Síntese e Caracterização de Pigmentos
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61ACTIVIDADESNO LABORATRIO
1. Introduo
Por definio, os pigmentos so slidos
inorgnicos insolveis, finamente dividi-
dos, que so suspensos num meio
(aglutinante) que adere a uma superf-
cie [1,2]. Os pigmentos so substncias
que funcionam escala nanomtrica
como filtros para alguns comprimentos
de onda, sendo utilizados para conferir
cor, opacidade ou consistncia a uma
pintura.
Os pigmentos podem ser de origem mi-
neral (malaquite, azul ultramarino, azu-
rite, etc.), resultantes de processos de
calcinao (negros de fumo, terra de
siena queimada) ou obtidos quimica-
mente, por via sinttica (amarelo de
crmio, branco de zinco, azul da Prs-
sia, etc.). Em geral estes materiais so
xidos, carbonatos ou sulfuretos de al-
guns metais de transio tais como,
cobre, ferro, crmio e cobalto ou de ou-
tros metais como o chumbo e clcio
[3,4].
A cor dos pigmentos deriva essencial-
mente de trs fenmenos diferentes:
transies electrnicas d-d (ex. mala-
quite, violeta de cobalto), transies por
transferncia de carga entre um ligando
e o metal central (vermelho, massico-
te) ou entre dois metais (ex. azul da
Prssia) [5].
No projecto laboratorial desenvolvido, os
alunos tiveram que pesquisar diferentes
pigmentos recorrendo a bibliografia dis-
ponvel e Internet e propor a sntese
de alguns deles com base nos equipa-
mentos e reagentes existentes, na toxici-
dade e na complexidade do processo.
Nesta actividade experimental seleccio-
naram-se apenas trs pigmentos prepa-
rados por reaces de precipitao, o
verditer verde (malaquite sinttica), o
azul da Prssia e o amarelo de crmio
que, de algum modo, so representati-
vos de diferentes perodos da histria da
pintura.
O verditer verde (CuCO3Cu(OH)2) a
variante sinttica de um mineral verde
designado malaquite que pode ser en-
contrado em muitas regies do mundo
na parte superior de jazidas de cobre,
frequentemente associado azurite,
outro carbonato bsico de cobre(II). Uti-
lizado desde o antigo Egipto, teve parti-
cular importncia no Sc. XV e XVI
sendo referenciado no famoso livro de
Cennino Cennini "Il Libro dellArte".
Estes carbonatos bsicos de cobre
podem ser facilmente identificados pela
reaco com uma soluo de cido clo-
rdrico, ocorrendo libertao de dixido
de carbono.
O azul da Prssia (Fe4[Fe(CN)6]3xH2O)
foi descoberto acidentalmente por Dies-
bach em 1704 tendo sido um dos pig-
mentos azuis mais utilizados at 1970,
altura em que foi substitudo pelo azul
de ftalorianina. Este pigmento muito
sensvel a bases, podendo ser identifica-
do fazendo reagir com uma soluo de
hidrxido de sdio 4 moldm-3, conver-
tendo-se num composto de cor casta-
nha (Fe(OH)3).
Durante os Sc. XVIII e XIX, a Qumica
desenvolve-se como cincia autnoma
e universal. Foram descobertos inme-
ros elementos, alguns dos quais davam
origem a compostos com cores vivas e
permanentes que foram utilizados pron-
tamente como pigmentos, tal como o
amarelo de crmio (PbCrO4), descober-
to em 1797 pelo qumico francs Louis
Vauquelin. Este pigmento pode ser
identificado facilmente com sulfureto de
sdio, tornando-se negro (PbS).
Sntese e caracterizao de pigmentos um projecto laboratorial de Qumica na Arte
T E O D O R A F E R R E I R A 1 , R A Q U E L C R I S T O V O 1 E A N T N I O E . C A N D E I A S 2
1 Finalista da licenciatura em Qumica da Universidade de vora2 Universidade de vora, Departamento de Qumica, Rua Romo Ramalho, 59
Resumo
Esta actividade experimental foi realizada no mbito dadisciplina de Qumica na Arte da Licenciatura em Qu-mica da Universidade de vora. O trabalho compreendea sntese de pigmentos utilizados em pintura de cavale-
te e a preparao das respectivas tmperas de ovo. Ospigmentos foram caracterizados por espectroscopia deinfravermelho, difraco de raios X de ps e microscopiaptica.
