Otávio e
Gustavo Pandolfo, conhecidos como Gêmeos, dupla de irmãos reconhecidos internacio-nalmente.
Com o advento da internet, os grafites atuais não possui uma linguagem unificada, e sim híbrida, mestiça. Cada artista possui sua técnica e estilo, o que varia, neste caso, é a temática, estando sujeitas às subjetividades de cada um. No caso dos Gêmeos, os temas vão de retratos de família à crítica social e política.
26
2.2 Grafite em Conceição do Coité
Ao nos debruçarmos sobre o grafite produzido em Conceição do Coité,
devemos antes elucidar algumas questões que por muitas vezes irão nos dar
suporte ao entendimento das imagens “tatuadas” na cidade, fazendo dela uma
galeria de arte a céu aberto.
A cidade de Conceição do Coité localiza-se no nordeste baiano, mais
precisamente na Região Sisaleira, cujo reconhecimento se deve pela extração e
exportação do sisal (ou agave, nome cientifico da planta), sua principal atividade
econômica. Abriga pouco mais de 60 mil habitantes, segundo dados do ultimo senso
demográfico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE).
A região é caracteriza pelo clima seco, sendo sua vegetação predominante a
caatinga. Corresponde a demarcação do polígono das secas. A exploração de
pedras, o cultivo do sisal, a pecuária e a agricultura constituem-se como as bases de
sustentação econômicas mais significativas para os trabalhadores rurais.
Neste contexto, os habitantes desta região são desafiados a permanecerem,
assim como grande parte dos sertanejos, com todas as limitações de caráter
ambiental, econômicas e políticas (o cenário político é marcado pelo coronelismo, já
que em muitas cidades é considerada comum a prática de famílias permanecerem
no poder durante décadas).
A partir das características supracitadas, no que tange a aspectos
socioculturais e geográficos, podemos afirmar que Conceição do Coité não possui o
perfil dos grandes centros onde normalmente o grafite se manifesta, contudo, isso
não impediu que o mesmo adentrasse a cidade e se espalhasse por suas ruas, nos
surpreendendo, de maneira a não ficarmos indiferentes diante às suas imagens.
O grafite de Conceição do Coité (e Região Sisaleira) emerge das periferias.
Seus autores tornam-se porta-voz de uma esfera social banida diariamente pelo
poder público e pela mídia, gritam por uma sociedade mais igual, por respeito.
Denunciam o preconceito, a falta de assistência dos governantes. Sobrevivem em
muros, quadras de esporte, rampa de skate, e não diferente dos demais, estão
sujeitos a esmaecerem (devido a exposição ao ambiente externo) ou são
27
frequentemente abafados por uma camada de tinta pelos que se opõem a esta
prática.
Por se tratar de uma arte gratuita, como já foi dito, seus autores a fazem pelo
prazer de deixarem expostas e acessíveis à todos suas expressões artísticas e
deste modo serem reconhecidos enquanto seus autores e por estarem desta
maneira incutindo nas pessoas valores essenciais, através de uma prática artística
democrática que nos convida a interagir, a dialogar com o espaço urbano e suas
mensagens.
Hoje existem somente dois grafiteiros em atividade, dois dos precursores do
grafite na cidade: David Matos e Valdinei Xavier10, cujos seus pseudônimos, Medone
e Fera respectivamente.
David, 27 anos, nasceu e vive em Conceição do Coité, onde atualmente
trabalha como auxiliar de serviços gerais no Hospital Regional. Sua relação com o
grafite começou a partir do contato com pessoas ligadas a pichação, no período em
que era interno na Escola Agrícola Vasny Moreira de Vasconcelos, entre os anos de
1996 e 1997. Neste mesmo período foi conhecendo técnicas e estilos de grafite
através da revista “Almanaque de Grafite”. A partir daí, começou a desenvolver os
primeiros traços nos seus cadernos até partir para inscrições nos muros da cidade,
em 1998. Reunia-se com um grupo de garotos e saía pintando por lugares afastados
do centro, com uns materiais não tão comuns: giz de cera, buchas, pincel, ou
qualquer objeto que servisse de instrumento para registrar suas inscrições. Gosta de
música, futebol e fotografia, e inspira-se no cotidiano para compor suas obras. “Tudo
que se move é uma fonte de inspiração”, afirmou em depoimento (prestado em
24/07/2011). Em seus desenhos comumente encontramos referências de suas
preferências musicais, personagens fictícios de feições disformes, caricaturadas.
Valdinei Xavier, 23 anos, também nasceu e ainda mora em Conceição do Coité.
Como não trabalha atualmeente, recebe o apoio dos pais para continuar fazendo
arte de rua. Ao encontrar Medone em 2001 fazendo grafite, resolveu aprender a
fazê-lo. Daí pra frente foi só transgressão. Começaram a comprar materiais e pichar
durante a madrugada na quadra de esportes da cidade, pulavam
__________________________ 10
os nomes citados são reais e constam explícitos por autorização dos autores. Surgem explícitos, ainda, como forma de legitimá-los sujeitos autores, grafiteiros e artistas
28
muros de colégios e mesmo sob ameaças de alguns moradores, não pararam de
inscrever por aí seus “rabiscos”. Seu forte são as tags, assim como os nova-
iorquinos da década de 1970, composto por traços de difíceis interpretações ao
primeiro olhar e uma gama de cores vibrantes, recebido por muitas pessoas como
sendo uma pintura abstrata, muitas vezes gerando um certo estranhamento. Inspira-
se nos grafites produzidos fora do Brasil, especialmente os que possuem uma
coloração mais exagerada, e em Medone, quem o introduziu no universo do grafite.
Em 2002, a cena do grafite chegou a compor um grupo de vinte pessoas, que
aos poucos foram se dissipando, alguns principalmente por questões financeiras – já
que tratamos aqui de uma arte gratuita e pela aquisição do material ser
relativamente caro. Além dos já citado, Medone e Fera, compunham a cena do
grafite durante aquele período: Pluto, Urubu, Cobra, DNL, Flip, Vadio, Zero, Freak,
Monk, Rato, Pqno11, dentre outros.
Saíam pelos povoados a fora em busca de lugares para pintar, muitas vezes
sem conhecer esses lugares. Não raro, moradores dessas regiões pagavam lanches
em troca de pinturas em seus muros. Com o passar do tempo, foram se
aperfeiçoando artisticamente, mesmo sem nenhum apoio financeiro.
Segundo Fera, falta apoio e respeito a estes artistas por parte do poder
público da cidade. Em contraste com realidades de cidades como Serrinha, Feira de
Santana e Salvador, onde são promovidos pelas prefeituras encontros de grafiteiros,
oficinas de grafite à comunidade, ajuda de custo e concessão de materiais para
estes artistas, o poder público de Conceição do Coité banaliza e muitas vezes
descriminaliza o grafite produzido na cidade, caracterizando-os como ato de
vandalismo. Fera pontua que esse tipo de atitude acaba desencadeando um
preconceito que se estende à sociedade coiteense, “fechando a mente das pessoas
para esse tipo de arte” (depoimento concedido em 12/07/2011).
