Síntese Encontro Casa Regularização Fundiária e Planejamento Urbano - Agosto/2013

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1 Agenda Rio Regulação Fundiária e Planejamento Urbano nas Favelas Cariocas Evento: Laboratório de Estudos Urbanos Dia: 07 de agosto de 2013 Local: Fundação Getulio Vargas Palestrantes: Itamar Silva; Rafael Soares e Theresa Williamson Apresentação O debate sobre regulação fundiária e planejamento urbano aconteceu no evento do Laboratório de Estudos Urbanos na Fundação Getúlio Vargas, no dia 07 de Agosto de 2013. Thereza Williamson, doutora em planejamento urbano pela Universidade da Pensilvânia fundadora da ONG Comunidade Catalizadora (ComCat) abriu a mesa, seguida de Rafael Soares Gonçalves, professor e pesquisador da Puc-Rio e finalizando o círculo de palestras, seguido pelo diretor do IBASE, Itamar Silva. O debate foi enriquecido pela presença de diversos pesquisadores e técnicos da área de planejamento urbano Seguem abaixo a síntese das apresentações e contribuições dos presentes. Síntese da apresentação de Teresa Williamson 1. Contexto Tereza ressaltou que há no Brasil riquezas quanto a vários aspectos dentro das favelas, como Produção Cultural, uso de Transportes Verdes, Moradias de Baixa Renda, Comércio Diversificado. Dando origem assim a um novo modelo de urbanismo e valores reconhecidos mundialmente. No tocante a pressões sociais por regulação fundiária, nas favelas do Rio de Janeiro, apesar das dificuldades enfrentadas por alguns grupos de moradores resistentes, existem também vitórias alcançadas. Favelas tem um valor histórico a ser defendido, e seus moradores têm o direito de não só opinar, mas conduzir seu desenvolvimento como

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Resumo do debate sobre "Regularização Fundiária e Planejamento Urbano nas Favelas Cariocas", que aconteceu na FGV e foi organizada em parceria com LEU (Laboratório de Estudos Urbanos do CPDOC). Na mesa estavam Theresa Williamson, doutora em urbanismo e diretora executiva da ComCat, Rafael Soares Gonçalves, professor e pesquisador da PUC-Rio e Itamar Silva, diretor executivo do IBASE. Para ver as fotos do Encontro: http://bit.ly/1bTXcJt

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Agenda Rio Regulação Fundiária e Planejamento Urbano nas Favelas Cariocas

Evento: Laboratório de Estudos Urbanos

Dia: 07 de agosto de 2013 Local: Fundação Getulio Vargas

Palestrantes: Itamar Silva; Rafael Soares e Theresa Williamson

Apresentação

O debate sobre regulação fundiária e planejamento urbano aconteceu no

evento do Laboratório de Estudos Urbanos na Fundação Getúlio Vargas,

no dia 07 de Agosto de 2013. Thereza Williamson, doutora em

planejamento urbano pela Universidade da Pensilvânia fundadora da ONG

Comunidade Catalizadora (ComCat) abriu a mesa, seguida de Rafael

Soares Gonçalves, professor e pesquisador da Puc-Rio e finalizando o

círculo de palestras, seguido pelo diretor do IBASE, Itamar Silva. O debate

foi enriquecido pela presença de diversos pesquisadores e técnicos da

área de planejamento urbano

Seguem abaixo a síntese das apresentações e contribuições dos presentes.

Síntese da apresentação de Teresa Williamson

1. Contexto

Tereza ressaltou que há no Brasil riquezas quanto a vários aspectos dentro

das favelas, como Produção Cultural, uso de Transportes Verdes, Moradias

de Baixa Renda, Comércio Diversificado. Dando origem assim a um novo

modelo de urbanismo e valores reconhecidos mundialmente.

No tocante a pressões sociais por regulação fundiária, nas favelas do Rio

de Janeiro, apesar das dificuldades enfrentadas por alguns grupos de

moradores resistentes, existem também vitórias alcançadas.