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deteriorao qumicos, fsicos e biolgi-
cos que a mesma sofreu desde a sua
concepo at ao presente indispen-
svel na preveno, reduo e mitiga-
o dos efeitos de todos os factores que
influenciam e ameaam a sua integri-
dade e conservao. Deste modo, a ca-
racterizao fsica e qumica de uma
obra de arte , hoje em dia, uma ferra-
menta crucial no processo de conserva-
o de uma obra.
2. Procedimento experimental
2.1. Preparao dos pigmentos
Nesta actividade os alunos podem
ainda preparar tmperas de ovo dos
pigmentos sintetizados, usando, para o
efeito a gema de ovo que uma emul-
so natural contendo leos gordos,
gua e os agentes emulsificantes, leciti-
na e albumina. Este processo foi larga-
mente utilizado na antiguidade clssica
e na Idade Mdia, podendo afirmar-se
que quase todas as pinturas de cavale-
te conhecidas no ocidente entre os s-
culos XIII e XVI so deste gnero [6].
Finalmente, o conhecimento material
de uma obra de arte e dos processos de
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Tabela 1. Atribuio das bandas de IV caractersticas de cada pigmento.
pigmento n. onda / cm-1 atribuio
verditer verde 3400 Elongao da ligao O-H do grupo hidroxilo
14001500 Flexo da ligao O-C-O do io carbonato
820710 Elongao da ligao C-O do io carbonato
azul da Prssia 20832090 Elongao da ligao CN
606 Elongao da ligao Fe -N
495 Flexo das ligaes C-Fe-C no plano e Fe-CN
amarelo de crmio 854832 Elongao da ligao Cr-O
905 Io cromato
figura 1 Espectros de infravermelho efotografias dos pigmentos preparados.
Sntese do verditer verde [4]
a) Dissolver 10 g de Cu(NO3)23H2O
em 500 cm3 de gua destilada e
manter sob forte agitao
mecnica.
b) Adicionar soluo anterior 3,5 g
de Na2CO3. Durante este processo,
ocorre libertao de CO2.
c) Aps cessar a libertao de CO2,
deixar a mistura reaccional a
maturar durante 24 horas, agitando
suavemente 2 ou 3 vezes durante
este perodo.
d) O precipitado obtido dever ser
filtrado, lavado com gua e seco
temperatura ambiente.
Sntese do azul da Prssia [2,7]
a) Dissolver 2 g de FeCl3 em 100 cm3
de gua destilada.
b) Dissolver 1 g de K4[Fe(CN)6] em
200 cm3 de gua destilada.
c) Misturar as duas solues num
copo de precipitao.
d) O precipitado obtido dever ser
filtrado, lavado e seco na estufa
temperatura de 100C. Nota: a
filtrao deste pigmento tende a
ser muito morosa pelo que poder
efectuar a mesma sob vcuo.
Sntese do amarelo de crmio [4,7]
a) Dissolver 8,5 g de Pb(NO3)2 em 100
cm3 de gua destilada.
b) Dissolver 5 g de K2CrO4 em 100
cm3 de gua destilada.
c) Misturar as duas solues num
copo de precipitao.
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Tabela 2. Picos mais intensos de difraco de raios X obtidos a partir dos padres JCPDS de cada pigmento.
verditer verde (720075) azul da Prssia (10239) amarelo de crmio (731332)
d / I/Io / % d / I/Io / % d / I/Io / %
5,99 59 5,10 100 4,95 30
5,05 71 3,60 32 4,38 31
3,69 69 2,55 48 3,48 59
2,85 100 1,80 14 3,28 100
2,78 45 1,61 14 3,03 61
figura 2 Difractogramas de raios X e fotografias obtidas num microcpio ptico com ampliao de50X dos pigmentos preparados. a) verditer verde b) azul da Prssia c) amarelo de crmio
d) O precipitado obtido dever ser
filtrado, lavado e seco
temperatura ambiente.
