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CADERNO DE FORMAÇÃO III

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caderno 3 2011

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CADERNO DE

FORMAÇÃO

III

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Expediente• Este caderno foi produzido pelo SINDSEP-MG, como subsídio para os cursos de formação política e sindical para dirigentes, representantes sindicais e trabalhadores de base. Gestão 2009-2012 • Pesquisa e Produção dos textos:Helder Molina, Historiador, Mestre em Educação (UFF), Doutorando em Políticas Públicas (UERJ), Educador e Pesquisador Sindical e Assessor de Formação da CUT-RJ.

• Roteiro e Organização: Carlos Henrique de Melo, Mestre em Saúde Pública e Diretor do SINDSEP-MG (Gestão 2009-2012)

Diretoria ColegiadaTITULARESAilton Ferreira da Silva Arnaldo José Santa Cruz Júnior Carlos Henrique de Melo Carlos Henrique Rodrigues Edilson Alves Coutinho Geraldo Custódio de Amorim Gilberto Almeida Oliveira Ivone Maria Carvalho RochaJussara Griffo Luiz Roberto dos Santos AzevedoMaria Adelina Braz Maria Aparecida Guimarães Marizete dos Santos MendesRonaldo Vasconcelos dos Santos Rosângela Nogueira da Silva Rosângela Silva Alves Ubiratan Nascimento Vera Lúcia Ribeiro dos Santos Vicente Paulo de FreitasVilma Moreira dos Santos Waldelino Lopes de Moura

SUPLENTESFrancisco Alves SaldanhaMaria de Fátima da Silva SantanaMaria Donizetti de Paula Maria Elza Soares MachadoMiguel Ladislau

Rita de Cássia Rodrigues

Conselho FiscalTITULARESAssuero Torres de MatosDirceu Francisco MendesLélio Pereira

SUPLENTES João Santana Pereira da SilvaMarco Antônio dos Santos Walter Ferreira Lopes

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SUMÁRIO

1 Apresentação........................................................................................................05

2 Reflexões sobre a Ética e a prática dos(as) militantes e dirigentes sindicais - Helder Molina .....................................................................................06

3 Desafios atuais aos trabalhadores e ao movimento sindical: Formação e ação política - Helder Molina......................................................08

4 A Arte da Tolerância - Frei Betto.....................................................................10

5 - Sindicato: Sujeito coletivo de resistência dos trabalhadores: Seu papel histórico e sua atualidade - Helder Molina...............................11

6 - Como se faz análise de conjuntura Herbert de Souza (Betinho).....13

7 Negociação Coletiva: A difícil arte da guerra dos trabalhadores contra os governos e os patrões - Helder Molina........................................17

8 Dez conselhos para os militantes de esquerda - Frei Beto...................18 9 Capitalismo: Um sistema anti-social - Emir Sader....................................20

10 Ideologia e movimento sindical: Entre o pragmatismo de resultados, e a perspectiva de transformação socialHelder Molina...........................................................................................................21 11 Voracidade consumista - Frei Betto............................................................24

12 Capitalismo: risco de ecocídio e de biocídio - Leonardo Boff...........26

13 O terreno difícil dos agrotóxicos - Washington Novaes......................29

14 Entrevista com Flávia Londres: Política agrícola brasileira e o incentivo aos agrotóxicos....................................................................................31

15 Sustentabilidade e cuidado: um caminho a seguir - Leonardo Boff.......................................................................................................................................36

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Apresentação

A política de formação desenvolvida pelo SINDSEP-MG tem sido extremamente importante para fortalecer o Sindicato em todas as Regiões do Estado de Minas Gerais. Desde que iniciamos esse pro-cesso, no início de 2010, com as Oficinas de Capacitação de Base, aproximadamente 310 trabalhado-ras e trabalhadores participaram dos processos formativos no ano de 2010, em oficinas de 14 horas/aula presenciais. Em 2011 foram aproximadamente 800 filiados que participaram do processo de formação. O Caderno de Formação II serviu de roteiro e referencial teórico-político, e didático-metodológico, para o segundo módulo, das Oficinas de Capacitação, servindo de base para os 800 filiados capacita-dos. O Caderno de Formação III, que ora apresentamos, servirá de roteiro para as oficinas de Capaci-tação de Base do ano de 2012.O modelo inicialmente proposto e exaustivamente preparado foi testado e aprovado na base. Em 2012, deverão ser realizadas 15 Oficinas de Capacitação de Base, tendo como meta a participação de 600 trabalhadores (as) federais, nas diferentes Regiões do nosso Estado O formato das Oficinas será de 10 horas/aula presenciais. Também estão sendo previstas atividades para os participantes fazerem em casa de aproximadamente quatro horas/aula.

Os temas abordados neste terceiro módulo são:a) Reflexões sobre a Ética e a prática dos(as) militantes e dirigentes sindicais;

b) Desafios atuais aos trabalhadores e ao movimento sindical;c) Sindicato: Sujeito coletivo de resistência dos trabalhadores;

d) Como se faz análise de conjuntura;e) Negociação Coletiva;

f) Dez conselhos para os militantes de esquerda;g) Capitalismo: Um sistema anti-social;

h) Ideologia e movimento sindical;i) Voracidade consumista;

j) Capitalismo: risco de ecocídio e de biocídio;k) O terreno difícil dos agrotóxicos;

l) Política agrícola brasileira e o incentivo aos agrotóxicos; em) Sustentabilidade e cuidado.

As Capacitações de Base em formato de Oficinas foram estruturadas e desenvolvidas como objetivo uma melhor interação entre os (as) trabalhadores (as) filiados e, conseqüentemente, ser mais partici-pativa, além de propiciar uma maior reflexão por parte de todos. Trabalhamos com leituras de textos, vídeos e dinâmicas participativas pretendendo abranger o grande universo da base de filiados.Como produto das Oficinas de Capacitação de Base pretende-se reforçar a criação Comissões Locais de Mobilização para oxigenar as articulações de base. Além de propiciar mais uma força política de sustentação do SINDSEP-MG. Para esta etapa das capacitações cada oficina deverá ter um dia de duração. O tema central discorrerá sobre as formas de mobilizarmos nossas bases a partir da montagem de uma coletânea de textos curtos, mas reflexivos. Também será abordada a importância de sermos sindicalizados. Sempre colo-cando todas estas discussões dentro dos contextos institucionais, sociais, econômicos e ambientais relacionados às nossas militâncias políticas e sindicais.

Diretoria Colegiada do SINDSEP-MG.Gestão 2009/2012

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2 Reflexões sobre a Ética e a prática dos(as) militantes e dirigentes sindicaisHelder Molina

Estas reflexões podem contribuir para uma crítica sobre as práticas que têm sido desenvolvidas pelos sindicalistas, no cotidiano de uma entidade sindical. Essa reflexão é fundamental porque permite uma avaliação de questões que interferem significativamente no cumprimento do papel que as entidades sindicais devem exercer.

Eis as perguntas:

1. Os novos diretores e as novas diretoras recebem informações adequadas sobre os processos internos de funcionamento da entidade sindical, da cultura interna, do funcionamento burocrático, do papel que devem desempenhar, da história do sindicato, da federação, da confederação e da central sindical? Ou passam a participar das diretorias sem essas importantes informações?

2. Os diretores e as diretoras da entidade sindical participam de um processo de formação política e sindi-cal - que inclui cursos, palestras, seminários, debates, estudos individuais e ou em grupos - sobre temas de interesse do movimento sindical, tais como História do Movimento Sindical, Concepções Sindicais, Transformações do Mundo do Trabalho e Análise da Conjuntura?

3. Nas reuniões de diretoria, há um tempo determinado para debate sobre temas da conjuntura política, econômica e social, sobre a avaliação da correlação de forças? Ou a reuni não é destinada, principal-mente, para debater sobre a administração da máquina sindical, apresentando-se rapidamente alguns relatos sobre fatos que ocorrem na Conjuntura?

4. Os diretores e as diretoras leem jornais e revistas , refletindo, comparando, analisando além das aparên-cias? Ou geralmente não leem e, quando leem, simplesmente aceitam passivamente a visão parcial e de-turpada da grande imprensa? Leem livros, constantemente, sobre temas de interesse sindical e político?

5. Os diretores e as diretoras trabalham no sentido de democratizar as relações sindicais, ou se compor-tam como “mini-monarcas” no “pequeno pedaço” que dominam , desenvolvendo práticas mandonistas e burocratizantes?

6. Os diretores e as diretoras visitam as empresas constantemente para estabelecer contatos com os tra-balhadores, procurando ouvi-los e, ao mesmo tempo, estimulando-os à sindicalização, à participação nas atividades sindicais e à organização por local de trabalho? As demandas apresentadas pela base são objeto de debate no sentido da entidade apresentar propostas objetivas e viáveis que possibilitem o envolvimento dos trabalhadores e trabalhadoras nas lutas desenvolvidas pela categoria? Ou a base é tratada como massa de manobra, equivocada, ignorante e que, portanto não tem condições para opinar com qualidade?

7. A diretoria da entidade tem possibilitado que os trabalhadores e as trabalhadoras se expressem o mais democraticamente possível, encaminhando as decisões tomadas pela maioria? Ou a diretoria, em geral,

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comporta-se, olhando de cima para baixo, dando ordens para que a categoria as cumpram?

8. As ações da entidade são planejadas estrategicamente, têm governabilidade, são planejadas a curto, médio e longo prazo, têm objetivos e metas definidas, estão baseadas no que é tático, provisório e pas-sageiro e, simultaneamente, no que é estratégico, princípio e permanente? Ou as ações são sempre de apagar os incêndios, de “correr atrás dos prejuízos”, sem que haja planejamento adequado?

9. Os(as) diretores(as) da entidade fazem uma avaliação constante do trabalho que desenvolvem? Refle-tem sobre a prática, avaliando o crescimento que estão tendo, se estão produzindo adequadamente no sentido da construção de uma sociedade justa e democrática? Tratam os funcionários da entidade com todo o respeito que os trabalhadores e as trabalhadoras merecem? Conseguem trazer novos militantes para a atividade sindical? Têm,na prática, atitudes que visam a renovação dos quadros sindicais? Ou, ao contrário, já estão acomodados naquela função repetitiva, sem motivação para ações mais consequentes, despolitizando as lutas, ficando aprisionados ao corporativismo imediatista , tendo medo que trabalha-dores e trabalhadoras da base possam vir a ocupar seus lugares?

10. Ao montar a chapa para concorrer à próxima eleição da entidade, prevalece um clima de camar-adagem, procurando sempre colocar nos cargos companheiros e companheiras que tenham melhores condições para exercê-los, com melhor capacidade , preparação ideológica, dedicação, representação na categoria? Ou prevalece um clima de hostilidade, de disputa desenfreada pelos cargos, de ataques pessoais muitas vezes injustos, desperdiçando enormes energias políticas e esgarçando os tecidos de relacionamento das lideranças?

Estas perguntas não devem ser respondidas, de maneira simplista do sim ou não. Elas exigem uma re-flexão mais aprofundada. São questões que precisam ser enfrentadas pelos sindicalistas, sobretudo por aqueles que pretendem que as entidades sejam instrumentos importantes na luta econômica por mel-hores condições de salário e de trabalho, na luta política pela transformação profunda da sociedade e na luta ideológica contra os valores das classes dominantes.

Os problemas relacionados à estruturação interna das entidades não devem consumir toda a energia e tempo dos sindicalistas, impedindo-os de participar das lutas mais gerais dos trabalhadores. Quando es-ses problemas forem verdadeiramente enfrentados, as entidades terão melhores condições para exercer-em seu papel de contribuir na articulação de um movimento sindical forte e democrático, tão necessário nesse momento conjuntural que o país atravessa.

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3 Desafios atuais aos trabalhadores e ao movimento sindical: Formação e ação políticaHelder Molina

A emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores, as mudanças sociais profun-

das só foram realizadas a custo de muita luta de nossa classe. A única classe que desejo, pode e precisa

mudar o mundo é a classe dos trabalhadores. Essas questões só podem ser compreendidas se estudar

paciente e atentamente a realidade.

Conhecer para lutar melhor. Debater para aprender coletivamente. A formação é mais do que nunca es-

sencial para os sindicatos e para todos movimentos sociais. Formar novos militantes, descobrir coletiva-

mente novas estratégias e formas de lutas.

O mundo hoje é complexo, mas não adiante só constatar isso.Todas as vezes que terminamos um curso

ou seminário de formação, no momento da avaliação, a maioria dos participantes reafirmam a importân-

cia da formação política, tanto para os novos quanto para os antigos militantes e dirigentes.

Que a formação deve ser prioridade, deve ser continuada, abordar outros temas, para compreender a

história, a economia, a política, a sociedade, direitos sociais, meio ambiente, saúde, gênero, cultura, edu-

cação, o Estado, enfim, aprofundar o conhecimento sobre todos os aspectos da vida do trabalhador.E esse

sentimento de que a formação é algo estratégico, fundamental e necessário, vem sendo manifestado em

todos os espaços de debate das direções, congressos e plenárias sindicais.