Não raro, os grafites elaborados pelos grafiteiros em questão são apagados,
sendo desrespeitosamente substituídos por anúncios publicitários. É válido salientar
____________________________
11 Registra-se aqui apenas o pseudônimo, o nome artístico dos sujeitos, pela falta de informação
precisa sobre os mesmos.
29
que antes do grafite ir parar nas ruas, passa por um processo de criação que
demanda tempo e dinheiro. É idealizado, posto no papel, adquire um estilo. Estes
grafiteiros compram seus materiais (geralmente, para se fazer um grafite é gasto em
torno de R$ 150,00) e depois daí realizam seus trabalhos, ganhando em troca,
talvez, o reconhecimento dos habitantes da cidade.
Ao participarem de encontros de artistas urbanos em outras cidades, estes
artistas acabam levando o nome de Conceição do Coité a outros lugares. A cidade
acaba sendo referência regional em manifestação artística de rua, mesmo sem o
apoio nenhum da prefeitura local (é importante salientar que a falta de apoio a esta
arte, segundo os artistas, sempre existiu).
Os próprios artistas são quem fazem esta arte sobreviver em meio à falta de
sensibilidade do poder público. Em 2008, foi realizado na cidade, um encontro de
grafiteiros12 que recebeu artistas a nível nacional, dentre outros que configuram a
cena do grafite baiano. Toda a organização do evento ficou a cargo dos artistas
David Matos e Valdinei Xavier13.
Em 2009 os artistas criaram um projeto social que foi entregue à Secretaria
de Educação e Cultura do município. Este projeto tinha o objetivo de serem
promovidas aulas (duas vezes por semana) a estudantes da rede pública da cidade.
Estas aulas, que seriam ministradas pelos próprios artistas, teriam o intuito de
elucidar conceitos e técnicas de grafite e, sobretudo, a importância desta arte para a
tomada de um novo rumo diferente do oferecido pela conjuntura de onde provinham
esses alunos – a criminalidade. Apesar da grande importância que podia exercer na
vida social desses jovens, o projeto foi engavetado.
___________________________ 12
O encontro tinha a finalidade de fazer voltar os olhos da sociedade e poder público pra a prática do grafite que há muito vem crescendo em todas as partes do mundo. Entendendo que há verba destinada a práticas culturais dentro do município de Conceição do Coité, os artistas procuravam reivindicar a má distribuição (ou distribuição alguma, segundo os mesmos) desta verba a estas e as demais manifestações. O encontro consistia numa concentração de grafiteiros (reuniu-se, por fim, 32), que realizaram intervenções no bairro do Açudinho, zona periférica da cidade, aberto a toda comunidade. Segundo Fera, em depoimento (12/07/2011), o grafite atua como um “elo” de ligação entre os grafiteiros, pois muitos dos que participaram do evento, compareceram, sobretudo, para fortalecer o movimento da arte na cidade e o reconhecimento de seus autores enquanto artistas. Mesmo com a falta de apoio da prefeitura, o evento ganhou repercussão dentro de Conceição do Coité e região, sendo exibido através de uma matéria na emissora TVE e nas rádios da cidade. 13
O Centro de Promoção da Educação, da Cultura e da Cidadania (CPECC), da cidade de Conceição do Coité apoiou a iniciativa concedendo alojamento.
30
Os episódios supracitados refletem o descaso que esta arte e seus autores
sofrem na cidade. O poder público coiteense ignora e vilipendia a importância da
arte para a construção de uma consciência política e social; do seu papel na
inserção social de jovens diariamente marginalizados e conduzidos à criminalidade;
na edificação de uma nova realidade menos atroz.
Nesse ínterim torna-se contraditório e até mesmo grotesco rotular o grafite
como ato de depredação ambiental e seus autores como vândalos e criminosos.
Não raro, são tratados como tais pela polícia, que muitas vezes, ao flagrarem os
grafiteiros com suas latas de tintas na mão, agem de maneira pouco simpática,
abordando com gritos e sacando armas.
Para Fera, o grafite tem uma importância imensurável. Ex-morador do bairro
Açudinho (situado na zona periférica da cidade, conhecido por ser um dos bairros
mais perigosos da cidade), ele afirma que muitos dos amigos que lá residem estão
envolvidos
com a criminalidade e considera o grafite uma válvula de escape para adentrar
novos caminhos, diferentes dos que costumam surgir para moradores de bairros
carentes (depoimento concedido em 12/07/2011).
Desde 2007, os artistas em questão expandiram suas artes para a web
através da apropriação das redes sociais e páginas virtuais (fotologs, flickr). Nelas
estão contidos registros fotográficos de grafites realizados entre 2006 e os dias
atuais. Encontram na internet um espaço para a disseminação da sua arte e um
estímulo para melhorem seus traços, assim como os nova-iorquinos encontraram no
metrô um meio de dispersão de suas tags, que os incitou a aperfeiçoarem suas
pinturas.
Vale ressaltar a importância da web em desempenhar um papel interessante
na cena do graffiti contemporâneo. Na medida em que registra e dissemina esta
arte, ampliando o acesso ao público e, sobretudo, criando um sistema de referências
e contato dos artistas com outras culturas de graffiti, que até então se manifestavam
isoladamente em suas próprias culturas, características locais acabam por inspirar
estilos em todo mundo, Hall (1992), pontua que esses fluxos culturais entre as
nações “criam possibilidades de identidades partilhadas (...) entre pessoas que
estão distantes no espaço e no tempo”. Sendo expostas às influências das culturas
31
externas, torna-se difícil manter essas identidades intactas ou evitar seu
enfraquecimento por meio do bombardeamento e infiltração cultural.
Abaixo, Arquivos fotográficos dos grafites feitos em coité entre os anos de
2006 e 2007, extraídos dos blogs: www.fotolog.com.br/fera_paz e
www.fotolog.com.br/medostudio, páginas virtuais pertencentes aos grafiteiros Fera e
Medone, respectivamente.
GRAFITES COITEENSES ANTIGOS
32
Com base no levantamento de dados correspondentes ao Grafite em
Conceição do Coité e suas características, segue abaixo um quadro contendo
algumas características e seus autores:
GRAFITES COITEENSES CONTEMPORÂNEOS
AUTORES
CARACTERÍSTICAS
EXEMPLO
Valdinei Xavier
(Fera)
Uso de Tags, com
ênfase nas cores e
formas variadas.
David Matos
(Medone)
Presença de Tags e
desenhos, geralmente
caricaturas de ícones
musicais ou
personagens fictícios.
33
Grafite feito por
artistas de
outras
localidades.
Influência dos
movimentos de arte
moderna do início do
século XX.
Valdinei Xavier
e David Matos
Geralmente pintam
juntos, aliando as tags
de Fera aos desenhos
de Medone.