Favelas tem um valor histórico a ser defendido, e seus moradores têm o

direito de não só opinar, mas conduzir seu desenvolvimento como

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queiram, até porque eles já têm se mostrado mais que hábeis na

formação destes bairros e até hoje, todas as qualidades ali contidas

resultam de trabalho e esforço de seus moradores.

2. Desafios

Em favelas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), com a diminuição

da violência e a promoção desse fato pela mídia, acontece a regulação de

alguns serviços que geram novos gastos como IPTU, luz e água assim como

o aumento nos valores do comércio local. Muitos moradores não

conseguem arcar com os aumentos no custo de vida.

É necessário levar em conta todos os impactos sociais que a regularização

fundiária gera antes de pensar em formas de fazê-la. É necessário

repensar também a real capacidade de resolução, por parte da

regularização, das questões que a motivam. Se a maior intenção na

regularização é criar uma segurança fundiária e aumento da justiça social

promovendo elevação no valor das casas, talvez essa medida não seja

suficiente para resolver tais questões.

3. Propostas

Como possibilidade de ação pelo Estado, Teresa citou um modelo de

regulação utilizado em outros países chamado Community Land Trust com

a finalidade de garantir que quem precisa tenha acesso ao serviço

regulado, mas que não deixa o território sujeito às oscilações do mercado,

garantindo assim resistência em período de especulação imobiliária

oscilações de mercado.

Importantíssimo como ponto de partida para qualquer conversa sobre o

futuro e desenvolvimento urbano, assim como planos para melhorar o

acesso à moradia no Rio, é considerar a história, as conquistas, soluções e

qualidades oriundas das favelas. É preciso que sejam incorporados todos

esses elementos nos processos de criação de políticas públicas de

habitação e também nos projetos de urbanização de favelas que não

devem prejudicar essas qualidades enquanto atendem aos desafios de

cada localidade. A própria regularização precisa ser capaz de se realizar

enquanto mantém essas qualidades, é fundamental que quem tome essas

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decisões sejam os moradores tendo acesso ao máximo de informações

possível.

Síntese da apresentação de Rafael Soares

1. Contexto

Rafael começou relembrando que a moradia foi consolidada como direito

social desde 2000, e por que não se entende como serviço (aquilo que o

Estado deve, sobretudo, ofertar de maneira a se possibilitar acesso a

quem precisa)? Não há uma política habitacional para as favelas

atualmente no Rio de Janeiro. A concessão de uso da terra geralmente é

vista como algo apenas para livrar o Estado de sua responsabilidade – não

há de fato uma política fundiária em escala mais ampla, para a cidade.

As UPP´s e o papel de garantia, pelo Estado, do pagamento de serviços

privados que vêm sendo oferecidos de maneira avassaladora. Aqui é de se

observar a “função social” da informalidade, que é ignorada e deveria ser

mais considerada (na perspectiva de provisão de serviços sem

desestruturação de modos de vida e regulação já existentes).

As grandes obras públicas em favelas são cada vez mais simbólicas e

voltadas para fora da favela, e não a partir de demandas de seus

moradores. Da mesma maneira, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) se

mostra muito mais como uma política econômica do que de habitação ou

de planejamento urbano, como deveria ser, tendo em vista a escala da

intervenção.

2. Desafios

Ressaltou o papel ambíguo da regularização fundiária para as favelas, pois

não se pode prever bem o efeito que a pressão de mercado pode ter

neste caso. E se tivesse havido regularização na época do Favela-Bairro,

por exemplo? (no sentido da preocupação com a permanência dos

moradores naquele local).

Em paralelo ao processo de privatização, há uma “patrimonialização” das

favelas, a partir do movimento de frequentação de não-moradores a estes

espaços e aumento dos preços – gerando, assim, gentrificação.