É verdade que vivemos um tempo complexo, com profundas e aceleradas mudanças no mundo do tra-

balho, de globalização, crise do emprego formal e do trabalho assalariado.

Um tempo em que a dominação capitalista se traveste de novas formas de gestão, de novos métodos de

produção, de novas sociabilizadas baseadas no consumo, no individualismo, na competição é na desen-

freada busca de respostas individuais para problemas que só podem ser resolvidos coletivamente.

As inovações tecnológicas, o endeusamento do mercado, que transforma o dinheiro numa religião, a

alienação crescente dos jovens, a falta de perspectivas profissionais, a exclusão crescente das massas

trabalhadoras, colocam para nós o desafio de se debruçar nos estudos, abandonar as respostas fáceis, os

chavões, as palavras de ordens vazias de conteúdos, e aprofundar na reflexão política da realidade em

que vivemos.

Ler, criticar o que lê, estabelecer comparações sobre o que se está lendo, buscar dados, informações com-

plementares, se abastecer de teoria, para enfrentar um praticismo cada dia mais despolitizado que assola

o sindicalismo atual.

A formação é uma arma estratégica, uma ferramenta cada dia mais essencial, pois ela permite o debate,

a reflexão coletiva, a elaboração científica das respostas aos nossos atuais desafios.O próprio movimento

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sindical passa por profundas mudanças, temos o desafio colocado pela reconhecimento e legalização das

centrais sindicais, pelo nova configuração da estrutura sindical atual.

Tarefas cada dia mais importantes como a luta pela redução da jornada de trabalho, o combate ao impos-

to sindical e a busca de novas formas autônomas e livres de financiamento dos sindicatos, a necessidade

de se realizar campanhas massivas de sindicalização, no sentido de fortalecer os sindicatos. As lutas pela

aprovação das convenções da OIT (87, 151, 158), entre outras urgentes tarefas.

No setor público, garantir as mesas de negociação, a ampliação e defesa dos direitos, o respeito ao tra-

balhador do serviço público.Por isso criar, ter, manter e aprofundar seu plano de formação política e

sindical, fortalecendo as delegacias, OLTs, sessões sindicais, CIPAs, núcleos, representações por locais de

trabalho, etc, politizando os debates, ampliando sua representação, trazendo novos filiados, dando argu-

mentos aos seus dirigentes nos embates contra o Estado e os patrões.

O sindicalismo combativo deve aprofundar a formação, para consolidar-se, tornar-se mais representativa,

forte, democrática, autônoma, independente, e de luta e enraizada em todo território nacional. Não é

hora de divisão, é hora de dar sentido e engajamento estratégico.

Organizar um coletivo de formação, manter uma agenda de cursos, com metodologias que garantam a

participação de todos, em todos os níveis, sem dogmatismos, sem preconceitos, sem patrulhamentos,

sem arrogâncias pretensamente intelectuais, são tarefas da gestão sindical.

Analisar a conjuntura, discutir e conhecer as concepções sindicais em disputa hoje no movimento, con-

hecer a história de nossa classe, estudar as classes sociais, o Estado brasileiro, abordar as questões de

gênero, sexualidade, juventude, aposentados, questões etnico-raciais, enfim, uma agenda plural, que não

seja meramente decorativa, mas permanente, continuada, para fazer avançar nossa organização, na luta

contra o capitalismo e seu Estado, a burguesia, e os inimigos dos trabalhadores.

Se muito conquistamos, é porque muito lutamos. Avançar depende da nossa união, solidariedade e con-

strução coletiva. Se muito vale o já feito, mais vale o que será.

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4 A Arte da Tolerância Frei Betto

Tolerância é a capacidade de aceitar o diferente. Não confundir com o divergente.

Intolerância é não suportar a pluralidade de opiniões e posições, crenças e idéias, como se a verdade fizesse morada em mim e todos devessembuscar a luz sob o meu teto.

Conta a parábola que um pregador reuniu milhares de chineses para pregar-lhes a verdade. Ao final do sermão, em vez de aplausos houve um grande silêncio.

Até que uma voz se levantou ao fundo: “O que o senhor disse não é a verdade”. O pregador indignou-se: “Como não é verdade? Eu anunciei o que foi revelado pelos céus!” O objetante retrucou: “Existem três verdades. A do senhor, a minha e a verdade verdadeira. Nós dois, juntos, devemos buscar a verdade verdadeira”. Só os intolerantes se julgam donos da verdade. Assim ocorre com Milosevic, ao manter-se intransigente e não admitir os direitos dos kosovares, e com Clinton, ao decidir que seus mísseis são o melhor argumento para convencer o mundo de que a Casa Branca tem sempre razão.

Todo intolerante é um inseguro. Por isso, aferra-se a seus caprichos como um náufrago à tábua que o mantém à tona.

Ele não é capaz de ver o outro como outro. A seus olhos, o outro é um concorrente, um inimigo ou, como diz um personagem de Sartre, “o inferno”. Ou um potencial discípulo que deve acatardocilmente suas opiniões. O tolerante evita colonizar a consciência alheia. Admite que, da verdade, ele apreende apenas alguns fragmen-tos, e que ela só pode ser alcançada por esforço comunitário. Reconhece no outro a alteridade radical, singular, que jamais deve ser negada.

Pode-se aplicar ao tolerante o perfil descrito por São Paulo no Hino ao Amor da 1ª carta aos Coríntios (13, 4-7): “é paciente e prestativo, não é invejoso nem ostenta, não se incha de orgulho e nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita nem guarda rancor. Não se alegra com a injustiça e se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

Ser tolerante não significa ser bobo. Tolerância não é sinônimo de tolice.

O tolerante não desata tempestade em copo d’água, não troca o atacado pelo varejo, não gasta saliva com quem não vale um cuspe.

Ele jamais cede quando se trata de defender a justiça, a dignidade e a honra, bem como o direito de cada um ter seus princípios e agir conforme sua consciência, desde que isso não resulte em opressão ou exclusão, hu-milhação ou morte.

Das intolerâncias, a mais repugnante é a religiosa, pois divide o que Deus uniu.

Quem somos nós para, em nome de Deus, decretar se esses são os eleitos e, aqueles, os condenados?

Só o amor torna um coração verdadeiramente tolerante. Porque quem ama não contabiliza ações e reações do ser amado e faz da sua vida, um gesto de doação.

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5 - Sindicato: Sujeito coletivo de resistência dos trabalhadores: Seu papel histórico e sua atualidadeHelder Molina

Na luta política e ideológica atual, uma das formas mais persistentes utilizadas nas tentativas para en-

fraquecer e confundir o papel dos sindicatos, são várias e multifacetadas teorizações em torno da crise

sindical. Não há dúvida em relação à concreticidade das assertivas que dizem que movimento sindical

enfrenta enormes problemas e dificuldades, exigindo profunda reflexão sobre a sua orientação, ação,

organização.

O debate sobre o papel dos sindicatos, na atual hegemonia do capital e suas metamorfoses, é marcado

por profundas divergências. Mas essas divergências estão presentes deste o nascimento do movimento

operário, e sobre quais seriam suas tarefas na luta contra o capitalismo e pela construção de uma nova

ordem econômica, social e política., desde meados do século XIX, e perpassando por todo século XX.

Nessas análises e debates, constatamos profundos antagonismos, de um lado, uma visão, ao nosso ver,

marcada pelo esquerdismo, que carrega tintas nas denúncias e exigências, com um programa muitas

vêzes ultimatista e doutrinário, por isso mesmo, incapaz de dialogar com as massas de trabalhadores,

propondo-se como alternativa, mas se isolando dos processos vividos por estas.

De outro lado estão a ideologia liberal e sua concepção e prática sindical, com um discurso e projeto

reinventado, que se constituem com cara própria, ou vários caras de um mesmo projeto societário de

adequação ou conservação da ordem capitalista.

Como subproduto desta última, identificamos as concepções reformistas, que têm como objetivo a con-

quista de melhores condições de trabalho e de vida, sem adpatado à sociabilidade capitalista, sem con-

tudo romper com o projeto societário desse modo de produção. Uma humanização do capitalismo, como

se assim fosse possível.

Os sindicatos enfrentam problemas e dificuldades, que exigem profunda reflexão sobre a sua orientação

político-deológica, ação, organização e formas de intervenção e perspectivas tático-estratégicas, frutos

das alterações radicais na composição e estratificação da sua base social, provocadas pela profunda rev-

olução no processo produtivo. Essa crise se relaciona com a enorme ofensiva desregulamentadora, para

eliminar ou enfraquecer os direitos históricos dos trabalhadores.

A crise capitalista e seus elementos sócio-regressivos só aprofundaram as tentações neocorporativas e

as práticas burocráticas sob o discurso de sobrevivência e da prática possível diante das dificuldades da

ofensiva do capital.

Para Marx, enquanto o movimento dos trabalhadores mantiver vínculos exclusivos vinculado à forma-

sindicato, cuja característica é a luta meramente defensiva, de caráter econômico ou político, contra o

capital, continuará com sérias limitações diante da própria lógica do capital, submetida a esse “sujeito”

que domina o complexo societário contemporâneo.

Esta experiência mostrou que a partir da própria produção capitalista, do coração do sistema já era pos-

sível construir um duplo sentido. O horizonte limitado dos sindicatos dentro da ordem capitalista faz

com que tenham limites em transpor esta ordem, tendo um papel político e pedagógico importante no

sentido de mostrar à classe trabalhadora seus limites em se reformar.

Além de reconhecer o valor das lutas sindicais, Marx não deixou de destacar a necessidade estrutural

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delas. As lutas econômicas faziam parte da própria condição operária, eram intrínsecas à condição da

mercadoria-força de trabalho. Para ele o sindicalismo e os sindicatos eram uma condição própria do mun-

do industrial capitalista demonstrou ser correta. Marx destacou o valor das lutas sindicais, seus aspectos

políticos e sua importância moral para a classe trabalhadora, ele manteve sempre uma posição de crítica

do sindicalismo e dos seus limites.

Mesmo o sindicalismo de indústria, um sindicalismo de massa que veio a prevalecer durante o século

XX, possuía também, como característica principal, a luta meramente defensiva contra os abusos dos

capitalistas.

A luta contra o capital não deve se reduzir somente à esfera do salário e do emprego, sob pena de reduzi-

las às reivindicações corporativas. Isso porque ao lutarem por aumentos salariais, os trabalhadores lutam

contra os efeitos e não contra as causas desses efeitos, que o que fazem é refrear o movimento descen-

dente, mas não alterar o seu rumo: que aplicam paliativos e não a cura da doença.

O que fazer?

É verdade que vivemos um tempo complexo, com profundas e aceleradas mudanças no mundo do tra-

balho, de globalização, crise do emprego formal e do trabalho assalariado. Um tempo em que a domina-

ção capitalista se traveste de novas formas de gestão e métodos de produção, novas sociabilizadas base-

adas no consumo, no individualismo, na competição e na desenfreada busca de respostas individuais

para problemas que só podem ser resolvidos coletivamente.

As inovações tecnológicas, o endeusamento do mercado, que transforma o dinheiro numa religião, a

alienação crescente dos jovens, a falta de perspectivas profissionais, a exclusão crescente das massas

trabalhadoras, colocam para nós o desafio de se debruçar nos estudos, abandonar as respostas fáceis, os

chavões, as palavras de ordens vazias de conteúdos, e aprofundar na reflexão política da realidade em

que vivemos.

Ao nosso ver, a formação é uma ferramenta fundamental para consciência de classe e ação política dos

trabalhadores, mais do que nunca os sindicatos precisam investir na formação política e sindical de seus

dirigentes e militantes.

Essas questões só podem ser compreendidas se estudar paciente e atentamente a realidade. Resgatar

esse desejo e essa possibilidade de rasgar o tecido do modo de vida e de produção capitalista, do ponto

de vista da produção intelectual e da luta política concreta.

Na concepção de Gramsci, os sindicatos devem atuar como educadores coletivos da classe para sua

emancipação, e para disputar hegemonia na luta contra o capital e suas ideologias. A crise social e seus

elementos sócio-regressivos só aprofundaram as tentações neocorporativas e as práticas burocráticas

sob o discurso de sobrevivência e da prática possível diante das dificuldades da ofensiva do capital.

Para que a produção de intelectuais possa acontecer, no caso da burguesia, esta conta com os aparelhos

de hegemonia como o próprio Estado e suas instituições, os meios de comunicação, a educação, e etc. No

caso da classe trabalhadora, ela conta com os sindicatos, os movimentos sociais e os partidos operários.