“Monk”
Apropriação de locais
deteriorados,
característica comum
a prática do grafite
herdada da arte
dadaísta.
Como observado, o grafite produzido em Conceição do Coité encontra-se
diretamente ligado as influências de quem o produz. A presença de ícones musicais,
tags e a apropriação de lugares abandonados, gerando outros olhares sobre o
mesmo a partir desta prática, características comuns ao grafite produzidos em outras
partes do mundo.
34
3. IMAGEM E SOCIEDADE
palavra lê paisagem contempla
cinema assiste cena vê
cor enxerga corpo observa
luz vislumbra vulto avista
alvo mira céu admira
célula examina detalhe nota
imagem fita olho olha
(Arnaldo Antunes, 1993)
A produção artística é um fenômeno que se manifesta desde os primórdios
da civilização. Os primeiros indícios são as pinturas rupestres inscritas há milhares
de anos pelos homens do período paleolítico, onde eram produzidos nas paredes
desenhos e símbolos feitos com ossos de animais e cerâmica. Para Manguel, citado
por Paraíso (2001, p. 25), “riscamos ou traçamos a palma da mão nas paredes das
cavernas, para assinalarmos nossa presença, preenchermos um vazio, sermos
humanos pela primeira vez”.
Uma psicanálise das artes plásticas consideraria a prática do embalsamento
como fundamental à sua gênese, pautada na conservação do indivíduo. A pintura e
a escultura herdam da religião egípcia esse “complexo da múmia”, que era norteada
contra a mortificação do ser, submetendo-se assim a sobrevivência à perpetuação
material do corpo. “Com isso, satisfazia uma necessidade fundamental da psicologia
humana: a defesa contra o tempo” (BAZIN, 1991, p. 19).
Debray (1994) postula que a imagem tem sua nascente nos túmulos, sendo
assim, “as sepulturas dos grandes foram nossos primeiros museus e os próprios
defuntos nossos primeiros colecionadores” (p. 22). As obras de artes (bustos de
mármore, vasos, diademas, entre outras) produzidas para resguardar os mortos nas
civilizações antigas, não eram produzidas com intuito de serem contempladas pelos
vivos, nem eram destinadas a embelezar, mas prestar serviço ao morto. Tais
35
imagens tinham a finalidade de ajudar os defuntos a prosseguirem suas atividades
normais.
Nas antigas civilizações gregas, onde a importância que era atribuída ao
“viver” era proporcional ao “ver”, a ponto de confundi-los, a morte também governa.
“Ídolo, que vem de éídon quer dizer fantasmas dos mortos, espectro e em seguida,
imagem, retrato” (DEBRAY, 1994, p. 23), era um termo comumente utilizado pelos
autores de tragédias. A imagem surge a partir da morte como triunfo da vida
consumada, esse triunfo é conquistado sobre a morte e merecido por ela, como os
ceramistas atenienses que representavam o nascer de uma imagem através de um
guerreiro em miniatura, que se “liberta” dos túmulos de guerreiros mortos em
combates.
Durante muito tempo as imagens enfatizavam a condição de poder, fazendo
da representação uma prerrogativa social que era controlada rigorosamente,
inclusive suas exibições. Eram inicialmente reservadas somente aos mortos ilustres,
em seguida aos ainda vivos nobres do sexo masculino, e tardiamente às mulheres.
Somente no fim da era republicana (romana) o cidadão comum obteve o direito à
imagem (DEBRAY, 1994).
As religiões pautadas nesta veneração aos antepassados estabeleciam que
os mesmos sobrevivessem através das imagens. Prova disso eram os moldes do
rosto do defunto feitos em cera, para após o funeral serem guardados nos
compartimentos de estantes e prateleiras, garantindo a perenidade de sua existência
e os ritos dos reis da França entre a morte de Carlos VI e Henrique IV, que
consistiam em preservar exposto o corpo do rei durante quarenta dias. Como a
putrefação do corpo antes do prazo final da exposição era inevitável, mesmo com
todos os procedimentos para evitá-lo, construía-se uma efígie que acabara por
presidir a Corte todos os quarenta dias. É válido salientar que o rei sucessor,
durante esse período mantinha-se invisível, tamanho o poder de representação da
imagem, o “substituto vivo do morto” (DEBRAY, 1994, p. 25).
A iconografia cristã surge somente no século IV, nos sarcófagos e
catacumbas, relatando o triunfo da fé sobre a morte. O cristianismo – que até então
negava o culto às imagens – foi a primeira cultura a introduzir os restos mortais no
espaço consagrado. Para Debray (1994, p. 28):
36
[...] quer que seja túmulo de câmara, de poço, de cúpula, em forma de cone, construído em ponto elevado ou na rocha, há sempre um monumento. Ou seja, tradução literal, advertência de um “lembra-te”. Qualquer que seja a natureza do mito principal – Hórus, Górgona, Dionisio ou Cristo – ele produz figuras. O além exige a mediação de um aquém. Sem um fundo de invisível não há uma forma visível. Sem a angústia do precário não há necessidade de memorial. Os imortais não batem fotos entre si. Deus é luz; o homem é que é fotógrafo. Com efeito, somente aquele que passa quer permanecer.
Sendo assim, a produção de imagem vem a ser uma necessidade inerente
ao homem, evidenciada pela recusa do estado de mortificação de si mesmo. O
“tornar-se mortal”, o “deixar de existir”, reduzindo-se a nada é algo que tende a ser
negado pelo homem. Ele passa então a ritualizar o momento da morte conduzindo à
personalização do mausoléu como local destinado a perpetuar a memória do morto
visando superar essa negação.
A arte chega à imagem quando a magia é abolida. A arte grega lograda no
Classicismo1, ideal de beleza e perfeição, tendo a força física como padrão ideal
para moldar o corpo masculino, faz emergir o conceito contemporâneo de arte.
Apoiada numa visão racional de mundo, procurava abolir a concepção de arte
através dos sentidos mítico, místico, religioso e esotérico (PARAÍSO, 2007), embora
seja na arte egípcia que a arte grega percebe sua fonte de inspiração.
Quando desvinculada da função religiosa que lhe era aplicada até então, a
arte pôde despontar à sua evolução. Nos séculos XV e XIV, período renascentista, a
instrumentalização dos artistas adquire um progresso a partir da ciência. Surge
nesta conjuntura, a câmara escura (de Leonardo da Vinci, em 1490) como aparato
capaz de auxiliar os artistas no processo de criação de uma pintura ou desenho,
tornando-os cada vez mais fiéis à realidade de que proviam.
Mesmo quando a civilização priva as artes plásticas das suas funções
mágicas, não se fazendo mais necessário “se embalsamar”, a necessidade
incoercível de “agarrar” o tempo continua acentuada. Desta vez não o fazia por vias
religiosas ou míticas, crentes de que irão perenizar a matéria do indivíduo através de
rituais fúnebres. Não se acredita mais na visão ontológica do ser retratado, porém:
[...] se admite que este [o retrato] nos ajuda a recordar aquele, portanto, a _______________________________
1 A arte classicista consistia na consagração da Antiguidade Clássica como padrão (no sentido
estético) que os classicistas procuravam imitar. Buscava-se a pureza formal, o equilíbrio e o rigor.