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Desenvolvimento de políticas habitacionais que incluam as favelas,

inclusive utilizando a possibilidade de locação social;

Possibilidade de que o estatuto da cessão de uso seja mais seriamente

utilizado, e não como maneira de eximir o Estado de sua responsabilidade

(já que aquele terreno estará agora no espaço de mercado);

3. Propostas

Ainda do ponto de vista da importância de se garantir direitos e a

existência de diferentes modos de vida e regulação, como a questão da

concessão de uso (ainda que com restrições), ou criação de AEIS (que

impede, por exemplo, o remembramento de lotes) e outras. Necessidade,

conjugada, de participação e controle social da legislação, a partir da

necessidade de uma maior valorização da participação popular.

Um mecanismo possível de garantia de direitos aos grupos que são

espacialmente localizados (que vivem em favelas) através de legislação

que tenha uma “aderência territorial”, como na questão da tarifa social de

energia elétrica ou da isenção de IPTU, a partir do decreto de AEIS.

Fomento a organizações que atuam com cooperativas de produção

habitacional, por exemplo, como no caso do Uruguai, são também

alternativas.

Síntese da apresentação de Itamar Silva

1. Contexto

Destaca a peculiaridade do momento especial que vivemos, no qual nunca

se falou tanto e se pesquisou sobre favelas nesta cidade. Ainda que nos

últimos 30 anos tenha havido uma grande quantidade de programas de

intervenção em favelas, há uma dificuldade estrutural de produção de

dados e informações sobre as favelas, e que representam dificuldade para

as políticas públicas. Conjugado a isso, vive-se uma eterna “incompletude

das políticas”, que sempre têm que ser recomeçadas. Não há

continuidade, seja por conta das mudanças políticas (eleitorais) ou da

dificuldade de se atualizarem as informações para as novas realidades que

rapidamente se criam a partir das descontinuidades recorrentes. Isso se

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daria – apesar dos avanços das políticas, e um exemplo disso é o

acumulado no debate “intervenções x remoções”.

2. Desafios

O que se vê em andamento, no entanto, é a abertura destes territórios ao

mercado. As favelas tendem a acabar por conta da atuação do mercado.

Reforçado pela política de segurança pública, não há uma

responsabilidade do poder público em garantir a função da moradia

popular ali existente. Nos anos 1980 Itamar foi militante pela

regularização fundiária, devido a frequente ameaça de remoção por parte

do Estado. No entanto, atualmente se diz contrário, e afirma que esta não

é atualmente uma pauta dos movimentos sociais que atuam em favelas. A

própria Fundação Bento Rubião diz que os moradores não aderem ao

processo, como no caso da Rocinha, pois se trata de um processo muito

longo e que exige uma série de documentos dos moradores. Em oposição

a esta situação, a posse já é um direito.

3. Propostas

O que poderia haver é uma regularização urbanística – e aqui há o que se

fazer e pensar. O caminho para construção dos projetos deve ser

discutido. O saber do território e os aprendizados coletivos nestes locais

devem ser reconhecidos.

Contribuições:

Machado:

A regularização fundiária é um “tiro no pé”, e acredita que dadas as

condições jurídicas no Rio de Janeiro, não seria nem mesmo possível de

maneira plena. Acredita que seria uma “juridificação” do acesso à cidade –

processo que, no Rio, sempre foi muito político – “algo que funcionava

muito bem”, segundo Rafael. O risco aqui seria a idealização da favela

(através da ideia de “comunidade”, por exemplo). Apesar da grande

sociabilidade existente, não necessariamente corresponde a fraternidade.

Há disputa de projetos contra o Estado, e mesmo dentro da favela. O que

é possível de se identificar são os “interesses dominantes na favela”, a

depender do tipo de regulação que estiver em discussão. A tensão interna

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das favelas é decisiva para compreensão de quais as regulações que

podem beneficiar a maioria das pessoas.

Rose Compans:

Mostra incômodo com o termo “favela”, já que estas são completamente

diferentes entre si, inclusive quanto a políticas de regularização fundiária

possíveis. Da mesma maneira com o termo “favelado”. Existem grandes

diferenças na questão da organização local, violências, etc. A questão é a

mesma quanto à regularização.