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6 - Como se faz análise de conjunturaHerbert de Souza (Betinho)

6.1 Algumas categorias para a análise de conjunturaPara se fazer análise de conjuntura são necessários algumas ferramentas próprias para isso. São as catego-rias com que se trabalha:- Acontecimentos - Cenários- Atores- Relação de forças- Relação entre “estrutura/superestrutura/infraestrutura” e “conjuntura”

Cada uma destas categorias merece um tratamento à parte, mas no conjunto elas poderiam ser estu-dadas como elementos de “representação da vida”. Essas categorias, por exemplo, foram utilizadas por Marx, em seu estudo sobre a Revolução Francesa, no “18 Brumário”, que constitui um dos mais brilhantes estudos de uma situação política (uma conjuntura) já realizado.Tentemos ver um pouco mais o sentido de cada uma.

6.2 AcontecimentosDevemos distinguir fato de acontecimento. Na vida real ocorrem milhares de fatos todos os dias em to-das as partes, mas somente alguns desses fatos são considerados como acontecimentos: aqueles que adquirem um sentido especial para um pais, uma classe social, um grupo, uma família ou uma pessoa.Alguém pode cair de um cavalo e isso se constituir somente num fato banal, mas se esta é a queda de um presidente, provavelmente será um acontecimento. O nascimento do filho se um rei é um acontecimento para o país, mas o nascimento do filho de um operário é acontecimento para a família. O beijo pode ser um fato comum, mas o beijo de Judas foi um acontecimento.Existem ocorrências que se constituem “acontecimentos” tais como greves gerais, eleições presidenciais (principalmente se são diretas...), golpes militares, catástrofes, descobertas científicas de grande alcance. Essas ocorrências por sua dimensão e seus efeitos afetam o destino e a vida de milhões de pessoas, da sociedade em seu conjunto.Na análise de conjuntura o mais importante é analisar os acontecimentos, sabendo distinguir atos de acontecimentos e depois distinguir o acontecimentos segundo sua importância. Essa importância e peso são sempre relativos e dependem da ótica de quem analisa a conjuntura, por que uma conjuntura pode ser boa para alguém ou péssima para outros: um ladrão que chega num lugar policiado vai verificar que a conjuntura está ruim para ele naquele dia, a mãe que chega na praça com seu filho vai pensar o con-trário. A importância da análise a partir dos acontecimentos é que eles indicam sempre certos “ sentidos” e revelam também a percepção que uma sociedade ou grupo social, ou classe, tem de realidade e de si mesmos. Identificar os principais acontecimentos num determinado momento, ou num período de tempo, é um passo fundamental para se caracterizar e analisar uma conjuntura.

6.3 CenáriosAs ações da trama social e política se desenvolvem em determinados espaços que podem se considerados como cenários. Ouvimos sempre falar nos cenários de guerra, cenários de luta. O cenário de um conflito

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pode se deslocar de acordo com o desenvolvimento da luta: passar das ruas e praças para o parlamento, daí para os gabinetes ministeriais e daí para os bastidores...Cada cenário apresenta particularidades que influenciam o desenvolvimento da luta e muitas vezes o simples fato de mudar de cenário já é uma indicação importante de uma mudança no processo. A ca-pacidade de definir os cenários onde as lutas vão se dar é um fator de vantagem importante. Quando o governo consegue deslocar a luta das praças para os gabinetes já está de alguma forma deslocando as forças em conflito para um campo onde se poder é maior. Daí a importância de identificar os cenários onde as lutas se desenvolvem e as particularidades dos diferentes cenários. Num ditatura militar os cenários do poder e da luta contra esse poder serão necessariamente diferentes dos cenários de uma sociedade democrática. Numa, talvez o quartel; noutra, o parlamento, as ruas e as praças.

6.4 AtoresOutra categoria que podemos usar na análise da conjuntura é a dos atores.O ator é alguém que representa, que encarna um papel dentro de um enredo. Um determinado indivíduo é um ator social quando representa algo para a sociedade ( para o grupo, a classe, o país), encarna uma idéia, uma reivindicação, um projeto , uma promessa ou uma denúncia.Uma classe social, uma categoria de trabalhadores, ou um grupo, podem ser atores sociais.Mas a idéia de “ator” não se limita somente a pessoais ou grupos sociais. Instituições também podem ser atores sociais: sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, emissoras de televisão, jornais, igrejas.

6.5 Relação de forçasAs classes sociais, os grupos, os diferentes atores sociais estão em relação uns com os outros. Essas rela-ções podem ser de confronto, de coexistência, de coooperação e estarão sempre revelando uma relação de forças, de domínio, igualdade ou de subordinação.Encontrar formas de verificar a relação de forças, ter uma idéia mais clara dessa relação é decisivo se se quer tirar conseqüências práticas da análise de conjuntura. Algumas vezes essa relação de forças se revela através de indicadores até quantitativos, como é o caso de uma eleição: o número de votos indicará a relação de forças entre os partidos, grupos ou classes sociais. Outras vezes devemos buscar formas de verificação menos “visíveis”: qual é a força de um movimento sociais ou político emergente? Como medir o novo, aquilo que não tem registros quantitativos?Outra idéia importante é a de que a relação de forças não é um dado imutável, colocado de uma vez por todas: a relação de forças sofre mudanças permanentemente e é por isso que a política é tão cheia de surpresas: um candidato, um empresário, um partido político podem achar que mantém uma relação de superioridade e quando são chamados a demonstram sua “força” percebem que a relação mudou e que a derrota ou vitória devem ser explicadas depois...

6.6 Análise dos fatos relacionando as “estruturas” e a “ conjuntura”A questão aqui é que os acontecimentos , a ação desenvolvida pelos atores sociais, gerando uma situa-ção, definindo uma conjuntura, não se dão no vazio: eles tem relação com a história (raízes, processos, linhas de continuidade ou rupturas), com as classes e relações sociais (estrutura social), econômicas e políticas estabelecidas ao longo de um processo mais longo. Uma greve geral que marca uma conjuntura é um acontecimento novo que pode provocar mudanças mais profundas, mas ela não cai do céu, ela é resultado de um processo mais longo e está situada numa determinada estrutura social ou econômica que definem suas características básicas, seu alcance e lim-ites.Um quadro de seca no Nordeste pode marcar uma conjuntura social grave, mas ela deve ser relacionada

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à estrutura fundiária que, de alguma maneira, interfere na forma como a seca atinge as populações, a quem atinge e como.A isso chamamos relacionar a conjuntura (os dados, os acontecimentos, os atores) à estrutura. Além de considera essas categorias, existem outras indicações que devem ser levadas em conta para se fazer uma análise de conjuntura. É fundamental perceber o conjunto de forças e problemas que estão por detrás dos acontecimentos. Tão importante quando apreender o sentido de um acontecimento é perceber quais as forças, os movi-mentos, as contradições, as condições que o geraram. Se o acontecimento aparece diretamente à nossa percepção este pano de fundo que o produz nem sempre está claro. Um esforço e um cuidado maiores devem ser então feitos para situar os acontecimento e extrair deles os seus possíveis sentidos.Procurar ver também os sinais de saída para o “novo”, o não-acontecido, o inédito. Tão importante quanto entender o que já está acontecendo é estar atento aos sindiais dos fenômenos que começam a se mani-festar.Buscar ver o fio condutor dos acontecimentos. Não se pode afirmar a priori que todos os acontecimentos “acontecem” dentro de uma lógica determinada, segundo um enredo predeterminado. Na realidade, os processos são cheios de sentidos e dinâmicas que escapam ou não estão subordinados a determinações lógicas. Isto, no entanto, não nos impede de procurar, de pesquisar o encadeamento, a lógica, as articulações, os sentidos comuns dos acontecimentos. Quando somos capazes de perceber a lógica interna de uma de-terminada política econômica ficará mais fácil entender o sentido dos decretos, das ações e agté mesmo das visitas dos ministros do Planejamento...

Existem duas leituras possíveis dos acontecimentos ou dos modos de ler a conjuntura.1 – A partir da situação ou do ponto de vista do poder dominante (lógica do poder)2 – A partir da situação ou do ponto de vista dos movimentos populares, das classes dominadas , da oposição ao poder dominante.

De modo geral as análises de conjuntura são conservadoras: sua finalidade é reordenar os elementos da realidade, da situação dominante, para manter o funcionamento do sistema, do regime. Uma análise feita tendo como pressuposta uma correção de rota, mas não na direção fundamental. Esse tipo de análise parte do ponto de vista do poder dominante e, de certa forma, determinará não so-mente a seleção dos acontecimentos e atores a serem analisados, como atribuirá a estes acontecimentos u sentido afina com os interesses das classes dominantes. Todo acontecimento é uma realidade com um sentido atribuído, não é um puro fato, mas um fato tido como e visto por interesses específicos.Partir do ponto de vista dos movimentos populares não é, obviamente, inventar situações, aconteci-mento e correlações de forças que beneficiem o campo popular ao nível da fantasia e da imaginação dos analistas interessados. É partir dos acontecimentos social e historicamente determinados, existentes, concretos, mas percebe-los, analisá-los, sob a ótica dos interesses das classes subordinadas, dado que toda análise de conjuntura só adquire sentido quando é usada como um elemento de transformação da realidade.A análise de conjuntura deve levar em conta as articulações e dimensões locais, regionais, nacionais e internacionais dos fenômenos, dos acontecimentos, dos atores e das forças sociais.A importância dos elementos na análise de conjuntura depende de cada situação, de relação ou posição num contexto mais amplo e mais permanente.

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A análise de conjuntura de modo geral é uma análise interessada em produzir um tipo de intervenção na política; é um elemento fundamental na organização da política, na definição das estratégias das diver-sas forças sociais em luta.Uma questão chave na análise de conjuntura é a percepção da complexidade e da dificuldade em deter-minar relações de causalidade de tipo unilinear, simples.Existe um elemento constante de imprevisibilidade em relação à ação política: sua existência, seus efeitos, suas causas. A ação política é em si mesma um elemento da realidade política: é a base da possibilidade de transformações, de mudança, do surgimento do novo. Falar de uma lógica da ação é falar também de sua imprevisilidade.

6.7 “Estratégia” e “tática”As categorias “estratégia” e “tática” são também elementos úteis para a análise da ação dos diferentes atores sociais. É possível buscar identificar as linhas gerais de ação, as estratégias empregadas por estes atores sociais para conseguir realizar seus objetivos. Poderíamos definir como estratégia a articulação, a definição de um conjunto de meios, de forças , de elementos tendo em vista realizar objetivos gerais ou “projetos” mais globais que respondam a interesses e objetivos sociais, econômicos e políticos de deter-minadas forças ou classes sociais.Se na “estratégia” observamos os objetivos e linhas de ação mais gerais, na “tática” observamos os meios e as formas particulares, concretas de ação, tendo em vista a realização de estratégias determinadas. Nem sempre, porém, um acontecimento, ou um conjunto de ações aparente mente articulares entre si constituem uma tática ou uma parte de uma estratégia. Na sociedade, no processo social, o que acontece não tem que ver necessariamente com uma lógica ou um plano estabelecido. Só as teorias conspirativas ou “ estruturalistas” da história acreditam nisso. Por isso as análise de conjuntura deveriam estar sempre abertas à redescoberta de várias possibilidades e alternativas.

Souza, Herbert José. Como se faz uma análise de conjuntura, p.9-1822ª edição, editora Vozes, Petrópolis-RJ, 2001

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7 Negociação Coletiva: A difícil arte da guerra dos trabalhadores contra os governos e os patrõesHelder Molina

Com a constituinte de 1988, que garantiu o direito de organização e representação sindical dosas trabalha-dores as do setor público, avançamos muito no processo de negociação. Mas os governos ainda não respeitam a entidades sindicais como legítimas representantes dos interesses e direitos dos as trabalhadores as, e con-tinuam tratando os as trabalhadores as públicos como “servos” de seus “feudos”, ou como novos escravos as-salariados, no caso do setor privado.

E o conflito na maioria das vezes é inevitável.Na década de 1990, com o advento das políticas neoliberais, houve uma intensificação da flexibilização e con-fisco dos direitos, precarização das condições e relações de trabalho, e uma busca desenfreada pelas terceirza-ções. Hoje temos o direito de greve, mesmo ainda não regulamentado, mas temos que recorrer a ele todos os anos, para negociar. A greve é um direito democrático e um instrumento legítimo de pressão assegurado constitucionalmente aos servidores públicos.

A luta sindical abrange diferentes ações como mobilização, greve, articulação, organização, entre outras, e leva, quase sempre, a momentos ou a processos de negociação em que há disputa de interesses. A negocia-ção e conquista dos direitos dos trabalhadores contra o capital e os governos, a luta de classes, a permanente batalha das ideias, o confronto cotidiano entre patrões e empregados negociação, as táticas e estratégias que os trabalhadores constroem para atuarem nos cenários da ação sindical, como atores políticos e sociais, são exemplos concretos do que chamamos de A Arte da Guerra.