37
salvá-lo de uma segunda morte espiritual. A fabricação da imagem chegou mesmo a se libertar de qualquer utilitarismo antropocêntrico. O que conta não é a sobrevivência do homem, e sim, em escala mais ampla, a criação de um universo ideal à imagem do real, dotado de destino temporal autônomo (MORRIN, 1991, p. 20).
Deste modo, a criação da perspectiva (ou câmara escura), permitia ao artista
oferecer a ilusão de um espaço tridimensional. Afastando-se gradualmente da ideia
de exprimirem a realidade espiritual por meios autônomos, os pintores passaram a
exprimirem-se aliando suas expressividades com a imitação da realidade externa a
eles, engendrando uma dicotomia nas artes plásticas: a aspiração propriamente
estética, pautada na expressão da realidade espiritual e outra configurada por um
desejo psicológico de exprimir o mundo exterior, duplicando-o.
A polêmica quanto ao realismo na arte provém desse mau entendido, dessa confusão entre o estético e o psicológico, entre o verdadeiro realismo, que implica em exprimir a significação a um só tempo concreta e essencial do mundo, e ao pseudo-realismo do trompe l’oeil (ou trompe l’ esprit), que se contenta com a ilusão das formas (MORIN, 1991, p. 21).]
As bases do princípio da fotografia toma forma no século XIX, quando com a
litografia2 o processo de produção e reprodução de imagens passou a ser uma
realidade. Enquanto isso, pesquisas químicas realizadas desde o final do século
XVIII na França e Inglaterra já visavam a fixação de imagens em superfícies
sensíveis à luz utilizando sais de prata aliando todos esses processos à câmara
escura.
Inúmeros cientistas em várias partes do mundo buscavam sem resultados
satisfatórios a fixação das imagens capturadas pela câmara escura, quando
atingiam o objetivo de fixá-las era somente por um determinado tempo, logo toda
imagem escurecia.
Esse problema foi resolvido pelos inventores franceses Joseph Nicéphore
Niépce e Louis Jacques Mandé Daguerre, que após uma série de experiências,
_______________________________ 2
Técnica de gravura que envolve a criação de marcas (ou desenhos) sobre uma matriz (pedra
calcária) com um lápis gorduroso. A base dessa técnica é o princípio da repulsão entre água e óleo
que permite a produção de múltiplas cópias de manuscritos e desenhos originais (FABRIS, 2008).
38
fizeram culminar a invenção que ficou conhecida como daguerreótipo, que consistia
num processo fotográfico sem uma imagem negativa.
A fotografia então redime as artes de sua obsessão pelo realismo das formas.
A “ausência do homem” na reprodução da realidade por meio da sua aquisição
através de um aparato técnico modificou a recepção da imagem. Causava-se uma
sensação de se estar frente a frente com a imagem real, diferente da pintura, que
gerava uma desconfiança por parte do receptor acerca dessa
veracidade, devido a sua produção manual.
O daguerreótipo permitia uma rápida captação da imagem, fundado num
simples procedimento, tornando-se acessível e gerando um grande entusiasmo
numa sociedade onde a necessidade de se satisfazer com o novo consumo icônico
era cada vez mais acentuada. Fabris (2008), absorvendo conceitos de Rullé numa
perspectiva de lógica industrial despertado pelo daguerreótipo, pontua:
O procedimento permite a decomposição e racionalização da produção de imagens numa série de operações técnicas ordenadas, sucessivas, obrigatórias e simples. O ato quase místico e totalizador da criação manual da imagem cede o lugar a uma sucessão de gestos mecânicos e químicos parcelados. O fotógrafo não é o autor de um trabalho minucioso, e sim o espectador da “aparição autônoma e mágica de uma imagem química” (p. 13 e 14).
Esta fidelidade em relação à representação da imagem, aliada a
possibilidade de reprodução, permite ao daguerreótipo uma concorrência com os
retratos feitos à mão pela técnica da litografia, contudo, mesmo com preços
relativamente baixos, e a crescente demanda que permitia a diminuição do valor
capital, ainda não era possível uma apropriação por todas as esferas sociais. Em
paralelo ao anúncio da descoberta do daguerreotipo, outros inventores alegavam
terem obtido o mesmo êxito de captar imagens através da ação da luz, porém,
muitos não chegavam a rivalizar com a invenção de Daguerre, devido a razões
técnicas (FABRIS, 2008).
Deste modo, o daguerreótipo mantém-se superior aos demais métodos de
difusão e aquisição de imagens até a década de 1850, onde a fotografia sobre o
papel permitiu uma massiva reprodução de imagens de consumo.
39
A ideologia da vulgarização, da difusão da imagem em larga escala é um dos esteios do pensamento liberal então dominante, mas responde também a exigências econômicas, representando a passagem de um mercado restrito a um mercado de massa (FABRIS, 2008, p. 16).
Nesse contexto, foram criados instrumentos para garantir o acesso à
fotografia a todos os segmentos sociais, como por exemplo, o ambrótipo, o
“daguerreotipo do pobre”. A imagem tinha uma resolução inferior aos demais
processos, todavia, isso não impediu que se popularizasse, tornando-se um grande
sucesso. Outro exemplo é a técnica do colódio úmido, que permitia um negativo de
qualidade, tão preciso quanto o daguerreotipo e com preço inferior.
Essa necessidade de garantir o acesso à todos e fazer da fotografia uma
prática mercantil culminou na invenção da primeira câmera portátil, em 1985. O
processo de aperfeiçoamento técnico fotográfico divide-se em três momentos
fundamentais: o primeiro data de 1839 a 1850, onde o interesse pelo ato fotográfico
restringia-se a um pequeno número de amadores burgueses que podiam pagar por
preços exorbitantes cobrados pelos artistas fotógrafos.
O segundo momento diz respeito a “vulgarização” da fotografia quando se
atribui a ela um conceito industrial e ela passa a ser vista como objeto de consumo,
derivado também da descoberta do “cartão de visita” do fotógrafo, capaz de colocar
ao alcance de muitos o que até então era privilégio de uma pequena parcela da
sociedade.
O ano de 1880 marca o momento de massificação da fotografia. Esta se
torna, sobretudo, um bem comercial, mas se deixar esmaecer suas pretensões
artísticas. Nesta conjuntura, havia os que se assumiam fotógrafos-artistas, que ao
realizarem um retrato estariam atentos à captação da interioridade do modelo,
muitas vezes beirando resultados pictóricos, por outro lado os denominados
fotógrafos industriais, que dispunha da utilização de uma série de técnicas,
garantindo uma clientela cada vez maior. Essas técnicas eram rejeitadas pelos
fotógrafos-artistas, a fim de diferenciarem suas fotografias das corriqueiras (FABRIS,
2008).