2.2. Preparao da tmpera de ovo
a) Moer o pigmento com gua
destilada at formar uma pasta
consistente e colocar de lado.
b) Separar a gema de ovo da clara.
Colocar a gema num papel
absorvente e rol-la de forma a
remover completamente os restos
de clara de ovo. Pegar na gema e
perfurar com um alfinete sobre um
gobelet. Adicionar cerca de 1 cm3
de gua destilada e misturar bem.
c) Misturar a pasta de pigmento com
aproximadamente igual quantidade
de gema at obter uma tinta
homognea.
d) Verificar a opacidade da tmpera
espalhando com um pincel sobre
um risco preto numa folha branca.
Este ponto deve ser realizado de
imediato pois a tmpera de ovo
seca rapidamente.
2.3. Caracterizao dos pigmentosobtidos
Espectroscopia de FTIRPreparar pastilhas de pigmento e KBr e
obter o espectro de IV. Identificar os
grupos funcionais caractersticos de
cada pigmento.
Difraco de raios XProceder anlise por difraco de
raios X dos pigmentos preparados.
Comparar os difractogramas obtidos
com os respectivos padres das fichas
de difraco de ps.
Microscopia pticaEspalhar uma fina camada de pigmen-
to seco numa lmina e colocar num mi-
croscpio ptico equipado com cmara
fotogrfica digital. Caracterizar os crista-
litos do ponto de vista de granulometria
e forma.
3. Resultados e Discusso
Os pigmentos propostos foram prepara-
dos com sucesso, tendo-se obtido os
rendimentos mdios de 80% e 94%
para a sntese do verditer verde e do
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amarelo de crmio, respectivamente.
Em relao sntese do azul da Prssia
no possvel estabelecer um rendi-
mento devido ao nmero incerto de
guas de hidratao. A ttulo informativo
assinala-se apenas que, para o procedi-
mento proposto, obtm-se uma massa
mdia de pigmento final de 0,80 g.
A espectroscopia de infravermelho, e
em particular a espectroscopia de infra-
vermelho acoplada a um microscpio
ptico, uma tcnica muito utilizada no
estudo de pintura de cavalete pois per-
mite a identificao de uma srie de pig-
mentos, aglutinantes e vernizes. Na fi-
gura 1 apresentam-se os espectros de
infravermelhos obtidos e na tabela 1 a
atribuio das bandas mais representa-
tivas dos vrios pigmentos.
No caso do verditer verde as principais
bandas caractersticas situam-se entre
os 1400 e 1500 cm-1 e entre 820 e 710
cm-1 e correspondem, respectivamente,
aos modos vibracionais de flexo e elon-
gao do io carbonato sendo indicati-
vas da sua presena. Em particular, a
banda a 1490 cm-1 apresenta elevada
intensidade, tal como se pode observar
na figura 1. Finalmente, observa-se
ainda uma banda de intensidade mdia
a cerca de 3400 cm-1 que corresponde
ao grupo hidroxilo (-O-H) [8].
O azul da Prssia pode ser identificado
no espectro de infravermelho atravs da
banda caracterstica de elongao do
CN a cerca de 2083-2090 cm-1. A pre-
sena desta banda neste tipo de espec-
tros permite identificar num pigmento
desconhecido o grupo cianeto e por sua
vez, o pigmento como sendo o azul da
Prssia. As bandas a 606 e 495 cm-1
podem ser atribudas respectivamente
elongao da ligao Fe-N e s flexes
das ligaes C-Fe-C no plano e Fe-CN,
confirmando a atribuio anterior [9].
Por ltimo o espectro do amarelo de
crmio (PbCrO4) apresenta as principais
bandas caractersticas no intervalo entre
854 e 832 cm-1 correspondentes elon-
gao Cr-O. O io cromato deste pig-
mento pode ainda ser identificado pela
presena da banda caracterstica a
cerca de 905 cm-1 [8].
A difraco de raios X uma tcnica de
excelncia para a caracterizao de sli-
dos cristalinos, sendo utilizada na carac-
terizao de pigmentos. Os difractogra-
mas obtidos para os vrios pigmentos
apresentam-se na figura 2.