Os terrenos da luta de classes são como verdadeiros campos de batalhas. Para enfrenta-lo, os sindicatos devem conhecer e analisar a correlação de forças, ter a definição clara de quem são adversários e aliados nesses pro-cessos, ver a força e a disposição de luta de seu “exército” os trabalhadores e trabalhadoras, e o deles gestores, patrões, governos, eis as condições fundamentais para se encaminhar para uma negociação, mobilização, greve, enfim. Guardadas as devidas proporções, a arte de negociar é uma arte de guerrear.As negociações, tanto com os patrões privados, ou com os prefeitos, governadores, e com o próprio governo federal têm demonstrado isso. O capital e o Estado capitalista desenvolvem armas potentes para a guerra de classes, entre eles, e contra nós.Portanto, não é uma tarefa para amadores. Aprendemos muito nesses anos, afinal de contas, não tem cabimento fugir do jogo, vamos para o jogo, a dis-puta, o enfrentamento.

Os governos e as câmaras municipais, assembleias legislativas, quanto o congresso nacional, são movidos a pressão, pois há grandes lobbys corporativos dos empresários e dos latifundiários e setores privatistas, que disputam os recursos públicos e evitam avançar os investimentos do Estado para a maioria da população.Nas mobilizações, passeatas, caravanas, acampamentos, ocupações, pressões, greves, tornamos públicos os projetos e reivindicações dos trabalhadores, e disputamos hegemonia na sociedade. Disputamos visibilidade nas mídias, e e buscamos a legitimade das ruas.Enfim, nos tornamos sujeitos políticos coletivos, para defender a negociação e o avanço de nossas pautas específicas e gerais. Com Independência política e organizativa, autonomia em relação aos partidos, Estado e patrões, e na luta.

Esse é o nosso lado, essa é a nossa história. Assim conquistamos nossos direitos e mudamos a vida.

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8 Dez conselhos para os militantes de esquerdaFrei Beto

1. Mantenha viva a indignação Verifique periodicamente se você é mesmo de esquerda. Adote o critério de Norberto Bobbio: a direita

considera a desigualdade social tão natural quanto a diferença entre o dia e a noite. A esquerda encara-a

como uma aberração a ser erradicada.

Cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus social-democrata, cujos principais sintomas são usar

métodos de direita para obter conquistas de esquerda e, em caso de conflito, desagradar aos pequenos

para não ficar mal com os grandes.

2. A cabeça pensa onde os pés pisam Não dá para ser de esquerda sem “sujar” os sapatos lá onde o povo vive, luta, sofre, alegra-se e celebra

suas crenças e vitórias. Teoria sem prática é fazer o jogo da direita.

3. Não se envergonhe de acreditar no socialismo O escândalo da Inquisição não faz os cristãos abandonarem os valores e as propostas do Evangelho. Do

mesmo modo, o fracasso do socialismo no Leste europeu não deve induzi-lo a descartar o socialismo do

horizonte da história humana.

O capitalismo, vigente há 200 anos, fracassou para a maioria da população mundial. Hoje, somos 6 bil-

hões de habitantes. Segundo o Banco Mundial, 2,8 bilhões sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. E 1,2

bilhão, com menos de US$ 1 por dia. A globalização da miséria só não é maior graças ao socialismo chinês

que, malgrado seus erros, assegura alimentação, saúde e educação a 1,2 bilhão de pessoas.

4. Seja crítico sem perder a autocrítica Muitos militantes de esquerda mudam de lado quando começam a catar piolho em cabeça de alfinete.

Preteridos do poder, tornam-se amargos e acusam os seus companheiros(as) de erros e vacilações. Como

diz Jesus, vêem o cisco do olho do outro, mas não o camelo no próprio olho. Nem se engajam para mel-

horar as coisas. Ficam como meros espectadores e juízes e, aos poucos, são cooptados pelo sistema.

Autocrítica não é só admitir os próprios erros. É admitir ser criticado pelos(as) companheiros(as).

5. Saiba a diferença entre militante e “militonto” “Militonto” é aquele que se gaba de estar em tudo, participar de todos os eventos e movimentos, atuar em

todas as frentes. Sua linguagem é repleta de chavões e os efeitos de sua ação são superficiais.

O militante aprofunda seus vínculos com o povo, estuda, reflete, medita; qualifica-se numa determinada

forma e área de atuação ou atividade, valoriza os vínculos orgânicos e os projetos comunitários.

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6. Seja rigoroso na ética da militância A esquerda age por princípios. A direita, por interesses. Um militante de esquerda pode perder tudo - a liberdade, o emprego, a vida. Menos a moral. Ao desmoralizar-se, desmoraliza a causa que defende e en-carna. Presta um inestimável serviço à direita.

Há pelegos disfarçados de militante de esquerda. É o sujeito que se engaja visando, em primeiro lugar, sua ascensão ao poder. Em nome de uma causa coletiva, busca primeiro seu interesse pessoal.

O verdadeiro militante - como Jesus, Gandhi, Che Guevara - é um servidor, disposto a dar a própria vida para que outros tenham vida. Não se sente humilhado por não estar no poder, ou orgulhoso ao estar. Ele

não se confunde com a função que ocupa.

7. Alimente-se na tradição da esquerda É preciso oração para cultivar a fé, carinho para nutrir o amor do casal, “voltar às fontes” para manter acesa

a mística da militância. Conheça a história da esquerda, leia (auto)biografias, como o “Diário do Che na

Bolívia”, e romances como “A Mãe”, de Gorki, ou “As Vinhas de Ira”, de Steinbeck.

8. Prefira o risco de errar com os pobres a ter a pretensão de acertar sem eles Conviver com os pobres não é fácil. Primeiro, há a tendência de idealizá-los. Depois, descobre-se que

entre eles há os mesmos vícios encontrados nas demais classes sociais. Eles não são melhores nem piores

que os demais seres humanos. A diferença é que são pobres, ou seja, pessoas privadas injusta e involun-

tariamente dos bens essenciais à vida digna. Por isso, estamos ao lado deles. Por uma questão de justiça.

Um militante de esquerda jamais negocia os direitos dos pobres e sabe aprender com eles.

9. Defenda sempre o oprimido, ainda que aparentemente ele não tenha razão São tantos os sofrimentos dos pobres do mundo que não se pode esperar deles atitudes que nem sempre

aparecem na vida daqueles que tiveram uma educação refinada.

Em todos os setores da sociedade há corruptos e bandidos. A diferença é que, na elite, a corrupção se

faz com a proteção da lei e os bandidos são defendidos por mecanismos econômicos sofisticados, que

permitem que um especulador leve uma nação inteira à penúria.

A vida é o dom maior de Deus. A existência da pobreza clama aos céus. Não espere jamais ser compreen-

dido por quem favorece a opressão dos pobres.

10. Faça da oração um antídoto contra a alienação Orar é deixar-se questionar pelo Espírito de Deus. Muitas vezes deixamos de rezar para não ouvir o apelo

divino que exige a nossa conversão, isto é, a mudança de rumo na vida. Falamos como militantes e vive-

mos como burgueses, acomodados ou na cômoda posição de juízes de quem luta.

Orar é permitir que Deus subverta a nossa existência, ensinando-nos a amar assim como Jesus amava,

libertadoramente.

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9 Capitalismo: Um sistema anti-socialEmir Sader

“Se os 44 milhões de pessoas que estão desempregadas nos principais países ricos da OCDE fossem agru-pados em um único pais, sua população seria similar à da Espanha. Na própria Espanha, que tem a mais alta taxa de desemprego (21%), o número de pessoas sem trabalho soma a população de Madri e de Barcelona juntas. Nos EUA, os 14 milhões de pessoas oficialmente desempregadas formariam a quinta cidade mais populosa do país. Acrescente-se 11 milhões de “subempregados”, que estão trabalhando menos do que queriam, e se chega à população do Texas.”

As afirmações estão em editorial da revista conservadora britânica The Economist, em um dossiê sobre o desemprego. Uma das lúcidas conclusões da revista: “E o custo humano da crise é pago amplamente pe-los que não têm trabalho, porque o desemprego incrementa a depressão, os divórcios, o abuso de drogas e tudo o há de ruim na vida.”

Uma proporção grande das vítimas do desemprego são jovens, em um processo de desemprego que vai se tornando crônico. Nos EUA, a média de tempo no desemprego, que era de 17 semanas em 2007, agora subiu para 40 semanas, aproximando-se de um ano. O nível de expansão da economia nos países mais ricos do sistema não é suficiente nem para absorver os que chegam ao mercado de trabalho, quanto mais para absorver os que já estão desempregados. Calcula-se em 220 milhões os desempregados no mundo inteiro, sob a égide da globalização e das políticas neoliberais. Outros 20 milhões devem perder o emprego só no centro do capitalismo no ano que vem, se a crise se prolongar. O desemprego só não é maior porque a China cria 40 milhões de empregos por ano, nos países progressistas da América Latina – incluindo a Argentina e o Brasil -, onde o desemprego tem sistematicamente diminuído, justamente pela substituição de políticas neoliberais por políticas que priorizam o emprego e o mercado interno de consumo popular.

Os empregos têm sido sacrificados em nome da austeridade, especialmente no setor público, o que não só aumenta o desemprego, como piora a qualidade dos serviços públicos, que atendem à maioria pobre da população – que assim sofre duplamente, com a perda do emprego e a deterioração dos serviços so-ciais que os atendem.

Os maiores empregadores do mundo são serviços e empresas estatais. Entre os 10 maiores estão o De-partamento de Defesa dos EUA, o Exército chinês, seguidas por duas empresas privadas: Walmart e Mc-Donald’s, pela empresa chinesa estatal de petróleo, por outra estatal chinesa – State Grid Corporation of China, pela instituição de serviços de saúde da Inglaterra, pelas empresa de estradas de ferro da India, pelos Correios da China e por uma outra empresa chinesa – Hon Hai Precision Industry.

O desemprego entre os jovens chega a 41,7% na Espanha, 50,5% na Africa do Sul, a 27,8% na Itália, a 23,3% na França. A taxa de desemprego na América Latina está entre as menores do mundo, bem menos do que nos EUA e na Europa, refletindo políticas de manutenção do crescimento e da distribuição de renda por aqui, de ajuste e recessão por lá.

Um sistema que não garante sequer a quantidade de empregos para dar uma fonte mínima de renda a milhões de pessoas, que não projeta perspectiva de empregos garantidos para a maioria dos seus jovens, que tem empregos instáveis, vulneráveis e de péssima qualidade para a maioria dos que conseguem trabalhar – é um sistema anti-social. Porque funciona não conforme a necessidade das pessoas, mas con-forme os critérios de rentabilidade fornecidos pelo mercado. Um sistema que leva no seu nome o seu sujeito central – capital – e não os que produzem riqueza por meio do seu trabalho.

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10 Ideologia e movimento sindical: Entre o pragmatismo de resultados, e a perspectiva de transformação social Helder Molina

10.1 O que é ideologia? O processo material geral de produção de idéias, crenças e valores na vida social. Essas idéias, crenças ou valores são produzidos na vida concreta, portanto, são produtos sociais. Não são neutras, tanto politica-mente científicamente. Os interesses estão em conflitos, e as lutas estão associadas à implementação, ou negação, dessas idéias, associadas ao poder político. As idéias e crenças (verdadeiras ou falsas) que simbolizam as condições e experiências de um grupo ou classe específico, socialmente significativo.Segundo Marx, a ideologia dominante em determinada sociedade, em determinado contexto histórico, é a ideologia da classe dominanteO positivismo diz que a ideologia é neutra. A política e a ciência não podem se “contaminar” pela ideolo-gia, porque perderia sua validade, sua verdade.A ideologia dominante produz uma falsa consciência ampla, gerada não dos interesses de um poder dominante, e sim de estruturas sociais amplas.

10.2 Ideologias OperáriasAs duas grandes ideologias que defendem a classe operária são o marxismo e o anarquismo. A primeira baseia-se nas idéias e nos textos dos filósofos alemães Marx e Engels. Para os marxistas, o prob-lema operário deveria ser resolvido pela via política, com a organização de trabalhadores em sindicatos e partidos.A solução seria a conquista do poder político, destruindo o Estado burguês. Como resultado dessa rev-olução, o capitalismo seria substituído pelo socialismo, baseado na propriedade coletiva e na hegemonia (domínio) dos trabalhadores, etapa que faria a transição para a sociedade sem classes e sem Estado – a comunista. A segunda grande ideologia operária, o anarquismo, criado pelo revolucionário russo Bakunin, afirma que a igualdade social e econômica seria alcançada quando o Estado e todas as formas de governo desa-parecessem. A sociedade anarquista seria baseada na cooperação das pequenas comunidades. No final do século XIX, o anarquismo associou-se ao sindicalismo (anarco-sindicalismo), defendendo os sindicatos como os principais agentes sociais de mudança.O socialismo cristão ou catolicismo social, preocupada com a miséria do proletariado, a Igreja Católica começou a pregar a necessidade de reformas no capitalismo para humanizar a sociedade e combater a exploração. O primeiro documento papal que destacou tais preocupações foi a encíclica Rerum Novarum (1891), de Leão XIII. Apesar das preocupações sociais, a Igreja condenava as ideologias revolucionárias.