Os fotógrafos industriais passaram a incluir nos seus retratos (que até então
captavam apenas o rosto do fotografado) cenários que ambientavam e definiam o
status do cliente, “numa paródia da auto-representação em que se fundem o
40
realismo essencial da fotografia e a idealização intelectual do modelo” (FABRIS,
2008, p. 21). Muitas vezes a realidade econômica de que proviam algumas pessoas
fotografadas contrastavam com as vestimentas e o cenário estabelecidos pelo
fotógrafo, provocando um constrangimento e timidez no modelo. Por este motivo era
frustrada a tentativa do fotógrafo “maquiar” tais diferenças sociais.
O comprometimento da verossimilhança era também característica da
fotografia industrial, os longos tempos de exposição faziam com que pequenos
detalhes não surgissem na imagem, tendo o fotógrafo que recorrer a pintores ou
miniaturalistas, que após informações sobre a fisionomia da pessoa, realizava os
retoques necessários. Esta prática torna-se cada vez mais recorrente e tornou-se o
diferencial das fotografias industriais em detrimento à amadoras.
Já havia se transformado em instrumento de propaganda quando a
fotografia passou a ser utilizada pelos militares em suas reportagens, tamanha sua
credibilidade frente à realidade dos fatos. No início do século XX, passa a ser
empregada na área judiciária, fazendo surgir o conceito de fotografia criminal e
fotorretrato, ambos consistiam em imagens de indiciados feitos por tomadas de
frente e perfil, se truques, sendo possível identifica-los através de suas
características e por fim, denunciá-los.
Ao passo em que representa a burguesia no que tange ao seus efeitos e
realizações, a fotografia começa a se interessar pelas paisagens exóticas do oriente,
fazendo multiplicar as expedições fotográficas em busca de registros de temas
nunca vistos.
Instrumento de democratização do conhecimento numa sociedade liberal, que acredita no poder positivo da instrução, o cartão postal leva às últimas consequências a “missão civilizadora”, conferida à fotografia por sua capacidade de popularizar o que então fora o apanágio de poucos. A viagem imaginária e a posse simbólica são as conquistas mais evidentes de uma nova concepção do espaço e do tempo, que abole as fronteiras geográficas, acentua similitudes entre os homens, pulveriza a linearidade temporal burguesa numa concepção de tempos particulares e sobrepostos (FABRIS, 2008, p. 35)
Deste modo, a fotografia expande a imaginação do indivíduo, fazendo
conhecer lugares onde nunca esteve, imagens que aparentam não estar ao seu
41
alcance físico, criando uma visão do mundo através da representação do mesmo,
moldando um novo imaginário.
Para Barthes (1984), a fotografia é inclassificável porque reproduz um
instante que jamais irá se repetir existencialmente. Ele afirma ser o noema da
fotografia o “isso foi”, a fotografia nos dá a certeza de que o objeto colocado frente à
objetiva (o referente, no qual sem ele não haveria foto), existiu e esteve lá onde se é
visto. Até então essa certeza imediata de que algo aconteceu, não figurava com
tamanho realismo pelos demais sistemas de representação. Desta forma, a
fotografia se diferencia da comunidade das imagens.
Iremos nos apoiar no poema de Ferreira Gullar (2000), intitulado Fotografia
de Mallarmé:
é uma foto premeditada como um crime
basta reparar no arranjo das roupas os cabelos a barba tudo adrede preparado – um gesto e a manta equilibrada sobre os ombros cairá – e especialmente a mão com a caneta detida acima da folha em branco: tudo à espera da eternidade
sabe-se: após o clique a cena se desfez na rue de Rome a vida voltou a fluir imperfeita mas isso a foto não captou que a foto é a pose a suspensão do tempo
42
agora meras manchas no papel raso
mas eis que teu olhar encontra o dele (Mallarmé) que ali do fundo da morte olha.
Fotografia da qual o poema se trata.
Barthes (1984) alude à morte através dessa captura do instante, a morte do
momento, que é indissociável do ato fotográfico, e Gullar ratifica esse poder mágico
da fotografia: “que a foto é a pose a suspensão do tempo”, a morte se estabelece na
separação entre a pose inicial e o papel final, pronto a nos remontarmos à
lembrança daquilo que já foi. Barthes é tomado por essa sensação de morte ao se
“metamorfosear” em imagem, no momento fotografado e ao mesmo tempo ao
contemplar-se diante sua fotografia: “o que vejo é que me tornei Todo-Imagem, isto
é, a Morte em pessoa” (p. 28 – 29).
Segundo Kossoy (2000), na imagem fotográfica estão incorporados
componentes de ordem material e imaterial. Os materiais são os aparatos técnicos
de que dispõe o fotógrafo (recursos tecnológicos, ópticos, químicos e eletrônicos), e
os imateriais, são a sua bagagem mental e cultural. Para ele, existe uma motivação
subjetiva (pessoal ou profissional) que faz com que o fotógrafo selecione
determinado objeto ou imagem oferecendo uma finalidade para sua criação
fotográfica, que influirá no resultado final. Logo, tudo o que é posto diante da
objetiva, tem uma intencionalidade. Reportamo-nos então à analogia de Gullar:
“premeditada como um crime”.
43
Reconhece-se, assim, a fotografia como uma ferramenta eficaz para a
ampliação da percepção visual humana, capaz de levar a uma reflexão de vida,
auxiliando, sobretudo, na construção social e cultural, pois a imagem fotográfica por
sua veridicidade pode engendrar a mudança da consciência devido às reflexões
emoções que provoca.
Como dito por Barthes (1984) sobre a morte, onde a fotografia surge como
instrumento capaz de romper com as imposições do tempo, e por Kossoy (2000),
sobre a fotografia como “uma representação a partir do real” (p. 31), constituindo-se
como fonte histórico-documental pela materialidade do registro gravado numa
superfície fotossensível, entende-se que a relação fotografia e grafite trata-se de
potencializar neste último, sua fala, reproduzindo-a em uma cultura da dinâmica e
multiplicidade da imagem (da cultura de massa à cultura da interatividade),
proporcionando aos sujeitos (desde os que passam e vêem os grafites expostos em
seu lugar de "origem", aos que conhecerão a partir de outros lugares/suportes,
meios/formas), mas que conhecerão, sobretudo, numa perspectiva de valorização
dessa arte, legitimação das falas de seus autores, continuidade e ou extensão da
obra.
44
4. ETAPAS PARA A REALIZAÇÂO DO PRODUTO
Pré-produção
O processo de coleta de informações aconteceu entre os meses de dezembro
de 2010 e setembro de 2011. Durante esse período foram realizadas estrevistas
informais (sem uso de aparatos tecnológicos, como gravador ou câmera filmadora,
utilizando-se de um diário de campo onde foram resistrados fragmentos das
discussões pertinentes à pesquisa) com os artistas David Matos e Claudinei Xavier,
onde procurava-se investigar formação, perfil sócio-cultural, suas formas de pensar.