O “deixar como está” não é bom porque não está bom. Existe um

mercado imobiliário grande, de exploração. É necessária regulação, e a

“concessão onerosa do direito real de uso” existe desde 1967, mas é uma

tutela do Estado, o que gera riscos - como no caso da Vila Autódromo, por

exemplo, tem concessão de uso do Governo do Estado – o que não

impede a remoção agora, pela Prefeitura. Há outra dificuldade por parte

do Estado, que é a necessidade de compra do terreno (quando de

particular) e posterior desapropriação, para que daí haja concessão. Rose

diz também que a posse é um direito precário.

Mário:

Pergunta se haveria um caminho alternativo para a cidade, além da

favelização ou da gentrificação.

Julieta:

Aponta uma relação entre legislação e mercado; acredita, a partir de

trabalhos orientados, que nenhum dos processos de regularização

fundiária em curso vem funcionando bem. Deve haver uma legislação

diferente, que deve se adaptar às formas da favela (quanto a questão do

alinhamento das casas, por exemplo). Em relação ao mercado, há uma

contradição: a situação das pessoas está melhorando ou não? A questão

do bem que se constituiria a partir da casa própria também deve ser

destacada. Deve-se partir para uma discussão sobre cidadania.

João:

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Perguntou sobre como falar de regularização fundiária em uma

comunidade que não tem nem mesmo sua existência reconhecida. Dando

como exemplo a favela da mineira no Complexo do Alemão que não existe

oficialmente em termos de reconhecimento geográfico.

Maíra:

Nestes processos de regularização, há apenas uma “fatialização” do

território, porém a forma como a prefeitura vem fazendo não pode dar

certo porque não há informações completas, de mapas etc. Dificuldade e

desafio de se criar um modelo “que o cartório aceite”. A SMH alega

sempre que o modelo condominial de propriedade, por exemplo, não

seria registrado pelo cartório. Como um modelo que vem desde o

Ministério das Cidades não consegue avançar simplesmente por uma

questão cartorial?

Rafael:

Importância de, ao se falar de favela, entender quais as questões que

importam realmente, e para quem (retomando a fala de Machado). Visão

contrária àquela de que o fundiário é só propriedade. Resgate da questão

do estatuto jurídico da posse, que é muito mais antigo que o da

propriedade fundiária, que é de 1850. Necessidade de ir contra a questão

da propriedade como único modelo. Não necessariamente a posse cria

uma situação de tutela do Estado, como no caso da Inglaterra, por

exemplo, (“difícil dizer que uma pessoa que tem um apartamento no

centro de Londres seja tutelada pelo Estado”, no entanto, ela não é

proprietária fundiária).

A favela é estruturada pela e estruturante da cidade. A compreensão de

sua história mostrará que ela não foi ou é somente um acidente de

percurso. Necessidade de novas perspectivas da relação destes espaços

com a cidade.

No caso da Zona Portuária, a lógica é puramente de mercado, já que a

prefeitura precisa praticamente ajoelhar para que se faça habitação ali.

Itamar:

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Destacou a necessidade de se ir contra a glamourização das favelas. Há

uma tensão entre “favelas” e “favela”, pois as políticas públicas são para

“as favelas” e por vezes não se adéquam “à favela”.

O Estado deve cumprir sua função social de garantir a habitação dos mais

pobres nestes espaços em que já estão e que foram construídos por eles.

Ir contra a regularização fundiária atualmente não é não fazer nada, mas

buscar alternativas! Aponta ainda que os instrumentos não estão dados

ainda, mas precisam ser construídos. Há teses sobre a posse como

instrumento fundamental. Direito insurgente: se não há elementos, que

sejam criados. Há, sobretudo, uma disputa política que deve ser feita.

No campo da disputa simbólica, deve ser buscada a ressignificação da

favela e promovida a retirada de seu uso pejorativo, pois ela é um “ativo”

da cidade e pauta indissociável dela.

Machado: “entendo a ideia da Casa Fluminense como um projeto para

defender a cidade do Rio de Janeiro, que não existe”.