10.3 O Movimento Operário: Organização política da ideologia operáriaO percurso do sindicalismo coincide com o próprio percurso da sociedade capitalista, ele surgiu como resposta a exploração de classe dos capitalistas, na violência que se impos aos trabalhadores após a rev-olução industrial.O capitalismo se baseia na compra da força de trabalho do trabalhador, por meio do assalariamento, e

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lucro dos capitalistas é produzido pelo trabalho não pago (mais-valia) e pela apropriação direta e indireta

do que ele produz.

Em uma sociedade sem a apropriação privada do trabalho e das mercadorias produzidas pelo trabalhador,

os sindicatos teriam outras funções, em critérios de produção justos, em que cada um recebesse o valor

justo do seu trabalho e que este simultaneamente beneficiasse o homem em termos de qualidade de

vida e na medida em que as sociedades desenvolvidas são excedentárias em termos de bens de consumo

disponíveis

A origem do sindicato tal como o conhecemos hoje esta intimamente ligada a revolução industrial e a

divisão do trabalho como foi conceptualizado pelos detentores dos meios de produção capitalista.

Ja no final da Idade Média, as corporações de ofícios reivindicavam direitos aos que trabalhavam

Foram as dificuldades dos operários em individualmente reivindicar e conseguirem melhores salários e

condições de trabalho mais dignas face ao patrão todo-poderoso que emergiu a necessidade de perante

uma luta desigual os operários se unirem e fazerem das suas vozes uma só, que originaram os sindicatos,

isto é, de grupos de trabalhadores do mesmo ofício, representados pelos seus eleitos.

As primeiras experiâncias pré sindicais (de lutas dos trabalhadores, anteriores ao surgimento do sindi-

cato) foram desenvolvidas pelos “quebradores de máquinas”, oou “ludditas”, e depois pelos “cartistas” que

apresentaram uma carta de reivindicação, a carta do povo, tendo como centro a redução da jornada de

trabalho. Ambos na Inglaterra, berço do industrialismo (por volta de 1780).

Os sindicatos e as suas formas de luta variam de sociedade para sociedade, embora pese que nas socie-

dades mais industrializadas a sua importância e o seu papel na dinâmica social seja de maior relevo.

Os sindicatos não são estáticos evoluem com a evolução das sociedades, hoje o seu papel não tem o peso

ideológico que teve no passado, mas a sua importância e incontornável para as sociedades democráticas,

não há politica social e politica para o emprego que não tenha nas negociações governamentais o repre-

sentante dos sindicatos.

O trabalho continua a ter uma centralidade vital para as pessoas, ocupam os seres humanos num terço da

sua vivência diária, e para grande parte da humanidade enquanto o sol aquece, bafeja e ilumina a Terra

encontram-se enredados numa atividade que lhes remunera a sua existência, e que dá sentido à sua vida

na esfera social como forma de efetivar, o seu contributo para com a sociedade.

A precariedade devido ao que alguns autores já chamam da terceira revolução industrial acabou com

“emprego para toda a vida” bem como cimentou a angústia em que vivem os assalariados.

O esforço do homem em busca da sua valorização, da conquista de seus direitos e da defesa de seus

interesses são elementos comuns no associativismo que possibilitaram a busca da humanização e do

exercício da cidadania.

Os operários viam na máquina uma inimiga, por ser capaz de realizar o trabalho de vários operários e as-

sim fazê-los perder o emprego. No início, quebraram máquinas ao identificá-las como responsáveis pela

sua miséria: foi o movimento ludista. Depois, começaram a fazer greves exigindo melhoria nas condições

de trabalho e o reconhecimento do direito de associação.

Os operários viviam nos subúrbios das grandes cidades. As moradias eram pequenas, sem as mínimas

condições de habitação, higiene e salubridade. O salário não era suficiente para manter uma família. Para

garantir a subsistência, mulheres e crianças de pouca idade também eram obrigadas a trabalhar Os tra-

balhadores uniram-se, formando as trade-unions para lutar por melhores condições de vida. Nasce, as-

sim, a consciência de classe.

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10.4 Ideologia e organização sindical: pragas e antídotos4 pragas estão adoeçendo IDEOLOGICAMENTE os sindicatos, hoje:

O PRAGMATISMO DESPOLITIZADO, O CORPORATIVISMO ECONOMICISTA, O NEOLIBERALISMO, SINDICALISMO DE RESULTADOS.

A terceirização da economia, a concentração urbana e o desaparecimento ou fragmentação crescente da

comunidade local têm contribuído para o aumento do individualismo, solidão, egoísmo e artificialidade

das relações sociais. Vivemos em sociedades de risco, a nível local e a nível global. Por outro lado, proble-

mas como o desemprego, a precariedade, a pobreza e a exclusão social, reflexo da crise e desintegração

de alguns dos mecanismos que asseguraram o contrato social, contribuem cada vez mais para aumentar

a imprevisibilidade, a sensação de insegurança e a desconfiança nas instituições.

A era de individualismo e de «pós-contratualismo» que hoje atravessamos está a produzir novas gerações

de indivíduos frágeis, despojados e inseguros, que encenam quotidianamente um jogo de máscaras para

esconder dos outros essas mesmas fragilidades e sentimentos de isolamento. Passamos por uma fase de

pessimismo que se reverte em evasão individual, alienação deliberada, além das patologias do foro pes-

soal e familiar.

Foi tarefa e função do sindicalismo, unificar as lutas, fazer sair os trabalhadores da sua miséria e angustia

e permitir-lhes conquistar e fazer reconhecer a sua condição de cidadãos e direitos a ela inerentes na so-

ciedade capitalista. Defender os operários contra a exploração cada vez maior do grande Capital.

10.5 Tarefas urgentes: resgatar a ideologia operária e o sindicalismo como instru-mento político de transformação anticapitalistaResgatar o ESTUDO de ECONOMIA, POLÍTICA E IDEOLOGIA nos sindicatos. Lendo os clássicos da econo-

mia-filosofia-política, que foram instrumentos fundamentais para a construção do movimento operária.

Resgatar, urgentemente, a formação política e ideológica, combatendo o pragmatismo do sindicato

como instrumento, tão somente, de negociações salariais, acordo sobre o preço da força de trabalho do

trabalhador, e benefícios monetários e “RESULTADOS CONCRETOS”, dentro dos marcos do assalariamento

capitalista.

Formação POLÍTICA significa se debruçar sobre QUAL O PAPEL DOS SINDICATOS, HOJE? QUAL PAPEL DAS

CENTRAIS SINDICAIS, HOJE? A RELAÇÃO ENTRE OS SINDICATOS-PARTIDOS POLÍTICOS-ESTADO.

Perguntar diariamente: O capitalismo é o final da história? Que projeto de sociedade buscamos?

Fortalecer a IDENTIDADE DE CLASSE, nas lutas concretas, são se deixar dominar pelo FETICHE DAS CON-

QUISTAS IMEDIATAS.

Combater duramente os PRECONCEITOS, INDIVIDUALISMO, EGOISMO, CONSUMO, IMEDIATISMO, PRE-

SENTISMO (só existimos para o presente, o passado e o futuro não existem, um está morto, outro é apenas

uma abstração...

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11 Voracidade consumistaFrei Betto

Para o filósofo Edgar Morin, a ciência, ao buscar autonomia fora da tutela da religião e da filosofia, ex-trapolou os próprios limites éticos, como a produção de armas de destruição em massa. Os cientistas não dispõem de recursos para controlar a própria obra. Há um divórcio entre a cultura científica e a humani-sta.Exemplo paradigmático desse divórcio é a atual crise econômica. Quem é o culpado? O mercado? Con-cordar que sim é o mesmo que atribuir ao computador a responsabilidade por um romance de péssima qualidade literária.Um dos sintomas nefastos dos tempos em que vivemos é a tentativa de reduzir a ética à esfera privada. Fora dela, tudo é permitido, em especial quando se trata de reforçar o poder e aumentar a riqueza. Obama admitiu torturar os prisioneiros que deram a pista de Bin Laden, e não houve protestos com suficiente veemência para fazê-lo corar de vergonha.A globocolonização, inaugurada com a queda do Muro de Berlim, conhece agora sua primeira crise econômica. E ela explode no bojo da fragmentação da modernidade. “Tudo que é sólido se dissolve no ar…” Vale acrescentar: “… e o insólito, no bar”.Esfareladas as grandes narrativas que norteavam a modernidade, abre-se amplo espaço ao relativismo. O projeto emancipatório se dilui no terrorismo e no assistencialismo compensatório guloso de votos. O futuro se desvanece.Para os arautos do neoliberalismo, “a história terminou”. O presente é, hoje, o moto perpétuo. O passado, mera evocação, como a pintura que se contempla na parede de um museu. Nada de querer acertar contas com ele.Graças às novas tecnologias, o espaço se contraiu e o tempo se acelerou. O outro lado do mundo está logo ali, e o que lá ocorre é visto aqui em tempo real. Tudo isso impacta nossos paradigmas e nossa escala de valores. Paradigmas e valores soam como contos da carochinha comparados a ensaios de bionano-tecnologia.O mundo real se cindiu e não condiz com o seu duplo virtual. Via internet, qualquer um pode assumir múltiplas identidades e os mais contraditórios discursos. Agora, todos podem ser simulacros de si mes-mos.Não há mais propostas libertárias que fomentem utopias, nutrem esperanças e semeiem otimismo. Ao olhar pela janela, não há horizonte. O que se vê reforça o pessimismo: o aquecimento global, a ciranda especulativa, a ausência de ética no jogo político, a lei do mais forte nas relações internacionais, a insus-tentabilidade do planeta.Se não há futuro a se construir, vale a regra do prisioneiro confinado à sua cela: aproveitar ao máximo o aqui e agora. Já não interessam os princípios, importam os resultados. O sexo se dissocia do amor como os negócios da atividade produtiva.A cultura do consumismo desencadeia duas reações contraditórias: a pulsão pela aquisição do novo e a frustração de não ter tido tempo suficiente para usufruir do “velho” adquirido ontem… A competitivi-dade rege as relações entre pessoas e instituições. Somos todos acometidos de permanente sensação de insaciabilidade. Nada preenche o coração humano. E o que poderia fazê-lo já não faz parte de nosso universo teleológico: o sentido da vida como fenômeno, não apenas biológico; mas, sobretudo, biográ-fico, histórico.Agora a voracidade consumista proclama a fé que identifica o infinito nos bens finitos. O princípio do limite é encarado como anacrônico. Azar nosso, porque todo sistema tem seu limite, da vida humana ao mercado. Sabemos por experiência própria o que acontece quando se tenta ignorar os limites: o sistema

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entra em pane. Mas, em se tratando de finanças, não se acreditava nisso. A riqueza dos donos do mundo parecia brotar de um poço sem fundo.Duas dimensões da modernidade foram perdidas nesse processo: a dignidade do cidadão e o contrato social. Marx sabia que a burguesia, nos seus primórdios, era uma classe revolucionária. O que ignorava é que ela de tal modo revolucionaria o mundo, a ponto de exterminar a própria cultura burguesa. Os valores da modernidade evaporam por força da mercantilização de tudo: sentimentos, ideias, produtos e sonhos.Para o neoliberalismo, a sociedade não existe, existem os indivíduos. E eles, cada vez mais, trocam a liber-dade pela segurança. O que abastece este exemplo singular de mercantilização pós-moderna: a acirrada disputa pelo controle do mercado das almas. As religiões tradicionais perdem seus espaços territoriais e o número de fiéis. Agora, no bazar das crendices, a religião não promete o céu, e sim a prosperidade; não promete salvação, e sim segurança; não promete o amor de Deus, e sim o fim da dor; não suscita compro-misso, e sim consolo.Assim, o amor e o idealismo ficam relegados ao reino das palavras inócuas. Lucro e proveito pessoal são o que importam.

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Pra não dizer que não falei das flores Geraldo Vandré

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Nas escolas nas ruas, campos, construções

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações

Pelas ruas marchando indecisos cordões

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Há soldados armados, amados ou não

Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria ou viver sem razão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados, armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão

A certeza na frente, a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

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12 Capitalismo: risco de ecocídio e de biocídioLeonardo Boff

O capitalismo é um modo de produção social e uma cultura. Como modo de produção destruiu o sentido

originário de economia que desde os clássicos gregos até o século XVIII significava a técnica e a arte de

satisfazer as necessidades da oikos, Quer dizer, a economia tinha por objetivo atender satisfatoriamente

as carências da casa, que tanto podia ser a moradia mesma, a cidade, o país quanto a casa comum, a Terra.