Foram esclarecidas, dentre outras questões, sobre o surgimento do grafite na
cidade; seus processos de aperfeiçoamento técnico; suas aspirações; seus
respectivos pensamentos a respeito de como a população coiteense recebe e
percebe o grafite.
É pertinente pontuar que o processo de coleta de dados foi um período de
fertilização e partilha de conhecimentos (tão considerável quanto o diálogo com os
autores que também fundamentaram e foram base de sustentação teórica ao longo
desta pesquisa), onde tornou-se possível tecer o discurso proposto nos objetivos
deste estudo a partir das falas vivas dos sujeitos que realizam o grafite.
Por conseguinte, tornou-se necessário realizar um recorte espaço-temporal
buscando delinear precisamente a manifestação desta arte na cidade. Foram
selecionados três pontos de referência a fim de se fazer o recorte e escolher os
grafites que elucidam questões de natureza estética, após analisados, foram
realizadas as fotografias.
As visitas foram feitas sob a companhia dos artistas David Matos e Valdinei
Xavier, que indicaram os locais de maior aglomeração desta arte. Foi discutida a
possibilidade de fotografias realizadas no momento da intervenção, com o propósito
de registrar o processo de criação do grafite, seus executores e aparatos, trazendo à
imagem fotográfica todos os elementos que compunham este processo.
Mapa do município de Conceição do Coité, indicando o recorte deste trabalho a
partir das localidades em que se procedeu ao registro fotográfico, e posterior análise
das imagens:
45
1. Colégio Estadual Yêda Barradas Carneiro, situado no Bairro Açudinho;
2. Quadra de Esportes e arredores, situados no Bairro da Quadra;
3. Colégio Polivalente de Conceição do Coité; Escola Antônio Bahia, situados no
Centro da cidade.
Proposta do ensaio
Determina-se revelar através do recorte e seleção das imagens grafitadas,
algumas características dêem especificidade à linguagem do grafite em Conceição
do Coité, para tanto, foram selecionadas as imagens que ratificavam o que foi
exposto neste estudo.
Propõe-se registrar as características essenciais desta arte, como
efemeridade e sobreposição, através da aquisição de imagens de grafites já
esmaecidos e sobrepostos; códigos visuais que traduzem as falas e os
pensamentos dos grafiteiros, como seus ícones musicais (Bob Marley, Cartola); a
preferência de um dos artistas pelas tags; grafites que refletem aspectos da cultura
46
local; instrumentos de que se apropriam para a elaboração da arte (spray, rolo de
tinta, Black book) e os próprios artistas produzindo em uma das ruas da cidade.
Haverá também fotografias que pretende situar o receptor no espaço em que os
grafites foram feitos (escolas, casas abandonadas, quadras de esportes, etc.)
Produção
As fotografias foram realizadas entre os dias 6 e 7 de setembro de 2011,
utilizando uma câmera modelo CANON EOS DIGITAL REBEL XSI com objetiva de
distância focal 18-55 mm, concedida pela universidade. Não se fez necessário o uso
de equipamentos de iluminação.
Todas as fotos foram feitas durante o dia. Por tratar-se de paredes (algo
imóvel, chapado) não havia muitas possibilidades de explorar a questão estética da
fotografia, por este motivo, grande parte delas foram feitas através de ângulos
diagonais, por entender que deste modo não ficariam monótonas, além de captar
grande parte dos muros (explorando a profundidade de campo).
No primeiro dia foram realizadas cerca de 170 fotos nos Bairro da Quadra e
Centro. A abertura do diafragma alternava-se a depender da intenção da fotografia e
iluminação do local: como a luz do sol incidia sobre algumas paredes, foi necessário
fechar o diafragma em f/29, evitando que a iluminação “estourasse”; os muros onde
havia uma sucessão de grafites ao longo dele (como nos colégios, onde há uma
aglomeração), utilizou-se a abertura na escala f/22, a fim de não perder a
profundidade de campo, objetivando-se captar boa parte dos grafites.
Como o que se pretendia era, na maioria das fotos, grande profundidade de
campo e controle sobre a luz, a câmera encontrava-se no modo semi-automático
(AV), onde a mesma definia o tempo de exposição, ficando a cargo da autora das
fotos os valores do diafragma.
O ISO manteve-se baixo em todas as fotografias (as do primeiro e segundo
dia de produção), em torno de 100 e 200, não havendo necessidade de aumentá-lo,
já que, como já explicitado, as fotografias foram realizadas durante o dia. Em
nenhum momento utilizou-se flash, por entender que este compromete a
naturalidade da iluminação.
47
Houve situações de existir no mesmo ambiente a presença de pichação e
grafite. Com o intuito de mostrar essas duas formas de intervenção no mesmo
espaço, focou-se em primeiro plano a pichação, para dar ênfase a mesma, fechando
o diafragma em f/8, desfocando o segundo plano (muro com grafites), a fim de
provocar reflexões de cunho estéticos e conceituais. Nestas utilizou-se o modo
manual total (inclusive o foco).
Grafites situados em locais inusitados (casas abandonadas), foram
fotografados utilizando plano conjunto, a fim de captar todo o ambiente degradado,
ratificando a apropriação da arte em locais deteriorados, com o diafragma em f/22
para a obtenção de uma grande profundidade de campo. Houve ainda os que eram
desrespeitosamente “abafados” por acúmulos de lixo encontrados nos muros,
fazendo cobrir parte do grafite, nestes também foram utilizado plano conjunto,
objetivando com isto traduzir o descaso que sofre essa manifestação na cidade de
Conceição do Coité.
No segundo dia de produção foram feitas fotografias no Colégio Estadual
Yêda Barradas Carneiro, localizado no Bairro do Açudinho. Neste dia estiveram
presentes os artistas Fera e Medone. O objetivo, além de fotografar os grafites
encontrados nos muros do colégio, foi captar imagens dos grafiteiros no momento
da execução de sua arte e os instrumentos que utilizam para a elaboração desta
(spray, rolo de tinta, Black book).
Devido as fotografias estarem captando imagens em movimento, optou-se
pelo modo (TV), em que a câmera definia os valores do diafragma, enquanto o
tempo de exposição era longo, em torno de 1/320s, para a obtenção de imagens
com efeito congelado. Em algumas fotografias predominou o plano detalhe focando
na mão do artista segurando o spray, com desfoque no segundo plano enfatizando o
ato da grafitagem. Nesses casos o foco manteve-se no modo manual havendo
utilização de zoom. Procurou-se enfatizar a questão da multiplicidade de cores que
compunham o ambiente em questão.
Descrição das fotografias
IMG_01:
Tempo de exposição: 1/125s; Diafragma: f/14; ISO: 100.
48
Objetivo da foto: Presença de personagens fictícios, neste caso, uma árvore
personificada, com formas e cores fora do seu padrão.