O difractograma obtido para o pigmento
verditer verde foi comparado com o pa-
dro JCPDS n. 72-0075 correspondente
malaquite. Todos os picos foram iden-
tificados com o padro, com excepo
do pico correspondente ao ngulo de
12,88 que possu baixa intensidade re-
lativa (13%) e que pode ser atribudo ao
pico mais intenso da carbonatronite
(JCPDS n. 83-2253), um carbonato de
sdio e cobre hidratado, que seria pos-
sivelmente uma impureza cristalina
deste pigmento, formada por co-precipi-
tao.
Tal como seria de esperar, o difractogra-
ma obtido para o azul da Prssia apre-
senta poucos picos, reflectindo a sua
estrutura cbica de faces centradas, e
tpico deste material. Foi possvel iden-
tificar todos os picos com o padro
JCPDS n. 1-0239 correspondente ao
Fe4[Fe(CN)6]3. A largura dos picos obti-
dos no difractograma deve-se nature-
za coloidal deste pigmento.
Em relao ao amarelo de crmio, todos
os picos do difractograma obtido foram
identificados com o padro JCPDS n.
731332 correspondente crocoite re-
velando que se trata de uma fase pura
de cromato de chumbo.
Na tabela 2 apresentam-se os 5 picos
mais intensos de cada ficha padro.
A microscopia ptica um meio de
diagnstico utilizado na anlise de ponto
em pintura, pois permite obter informa-
o sobre a composio da pintura e
identificar, em alguns casos, os pigmen-
tos pela morfologia, dimenso e proprie-
dades pticas e qumicas dos seus cris-
talitos. As fotografias obtidas num
microscpio ptico com ampliao de
50x operando em luz transmitida, apre-
sentadas na figura 2, revelam a nature-
za coloidal dos vrios pigmentos e so t-
picas de materiais preparados por
precipitao, verificando-se, no entanto,
que os cristalitos do verditer verde so
de maior dimenso que os restantes.
Tanto o azul da Prssia como o verditer
verde possuem cristalitos transparentes
reflectindo os baixos ndices de refrac-
o destes pigmentos, respectivamente,
1,56 e 1,65, enquanto que o amarelo de
crmio que possui = 2,31 maisopaco. No caso do azul da Prssia, veri-
fica-se que possui cristalitos, que resul-
tam da agregao de partculas submi-
croscpicas, com granulometria variada
e forma de flocos lamelares, enquanto
que, os cristalitos do amarelo de chum-
bo so prismticos e de dimenso mais
homognea. Finalmente, deve referir-se
que alguns cristalitos do azul da Prssia
apresentam tonalidade avermelhada, o
que pode ser devido s condies de
preparao, como pH, concentrao,
temperatura, etc [9].
4. Consideraes finais
A metodologia adoptada nesta activida-
de experimental permite aos alunos fa-
miliarizarem-se com alguns pigmentos
utilizados em pintura de cavalete e utili-
zar algumas tcnicas comuns na carac-
terizao e identificao dos materiais
que constituem as obras de arte. A pre-
parao dos pigmentos e das tmperas
pode ser facilmente realizvel em qual-
quer laboratrio do ensino secundrio
podendo ser complementada por uma
actividade de aplicao das tmperas
em diversos suportes (papel, tela, etc.).
Bibliografia
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[2] http://webexhibits.org/pigments/
[3] A. J. Cruz, 1.os Encontros de Conserva-
o e RestauroTecnologias, Instituto Poli-
tcnico de Tomar, Tomar, 2000.
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ciety of Chemistry and the National Gallery
Company, 1999.
[5] M.V. Orna, J. Chem. Ed. 57 (1980) 264.
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[7] M.V. Orna, J. Chem. Ed. 57 (1980) 267.
[8] R. Newman, J. Am. Inst. Conserv. 19
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[9] B.H. Berrie in Artists Pigments A hand-
book of their history and characteristics
vol.3, E. W. Fitzhugh (ed.), Oxford University
Press, New York, 1997, p.191.