Com sua implantação progressiva a partir do século XVII do sistema do capital – a expressão capitalismo

não era usada por Marx, mas foi introduzida por Werner Sombart 1902 – muda-se a natureza da econo-

mia. A partir de agora ela representa uma refinada e brutal técnica de criação de riqueza por si mesma,

desvinculada do oikos, da referência à casa. Antes pelo contrário, destruindo a casa em todas as suas mo-

dalidades. E a riqueza que se quer acumular é menos para ser desfrutada do que para gerar mais riqueza

numa lógica desenfreada e, no termo, absurda.

A lógica do capital é essa: produzir acumulação mediante a exploração. Primeiro, exploração da força

de trabalho das pessoas, em seguida a dominação das classes, depois a submissão dos povos e, por fim,

a pilhagem da natureza. Funciona aqui uma única lógica linear e férrea que a tudo envolve e que hoje

ganhou uma dimensão planetária.

Uma análise mesmo superficial entre ecologia e capitalismo identifica uma contradição básica. Onde im-

pera a prática capitalista se envia ao exílio ou ao limbo a preocupação ecológica. Ecologia e capitalismo

se negam frontalmente. Não há acordo possível. Se, apesar disso, a lógica do capital assume o discurso

ecológico ou é para fazer ganhos com ele, ou para espiritualizá-lo e assim esvaziá-lo ou simplesmente

para impossibilitá-lo e, portanto, destruí-lo. O capitalismo não apenas quer dominar a natureza. Quer

mais, visa arrancar tudo dela. Portanto se propõe depredá-la.

Hoje, pela unificação do espaço econômico mundial nos moldes capitalistas, o saque sistemático do pro-

cesso industrialista contra natureza e contra a humanidade torna o capitalismo claramente incompatível

com a vida. A aventura da espécie homo sapiens e demens é posta em sério risco. Portanto, o arquiin-

imigo da humanidade, da vida e do futuro é o sistema do capital com a cultura que o acompanha.

Coloca-se assim uma bifurcação: ou o capitalismo triunfa ao ocupar todos os espaços como pretende e

então acaba com a ecologia e assim põe em risco o sistema-Terra ou triunfa a ecologia e destrói o capital-

ismo ou o submete a tais transformações e reconversões que não possa mais ser reconhecível como tal.

Desta vez não há uma arca de Noé que salve a alguns e deixe perecer os outros. Ou nos salvamos todos

ou pereceremos todos.

Esta é a singularidade de nosso tempo e a urgência das reflexões e dos alarmes que aqui são partilha-

dos.

Dizíamos que o capitalismo produziu ainda uma cultura, derivada de seu modo de produção, assentado

na exploração e na pilhagem. Toda cultura cria o âmbito das evidências cotidianas, das convicções in-

questionáveis e, como tal, gesta uma subjetividade coletiva adequada a ela. Sem uma cultura capitalista

que veicula as mil razões justificadoras da ordem do capital, o capitalismo não sobreviveria. A cultura

capitalista exalta o valor do indivíduo, garante a ele a apropriação privada da riqueza, feita pelo trabalho

de todos, coloca como mola de seu dinamismo a concorrência de todos contra todos, visa maximalizar os

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ganhos com o mínimo de investimento possível, procura transformar tudo em mercadoria, desde a mís-

tica, o sexo até o lazer para ter sempre benefícios e ainda instaura o mercado, hoje mundializado, como o

mecanismo articulador de todos os produtos e de todos os recursos produtivos.

Se alguém buscar solidariedade, respeito às alteridades, com-paixão e veneração face à vida e ao mistério

do mundo não os busque na cultura do capital. Errou de endereço, pois ai encontra tudo ao contrário.

George Soros, um dos maiores especuladores das finanças mundiais e profundo conhecedor da lógica da

acumulação sem piedade (ele vive disso), afirma claramente que o capitalismo mundialmente integrado

ameaça a todos os valores societários e democráticos, pondo em risco o futuro das sociedades humanas.

Essa é, segundo ele, a crise do capitalismo (é o título de seu livro) que exige urgente solução para não

irmos ao encontro do pior.

O capitalismo, como modo de produção e como cultura, inviabiliza a ecologia tanto ambiental, quanto

social e a mental ou profunda. Deixado à lógica de sua voracidade, pode cometer o crime da ecocídio,

do biocídio e, no limite, do geocídio. Razão suficiente para os humanos que amam a vida e que querem

herdar aos seus filhos e filhas e netos uma casa comum habitável se oporem sistematicamente às suas

pretensões.

Entretanto, há sinais de esperança. Já a partir dos inícios deste século, o paradigma moderno começou,

teoricamente, a ser erodido pela física quântica, pela teoria da relatividade, pela nova biologia, pela eco-

logia e pela filosofia crítica. Estava surgindo então um novo paradigma. Ele tem um caráter contrário

àquele capitalista; é holístico, sistêmico, inclusivo, pan-relacional e espiritual. Entende o universo não

como uma coisa ou justaposição de coisas e objetos. Mas como um sujeito no qual tudo tem a ver com

tudo, em todos os pontos, em todas as circunstâncias e em todas as direções, gerando uma imensa soli-

dariedade cósmica. Cada ser depende do outro, sustenta o outro, participa do desenvolvimento do outro,

comungando de uma mesma origem, de uma mesma aventura e de um mesmo destino comum.

Ao invés de ser um universo atomístico, composto de partículas discretas – universo cuja complexidade

cabe ser quebrada em componentes menores e mais simples – agora este universo é considerado como

um todo relacional, inter-retro-conectado com tudo e maior que a soma de suas partes. A natureza da

matéria, quando analisada com mais profundidade, não aparece como estática e morta, mas como uma

dança de energias e de relações para todas as direções. A Terra não é mais vista como um conglomerado

de matéria inerte (os continentes) e água (os oceanos, lagos e rios), mas como um superorganismo vivo,

Gaia, articulando todos os elementos, as rochas, a atmosfera, os seres vivos e a consciência num todo

orgânico, dinâmico, irradiante e cheio de propósito, parte de um todo ainda maior que nos inclui: o uni-

verso em cosmogênese, em expansão e perpassado de consciência.

Esta visão fornece a base para uma nova esperança, para uma sabedoria mais alta e para um projeto civi-

lizacional alternativo àquele dominante hoje, o do capitalismo mundialmente integrado. Ela nos permite

passar do sentimento de perda e de ameaça, que o cenário atual nos provoca ao sentimento de pertença,

de promessa e de um futuro melhor.

Quatro eixos dão consistência ao novo paradigma, que se distancia enormemente do capitalismo: a bus-

ca da sustentabilidade ecológica e econômica, baseada numa nova aliança de fraternidade/sororidade

para com a natureza e entre os seres humanos; a acolhida da diversidade biológica e cultural, fundada na

preservação e no respeito a todas as diferenças e no desenvolvimento de todas as culturas; o incentivo

à participação nas relações sociais e nas formas de governo, inspiradas na democracia sem fim, como

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diria sociólogo português Boaventura de Souza Santos, entendida como valor universal a ser vivido em

todas as instâncias (família, escola, sindicatos, igrejas, movimentos de base, nas fábricas e nos aparelhos

de estado) e com todo o povo; o cultivo da espiritualidade como expressão da profundidade humana,

que se sente parte do todo, capaz de valores, de solidariedade, de compaixão e de diálogo com a Fonte

originária de todos os seres.

Este novo paradigma não é ainda hegemônico. Perdura vastamente ainda aquele da modernidade bur-

guesa e capitalista, atomístico, mecânico, determinístico e dualista, apesar de sua refutação teórica e

prática. Perdura porque é funcional aos propósitos das classes dominantes mundiais. Elas mantém o povo

e até pessoas de formação elevada na ignorância acerca da nova visão do mundo. Continua a impôr um

sistema global cujos frutos maiores são a dominação, a exclusão e a destruição.

Mas a crise ecológica mundial, expressa especialmente pelo aquecimento global, e o curto prazo que

dispomos para as mudanças necessárias conferem atualidade e vigor ao novo paradigma. Ele é subver-

sivo para a ordem vigente. Precisamos de uma nova revolução, uma revolução civilizacional. Ela será de

natureza diversa daquelas nascidas a partir da revolução do neolítico, especialmente daquela propiciada

pela cultura do capital. Terá por base e inspiração a nova cosmologia.

Mas para isso, temos que mudar nossa forma de pensar, de sentir, de avaliar e de agir. Dentro do sistema

do capital não há salvação para as grandes maiorias da humanidade, para os ecossistemas e para o plan-

eta Terra. Devemos ter mais sabedoria que poder, mais veneração que saber, mais humildade que ar-

rogância, mais vontade de sinergia que de auto-afirmação, mais vontade de dizer nós do que dizer eu

como o faz sistematicamente a cultura do capital. Por estas atitudes os seres humanos poderão se salvar

e salvar o seu belo e radiante Planeta.

Esposamos a idéia de que estamos na crise de parto, do nascimento de um novo patamar de hominiza-

ção. Podemos, sim, nos destruir. Criamos para isso a máquina de morte. Mas ela pode ser sustada e trans-

formada. O mesmo foguete gigante que transporta ogivas atômicas, pode ser usado para mudar a rota

de asteróides e meteoros ameaçadores da Terra. É a hora de darmos o salto de qualidade e inaugurarmos

uma aliança nova com a Terra. A chance está criada. Depende de nós sua realização feliz ou o seu inteiro

fracasso. Desta vez não nos é permitido nem protelar nem errar de objetivo.

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13 O terreno difícil dos agrotóxicosWashington Novaes

Neste próximo mês de junho entra em vigor resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (An-

visa) que proíbe (desde janeiro) a produção e a comercialização de agrotóxicos que contenham como

ingrediente ativo o metamidofós. O veto à comercialização programado só para junho visou a evitar que

houvesse este ano prejuízos para cultivos, com indisponibilidade de substitutos. Mas em junho de 2012

ficará proibido todo e qualquer uso do metamidofós.

Os estudos que levaram à resolução concluíram que esse inseticida – usado no País em lavouras de soja,

algodão, feijão, batata, trigo, tomate e amendoim – “não oferece segurança nem para trabalhadores, nem

para consumidores, nem para a população em geral” que possa estar exposta a seus resíduos: foi consid-

erado neurotóxico e imunotóxico, com atuação prejudicial aos sistemas endócrino, reprodutor e ao de-

senvolvimento embriofetal. No Brasil, tem um consumo anual em torno de 8 mil toneladas de ingrediente

ativo.

O produto já está proibido em vários países, até mesmo na China. A resolução da Anvisa – que estudava

o problema desde 2008 e ficou 75 dias em consulta pública, na qual teve 34 manifestações favoráveis

e 22 contrárias – foi aprovada por unanimidade pela Comissão de Reavaliação Toxicológica (que tem

membros da própria Anvisa, do Ibama e do Ministério da Agricultura). E já tivera uma nota técnica, com

estudos publicados e literatura científica, avaliada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Mas setores

da produção e da comercialização, inconformados, continuam a contestá-la. E há uma ação à espera de

decisão na Justiça Federal em Brasília.

É uma questão em que se contrapõem fabricantes e produtores agrícolas, de um lado, e cientistas, am-

bientalistas e sanitaristas, do outro. E não é só aqui. Há poucos dias encerrou-se em Genebra a V Confer-

ência das Partes do Convênio de Estocolmo sobre Contaminantes Orgânicos Persistentes, no âmbito do

qual já foram proibidos 21 produtos. Que incluem pesticidas, substâncias industriais e produtos que se

propagam pelo solo, pelo ar e pela água, além de se acumularem em tecidos de organismos vivos – inclu-

indo humanos. São, portanto, tóxicos para as pessoas, para a fauna e para a flora. Podem ser transmitidos

pelo leite materno, podem causar câncer, problemas reprodutivos e alterações no sistema imunológico.

Esse tema dos agrotóxicos precisa de muita discussão no Brasil.

Na China, como informaram alguns jornais, há pouco registrou-se na Província de Jiangsu perda pratica-

mente total da safra de melancias porque, na ânsia de apressar o crescimento e a venda, os produtores

usaram agrotóxicos em excesso. E as melancias passaram a explodir nas estufas. No Brasil, o uso de alguns

produtos levou a gravíssimos problemas de saúde entre os trabalhadores, principalmente em lavouras

de fumo. Num mercado mundial cada vez mais atento a problemas dessa natureza, usos inadequados

podem levar até a restrições ou proibições de importação.

E o panorama brasileiro nessa área, como já foi assinalado neste espaço em artigo anterior (18/4), merece

muita atenção e cuidado. Já somos os maiores importadores de agrotóxicos do planeta, com um consumo

médio anual de 14 litros por hectare cultivado, mais 180 mil toneladas anuais de fertilizantes. A importa-

ção aumentou mais de 20% em uma década e chegou a 80% do consumo total (quando era de 20% há 30

anos). Hoje, importamos 74% do nitrogênio, 49% do fósforo, 92% do potássio. Nossa importação total de

defensivos chegou a US$ 6,6 bilhões em 2009, quando o total no mundo ficou em US$ 48 bilhões.