IMG_02
Tempo de exposição: 1/125s; Diafragma: f/14; ISO: 100.
Objetivo da foto: Símbolo da cultura local. Diafragma fechado, objetivando aquisição
de pouca entrada de luz.
IMG_03
Tempo de exposição: 1/50s; Diafragma: f/20; ISO: 100
Objetivo da foto: O nome do artista inscrito no poste em foco no primeiro plano,
grafite pouco desfocado no segundo plano. Diálogo da pichação e grafite num
mesmo espaço.
IMG_04
Tempo de exposição: 1/60s; Diafragma:f/20; ISO: 100.
Objetivo da foto: Folhas da árvore criando uma moldura ao redor do grafite (ao
fundo). Presença de Tag e personagens caricaturados.
IMG_05
Tempo de exposição: 1/320s; Diafragma: f/11; ISO: 100.
Objetivo da foto: Black book, mochila e tinta, instrumentos utilizados no momento da
elaboração do grafite. Velocidade alta do obturador para captação da imagem com
efeito congelado.
IMG_06
Tempo de exposição: 1/320s; Diafragma: f/5.6; ISO: 100.
Objetivo da foto: Artista em ação, ênfase nele e na parede, fechando o
enquadramento. Velocidade alta para captar efeito congelado.
IMG_07
Tempo de exposição: 1/320s; Diafragma: f/5.6; ISO: 100.
Objetivo da foto: Foco no artista em primeiro plano a fim de valorizar sua figura.
Fotografia com pouca profundidade de campo.
IMG_08
Tempo de exposição: 1/320s; Diafragma: f/5.6; ISO: 100.
49
Objetivo da foto: Plano detalhe (mão do artista segurando spray), objetivando
poetizar o diálogo do spray com a parede, a prática do grafite sendo concretizada.
Utilizou-se de pouca profundidade de campo.
IMG_09
Tempo de exposição: 1/320s; Diafragma: 1/5.6; ISO: 100.
Objetivo da foto: Pouca profundidade de campo. Foco nas latas de spray em
primeiro plano, as cores dão um tom lúdico à imagem.
IMG_10
Tempo de exposição: 1/400s; Diafragma: f/4; ISO: 100.
Objetivo da foto: Plano conjunto para visualização de todo muro e objetos no chão,
elucidando o processo de criação concluído e materiais e espaço de que se valem o
artista para criação do seu trabalho.
IMG_11
Tempo de exposição: 1/500s; Diafragma: f/10; ISO: 200.
Objetivo da foto: Grafites esmaecidos e sobreposições, características comum à
todos os grafites.
IMG_12
Tempo de exposição: 1/500s; Diafragma: f/5.6; ISO: 200.
Objetivo da foto: Diálogo do grafite com o espaço urbano e o que nele contém.
Velocidade alta para obtenção de efeito congelado
IMG_13
Tempo de exposição: 1/125s; Diafragma: f/14; ISO: 200.
Objetivo da foto: Ícone musical de um dos artistas sendo representado através desta
arte. O espaço utilizado (rampa de skate) é abrigo comum de grafites produzidos em
outras partes do mundo.
IMG_14
Tempo de exposição: 1/400s; Diafragma: f/8; ISO: 200.
Objetivo da foto: contra plongè em sobreposições.
IMG_15
Tempo de exposição: 1/800s; Diafragma: f/8; ISO: 200.
Objetivo da foto: Plano conjunto a fim de captar grande parte das sobreposições de
pichação e grafite encontrados no espaço.
50
IMG_16
Tempo de exposição: 1/30s; Diafragma: f/22; ISO: 200.
Objetivo da foto: Plano conjunto: prédio com a base grafitada. Obtenção de grande
profundidade de campo.
IMG_17
Tempo de exposição: 1/40s; Diafragma: f/22; ISO: 200.
Objetivo da foto: Perspectiva diagonal. Grande profundidade de campo.
IMG_18
Tempo de exposição: 1/160s; Diafragma: f/22; ISO: 200.
Objetivo da foto: Grafite em locais deteriorados. A apropriação destes espaços
acabam por valorizá-los. Grande profundidade de campo.
IMG_19
Tempo de exposição: 1/80s; Diafragma: f/9; ISO: 200.
Objetivo da foto: lixo sobre os grafites, fotografia com caráter de denúncia. Pouca
profundidade de campo.
IMG_20
Tempo de exposição: 1/8s; Diafragma: f/22; ISO: 200.
Objetivo da foto: Situar o receptor na localização do grafite (na escola). Plano
conjunto. Grande profundidade de campo.
IMG_21
Tempo de exposição: 1/100s; Diafragma: f/8; ISO: 200.
Objetivo da foto: Foco na pichação no telefone público em primeiro plano. Segundo
plano (grafites) desfocado.
IMG_22
Tempo de exposição: 1/50s; Diafragma: f/11; ISO: 200.
Objetivo da foto: Mensagem de cunho filosófico. Abertura do diafragma
proporcionando entrada de luz. Paredes descascadas, grafite esmaecido ao fundo.
IMG_23
Tempo de exposição: 1/10s; Diafragma: f/22; ISO: 200.
Objetivo da foto: Contra plongè na imagem dando-lhe a impressão de ser maior.
IMG_24
Tempo de exposição: 1/10s; Diafragma: f/22; ISO: 200.
51
Objetivo da foto: Foco na mensagem inscrita, que acaba por geral uma reflexão nos
transeuntes, nome do artista no fundo.
IMG_25
Tempo de exposição: 1/200s; Diafragma: f/4.5; ISO: 200.
Objetivo da foto: Plano conjunto. Nota-se sobreposições na parede. Pouca
profundidade de campo.
IMG_26
Tempo de exposição: 1/125s; Diafragma: f/22; ISO: 200.
Objetivo da foto: Grande profundidade de campo, objetivando captar parte dos
grafites inscritos.
IMG_27
Tempo de exposição: 1/60s; Diafragma: f/29; ISO: 200.
Objetivo da foto: Tag e personagens fictícios. As árvores ao fundo oferece à
fotografia qualidade estética. Diafragma fechado devido a luminosidade do
ambiente.
IMG_28
Tempo de exposição: 1/250s; Diafragma: f/9; ISO: 400.
Objetivo da foto: Plano conjunto. Grafite e ícones das grandes cidades;
metalinguagem.
IMG_29
Tempo de exposição: 1/25s; Diafragma: f/22; ISO: 100.
Objetivo da foto: Grande profundidade de campo. Captação de todos os grafites no
muro e imagem no fundo.
IMG_30
Tempo de exposição: 1/30s; Diafragma: f/22; ISO: 100.
Objetivo da foto: Plano conjunto. Árvore ao fundo denotando aridez típica da região.
Pós-produção
Foram realizadas 400 fotografias dos grafites coiteenses. O processo de
seleção se ateve as fotografias com melhor resultado estético e que ilustravam com
precisão acerca das principais características dessa prática na cidade.