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O preço médio dos fertilizantes também teve forte alta em 2010, com influência considerável no preço

dos produtos, já que dependemos em 81% de fertilizantes importados. Tanto que o relatório do Banco

Central de 12 de outubro de 2010 já mencionou que o maior fator de alta no preço de commodities in-

cluía essa questão. O índice de commodities agropecuárias (açúcar, soja, trigo, carne) acusou, em dez me-

ses do ano passado, alta de 46%. Para avaliar essa influência basta lembrar que hoje, no Brasil, as lavouras

de cana-de-açúcar usam 6,3 litros de agrotóxicos e insumos químicos por hectare cultivado; as de milho,

6,7 litros; as de soja, 15,4 litros; e as de algodão, 39,2 litros. O consumo total, de quase 1 bilhão de litros

por ano, equivale a seis litros por habitante do País.

Quando se retorna às questões de saúde, vale a pena ouvir palavras do professor Wanderlei Pignati, médi-

co e doutor na área de toxicologia, professor na Universidade Federal de Mato Grosso, que, em parceria

com a Fiocruz, estuda a questão no município de Lucas do Rio Verde (MT), onde há cinco anos houve um

acidente de contaminação tóxica de pessoas por pulverização aérea de defensivos. Ele analisou 62 mul-

heres que amamentavam bebês. Todas as amostras “revelaram a presença de algum agrotóxico”, inclusive

o DDT (diclorodifeniltricloroetano), já banido, e o endossulfan, “proibido há 20 anos na União Europeia”,

mas que somente será banido no Brasil em julho de 2013. “O metamidofós”, também encontrado, diz

professor Wanderlei Pignati, “é cancerígeno e neurotóxico”.

Segundo o toxicologista, legislação, no Brasil, há: “Mas existem alguns furos. Primeiro, quem está fiscali-

zando? (…) E os critérios, como a distância de 500 metros de nascentes de água, casas, criação de animais,

ninguém respeita.” E acrecenta: “O litro de água que você bebe hoje pode ter 13 tipos de metais pesados,

13 tipos de solventes, 22 tipos de agrotóxicos diferentes, 6 tipos de desinfetantes. Hoje, a questão mais

importante na contaminação da água não é mais a bactéria, mas toda essa contaminação química” (Agên-

cia Brasil de Fato, 28/4).

Então, é preciso ter políticas adequadas, legislação competente. A agricultura é fundamental para o País.

Mas, na área dos agrotóxicos e dos insumos químicos, é preciso muito cuidado, até para não ter, além de

problemas internos de saúde, barreiras comerciais externas.

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14 Política agrícola brasileira e o incentivo aos agrotóxicosO elevado e “alarmante consumo” de agrotóxicos no Brasil é resultado “de um conjunto de opções políti-cas adotadas pelo país, que remonta aos anos 1960”, esclarece Flávia Londres, autora do livro lançado na semana passada, Agrotóxicos no Brasil – um guia para ação em defesa da vida. Segundo ela, há 50 anos o Brasil potencializou investimentos em um modelo agrícola de monocultura que incentiva o uso de agrotóxicos nas plantações.As isenções fiscais e tributárias também têm favorecido a comercialização do produto no país e fazem parte da política expansionista do agronegócio. “O governo federal concede redução de 60% da alíquota de cobrança do ICMS a todos os agrotóxicos e isenta completamente de IPI, PIS/Pasep e Cofins os agrotóx-icos fabricados a partir de uma lista de dezenas de ingredientes ativos (incluindo alguns altamente peri-gosos como o metamidofós e o endossulfam, que recentemente tiveram o banimento determinado pela Anvisa)”, informa a engenheira agrônoma em entrevista concedida por e-mail.Flávia Londres é formada em Engenharia Agrônoma pela Universidade de São Paulo – USP e atualmente é consultora da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – AS-PTA.

Em função das lavouras transgênicas, Flávia menciona que cresce no Brasil a comercialização de agrotóxi-cos. “Segundo estimativas da indústria de biotecnologia, mais de 75% das lavouras transgênicas cultiva-das no Brasil são de soja transgênica da Monsanto tolerante ao Roundup (herbicida à base de glifosato). Não por acaso, o consumo de glifosato no Brasil saltou de 57,6 mil para 300 mil toneladas entre 2003 (ano da autorização da soja transgênica no país) e 2009, segundo dados divulgados pela Anvisa”, menciona.

IHU On-Line – A que atribui a aceleração do uso de agrotóxicos no Brasil? Por que o país começou a in-vestir nesses produtos?Flavia Londres – O alarmante nível de consumo de agrotóxicos que alcançamos nos últimos anos (o Bra-sil conquistou a liderança mundial em 2008 e desde então os volumes usados continuam aumentando) é resultado de um conjunto de opções políticas adotadas pelo país, que remonta aos anos 1960 – época em que o modelo de agricultura hoje dominante, das grandes monoculturas baseadas no uso de sementes melhoradas, forte mecanização, adubação química e agrotóxicos, começou a ser difundido com grandes incentivos. A partir de então, a pesquisa, o ensino, o crédito e a assistência técnica oficial voltaram-se para a promoção deste tipo de agricultura.Teve papel central neste processo a criação, em 1965, do Sistema Nacional de Crédito Rural, que vinculava a obtenção de crédito agrícola à obrigatoriedade da compra de insumos químicos pelos agricultores. Outro elemento-chave foi a criação, em 1975, do Programa Nacional de Defensivos Agrícolas, no âmbito do II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND, que proporcionou recursos financeiros para a criação de empresas nacionais e a instalação no país de subsidiárias de empresas transnacionais de insumos agrícolas.Outro elemento de destaque a ser mencionado são as isenções fiscais e tributárias concedidas, até hoje, ao comércio de agrotóxicos. O governo federal concede redução de 60% da alíquota de cobrança do ICMS a todos os agrotóxicos e isenta completamente de IPI, PIS/Pasep e Cofins os agrotóxicos fabricados a partir de uma lista de dezenas de ingredientes ativos (incluindo alguns altamente perigosos como o metamidofós e o endossulfam, que recentemente tiveram o banimento determinado pela Anvisa). Além das isenções federais, há as isenções complementares determinadas pelos estados – na maior parte dos casos a isenção de impostos para atividades envolvendo agrotóxicos chega a 100%.

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Mais recentemente, a difusão das lavouras transgênicas no país também contribuiu decisivamente para o crescimento deste mercado. A soja transgênica tolerante à aplicação do herbicida (mata-mato) glifosato representa mais da metade de todos os transgênicos plantados no mundo. Segundo estimativas da in-dústria de biotecnologia, mais de 75% das lavouras transgênicas cultivadas no Brasil são de soja trans-gênica da Monsanto tolerante ao Roundup (herbicida à base de glifosato). Não por acaso, o consumo de glifosato no Brasil saltou de 57,6 mil para 300 mil toneladas entre 2003 (ano da autorização da soja transgênica no país) e 2009, segundo dados divulgados pela Anvisa.Outra informação que chama a atenção é o aumento recente da importação de agrotóxicos de países como a China. Em alguns casos, a proibição de certos ingredientes ativos em outros países levou ao au-mento da sua importação pelo Brasil. É o caso do metamidofós, cuja importação mais que dobrou depois que o produto foi proibido na China, em 2008. Ou seja, viramos mercado consumidor para produtos perigosos banidos em outros países.Por fim, acredito que também tenha papel relevante no uso abusivo de venenos a ineficiência da fiscaliza-ção pelos órgãos oficiais. A legislação brasileira determina uma série de restrições e limites ao uso dessas substâncias, mas na prática não acontece qualquer tipo de controle.

IHU On-Line – Que avaliação faz da legislação brasileira sobre agrotóxicos? Quais são os principais de-safios da legislação em relação à segurança do produto?Flavia Londres – A legislação brasileira sobre agrotóxicos não é ruim. Se fosse cumprida por todos os elos da cadeia (fabricantes, comerciantes, órgãos de fiscalização e agricultores), os danos provocados pelos venenos agrícolas seriam consideravelmente menores.Para começar, a legislação proíbe o registro de produtos que revelem características teratogênicas (ou seja, que provoquem malformação fetal), carcinogênicas (que provoquem câncer) ou mutagênicas (que provoquem mutações genéticas), que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor ou mesmo danos ao meio ambiente. A questão é que em grande parte das vezes não é simples compro-var a existência desses efeitos. É muito comum que os danos provocados pelos agrotóxicos não sejam evidenciados na fase de testes e apenas venham a ser conhecidos após sua introdução no meio ambiente e no contato com as pessoas.Daí a importância da Reavaliação da segurança ambiental e à saúde de produtos agrotóxicos, que deve ocorrer sempre que uma alteração no nível de risco de um produto é verificada. As alterações de riscos à saúde, por exemplo, podem advir do avanço dos conhecimentos científicos sobre os produtos, de alertas provocados por observações epidemiológicas, de casos de intoxicação notificados, entre outras possi-bilidades. Até mesmo o fato de outros países terem proibido um determinado agrotóxico representa uma alteração do nível de risco. E esta reavaliação pode, entre outras medidas, levar ao cancelamento do registro.Mas o que tem acontecido na prática é que os órgãos têm enfrentado muitas dificuldades para conduzir as reavaliações. Em 2008, a Anvisa publicou uma lista de 14 agrotóxicos a serem reavaliados. Mas no mesmo ano o trabalho de reavaliação toxicológica foi marcado por longa batalha judicial contra limin-ares favoráveis às empresas, que tentaram impedir na Justiça a Anvisa de conduzir os estudos. Em alguns casos, o Ministério da Agricultura associou-se às empresas de agrotóxicos tentando impedir a Anvisa de realizar seu trabalho. Os estudos somente foram retomados após vários meses.De lá para cá, a Anvisa concluiu a reavaliação de 5 daqueles 14 agrotóxicos, determinando a proibição (imediata ou programada) de 4. Mas, supreendentemente, a história nem sempre acaba aí. O caso do metamidofós é um exemplo: o fim da sua comercialização está programado para dezembro de 2011. Com a proximidade da data, um dos fabricantes do veneno conseguiu uma nova liminar, em junho último, permitindo a continuidade da fabricação e da venda do produto. Somente em 5 de setembro o Tribunal Regional Federal – TRF de Brasília suspendeu a liminar e voltou a vigorar a decisão da Anvisa pela proi-bição.

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Há ainda outros mecanismos importantes previstos na legislação – não só na lei federal, mas também em diversas leis estaduais. Há estados, por exemplo, que determinam a proibição de agrotóxicos que já tenham sido banidos em seus países de origem, em outros a lei determina que as secretarias de meio ambiente, saúde e/ou agricultura conduzam, de forma permanente, o monitoramento da presença de resíduos de agrotóxicos no ar, na água, no solo e em alimentos. Infelizmente, entretanto, nada disso é cumprido. Em suma, o maior desafio neste campo é o próprio cumprimento da legislação que já existe.

IHU On-Line – Por que agrotóxicos proibidos em outros países são permitidos no Brasil?Flavia Londres – Justamente pelas dificuldades em se conduzir e concluir as reavaliações toxicológicas. Além das batalhas judiciais, há também as pressões políticas sofridas pela equipe técnica da Anvisa, vindo não só das empresas fabricantes dos produtos em reavaliação, mas também de parlamentares ligados ao agronegócio, por exemplo.Além disso, embora a Anvisa seja soberana quanto ao resultado de uma reavaliação toxicológica, a decisão da retirada de um ingrediente ativo do mercado é tomada por um Comitê do qual também participam o Ministério da Agricultura e o Ibama. E, via de regra, o Ministério da Agricultura se opõe ao banimento dos produtos, alegando prejuízos econômicos para os agricultores. É para acomodar esse tipo de problema que em alguns casos são determinados os chamados “banimentos faseados”, em que se estabelecem prazos, por vezes de até dois anos, para que o uso do produto seja descontinuado e finalmente cessado.

IHU On-Line – Quais as implicações do uso de agrotóxico na agricultura? É possível vislumbrar uma agri-cultura sem o uso de agrotóxico? Qual seria a alternativa?Flavia Londres – Não há possibilidade de uso de agrotóxicos sem a contaminação do meio no qual a lavoura se encontra. Estimativas da Embrapa, por exemplo, indicam que, mesmo quando todas as regras de aplicação são cumpridas, em média apenas metade do que é pulverizado atinge o alvo (no caso, as plantas a serem “tratadas”). O resto escorre para o solo, comumente contaminando águas subterrâneas, ou segue pelos ares para contaminar outras áreas.Além disso, a ideia do chamado “uso seguro”, segundo a qual o uso de equipamentos de proteção e a ob-servação das recomendações técnicas evitariam os casos de intoxicação dos trabalhadores rurais, mostra-se, na prática, absolutamente impossível – seja pela dificuldade de se seguir no campo todas as reco-mendações de segurança, seja pela própria incapacidade destes métodos de fornecer real segurança.E, contrariando a tese de que dependeríamos dos agrotóxicos para alimentar uma população crescente, existem infinitas experiências que mostram ser possível alcançar boas produtividades a baixíssimo custo através de sistemas ecológicos de produção. Trata-se de sistemas diversificados, de baixo impacto ambi-ental, capazes de produzir alimentos saudáveis e contribuir para a promoção da segurança alimentar e nutricional.Esses sistemas não se aplicam ao modelo do agronegócio: é evidente que em vastas extensões de mon-oculturas, nas quais se eliminam completamente os elementos da paisagem natural, reduz-se a biodiver-sidade ao extremo e exaure-se o solo, torna-se impossível produzir de maneira sustentável.Os sistemas agroecológicos, ao contrário, são adaptados à realidade da agricultura familiar e reforçam a proposta de outro modelo de desenvolvimento para o campo, que prevê a repartição das terras e a produção descentralizada, que possa empregar muita mão-de-obra, dinamizar economias e abastecer mercados locais com alimentos saudáveis.

IHU On-Line – Quais são principais irregularidades cometidas pelos agricultores ao utilizar agrotóxicos?Flavia Londres – Não há, na prática, um controle eficaz sobre o uso de agrotóxicos. Há, por outro lado, muita carência de assistência técnica e informação por parte dos agricultores. Muito comumente quem faz a recomendação de que produtos aplicar e em que dosagens se deve fazê-lo são os vendedores das

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casas agropecuárias. Consequentemente, é comum frequente o uso de agrotóxicos não autorizados para as culturas tratadas, o uso de dosagens acima do permitido e o não cumprimento dos períodos de carên-cia (intervalo de tempo exigido entre a última aplicação e a comercialização do produto). Há atualmente também muitos produtos sendo contrabandeados para o país – alguns, inclusive, já proibidos ou que nunca foram autorizados no Brasil. Tudo isso leva os produtos que consumimos a apresentarem níveis de resíduos considerados prejudiciais à saúde.A pulverização aérea é outro grave exemplo. A legislação determina distâncias mínimas de aplicação em relação áreas residenciais e cursos d’água, bem como a observação das condições meteorológicas, bus-cando minimizar a deriva do veneno para áreas vizinhas à lavoura. Mas nada disso é cumprido.A destinação inadequada de embalagens vazias é outro grave problema. Embora a construção e o geren-ciamento dos postos e centrais de recolhimento de embalagens sejam uma obrigação para os fabricantes de venenos, ainda são poucos os lugares que contam com este tipo de estrutura. Em alguns casos, a insta-lação só foi possível a partir da mobilização da sociedade e intervenção do Ministério Público. Muito co-mumente as embalagens são abandonadas ao relento ou descartadas no lixo comum, liberando resíduos tóxicos que contaminam o solo e a água.Também o uso de equipamentos de proteção pelos aplicadores das caldas tóxicas, exigido pela legisla-ção, é coisa rara de se ver no campo.

IHU On-Line – Como o cidadão pode identificar e notificar casos de intoxicação alimentar gerada por alimentos com agrotóxicos?Flavia Londres – Há basicamente três tipos de intoxicação. A intoxicação aguda é aquela cujos sintomas surgem rapidamente, algumas horas após a exposição ao veneno. Normalmente, trata-se de exposição, por curto período, a doses elevadas de produtos muito tóxicos. Os efeitos podem incluir dores de cabeça, náuseas, vômitos, dificuldade respiratória, fraqueza, salivação, cólicas abdominais, tremores, confusão mental, convulsões, entre outros. Ela pode ocorrer de forma leve, moderada ou grave, dependendo da quantidade de veneno absorvida, e em muitos casos pode levar à morte.A intoxicação subaguda ou sobreaguda ocorre por exposição moderada ou pequena a produtos alta ou medianamente tóxicos. Os efeitos podem aparecer em alguns dias ou semanas. Os sintomas podem in-cluir dores de cabeça, fraqueza, mal-estar, dor de estômago, sonolência, entre outros.E a intoxicação crônica caracteriza-se pelo surgimento tardio: aparecem apenas após meses ou anos da exposição pequena ou moderada a um ou vários produtos tóxicos. Os sintomas são normalmente subje-tivos e podem incluir perda de peso, fraqueza muscular, depressão, irritabilidade, insônia, anemia, derma-tites, alteração hormonal, problemas imunológicos, efeitos na reprodução (infertilidade, malformações congênitas, abortos), doenças do fígado e dos rins, doenças respiratórias, efeitos no desenvolvimento da criança, entre outros.A intoxicação provocada pelo consumo de alimentos com altos níveis de resíduos de agrotóxicos é aque-la do tipo crônico e, nestes casos, é muito difícil comprovar a relação da doença desenvolvida com a exposição a agrotóxicos através da alimentação ao longo da vida – sobretudo porque é praticamente im-possível aos consumidores relatar a que tipos de agrotóxicos estiveram expostos através da ingestão de produtos contaminados. É importante, de todo modo, que o paciente, ou seus parentes, colegas de tra-balho etc., relatem ao profissional de saúde todas as informações necessárias a uma avaliação completa sobre o contexto em que a doença se desenvolveu e qualquer possibilidade de relação entre a doença desenvolvida e a exposição algum tipo de veneno agrícola.Quanto à notificação, ela deve ser feita pelo profissional de saúde que fizer o atendimento à pessoa intox-icada. Os dois principais sistemas de registro e notificação de intoxicações por agrotóxicos são o Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas – Sinitox, gerenciado pela Fiocruz, e o Sistema de Infor-mação de Agravos de Notificação – Sinan, gerenciado pelo Ministério da Saúde.Para os casos de intoxicação aguda, existe um serviço chamado Disque Intoxicação: 0800-722-6001. Ele é gerenciado pela – Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica – Renaciat . Quem atende é um profissional treinado para dar orientações em casos de intoxicações ou acidentes com

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agrotóxicos, animais peçonhentos, produtos saneantes e medicamentos. O serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano. A ligação é gratuita e os dados relatados viram notificações dos casos de intoxicação.

IHU On-Line – O que acha do eufemismo de chamar agrotóxico de defensivo agrícola?Flavia Londres – A chamada Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989) traz, em seu Art. 2º, a definição dos “Agrotóxicos e afins”. Este é o termo técnico adotado pela legislação para designar os venenos agrícolas.Entretanto, os promotores do seu uso, fabricantes de venenos e lideranças do agronegócio, insistem em chamá-los de “defensivos agrícolas” – uma expressão mais suave, que omite os riscos associados a estes produtos. Muitos jornalistas acabam também adotando esta terminologia acreditando estarem usando uma linguagem mais técnica.Acho importante insistirmos no uso da denominação oficial, “agrotóxicos”, pois ela cumpre o papel de revelar que se trata de produtos perigosos, que implicam em risco para quem os manipula.

IHU On-Line – Ainda há muita dificuldade de se discutir o uso de agrotóxicos no Brasil? Por quê?Flavia Londres – Este tema vem ganhando evidência no Brasil a partir de 2008, desde que o país conquis-tou o terrível título de campeão mundial no uso de agrotóxicos. Mas é fato que há ainda muita dificuldade de se discutir o enfrentamento dessa questão, sobretudo com o governo e os órgãos que deveriam fazer o trabalho de fiscalização e cont role. O país vem investindo de maneira estratégica neste modelo de ag-ricultura produtora de commodities para exportação; há interesses muito grandes envolvidos aí. E há consequentemente uma reação muito forte capitaneada, sobretudo, pela bancada ruralista, que busca bloquear qualquer tipo mudança que implique em restrições ao uso dos venenos.Além disso, há muita falta de informação por parte da população e mesmo dos agricultores. Este assunto é também por muitos considerado demasiado técnico, difícil. Daí a enorme importância da divulgação e popularização do conhecimento a esse respeito.Justamente buscando contribuir para a superação desta dificuldade é que acabamos de lançar o livro Agrotóxicos no Brasil – um guia para ação em defesa da vida, uma iniciativa da Articulação Nacional de Agroecologia – ANA e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA. Trata-se de um material de con-sulta, em que o leitor encontrará informações relevantes sobre a legislação de agrotóxicos – para com elas mobilizar ações no sentido de exigir seu cumprimento; sobre os programas de monitoramento de resíduos de venenos nos alimentos – para cobrar a sua expansão e aperfeiçoamento e assim promover o acesso a alimentos menos contaminados; sobre como identificar, encaminhar, notificar e prevenir casos de intoxicação – e com isso melhorar o apoio às populações sujeitas aos riscos dos efeitos dos venenos sobre a saúde; e sobre os processos de reavaliação toxicológica dos agrotóxicos autorizados no Brasil – para então organizar o apoio à luta pelo banimento de produtos perigosos. A publicação traz também casos reais de intoxicação e de contaminação ambiental, bem como apresenta, ao final, caminhos para a articulação e a mobilização das pessoas e organizações que não se conformam em aceitar passivamente o envenenamento massivo dos campos, das cidades, da água, do ar e das pessoas.Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - IHU

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15 Sustentabilidade e cuidado: um caminho a seguirLeonardo Boff

Há muitos anos, venho trabalhando sobre a crise de civilização que se abateu perigosamente sobre a humani-dade. Não me contentei com a análise estrutural de suas causas, mas, através de inúmeros escritos, tratei de trabalhar positivamente as saidas possíveis em termos de valores e princípios que confiram real sustentatibili-dade ao mundo que deverá vir. Ajudou-me muito, minha paricipação na elaboração da Carta da Terra, a meu ver, um dos documentos mais inspiradores para a presente crise. Esta afirma:”o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de in-terdependência global e de responsabilidade universal”.Dois valores, entre outros, considero axiais, para esse novo começo: a sustentabilidade e o cuidado.A sustentabilidade, já abordada no artigo anterior, significa o uso racional dos recursos escassos da Terra, sem prejudicar o capital natural, mantido em condições de sua reprodução, em vista ainda ao atendimento das necessidades das gerações futuras que também têm direito a um planeta habitável. Trata-se de uma diligência que envolve um tipo de economia respeitadora dos limites de cada ecossistema e da própria Terra, de uma sociedade que busca a equidade e a justiça social mundial e de um meio ambiente suficientemente preservado para atender as demandas humanas.Como se pode inferir, a sustentabilidadae alcança a sociedade, a política, a cultura, a arte, a natureza, o planeta e a vida de cada pessoa. Fundamentalmente importa garantir as condições físico-químicas e ecológicas que sustentam a produção e a reprodução da vida e da civilização. O que, na verdade, estamos constatando, com clareza crescente, é que o nosso estilo de vida, hoje mundializado, não possui suficiente sustentabildade. É de-masiado hostil à vida e deixa de fora grande parte da humanidade. Reina uma perversa injustiça social mundial com suas terríveis sequelas, fato geralmente esquecido quando se aborda o tema do aquecimento globl.A outra categoria, tão importante quanto a da sustentabilidade, é o cuidado, sobre o qual temos escrito vários estudos. O cuidado representa uma relação amorosa, respeitosa e não agressiva para com a realidade e por isso não destrutiva. Ela pressupõe que os seres humanos são parte da natureza e membros da comunidade biótica e cósmica com a responsabilidade de protege-la, regenerá-la e cuidá-la. Mais que uma técnica, o cui-dado é uma arte, um paradigma novo de relacionamento para com a natureza, para com a Terra e para com os humanos. Se a sustentabilidade representa o lado mais objetivo, ambiental, econômico e social da gestão dos bens naturais e de sua distribuição, o cuidado denota mais seu lado subjetivo: as atitudes, os valores éticos e espiri-tuais que acompanham todo esse processo sem os quais a própria sustentabilidade não acontece ou não se garante a médio e longo prazo. Sustentabilidade e cuidado devem ser assumidos conjutamente para impedir que a crise se transforme em tragédia e para conferir eficácia às praticas que visam a fundar um novo paradigma de convivência ser-huma-no-vida-Terra. A crise atual, com as severas ameaças que globalmente pesam sobre todos, coloca uma impros-tergável indagação filosófica: que tipo de seres somos, ora capazes de depredar a natureza e de por em risco a própria sobrevivência como espécie e ora de cuidar e de responsabilizar-nos pelo futuro comum? Qual, enfim, é nosso lugar na Terra e qual é a nossa missão? Não seria a de sermos os guardiães e e os cuidadores dessa herança sagrada que o Universo e Deus nos entregaram que é esse Planeta, vivo, que se autoregula, de cujo útero todos nós nascemos?É aqui que, novamente, se recorre ao cuidado como uma possível definição operativa e essencial do ser hu-mano. Ele inclui um certo modo de estar-no-mundo-com-os-outros e uma determinada práxis, preservadora da natureza. Não sem razão, uma tradição filosófica que nos vem da antiguidade e que culmina em Heidegger e em Winnicott defina a natureza do ser humano como um ser de cuidado. Sem o cuidado essencial ele não es-taria aqui nem o mundo que o rodeia. Sustentabilidade e cuidado, juntos, nos mostram um caminho a seguir.

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