52
Em algumas fotografias foram feitos cortes com finalidade de ajustes de
enquadramento, descartando os espaços excedentes, contudo, em todas foram
mantidas as suas iluminações naturais, adquiridas através da configuração da
câmera, seja no modo manual ou semi-automático.
As fotografias serão apresentadas à banca examinadora e demais
espectadores da apresentação através de slides, constituindo-se assim, como uma
exposição virtual, que poderá engendrar numa exposição em outro momento.
Não houve gastos na obtenção das fotografias. O equipamento (câmera)
utilizado fora concedido pela Universidade do Estado da Bahia. Também não foi
necessária a convocação de uma equipe, sendo todas as fotografias idealizadas e
produzidas pela autora desta pesquisa.
53
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consoante ao que foi exposto, enquanto objetivo desta pesquisa, fazer uma
leitura do grafite produzido em Conceição do Coité, a partir de uma produção
fotográfica e contato direto com esta arte e seus autores, registrando as
características que dão especificidade a esta linguagem, que contempla não
somente os muros, mas toda a cidade e sua cultura, é possível apresentar as
seguintes considerações:
Face o movimento sócio-político da globalização, para o qual as distâncias
deixam de existir e as fronteiras são potencializadas pelas redes de comunicação
(SANTOS, 2000), tendo nesta última – da comunicação de massa às formas
interativas das redes digitais – a grande condição para disseminação de signos,
troca de informações e modelo para produção e difusão do conhecimento (XAVIER,
2008), entende-se que o grafite (outras artes, operativos, culturas) expande-se pelo
mundo e encontra em outras culturas/sujeitos, adeptos, seguidores, multiplicadores
de um movimento. Sobretudo, de uma linguagem/fala que se opõe ao sistema
dominante (HALL, 1999).
Em Conceição do Coité, o grafite se faz presente desde 1998 e os seus
precursores, a partir da linguagem visual expressa em seus trabalhos, confirmam a
influência que têm a globalização e as redes de comunicação. A partir de
depoimentos dos dois autores grafiteiros/artistas que ainda resistem com o grafite na
cidade, FERA e MEDONE, suas práticas estão associadas a influência que tiveram
de outros grifeiteiros/artistas (precursores) e dos meios de comunicação – imagens
da TV e da Internet, músicas que permeiam os ambientes de rua em que os
grafiteiros/artistas se identificam e assumem o sentimento de pertenço (rap, raggae,
rock, axé, dentre outros estilos musicais).
Foi possível identificar que a cidade se torna um mural para a prática do
grafite. Entretanto, alguns lugares se tornam preferencialmente escolhidos como
suporte “ideal”, devido a sua localização estratégica – quer para o fazer, executar,
por se tratar de um local em que várias tribos se reúnem; quer pela visibilidade que o
trabalho poderá ter, em função de ser um local por onde passam muitas pessoas e
também, no caso das escolas onde o grafite predomina, pelo apoio dos gestores.
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Com isto, a pesquisa se concentrou em analisar os grafites produzidos no
Colégio Estadual Yêda Barradas Carneiro, situado no Bairro Açudinho, na quadra de
esportes e arredores, situados no Bairro da Quadra, no Colégio Polivalente de
Conceição do Coité e Escola Antônio Bahia, situados no Centro da cidade (de
acordo com o mapa, pág. 32).
Foi possível uma aproximação com os autores grafiteiros/artistas de modo
que através de algumas conversas informais, relataram sobre a sua formação e
história de vida, aludindo às suas fontes de “inspiração” ou influências sobre o seu
fazer. Tem-se com isto, a compreensão de tratar-se dos seus sistemas de
referências: as revistas 3º Mundo, Stylefile e 500ml (todas sobre grafite), os mais
variados estilos musicais (desde o rock ao axé), os sites fotolog, flickr, myspace,
metroflog, páginas virtuais de amigos que produzem grafites
Conhecendo sobre esses sistemas de referências, sobretudo suas histórias
de vida associadas ao contexto sócio-cultural da cidade de Conceição do Coité,
pode-se inferir que as suas práticas no/com o grafite, refletem um movimento de
resistência: a ausência de apoio partindo do poder público vigente, a opressão por
parte daqueles que com lixo ou tinta tentam abafar sua arte, o rótulo de vândalos
que lhes são atribuídos resultantes do preconceito de que o grafite é alvo.
Também símbolo de resistência, a fibra do sisal e a própria planta, resistente
à climas secos e áridos, representam a imagem da identidade do sisaleiro, onde
numa conjuntura histórica de exploração e abandono são impulsionados a
sobreviverem. É possível observar tal resistência através da criação das redes de
comunicação comunitárias (criadas a fim de confrontar as imposições de grupos
políticos hegemônicos) e a forte atuação desta esfera social através dos movimentos
sociais destinados a edificar outra realidade para os moradores deste Território.
Assim, foi possível compreender sobre os desdobramentos sociais, políticos,
históricos e culturais da prática do grafite ao longo do tempo. Percebeu-se que
sujeitos (artistas) com o seu trabalho, a sua fala expressa através do grafite, também
se constituem símbolo de resistência à cultura dominante, apropriando-se do espaço
urbano como canal de comunicação e espaço de proliferação de conhecimento.
Dentro desta perspectiva o grafite coiteense se infiltra. Do centro à periferia é
possível perceber suas cores e mensagens. Tratam-se de reflexos das
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subjetividades dos sujeitos que a realizam, tags, ícones ligados à arte (música,
pintura), frases de cunho político-filosófico. É a rua, a cultura e a arte dialogando,
provocando nossas sensibilidades.
Após o advento da internet, o grafite começa a ocupar outros espaços.
Espalham-se pela web e ganham força, ao passo em que sofrem e absorvem
influências. É então compartilhado e difundido através da desta, fortalecendo-se
enquanto arte através de redes sociais como Orkut, Facebook e Myspace os sites
que estes artistas abrigam registros fotográficos de seus trabalhos, como os já
citados Fotolog, Flickr, Metroflog, dentre outros, potencializando encontros e trocas
(XAVIER, 2008).
A linguagem fotográfica cumpre, neste estudo, com seu papel de fonte
histórico-documental, possibilitando múltiplos olhares sobre o grafite, seus autores,
sua poética, sua força de discurso e suas representações, podendo fertilizar
imaginários.
Espera-se que este trabalho possa contribuir, sobretudo dentro do espaço
acadêmico, no sentido de possibilitar um novo/outro olhar sobre o grafite e seus
autores/artistas, de modo que essa arte/movimento seja compreendida como uma
fala de sujeitos silenciados por uma cultura opressora. Que a academia, juntamente
com outros espaços da sociedade, possa legitimar a fala desses sujeitos, seus
saberes e práticas como parte de construção do social – onde se produz
conhecimento e se aprende (FROES BURNHAM 2000; SANTOS 2000; SANTOS,
2005).
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6. REFERÊNCIAS
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